Projeto Medley
Depoimento de Érica Valério
Entrevistada por Fernanda Regina Ferreira
Realização Museu da Pessoa
Transcrito por Camila Inês Schmitt Rossi
P/1 – Qual o seu nome completo, data e local de nascimento?
R – Érica Valério da Silva. Rio de Janeiro. Data de nascimento é 03/10/1976.
P/1 – Quais os nomes dos seus pais?
R – Marina Tanino Valério e Antônio Valério da Silva
P/1 – O que eles faziam?
R – A minha mãe ela trabalhava numa empresa como auxiliar geral, na Faet, na verdade no começo ela era tecelã. E meu pai hoje em dia ele trabalha com vigilância, mas no começo ele trabalhava naquela empresa de cigarro, como funcionário normal.
P/1 – Você conhece a origem da sua família?
R – Antepassados ou meu avô, minha avó, mais próximos?
P/1 – É, de onde eles vieram, os mais próximos, assim, avô, avó. Você pode nos contar?
R – Minha avó mesmo eu não conheci não, eu conheci a madrasta do meu avô, que era dona Mariazinha. Eles moravam no Morro da Casa Branca, pelo que eu me lembro, porque eles já são falecidos. Eu não tinha muito envolvimento com eles, não, mas de vez em quando... mais quando eu era criança. A gente não tinha muito apego de vô, né, não tinha não.
P/1 – Você tem irmãos?
R – Uma irmã.
P/1 – Como é que era sua casa de infância?
R – Desde que eu nasci, a gente morava no Rio Comprido, num prédio, num apartamento que era até legal. Mas durante um bom tempo na minha vida ele tinha um problema na justiça com a vizinha de cima, e aí tinha problema de infiltração, e aí quando chovia, chovia dentro da cozinha. E aí eu não tinha um quarto meu, porque essa infiltração afetava um quarto que era tipo o quarto de empregada, que seria meu quarto, a cozinha, e aí ficava tudo mofado. Durante um bom tempo eu não tinha um quarto, dormia com meus pais.
P/1 – E você lembra como que era o bairro, a cidade da sua infância?
R – Ah, lembro. Era uma subida do morro, como eles chamam. Mas era tranquilo, era legal, porque a gente brincava na rua, tinha criança, coisa que hoje em dia meu filho não pode fazer isso, a gente jogava bola, queimada, pulava elástico, a gente tinha amigos, era legal. Não tinha tanta bandidagem, né, como tem hoje.
P/1 – Me conta quais eram as suas brincadeiras favoritas, como que eram.
R – Eu adorava pular elástico, pular corda, jogar queimada, e correr pela rua, né, de pique-pega, andar de bicicleta que não era um dos meus fortes, mas eu achava legal também.
P/1 – E como era a relação com a sua mãe, com seu pai, com a sua irmã?
R – A minha irmã ela é dez anos mais nova que eu, né, então ela só veio pro mundo depois que eu já tava com dez anos. No começo era meio conflitante porque ela era muito novinha, né, eu já tava com dez, ela com um, mas a gente se dá super bem hoje em dia. E meus pais também eram bem tranquilos.
P/1 – Você tem alguma história que te marcou na infância? Quando você pensa em infância você pensa nessa história?
R – Acho que...não sei se é história, né, mas eu lembro que meu pai sempre falou assim “Érica, você tem que estudar, procurar ser independente, pra não depender de homem”. Isso é o que acho que eu carrego comigo e que me ajudou bastante, correr atrás de estudo, batalhar pra fazer meus cursos, quando eu comecei a correr atrás, pra trabalhar. Essas coisas ele me apoiou bastante.
P/1 – Quer contar um pouco mais da relação com seu pai na infância?
R – Ah, só uma relação normal. Meu pai não é... quando eu era nova... porque ele bebia muito, né, ele ia muito pro bar, chegava bêbado, mas a gente nunca teve nada de agressão, violência em casa, nada disso. Mas era chato, ele chegava bêbado, minha mãe ficava olhando esperando ele chegar, ou então eu ficava preocupada pra quando ele chegar, porque com o passar do tempo, né, onde eu morava era tranquilo, mas com o tempo ficou mais complicado, né, que começou o pessoal a passar com arma, essas coisas. Então foi um período um pouquinho complicado, mas eu não vou adiantar não, se não eu vou passar já pra adolescência, mas não tenho o que questionar, não. Só o que era bem firme que ele falava sempre era “estuda, minha filha, estuda pra não depender de homem, porque você pode ir muito além do que isso”. Ele falava que eu tinha que ir além do que ele conseguiu dar pra mim, pra minha qualidade de vida, né. Eu por sorte consegui estudar em colégio particular durante um bom tempo, coisa que minha irmã não teve, e acho que aproveitei o que deu pra aproveitar.
P/1 – Já ia chegar nesse ponto. Ia perguntar qual é a sua lembrança da época da escola, da sua primeira escola. Você lembra?
R – Eu lembro. Eu estudava no colégio São Vicente de Paula, que era um colégio de freira, e tinha muito ‘mauricinho’, né. Eu me lembro que como minha condição era um pouco mais humilde, né, às vezes eu ficava meio envergonhada, assim, porque as pessoas apareciam com aquelas blusas de marca e eu não tinha. Mas nunca foi um empecilho pra mim de seguir, né. Acho que é o que mais marcava na minha primeira escola. Tanto que eu acho que até hoje não apreendi muitos amigos em relação à essa escola, eu lembro de muitos deles, mas a gente não manteve contato, não teve laços. Acho que um pouco isso. Mas teve um período que eu tive uma amiga muito legal, que era Aline, e a gente cresceu um bom tempo juntas até o período que a vida nos afastou.
P/1 – E como é que era estudar num colégio de freira? Me conta.
R – Ah, era legal. Eu gostava na época. O colégio era grande, tinha as missas, era uma igreja bonita, na Tijuca, não tinha nada de... pra mim era normal, né, porque minha primeira escola, né, então eu não vi nada de diferente. Eu gostava. Tinha aula de religião, tinha aula de música. Era legal. Um colégio grande.
P/1 – E com essa sua amiga Aline que você citou, você tem alguma história, que você lembra, pra contar pra gente?
R – Eu lembro uma vez que ia passar o cometa Halley, ele ia ser visto na Terra, ele só passa de 76 em 76 anos, e aí a gente fez uma música.
P/1 – E como é que era essa música? Você pode dar uma palhinha pra gente?
R – Eu não lembro toda ela não, mas era uma coisa assim
“ali está o Halley, ôôôô,
ali está o Haley, ôôôô,
uma estrela azuuul,
passando pelo céééu,
e sua cauda imensa trazendo amor, paz, felicidade
pra todo mundo na Terra.
Vem comigo conhecer o cometa Haaaalley” (risos)
É muito marcante, eu não esqueci nunca.
P/1 – Você lembrou bem a música, né! E conforme você foi crescendo, você tem lembranças da sua juventude? Que você gostava de fazer?
R – Eu era meio quietinha, não era muito de sair, não era muito de festa, tinha amigos meus que... Meu pai tinha uns amigos, que a gente ia pra casa deles, eles eram muito festeiros, iam pra bailes, essas coisas todas, só que eu nunca fui muito a fim disso. Eu sempre fui meio nerd (risos). Aí eu não tenho muitas histórias de adolescência, tem alguns namoradinhos, mas só ficante, nada assim muito sério, sério.
P/1 – E o que que você gostava de fazer?
R – Eu gostava muito de música, e ainda gosto. Gostava de estudar, até que teve um período meio conturbado, que eu andei fugindo da escola um pouquinho, mas depois voltou ao normal. Acho que só, mas de sair não era muito não.
P/1 – Você falou que teve um período conturbado... você pode falar desse período?
R – Acho que aquele período de rebelde, de adolescente, que você resolve... ah, o pai deixando você em casa sozinha, você tem que ir pra escola, só que não ia, ficava matando aula em casa. Aí acho que era mais ou menos na quinta série, por aí. Eu não sei te dizer porque, se era por causa da escola, porque implicavam om meu cabelo porque eu tinha um cabelo gigante, uma juba (risos), e o pessoal me sacaneava muito, não sei se era por isso. Mas aí eu comecei a faltar à aula, até que minha mãe me descobriu, me deu um esporro, mas eu consegui passar de ano.
P/1 – Você repetiu, nessa época?
R - Não, não. Nada que, assim, “faltou o ano inteiro”, tipo “ah, hoje eu não vou pra escola”, ficava em casa.
P/1 – Você falou que eles implicavam com seu cabelo... você pode falar mais sobre isso?
R – É, quando eu era mais nova, meu cabelo sempre foi um ‘jubão’, grande, tinha todos esses tratamentos, não tinha alisamento na época, era henê, nossa, muito nojento: botava aquela crosta preta na cabeça aí ficava o dia inteiro... porque meu cabelo era todo ‘jubado’. Aí quando eu ia pra escola os garotos ficavam jogando coisa no meu cabelo, falando que ia perder as coisas no meu cabelo. Mas passou. Depois disso eu deixei os cachinhos, fazia permanente, mas eu já era adolescente. Aí passava horas no salão fazendo bigudinho, ficava todo enroladinho, cacheadinho, aí quando lavava passava aquele monte de creme, aí ficava pingando... (risos)
P/1 – Quando você era adolescente você gostava mais dos cachos, né?
R – É, na verdade eu gostava do cacho, mas depois que eu alisei eu falava “nossa, alisar é uma maravilha, não dá nada de trabalho”.
P/1 – E na sua adolescência, assim, você lembra do que você fazia pra cuidar da sua saúde? Você fazia alguma coisa? Ia ao médico?
R – A minha mãe me levava na época, era no SESI, porque ela tinha carteirinha, e era ali que era meu tratamento tanto de médico como dentário também, era tudo no SESI. Eu lembro eu era até em Laranjeiras, né. Não era um convenio médico, mas era o que tinha na época, mais próximo de atendimento médico.
P/1 – Você falou que teve alguns namoradinhos. Alguém chegou a conversar com você sobre prevenção nessa época de adolescência?
R – Minha mãe nunca foi... assim... sentou comigo “Érica, olha...” acho que não. Até porque eu fui tudo muito atrasadinha, demorei pra menstruar, depois demorei pra arranjar namorado...
P/1 – E depois dessa fase de rebeldia que você passou, o que que aconteceu, você prestou vestibular, como é que foi?
R – Eu fiz a quinta série, depois sétima, oitava série, depois eu mudei de escola, fui pruma outra escola. Depois eu fiz segundo grau, era um colégio particular também. Depois disso eu fui fazer prova pra vestibular, né. Na verdade, nesse período quando eu era melhor tinha feito prova já pra UERJ, que naquela época era quinto ano e todo mundo tinha que fazer prova pra UERJ, eu fiz pra UERJ e colégio militar. Só que colégio militar na época, quando entrou meninas no colégio militar, eu teria que voltar um ano e, puts, pra mim aquilo era uma revolta. Aí acabou que eu consegui não entrar no colégio militar, e quando eu fiz aprova pra UERJ, também foi outro ponto que me marcou e eu não esqueço na minha vida: era o texto que me reprovou, que era o “lá vem o pato, pato aqui, pato acolá”. E era a prova de português era esse texto e eu não passei. Aí continuei na escola normal, mas foi legal. Aí veio o vestibular, aí eu fiz das Federais. Eu não lembro se eu passei ou não passei, mas acho que não passei. E aí dois anos depois que eu terminei o Segundo Grau – eu me formei em técnico Secretariado – aí antes de terminar o Segundo Grau eu fui fazer estágio, aí eu fui pruma loja eletrônicos, que eu comecei fazer estágio, foi onde eu comecei a lidar com dinheiro. Aí depois eu fui pruma administradora de imóveis, aí eu terminei o Segundo Grau, aí consegui uma vaga na Delphos, que era uma empresa de seguros. E ali foi onde eu comecei a estabelecer profissionalmente. Mas era uma atividade meio ruim, porque eu comecei como digitadora, né, digitava as cartas de sinistro, depois eu virei analista. Aí quando eu virei analista foi ruim porque a gente ficava olhando acidente o dia inteiro, aí tinha gente que mandava foto, a gente tinha que fazer... não era uma coisa muito legal. E nessa época eu tinha feito também prova pra marinha, que eu cheguei a passar, mas eu fui reprovada porque na época disseram que eu tinha leucócitos baixos – eu nem sabia disso – e das vezes seguintes que eu tentei fazer de novo eu meio que desanimei, aí eu não corri atrás. Ainda mais que uma pessoa que eu me lembro que era uma menina gordinha, tinha mais peso que eu, ela não poderia passar e ela passou. Eu fiquei muito revoltada por isso. Aí nas próximas etapas eu meio que desanimei. Aí eu comecei a trabalhar na Delphos, eu pensei em fazer informática. Eu comecei a fazer faculdade uns cinco anos depois que eu me formei no Segundo Grau. Que aí eu comecei a fazer faculdade a noite na Unicarioca, era Terminal de Processamentos de Dados, só que eu queria fazer informática. Aí quando foi no último ano, que eu tava pra terminar, a Delphos começou a... aí me mandaram embora. Aí pra não parar de estudar, consegui pegar um empréstimo do FIS, um ano, e aí comecei tudo de novo, né. Aí eu pensei assim “pegar um trabalho normal ou começar uma coisa na minha área?” Aí eu fui correr atrás de estágio. Aí consegui um estágio na Previ, que era do Banco do Brasil, foi meu primeiro estágio de informática. E dali eu tô na informática até hoje.
P/1 – Você fez um panorama da sua trajetória, mas eu queria voltar um pouquinho e perguntar um pouco mais do Ensino Médio, como que foi fazer o Ensino Médio, se você tinha amigos.
R – O Ensino Médio foi o primeiro ano que eu estudei em colégio púbico, não, minto, eu estudei um ano num colégio só de meninas, que era o Fundação Osorio, que era ali no Rio Comprido. Era legal, era um monte de menina, a gente podia falar algumas besteiras, coisas de meninas. E tinha internato, mas era um colégio que era mais focado pra quem era filho de militar, né. E aí nesse ano que eu entrei, a escola estava passando por algumas dificuldades, de grana, tava meio largada, e aí eu só estudei um ano lá, e no ano seguinte, no segundo ano eu fui pra Amaro Cavalcanti, que é um colégio do estado. Terminei ele normal também, também tranquila. Tinha amigos lá mas eu não bebia, não fumava, não era muito de panelinha, então eu não tinha muita aglomeração, de saída, essas coisas, não era muito comigo. Então eu fiz esses dois anos lá, foi uma experiência legal, conheci coisas diferentes, pessoas diferentes, aspectos diferentes, e me formei. Aí eu fui correr atrás de estagio mesmo.
P/1 – Teve algum professor que te marcou na sua vida, que você se lembra, até hoje?
R – Eu lembro da minha professora do Jardim de Infância, a tia Marcia, que era do colégio de freiras. Eu me lembro de um professor de filosofia que eu tive nesse Amaro Cavalcanti. Eu não me lembro o nome dele, mas eu me lembro que ele era um senhorzinho com um bigodão grandão, engraçado, mas são os que eu mais me lembro. Não sei por quê, mas de recordação que eu me lembro de professores são deles.
P/1 – Você falou que ficou uns cinco anos pra entrar na faculdade, né, que você começou a trabalhar primeiro. E você se lembra quantos anos você tinha quando você começou a trabalhar e o que você fez com seu primeiro salário?
R – Eu acho que eu comecei com 14 pra 15 anos, foi o primeiro estágio, que foi trabalho mesmo, não era trabalho, era estagio. E com o salário o que eu fiz acho que foi comprar roupa (risos). Na época tinha uma blusa que era do Anonimato, que eu era doida pra ter ela, que tinha um cachorro... acho que foi a primeira coisa que eu comprei. Devo ter gastado todo meu salário ali. Que era uma loja da Anonimato, que nem existe mais.
P/1 – E nesse trabalho você fazia o que?
R – Eu era estudiosa de secretariado, né, então eu fazia mais aquela parte de administrativo, eu atendia pessoas quando ia pedir manutenção de equipamentos, televisão, eletrodomésticos em geral, né, eu dava entrada e ajudava na parte administrativa, né. Aí depois dali eu fui pruma administradora de imóveis, também, fazia organização de ficha, cadastro de clientes, coisas assim bem básicas. E depois dali eu já fui pra Delphos, que era digitadora. Era perto da minha casa.
P/1 – Você tinha algum sonho de profissão?
R – Eu sempre pensei estudar informática. Na verdade, no começo eu queria ser da marinha, né, eu queria ser da marinha, foi quando eu comecei a fazer prova pra ser da marinha, mas aí quando eu não passei e eu já tinha ideia de fazer informática, eu comecei a estudar pra informática, comecei a fazer digitação, uns cursos no Senac, né, Senai, pra poder desenvolver e depois consegui a faculdade.
P/1 – Eu queria saber se no seu trabalho você já enfrentou alguma dificuldade por ser mulher, na sua trajetória de trabalho.
R – Olha, posso até ter enfrentado, mas não ter percebido, porque eu sou meio desligada. Nunca foi nada direto. Sei que, tipo, já rolou sacanagem, assim, de tudo tá rolando pra conseguir uma promoção e de repente passarem uma pernada e mandarem outra pessoa. Mas foi um ponto bem pontual, assim, coisas que acontecem no trabalho, não posso dizer se foi discriminação. Acontece.
P/1 – Na sua trajetória de trabalho você tem alguma história que você queira contar? Que te marcou...
R – É que cada uma delas é um período da vida, né, quando eu ia pro estágio, tava aprendendo, né. Depois que eu fui trabalhar com DPVAT, foi um período legal porque eu consegui ganhar um salário decente, não posse dizer que eu ganhava mal, porque eu ganhava mais de um salário, e pra minha idade 17, 18 anos acho que tava de bom tamanho. E era perto da minha casa, era só atravessar a rua, e conheci muita gente. Lá tenho amigas, tenho um ou dois amigos daquele tempo de lá, de mais de dez anos, isso é legal, que é a Betinha. Lá foi onde eu conheci meu primeiro noivo, que eu fiquei noiva também, mas depois antes de eu sair a gente terminou. Depois eu fui trabalhar com informática, conheci... era um ambiente novo, naquela época ano 2000, era muito homem, tinha pouca mulher na área de informática. E aí meu convívio era muito com homem. Isso foi legal porque me ajudou a me soltar um pouco mais, sabe, que eu era muito tímida, parecia um bicho do mato. E essa foi uma boa experiência, e depois disso eu fui pra essa consultoria, que de vez em quando mandava pra umas furadas, foi legal que foi aprendizado. E depois disso fui pra Petrobrás, fiquei um bom tempo na Petrobrás, que foi onde eu conheci meu atual... meu marido, né, que a gente mora juntos, que é o Fábio. E a gente ta junto até hoje, tem mais de dez anos, e nessa época que eu tava trabalhando na Petrobrás, que foi a época do Lula, né, então foi uma época que tinha muito concurso público, então eu tinha uma amiga que dizia “vamo fazer concurso público”, então a gente fazia prova que nem esporte, né, como se fosse rotina. A gente se inscrevia em vários concursos públicos até passar. E aí por sorte eu consegui passar em um, na verdade passei em dois ou três, só que os outros não me chamaram, e eu entrei num cadastro reserva do CERFO*. Aí como tinha muito concurso pulico, né, muita gente foi saindo porque na época o CERFO não pagava muito bem, e nessa aí me chamaram, em 2005, e aí eu comecei a trabalhar lá e to lá até hoje.
P/1 – Vou voltar um pouquinho pra você me contar como foi fazer a faculdade, o que você achou da faculdade, como foi esse período?
R – Era puxado, né, porque eu trabalhava o dia inteiro e ia pra faculdade a noite, mas não era arriscado – e o mundo não era tão violento como é hoje – a gente conseguia andar na rua 10 horas da noite tranquilo. Foi mudando porque chegado no final da faculdade já começou a ter gente estranha, quando eu voltava da faculdade tinha tiroteio, tiro passando de um lado pro outro, porque eu morava no Rio Comprido, aí tinha Falete e um outro morro, do Catumbi. E quando eles tavam em guerra tinha tiroteio passando. Esse foi um dia bem traumático, que eu tava voltando da faculdade, tava sozinha na rua, mó breu e eu passando e shshshshsh passando por cima do morro, mas eu sobrevivi. Mas foi legal, eu conheci pessoas legais. Tenho amigos, não muitos, uma amiga desde aquela época, que eu acompanho a vida dela, ela acompanha a minha, e foi um período bom. Aprendi bastante coisa, conheci bastante gente, e abriu as portas pro que eu to hoje, pro meu trabalho de hoje.
P/1 – E como é que era conciliar o trabalho com as outras demandas da sua vida?
R – É puxado, tinha que ter disposição, mas como tinha a vontade de conhecer algo melhor, né, como dizia meu pai “você tem que ser mais do que eu consigo te dar hoje”, então ele me motivava muito a estudar, fazer os cursos que eu fazia. Que eu fazia na época muito curso no Senai. Senai, Senac, não lembro... Senac que eu fazia curso. Aí tinha vez que eu acordava seis horas da manhã, ia pra fila da Cinelândia pra poder pegar um curso de digitação, nossa, hoje ninguém mais faz isso. Ou então tinha que ir cedo pra Fundação Bradesco pra fazer o curso de datilografia. Aí foi tudo isso ajudou, fundamentou o conhecimento, mas eu era meio nerd, já falei, né.
P/1 – Você falou! É... eu vou perguntar, se você quiser passar você pode passar, mas você falou de um noivo que você teve...
R – Era o Jorge, a gente ficou uns... a gente namorou três meses, ficamos noivos sete anos. Mas aí chegou no final tava meio... a gente tinha comprado terreno já em Campo Grande, mas aí acabou o encanto. Aí na época eu saí da empresa, ele também foi mandado embora. A gente resolveu terminar porque a gente ia gastar um monte de dinheiro investindo os dois numa casa que... não era mais o meu objetivo de vida. Porque na época a gente procura uma pessoa que queira crescer junto com você, e naquela época não tava rolando a mesma vibe, né, porque eu tava terminando a faculdade, tava indo trabalhar, tava correndo atrás, e ele tava um pouquinho paradinho, mas não que ele fosse má pessoa, ele era ótimo, ele era um bom rapaz, mas aí também quebrou... sei lá, acabou a magia.
P/1 – E aí você seguiu em frente, né. E eu queria que você me contasse como foi começar a trabalhar na Petrobras.
R – Ela era terceirizada, né. Foi legal porque eu comecei lá trabalhando como técnica de campo, né, aqueles funcionários que dão suporte em computador direto. Aí depois eu consegui ir pruma mesa especializada, né, que é você trabalhar com uma tecnologia especifica e dar suporte nela, né. E aí eu estudava, fiz certificação de lótus, né, foi muito legal, fiz certificação de Windows, hoje já não faço mais nada. E aí depois eu cheguei a ser analista de negócios, que era trabalhar com... fazer reunião com gerente, de ver como era serviço de TI praquela área, era bem legal. Aprendi bastante. E aí foi minha última vaga lá, mas era legal, né, porque era uma empresa enorme, né. E aí trabalhei um tempo na Canabarro, trabalhei um tempo na Dizi, e depois eu saí. É bom, mas o ruim de ser contratada é que de tempos em tempos, a empresa sai, você tem que sair. No caso da TI, a gente saía e perdia fundo de garantia, perdia tudo, porque pedia demissão, e rezar pra outra empresa contratar pra continuar trabalhando. Então foi um dos motivos pra fazer concurso público também.
P/1 – E pra você como é que é ser concursada?
R – Olha, já teve um período que foi bem melhor. Porque a gente tinha certa estabilidade. Hoje em dia com o governo meio louco aí tentando privatizar tudo, né, a gente não sabe... tá um campo mais instável. No caso eu sou empregada publica, não sou servidora, sou CLT. Quem disse que empregado público não trabalha é mentira. Tem muito trabalho. Quem quer trabalhar, tem trabalho pra fazer.
P/1 – Como é sua rotina de trabalho?
R – Atual ou antes? Porque agora eu to home office, por causa do coronavirus, um momento bem atípico...
P/1 – Vamos falar antes.
R – Quando eu entrei lá, eu entrei como analista de rede, e aí eu fui trabalhar na parte de conexão, conectividade, roteadores, que era uma área que eu nunca tinha mexido na minha vida. Então foi um primeiro período de aprendizado, aprender a mexer com essas tecnologias. Só que a parte técnica é boa, só que ela é muito... tem as panelinhas, que a gente já sabe, e normalmente é só reconhecido quando é pra apagar incêndio. Então pra você conseguir uma evolução é um pouco mais difícil. Então depois de um tempo que eu fui trabalhar com a parte de processos, né, que, puts, foi muito legal. Que quando você estuda os processos de uma empresa, é quando você conhece o cerne dela, como ela funciona. Então isso me encantou bastante. Aí com a parte de processos eu tive a oportunidade de fazer uma pós-graduação pela empresa que de Gestão Pública com foco em negócios. Aí foi um ano bem agitado, que a gente viajou pelo Brasil todo, passando pelas filiais da empresa, e a gente tinha aula. Foi bem legal, um aprendizado grande. E acho que foi ali que eu mais conheci o CERFO, né, saber qual a importância da empresa pro Brasil. E depois disso, desde esse período que eu to trabalhando com isso até hoje. Aí hoje eu trabalho mais auxiliando a parte de gestão e trabalho com a parte de processos também, gosto muito.
P/1 – Me conta um pouco desse período dessas viagens, como foi.
R – Puts, era muito louco! Porque a empresa tinha feito uma... que era uma semana do mês, né, e cada semana no mês a gente ia prum estado diferente, que o CERFO tem representatividade em quase todos os estados brasileiros. E aí eu tinha acabado de ter filho, né, que era o Ian, ele tava com dois anos, né, aí o pessoal “ah, você vai viajar e deixar seu filho?” Eu disse “cara, é uma oportunidade única”. Aí eu me inscrevi e passei, pra poder participar. Aí foi um ano viajando, aí eu fui pra Curitiba, Nordeste, Belém, Brasília, e era uma pós pela... aquela Universidade Federal de Brasília, então recebi um certificado de peso, ainda. E foi legal, que era um grupo legal, que tem grupo de WhatsApp até hoje, a gente conversa bastante, mas também é aquele negócio, como eu não fumo, não tenho... não sou puxada a ficar em patotinha, não tem aquele grupo, mas me relaciono com algumas pessoas. Foi bem legal. E foi nesse ano, nesse período, que eu descobri que eu tava com Parkinson, que foi quando minha digitação começou a ficar um pouco lenta, aí eu fui procurar um médico, e aí ele mandou fazer um exame de... que é um exame que coloca agulhinhas na mão e que dá choque, e ali naquele exame já veio o resultado que achava que eu tava com Parkinson. Mas a gente não acredita na hora “como assim, doença de velho...” Aí eu joguei pra baixo do tapete e continuei fazendo viagem que tinha que fazer, continuei trabalhando, aí segui em frente. Aí é o que eu me lembro desse período. Mas era bom. De noite a gente saía, ia todo mundo prum barzinho, conversava um pouquinho, e tinha meninas que a gente dividia apartamento, era legal. E depois de uma semana voltava pra casa.
P/1 – Eu vou ainda perguntar mais desse diagnostico, mas eu queria voltar num momento que você citou: que você teve um filho, eu queria que você contasse como foi o dia do parto do seu filho.
R – Tem assunto! Porque na época que eu fiquei gravida, eu tava fazendo exame pra ver um mioma, que eu tava com três miomas no útero, aí eu me lembro que o médico tinha mandado eu fazer uma ultrassonografia, eu me lembro até hoje, ele olhou assim, olhou lá na maquininha de luz, né, falou “você não pode ter filho assim, seu útero ta cheio de miomas”. Era três miomas que na época era meio grandinho. Aí tá beleza, eu tava preparando pra fazer um exame que era muito ruim, pra preparar pra cirurgia. Aí eu tava na academia lá, malhando, fazendo meu jump que na época eu adorava. Comecei a sentir dor no meio, quando eu pulava dava uma dor horrorosa. Aí eu fui pro médico, fazer um exame, tava gravida. “Grávida? Com mioma? E aí?” Aí na época falavam “ah, faz uma cirurgia antes pra tirar o mioma”/ “deixa que eles crescem juntos”... Foi meio complicado, mas eu tive a gestação normal, tive alguns sangramentos que na época achava que era por conta do mioma, mas uma gestação normal. Quando ele nasceu, o dia nove de agosto de 2009, eu fui pra maternidade, né, eu fui meio tensa porque eu não sabia o que ia acontecer, né, ia nascer uma criança, e com três miomas que foram crescendo no período por conta dos hormônios, né. E aí na época o meu médico era muito bom, era o dr. Giordano, ele fez a cirurgia do parto, né, o meu marido tava lá assistindo o parto, aí eu me lembro ele “ai meu Deus, tem muito sangue aqui, posso levar o bebê?” Saiu da sala e me largou lá. Aí que eu me apaguei. Porque eu precisei fazer transfusão de sangue, né, e os miomas ficaram lá, porque o médico falou que se tirasse o mioma naquela época eu poderia perder o útero, que tava muito frágil. Aí eu me lembro que me acordei, passei a mão na barriga, senti as três bolinhas do mioma, e depois de seis meses eu voltei pra parir os trigêmeos, que foi os três miomas que ficaram por lá (risos). Mas foi tranquilo. Fora esses episódios de sangramento que eu tive, foi uma gestação tranquila.
P/1 – E como você resolveu essa história dos miomas?
R – Então, depois que o Ian nasceu, eles cresceram por causa dos hormônios da gravidez. Aí depois de seis meses eu fui lá e eles nasceram, eu fui lá só pra tirar os miomas.
P/1 – Ah, você chegou a tirar já.
R – Já, já. Eu tirei seis meses depois do nascimento do Ian. Foram as únicas vezes que eu entrei numa sala de cirurgia.
P/1 – E o que a maternidade significou na sua vida? O que mudou também?
R – Olha, é um momento assim muito legal. O bebezinho no colo, ele é bonitinho, é fofinho, crescendo, é lindo! Mas depois tem aquelas panes, puts, educar, ensinar, que acompanha a gente o resto da vida, né, e as dificuldades que a gente passa também, porque é difícil, as vezes a criança ta chorando, fome, comida, casa, marido trabalha, tudo que você... você tem que ser meio mil utilidades, né. Mas também sobrevivi. A minha sogra me ajudou bastante, a minha mãe ajudou bastante, minha irmã.
P/1 – E quanto tempo depois de ser mãe você recebeu o diagnóstico de Parkinson?
R – Dois anos depois, praticamente. Ele tava com dois pra três anos.
P/1 – Como é que foi quando você teve certeza que era Parkinson?
R – Certeza eu demorei um pouco, porque quando eu tive aquele primeiro exame que eu falei, eu peguei e falei assim “ah, não deve ser de Parkinson, né”. Aí eu meio que joguei pelo tapete, porque eu não tinha tantos sintomas, né, só essa lentidão na digitação. Aí também fiquei com vergonha, fiquei com medo, na época só tinha contado pro Fábio que é quem vive comigo hoje. Aí ele tentou me acalmar, falei ‘beleza’, aí fui passando com o tempo. Passei em alguns neurologistas, mas Parkinson é uma doença meio difícil de identificar, né, e não tem muitos especialistas de Parkinson por aí. Então teve um que mandou fazer ultrassonografia transcraniana, ele falou “eu não to vendo nada em você, então acho que deve ser depressão”. Queria me dar antidepressivo, eu falei “não...”. Aí eu fui num outro, eles me examinavam, não viam nada, mas como viam aquela cartinha do médico, né, eles falavam “se é Parkinson vamo fazer assim, assim”, eles só confirmavam quando liam a maldita cartinha do médico. Então eu demorei um pouco pra achar um profissional. E nesse intervalo, de mais ou menos uns dois anos, por aí, minha mãe teve um câncer e depois teve um aneurisma, ela ficou internada. E aí nesse período que ela tava internada foi bem punk, porque eu tava trabalhando, ia pro hospital, ficava com ela, e aí os sintomas começaram a ficar mais evidentes, né, eu comecei a mancar mais, ficar meio torta, e aí o pessoal começou a notar, né. Aí minha sogra meio que pressionou “o que que tá acontecendo, você tá assim assim?” / “não, é tendinite... não, eu torci o pé, não...” Eu inventava uma desculpa esfarrapada, né, até que nesse período da minha mãe, começou a ficar mais complicado, a minha sogra me botou na parede, aí eu contei pra ela que tinha Parkinson. Na época quando eu falava eu gorava pra caraca... Aí ela me levou num médico que era de uma amiga dela, que tinha feito uma cirurgia de DBS, uma senhorinha, que ela falou assim “ele é bem entendido de Parkinson, vamo lá”. Eu ia na consulta particular com ele. Aí ele foi o primeiro que fizeram exame que... checou, assim, “é, realmente é Parkinson”, identificou um pouco mais de doença, me falou de alguns benefícios, me deu um pouco de informações claras, mas assim, aí eu já tava convencida. Aí nessa época eu comecei a pesquisar um pouco mais, né, aí tinha um exame que tava sendo divulgado que era o espectro... que não diagnostica o Parkinson, mas ele identifica te dando índices, noções se você ta tendo a doença ou não. E aí depois de um ano e pouco de consulta com ele, um ano ou dois, eu perguntei assim “a gente não vai fazer nenhum exame, exame de sangue, sei lá, uma coisa que confirme que eu tenho Parkinson, né?”. Aí ele virou pra mim “não, querida, seu problema é aqui, não tem que possa fazer”. Deu vontade de pular no pescoço dele, mas eu não podia. Eu fiquei meio passada, com cara de... “tá”. Mas aí como Deus é muito bom comigo, uma amiga minha falou que conheceu um senhorzinho, um médico que era lá de Minas, que ele tinha noventa e poucos anos que ela falou. E ele produzia uma vacina que era pra fibromialgia, que ela conheceu ele a partir do irmão dela que tava com essa doença. Aí ela perguntou pra esse medico se essa vacina poderia me ajudar de alguma forma. Aí ele falou assim “olha, essa vacina pra ela não vai ajudar não, mas eu tenho um afilhado da minha sobrinha (...), que acabou de voltar dos Estados Unidos e ele é especialista em Parkinson”. Aí ela pegou o telefone dele e me deu, e perguntou assim “e aí, você quer ir no especialista, sim ou não?” Porque eu tava meio na duvida mesmo, né. Aí fui no especialista, em São Paulo, lá no Albert Einstein, paguei a consulta com ele e ali foi, puts, divisor de águas. Porque ele mandou fazer vários exames, muitos exames, inclusive esse espectro... e uma ultrassonografia da massa negra. E aí eu fiz esses exames todos. Teve um até que eu fiz com o próprio rapaz que ele indicou, e voltei depois com ele, com os resultados, e aí ele viu. Porque na época que eu fui fazer com ele, eu não tinha os sintomas meio de praxe do Parkinson, não tinha, tremor, só tinha lentidão mesmo. Então os exames valeram pra poder descobrir outros tipos de doença. E aí quando eu voltei ele falou assim “é Parkinson mesmo”. Aí ali eu já tava meio que, vamos dizer assim , internalizando, já tinha dois anos, que tinha Parkinson, né, então só foi a comprovação que eu precisava “é, realmente eu tenho Parkinson, que merda..” Mas é... e ali acho que foi divisor de águas que foi quando eu resolvi, tipo, encarar, né, que eu tinha Parkinson mesmo. Porque foi aí que eu comecei a ver grupos de WhatsApp, de facebook, de paksonianos, foi aí que eu tive contato com parkisonianos. Foi leal conhecer a Cintia, uma menina lá de Maringá, é da minha mesma idade, tava com Parkinson do mesmo lado que eu, e aí ela me apresentou vários grupos, e aí eu comecei a embrenhar nessa história de Parkinson, né, aprender, estudar, na época fiz um site, que era o Biblioteca Parkinson. Comecei a aprender e acho que achei o propósito da doença, o que fazer com Parkinson, né. E aí hoje em dia eu sou meio que ativista. Não sou tão ativa, mas eu apoio um grupo que trabalha com essa parte da divulgação da doença, de conscientização.
P/1 – Eu queria perguntar se a maioria do atendimento que você teve foi público ou privado e como você vê o atendimento pra pessoa com Parkinson no Rio de Janeiro
R – Eu fui no particular, que na época tinha plano de saúde, né, eu comecei no ortopedista que olhou pra minha cara falou assim “isso eu não trato, você tem que procurar um neurologista”. E foi por convenio, né. Cheguei a ir no posto de saúde, fiz a minha inscrição pra poder ser consultada mas demorou dois anos pra poder ter retorno. Então eu fui no particular mesmo, foi quando eu conheci esse especialista que o dr. André Felício, que era especialista de Parkinson, eu fui pagar uma consulta com ele. E ali eu tive um atendimento tipo completo, realmente o cara me analisou, me xerocou, fez tudo o que tinha que fazer, como eu esperava de um médico em relação à doença que é tão sinistra. Então ele foi o melhor médico que eu tive, quer dizer, que eu tenho ainda. Eu já tava tratando com o outro médico, ele acertou minha medicação, e eu precisava depois entrar em contato pra pegar medicamento com a farmácia de alto custo aqui no Rio de Janeiro, né. Aí durante um período, quando ele me dava o documento que precisava, de São Paulo, eles aceitavam, mas depois teve um período que teve alguma reformulação de regras, que eles não tavam mais aceitando o documento dele, aí eu tive que recorrer pro SUS, né. Aí um dia eu tava procurando na internet “como ser atendido pela clínica da família”, e aí eu caí num telefone que acho que era da Ouvidoria. Aí eu liguei pra lá, perguntei “olha, como eu faço pra ser atendida pela clínica da família? Eu já fiz cadastro lá dois anos, blá blá...” Ela falou “aqui é uma Ouvidoria, se quiser abrir uma reclamação”. / “Legal. Ah, então quero abrir uma reclamação: fiz o cadastro faz dois anos e até hoje a agente de saúde ainda não teve na minha casa pra fazer os tramites legais pra fazer o atendimento”. Cara, dois dias depois a mulher apareceu aqui, do SUS. Isso tem pouco tempo até, deve ter uns dois anos, um pouquinho mais ou menos. E aí ela teve aqui, fez o cadastro, minha ficha, e aí um mês depois que ela teve aqui eu fui na primeira consulta, que a menina dá aquela olhada geral, aí depois ela me bota no CISREG pra ser consultada por um neurologista. Aí demorou mais um tempo, me mandaram prum neurologista ruim... Que aconteceu? Na primeira consulta que eu tive com ela – eu acho que ela poderia até ser boa – eu já cheguei com exame, com tudo na mão, explicando o que eu já tinha. Então ela só olhou pra minha cara, fez eu andar de um lado pro outro, e repetiu a mesma receita do médico que tava me acompanhando. Só isso. Aí, o que eu acho, a impressão que eu tive é que, não sei se é porque ela tem muitos pacientes pra atender, não tem uma atenção básica com um cara que tem Parkinson, né. Talvez pode ser que isso aconteça até pra quem tem outro tipo de doença. Mas é meio que... eu senti um pouco meio que falta de atenção no sistema público, mas eu não tive muita experiência com outros médicos, né. O que acontece é que agora a cada três meses eu vou aqui na clinica da família, que onde eu pego a NME, e aí cada vez é um médico diferente, tem que esperar um pouquinho mas não tem um atendimento... Apesar que da ultima vez que eu fui lá foi bem legal. Eu mofei lá esperando, mas o rapaz me atendeu, e pela primeira vez ele perguntou “ah, você tem Parkinson, como você tá?” Aí eu: “que legal! Ele quis saber como é que eu tava”, e aí a gente começou a conversar. Foi interessante, uma parte mais humanizada do atendimento do SUS, mais do que o neurologista.
P/1 – Eu quero fazer algumas perguntas, mas aí você só fala o que te deixar a vontade, ta bom? Por que eu sou bem curiosa e eu quero fazer algumas perguntas, mas se alguma coisa te deixar desconfortável você pode falar, tá?!
R – Qualquer coisa eu digo “não vou responder isso aí não”!
P/1 – Isso! Aí eu pulo pra próxima, a gente finge que não aconteceu! Eu queria perguntar, você citou em um momento que você tinha vergonha de contar pras pessoas. Eu queria que você explicasse o porquê você tinha vergonha, o que você sentia nessa época.
R – Ah, porque Parkinson é uma doença de idosos, né, normalmente, e eu estava com 35 anos, com uma doença neurodegenerativa, que eu ia começar a parar... quando você vai no Google e digita ‘Parkinson’ você vê as piores coisas da vida, né. Eu pensei assim “caraca, vou morrer”. E eu tinha esse medo, tanto que até hoje meu pai não ouviu da minha boca “pai, eu tenho Parkinson”, ele não ouviu. Só quem sabe assim, da minha boca mesmo, foi minha mãe, minha irmã, que foi que contou pro meu pai, que depois que minha mãe faleceu ele viu que eu tava andando toda torta ele perguntou “que que aconteceu com sua irmã?”, aí minha irmã contou. E o Fábio, minha sogra, e tem uma amiga minha que depois eu contei. Mas o medo era isso, de ficar tremendo, né, é ruim pra caramba, de andar que nem o Thriller do Michael Jackson, começar a se arrastar, é muito ruim... E eu tinha vergonha de dizer assim “eu tenho Parkinson”, demorou um pouquinho pra eu desenvolver essa parte, né. Mas um fato que foi legal foi que quando eu percebi que eu tinha vergonha, né, eu tava na Sans Peña, eu ia levar pro meu pai meu filho, ia fazer um curso, e aí eu tava atravessando a rua e eu tava mal, eu tava me arrastando, aí um rapaz falou assim “a senhora quer ajuda?” eu “não...”, tipo ‘to bem’, mas me arrastando. E ali eu falei assim “puts, o cara foi tão gentil comigo que ele me ofereceu uma ajuda, e eu não aceitei”. Acho que ali que caiu a ficha assim, que eu tinha vergonha da doença (choro). Mas foi bom, porque nesse dia ali acho que eu evoluí como pessoa (pausa). Ali foi que caiu a ficha, porque eu chorava tanto quando eu falava que tinha Parkinson, porque eu não tinha contado pro meu pai, porque eu achava que as pessoas iam ter preconceito comigo, em relação ao trabalho e... tipo, iam começar a botar de lado, sabe? Mas foi ali que eu comecei a pensar um pouco melhor sobre isso, então eu considero que foi uma evolução pessoal, esse momento específico que me marcou bastante.
P/1 – E eu queria saber como foi os primeiros sintomas, como foi avançando, você pode contar pra gente mais detalhadamente?
R – O meu primeiro sintoma foi a digitação lenta, né, eu percebi que eu tava demorando muito pra digitar, eu tinha que pensar, “nossa, eu digitava bem pra caraca, como que eu to pensando pra poder digitar?” Então aí foi meu primeiro sintoma. Isso foi há... já to com quase nove anos de Parkinson. De lá pra cá, eu tenho rigidez do lado esquerdo, né, de vez em quando eu ando que nem um Thriller do Michael Jackson, um dos personagens dele lá, arrastando as pernas... aquele seriado do Zumbi Dead, é tipo assim que eu fico andando... É... tenho um pouco de tremores, mais quando tem umas ansiedades, né, mas fora isso, graças a Deus posso dizer que eu to relativamente bem, porque tem pessoal que tem (...) coisas bem piores que eu não tenho, então, por enquanto eu to bem graças a Deus. Mas eu me lembro que quando eu descobri que eu tava com Parkinson, né, que a vida passou na minha frente, né, aconteceu coisas legais também, né, mas com o tempo você vê que tem coisas boas e coisas ruins. Então minha vida meio que... não recomeçou, mas tomou um outro sentido depois que eu descobri que eu tinha a doença, né. Você começa a observar coisas que você não percebia antes, isso é legal.
P/1 – E queria que você me contasse as mudanças que teve na sua vida em receber esse diagnostico tão nova.
R – No começo passou um vídeo da minha vida, achei que ia morrer, né, mas foi legal também porque, eu lembro que eu tava com o diagnóstico, não tinha contado pra ninguém ainda, e uma amiga minha tinha vindo aqui em casa na festa do meu filho, e ela ia pra Disney, aí ela falou assim “quer ir comigo?”, aí eu “quero”, tipo “vou logo antes que eu morra” (risos). Aí eu não tinha passaporte, não tinha nada, e ela ia em dois meses. Aí eu peguei, falei assim “Fábio, se importa se eu for pra Disney e deixar você aí?”. Aí ele deu o azar de falar que não! Aí eu peguei, corri atrás, consegui passaporte, consegui comprar passagem, ia eu, meu filho, minha sogra, e eu fui pra viajar com ela. Meu inglês não era muito bom, fui num voo diferente do dela, cheguei antes dela. E, puts, realizei um sonho por causa da doença. Teve um lado bom aí. Fora isso, quando você começa a procurar na internet, começa a estudar sobre Parkinson, normalmente você tem que aprender a ser seletivo na informação, tem muita informação aí, tem muita gente querendo vender medicamento dizendo que é a cura, e não é cura, se fosse... e aí você tem que aprender a ser filtro e não ser esponja. Porque você participa de grupo de WhatsApp, tem gente com todos sintomas, desde os mais leves até os piores. Então você tem que saber ouvir, aprender com aquilo, aprender a se observar, aprender o que fazer pra poder evitar aquela situação, e usar isso como experiência pra vida, não absorver e trazer aquilo pra você antes do tempo, “ah meu Deus, e vou ter... ah, minha cabeça vai ficar tremendo...” puts, é tanto problema que se fosse ficar assim eu não ia viver, né. E hoje no trabalho o pessoal já sabe, tipo, no ano passado eu tinha que mudar de área, a primeira coisa que eu falei assim “olha, eu tenho Parkinson, vai ser um problema pra você?” Aí, “não, que é isso, não tem problema nenhum, tá tranquilo”. Porque, vai que eu tenha que faltar... eu nunca falto, assim, nove anos de Parkinson, eu nunca fiquei de licença por causa do Parkinson, fiquei por outros motivos, mas não por causa do Parkinson. E é isso, tem dias que são mais ruins, tem dias que são bons, mas quem não tem, né, dias bons e ruins, né. E como disse uma médica, numa das lives que eu participei, “a vida te deixa degenerativo, né”, então eu só tenho uma degeneração um pouquinho mais rápida, mas a vida é degenerativa, o tempo que passa... a gente tem que aproveitar o dia de hoje porque amanhã não nos pertence. Então é viver o hoje, e o amanhã eu vivo amanhã!
P/1 – Eu vou quere saber como foi essa viagem pra Disney, me conta como foi?!
R – Cara, foi muito doido! Primeiro que foi muito rápido, eu consegui fazer muito rápido pra poder conseguir viagem, passaporte e tudo. E eu fui com a minha sogra, pra ela me ajudar – ela nem sabia que eu tinha Parkinson na época, ninguém sabia – e eu fui com meu filho também. Ela já tava indo pela terceira, quarta vez, e ela tava indo com o marido e os dois filhos. E a gente marcou um hotel, eu comprei uma passagem que cheguei antes dela, eu chegava num dia ela chegava no outro. E um fato engraçado que eu no avião eu tava com uma calça branca, uma legg branca, e uma blusa tipo vestido, comprida, rocha; e aí no voo eu fui ao banheiro, e fiquei menstruada, e caiu bem um pingo gigante na minha calça branca, foi horrível (risos), aí “puts, que merda” que nem dava pra limpar que ia borrando tudo mais, sabe! Aí eu tive que tirar a calça e fiquei só com a blusa rocha, que ficava tipo um vestido curto, mais curto que o normal que eu gostaria de usar. Aí a minha sogra fica me sacaneando que eu fui devassa pra poder seduzir o guarda da integração, porque tava com o botão aberto, aquele vestidinho curtinho, mas no final deu certo! A gente conseguiu passar, não sei se ele considerou o vestido, mas a gente conseguiu passar. E eu dei sorte também que a gente chegou lá e tinha muita gente que falava português, a gente conseguiu se locomover, chegar no hotel, e o meu inglês que não era muito bom seu pra se virar. E aí eu conheci alguns parque com essa amiga minha, que como ela tava indo pela milionésima vez, ela já conhecia alguns parques e ela foi em alguns parques pontuais, né, não foi em todos. Então foi legal, foi super agradável, a gente foi e voltou tranquilo, aproveitei bastante,
P/1 – Qual parque você mais gostou?
R – Naquela época, o que eu mais gostei foi o Magic Kingdon, pra poder ver o castelo, puts, aquilo lá é mágico, é lindo demais. E mesmo assim depois eu voltei de novo, com o meu marido. Aí foi legal, que a gente foi em todos os parques! Todos os parques que a gente queria, aí eu gostei muito da Universal, é muito legal. Me diverti bastante. O dólar tava baixo, foi uma beleza, foi bem divertido!
P/1 – Você falou que viajou com seu marido. Eu queria saber como é que foi o apoio dele quando você recebeu essa notícia e ao longo da doença.
R – Ele é meio sequinho, sabe. Ele tenta ajudar, de vez em quando dá vontade de socar ele, mas... ele faz umas piadas sem graça do tipo “anda mais rápido”, quando eu to toda enrolada, aí eu “ãrrã”... Mas ele tenta do jeito dele, maluquinho lá, as vezes de mal gosto, mas ele é super companheiro, não tenho do que reclamar não. Quando preciso de ajuda pra tirar a roupa – porque esse movimento de tirar a roupa pra mim é bem complicado – ele me ajuda. A gente só não conversa muito sobre Parkinson, acho que tem coisas mais interessantes pra falar do que ficar falando sobre Parkinson.
P/1 – Eu queria saber se a doença afetou na sua autoestima, se afetou.
R – Ah, afeta, né, de certa forma. Quando começa a tremer ou então se arrastar, você fica meio bolada, né Mas fora isso, quando dá eu uso maquiagem, eu me maqueio, eu tento estar arrumada, mas tem dias que eu fico toda largada, despenteada, com pijama, normal, acho que todo mundo tem esses dias de bad.
P/1 – Você também falou sobre preconceito, na sua entrevista, que você tinha medo de que as pessoas tivessem preconceito. Você já enfrentou alguma situação de preconceito por causa da sua doença?
R – Até então eu acho que eu nunca tinha sentido, ou então como eu te falei, eu não percebi. Mas quando eu descobri que eu tinha Parkinson, eu mesma descobri que eu tinha preconceito comigo mesma, porque eu achei que as pessoas iam achar que eu não era capaz: “ah, coitada, doentinha, vamo encostar a Eriquinha e esperar ela se aposentar”. Então eu fiquei com preconceito de mim mesma, pensando antes do que as pessoas entendem em relação à doença. E, puts, depois que eu meio que aceitei, eu vi que não era bem assim, né. Tem pessoas que têm preconceito? Tem. Tem pessoas que te olham meio torto? Tem, como tem pra todo mundo. Mas a partir do momento que eu tirei esse peso do meu preconceito, os outros são os outros. Não, não faz diferença, acho que o que mais me afetava era o meu preconceito que eu demorei pra descobrir que era eu que tinha o preconceito. Acho que isso talvez aconteça com outras pessoas, né, elas pensam que tão sofrendo preconceito mas na verdade o preconceito vem a partir dela mesmo, né, ela se põe na posição de estar sendo ofendida pelo preconceito de outra pessoa mas não sabe se realmente se a pessoa ta te ofendendo por preconceito, as vezes é a forma da pessoa de falar e você fica todo ofendido. É meio estranho esse negócio com preconceito.
P/1 – Você também citou os grupos de WhatsApp, que você também é uma ativista. Eu queria que você falasse um pouco sobre isso em mais detalhes, por favor.
R – Então, quando eu tive minha consulta com o dr. André Felício, que onde eu comecei a saber um pouco mais sobre Parkinson, eu conheci essa menina, a Cintia, que me apresentou esses grupos de WhatsApp. Aí depois tinha um que existe até hoje, aí com o tempo eu fui me embrenhado e acabei virando administradora, e a gente também criou um grupo chamado Aprendendo a Viver com Parkinson, e a gente criou uma página no face book, grupo de WhatsApp, que tão funcionando até hoje. E aí o que que tem esses grupos: são pessoas que têm Parkinson, ou familiares ou cuidadores, né. Hoje eu não sou tão ativa porque eu não sou muito de ficar falando em chat, acho que eu prefiro falar mais no tête-à-tête, ou ao vivo, ou no telefone. Mas legal porque eu aprendi muita coisa sobre a doença, estagio de doença, pessoas e o que elas faziam pra viver, pessoas com mais de 20 anos de Parkinson, pessoas que tinham a minha idade na época de Parkinson e tão lutando ainda, né. Então é motivador. E aquele negócio, de você aprender que tem que ser filtro e não esponja. Ou você aprende com o que você ta ouvindo, ou você absorve, mas se você absorve te enfraquece, então é ruim. E dali eu criei uma página, fui estudar, fui estudando, estudando, até que um dia eu conheci a Daniele, do Vibrar com Parkinson, e hoje eu to trabalhando com o grupo dela, a gente faz live, tem umas coisas novas aí que eu tenho feito, que normalmente eu não pensaria em fazer, como fazer live, né, em tempo de pandemia, mas a gente tenta disseminar conhecimento sobre a doença, falando sobre sintoma, tratamento, exercício, essas coisas, pra pessoas que não conhecem, né. Porque ultimamente tem tido muitos casos de Parkinson precoce, né, e as pessoas não têm informação correta, então acho que quando a gente consegue divulgar e as pessoas ouvem, acho que é uma forma de empoderamento, né, porque a partir do momento que você domina um pouco mais do assunto da doença, você pode argumentar melhor com o médico, e ter um encaminhamento melhor, seja ele pago ou privado. Se você não domina o assunto, você só aceita e não questiona, isso também é ruim pra quem tem Parkinson, porque você não questiona sobre novos medicamentos, você não vai perguntar sobre novos tratamentos, e você só fica só sendo passivo, a ideia é ser ativo no tratamento, questionar, perguntar, saber o que tá acontecendo e o que se pode fazer pra poder ter uma melhor qualidade de vida. Eu digo que tudo que começa em mim, termina em mim. Se eu não quiser correr atrás da informação e não quiser fazer o tratamento, ninguém vai fazer por mim. Por mais que façam, não vai ter efeito, porque eu que tenho que fazer. Então é isso.
P/1 – E como é o seu tratamento? Hoje em dia e como já foi
R – O meu tratamento é o mesmo desde o começo, não o mesmo de dosagem, mas o mesmo do remédio. Eu tomo Prolopa e Levodopa, falei errado uma coisa, Prolopa e Pramipexol. Comecei tomando meio comprimido de um, aí depois fui tomando um de um, depois foram dois, hoje eu tomo cinco Prolopas e três Pramipexol, que é uma quantidade razoável, tem pessoas que tomam muito mais remédio que eu.
P/1 – Se você pudesse voltar no tempo e dizer alguma coisa pra você quando você recebeu o diagnóstico, o que você diria com a sua experiência de hoje?
R – Acho que a primeira coisa que eu penso é assim “cara, tem um tratamento”. Isso já é uma diferença muito grande, que poderia ser uma coisa terminal que minha vida ia acabar em questão de instantes, mas tem tratamento. Se tem tratamento, tem que fazer por onde. É meio que correr atrás, conhecer, me informar e fazer o melhor por mim. Então é isso que eu diria: tem tratamento. Porque quando o cara falou assim “você tem Parkinson”/ “que que é isso?” / “é uma doença degenerativa que vai atrofiar seus músculos e não tem cura”. É meio aterrorizante, né, ainda mais quando explicam. Eu cheguei até a fazer um vídeo de animação sobre coisas que eu aprendi com Parkinson.
P/1 – Você pode contar pra gente essas coisas que você aprendeu com Parkinson?
R – Olha, eu sempre fui da parte de suporte de informática, eu não desenvolvia, então, depois que eu tive o Parkinson, não sei se foi no intuito de ajudar, porque que veio isso, mas aí eu aprendi a fazer vídeos, fiz um vídeo de animação – depois até te mando – sobre a experiência de Parkinson, o que que a gente aprendeu com a doença, que você vê que você não está sozinho, que tem muita gente que tem a mesma coisa, então não adianta a gente se esconder, então a gente tem que correr atrás, seja de tratamento, seja de informação. Aprendi, não vou dizer que aprendi, mas comecei a cantar, eu uso aplicativo de celular pra karaokê, comecei com o smolling, que comecei a cantar sozinha, ou em grupo, uma pessoa canta uma parte, depois você entra no vídeo da pessoa e canta outra parte, e o starmaker eu tenho que me conter, que é viciante, você canta ao vivo. Puts, entrei nessa vibe, é muito legal, canto todo dia! A gente também fez um grupo de karaokê pra pessoas com Parkinson, incentiva a pessoa a cantar, e a gente faz gincana também, de vez em quando a gente faz umas gincanas malucas, pra fazer o pessoal pensar um pouquinho pra poder exercitar a mente. Isso é coisa que eu não fazia antes. Fiz um site, fiz dois sites, fiz o primeiro que era Biblioteca Parkinson, que eu já tirei e to transformando no blog Parkinson, e essa página do Vibrar com Parkinson, que era uma coisa que eu não fazia – apesar que tá bem mais fácil desenvolver um site hoje, antigamente tinha que desenvolver código, hoje é mais com wordpress e wix, é mais compartilhamento, você vai puxando aplicativos e vai usando, então é mais configuração – mas aprendi bastante ali. Aprendi talvez a acalmar minha mente, eu posso dizer que graças à Deus nunca tive depressão, pelo menos que eu saiba não tive depressão, não tive nenhum problema de ansiedade por causa do Parkinson. A menina fica até me chamando de alienígena porque eu não tenho esses problemas. Eu tenho calma na medida do possível, porque se eu ficar nervosa não vai me levar à lugar nenhum, né, você só perde o rumo, né, perde o horizonte e não consegue sair do outro lado, então prefiro olhar pro horizonte e me manter mais tranquila. Foi essas coisas que eu aprendi, e as coisas que se observa mais da vida, né, a você mesmo, né, se cuidar, porque é uma coisa que normalmente a gente não faz, né, “se arruma todo dia, sai pra trabalhar, vai pra academia”, e você não olha pra você de uma forma mais carinhosa, se aquela dor que você ta sentindo de repente tinha que ir no médico logo, as vezes enrola, empurra com a barriga. Então tem certos olhares que eu desenvolvi com o Parkinson que eu não tinha antes.
P1 – E como é que é a sua rotina de cuidados com a saúde hoje em dia?
R – Podia ser melhor! Mas casa de ferreiro, espeto é de pau, né! Eu tento fazer a medicação, por causa da pandemia a parte de exercícios eu parei um pouquinho, mas eu voltei recente, eu to fazendo Pilates, que eu gosto bastante, me ajuda bastante na parte de equilíbrio. Até o ano retrasado eu tinha uma rotina bem agitada, porque eu ia trabalhar lá na Lagoa, eu saía de casa oito da manhã, chegava seis horas da tarde, no intervalo do almoço eu fazia hidroginástica lá no Clube dos Macacos, que era perto do meu trabalho, de manhã teve semanas que eu fazia natação, de seis às sete da manhã, aí depois eu voltava em casa e ia pro Pilates. Mas aí nesse período, do ano passado, retrasado, eu fiquei gravida de novo, só que foi bem ruim, eu passei muito mal. Aí eu comecei meio que largar as coisas, porque eu não conseguia mais fazer. Aí eu perdi o bebê e de lá pra cá nunca mais voltou a ser como era antigamente, né, eu nunca mais voltei na mesma atividade. Aí veio a pandemia, hoje eu só faço Pilates. Eu sei que eu tenho que fazer mais porque a situação ta ficando complicada, mas eu estou consciente de que eu tenho que fazer mais por mim. Além da medicação, né, que de vez em quando eu vacilo, tomo ‘que nem a minha cara’, né, mas isso eu sofro diretamente no meu corpo, se eu não tomo, “ô, vai começar a se arrastar”, ou então a perna vai começar a doer. Então são certas coisas que você acaba tendo consciência de que vai ter que cuidar de si, se não... vai ficar pior.
P/1 – Você utiliza algum aplicativo pra te lembrar dos remédios ou é mais intuitivo?
R – Atualmente não. Eu tenho uma colega que trabalha aqui comigo, de vez em quando ela vem me ajudar aqui em casa, ela é que nem reloginho, toda hora do meu medicamento ela tá aqui: “toma!” Mas eu tenho marcado na agenda do Google, que qualquer lugar que eu tiver o Google toma conta da minha vida, ele abre lá na mensagem que tem que tomar remédio. E só. E exercício eu tenho alguns aplicativos no celular. Mas se vacilar, tem muitos aplicativos, que eu testo muita coisa.
P/1 - Você falou dos aprendizados e se você puder, eu queria que você falasse um pouco das dificuldades que você enfrenta no seu dia-a-dia, por causa da doença.
R - Acho que a principal dificuldade é quando tem flutuação do medicamento, né, que aí você começa ficar com dor, é... tipo, ‘eu vou sair final de semana com a família’, se eu não tiver com o medicamento muito certinho, quando chega na hora da flutuação, quando a medida do remédio ta lá embaixo, eu começa a arrastar minha perna, aí aquele passeio que ia ser de um quilometro, parece que eu andei dez. Aí quando eu chego em casa eu to arrasada, deito na cama e puf, é dormir! Então isso atrapalha um pouquinho, até pra mim aproveitar um pouco, porque eu fico mais cansada que o normal. Então, manter o horário do medicamento no horário correto ajuda um pouco. Não é 100%, mas ajuda bastante.
P/1 - Eu queria saber o que você faz pra cuidar da sua saúde mental.
R – Olha, eu acho que eu canto! Tem muito tempo já que eu canto nessas duas ferramentas. E aprender. Aprender coisas, pra mim ajuda bastante. E o trabalho, o trabalho não me deixa tipo “cabeça vazia, oficina do diabo”. Isso me ajuda pra caramba também, o trabalho, porque me mantem ativa, pensando em outras coisas sem ser a doença. Às vezes me perguntam “por que você não se aposenta? Você tem direito”. Eu penso “cara, se eu aposentar eu vou ficar encostada na cama esperar ter disposição de querer abrir uma coisa pra mim ou fazer alguma coisa minha, porque eu não tenho esse perfil de empreendedora, ou então essa iniciativa de correr atrás, ainda mais agora com Parkinson, não corri antes, vou fazer agora? Então essas coisas me ajudam a me manter bem, então é o trabalho com o grupo lá do Vibrar, o trabalho que eu faço com os grupos de WhatsApp, do karaokê, é cantar, é tá trabalhando, isso tudo ajuda a manter meu foco.
P/1 - Você falou do grupo, né. Eu queria saber se tem alguma situação, algum caso que você lembra, que você conseguiu ajudar alguém...
R – É... normalmente quando a gente faz esse trabalho assim no grupo, as vezes a gente faz muitas coisas legal, assim, faz imagem, tenta usar vários aplicativos pra poder inovar e mostrar a informação de forma diferente, ou então faz brincadeiras, mas poucas vezes a gente tem retorno, tipo “cara, eu gostei!”, geralmente a pessoa olha e fica quieto, então eu não sei se eu ajudei as pessoas de alguma forma. Recente agora, eu to fazendo uma gincana no grupo do karaokê, que eu chamei de Olhar de Criança, é trazer o olhar da criança pro adulto, né, acordar a criança interna, olhar o mundo de uma forma mais lúdica, né, não só com o sofrimento da doença, ver o que é bonito, aproveitar que existem tantos detalhes que só criança vê, né, poder sorrir mais. A gente fez uma brincadeira, que no dia das crianças eu peguei um app, aquele faceapp, de todo mundo do grupo do WhatsApp e botei aquela versão criança, né, cara, foi tão legal! Teve uma menina que falou assim “ah, eu nunca fiquei tão bonita!”. Eu achei legal, assim, a gente acaba ajudando as pessoas de alguma forma, mesmo que indiretamente. Às vezes eu falo assim “pô, ninguém responde, a gente fica puto, mas se gente quer fazer, faz”. Se vai surtir efeito ou não, a gente não vai saber, mas enquanto a gente tiver vontade, que a gente faça, seja voluntários. Quando não quiser, para. Se achar que não tá legal, para, depois volta. Acho difícil várias vezes.
P/1 - Eu queria saber como é que a sua relação com seu filho.
R – Olha, ele tá num período aborrecente, de vez em quando dá vontade de socar ele, mas a gente se dá bem si, ele é tranquilão. Agora ele tá num período muito videogame, quando fala, tem que ficar meia hora falando “Ian, Ian, Ian”, até ele me atender. Então são fases, né, teve um período dele bonitinho, o que eu fazia ele obedecia, era novinho, ia pra escola, tudo obedecia, era lindo. Agora, que depois dos dez anos, tudo mudou, des dos oito já era questionador, quer achar que sabe mais do que a gente, e essa fase de ensinar com tanta informação é bem complicada, né, porque eles têm informação em tudo que é lugar, a gente não tem tempo de ficar gerenciando tudo, então ser mãe e pai hoje é punk, cara, eu acho.
P/1 - E sobre a doença vocês dois costumam conversar?
R - Ele sabe mas não sabe, ele não entende muito bem o que é a doença de Parkinson, mas também eu acho que não ter que ficar enchendo a cabeça dele dizendo o que é a doença, né, apesar que agora esse último final de semana falei “precisa conversar com ele sobre isso”, porque ele ficou perguntando “pô, mãe, porque você tá tão lerda?”. Porque eu tava num período de flutuação do remédio, aí eu tava andando mais lenta, e ele “por que você tá tão lerda?”. Na hora eu fiquei com raiva, mas tem que conversar um pouquinho melhor com ele pra ele entender porque que eu to mais lenta. Aí acho que agora a gente vai começar a conversar um pouco mais. Mas ele sabe que eu tinha site, ele sabe que eu tenho Parkinson, mas ele não assimilou o que que é a doença.
P/1 – E como é que era a sua vida antes e como ficou depois do coronavirus?
R – Bem, era melhor, né, porque antes eu saía de casa, tinha a rotina do trabalho, o que aconteceu... Antes do coronavirus, depois que eu tinha perdido o bebê, pra não parar de trabalhar, antes de perder o bebe eu tinha pedido pra trabalhar em casa, e eu consegui trabalhar em casa mas eu perdi o bebe. Aí meu médico falou assim "olha, é melhor você continuar nesse esquema de trabalho mais um pouco, pra você espairecer, muita coisa aconteceu...”, e eu fiquei um quase um ano e meio. Aí quando foi no início desse ano eu falei “cara, eu vou voltar a trabalhar”, porque eu tava sentindo falta da rotina, né, tava fazendo natação, tinha trabalho, hidroginástica, e eu fazia isso tranquilo o dia todo. Depois desse episódio eu comecei só trabalhar dentro de casa, aí você trabalhando sozinha é ruim, porque não tem com quem conversar, com quem você rir, trocar informação, bem isolado mesmo, não dá pra ficar ligando pra todo mundo toda hora. Aí eu pedi pra voltar. Isso foi em fevereiro. Aí eu saí de férias em março, quando foi abril veio o coronavirus, aí eu voltei pra casa. Então a minha rotina ta meio parecida, a única coisa que mudou é que tá eu em casa e toda família, né, que foi bem caótico, sem ninguém pra ajudar, eu tinha que dar conta de arrumar a casa, cuidar de filho, fazer comida ou então pedir ifood, todo mundo trabalhando, um em cada canto, o outro estudando, no começo foi bem caótico, mas agora tá um pouco melhor, depois de tanto tempo, né, meio que se estabilizou. Mas tem danos aí também, meu filho ta mais no computador, difícil de tirar, a gente acaba ficando mais no computador também, é muita reunião, pra pedir informação, é muita informação ao mesmo tempo, no trabalho você acaba passando do horário... É uma nova reeducação que tem que fazer.
P/1 – E quais são seus sonhos pro futuro?
R – Olha, eu acho que tudo que eu tinha planejado uma boa parte da minha vida eu consegui. Acho que agora só viajar, conhecer coisas novas, aproveitar enquanto der. Eu digo que minha vida é um livro semiescrito, eu sei que pode acontecer um monte de coisa, né, mas não sei quando vai acontecer, então tem que aproveitar enquanto der tempo.
P/1 – Tem alguma coisa que eu não perguntei que você gostaria de acrescentar na sua história?
R – Não sei... você não perguntou do neném que eu perdi, mas eu não faço questão de falar.
P/1 – Era essa uma pergunta que eu ia fazer mesmo, se você quiser falar sobre esse momento... Como foi esse momento de perder o bebê?
R – Na verdade quando eu fiquei gravida e fui contar pro meu marido, a primeira preocupação foi “cara, e o Parkinson?”, né, como é que vai ser isso com o Parkinson? E foi um período pra mim que foi ruim, porque eu não conseguia nem ficar em pé, cara, toda hora ficava vomitando... E quando eu conversei com médico ele falou que são raros os casos escritos sobre gravidas com Parkinson, então não tinha uma referência que vai dar tudo certo, eu pensei “cara, eu vou ficar vegetando com duas crianças, como é que vai ser isso?”, porque eu tava me sentindo muito mal, muito mal. E eu fui aos médicos pensando que alguém ia me dizer assim “ah, Érica, não se preocupa não porque vai ser uma gravidez tranquila, neném vai ficar bem, você vai ficar bem”, mas eu tava sentindo meu corpo se deteriorando naquela época, e quando eu ia ao médico, quando eu ia na neurologista, eu via que ele falava em relação ao meu aspecto neurológico, não falava da Erica como um todo, né, e quando eu fui ao ginecologista, ele falava com relação ao parto, não falava da Erica como um todo com o Parkinson, né. Acho que a melhor visão que eu tive foi quando um amigo meu indicou uma ginecologista que era do Grafeline*, né, que vários médicos faziam experiências, quase como uma cobaia (risos), que ela tinha um laboratório pra poder ver, mas também foi complicado, uma sensação estranha, ninguém dizia assim “olha, Érica, ter Parkinson e gravidez é normal” ou “vai ser tranquilo” ou “você vai ter determinadas dificuldades”, então era bem tenso nessa época. E eu pensava “puts, e o Ian, se eu to me deteriorando nesse período que era o começo, imagina como vai ser o final dessa gravidez, né”. Aí foi puxado. Quando eu perdi, que eu tive sangramento, cara, parece que é blasfêmia, mas eu senti a dor da perda, porque ia ser um filho que ia vim com dez anos de diferença do meu, exatamente a diferença de idade que eu tenho da minha irmã, mas cara, me corpo voltou a melhorar, se recuperou, no sentido de que eu achei que não ia morrer mais, então foi um alivio ao mesmo tempo, e ao mesmo tempo foi a perda. Deus sabe o que faz, né.
R – Faz tempo esse momento?
P/1 – Faz dois anos, acho.
R – Tem mais alguma história que você queira contar, registrar? Eu adoro ouvir!
R – Olha, acho que por hora não, eu devo até ter, mas se você quiser perguntar fique à vontade!
P/1 – A gente ta indo pras conclusivas já, mas se você tiver alguma história eu to aqui pra ouvir.
R – Não, acho que agora não.
P/1 – Tem certeza?
R – Tenho.
P/1 – O que você achou desse projeto de registrar histórias de mulheres falando sobre a saúde?
R – Olha, achei muito legal, né. É como eu te falei, nunca pensei que alguém de um museu ia querer ouvir minha história. Acho que “poxa, eu sou importante”, eleva a auto estima, acho. E acho um trabalho bem interessante poder ver a vida de outras pessoas, na ótica da própria pessoa. Isso é legal. Achei bem rico.
P/1 – E o que você achou de contar a sua história? O que você sentiu?
R – No começo eu falei assim “cara, alguma pessoa vai querer ouvir a minha história? Minha história é tão sem graça, não tenho nenhum histórico de tragédia ou de coisa... uma vida normal eu acho”. Mas foi muito divertido. Até chorei! Se uma colega minha visse isso ela ia falar “vocês fizeram a Érica chorar? Como? Ela não chora!” (risos). Acho que foi bem emocionante, gostei muito.
P/1 – A Lila tem uma pergunta pra você. Ela quer saber se você sabe de diferentes formas de tratamento de um estado pro outro, se muda o tratamento.
R – Como assim?
P/1 – Se você sabe se é diferente no Rio de Janeiro, São Paulo
R – Não, teoricamente o tratamento pra Parkinson é o mesmo pra todo mundo, o que varia é conforme a pessoa e o tratamento, não tem muito dizer assim que em São Paulo é diferente do Rio. Pode ser diferente de repente o acesso, a farmácia de alto custo que eu já testei lá em São Paulo, de repente é de mais fácil acesso do que no Rio de Janeiro. Acho que o que é ruim de repente é a disseminação de informação, como a pessoa faz pra chegar lá, os direitos que ela tem e onde ela tem que ir. Isso é um pouco difícil e não é todos estados que isso é disseminado. Então a pessoa também tem que fuxicar na internet. Isso é uma coisa que eu aprendi também, buscar na internet, ser mais assertivo com determinada informação, isso é muito importante, pra não pegar aquelas informações esdruxulas, as piores possíveis.
P/1 – Você ainda tem a sua página?
R – Na verdade eu tirei ela do ar já faz um tempinho, mas eu to reformulando ela, só que como eu quero botar tanta coisa nela, eu nunca termino. Mas eu vou voltar com ela no ar, mas aí eu vou mudar ela de nome, vai ser Blog Parkinson.
P/1 – Muito obrigada, Érica. Foi um prazer ouvir a sua história. Me emocionei junto com você e a sua história é muito importante.
R – Ah, legal! Valeu!
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