Projeto Memórias do Comércio de São José do Rio Preto
Entrevista História de Vida HV_089
Luciana Cristina Valêncio Shimizu - Supermercado Muffato, 99.
01 de junho de 2021
Entrevistada por Luís Paulo Domingues e Cláudia Leonor
Transcrita por Selma Paiva
(01:39) P1 – Luciana, para começar, eu gostaria que você dissesse seu nome completo, a data de nascimento e o local que você nasceu.
R1 – Eu me chamo Luciana Cristina Valêncio Shimizu. Nasci no dia 03 de julho de 1979, em São Roque.
(01:59) P1 – São Roque. E qual que é o nome do seu pai e da sua mãe?
R1 – Meu pai chama Adão Valêncio e minha mãe, Margarete Aparecida Arcain.
(02:11) P1 – Você conheceu seus avós ou conhece ainda? Tem avós vivos?
R1 – Eu conheci os meus avós, mas todos estão falecidos, né, já faz algum tempo. Uns seis, sete anos, que eu perdi todos.
(02:28) P1 – E, Luciana, você gostaria de dizer o nome deles, para ficar na gravação? Que essa é uma gravação que vai ficar para o Museu, né?
R1 – Sim. O meu vô chamava José Valêncio, né? O pai do meu pai. A minha avó se chamava Antônia Miguel Valêncio, por parte de pai. A minha mãe, Odete Rovani Arcain e meu avô, Luiz Arcain. São os quatro lados. Os dois lados, né?
(02: 58) P1 – Sim, sim. E você sabe a origem deles? Né, “Arcain”, por exemplo. Esse nome vem de onde, assim? E o outro, também.
R1 – Ah, eu sou descendente de espanhol com italiano, né? A parte da minha mãe, os “Arcains”, eu não sei muito bem, não. Mas os Valêncios, é descendente de italiano. Aí foi naquela época que dividiu as duas origens, né, da família. Um tanto ficou no Brasil e o outro seguiu a origem deles para fora, né? Mas nessa época aí eu já… eu acho que a família já tinha, já, desmembrado, né? E aí só ficou nós, mesmo. Aí você vai conhecendo os tios, os avós e vai vivendo dessa forma, né? Não tive muito contato com os “Arcains”, porque na época você é muito jovem, muito criança, então não segue, né? Só vai no final de ano e não fica muito “memorial”, assim, nessa época, nessa parte.
(03:54) P1 – Tá certo. E você sabe como é que seu pai conheceu sua mãe? Foi lá em São Roque ou foi antes?
R1 – Não. Meu pai e minha mãe se conheceram em Lavínia. Perto de Araçatuba, aquela região lá. Meu bisavô morava em Lavínia. Então, ele fazia parte da cidade lá, é… como fala? Ele abria açude naquela época, lá. Então, se conheceram lá. Foram jovens de lá. Chegaram a casar, quando eles tinham dezessete… acho que meu pai tinha dezessete, minha mãe quinze, uma coisa assim. Aí eles mudaram para Ibiúna. De Ibiúna foram para São Roque. Aí foram para lá, ficaram lá… eu saí de São Roque com um ano e meio. Então, aí já aquela parte ali, não lembro muito, não.
(04:55) P1 – Sim. Mas seu pai era... qual a profissão dele, do seu pai e da sua mãe?
R1 – Meu pai é caminhoneiro.
(05:02) P1 – Caminhoneiro.
R1 – E a minha mãe é comerciária, né? A minha mãe. Minha mãe trabalhou em várias lojas aqui em São José do Rio Preto, também.
(05:13) P1 – Certo. E com um ano e meio vocês saíram de São Roque e foram para onde?
R1 – José Bonifácio. Mas eu fui morar em Santa Luzia, que é uma cidadezinha próxima. Dá praticamente como uns dez quilômetros de Santa Luzia para José Bonifácio, aonde eu fiquei lá por volta de até sete anos, mais ou menos, depois que nós viemos para São José do Rio Preto. Lá eu estudei, né, nas escolas de Santa Luzia, que é uma escolinha bem pequenininha, bem humilde, tipo uma vilinha antiga. Mas hoje, sim, ela deve ter praticamente uns cinco mil habitantes, creio eu. Se não for muito, ainda, né?
(05:59) P1 – Certo. Luciana, o que você lembra da sua infância em Santa Luzia, assim? Como que era? Se você puder puxar na memória e contar para gente a cidadezinha, a rua que você morava, as brincadeiras que você fazia, como que era?
R1 – Ah, eu não morava em Santa Luzia, eu morava na fazenda, né? Então, na fazenda, onde eu morava, então tinha vários cavalos, vacas, frutas. Então, a gente passava a maior parte lá. Já em Santa Luzia, do sítio daria praticamente uns cinco quilômetros de terra, onde a gente tinha a perua escolar, que o próprio dono da fazenda arrumou para nós, né? Que foi o ‘seu’ Cirano, que foi dono do sítio. Não me recordo, hoje, o sobrenome dele. Mas, assim, hoje ele é vivo. Ele faz medicamento, fabrica medicamentos para animais. Mas ele está vivo ainda. A gente “temos” bastante amizade, a família e ele também. E lá, assim, você se enturmava muito com aquela turma de sítio, mesmo, porque não tinha muita coisa para fazer. Ah, brincava daquele telefone sem fio, duas latinhas, hoje que o pessoal não usa mais; bola queimada; pega-pega; disputa de animais, né, porque sempre tinha ali um lugar, ali, onde você corria com os cavalos, né? Acho que só. Bastante frutas, também. Lá o pessoal é muito antigo, então o pessoal é mais de culturas assim. Você ia pro curral tirar leite, você aprendia a tomar leite ali na hora. Então, são, assim, coisas que eu acho que muitos não vão viver o que nós vivemos. Uma fase muito boa, então não dá para você esquecer, né?
(07:52) P1 – Sim. E, Luciana, como que era mais ou menos seu dia a dia, né? Quem mora na zona rural, no sítio, acorda bem cedinho, né? Você ia para escola de manhã e voltava, ajudava os pais? O que você fazia no seu dia a dia de criança?
R1 – Ai… assim, nós, lá, acho que eu entrava no colégio, se eu não me engano, era umas sete horas da manhã. Então, o perueiro chegava lá por volta de umas seis e meia e nós já “tava” pronta e teria que vir embora… eu acho que na época lá que nós “ia” embora, era mais ou menos meio-dia, uma hora. Só que tinha o chamado “reforço”. Então, a gente ficava lá. E quando você perdia a perua para vir embora, para não vir a pé, voltava com o caminhãozinho que, quando era meu padrinho que vinha para o sítio, ou senão meu pai mesmo que pegava nós. Aí nós “voltava” por volta de umas cinco, cinco e meia da tarde. Ficava o dia inteiro lá. Lá é onde é que você se esforçava mais para você aprender o que você não tinha aprendido na sala de aula. Porque às vezes o ensino lá era mais puxado, então você não aprendia com facilidade a tabuada. Não sei se é pela gente morar mais no sítio, então você tinha aquela faixa etária rápido. Ficava no sítio só no final de semana mesmo, por que aí já tinha o quê? No mesmo ambiente, morava a minha tia e cinco primos. Então, assim, casinhas juntas, né? Então não teve, assim, aquele momento de você ficar só… ter que ajudar os pais. Nós não ajudávamos. Nós “pegava” mais assim, quando pegava para descer para lá, você ia buscar o leite, porque você gostava de tomar na hora. A laranja, você colhia do pé, porque você já tinha aquela vontade de “cascar” ali, subir comendo, subir em cima… porque o dono da fazenda, ele tinha uns pôneis. Então, a gente não montava no cavalo, montava nos pôneis, que eram pequenininhos, que tinha uns quatro, cinco. Então, assim que foi a maior parte da nossa vida. Então, assim, sempre tinha o funcionário que te chamava atenção, não deixava ir para a cerca, para esses lugares. Foi uma fase, assim, muito boa da minha vida. Quando eu vim para Rio Preto, na cidade maior, a gente já levou um susto, porque lá era assim... o pessoal já era mais acolhedor onde eu morava. Porque já na cidade grande, não tem dessa… não tem esse tipo de acolhimento. Até as ruas, para você atravessar lá, você podia andar distraído. Aqui já não. Foi esse, assim, um susto que a gente “levamos”, maior, né?
(10:34) P1 – Sim, sim. Ô, Luciana, e você tem lembrança de comida? Porque eu sei que… eu já vivi também na zona rural, né, pelo menos de final de semana. A comida da fazenda é uma coisa muito diferente, muito gostosa. Você lembra das comidas de forno a lenha? Tinha essas coisas?
R1 – Ah, lá em casa tinha. Na minha casa, na casa dos meus padrinhos tinha, né? Na escola, já não. Eu não sei como que era preparado na escola. Não sei se vinha de José Bonifácio para nós. Porque nós “era” uma escola bem mais humilde, né? Era uma escola, assim: além do lugar ser pequeno, a escola era pequena. Então, assim, eu me lembro vagamente da escola, que teria umas quatro ou cinco salas, né? Aí tinha aqueles “bancão” enormes, as mesas também não “era” tão elegante que nem as de agora, né, as cadeirinhas também “era” totalmente diferente, mas a comida da escola era totalmente diferente da nossa em casa. Porque, em casa, a mãe sempre batia também aquele sabão que você faz lá no tacho, a gente dividia as “criança” brincando para fazer o sabão, lá, para você lavar a roupa, você tinha aqueles “pezão” de… ai, eu não lembro. Um negócio marrom, lá, não lembro.
(11:51) P1 – Tamarindo?
R1 – Acho que é jatobá. É, tamarindo, a gente fazia a polpa para comer. Era tudo no fogão a lenha, porque o gás, lá, era raro você ver gás. Não tinha. Então, você via muito, assim: a gente ia brincar, trazia já para cima, os “toquinho” que ia queimar no fogãozinho. Pão era pão, assim, também, feito no forno a lenha. Era muito raro você conseguir uma comida feita no fogão. A gente achava estranho quando ia na casa de alguém que tinha. Porque tudo, praticamente, o leite, tudo era feito no fogão a lenha. Porque ainda meu pai fez uma “partinha” de tijolo, lá, eu não sei se era barro, não me recordo e a gente colocava a panelinha certinha nos buraquinhos, não tinha como cair para baixo. E a… o pão era colocado num tipo de uma pá. Era uma pá que eles fizeram lá, com um cabo bem grande e colocava. Até o negócio era enrolado com… você pegava numas luvas muito térmica. Era aquelas uma... tipo luva de pedreiro. Então, já socava. Mas isso a gente não fazia. A gente só esperava eles, para dar, né? E a comida, sim, foi praticamente diferente. Não era feito com um óleo, que nem hoje. Era muito com gordura, banha. Meus pais faziam compra praticamente toda sexta-feira, final de semana no armazém, né, que era assim… o frango mesmo era feito no forno a lenha também. Não era feito assim, que nem você compra hoje. O sabor, totalmente diferente. Foi uma vida assim… como que eu vou te falar? Mais difícil que nem hoje. Hoje você consegue as coisas mais fácil. Mas, assim, se eu pudesse voltar, eu voltaria tudo no tempo. Porque eu acho que você… existia mais saúde. Tudo o que você… jabuticaba, mesmo, você catava, carregava um baldinho de água, lavava ali na hora e comia, não precisava aquele transtorno. Era tudo mais fácil (risos) do que é hoje, né?
(13:54) P1 – É verdade. Muito bom, Luciana. Não, completa. Desculpa, te cortei.
R1 – A comida no colégio era fubá, na época, aquela polenta, né? Às vezes era aquele molhinho de carne moída, mas raro acontecer isso. Era mais frango, por causa que a própria granja onde eu morava, do Cirano, fornecia o frango pro colégio, então eles faziam a… hoje é doação. Antigamente eu não sei o que eles falavam. Então, eu não me lembro. Hoje tenho quarenta e dois anos. É mais difícil você recordar do que eram muitas palavras assim, né? Mas eu lembro que ponhava na perua, lá, os “balde” fechadinho e já vinha os “frango” já limpinho, preparadinho. Vamos supor: eram cem crianças, então daria os frangos pra cem crianças, porque era pra aquele dia. Aí no outro dia voltava outra remessa. Sempre era assim que vinha, né? Vinha a mandioca de lá, da própria granja onde eu morava. Vinha umas latonas que eu não me recordo o que que é, hoje. A laranja que a gente chupava lá, seriguela. Sucos de pitanga, era tudo feito assim. A perua encostava lá por volta de umas seis horas da manhã, creio eu, aí nós saíamos, mais ou menos, de casa, umas seis e meia, seis e quarenta. Era muito ruim quando chovia. Quando chovia era muito ruim. Porque, assim, enrolava muito pra você chegar. E se enrolava pra “nós” chegar, enrolava a merenda na escola, né? Porque antigamente era merenda. Hoje eles falam uma coisa diferente, também, né?
(15:36) P1 – Sim, sim. Ô, Luciana e tinha - em sítio tinha bastante, né, não sei se no seu - essas festas tradicionais, tipo de São João, quermesse de santo… você participou disso?
R1 – Muito. (risos) Muito. Até hoje ainda minha filha estava falando: “Nós não vamos comprar roupa de festa junina?” Eu falei assim: “Ah, ainda não, né, porque nós não sabemos como que vai ser”. Mas lá tinha bastante, sim. No sítio, eles comemoravam na primeira… porque era São Pedro, São Paulo e São João. Então, levantava a bandeira e na última dos santos, que era feita aquela fogueira enorme, aonde é que vinha todos os funcionários e a família do funcionário. Mas muitas vezes foi comemorado em Santa Luzia, porque lá tem a paróquia, que é enorme, que é a igreja lá de Santa Luzia, que é da vista, lá, protetora dos olhos. E do lado tinha aquele balcão, tipo um salão, onde é que caberia todos os moradores. E lá você ganhava quentão, pipoca, tudo o que você imaginar tinha lá. E aí era fornecido pelos fazendeiros dali da região, mesmo. Que vêm ali de Ubarana, passava ali e aumentava um pouquinho o lucro da cidade. Porque a cidade, ela fazia um “U”. Ela era um “U”. Então, você entrava por um lugar, você saía pelo outro, entrava pelo outro… era só isso. Não existia lugarzinhos a mais para você ir. Mas era muito bom. Uma época, assim, que… as tradições hoje está mais devagar, acho que por causa da pandemia que estamos vivendo, né? Mas era muito boa. Os doces lá, a canjica, era tudo feito por nós mesmos, pelos próprios moradores. Os bolos típicos. Lá na granja, eles tinham muito queijo. “Nós” fazia queijo, muita pamonha. Então, nessa época, independente de ser festa junina ou aniversário da cidade, era tudo os mesmos tipos de doce, os mesmos tipos de comida. Não tinha como diversificar. Às vezes você ganhava um milho cozido no sabugo, às vezes você ganhava no potinho, quando não tinha muitos e assim a gente ia vivendo as festas lá, né?
(17:58) P1 – Legal. Luciana, depois dessa vida tão junto com a natureza, né, no campo, tão diferente de hoje, você mudou de repente para São José do Rio Preto, né, que é uma cidade grande.
R1 - Sim.
P1 - Você não levou um choque, assim? Como é que foi essa mudança para a cidade grande? Por que que vocês mudaram, também?
R1 – Ó, nós mudamos por causa mais dos meus pais, né? Como eu vim de São Paulo para José Bonifácio, porque eu não aguentava o frio, então eu vivia muito doente. Nós somos em três irmãs e a mais velha não tinha nada disso e aí o médico de São Paulo fez os meus pais irem para o interior, que era mais quente. Então, mudou. Só os caseiros que mudou, veio para cá. E aí a minha mãe foi cansando, né? Acho que ela queria uma vida melhor, achando que a cidade grande seria melhor. Tanto pros filhos e tanto pra eles. Porque a gente vivia muito atrasado, tanto no colégio e tanto na vida, mesmo. Então, assim, você só vivia aquele mundinho. Quando nós mudamos pra São José do Rio Preto, o susto foi muito grande. Porque foi o que eu te falei: a gente era acolhido pelos idosos. Vamos supor, faltou… você perdeu a perua, não tinha problema. O teu pai e tua mãe sabiam que você estava ali, pertinho de um deles. Então, todo o mundo conhecia todo o mundo. Não tinha como você falar assim: “Ah, eu vou em algum lugar que meus pais não me conhecem”. Ou senão algum dos funcionários que estavam indo pro sítio, porque ficava praticamente até dez horas da noite, porque eles abasteciam os caminhões para ir os frangos para outros lugares, então a gente ia com eles. Então, era aquele medo menor. Aí quando a gente veio pra Rio Preto, o susto foi grande. Tanto pra você comprar as coisas, tanto pra você ir pro colégio, tanto pra você comer, porque era fácil: você sentia fome, você pegava uma laranja, uma poncã, uma manga e comia. Já na cidade grande, não. Então assim, foi mais difícil pra nós o “adaptamento”. Eu acho que a minha mãe deve ter sofrido um pouquinho, porque minha mãe que levava a gente pro colégio. Ela tinha que levar um filho, aí tinha que esperar aquele filho sair ao meio-dia, aí trazia pra casa, aí levava o outro. Aí minha mãe ficou vivendo assim acho que praticamente uns dois anos, até a gente aprender a caminhar sozinha. Porque nós não “vivia” assim. Vivia sempre aquela turma, né? Nós “deveria” ser, lá no sítio, em quinze. E, quando viemos para a cidade grande, era só eu e minha irmã mais velha, porque a mais nova não estudava. Então, assim, eu cruzava pouco com ela. O estudo era diferente. Como aqui, em Rio Preto, não tinha aquele reforço, que eles falam hoje, né? Não tinha como você sentar ao lado do professor e ele te ensinar. Porque o professor também morava em Santa Luzia. Então, no dia de domingo, às vezes você estava na paróquia e ela ensinava, também, onde é que você estava errando. Aí, já aqui, não. Você subia para a diretoria, você nem sabia o que estava fazendo lá. Aí você mudava de sala, como… teve época que eu e minha irmã “estudou” junto, para não vir embora sozinha, eu ficava na sala esperando ela terminar, para subir as duas irmãs juntas. O susto é muito grande. Muito. Porque, na cidade grande, você não se sente acolhida. Lá, você tinha um afeto. Você era acolhido pelos moradores, por todos. Aqui, não. Aqui, as pessoas te veem de uma forma diferente. Se você não parar na rua, o carro pega. Lá você brincava, aqui não teve isso. A infância, aqui, se você brincava mais no colégio, que era a época de escola de educação física. Era essa a parte que você brincava. Na parte que eu morei aqui em São José do Rio Preto, no outro… num bairro mais… assim, que eu morei na São Jorge. Então, eu estudei no Colégio Rollenberg Sampaio. Um colégio muito bom, só que era um colégio totalmente diferente, onde teria três, quatro escadas pra descer. Já em Santa Luzia, era um lugar em que você entrava numa sala, entrava na outra, já estava um do lado do outro, era totalmente diferente.
P1 - Sim.
R1 - Então, eu não sabia nem para que que servia aquelas escadas. Aí você foi descobrir aos poucos para que servia. Como lá em Santa Luzia, os pratos de comida já estavam colocadinhos. Aqui, quando eu vim pra cá, você tinha que entrar na fila para comer. Então, foi totalmente diferente. Lá, o filho levantava, em Santa Luzia, com o prato lavado e colocava no escorredor. Aqui, não. Aqui era totalmente diferente, a convivência aqui… então, você leva aquele susto maior do que lá, que era mais simples.
(22:51) P1 – Certo. E aí você foi morar lá no bairro São Jorge, né?
R1 – Sim.
(22:56) P1 – E seu pai ficou empregado em quê? Ele era caminhoneiro, mas ele foi trabalhar com o que, aí em Rio Preto?
R1 – Motorista, também. Ele entrou na J Alves Veríssimo, que era uma empresa de farináceo. Lá em Santa Luzia, era frango e aqui farináceo. Aí ele seguiu a vida dele de motorista, caminhoneiro mesmo, só estrada. E aqui a gente passou a ver meu… lá em Santa Luzia, via meu pai três vezes por semana. Já aqui, em Rio Preto, ficou mais difícil, era quinze dias… às vezes nem via, porque não coincidia do filho estar em casa na hora que ele passava. Então, ele vivia a maior parte com a minha mãe. E minha mãe era vendedora de loja.
(23:52) P1 – De loja.
R1 – Isso. Roupas.
(23:54) P1 – E o que… isso. E no final de semana, aí em Rio Preto, já nessa fase que você estava aí, o que que você fazia? A sua mãe te levava para passear em algum lugar? Você… o que você lembra da cidade? No Centro da cidade, você ia? O que você fazia? No parque, sei lá?
R1 – Ah, na cidade, assim: no final de semana a gente ia na igreja. Que nós tínhamos que ir no catecismo. Então, ia das oito da manhã até às onze, né. E aí ficava na igreja lá até três e pouquinho. E aí minha mãe descia do ônibus que ela trabalhava e nós íamos pra casa. E final de semana, no sábado, assim, às vezes a minha mãe fazia pão com carne moída, pão com salsicha, que hoje, hoje a gente descobriu que tudo isso é cachorro-quente, mas na época não era esse nome, não. Sua mãe te dava um pão com carne moída e era aquilo. Um pastel feito em casa… Aí, já nos domingos, a minha mãe costumava levar a gente no bosque, no que antigamente a gente falava “zoológico”. Hoje que é bosque, né? Ia na Cidade das Crianças. Então, assim, eu fui não muitas vezes, no cinema. Então, assim, sempre uma vez por mês… o mês que minha mãe comprava roupa pra gente, nós não saíamos, porque tinha que pagar aluguel, tinha que pagar isso, aquilo… então ela sempre falava pra nós a dificuldade que nós “tinha”. Então, era assim, ó: “Esse mês não sai, mas aí ganha roupa. E aí mês que vem a gente vai no shopping”. Não, o shopping eu fui conhecer acho que com uns quinze, dezesseis anos, creio eu. Mas, assim, na Cidade das Crianças a gente ia duas vezes por semana, duas vezes no mês. Às vezes a minha mãe falava assim: “Ó, nós vamos de ônibus e vai voltar de a pé”. Mas não tinha esse problema. Dava, assim, uns quilometrozinhos “bom”, (risos) mas a gente vinha. Entendeu? Vinha com as outras turminhas, né? Levava já o próprio “juju” pronto, o suco pronto. Então, a gente não reclamava, também. Entre… porque muitas vezes a gente reclamava que nós “preferia” estar morando no sítio, do que aqui. Então, ela tentou arrumar um jeito pra mostrar pra gente que aqui, a cidade grande, também era melhor do que lá.
(26:21) P2 – Também tinha lazer. Ô, Luciana, você lembra a primeira vez que você foi ao cinema, o que você assistiu, onde foi? Porque é tão mágico, né?
R1 – Ai, se eu não me engano, acho que foi o filme dos Trapalhões, na época. Porque assim, faz tanto tempo, né? Então, eu acho que foi o dos Trapalhões. Porque ainda foi… tinha a Xuxa, também, na época. Ai, deixa eu puxar na memória aqui, porque faz tanto tempo… aí você já me pegou, assim, (risos) desprevenida, né? Não me lembro, agora.
(26:57) P2 – Não, não tem problema. Bem, o que era a cidade…
R1 – Eu lembro que era ali no Centro da cidade, era assim, próximo ao calçadão, porque eu lembro que minha mãe falava assim pra nós, assim: “Ah, aqui é o calçadão de Rio Preto”. Então, eu sei que o cinema era por ali. Não foi no shopping, essas coisas, não.
P1- Sim.
R1 - Não sei se era perto das Lojas Pernambucanas, lá em cima, perto dos Bancos. Porque eu lembro que antigamente, a cidade… o Centro, onde você pegava o ônibus era ali no meio, né? Hoje que nós temos o terminal. Então, eu sei que a gente parava ali e subia uma quantidade. Então, assim, eu não me recordo muito, não. Mas eu tenho quase certeza que foi Os Trapalhões, que nós fomos assistir. Quase certeza, cem por cento, né?
(27:46) P2 – (risos) Que maravilha! Ô, Luciana, e o Parque das Crianças, como é que é, assim? Explica pra gente, que que era a Cidade das Crianças.
R1 – Ah, é a que hoje existe aqui. Eu não sei se você conhece aqui, São José do Rio Preto.
(28:01) P2 – Conheço mais ou menos.
R1 – Não, então, porque a gente “temos” o parque ecológico, né, Jau?
R2 – Tem o parque ecológico, Cidade da Criança, bosque…
R1 – Então, porque aqui tem o parque hoje, né, que é diferenciado. A Cidade das Crianças ficava lá no distrito. Ela fica, ainda, no distrito, né? Inclusive uma vereadora nossa que foi, que ela… o ano passado, que esse ano ela não conseguiu se eleger, né, que foi a Márcia Caldas, ela deu um “up” lá na Cidade das Crianças, melhorou os brinquedos, porque lá tinha muitos... vários brinquedos que você brincava e não pagava nada. Nem pra entrar, pra nada. Então, tinha aqueles… como fala? Ai, um escorregador que você escorregava, tinha de várias idades. Balanço… como?
(29:02) P2 – Gira-gira?
R1 – Gira-gira, tem. Tem ainda. Uns patinhos que você pedala. Gangorra, um do outro. Aquela tirolesa, hoje tem. Antigamente não tinha. Então, assim, ali era o único lugar que você tinha pra brincar. Já no Parque Ecológico, que seria o bosque hoje, tem os animais. Praticamente ele tinha se fechado e aí, como deram um astral novo nele, reabriu. E agora aqui existe o Parque Ecológico. Então, tem três lugares. A Cidade das Crianças, mas a Cidade das Crianças é bem antiga. Eu teria uns sete anos, hoje eu tenho quarenta e dois, então já faz uns… deve ter uns cinquenta anos, creio eu, se não for mais, né? Vivia… ele me perguntou também, a gente vivia muito na biblioteca municipal, aqui em Rio Preto, na época que eu estudava bastante, né? Porque não tinha condições de comprar livro, então nós “ia” nesse lugar, pra estudar. E quando eu tinha, assim, por volta dos doze, treze anos, a minha mãe deixava a gente lá e depois levava “nós” embora. Ficava lá o dia inteirinho, estudando.
(30:27) P1 – Certo. E, Luciana, depois você foi crescendo, você mudou de escola pra fazer o ginásio ou foi até qual ano?
R1 – Sim.
(30:36) P1 – E onde que era?
R1 – Sim, sim, eu fiquei no... na… eu fiquei na São Jorge, na São Jorge, né, até os… até a quinta série. Aí nós tivemos… teve que mudar de escola, por causa que lá era até o quinto ano. Depois eu fui pro Fogaça, fiquei lá até o nono ano, o ano que eu me formei lá. E aí, saí de lá, fui pro Victor Britto de Barros Serra, onde eu fiquei mais três anos. Aí eu fiz cursinho, fiz Auxiliar de Enfermagem no Ceres e fiz Psicologia, dois anos e meio. Aí eu fechei, tranquei a matrícula, porque eu ia embora do Brasil, né? Eu ia pro Japão. Porque já…
(31:34) P1 – Ah…
R1 – É. Aí eu fechei, e aí minha vida mudou, né? Então, eu não fui pra lá e não terminei a faculdade porque, logo quando eu decidi ir embora, o meu passaporte chegou hoje, aí eu descobri que eu estava grávida de dois meses e oito dias. Pra quem não podia ser mãe, né, então foi um choque a mais. Aí eu preferi ficar no Brasil, porque meu esposo falou que era mais difícil, depois, de eu trazer o bebê pra cá, por legalizações, então aí nós decidimos ficar. E aí minha menina nasceu, que hoje eu tenho uma menina de dezesseis anos, né? Aí eu não fui. E não segui, porque meu sogro teve câncer, aí em vez de eu ir trabalhar fora, eu fiquei com eles. E eu fui desistindo, fui ficando, fui ficando, fui enrolando e não terminei a faculdade.
(32:35) P1 – (risos) Sim. E, Luciana, como você conheceu o seu marido? Conta como foi.
R1 – Na porta de casa. (risos) Na porta da minha casa.
(32:47) P1 – Hã. Conta.
R1 – Foi em 1994, né? Antigamente, eu não sei se aí em São Paulo, onde vocês moram, existia aquela famosa brincadeira, que era na casa, a gente tocava música, isso aquilo e aquilo outro…
(33:03) P2 – Brincadeira dançante.
R1 – Isso! Isso mesmo.
(33:06) P2 – Brincadeira dançante, de rosto colado...
R1 – Isso, que tinha os passinhos, né, que hoje não existe mais.
(33:13) P2 – De rosto colado, o menino tirava pra dançar…
R1 – (risos) Mais ou menos isso. E aí, teve... (risos) eu não sei o que que ele te falou. Mas foi mais ou menos isso. Aí teve do outro lado da rua, né? E aí eu falei assim: “Não, eu não posso ir, porque amanhã eu trabalho e minha mãe é uma mulher muito brava e não sei o que tem, né”. Aí ele falou assim: “Ah, então, vamos ficar aqui na frente da tua casa, conversando, né?” Eu falei: “Ah, vamos, né?” Isso aí em 1994. (risos) Né? E aí ele chegou… ele tinha acabado de chegar do Japão, fazia acho que uns três ou quatro meses, creio eu, que eu não me recordo. E aí ele falou assim: “Você não quer namorar comigo?” Eu falei: “Ah, eu, não. Quero namorar com você, não” “Você não quer?” Eu falei: “Não, eu nem te conheço, né. Nem sei de onde você é. Não quero, não. Eu quero, assim: vamos ter amizade”. Aí, depois de um mês, mais ou menos, começamos a namorar. E aí namoramos por sete anos e meio, ele me enrolou sete anos e meio. E casei com ele.
(34:20) P1 – Casou. Que legal!
(34:21) P2 – Ele é de origem japonesa, Luciana?
R1 – Sim, é de origem japonesa. Os pais é “japonês”, né?
P2 – Aham.
R1 – Os avós também.
(34:33) P2 – E ele tinha passado essa temporada no Japão. Trabalhando, estudando? Ou ele é nascido lá?
R1 – Não, ele é nascido em Fernandópolis, né?
P2 - Ah, tá…
R1 –Aí, eles… a minha cunhada… eu tenho três cunhadas no Japão. E são três no Brasil. Aí ele é o único homem. E aí, em 1992… não, em 1991, eles foram pro Japão, ficaram no Japão o pai, a mãe e um casal de filhos. As outras três filhas permanecem lá até hoje, não quiseram voltar, né? E aí ele… quando ele voltou, assim, no meio do ano de 1994. E aí, nesse tempo, ele parou a faculdade. Então, ele come...voltou em 1995 a estudar. Hoje ele é formado, né? Ele é contador.
(35:32) P2 – Como que ele chama?
R1 – Alfredo.
(35:36) P2 – Alfredo. (risos)
R1 – (risos) Isso, Alfredo. Todo o mundo o chama de Júnior, né? Alfredo.
(35:43) P1 – Ô, Luciana, e você contou que, nesse dia que você conheceu ele, você tinha que trabalhar no dia seguinte. Conta sua vida de trabalho. Você começou a trabalhar em Rio Preto no que, assim, no início?
R1 – O meu primeiro emprego foi na… numa loja de roupa, né, que ela fechou. Que foi na Pró Preço. Trabalhei, a minha irmã já trabalhava lá fazia uns dois anos, aí eu trabalhei lá um ano e meio. Aí eu saí de lá, entrei no Paraíso das Canetas, fiquei no Paraíso das Canetas por cinco anos. Aí trabalhei no Sampa Magazine, que era loja de roupas, também. Então, assim, de roupa eu fui pra papelaria, de papelaria eu voltei pra roupas. Aí eu fiquei ali uns oitos meses. Mas não era uma coisa, assim, que eu gostava muito, eu saí. Aí fui fazer cursinhos, porque a minha mãe, assim, a minha mãe nunca obrigou a gente a estudar, mas ela sempre falava assim, pra nós, assim, que era alguma coisa que você tinha que fazer na vida, pelo menos estudar um pouco. Que ela não ia escolher a profissão que o filho quisesse, mas que era pra ele estudar bastante. Aí eu fiz uns cursinhos, né? E aí eu decidi casar pra ir embora, nesse meio tempo. Falei: “Vou embora. Não quero ficar mais no Brasil, eu vou embora”. Então, assim, não queria trabalhar pra ninguém mais, porque se eu falar assim pra você: “Meu passaporte chegou, eu vou embora”, então eu não queria ficar com pendências.
P1 - Sim.
R1 - E aí eu parei. Aí não fui embora, tive uma menina, né, fiquei cinco anos em casa. Depois eu voltei a trabalhar. Aí trabalhei no supermercado Laranjão, por onze anos.
(37:40) P1 – Sim.
R1 – Aí ele está ainda em demanda com a Justiça, né, que ele quase faliu. Mas ainda tem uma loja só aberta. Aí faz um ano que eu fiquei longe do comércio e voltei faz… em agosto, eu voltei, do ano passado, que eu tô hoje no Supermercado Muffato, né?
(38:05) P1 – Certo.
R1 – Aí, nessa trajetória de mercados, eu passei em todos os setores: vinhos, papelaria, bazar… menos o caixa e açougue, que foi duas coisas assim que… o caixa, eu não foi por falta de oportunidade, né, porque o meu gerente não deixou, porque mudava a função, né, e o sindicato não aceita que você trabalhe em “função” diferentes. Então, assim, em todos os cargos da empresa eu subi, menos no lugar que eu não poderia estar. Como adega, eu estudei praticamente quase todas as cartas de vinhos, para poder vender o vinho pro cliente. No bazar, na tinturaria, eu aprendi todos os tons de tinta, sabonete, xampu, tudo pra vender pro meu cliente. Ração… e aí eu fui indo, né? Fui indo, indo, indo. Até que eu fiquei lá por onze anos. Aí o mercado já estava com a tendência de fechar e ela perguntou se eu queria continuar, mas a situação já estava ficando muito precária. Aí eu falei pra ela que eu preferia sair. Era melhor, também, sair agora, seguir o rumo, descansar um pouco, pra depois voltar. Aí você volta com gás, com uma visão diferente também, né? Mas eu tive todo o apoio, assim, do sindicato, entre todas as partes, porque eu fazia parte da diretoria. Então, assim, eu saí, assim, com uma visão diferente. Entendeu, assim? A minha bagagem continua crescendo, né? E vamos embora, cada vez mais.
(39:44) P1 – Ah, que legal!
(39:45) P2 – Desses setores que você passou, qual é o que você mais gostava, assim? Que você gosta.
R1 – Você quer que eu seja sincera pra você? Vou ser. Vou ser. (risos) Vou. Vinhos! Vinhos foi o melhor. Eu não bebo, não vou mentir pra você. Não bebo nada álcool. Apesar de contas de eu ter nascido em São Roque, que é a terra do vinho, né? Pra te dizer: conheço o lugar, é um lugar muito bonito. Pra quem tiver oportunidade de ir lá conhecer o lugar, é muito bonito, vale a pena a experiência. É, assim… mas pra mim foi uma experiência nova. Porque, assim, além de eu ter que vender o vinho pro cliente, eu tinha que contar o sabor que ele tem. Então, assim, às vezes eu experimentava o vinho, para mim te contar o que que ele tem. Qual que era a uva dele, da onde surgiu a uva, pra que serve aquele vinho, o que você vai tomar, o que você vai comer. Então, pra mim, foi uma experiência nova, né. Depois de eu ter vindo da padaria, que eu trabalhei também na padaria. Então, assim, eu vendia bolo pra você, eu te falava como que era, como que fazia, o que que ia, o que não ia. Então, assim, o meu problema é de eu conversar muito. Eu falo demais. (risos) E nisso eu fui pegando amizade, tanto com os clientes… então, assim, às vezes eles chegavam e falavam assim: “Olha, eu quero dar um presentinho hoje para alguém”. Aí eu já perguntava que valor que você queria. Nisso eu já montava pra você, ali, certinho, o pacote, o embrulho. Então, assim foi vivendo. Agora, um setor que eu não gosto e que eu acho que eu não gostaria de fazer, seria o açougue e peixe. Uma que eu não conheço. Além de eu ser casada com um japonês, assim, não é muito meu foco os peixes. Eu acho que é por origem, mesmo, porque ele não gosta. Ele não gosta. Além dele ser japonês, ele não gosta. Já o meu sogro e minha sogra, eles gostam. Então, assim, a gente comia peixe na casa do meu sogro e da minha sogra. Na minha casa não faz, entendeu? Então, assim, vai mais pelo hábito que você tem.
(41:51) P2 – Pelo gosto.
R1 – Pelo gosto.
(41:55) P2 – Agora, assim, você aprendeu muita coisa de vinho, então, né?
R1 – Ah, sim. Sim. Fiquei onze anos, né, no Laranjão. Então, assim, só na adega, eu fiquei quatro anos. Quatro anos. Então, eu já sabia a validade, eu já sabia o que vinha validade, o que não tem validade, quanto tempo ele serviria aberto, como que você armazena um vinho. Dizem que quanto mais velho, mais gostoso é. Não. Depende do vinho. Se for vinho com rolha, quanto mais tempo, melhor. Se for aquele que você destrava, já, com a boquinha, você abre… não, aquilo lá, dependendo, quanto mais tempo você deixa, ele vira vinagre. Então, assim, você tem que estudar aquilo. Quando me mandaram pra ração, eu não sabia. Fui com a cara e com a coragem, “vamo bora, vamo bora”. Tintura de cabelo, como você vende uma tintura se você não conhece? Então, você vai aprendendo cada setor, sim. Como hoje, hoje eu tive a oportunidade de ir pro comércio em lojas de roupa. Mas eu prefiro supermercado. Não tem como e eu te dizer por quê. Porque o supermercado, é mais fácil você vender e chamar o teu cliente pra você. Porque ele compra conforme você fala pra ele. A roupa já é mais difícil. Você experimenta e não ficou legal, por mais que você faz aquela cara de pau de falar assim: “Ficou perfeita em você”, você está vendo na cara do cliente que ele não vai voltar mais, entendeu? “O sapato, ele é lindo, combinou com a tua roupa!” Mas o sapato machuca, come o pé. Não vai voltar pra comprar, entendeu? Então, são lados que a maioria das pessoas não vê. Então, eu já olho os dois lados e então eu prefiro mais o mercado, por causa disso. Eu sei que a gente sofre mais porque tem validade, isso e aquilo, mas é um lugar que você fica mais atenta, entendeu?
(43:47) P2 – E no fim acaba trabalhando de sábado, domingo, é um horário puxado, o supermercado, né Luciana?
R1 – Ai, eu já acostumei. Não vou mentir pra você. Porque, se você trabalha no comércio, você vai trabalhar… estou dizendo em comércio, a loja. Porque senão a pessoa fala assim: “Ah, ela trabalha em comércio, parece uma forma diferente”. O supermercado é de segunda a segunda. Mas você tem a sua folga fixa. Na sua folga fixa, você faz o que você quer. Você vai em médicos, você pode passear no shopping, você vai no cinema, você vai aonde você quiser.
(44:25) P2 – Dá entrevista… (risos)
R1 – Ai, também. (risos) Dá entrevista, participa de reuniões de escola… assim, eu puxo muito a minha filha aqui em casa. Além dela ter dezesseis anos, você não precisa ficar muito em cima. Mas é que é assim: você sempre dá aquela corridinha de olhos, né, numa coisinha que está fazendo ou que deixa de fazer. Já no comércio é de segunda a sábado. Então, assim, se eu marco uma entrevista, que nem com você agora, o que eu vou falar? Vou ter que dar um atestado. Vou faltar? O que que eu vou fazer?
P1 - Sim.
R1 - Você tem um médico na sexta-feira. O que que eu vou falar? O que eu vou fazer? Então, é mais difícil. Então, assim, eu sou aquela pessoa assim: eu não nego de trabalhar. Você fala pra mim assim: “Lu, você tem que entrar tal hora e sair tal hora”. Beleza. Tô dentro. Só que, na minha folga, eu faço dela o que eu quiser. entendeu?
P1 - Certo.
R1 -Então, não tem: “Ah, ela cortou o cabelo, ela pintou…” Estava na minha folga. Então, é melhor. É uma coisa que ninguém entende. Como aqui na minha casa, eles já acostumaram. Quando, no domingo que eu tô em casa, a gente vai na casa da minha irmã, vai na casa da minha mãe, ou faz isso, faz aquilo, faz aquilo outro. Aí eu falo assim: “Ah, nesse domingo eu não posso. Mas eu posso fazer com você”. Entendeu? Meu esposo também viajou muito, porque era auditor, então assim, era uma coisa, assim, mais difícil. E hoje, não. Hoje já tudo encaixa. “Ah, eu vou em tal lugar”, vai a família toda. Ou senão tem um aniversário, fala: “A Lu não vai, porque está trabalhando”. Imagina! Ele cata o carro dele e vai ele e minha filha. Eu chego mais tarde, mas chego. Vou no aniversário do mesmo jeito. Então, assim, eu vivo a minha vida da mesma forma. Só que entre aspas, assim… e vou te falar uma coisa, eu amo trabalhar no domingo. Amo trabalhar no domingo.
(46:13) P2 – Assim, direto?
R1 – Sim, porque tem cliente… os clientes chegam mais “amigável” no domingo. Já no meio de semana eles já estão grossos, porque eles trabalham, levam pancada lá e te devolvem aqui. Já no domingo, não. Eles já estão “relax”.
(46:30) P2 – Tá todo o mundo passeando, né? É o passeio.
R1 – É. Isso. Aí você não leva pancada dos outros, entendeu? Então, é um lado que o mercado, ele é valorizado dessa forma. Bom, no modo de eu ver. Porque tem muitos que a hora que vê eu falando isso, me condenam. Mas é aquela… a vidinha que você leva, entendeu?
(46:51) P2 – Deixa eu te perguntar uma coisa, assim: o supermercado que você trabalha hoje, ele tem, assim, o tipo de público variado de acordo com o horário, assim? De manhã é mais idoso, depois é casalzinho, aí o pessoal da noite… eles são diferentes, assim, os públicos, ao longo do dia?
R1 – Sim. Aonde eu trabalho, o… a região que eu trabalho é mais de gente grã-fina. Então, assim, você vê mais gente “estiloso”. Em vista do outro mercado que eu trabalhava, como no Laranjão, ia mais idoso. Hoje, com essa pandemia, deu uma mudada, né? Então, assim, você vê um ou outro idoso que vem, só que, quando eles vêm, já vêm com aquela vontade de bater papo com você logo cedo. Entendeu? Já na parte da tarde é mais jovens… mais jovens que vêm. E à noite, por volta das sete, oito, já é misto. O público já é misto. Aí vem o jovem, o idoso e os mais ou menos. Aí é uma seleção junta, já. No horário do almoço é mais por causa que o pessoal faz academia, né? Filho que você tem que levar no colégio, então tem que estar junto com você. Então, naquele horário ali, entre as onze e meia e as treze, você vê mais jovem. É, sim, é. O público é separado, sim, muito.
(48:19) P1 – Luciana...
R1 – Oi.
(48:21) P1 – Esse supermercado que você trabalha agora você conseguiu emprego em agosto, né?
R1 – Isso, agosto desse ano.
(48:30) P1 – A maioria das pessoas perderam o emprego na pandemia. Você conseguiu emprego. É uma baita sorte, né?
R1 – Sim, consegui. Porque foi assim: eu perdi... eu estava trabalhando, eu perdi o emprego dia primeiro de outubro de 2020. Entendeu? Aí eu fiquei outubro até abril sem trabalhar. Eu trabalhava assim, né, no Sincomerciários, porque a Márcia me deu a oportunidade de trabalhar com ela. Então, ali eu fiquei, de quando eu perdi o emprego até eu… assim, fui honesta. Eu falei pra Selma, ainda, que eu estava fazendo uma entrevista de emprego, tal. Que eu estava… que eu não estava me adaptando ali no Sincomerciários. Porque ali nós temos um escritório onde fazemos a carteirinha, várias coisas ali, procedimentos ali. E eu trabalhava também no clube social dela. Eu recolhia carteirinha. Então, eu fiquei ali um bom tempo. Então, assim, com a pandemia, mesmo que eu fiquei desempregada, eu estava recebendo o meu seguro-desemprego e mesmo assim eu estava trabalhando. Então, eu não senti aquele impacto grande da pandemia. Aí, de repente, eu fiz a primeira seleção com um outro supermercado. Mas aí, assim, a moça falou pra mim assim, que eu não… que ela queria uma pessoa mais jovem para aquela área ali, mesmo que o meu currículo era um currículo muito bom. Aí eu falei: “Não, tudo bem. Não tem problema”. Aí eu já tinha deixado o Sincomerciário, aí eu fiquei de maio até agosto sem trabalhar, né. Aí eu fiquei em casa. Às vezes pintava alguma coisinha, eu ajudava meu esposo, tal, né? Lá no escritório, então eu ajudava. Ajudava a minha filha a estudar, bastante, porque eu falava assim: “Por mais que nós estamos sem aula, tem que correr atrás, pra não ficar pra trás”. E aí eu fiz… saiu aqui um projeto que você tinha que ir lá pegar a senha, né e ainda, né, no dia que eu fui, eu já era dois mil trezentos e noventa e seis. Era a minha fichinha, né? E aí eu falei pra minha filha, assim: “Ah, pega pra minha amiga também, porque ela está desempregada, quem sabe, né? Vamos juntos”. Aí o meu ex-gerente estava na fila também. Foi inclusive ele que me falou. Falei: “Ah, tô dentro, tô indo”. Aí estava sem carro, sem nada, falei: “Espera aí, que viemos de carona, vou pegar a fichinha”. Aí, a hora que eu peguei a fichinha, falei assim: “Meu Deus! Tanta gente assim não tem nem condição de chegar lá. Não dá”. Aí marcamos. Eu peguei a fichinha acho que na sexta-feira. Aí a minha entrevista estava marcada pra quarta-feira, dez horas da manhã. Falei: “Ah, vamos, né? Seja o que Deus quiser, com essa pandemia, não tem o que esperar”, entendeu? Muitos lugares fechando e a situação que nós “tava” vivendo aqui estava muito feia, também. Falei: “Ah, mas vou”. Aí, cheguei lá, teve que fazer uma provinha ali na hora, né? Falei: “Jesus, vamos lá”. Aí fizemos a provinha, né? Aí a mulher falou assim: “Ó, vou chamar vocês agora pra entrevistar pessoalmente, depois da prova, né?” Porque você segura a provinha na mão, né? Faz a prova e segura. Você não entrega. Aí falei: “Vixi”. Já era o quê? Eu entrei às nove para fazer a provinha, era meio-dia e quinze, estava lá ainda. Aí, na hora que ela me chamou, ela já chamou e segurou o meu currículo na mão, né? Aí falou: “Ó, você espera mais um pouquinho, que você vai entrar na outra sala”. Aí falei: “Ah, será que aconteceu alguma coisa, né?” Aí, quando eu fui na outra sala pra fazer a entrevista, ele me perguntou, né, o que que eu teria falado de onde eu tinha trabalhado. Eu falei que, independente do que todo o mundo falasse, eu não tinha que falar mal. Como, se eu falar mal pra você do Laranjão, de onde eu trabalhei, é mentira. Porque eu tive livre acesso, arbítrio. Vamos supor: eu precisava levar minha filha no médico, eu ia. Eu precisava levar meu sogro no hospital lá em Barretos, eu ia. Entendeu? Assim, por você ser uma funcionária velha, eu nunca dei atestado, nunca faltei, nunca cheguei atrasada. Então, assim, você teve uma “diferenciado” maior. E aí, quando eu fui conversar com o ‘seu’ Malone, já no Muffato, o homem me olhou assim, já… falei: “Nossa, isso aqui é uma guilhotina, meu. Tô indo pra forca”. Aí ele me perguntava umas coisas assim, eu ia respondendo, ele falou assim: “Ó, mas eu vou te falar uma coisa pra você”. Eu falei: “Hã”. “Não tenho pra você a vaga de sommelier, na adega”. Eu falei: “Ah, tudo bem” “Não tenho no bazar” “Tá, tudo bem”. Então, assim, eu pensava na minha cabeça: “Ele me chamou pra conversar comigo, mas ele não tem a vaga pra mim. O que que eu tô fazendo aqui?” Aí ele falou assim, ó: “Eu tenho uma vaga nos frios. Você aceita?” Falei: “Topo”. Ele falou: “Você já trabalhou nos frios?” Falei: “Já”. “O que você achou?” Falei: “Não tem problema”. Aí foi onde é que eu fiz a experiência de sessenta dias, na 71. Aí fui convidada pra ficar na 71, mas eu falei pra ela que eu preferia vir para a loja nova. Além de ser perto da minha casa, já. Porque, assim, quando você trabalha numa loja onde já tem os funcionários velhos, é uma coisa. Aonde está abrindo uma nova, é outra coisa, é outra visão. E, pra mim, o trajeto era melhor aonde estou hoje. Aí falei pra ela: “Eu quero ir embora” “E se não der certo lá?” “Ah, eu tento outro”. E aí eu vim embora. Como eu tô lá até agora, não tenho o que reclamar. Eu adoro aonde eu trabalho, eu adoro o que eu faço, os meus clientes são totalmente diferentes. Apesar de conta que a maioria dos clientes são do antigo mercado. Então você, mesmo de máscara, você abre a boca, já sabem que é você. (risos) Entendeu? Então, é verdade. É vergonhoso falar isso, né? Mas é verdade. Eu fiquei onze anos lá. Então, mesmo de máscara, de óculos, roupa diferente, eles te conhecem. É um carinho que você leva junto, né?
(55:00) P2 – Porque você está no setor de frios, Luciana, lá, também?
R1 – Hoje eu tô nos frios. Isso.
(55:04) P2 – E precisa ter óculos de proteção, também? Além da máscara?
R1 – Sim. Sim. A máscara, aquela proteção de acrílico, né? Como a minha, ela mudou. A minha ela mudou, porque como que eu uso os óculos, ela batia logo em cima. Então, assim, com os dois, eu… porque eu perdi muito a visão por causa do computador, eu ficava muito tempo, então eu perdi um pouco. E aí, assim, eu não consigo usar lente lá, pra trabalhar, porque ao mesmo tempo que eu tô no quente, eu tô no frio. Porque você entra em câmara fria, você faz balanço. Então, eu prefiro os óculos. Para mim fica mais fácil de eu trabalhar. Como tem lugares que eu tô de lente e tem lugares que eu tô de óculos. Mas não diferencia muito, não. O que diferencia muito é quando você usa a proteção, porque ela já bate em cima. Mas eu gosto. Se é isso que você vai perguntar, é uma coisa completamente diferente, ali. Tanto no cliente… você pega cliente que é enjoadinho, tem aquele um que é mais bonzinho, tem aquele um que tanto faz e aí você vai levando.
(56:09) P2 – Tem aqueles que são sistemáticos, assim?
R1 – Sim. Tem uns que chegam lá e falam assim: “Ah, a tua mercadoria é velha”. Você acabou de fatiar, como… a pessoa fala: “Ah, você se importa de fatiar agora?” Não. Eu tenho que agradar ele, para ele voltar. Se ele volta, eu vou continuar com o meu emprego.
(56:27) P2 – “Fatia bem fininho”.
R1 – “Bem fininha, rasgando”.
(56:30) P2 – “Com capa de gordura”. (risos)
R1 – Isso. Tudo isso. Isso aí é o que eu escuto vinte e quatro…
(56:36) P2 – “Abre o pacote novo, abre o pacote novo”.
R1 – “Eu quero ver a data de validade, pra ver se você não está vendendo coisa vencida”, mas não. Aí, é sim.
(56:46) P2 – “Posso experimentar um tequinho?”
R1 – O duro é que tem. Tem cliente que ele faz a… como surgiu um presunto novo, aquele “levinho”, né, que fala. E aí você fala assim pra ele, assim: “Não, não é um presunto. Aquilo ali é um lombo. É oitenta… é trinta por cento menos gordura, trinta e oito por cento menos o quê”. E aí ele fala assim: “Então deixa eu experimentar?” E aí você tem que dar, né? Tem aquela criança, que ela chega, ela acha engraçado a máquina ir e voltar e ela fala assim, diz assim: “Me dá um, um só pra mim, tia, enroladinho?” (risos) Só falta pedir o café, nós “dá” também. É verdade. Você não acredita, né, mas é sério. (risos) Você entendeu? Aí tem o salame, que a pessoa pergunta… você sempre tem a marca que você gosta mais. Mas eu não uso fazer esse tipo de coisa, não. Se você me pergunta assim: “Ah, qual que você prefere mais?”, eu já falo pra você que todos são bons, né. Mas tem aquele um que é um pouquinho melhorzinho, mas aí você já sabe que o preço é melhor, maior, também. Mas em diferença, todas as marcas vale a pena comprar, sim.
(57:59) P1 – Ô, Luciana…
R1 – Oi.
(58:00) P1 – E se você tiver oportunidade de mudar de área no supermercado, você ia querer, ou prefere ficar nos frios, mesmo?
R1 – Olha, eu já tive essa oportunidade em outros mercados também, né? Nesse aqui, se eu te falar uma coisa, você não vai acreditar: a minha encarregada é tão gente fina, que tem hora que dá dó. Você entendeu? Eu tive oportunidade de sair do mercado há uns quinze dias atrás, para trabalhar em outro lugar. E foi o que eu falei para a pessoa: “Olha, eu me sinto tão bem aqui, tão acolhida, que às vezes não é o dinheiro, nem o outro cargo que você vai pegar. Mas, assim, como que eu falo demais, se você me deixar num lugar sozinha, eu acho que entro em depressão”. Porque eu converso muito. Eu falo muito, muito, muito. Tem hora que eu falo assim: “Gente!” Eu me pego eu mesma fazendo a pergunta e eu mesma respondendo, a pessoa está conversando sozinha. (risos) É verdade. Então, eu acho que hoje, se eu tivesse que mudar de setor, eu pensaria duas vezes.
P1 - Sim.
R1 - Porque a equipe que eu trabalho é gente fina, ali são pessoas assim, que você... na hora de você chamar uma atenção, elas não levam, assim, para o lado pessoal. Às vezes você fala assim: “Ai, eu tenho balanço amanhã, então hoje não vou ficar no balcão, eu prefiro que você entre uma hora mais cedo”. É uma coisa assim, que é mais como família, mesmo. Ali, a menina que trabalha comigo ela tem filhos também, é separada, então precisa do emprego. E muitas vezes eu faço a pergunta assim: “Ah, você precisa trabalhar? É a pergunta que eu te faço, só. Não precisa me responder”. Então, muitas vezes a gente vai levando nessa forma.
P1 - Certo.
R1 - Às vezes você chega com algum problema, você conta ali, ali fica. É a mesma coisa: o que foi… o meu problema do meu serviço fica no meu serviço, o meu problema da minha casa fica na minha casa. Só se for uma coisa séria que eu tenho que levar comigo, senão, não. Então, eu acho que hoje eu pensaria duas vezes, se eu tivesse que mudar. Porque, assim, como ali, a gente é uma família. É como se a minha encarregada, ela fosse nossa mãe. Ela dá aquelas “porradas”, assim, não vou mentir pra você, não. Mas daqui a pouco passa. Ela dá uns gritinhos, mas daqui a pouco passa e vida que segue. Não tem coisas assim, ali. Ali não tem como você ficar nervosa. Você só fica nervosa quando você faz alguma coisa errada. Aí, sim. Você errou, você tem que admitir que você errou e muitas vezes, na forma de você falar do teu erro, complica mais. Então, eu sou aquela pessoa assim: curta, fina e grossa. Eu errei, quer punir, pune, acabou. Não vamos continuar, pra não ficar pior. Entendeu? Então, assim, eu já aprendi esse lado. O cliente chega bravo, eu falo: “Gente, ele já está bravo. Dependendo do que você falar, ele vai ficar mais bravo ainda. Então, escuta o que ele falou, deixa ele desabafar e acabou, acabou, entendeu?”
P1 - Sim.
R1 - Então, eu pensaria duas vezes, hoje, assim. Não vou te mentir, não.
(01:01:10) P2 – Ô, Luciana, mas também devem ter clientes, assim, que te conhecem pelo nome, sabem que você tem uma menina adolescente, não tem? Te conhecem de mais tempo?
R1 – Ah, tem. É o que eu tô te falando: mesmo você de máscara, na hora que você abre a boca, né, tem gente que fala assim: “Opa! Eu sei quem está conversando”. (risos) Aí minha encarregada já fala: “Lá vem”. Mas é aquela coisa, não tem como. Tem gente que chega e fala assim: “Ah, e o bebê, como tá?” Eu falo assim: “Meu Deus! Tá bem, tá bem” “Tá no colégio?” “Tá, está estudando”. Entendeu? Pra eles, você não cresceu, você não envelheceu, você não mudou, você não engordou, você não emagreceu. É a mesma pessoa pra eles. O carinho é diferente, entendeu?
P2 - Uhum.
R1 - Mesmo que você mude de mercado, mas o cliente que é teu cliente, que te conhece, que gosta de você, continua. Como eu tive um cliente que me cantou na cara dura e falou pra minha patroa: “Se ela quisesse, eu a levava agora. Eu pago o dobro que você paga”. Falei: “Ah, mas não quero”. Entendeu? Tem, tem aquelas cantadinhas bobas. “Vamos, a vaga está lá pra você. Vamos embora”. Ah, não é a tua área, não é a tua praia. Como eu neguei o quê? Três serviços de secretária. É uma coisa que pra mim não dá. Eu gosto do público, mesmo. Eu gosto de ver o cliente xingar, ele reclamar por aquilo. Porque, se ele reclamou, um erro tem, entendeu? Então, você vai lá e vê junto. Como é aqui em São José do Rio Preto, nós temos muito problema com o "caça-data''. Eu não sei se você sabe o que é isso.
(01:02:51) P2 – O que é isso?
R1 – Caça-data, você fica no mercado a manhã inteira procurando data vencida, pra você levar de graça.
(01:03:00) P1 – Sério?
R1 – Então, existe isso. Sério.
(01:03:01) P2 – Dos funcionários ou dos clientes?
R1 – Não, o funcionário não pode. Se ele achar vencido, ele tem mais que a obrigação de avisar o outro amigo, né? Porque é a mesma coisa que a gente aprende no treinamento. Você, vamos supor: “Ô, João, você tem uma carne ali que está vencendo amanhã. Você não quer dar uma olhadinha?” Então, é uma forma diferente. Agora, o caça-data, além dele achar, ele leva de graça e leva a quantidade que ele achou, entendeu? Mas, assim, é uma forma totalmente diferente, é uma coisa, assim, que te deixa apavorado. Eu já não ligo. Se ele chegar e falar assim: “Eu peguei dez quilos de linguiça” “Leva a linguiça” “Eu achei, não sei o que” “Leva, faz o que você achar melhor”. Entendeu? Porque, assim, se ele achou, foi uma falha nossa. Nós não “deu” conta do trabalho. E aí você vai tratar ele mal? Não. Não tem que tratá-lo mal, porque ele é um cliente. Independente dele ter achado ou dele ter ido até o mercado, foi falha do funcionário, não foi falha do cliente. Então, às vezes, a falha é da…
(01:04:05) P2 – Mas ele tem direito a levar?
R1 – Tem. Ele leva. Não sei se aí em São Paulo vocês levam. Aqui leva. Se você achar…
(01:04:11) P2 – Não, eu nunca ouvi falar.
R1 – Existe, amiga. Se você achar alí um pallet e você falar que quer o pallet, eu sou obrigada a descer um pallet novo e te dar. O que você vai fazer não importa, eu tenho que te dar.
(01:04:24) P2 – Mas se está vencido, ele não estaria estragado, não é perigoso? Só para eu entender a lógica.
R1 – Não é bem assim, porque vamos supor: eu abro um presunto pra você, ele tem três dias de validade.
(01:04:39) P2 – Hum hum.
R1 – Entendeu? Eu abro um salame pra você, ele tem três dias de validade. Sim, pra Vigilância Sanitária. Já pra nós, não. Eu posso abrir ele, eu posso fatiar, fazer bandeja. Eu posso fazer outra coisa com ele. Porque o que vale é a data que ele tem no produto.
(01:05:02) P2 – Do carimbo, ali, do preço.
R1 – Isso. Quando foi fabricado, quando foi embalado, tudo certinho. Tem queijo nosso, que nós “fatia” ele hoje, que ele dá um dia de validade. Um dia, só. E aí você vai perder quanto? Entendeu? Então, tem coisas que é errado pela Vigilância Sanitária e ao mesmo tempo, não. Então, não tem o que você fazer.
(01:05:23) P2 – Entendi.
R1 – Agora, se você achar um Danone, um iogurte ou alguma outra coisa que ele está escrito lá: trinta e um de maio e hoje é um de junho, ele está vencido. E você tem, por obrigação, levar outro de graça. Se você não quiser levar, é um direito seu. Se você achar vinte peças nessa data, você leva vinte peças novas, numa validade nova. Se eu não tenho aquele produto, eu troco por outro. Mas eu tenho que te dar novo, de graça.
(01:05:49) P2 – Entendi. Teoricamente, ele compra o vencido, reclama e recebe um novo. É isso?
R1 – Não.
(01:06:00) P2 – Não? Que loucura!
R1 - Não. Antes de você passar no caixa, você já chama.
(01:06:08) P2 – Já fala.
R1 – Já fala. E aí a fiscal já te anuncia, você já sabe que “código um” é isso. Você já vai lá. Tem hora que as “mulher” até fala: “Vai você, porque lá você resolve”. Não, eu não discuto com o cliente. Tem cliente que ele acha lá, vamos supor, um iogurte, ele já leva o outro, para não ter aquele problema de eu ir lá buscar. (risos) você não acredita, mas é verdade.
(01:06:30) P2 – (risos) Gente, eu tô passada com isso, Luciana.
R1 – Sim. São histórias que eu tenho pra contar pra você, várias. Várias. Entendeu? Mas é o que a gente vai vivendo, né? É o dia a dia. Não tem o que correr. Com essa pandemia se tornou pior, porque aí nós já não “tem” o funcionário para trabalhar. Porque o mercado, ele tem uma cota: se ele não vende, ele não pode contratar. E aí sobrecarrega os outros funcionários. E tem funcionário que dá uma “forgadinha”, tem um que é mais espertinho que os outros, então vai acontecendo isso.
(01:07:09) P2 – Vai acontecendo de tudo.
R1 - Nessa pandemia… tudo.
(01:07:09) P2 – Ô Luciana, fala um pouco, assim: você conhece um pouco, assim, essa rede que você está, ela é antiga em Rio Preto, ela é de Rio Preto? O que você sabe, assim, da rede?
R1 – Bom, eu acho que eles… eu acho, né, que eles têm… já abriu mais umas lojas, né e eu sou a 99. Então, já existe 99…
(01:07:35) P2 – Em outros lugares, né?
R1 – ... Muffato em outros lugares, né? Essa que eu estou faz o quê? Eu entrei em agosto, eles inauguraram em outubro. Em outubro.
(01:07:50) P2 – Você entrou em agosto de 2020 e eles inauguraram em outubro de 2019.
R1 – Não. Não.
(01:07:58) P2 – Você entrou com a loja fechada, você entrou na outra, né?
R1 – É. Eu...eu, nessa aqui, eu entrei dia quatro de agosto do ano passado, em 2021, né? Faz o quê? Uns sete anos… cinco anos que existe o supermercado Muffato em Rio Preto.
(01:08:17) P2 – Entendi.
R1 – Então, já faz cinco anos que está na região de cá.
(01:08:19) P2 – É a loja 71, né? Que é a loja 71. E depois abriu essa 99.
R1 – Isso. Não. Aí abriu o Max Muffato, aí lá no… na Avenida Potirendaba. Aí inaugurou outra Max Muffato, no Caparroz. E a que eu estou, a 91, é aqui nos Damha, na região mais chique, que é a 99. Entendeu? Então, faz cinco anos que a rede existe aqui em Rio Preto. Que ela está expandindo em Rio Preto, já faz uns cinco anos.
(01:08:56) P2 – Maravilha, que maravilha!
(01:08:59) P1 – Ô, Luciana.
R1 – Oi.
(01:09:02) P1 – Você tem quarenta e dois anos, né?
R1 – É, vou fazer quarenta e dois mês que vem. (risos) Eu tenho quarenta e um e onze meses.
(01:09:12) P1 – Sim, sim. Você é nova, né? A idade dos quarenta anos, hoje em dia é novinho, todo o mundo que tem quarenta anos.
R1 – Ai, que bom!
(01:09:23) P1 - Você não quer… você não pensa em algo diferente pro futuro? Ou você gosta mesmo de supermercado e quer ficar, assim? Quais são seus planos pro futuro?
R1 – Ah, vários. Vários. Vários. É, como, assim... é, eu tenho uma menina de dezesseis, né, como ela começou agora, ela me perguntou: “Você escolheria uma faculdade? Que faculdade?” Eu acho que eu voltaria, sim, a estudar.
P1 -
Sim.
R1 - Mas ao mesmo tempo que você pensa em estudar, você fala assim: “Ah, eu já tô velha, então eu vou ajudar meu filho a estudar hoje”. Então, pode ser que eu voltaria também, sim. Esperar um pouquinho a pandemia passar, esperar as coisas normalizarem, você ver de uma visão diferente, né, e aí os planos são muitos, sim. Né? Mas, assim, na situação que você está hoje, não tem como você planejar. É a mesma coisa que falei pra minha encarregada, né? “Eu vou ficando aqui, porque na situação que nós ‘tá’, não tem onde correr”. E cada lugar que você vai, está pior. A situação está pior. Então, não tem como você falar assim: “Ah, eu vou fazer isso, eu vou fazer aquilo, vou fazer aquilo outro”, porque vai ficar só no papel. Porque nós não sabemos, a qualquer momento nós podemos fechar todo o mundo novamente.
P1 - Sei.
R1 - Entendeu? A situação que nós estamos, está numa situação, assim, que não dá pra você sonhar. Não dá pra você planejar. Mas eu tenho aqui, no meu chapeuzinho, tudo guardadinho. Quem sabe no futuro? Né? E aí vai ficando.
(01:11:02) P1 – Sim. E mais uma coisa que a gente sempre pergunta para todo o mundo que trabalha bastante que nem você: o que você gosta de fazer, quando você não está trabalhando? Passear, ouvir música, ir nos parentes…
R1 – Olha, eu faço tudo ao mesmo tempo, você acredita? Eu adoro assistir série, que é uma coisa assim que te leva para outros lugares. Adoro pesquisar ali algum lugar assim, que você fala assim: “Ai, vou viajar pra tal lugar, eu quero saber como que é lá, curiosidade, se é frio, se é calor, o que come, o que não come, se tem que ter muito dinheiro, se não tem, se tem muita água”. Adoro, também. Nas minhas folgas, amo estar com a minha família, que é fenomenal. Sempre você está cutucando um ali: “O que você está fazendo aí? Vamos comer em tal lugar, e tal, né?”. Mas agora, com essa pandemia, então, você vai… na parte da manhã eu vou, às vezes, na casa da minha mãe. Aí está fechado lá, às vezes eles falam assim: “Ah, não dá para entrar”. Às vezes eu vou na chácara da minha irmã, né? Mas, assim, você vai levando a tua vida conforme dá. Porque está muito difícil. E aí, a maioria do tempo você está assistindo uma série. Séries diferentes, série do que você está vivendo hoje. São coisas assim… lendo bastante, porque você tem que ler muito. Inclusive eu falei pra minha filha assim: “Isso aí é uma coisa que você não pode perder nunca: ler”. Que aí você viaja, também, com os livros. Você… Um dia que eu tiver dinheiro, vou pra ilha de Maldivas. Gostou, né? Nunca vou chegar lá. (risos) Mas quem sabe? Quem sabe, né?
(01:12:48) P1 – Claro.
R1 – É um lugar show. Se pesquisar lá, você vai falar assim: “Nossa, foi fundo, né?” Como muitos falam assim: “Ah, quero ir pra fora do Brasil”. Se você pesquisar bastante, várias coisas que você vai fazer lá fora existe aqui dentro. É só você procurar um lugar certo, um lugar agradável, gostoso, entendeu? Dá pra você sair de casa, sim. Não é você falar assim: “Ah, eu tenho que ter dinheiro pra isso”. Não. Você consegue, sim. Entendeu? Aí você fala assim: “Nossa, você teve uma vida muito difícil, e hoje?” Ah, hoje eu tenho uma vida de rico. Antigamente, do que eu vivia. Entendeu? Antigamente, você contava como você ia tomar um café. Você trabalhava de dia para comer de noite. Hoje, com essa pandemia, muitos estão fazendo isso, você entendeu? Mas assim, os sonhos são muitos. Quem me garante que no dia de amanhã eu não vou estar em Ilhas de Maldivas? Você não sabe. Vai que um… cai um na minha mão e você fala: “Tô indo”. Vai que eu ganho na Mega da noite pro dia, descubro que eu tenho um rombo na minha conta e não sei. Então, é a mesma coisa que eu falo pra todo o mundo: você tem que sonhar muito. Muito. Por que não vai sonhar? Pode ser que um dos seus sonhos se realiza. Entendeu? Eu tinha o sonho de ser mãe. Eu ia embora do Brasil, trabalhar, ganhar horrores, pra fazer inseminação artificial aqui. De repente, um mês antes de eu embarcar, eu descubro que eu tô grávida. Então, são coisas que sonhos é pra você sonhar. Sonha bastante, entendeu? Não é que vai ficar só no papel. Pode ser que você tenha dez sonhos ali e um se realiza. Tá bom. Eu falo pra minha filha: “Você vai ter história pra você contar um dia pros seus filhos, pros seus amigos. Falo assim: Não, minha mãe falava que ela ia fazer tal coisa e minha mãe fazia”. Meu marido já é mais sossegado. Você fala assim: “Ah, eu vou fazer tal coisa”. Ele espera você fazer, para ele falar assim: “Ah, ela fez. Não, dessa vez ela fez”. Entendeu? Então, são coisas assim, que… não tem como você planejar. Então, eu falo pra minha filha assim, que todos os meus sonhos ficam num papel. O que… como o ano retrasado, né, Nicole? Em 2019. Decidi assim: “Na quarta-feira eu vou pro Paraguai passear”. De repente você me liga: “Onde você tá, Lu?” “Eu tô no Paraguai, passeando. Tô aqui nas cachoeiras”. Verdade, isso é verdade. “Porque eu vim na tua casa e teu carro está na garagem”. Falei: “Mas eu não vim de carro. Eu não tô aí, você vai ficar aí sozinha”. Entendeu? É por isso que eu te falo: são coisas que estrala. Você fala assim: “Ah, tô indo pra São Paulo agora”. É uma coisa que não tem como prever. E assim a vida segue. Mas um dia vou mandar o cartão de lá pra vocês: “Oi, tô em Maldivas”. (risos)
(01:15:43) P2 – Aí você dá o endereço. (risos)
R1 – Como que eu consegui, né? (risos)
(01:15:48) P2 – Não, não como! Você dá o endereço, que a gente quer ir atrás!
R1 – Pra vocês irem lá passear. (risos) Fechou, combinado.
(01:15:56) P2 – (risos) Que maravilha! Ô, Luciana, você… a gente falou da Selma, da Márcia, né?
R1 - Sim.
P2 - Como que você vê, assim, o papel da mulher no comércio? Assim, porque elas são, foram comerciárias, estiveram desse lado seu, né? Assim, têm muito a causa da mulher, do empoderamento… como é que você vê, assim, o papel da mulher no comércio?
R1 – Bom, antigamente a gente vivia e dependia muito dos homens, né? Então, a mulher não podia isso, a mulher não podia aquilo, a mulher não podia aquilo outro. De repente até você ver que você trabalha de uma posição diferente. Como quando eu fui convidada pra fazer parte do Sincomerciários, eu vi uma forma diferente: como você senta numa mesa onde tem dez homens e só tem duas mulheres. Quando eu vi a Márcia vestindo a camiseta do Sincomerciários: “Eu, mulher fortalecida”, é uma forma diferente. É uma mulher que luta pelas mulheres. Luta pela igualdade. Não é que a gente não vai chegar muito perto deles, dos homens, né? Assim, os homens ganham mais do que as mulheres, mas as mulheres trabalham mais do que eles. Nós temos o papel em casa de mulher, né, de esposa. Aí você sai cedo pra trabalhar, então, aquela equipe enorme. Hoje eu trabalho… praticamente o setor que eu trabalho, nós somos em nove mulheres. E dois homens, só. Então, os dois homens que eu tenho ali, pra mim… que assim, a gente vê… é homem, mesmo, por causa da parte da, do PAS, não por causa de nós mulheres do lado de cá. Porque assim, minha encarregada, se ela pudesse, ela contrataria só mulher. A mulher é mais fácil de lidar, é uma forma diferente de você ver, né? Como o Sincomerciários aqui de Rio Preto, a gente tem uma seção aonde, lá na sede deles, você corta cabelo, você faz uma maquiagem, você se forma uma mulher diferente, você… o corte de cabelo lá, se eu não me engano, é dez reais. Entendeu? A Márcia briga muito pelas mulheres, em todos os setores, todos os ramos. A pessoa que não conhece a Márcia, é difícil de falar dela. É difícil de falar da Selma. Porque são mulheres que vestem a camisa. São mulheres, assim, além delas terem uma vida diferente, elas lutam por você. Se você chegar e conversar com elas oito horas da noite, mesmo que ela está na casa dela, o carinho é o mesmo, entendeu? É uma mulher fantástica. É uma mulher que, assim, depois - não tô criticando - mas depois que a Márcia entrou, mudou tudo. Como na época do Pereira, não tinha nada disso. Era só dinheiro que entrava. Me desculpa até a forma de falar. Você via o sindicato de uma forma diferente: eu só pago, não tenho retribuições. Hoje, com a Márcia lá, que ela é a presidente e a vice é a Selma, o que a gente tem, sindicato nenhum tem. Eu posso te garantir isso. Sindicato nenhum tem. Ali, você tem tudo. Você tem uma equipe de profissionalismo diferente. Tudo o que você… a nossa mesa jurídica é composta por homens, tem mulheres também. Mas tudo, tudo o que você procurar ali, tem. Então, o sindicato, ele te abre uma visão diferente. Ele luta pelos seus direitos, pela sua forma. A pessoa que faz um comentário, sem ela conhecer… eu não tô dizendo o outro. Mas o nosso, aqui, vale a pena você ter a tua contribuição, vale a pena você lutar por aquilo. Se você ver o clube do sindicato, que está em obras ainda, o que está aqui no Centro da cidade, que nós temos dois. Nós temos um que é indo pra Guapiaçu, que lá é um paraíso. Então, lá tem quiosque, tem áreas verdes, tem tudo. Mas pra você que é mãe e que tem filhos pequenos, é o que está aqui dentro de Rio Preto, dentro da cidade. O lugar é diferente, você entendeu? Antigamente você não tinha um clube pra ir. Depois que essa pandemia passar, você pode ir lá se divertir. Você, a sua família… o pessoal que frequenta lá é bem família, mesmo. São pessoas de todas as classes. Você vai ver tudo, lá. Entendeu? É diferente você falar do Sincomerciários, falar da Márcia, falar da mulher fortalecida. Porque, assim, são coisas que não tem o que se falar. Você tem que ver, pra você sentir o que ela faz, o que ela deixa de fazer. A Márcia, se ela te ver… se você falar assim pra ela, assim, como as Valquírias daqui de Rio Preto. Ela ajudou bastante as Valquírias. Ela foi atrás… ai, eu não tô te ouvindo. Olha, como que eu faço pra eu voltar?
(01:21:41) P2 – Eu que mutei, porque o cachorro também estava latindo. Quem que são as Valquírias, pra gente…
R1 – Agora que ela falou que ela mutou, que ela voltou.
(01:21:51) P2 – (risos) Eu que tinha mutado. Quem que são as Valquírias, assim? A gente ouviu falar, tem um trabalho fantástico, eu queria que você registrasse isso, Luciana.
R1 – As Valquírias, quando eu estava ainda na mesa da diretoria, que eu me afastei da diretoria, porque onde eu trabalhava fechou, então você saiu. Mas, assim, eu tenho o convite de estar voltando novamente, pode ser que em 2024, se a gente conversar, pode ser que eu esteja no Sincomerciários novamente como diretora, não sei te dizer certinho, né, porque está crescendo, então vai expandindo novamente. Quando eu conheci as Valquírias… as Valquírias são meninas que eram dependentes de drogas, não sei se você ficou sabendo disso. Eram meninas que… é, muitas vezes a gente não comenta, mas você fica sabendo lá. Essa parte você pode até cortar, porque fica desagradável. Meninas que eram violentas dentro de casa…
(01:22:59) P2 – Precisavam de uma ajuda, né?
R1 – Isso. Aí surgiu as Valquírias. Como as Valquírias aqui em São José do Rio Preto, a Márcia, quando foi vereadora, deu uma força muito grande pra elas. Como teve eventos na Câmara Municipal, que a Márcia as elogiou, as levaram pra cima. Trabalhou muito na cabeça delas. A Márcia tem projetos de escolinha de futebol, crianças assim… você fala uma coisa pra Márcia, ela escuta tudo o que você falou. Depois ela vai atrás, para ver se aquilo lá tem fundamento. Se tiver fundamento, a gente vai junto.
P2 - Uhum.
R1 - Vai junto. Vai ajudando. De uma forma ou de outra vai progredindo, aquilo lá vai crescendo, entendeu? É como se fosse um carocinho de feijão e de repente: bum! A árvore cresce e você vai colher. Então, assim, as Valquírias foi o mesmo esquema: foi meninas que não tinham onde ficar e vai no projeto pra comer. Então, são meninas, assim, que não têm o suporte lá em casa, que vai ficar na rua o dia inteiro, vai se prostituir, vai usar drogas, então existe as Valquírias. Então, nas, as Valquírias se formam, assim, um conjunto aonde você aprende tudo: você aprende a costurar, você aprende a bordar, você aprende a fazer coisas que você possa vender amanhã. É uma instituição pequena, como essas famílias aí que, aqui em São José do Rio Preto, ficou a família sem… “perdeu” toda a ajuda, perdeu o emprego, perdeu a estrutura de casa. Então, as Valquírias fizeram até um projeto, se eu não me engano, aonde os empresários estão ajudando com cesta básica, cento e cinquenta em dinheiro, para ajudar a pagar umas coisinhas. Então, são assim… estão progredindo. E a Márcia do Sincomerciários, ela foi atrás, para investigar. Tem, assim, relatos muito maravilhosos, para quem conhece as Valquírias. São projetos, assim, que você… vale a pena conhecer.
P2 - Uhum.
R1 - É difícil você falar uma coisa que você sentiu na pele, que você viu. Como que eu vou te falar? É difícil você explicar o que é aquilo. Entendeu? Elas dançam, fazem apresentações. Elas já se apresentaram até em, se eu não me engano, programas de televisão. É que eu estava trabalhando, eu não vi. Mas as meninas falam assim: “Lu, você viu? Você viu? Passou em tal lugar, as meninas dançando, aí de Rio Preto” “Ai, não vi, estava trabalhando” “Ah, se eu tivesse… se eu soubesse que você não ia ver, tinha gravado pra você”. Então, são projetos assim, diferenciados, que dá pra você ver que…
(01:25:55) P2 – Bárbaro!
R1 – É, que é difícil falar, né? Você tem que ver. Sentir na pele.
(01:26:00) P2 – Hum hum. Maravilha!
R1 – O que você sente é diferenciado, né? É complicado você falar. Né?
(01:26:08) P2 – Ô, Luciana, e pra gente começar a encerrar, né, a entrevista, essa entrevista é um pouquinho diferente, né? Não é uma entrevista jornalística, que você está falando de um ponto específico, né? Você falou um pouco da sua trajetória toda…
R1 – Ai, falei a minha vida inteira. (risos) Até agora, né?
(01:26:25) P2 – O que você achou dessa experiência, assim, de deixar registrado a sua história pro Projeto Memórias do Comércio e pro Museu da Pessoa, se isso vai se eternizar. O que você acha dessa experiência?
R1 – Ah, é uma experiência que eu nunca vivi, também. É uma experiência nova, uma trajetória nova. Alguém que vai folhear, que vai ler, que vai ver, vai ter uma visão diferente do que muitos falam. É uma experiência nova, um… eu tô, assim, cem por cento. Eu achei que você ia fazer perguntas diferentes. Achei que você ia vir com umas coisas assim, que você fala assim: “Meu Deus, eu não vou ter saída, eu não sei o que eu vou falar, eu não conheço ela, eu nunca almocei com ela”. Porque, assim, cada projeto que nós “ia” no sindicato, a assembleia que você ia… é uma coisa diferente. Você senta do lado de uma pessoa assim e você fala assim: “Ah, pelo menos aquela ali eu conheço, vamos junto! (risos) Né? Vamos no banheiro? Vamos junto, é junto”. Aí você fala assim: “Meu Deus, o que ela vai me perguntar, o que eu vou responder, será que eu vou me sair bem? É pior do que uma seleção de trabalho. O que que vai ser, será, hein? O que ela quer saber?” Mas, assim, uma coisa nova. Uma coisa inovadora. Porque, assim, quando você fala de um museu, o que você quer ver num museu? Você quer ver uma história. O que, como foi fundado, o que que aconteceu ali, o que te chamou a atenção, como foi feito. Como tem coisas que eu falo assim pra minha filha assim: “Ah, esse copo aí que você está bebendo água, seis homens ‘fez’ ele”. Por que seis ‘homem’ pra fazer um copo?” Não é? Vamos estudar a história. Porque que tem que ter seis “artesão” fazendo. Um óculos, porque que teve que ter duas, três, quatro, cinco pessoas fazendo. Então, são coisas assim, que você vai guardar. Eu mesma vou guardar essa entrevista de hoje, o nosso bate-papo de hoje, pro resto da minha vida. Pode ser que um dia a gente se encontre pessoalmente, pode ser que não. Mas, assim, são coisas assim que você… que marca a sua vida. É uma experiência nova, é uma situação nova que você está vivendo. Que, em plena pandemia, não tem o que falar. Você vai falar só de tragédia. Cada hora uma tragédia, cada hora um morreu, não sei o que tem. Então, são coisas diferentes, é para alegrar a sua vida. É uma coisa que vai te rejuvenescer. Você vai pensar nas coisas diferentes, hoje. Porque é difícil. Todo o mundo que você conversa, a pessoa fala uma coisa, assim, que te deixa mais pra baixo e não pra te levantar pra cima. São poucos que te levantam pra cima, né?
(01:29:08) P2 – E foi tranquilo, gostou?
R1 – Ai, tranquilo. Eu estava com o coraçãozinho assim, meio aflito, né? Acho que eu teria que ter tomado uns calmantes, mas não, foi bom. Foi “relax”. Espero que valeu a pena para vocês, espero que um dia a gente se conheça, né?
(01:29:26) P2 – Vai tomar aquele café. Assim que acabar esse pandemônio. (risos)
R1 – Vem, sim! Vem aqui na sede de Rio Preto. Vocês conhecem o sindicato daqui?
(01:29:37) P2 – A gente estava indo direto, até antes da pandemia. A gente estava indo. O Luís Paulo teve, dia dez de março, doze de março o Luís Paulo estava em Rio Preto.
(01:29:47) P1 – É. Inclusive eu até passei na frente da sede das Valquírias. Não é lá na zona norte? Os meninos me mostraram.
R1 – É, isso mesmo. Isso mesmo.
P2 - Ah, lá.
(01:29:57) P2 – Fui lá.
R1 – O que que você sentiu, quando você viu? Quando você conheceu as Valquírias? Ou você não chegou a conhecer?
(01:30:04) P1 – Não. A gente estava indo nos comércios que tinha na zona norte. Mas os meninos que estavam me levando, que são de Rio Preto, eles me contaram tudo isso que você falou, que lá dentro é que funciona as Valquírias e explicaram todo o trabalho.
R1 – Isso.
(01:30:17) P1 – E eu já vi na televisão, também. Na Globo, já saiu as Valquírias.
R1 – É, são projetos deles, né, que totalmente diferenciados. Porque é difícil você… é como lá, se eu não me engano, o prédio é alugado, não é de graça. Então, assim, é mantido a sobrevivência das Valquírias, são com doações, também.
P2 - Uhum.
R1 - Só se agora mudou, né? Por que faz o quê? Uns dois anos que eu não faço parte da diretoria. Mas, assim, sempre você escuta um diretor te falando alguma coisa, ou às vezes eu tenho curiosidade e pergunto pra Márcia, também. Mas, se eu não me engano, eles eram, assim, por doações, mesmo. Não é assim, um projeto que vem de fundações, que alguém banca eles. Não, é tudo com a garra, com a força, mesmo. Eles têm que lutar pra manter aquilo. Então, é isso que eu te falo, que é um projeto diferenciado. Porque quando você tem a verba, tanto faz o que você fez ou o que você não fez. Você ganhou o dinheiro.
P1 - Certo.
R1 - Ali, não. Ali, você tem que rezar pra aquele dinheiro entrar, pro cara que está bancando ser… rezar para ele continuar de portas abertas, porque ele faz a doação ali, por mês. Então, é um projeto, assim, que as pessoas falam, mas não sabem como que é lá dentro. Eu tive o prazer de estar lá dentro. E vou te falar uma coisa pra você, que poucos sabem: quando eu entrei pra diretoria do sindicato, que eu vi tudo isso, eu tinha uma menina, a minha menina deveria ter praticamente seis anos de idade. Não vou mentir pra você. Como se alguém te falar assim: “Ah, você conhece a Nicole?” Todo o mundo conhecia. Porque, assim, a minha filha frequentou… todos os lugares que eu ia, a minha menina estava junto, entendeu? Então, tem coisas que você mostra pro seu filho: “Você está vendo aquilo ali? Aquilo ali é mantido por sobrevivências”. Você entendeu? Eu tive projetos na Câmara Municipal, que a pessoa falava assim: “Ah, ela não pode entrar” “Pode. Ela está acompanhada comigo”. Então, a minha filha também assistiu os projetos lá dentro. Então, são coisas assim que você fala assim… hoje, por eu ter uma filha de dezesseis anos, se você conversar com a minha filha, você fala assim: “Nossa, essa menina não teve infância. Não brincou”. Não, teve tudo. Tudo no seu tempo certo. Como assim, é a mesma coisa que eu te falo hoje, você conhecer uma menina de dezesseis anos que ela fala assim pra você assim: “Ai, eu fui abusada dentro de casa. Ai, eu tive que trabalhar cedo, pra ajudar meus pais”. Então, são coisas que doem em você, por você ser mãe, entendeu? Aí você vê um projeto daquele, que você fala assim: “Isso aqui vai fechar hoje”. Dói. Dói, porque você fala assim: “Quantas meninas que dependem daquilo ali?” Eu conheci meninas que falaram assim pra mim assim: “Ah, hoje eu faço cachecol, Lu. Hoje eu faço boina”. Você fala: “Nossa, que bom! O projeto valeu a pena pra elas”. Então, são coisas assim que, pra você, dói. Agora, você passar em frente e falar assim: “Ah, ali tem um projeto”. Ah, tanto faz. Não, agora vai conhecer lá dentro. Vai sentir na pele. É uma visão diferente. Como você escutar alguém falar é diferente, entendeu? Porque você vive aquele momento. É que nem uma escolinha de futebol, que você está ali rezando pro teu filho virar um goleiro. Mas o menino não tem vocação para aquilo, mas você quer, entendeu? Então, são coisas assim, que doem em você, você ver. Mas, assim, as Valquírias, pra quem tiver a oportunidade de passar em frente, conhecer, entrar lá dentro, eu te juro por Deus, ajuda. Vira associado, vira uma coisa assim que você vê o brilho nelas, o brilho das meninas, de falar assim pra você assim: “Ai, eu vou lá, porque eu aprendo isso”. Esses tempos atrás, teve até cursinhos lá que eles estavam dando. Entendeu? Cursinhos de computação, cursinhos de culinária. Então, assim, é… aí elas falam assim pra você assim: “É só pra região norte”. Por que pra região norte? Porque fica mais fácil pro filho ir. Não vai precisar do passe de ônibus, não vai precisar brigar com alguém pra poder ir, por causa do dinheiro que não tem, pra manter. Então, são coisas assim, que só você vendo. Não tem como você escrever. O que os olhos “vê” é o que você sente. É difícil você pôr no papel aquilo que você está vendo. É difícil você arrumar palavras bonitas, porque às vezes o sofrimento é tão grande, que você vai tentar maquiar uma coisa que não sai, entendeu? É difícil. É complicado. Mas vou te falar uma coisa: as Valquírias elas têm sonhos de crescerem. Entendeu? Tem meninas ali que você escuta falar com você, que é uma visão diferente. As meninas não querem viver com aquela manchinha ali, de dizer pra você assim: “Ah, eu fui uma…”. Não. Eu quero estar brilhando lá fora. Levando o nome lá fora. Como assim, eu, por ter feito parte da diretoria do sindicato, eu vi muitas coisas. Muitas coisas, entendeu? Como você falar assim: são projetos que eles assinam e ficam na gaveta. Ali, não. Ali são projetos, assim, que eles querem, sabe? Não é só a gaveta. Só que muitas vezes não tem como você crescer, por causa da verba. Não tem dinheiro. Não tem condições de ir pra frente. Mas também é a mesma coisa que eu falo: “Não desista, gente. É um sonho que vocês têm”. Por causa da pandemia, muitos vão parar de ajudar, muitos vão parar de fornecer o dinheiro, porque eles estão quebrando, também. Tem muitos comerciários aqui em Rio Preto que você vê, que você não acredita que o cara fechou.
P1 - Sim.
R1 - Mas é uma história que, quem sobreviver ela, vai ter história pra contar. Entendeu? Como eu falo pra minha filha assim, que há muitos anos atrás, eu lembro quando meus avós falavam assim: “Ah, eu vim da Itália”, porque meu avô e minha avó, um é espanhol e o outro é italiano. Então, eles casaram, até os netos ficaram diferentes na nossa fase da vida. Como eu falo assim: “Nossa, sou descendente de espanhol com italiano e casada com japonês. Vou falar o que pra você?” Não tem o que falar. E aí você escutar, eu falei pra minha filha assim: “Há muitos anos atrás, eu escutava quando o meu finado avô falava assim: ‘Ah, maledita daradara’, a febre que teve lá, que matou muita gente. E nós não “ficou” sabendo por quê? Porque não tinha internet. Então, não tinha como você saber o que aconteceu”. A minha sogra conta assim pra nós, assim: “Ah, quando a minha mãe veio do Japão, as criancinhas morriam e jogava”. Quando eu conheci a avó do meu esposo, que ela me contava isso, você falava assim: “Será que ela está memorizando?” Aí ela falava assim: “Sabe aquela geleira, fia, lá dos icebergs, lá? Eu vi aquilo. E aí a criança morre e joga fora do navio”. Você fala: “Será que aconteceu tudo isso?” Então, a mesma coisa nós. Hoje, essa pandemia, pra quem sobreviver, que você contar a história da pandemia, ninguém vai acreditar que você sobreviveu. Porque são coisas, assim, que seus olhos estão vendo. O que que eu vou te falar pra você? “O que você me fala do Corona?” Não tem o que você falar, porque você está vendo. Não tem como você escrever uma coisa bonita, se é só tragédia que você vê. Então, é a mesma coisa que eu te conto: cada detalhe da nossa vida é um flash. Não tem o que falar.
(01:38:12) P1 – Legal.
R1 – Mas eu fiquei feliz, assim, de saber que você passou em frente às Valquírias. Tem muitos lugares “bom” aqui em Rio Preto pra você conhecer, expandir, assim… mas seja convidado. Vem aqui no Supermercado Muffato, tomar um café comigo. (risos)
P1 - Vou sim.
R1 - Eu tenho certeza que eu vou sobreviver, pra tomar uma xícara de café.
(01:38:37) P1 – Luciana, eu queria te agradecer muito, viu, pela entrevista. Foi muito boa. A Cláudia…
R1 – Ai, obrigada.
(01:38:44) P2 – Foi maravilhosa.
R1 – Ah, espero que vocês tenham gostado de mim, de me conhecer…
(01:38:48) P2 – Eu quase chorei. Você não viu, não? Quase chorei. Duas vezes, pelo menos.
R1 – A gente vai dando aquela seguradinha, né? Entendeu? (risos) Então, a minha história mais triste foi assim, né: além de eu querer ter ido embora do Brasil pro Japão, quando eu descobri que eu estava grávida, porque como você fala de sonhos, né, como eu falo pra minha pra filha, assim, todos os sonhos, que vai servir pra vocês, também, de um dia, se a gente se conhecer, tomar um cafezinho, né? A parte mais difícil da minha vida que eu tive, tanto na… assim, na pobreza, não gravo coisas ruins. Hoje, por eu ter uma vida boa, também não gravo coisas boas. A gente vai vivendo daquela forma. Mas a parte mais triste da minha vida, assim, hoje, com quarenta e dois anos, que eu engravidei com vinte e cinco. Aí, quando eu descobri que estava grávida de dois meses e oito dias, a parte mais triste foi quando eu estava grávida de cinco meses. Além de você fazer Psicologia, a tua vida, assim, vira aquele pandemônio, né? Um médico vem e fala pra você de tirar teu filho. Que a minha menina tinha Síndrome de Down, né? Aí eu parei, assim, pro meu médico, engatei bem ele e falei assim: “Se eu morrer na mesa de cirurgia, você vai estar junto comigo?” Nisso, meu esposo estava viajando nem sei pra onde. Porque auditor, você… mesmo tempo que está aqui, está em outro lugar, em outro lugar, em outro lugar. Você nunca vê essas coisas na vida, né? Por isso que até hoje, onde é que eu vou, a minha filha sempre está junto. Eu vou numa reunião, ela está junto. Ela está no colégio, eu tô trabalhando. Eu tô jantando fora, às vezes em evento a minha filha está jantando comigo, ou às vezes está em casa, mas a gente tem, assim, um convívio diferente. Por isso que a minha vida é diferente. Entendeu?
(01:40:40) P2 – Mas ela é uma companheirona sua.
R1 – Vixe! Não tenho o que reclamar, não. Meu esposo também não tenho o que falar. Muitas vezes eu estava indo no evento da mulher, festejando, uhul! E eles aqui em casa. Mas, assim, coisas que a gente tem que viver, né? E aí ela perguntou pra mim se eu queria tirar. E eu falei: “Não. Se eu não fui embora do Brasil pra ter minha filha, agora que eu tô grávida de cinco meses alguém vai tirar? Ninguém tira”. Hoje eu tenho uma menina de dezesseis anos que é perfeita. A minha filha teve falta de oxigênio no cérebro, mas é maravilhosa. Vem aqui dar um oi.
R2 – Oi!
(01:41:16) P2 – Ela que arrumou tudo pra você, né? Como que ela chama?
R1 – Sim. Essa é a Nicole.
(01:41:21) P2 – Oi, Nicole, tudo bom? Ai, que graça! (risos) É uma mistura boa, né? Oriental, espanhola e italiana.
R1 – Você vê como que a mulher vai ser brava, né? Coitado do marido que pegar essa herdeira.
(01:41:39) P1 – Vai ser poderosa! Vai ser poderosa, né?
R1 – Somos mulheres de garras, mulheres de fibra. Você entendeu?
(01:41:45) P1 – Concordo, concordo.
R1 – Não vou desvalorizar os homens, não, porque sem eles também, nós não “vive”. Sem nós, também, eles não “vive”. (risos)
(01:41:53) P1 – (risos) Nossa, Luciana, a gente super agradece a entrevista. Foi maravilhoso, passou o tempo que a gente nem percebeu. A gente tá há quase duas horas.
R1 – Ai, não acredito. Jura? É que eu falo demais. Eu te falei que era pra você me cortar…
(01:42:07) P1 – Não, você não fala demais. Você tem uma ótima história. Você é uma excelente contadora de histórias. Então, assim, em nome do Sesc Rio Preto, Sesc São Paulo e o Museu da Pessoa, a gente agradece muito, muito, muito. Foi sensacional.
R1 – Ai, que bom.
P2 - Obrigada viu, Luciana? Tchau, tchau, bom descanso.
R1 - Beijo pra vocês também, tudo de bom. Se Deus quiser...
P2 - Tchau.
R1 - Tchau, tchau.
P2 - Até.
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