IDENTIFICAÇÃO Sou Sílvia Regina Martins Pereira, nome de nascimento. Nasci em 7 de fevereiro de 1940, aqui em São José. FAMÍLIA Meus pais: Nelson Martins Pereira e Sílvia Martins Pereira. Meus avós: Ezequiel Martins Pereira e Piedade Martins Pereira. Meus avós eram portugueses. Meu avô teve, aqui em São José, uma beneficiadora de arroz, onde é hoje o Banco do Brasil, ali na rua Paraibuna. Então ele era dali, da rua Paraibuna até a Coronel Madeira. Tudo aquilo era dele. Tinha beneficiadora de arroz e fazia aqueles montões de palha de arroz. Ele trabalhou muitos anos com isso. O meu avô chegou de Portugal em São Paulo. Teve uma fábrica de doces e depois ele veio aqui para São José, se instalou com a beneficiadora de arroz. Tenho dois irmãos homens, casados, com filhos. Um trabalhou na GM [General Motors] muitos anos. O outro ainda trabalha na prefeitura. MORADIA Crescemos em São José. Felizes da vida. Eu morei ao lado de onde eu moro hoje, que eu moro na rua Luiz Jacinto, no prédio. Do que eu lembro bem porque morei, lógico, em outros lugares, mas o que eu lembro bem eu já tinha de nove para dez anos, ali na rua Luiz Jacinto, que não era do jeito que é hoje. Ela interrompia exatamente ali na curva do S, ela acabava. Não tinha comunicação com a avenida São José, que era bem mais lá para frente. Aquele trecho da Madre Tereza não existia: era Luiz Jacinto que acabava ali, depois começava a avenida São José, bem mais lá para frente. E meu avô morava numa casa ali na Euclides Miragaia, vizinho da máquina de arroz. Então a minha infância assim, foi maravilhosa. Eu sou única neta, então fui muito paparicada, muito querida. Eu não tenho nenhum trauma de infância, nada disso. A gente brincou muito... Lá na casa do vovô, que tinha muito espaço, a gente brincava de tudo: de futebol com os meus primos e os amigos deles; a gente subia em árvore; caçava passarinho; todas essas coisas. Eu nunca brinquei...
Continuar leituraIDENTIFICAÇÃO Sou Sílvia Regina Martins Pereira, nome de nascimento. Nasci em 7 de fevereiro de 1940, aqui em São José. FAMÍLIA Meus pais: Nelson Martins Pereira e Sílvia Martins Pereira. Meus avós: Ezequiel Martins Pereira e Piedade Martins Pereira. Meus avós eram portugueses. Meu avô teve, aqui em São José, uma beneficiadora de arroz, onde é hoje o Banco do Brasil, ali na rua Paraibuna. Então ele era dali, da rua Paraibuna até a Coronel Madeira. Tudo aquilo era dele. Tinha beneficiadora de arroz e fazia aqueles montões de palha de arroz. Ele trabalhou muitos anos com isso. O meu avô chegou de Portugal em São Paulo. Teve uma fábrica de doces e depois ele veio aqui para São José, se instalou com a beneficiadora de arroz. Tenho dois irmãos homens, casados, com filhos. Um trabalhou na GM [General Motors] muitos anos. O outro ainda trabalha na prefeitura. MORADIA Crescemos em São José. Felizes da vida. Eu morei ao lado de onde eu moro hoje, que eu moro na rua Luiz Jacinto, no prédio. Do que eu lembro bem porque morei, lógico, em outros lugares, mas o que eu lembro bem eu já tinha de nove para dez anos, ali na rua Luiz Jacinto, que não era do jeito que é hoje. Ela interrompia exatamente ali na curva do S, ela acabava. Não tinha comunicação com a avenida São José, que era bem mais lá para frente. Aquele trecho da Madre Tereza não existia: era Luiz Jacinto que acabava ali, depois começava a avenida São José, bem mais lá para frente. E meu avô morava numa casa ali na Euclides Miragaia, vizinho da máquina de arroz. Então a minha infância assim, foi maravilhosa. Eu sou única neta, então fui muito paparicada, muito querida. Eu não tenho nenhum trauma de infância, nada disso. A gente brincou muito... Lá na casa do vovô, que tinha muito espaço, a gente brincava de tudo: de futebol com os meus primos e os amigos deles; a gente subia em árvore; caçava passarinho; todas essas coisas. Eu nunca brinquei de boneca. No meio de tanto homem, eu nunca brinquei de boneca. Agora, já em casa, nós brincávamos na rua porque a rua era fechada, então no verão principalmente a gente ficava até tarde brincando na rua. Era meu vizinho o Raul Viana, o doutor Raul Viana, hoje oftalmologista, e os irmãos dele, e tinha toda família Martins, que é outro Martins. Portugueses também. Então tinha toda turma lá dos Martins: o Iedo, Sinezinho, a Olga, Glória, então a turma. E nós brincávamos, na rua mesmo, de pegador, até tarde, super saudável, sem grandes problemas. Então eu não tenho nada a reclamar. INFÂNCIA Na época, o que eu questiono é que meu avô deve ter sido muito rico, porque há sessenta anos atrás uma casa que tinha banheiro dentro de casa - banheira, aquecedor central e exaustor na cozinha - era uma casa privilegiada. Então eu lembro perfeitamente. Aliás, a casa existiu até pouco tempo. Hoje tem um prédio ali de uma estética, bem na esquina. Eles fizeram... foram fazendo, e derrubaram a casa faz pouco tempo. Então era uma casa assim, muito gostosa. Tinha restrições que a gente não podia entrar para um pedaço da casa, que era a casa das visitas. Mas assim, tudo muito bonito, muito limpo, muito bonito, muito limpo. Minha avó tinha um jardim maravilhoso: muitas flores. Mesa de domingo, todo mundo reunido. A vovó fazia aqueles travessões de pastel..., enfim, de coisas gostosas, e a gente se reunia todo fim de semana na casa deles. Tinha duas tias. Uma era casada, morava em São Paulo, mas não tinha filhos. E a outra minha tia era solteira. Então foi a minha segunda mãe. Ela adorava todos nós. Depois - que mais eu lembro de lá? Só lembro coisa boa, viu? A única passagem triste que nós tivemos é que o irmão do papai ficou tuberculoso e morreu tuberculoso. Então essa foi a parte triste da infância, mas uniu mais ainda os primos, a nós, porque aí como eles não tinham pai, ficavam muito mais ainda na casa do vovô, e a minha tia era muito presente. Mas ela trabalhava para poder sustentar os filhos. Mas foi assim. Não tenho... Só tenho boas lembranças. FAMÍLIA Meu pai toda vida teve fazenda. A lembrança mais remota que eu tenho. Ele teve uma fazenda no..., onde hoje é o Potim. Tinha lá uma cachoeira. Meu pai sempre foi muito trabalhador, muito bom gosto. Ele sempre foi uma pessoa assim, moderníssimo, cabeça para frente. Ele morreu com 86 anos, mas a cabeça era de dezoito. Dava um descontaço entre a cabeça e o corpo. Então ele... Eu lembro muito dele trabalhando, arrumando, deixando bonito, mas sempre com pouco dinheiro, sempre com dificuldade de dinheiro. Depois ele vendeu essa fazenda. Tinha problema lá de herança com o meu tio, umas complicações que eu não lembro. E veio plantar arroz aqui no banhado. Eu acho isso muito histórico. Papai plantava arroz aqui no banhado. Naquela época não havia barragem de Santa Branca. Então por isso que chama banhado. Vinha água até a linha do trem quando chovia, dessa época em diante. E o papai - eu me lembro que teve um ano que o meu pai estava com uma plantação de arroz maravilhosa - ia colher, ficar rico, estava assim, sonhando. Nas vésperas de Natal caiu - isso deve ter sido 1950, 50 e pouco - caiu uma chuva... As chuvas foram fortes, alagou tudo. Meu pai perdeu tudo. Então dali ele foi trabalhar de empregado numa fazenda em Piedade. Foi um período bastante difícil. EDUCAÇÃO Estávamos sempre junto. Nessa época da fazenda em Piedade, aqui perto de Caçapava, eu já fui estudar interna, porque como era roça eu fui... Já ia para o ginásio, eu fui para Guará em 1949. Em dezembro de 1949 eu fui fazer exame de admissão. Ou 1949 ou 1950? Não, em dezembro de 1950 eu fui fazer exame de admissão no Colégio do Carmo, em Guará. Acho uma boa coisa de lembrar, a viagem pela estrada velha. Levou seis horas de viagem, de São José a Guará. Nesse dia houve assim uma passagem superinteressante, porque a minha mãe me trazia muito impecável - mamãe é muito vaidosa -, então eu me lembro que eu estava com vestido de fustão branco impecável para ir para Guará. E nós saímos da fazenda, que era Potim, para pegar com a minha tia o ônibus para ir para Guará. E o cavalo empacou num morrinho que tem até hoje. A gente vinha de charrete, do Potim para cidade. O meu pai não tinha carro naquela época, quase ninguém tinha carro. Aí nós viemos de charrete e o cavalo empacou e não queria subir. E como a mamãe tinha dito: “Olha, esse cavalo isso”, o papai ficou esperando escondido no morro - lógico que a emoção deles devia ser muito grande porque estavam me levando - aí o meu pai deu um grito com o cavalo e o cavalo correu e me encheu de barro. Eu lembro da minha mãe que chorou muito de raiva porque me sujou. Aí tem toda aquela coisa lá de preparar... Nessas alturas estava já fazendo o enxoval que a gente tinha que fazer para estudar interna. Aí fui, fiz exame de admissão, passei e voltei para as férias em março, fevereiro, não sei. Fui de vez. Era colégio para meninas internas, das irmãs salesianas. Era em Guaratinguetá, no colégio Nossa Senhora do Carmo. Hoje é faculdade lá. Eu acho que sou uma raridade porque eu lembro com carinho. Muita gente tem raiva de ter estudado interno. Eu não tenho. Eu tenho muito carinho. Acho que aprendi muito. Acho que quem teve a oportunidade de estudar em colégio salesiano naquela época, hoje também, mas naquela época a disciplina era muito rígida. E a gente teve uma formação muito rígida: honestidade é honestidade, ordem é ordem, limpeza é limpeza, horário é horário. Então, nessa parte, para mim, foi espetacular. Não era muito boa aluna não. Chegava no fim do ano, eu recebia aquelas cartas da mamãe: “Pelo amor de Deus, minha filha. É tanto sacrifício para pagar essa escola. Você precisa passar de ano”. Aí eu levava livro escondido para o dormitório. Quando clareava o dia, que a gente dormia de janela aberta, eu estava estudando. Descia a freira, pegava: a gente tinha que ficar de castigo. Entrei com onze anos. Entrei com onze, saí com catorze. Agora, eu fui feliz porque eu não fui para o colégio por castigo. Eu fui, assim, bem conscientizada de que era um bem para mim, que seu eu não fosse lá eu não podia estudar. E o grande sonho da vida da minha mãe era que eu fosse professora, que eu tivesse o meu trabalho, que eu fosse independente, que eu não precisasse pedir dinheiro para marido - que eu acho que era todo sonho das mães daquela época. Essa conquista da mulher, que teve uma trajetória de tantos séculos. Muito discutível tudo isso, mas enfim... TRANSPORTE Durante quatro anos eu fiquei. Quatro anos na década de 50 fazendo o trajeto Guará - São José. Mas só esse trajeto era assim: a gente ia em março, voltava em junho; voltava para lá em agosto e vinha embora em dezembro. Não tinha esse negócio de fim de semana, nada disso. Ficava direto. Os pais podiam visitar a gente lá, mas não saíamos do locutório, que era uma sala onde ficavam todos os pais, todas as alunas. Havia uma exceção: no domingo de Páscoa a gente podia sair de manhã e voltar à tarde. Nessa época o meu pai não tinha carro. Eu tive um tio que foi espetacular, que levava muito a gente, que foi... Ele era o dono do Posto do Parente, aí na Dutra. O Tio Álvaro Piovesan. Então ele levava muito a minha mãe. A minha tia era muito católica, eles iam muito à Aparecida [do Norte], então eles levavam muito a minha mãe para me visitar. Então esse tio foi, assim, muito..., foi espetacular. E foi mudando, a estrada. Quando eu vim em 1954 já era Dutra normal. Talvez com uma pista só. Cheguei a pegar ela sendo construída. Eu não sei que ano ficou pronta Dutra, não me lembro, mas eu lembro bem que a primeira vez que eu fui demorou seis horas. Depois já era mais rápido. Quando eu saí já era esse tempo que é agora - uma hora -, só que era uma pista só. FAMÍLIA O posto que era do meu tio, tem até agora o Posto do Parente. Aqui da Dutra. Logo que a gente sai de São José... Foi um dos primeiros. Antes disso, ele teve posto de gasolina na estrada velha, ali no rio Comprido. EDUCAÇÃO Lá no colégio interno tinha horário, missas todos os dias. Aquela disciplina de levantar cedo para tomar banho. A gente era obrigada a tomar banho com o frio que tivesse, e cedinho. Depois íamos para a missa. Depois tinha o café-da-manhã, tinha aulas, tinha sala de estudos, tinha os recreios. Que eu tenho, assim, memória muito gostosa dos recreios. A minha assistente geral - que era freira responsável pelas alunas no dia-a-dia, minha amiga até hoje -, ela está aqui em São José, irmã Maria Antônia. Diziam que eu era peixinho dela, aliás sou até hoje. Mas minhas colegas todas caçoavam de mim. Mas realmente ela sempre me quis muito bem, quer muito bem à minha mãe, e ela gostava muito de esporte. Ela gosta muito de esportes. Sempre incentivou muito o vôlei. Ela não gostava de basquete, ela achava muito grosseiro para as meninas, mas a gente tinha no recreio: jogava vôlei, pingue-pongue. Ela incentivava muito essas coisas. Jogávamos queimada, muito gostoso. Aos sábados era uma broca danada porque aos sábados à tarde a gente tinha aula de costura. Então tinha que consertar meia - a gente cosia meia -, coisa que não usa mais hoje, mas eu ainda faço. Até tem uma passagem muito engraçada: quando o meu filho casou, meu filho mais velho, a meia dele furou e ele pediu para a esposa: “Olha, costura para mim”. Imagina? Moçada de hoje não gosta muito de agulha. Até que essa minha nora até que gosta, ela borda, ela faz um monte de coisa, mas costurar meia... Ele foi na cozinha, pegou um ovo e costurou. Então virou piada: até hoje cara morre de susto a hora que [na história] ele botou o ovo dentro da meia. Que a gente tinha ovo de pedra ou de madeira. Toda moça tinha um bastidor. Pergunta se as meninas de hoje sabem o que é um bastidor? Ninguém sabe. Então tinha bastidor. A gente fazia trabalhos manuais no sábado à tarde. Ficava todo mundo reunido, conversando e fazendo trabalhos manuais, consertando meia, pregando botão. Então isso aí é uma coisa que ficou em mim. Que eu não posso ver uma camisa sem botão. São coisas que marcam muito. No colégio interno tinha muitas meninas de outras cidades. Muitas, de todas as cidades do Vale. Na época era chique estudar como interno em Guará ou em Taubaté, no Bom Conselho. Mas a maioria das meninas que iam para lá eram meninas que estavam namorando, que os pais não queriam que namorassem - era menina que levava bomba. Então eu tive muitas... Eu era a mais nova da turma. Porque eu fui para lá por outros motivos, eu não tinha namorado, imagina Nem sonhava em ter namorado com onze anos. Então por isso também que a irmã Maria Antônia me protegia muito. Então a gente tinha essa coisa assim: “Nossa, estudou em colégio interno”. Eu me lembro que uma vez nós íamos indo numas férias, eu vinha vindo com o papai e a mamãe ali na avenida São José, eu não sei o que é que foi que aconteceu e eu falei assim: “Ah, isso é mixuruca”. Meu pai ficou tão..., raramente meu pai ficava bravo comigo. “Mas filha, isso não são termos de uma moça que estuda em colégio interno. Afinal, que educação você está recebendo.” Aí, quando eu vim embora, eu era tida como metida, inclusive em casa. Porque a gente ia comer... A gente, no colégio, você chupava laranja de garfo e faca; banana de garfo e faca; manga de garfo e faca. Então eu não tenho hábito de pegar uma melancia e comer assim. Não tem jeito. Então eu cortava, comia de garfo e faca. O pessoal da minha casa caía matando. Os meus primos adolescentes, assim, caíam matando. “Imagina, onde já se viu chupar manga de garfo e faca?” Espetava a manga lá e cortava. Naquele tempo não tinha essa manga que não tem fio: era só aquela manga de fio, mais desperdiçava do que comia. Então isso era uma coisa. Outra coisa que caçoavam muito de mim quando eu vim para cá, na escola normal, é que a disciplina de colégio, quando a freira entrava na classe, todo mundo ficava em pé, ao lado da carteira, de mão para trás, numa posição correta. De jeito nenhum você sentava assim na carteira, você tinha nota de civilidade. Então você tinha que sentar ereta na carteira na sala de aula; se você ficasse com o sapato sem engraxar, você tinha nota baixa no boletim, o item ordem, você tinha nota baixa. E isso era motivo para o ano que vem você não ser aceita no colégio. Então quando eu vim para cá, professora entrava na classe, eu estava de pé, primeira posição. E o povo gargalhava. Se o professor me chamava para qualquer coisa, eu prontamente de pé. Até eu perder esse hábito, pessoal caçoava muito de mim. CIDADES São José dos Campos Tudo minha mãe fazia. A minha mãe sempre foi muito caprichosa. Tudo era ela que fazia: camisola... Os tecidos ela comprou na Casa Confiança. Casa Confiança e Casa Kremer que existia, as duas concorriam em qualidade. Mas muita coisa... A Casa Confiança, eu acho que tinha coisa mais pessoal. A Casa Kremer mais cama, mesa e banho. Tinha um estoque imenso, era uma loja muito grande na rua Quinze. Ela comprou tudo em São José - essa mania de ir para São Paulo para comprar as coisas é depois da Dutra. Antes da Dutra era muito caro ir para São Paulo, ficava não sei quanto tempo. Os carros, furava muito pneu na estrada, enguiçava. Então não havia esse hábito. Depois da Dutra sim, que todo mundo passou a comprar em São Paulo. Os produtos vinham de São Paulo, lógico. De todos os lugares do país, de trem. Os comerciantes eram muito bem abastecidos. Eu lembro que nós tínhamos ótimas lojas para a época. Tinha a Casa Salomão que tinha móveis. Lembro perfeitamente: tinha a Casa Kremer, a Casa Confiança, tinha a madame Raquel que era uma senhora que tinha uma loja e ela era costureira. Ela confeccionava, então ela tinha loja na frente e atrás ela tinha o ateliê. Tinha a dona Miloca, que foi importantíssima na vida da sociedade joseense porque ela ia para São Paulo, na Tecelagem Francesa - que era uma loja chiquérrima -, trazia os tecidos para fazer as roupas para gente. Então nós tínhamos, assim, roupas super na moda, nos tecidos da moda - o faillete francês, essas coisas assim. Minha camisola do dia foi uma piada, se comparar com as coisas de hoje: tinha doze metros de chiffon francês. Isso porque o meu pai era pobre na época. Papai estava ruim de dinheiro. Mas era tudo assim, muito chique, muito... sei lá, umas coisas meio inúteis que hoje não cabem na vida da gente. Essa dona Miloca tinha uma clientela enorme. Era a sociedade toda. Naquele tempo tínhamos três clubes: o Tênis, que era a elite; Associação, que era bom, mas não..., vamos falar o português claro: não tão metido quanto o pessoal do Tênis - e papai era sócio dos dois -; e o Esporte Clube, que era o clube social do [clube] Martins Pereira. O Martins Pereira por causa do meu pai, foi ele que fundou o Martins Pereira. O nome do estádio lá é por causa dele. Então o papai era presidente do Esporte. Era ali na rua Quinze, no lugar onde são as Casas Bahia, por ali, só que era um corredor e lá no fundo é que era o clube. E meu pai ficava ali com os amigos dele e a gente ficava passeando na rua Quinze, aquele famoso footing da rua Quinze. Normalmente a rapaziada ficava na calçada e as meninas desfilavam pela rua. Lá, as paqueras, os namorados, e todo mundo ali. As mulheres normalmente ficavam sentadas no jardim ou então na frente de uma loja do seu Eduardo Benine - que vendia filme, vendia umas coisas assim e vendia presentes, fotografias, álbuns. E a esposa dele era muito amiga da minha mãe, elas ficavam sentadas na calçada vendo a gente passar para cima e para baixo. Depois, quando eu já tinha quinze anos, já estava namorando, a gente dançava nas brincadeiras da Associação. Tinha quase todos os sábados, às vezes domingo - mudava por interesse do clube -, mas sempre tinha brincadeira dançante, ou à tarde ou à noite. CASAMENTO Aos quinze anos eu já estava namorando. Ele também é daqui. Ele foi na casa do meu pai para ficar sócio do meu pai. Nessa época, papai tinha uma fábrica de móveis e o sócio dele queria vender a parte, e o Juarez era formado pelo Mackenzie em química industrial e trabalhava em São Paulo. Mas estava fazendo muito mal para ele trabalhar com produtos químicos, veio embora para São José. Ele tinha um dinheiro guardado e comprou a parte do sócio do meu pai. E daí nós começamos a namorar. Tem muita diferença de idade entre nós. Ele já era formado. Hoje eu sou mais apaixonada por ele do que naquele tempo. Naquele tempo, ele se apaixonou mais. Casamos aqui. Nós casamos em 1959. Ah, meu casamento foi assim, normal, sem muita... Sabe, a gente era bastante conhecido. Então tinha muita gente. Na época, o papai estava atravessando uma fase financeira muito difícil, então não podia fazer festa. Todas as famílias extremamente conhecidas na cidade. Então eu casei de manhã para evitar a festa. E foi uma bagunça só, porque o meu pai era assim: “Vai lá em casa. Vai lá em casa”. Para você ter idéia, ele tinha combinado com uma pessoa que a filha dessa pessoa ia ser minha dama. Eu não sabia de nada. Quando chegou na hora de entrar na igreja, eu vi o papai botando uma menininha, assim. E a gente era muito bobinha naquele tempo. Eu casei com dezenove anos, completamente boba. Eu só vi o papai botando a menina, assim, na frente, não sabia. Na última hora foi assim mesmo. Mas foi uma bagunça. Foi muito desorganizado, mas foi o melhor que eles podiam. Meu vestido foi feito pela dona Miloca. Foi feito pela Dona Miloca. Eu casei com vestidinho curto assim, todo na moda, como mandava a moda da época. CIDADES São José dos Campos A moda dos anos 50 ou 60 era muito caprichada. Nossa, era muito caprichada. A gente fazia desfile na rua Quinze. Existiam as modistas. A dona Miloca, eu acho que ela e a dona Raquel eram as líderes. Tinha a dona Anita também, que era uma senhora muito elegante, que tinha vindo para cá tuberculosa e ficou trabalhando como costureira, e se curou. No tempo que eu estava no primário foi o auge da fase sanatorial, que foi 1950..., antes..., 1947... Tive um tio que morreu tuberculoso. Ali na avenida João Guilhermino eram só pensões. Tinha os hospitais todos esparramados pela cidade, hospitais enormes. E a gente - como o meu tio morreu tuberculoso -, nós tínhamos que fazer todo mês raio X. Uma superalimentação - a minha avó cuidava muito da nossa alimentação. A mamãe também, mas a minha avó, logicamente, por ter perdido o filho, muito mais. E quando o meu tio morreu, a esposa dele ficou tuberculosa também. Ela conseguiu se curar. Depois ela trabalhou com sanatório, para tuberculosos. Então a avenida João Guilhermino, aqueles casarões todos, inclusive onde é a minha loja era um casarão com pensão. A gente ia para o colégio, estavam todos aqueles doentes sentados nas espreguiçadeiras fazendo repouso. Ali na Major Antônio Domingues, onde agora é a Vitória Régia, era uma pensão. Ali eu falo que aquela casa é histórica. Ela tem os quadros pintados no terraço - você observa lá - que já existiam naquele tempo. E onde agora é a vitrine - que a Maria tem a vitrine da loja dela - ficava cheio de doente. Era uma pensão menor, bem familiar, tudo. Então foi um período muito..., de muito cuidado com a saúde. Meu pai contava que quando ele ia para São Paulo, mocinho - ia raramente para São Paulo - ia de trem. Chegava na hora de comprar a passagem, tinha aquela fila, que todo mundo que vinha para o Rio, para o Vale do Paraíba de trem, tinha uma fila enorme para comprar. Aí eles de sacanagem, tossiam: “Eu sou de São José dos Campos”, e começava tossir. Então todo mundo saía de perto. Eles iam e compravam lá a passagem para vir embora. EDUCAÇÃO Fiz o primário no Instituto São José, que naquele tempo era Externato São José, das irmãs salesianas também. A minha mãe é a primeira aluna do Externato São José, da primeira turma do Externato São José. Acho que ela é única que tem aí, que foi da fundação do externato. JUVENTUDE A moda para os rapazes não tem muita diferença: usava muita gravata borboleta, smoking. A gente tinha os bailes do Tênis, todos eram a rigor. Aniversário da Associação era a rigor. A gente ia de longo, os meninos todos de smoking, gravatinha-borboleta ou então de summer, que era aquele paletó branco, normalmente com gravata cor-de-vinho. Então as festas de formatura eram lindíssimas, eram todas com pessoal de longo, era esperada. As famílias tradicionais, as meninas assim mais conhecidas eram esperadas nos bailes para ver como era a roupa. Que a dona Miloca fazia para várias, mas uma não via a da outra. Era um verdadeiro desfile de modas, uma competição muito importante. Então todo mundo ia aos bailes assim, super caprichada. Tinha, naquela época tinha concurso de Miss São José, Miss Suéter. Miss Suéter. Chegava no inverno, o Tênis fazia uma promoção de Miss Suéter, que era a moça mais bonita que usava a malha mais bonita. O que mais que tinha? O que eu posso lembrar? Mas eram os desfiles... O Tênis, os bailes do Tênis eram muito criticados porque tinha muito adulto, não ia muito jovem. Agora, na Associação já era mais jovem. Os bailes todos animados pelo Biriba. Eles tocavam muito bem, eles viajavam pelo Brasil inteiro. Outro dia, eu ouvi no Clube Joseense um baile com o Biriba tocando, e foi toda turma daquela época. Pena que muitos a gente já não tem mais a companhia. Mas o pessoal do Biriba fazia o maior sucesso. Eram bailes animadíssimos. De vez em quando vinha o Sílvio Mazurca; vinham orquestras de fora muito famosas. Tinha shows no Tênis, eu me lembro muito bem. Tinha o show da Virgínia Lane. Era naquele tempo, ela era hiper pornô. Pouca besteira ela falava, mas era assim: mandavam a gente sair do salão. As meninas tinham que sair do salão porque ela falava muita besteira - meus netos hoje falam mais besteira do que ela naquele tempo. Mas era divertido. Tinha sempre a mesma turma, o mesmo grupo reunido. Os Weiss, os Bonádio. Carnaval era divertidíssimo. Imagina, a gente ganhava um vidro de lança-perfume, com muita economia papai dava um vidro de lança-perfume para cada um. “E olha, é para os três dias de matinê. Acabou, não adianta chorar.” A diversão da gente era jogar lança-perfume nos paquerinhas da gente, lógico. Mas muito divertido, era muito sadio. Ainda falando de moda. Os nossos vestidos eram muito rodados, cinturinha assim. A gente usava aqueles cintos de elástico largo assim, para fazer cintura. A gente ia para escola com aquele negócio embaixo do uniforme, uniforme bem rigoroso naquela época. Então a gente punha aquilo. Eu nunca fui magrinha, então tinha as minhas amigas que tinham aquela cinturinha. Para você ter idéia, eu há uns anos atrás, eu quis homenagear dona Miloca, e na loja eu sempre fiz muitos desfiles beneficentes. E sempre tinha que ter um tema para chamar atenção. Eu, um ano, resolvi homenagear dona Miloca, porque realmente ela foi muito importante para mim, que era de bom-tom que toda moça fizesse aula de corte e costura, e eu fiz com a dona Miloca. Ela era muito exigente, ensinava a gente a fazer tudo com muito capricho. E eu falei: “Ah, eu vou homenagear dona Miloca, que foi tão importante na moda naquela época”. E fiz um desfile e procurei com as pessoas conhecidas, outras moças que eu sabia que usavam costura da dona Miloca, ver se elas tinham alguma coisa guardada. E consegui com a filha dela. Eu consegui muita roupa, até um vestido de noiva feito por ela. Camisolas feitas por ela - porque ela tinha uma equipe que bordava tudo. Aí eu tive dificuldade de arranjar manequim que pudesse vestir aqueles vestidos. Teve roupa que não pôde ser desfilada porque não teve nenhuma manequim que tivesse a cintura. Porque a gente tinha cintura. Era assim, cinturinha... Tinha gente que tinha cinquenta centímetros de cintura Lavei as roupas. Estavam amareladas. O vestido de noiva me deu um trabalhão danado, tudo. Mas fiz o desfile com a dona Miloca presente, e ela deve ter ficado feliz, muito feliz. As roupas eram chiquérrimas, plissadas. A gente gastava oito metros de tecido na saia, na saia, porque era roda de carro. A gente usava aquelas anáguas que eram engomadas com maizena. Então o dia que lavava as minhas anáguas, depois eu passava a tarde engomando com maizena. A gente cozinhava maizena, punha a roupa ali dentro, ficava dura. Daí você passava. Tinha bordadinho inglês, assim. Eram bonitas, muito bonitas. Com bordado inglês, babados assim, para armar bem aquela cinturinha, e a saia bem rodada. Algumas vezes aconteceu de as meninas estarem dançando e a anágua cair - porque a gente, para entrar dentro da anágua, a gente pulava. Então você punha a anágua em pé assim, durinho no chão. Nossa, gente, que horror Eu estou virando história [risos]. A gente deixava a anágua assim, dura no chão, em pé, e a gente pulava para dentro dela, puxava e abotoava. E a gente tinha aqueles colchetões segurando. Então ficava assim, hiper, hiper elegante. Eu não tenho muita foto não, dessa época. Eu não trouxe. Mas a gente tinha aquela cinturinha assim. Depois usava umas golonas. Costureira naquele tempo era costureira e mais alguma coisa: elas eram artistas. Muito plissado, usava muito plissado. Eu lembro que eu tive um vestido de organdi bangu, que era baratinho e todinho plissado. E a dona Miloca gostava muito de costurar para mim porque para mim tudo estava bom, tudo eu estava feliz da vida. Então ela fez um vestido todo de tomas, aqui assim. Era um decote que vinha aqui, e a gente usava muito decote. Os decotes nas costas vinham na cintura. Muito tomara-que-caia, muita frente única. A gente usava bastante. Eu já namorava quando começou a ter os iteanos. Superinteressante essa fase porque os moços da cidade ficavam loucos da vida porque a concorrência aumentou muito. Então veio aquele bando de homem para o CTA [Centro Técnico Aeroespacial], e eram disputadíssimos porque eles saíam - era um partidão -, eles saíam do CTA, do ITA [Instituto Tecnológico de Aeronáutica] já empregados, com ótimos empregos. Então eles eram assim, a elite da juventude. Todo mundo queria casar com um iteano. Então era aquela coisa. Muita mãe incentivava, lógico que incentivava, porque os moços daqui, que futuro tinham naquela época? Ou trabalhava na tecelagem ou... Mas o charme era casar com iteano porque eles iam ter os superempregos. Quando tiveram mesmo. Houve uma fase em que eles eram solicitadíssimos. Eles no último ano de faculdade, eles escolhiam o emprego que queriam porque eram, assim, superpreparados. E teve muito casamento. Opa Da minha turma muitos casamentos com iteanos, muitos. A maioria ia embora daqui, daqui de São José. Muitos foram embora de São José, muitos foram para o exterior, depois voltaram. Mas muitos foram embora daqui. Muitos. A Dutra influiu, mas o grande começo do desenvolvimento das cidades, sem dúvida, foi com o CTA, porque vieram para cá... A gente tinha uma vida mais pacata, com necessidades menores. Quando o CTA veio para cá, eles trouxeram muitos estrangeiros, professores estrangeiros que vieram para o Brasil convidados pelo CTA, para trabalhar no CTA. E gerou muito emprego também, porque muita gente foi para trabalhar em biblioteca, em escritório... Enfim, em todo serviço que era oferecido aos estudantes e aos professores. Lavanderia. Então era a elite da elite. Mas eles não se misturavam. Poucos se misturavam ao povo da cidade e eles tinham exigências antes desconhecidas. Nessa época, um pouco depois, em 1962, eu lembro bem, não existia supermercado. Era o mercadão. Em 1962, o meu marido montou uma mercearia. Antes do Juarez, tinha a Casa Diamante, bem antes. A Casa Diamante trazia artigos importados: bacalhau, chocolate, brinquedo... Eu pulei essa parte, pô É superimportante. Casa Diamante foi importantíssima porque era da onde a gente ganhava presente de Natal. Os brinquedos, as jóias das mães. Então as vitrines da Casa Diamante eram assim, o deslumbramento, para nós crianças, lá que a gente escolhia as coisas: bicicletas, essas coisas. Era sempre surpresa. Mas quando a gente vinha no fim de semana para a rua Quinze, ia ver vitrine da Casa Diamante. Ah, eu lembro das lojas, mas é tão difícil de descrever. Sabe essas lojas que tinham vitrines de madeira, assim, na parede e no meio da loja? Mas eles traziam coisas muito boas. O fino dos artigos era da Casa Diamante. Bacalhau, essas coisas todas era da Casa Diamante. E quando foi em 1962, o Juarez comprou uma mercearia e já havia muita procura, por causa do povo do CTA, de salsicha, de frios, que eram europeus acostumados a esse tipo de alimentação, que nós não tínhamos. Tinha no mercado a banca do meu tio Tonico, que existe até hoje, o filho dele está lá, que é o Lauro, que também trazia esses produtos melhores. Aí o Juarez trouxe uma gama melhor ainda, mais variada de presunto. Que eram coisas que a gente não conhecia. E o Juarez ia buscar em São Paulo. Ia pessoalmente escolher. Nós tínhamos uma Kombi, que ele ia para São Paulo, fazia compra no Mercadão de São Paulo, nos atacadistas da Paula Souza, daquelas ruas de atacadistas que tem em São Paulo. Ia lá, fazia compra e trazia essas coisas diferentes: ameixa preta a granel, tâmara, que eram coisas que o comércio daqui não..., que o povo da cidade não conhecia. Passou a conhecer com esse pessoal que veio, europeu, para o CTA. Salsicha Santo Amaro, imagina Era famosíssima. O povo acha que o comerciante é burro. “Ah, comerciante não traz isso, não traz aquilo”. E nenhum comerciante é burro. Comerciante traz aquilo que vende porque ele vive da venda e do lucro. Então o pessoal: “Ah, por que São José não tem nada?”. Até hoje ouço isso na minha loja, no meu galpão: “Ah, porque São José não tem nada...”. Não, não é assim: às vezes a pessoa não acha aquilo que ela sonhou, mas o comércio evoluiu. Agora, evoluiu mais ainda na gestão do prefeito Sobral, sem dúvida. Porque eu discuto se foi válido ou não. Ele trouxe a Loja Americana, ele trouxe alguns concorrentes. O supermercado que foi para a Dutra. Ele trouxe concorrentes fortes, que melhoraram de um lado, mas também prejudicaram de outro. Na década de 60 ainda existiam os armazéns. Os armazéns, que você telefonava e eles mandavam entregar em casa. Então isso aí acabou. Tinha aquelas enormes..., tinha uma enorme quantidade de loja de aviamento, de ferragem, que foi prejudicada pela Loja Americana. Dizem os entendidos que para cada emprego de supermercado, você acha uns cinco no comércio menor. Agora, eu lembro que o Sobral falava assim: “Ah, porque o comerciante joseense quer ter a casa na praia, se preocupa em ter casa na praia e não em evoluir no comércio”. Eu não acho. Bom, pelo menos eu penso que não foi o nosso caso e de muitos outros companheiros nossos. Tanta loja evoluiu. A Universal, a Sávia, a Visótica, esse pessoal todo, a gente, a Capri, Elite dos Calçados. Esse pessoal todo lutou para sobreviver à concorrência. Você quer ver uma coisa, por exemplo: eu vendia na loja muita lingerie, muita. Com a vinda do supermercado, minha venda de lingerie praticamente acabou porque, além de que o supermercado, você já está ali, fazendo compras, você vai e escolhe. Tem um outro fator: a calcinha e o sutiã a mais que a pessoa compra entram na compra de supermercado. A mulher não precisa apresentar para o marido uma notinha de calcinha e sutiã ou de meia, ou de bijuteria ou de cosméticos. COMÉRCIO Abri a loja em 64. Em plena revolução de 1964. Eu, grávida de sete meses. Eu trabalhava como inspetora de alunos lá em Santana, no Ginásio. Totalmente insatisfeita. Eu trabalhava, trabalhava. Adorava o que fazia, cumpria as minhas obrigações 100%. Mas insatisfeita porque era aquilo todo mês. Se eu fosse cumprir o meu dever ou não, não saía daquilo. Eu queria mais, eu queria produzir, ganhar de acordo com a minha produção. Eu tinha 24 anos, estava cheia de ilusão na vida. Querendo ganhar dinheiro, e eu... estava grávida de sete meses, do meu terceiro filho. Aí surgiu... O Juarez tinha mercearia e o sonho dele era montar o supermercado. O lugar onde eu estava, onde nós fizemos a loja, era da minha sogra. A casa era da minha sogra e estava alugada. E era grande. O Juarez falou que queria demais montar o supermercado. Ele falou para mim: “Olha, o senhor que está lá quer vender a loja” - tinha uma papelaria lá -, “ele quer vender a loja e é a última chance que nós temos de eu fazer o supermercado lá. Então você não quer vir tomar conta da loja? Você está insatisfeita, você vem tomar conta da loja até eu ter dinheiro, montar o supermercado, está bom?”. “Está ótimo”.Eu tinha licença por direito, de gravidez, eu tinha seis meses de licença como funcionária pública. Depois tinha férias. Tirei a licença em setembro, só voltaria a trabalhar em março do ano seguinte. Está ótimo. Nesse meio de tempo faz a coisa e eu volto. Acontece que nesse meio-tempo abriu o outro supermercado. Chamava Menina. Logo em seguida abriu outro na Siqueira Campos, onde antigamente era o Armazém da Fortaleza, abriu um grande supermercado. Chamava Menina, com o pessoal que hoje é dono do Piratininga, daquela família. Aí o Juarez falou: “Não dá mais. Não vou abrir outro supermercado.” Mas nós fomos melhorando a loja. Eu me identifiquei muito com o trabalho da loja, gostava. Dava para coordenar as crianças com a loja. E nós fomos desenvolvendo a loja. Juarez depois vendeu a mercearia e foi procurar outros negócios. Minha loja nasceu com o nome de Vaidosa. Fomos nós dois que escolhemos. Sempre roupa feminina. Na época também tinha a Cinelândia, que tinha uma excelente... Tinha a Paris Chique, que também era muito boa. Eu digo que a gente abriu a loja porque a gente não sabia nada, porque a ignorância e o entusiasmo de “quero vencer” era muito grande, porque sabe quando você faz as coisas assim “vamos fazer, vamos fazer”? Naquele tempo não tinha pesquisa de mercado, não tinha nada disso. A gente ia com a cara e a coragem. Plena Revolução de 1964. A cidade já estava começando crescer, a evoluir, a ter exigências. Eu acho que fui muito feliz na maneira de ter, de fazer a loja. Estava começando a surgir coisas de mais bom gosto e... Sempre vendi roupa pronta que eu comprava em São Paulo. Tinha alguns fornecedores do Rio que vinham aqui. Mas a maior parte foi São Paulo. Tive a minha fase áurea. Fiz muitos desfiles, que marcaram época. Era uma forma de divulgar o nome. Eu acho que quando a gente faz as coisas bem-feitas, de coração, nós já não podemos ficar com falsa modéstia. Eu acho que fiz desfiles que marcaram época. Eu fiz assim, muitos com Lions, fiz com Rotary. Eu fiz com o grupo do mutirão que trabalha na igreja Sagrada Família, e elas eram ótimas. Dinheiro arrecadado era para construir casinhas para pessoas carentes. Eu acho que foi muito válido, foi ótimo. Todos eram temáticos, sempre arranjava um tema. Às vezes “Copa do Mundo”... Sempre tinha uma coisa, assim, evidência na época que a gente fazia, e todos eram beneficentes. Eram dois por ano. Um de inverno, outro de verão. Os meus fornecedores mandavam manequins de São Paulo. Manequins que atuavam na televisão, na alta-costura. Então eram desfiles assim, que marcavam época. Teve desfile de ter mais de seiscentas pessoas. Eles aconteciam no Tênis, no Santa Rita, no Center Vale, quando abriu o Center Vale, no CTA, em restaurantes grandes. A gente... Vocês vão ver que eu tenho bastante foto do tempo de desfile. A gente montava passarela larga, grande, iluminada, som. Coisa que punha moto na passarela. Eu trabalhava feito louca. Aí, depois, um dia eu falei: “Espera aí, não está justificando”. Porque daí seus funcionários não estão no mesmo espírito que você. Então para você ficar arrastando todo mundo, sacrificava a minha família porque logicamente eu ficava sobrecarregada, brigava com deus e o mundo. Eu tinha na época um senhor que me ajudava muito, que já faleceu, e que ajudava a montar passarela, tudo. Ele faleceu. Não achava outra pessoa que já tivesse acostumada, que já... Era uma tranqueirada para guardar. Para fazer um desfile bonito você fazia investimento de coisas diferentes, que nem todas vendiam, porque o efeito de passarela tem que ser um, o dia-a-dia é outro. Então nem sempre vendia tudo aquilo que eu punha na passarela. Aí você começa ponderar e ver que “Pô, eu gasto mais do que ganho”. Muitos desfiles com pessoas de Lions e de Rotary, que não tinha certas delicadezas ao tratar as pessoas que trabalhavam comigo, tratar o senhor que montava a passarela e tudo. Pequenas coisas que aborreceram. Era uma época em que todo mundo fazia desfile. A Rhodia vinha para cá fazer desfiles maravilhosos. Então começaram..., sei lá, a própria sociedade começou solicitar: “Ah, você não quer fazer um desfile em benefício?”. “Ah, vamos.” Daí a gente foi se..., as próprias indústrias de moda se interessavam por fazer os desfiles. Faziam parcerias com a gente. Eu acho que 70, 80 foi o auge. Vendia no crediário. Sempre tive crediário. Minhas clientes eram mulheres, na maioria, mas alguns homens davam presentes. Sapato, lingerie, bijuteria, roupa esporte, roupa de festa. Embora até hoje a minha loja tenha imagem de roupa elitizada, mas não é não, quem mantém a minha loja não é nada elitizada. Quem me mantém é mulher de bom gosto, que trabalha, que precisa de roupa. Eu tenho secretária, médica, advogada - tem a empregada doméstica que tem bom gosto. Também tinha clientes de fora, muita gente de fora. Eu tinha muita cliente do Vale inteiro. O shopping acabou com isso. O shopping acabou com isso. Mas muita cliente de Pinda, de Guará, de Jacareí, de Taubaté, de Campos do Jordão, de São Bento, do litoral. Muita, muita clientela de fora. Tinha coisas assim, tipo de ligar e falar: “Sílvia, pelo amor de Deus, me salve. Eu tenho uma festa...”. Ah, isso tem até hoje, graças a Deus. Eu sempre tive boas funcionárias, boas vendedoras, que cada cliente se identificava com uma... Eu cheguei a ter nove vendedoras. Todas elas saíram da loja com casa própria. Ganharam o suficiente para ter casa própria. Eu dava um treinamento, vamos dizer, informal. A maioria entrou assim: “Você vai ser ajudante”, aí ia pegando o jeitinho e ficava vendedora. Mas sempre que tinha curso no sindicato, na Associação Comercial, até hoje... Eu incentivo essa participação. Eu nunca trabalhei daquela maneira informal, as pessoas trabalhavam de caderneta. Eu sempre tive duplicata assinada, dividida em tantas parcelas, “essa parcela é tanto”. Sempre tive o crediário organizado. Não tinha... A pessoa podia fazer quantos carnês quisesse, mas não tinha aquele negócio de caderneta. Nunca tive. Perdi muito cliente a hora que a gente pedia para a pessoa assinar uma duplicata. Elas se ofendiam porque estavam habituadas a comprar no comércio só de boca. Hoje as pessoas fazem muita conta de juros. Nós tivemos várias fases: teve as fases que eu me lembro que todo mundo considerava a gente ignorante porque não dividia em doze pagamentos. Depois teve a fase que se cobravam juros e tinha financeira. Eu nunca fui para financeira. Meu crediário sempre foi próprio. E tinha juros. Depois teve aquela fase horrorosa que a gente vendia em cinco pagamentos, teve que diminuir porque não dava, a política econômica de 1980 já não dava mais para vender em cinco pagamentos. Então foi muito ruim, muito difícil. As pessoas não aceitavam: “Pô, mas eu sou sua cliente há vinte anos, não sei o quê”. Cartão é mais recente. Eu sempre trabalhei com desconto a vista. Teve tempo que o pessoal não fazia questão de quantas vezes fosse, desde que fosse... “Pode cobrar quanto quiser de juros, desde que divida em não sei quantas vezes.” A minha loja já teve aí nessa altura uma queda no prestígio. Porque eu não fui ao shopping. Eu sei que foi o charme da época, o shopping do centro. Depois começou o Shopping Colinas, que começou construção. Aí nós compramos loja lá. Nós, a Vizoti, Capri, nós compramos loja no Colinas. Estávamos pagando quando quebrou. Aí ficou anos parado. Antes não chamava Colinas, era o Shopping Delfim, parece - não me lembro como é que chamava, até fosse Colinas mesmo. Era o Grupo Delfim que estava fazendo. Aí nós compramos a loja. Estava pagando em não sei quantas parcelas. Quando eles quebraram, nós tínhamos pago já doze parcelas. Aí ficou aquele negócio parado muitos anos. Nesse meio de tempo veio o Center Vale. Nessas alturas, o meu filho mais velho já estava formado, trabalhando em São Paulo e o Juarez já não queria mais ouvir nem falar em Vaidosa. Ele tinha tido outros negócios. Tinha tido O Fino, que foi um restaurante da moda, foi um sucesso da época, da moçada. Foi 1968, quando abriu. Foi um sucesso, um arraso. Juarez trabalhava noite e dia. Foi uma fase assim, louca. Aí depois ele teve posto de gasolina no largo da Matriz. Aí quando ele vendeu o posto de gasolina é que ele voltou para a loja. Esse período todo eu fiquei sozinha na loja, administrando a loja. Aí ele voltou para a loja, ficou até quando Luís Carlos se formou. Fazia já um ano que o Luís Carlos estava formado e o Juarez falou: “Não posso nem ouvir falar, não quero saber...”. Já estava muito difícil. E nessas alturas nós já tínhamos feito a loja da João Guilhermino porque meu cunhado queria o prédio da Sebastião. Ele queria que a gente saísse para ele alugar para outra pessoa. Nós pagávamos o aluguel de mercado, mas ele tinha vontade de ter outras coisas lá, então pediu para a gente sair. Nessas alturas nós já tínhamos feito a loja da João Guilermino, que também ia com muita dificuldade. Tive um período com duas lojas. Aí o Luís Carlos resolveu voltar para São José, já tinha acabado a faculdade, as duas faculdades, voltar para São José... Abriu o shopping e nós fomos para o Center Vale. Ficamos com três lojas. Fui uma das primeiras a ir para o Center Vale. Na primeira leva do Center Vale. Mas não emplacamos como ninguém da... Acho que não sei se sobrou alguém lá. Do meu ramo, eu acho que não sobrou ninguém. Fomos pioneiros do Center Vale. Não sei se tem alguém lá, mas eu acho que não. Vieram inúmeras lojas de São Paulo, tudo - eu tenho foto da inauguração. Bom, foi um furo na água, péssimo, uma desilusão enorme. Aí vendemos. Nós ainda conseguimos vender para a livraria Saraiva... Não me lembro se era Saraiva ou Siciliano. Eu sei que vendemos. Era um auê todo em torno de shopping. A loja da Sebastião Humel, nessas alturas, já sofria muito por falta de estacionamento, mas ainda tinha uma boa clientela, mais do que a da João Guilhermino. Aí nós vendemos a loja do shopping. Um pouco depois a gente fechou a da Sebastião Humel, entregou o prédio para o meu cunhado e ficamos só com a João Guilhermino. Nessa época, nós fomos - o meu filho e eu - , montamos confecção. Mas também não emplacou. Foi muito difícil, não emplacou. Luís Carlos ganhou muita experiência. Aí fiquei eu só na loja aqui da João Guilhermino. Luís Carlos foi cuidar da vida dele com outras coisas. Fez aquele Café que tem no Metropolitan. Então, ele foi para lá, naquele café. Ele construiu, abriu o café. A verdade é que nós sempre tivemos, sem modéstia nenhuma, a gente sempre teve comércio muito caprichado. Sempre a gente caprichou muito nas caixas de presentes, nas sacolas. Olha - falar bem a verdade para você - eu posso não ter sido a melhor, mas eu dei o melhor de mim. Eu só não: todos nós. Foi uma fase assim, da nossa vida, em que todo mundo se empenhou muito na loja. O sobrenome nosso não é Martins Oliveira. É Vaidosa. Sílvia da Vaidosa, Carlinhos da Vaidosa, Ana Lúcia da Vaidosa: tudo é da Vaidosa. Nosso sobrenome é Vaidosa. O cartão de crédito antigamente era assim, bem elitizado. Era chique usar cartão de crédito, mas eu acho que ninguém levava muita vantagem. Hoje o cartão de crédito está aumentando bastante e é muito interessante para o cliente e para o lojista. Aquela bendita URV [Unidade Real de Valor] foi horrível. Foi horrível, foi horrível. É deflação. Eu digo que a minha geração é a geração que administrou crise. Nós merecemos troféus. Todos nós do comércio que perduramos, que somos pouquíssimos hoje, que começou de 1964 para cá, eu acho que nós somos pouquíssimos e merecemos troféus. Eu acho, viu? Porque nós só administramos crise: 1964, crise; 1970, crise do petróleo, parece; 1980, crise. Depois todas essas coisas que vocês já pegaram: Funaro, Collor, Sarney, toda essa penúria - que eu acho que de ano para ano está cada vez pior, sem querer ser pessimista. Até acredito que houve um grande... Como é que a gente... Uma ascensão do povo. Eu acho que o padrão de vida do povo melhorou muito, muito, muito. Mas a classe média, puft, caiu demais. Eu acho que o pessoal mais simples cresceu. O assalariado cresceu muito, mas a classe média perdeu muito. O comércio, de maneira geral, perdeu demais. O comerciante empobreceu, sem dúvida nenhuma. Eu acho que não tem comerciante aí que diga que melhorou de vida nesses últimos anos. Você vende menos. Você vê, trabalhar de outra forma, procurar mudar em muitas coisas, na maneira de comprar, na maneira de vender, na maneira de atender. O consumidor ficou muito mais exigente. Os supermercados fazem uma concorrência. Eu não sou, eu não quero deixar a imagem de que eu sou saudosista e que eu sou contra o progresso. De jeito nenhum: eu acho que o progresso deve haver, mas nós do comércio, assim, pequeno, da... da micro e pequena empresa, a gente sofre uma concorrência muito desleal. É muito desleal. Os grandes têm poder de compra maior. É muito maior. E a gente pena com isso. RELAÇÃO COM O COMÉRCIO Faço as compras da casa. Todas. De casa, agora, agora, no momento, não. Sempre foi, mas agora, como o Juarez está mais folgado que eu, ele que tem feito supermercado, essas coisas ele que tem feito. CIDADES São José dos Campos Do tempo da Sebastião Humel - o Zimbrera começou na Sebastião Humel. Então, ontem a minha funcionária estava lembrando - que eu tenho uma funcionária agora que trabalhou comigo anos atrás, há trinta anos atrás e agora ela criou os filhos tudo, voltou trabalhar - e nós estávamos falando de supermercado. Ela falou: “Eu lembro quando a gente levava listinha para a senhora no Zimbrera”. E o Zimbrera entregava em casa. Mercado, eu levava lista, eles entregavam em casa - se bem que eles fazem isso até hoje. Mas o supermercado faz uma concorrência muito grande. RELAÇÃO COM O COMÉRCIO Eu detesto ir em supermercado. Você trabalha para o dono do supermercado. Sabe quantas vezes a gente põe a mão na mercadoria para pôr para dentro da sua casa, você já contou? Sete vezes. Posso enumerar: você tira da prateleira, põe no carrinho; você tira do carrinho, põe no balcão; você tira do caixa, põe no carrinho; você tira do carrinho, põe no carro; você tira do carro, põe no carrinho do prédio; você tira do carrinho do prédio e põe na sua cozinha; aí você põe dentro do seu armário. São sete vezes que você pega na mercadoria. Eu acho que você trabalhou para o dono do supermercado. Não é? Você é um empregado do dono do supermercado. Não é verdade? Eu não gosto. Eu, eu, não gosto de ser impessoal. Eu gosto de chegar lá na quitanda: “Oi, como é que vai? Como é que vai seu filho? Ah, sua filha está bem...”. Sabe? Prefiro comprar em lugar que eu falo com o dono. Ou então com o empregado que me identifique. Já caçoou muito de mim por causa disso. Esse negócio de banco, de ir lá tocar a mão numa máquina assim: eu quero alguém para me servir. Eu estou pagando, não é? Eu quero alguém que me sirva. Mas, olha, não é bom você chegar no supermercado e falar assim: “Esse feijão é bom?”, “Não, olha dona Sílvia, aquele ali é muito melhor”? Por exemplo, o Zimbrera: se a gente mandar lá a lista, ela entrega em casa, mas eu perdi esse hábito de mandar a lista. E também tem um fator muito importante aí, que o meu consumo diminuiu muito porque os meus filhos casaram. Então o meu consumo diminuiu demais. É tudo de pouquinho e ainda estraga. FAMÍLIA Tenho três filhos: dois homens e uma mulher. E oito netos. Há pouco tempo, há nove meses, fomos agraciados com trigêmeos. Três menininhos. O neto mais velho tem 21 anos e os mais novos, nove meses. Tenho necessidade de ser solicitada por eles. Tenho. Estão todos aqui em São José. Todo mundo no comércio. Luís Carlos continua. Agora está em imobiliária. Também ele presta serviço para o Sebrae, para o Senac, ele dá uns cursos lá. O Luís Henrique, a Ana Lúcia está..., tem academia em cima da loja. Dos irmãos, só eu fui para o comércio. E os meus primos também foram para o comércio. Tem um que teve restaurante muitos anos, agora ele é pastor. Tem outro que foi dono da Vila Nova da Ford. Vila Nova, que agora é representante exclusivo da Nestlé, tem um depósito na Nestlé. E tem outro que teve restaurante muitos anos, uma cantina famosíssima naquela época, que era a Cantina do Mário, que era o melhor restaurante da cidade. Onde é agora o Luís Roberto Porto, a imobiliária ali na praça. Era um restaurante chiquérrimo, lindíssimo. Foi desse meu primo e agora ele está fora de São José. Está no Tocantins. É pecuarista. Parece que até vai ser candidato a prefeito da cidadezinha lá onde ele está. Mas a família inteira sempre esteve envolvida com comércio. AVALIAÇÃO Comércio Olha, o comércio para mim é apaixonante. É apaixonante. É uma delícia o contato humano. No comércio você não tem rotina. Você, cada dia é um problema diferente: você tem que ter jogo de cintura. Você desenvolve a capacidade de resolver problema. Você desenvolve a capacidade de lidar com o público. Eu fui para o comércio por acaso, mas sou apaixonada pelo comércio. Estou vendo que está na hora de eu sair, mas está difícil. Está bem na hora de eu sair, mas está muito difícil porque eu amo o balcão. Tem gente que diz: “Ai, não suporto mais atender”. Eu amo, chegar uma cliente para mim: “Oh Sílvia, eu preciso de uma roupa”. Estou feliz da vida Eu sento no chão, eu marco uma barra. Eu vou ajudar minha costureira, eu quero ver a minha cliente feliz, satisfeita. Lógico que eu quero ganhar dinheiro, mas eu não sou aquela comerciante que está acima de tudo. Eu quero que a minha cliente saia feliz, eu tenho respeito enorme pelo dinheiro da minha cliente. Eu acho que você às vezes sonha um tempão assim: “Ai, quando o meu filho casar, eu quero fazer uma roupa assim, assim”. Eu faço parte dessa realização, desse sonho, quando eu vou atender a cliente, eu participo dessa alegria. Então a minha responsabilidade é muito grande. Quando o marido vai comprar um presente, eu acho uma responsabilidade enorme. Se o marido chegar em casa com um negócio que não é do gosto dela, ela vai ficar infeliz, com raiva do marido, não é assim? Um namorado chega com o presente que decepciona. É muito... O valor social do comerciante eu acho que é muito importante, e as pessoas não vêem isso. Eu acho que o comerciante é visto: aquele que não deu para nada foi ser comerciante. Eu acho que tem muito disso. Na minha geração tem, porque quem ia ser médico é medico, engenheiro, é isso e é aquilo. Quem não deu para nada montou uma lojinha. E não é por aí. Eu acho que o comerciante no desenvolvimento social é importantíssimo. Como eu falo para as minhas vendedoras: “O vendedor ele traz novos..., ensina novas necessidades”. Quem propaga o uso do desodorante? Hoje a televisão pode ser uma grande vendedora, mas nem sempre foi assim. Quem ensina o pessoal a usar calça Capri? Há uma resistência quando sai uma moda. Tem lá umas que são de vanguarda, que eu uso, mas a maior parte... Quem ensina tudo isso? Quem transmite novos costumes? É o vendedor. E o vendedor não é visto por esse lado. Normalmente, o funcionário do comércio vai para o comércio de passagem. Enquanto ele precisa ganhar um dinheirinho para pagar a faculdade. Poucas são as pessoas que passam pelo comércio e ficam encalhados, que nem estão as minhas lá, que têm vinte anos de balcão, que se aposentam no meu balcão. Porque a grande maioria estuda e vai para outras profissões. Outro tanto casa e vai ser dona de casa. Mas, na grande maioria, o funcionário do comércio é um quebra-galho temporário. O empregado da indústria é muito mais valorizado. Nós do comércio não podemos, na grande maioria, dar cesta básica, seguro-saúde, previdência privada. A gente não tem condições de dar isso para os empregados da gente. Vontade a gente tem. Nem o seguro-saúde a gente tem condições de pagar hoje para os empregados. E na indústria, não: a pessoa já entra com cesta básica, passe, seguro-saúde. A não ser que a pessoa tenha muita vocação para o comércio, ela vai para outras coisas. Eu estou realmente na porta de sair do comércio, eu acho, que eu tenho impressão que eu não faço os quarenta anos. Mas com todas as dificuldades do comércio, com todas as crises que eu vivi, com todo trabalho que não foi remunerado do jeito que eu gostaria de ter sido, eu acho que valeu a pena. O contato... Profissionalmente, eu me sinto realizada. Financeiramente, não aconselho ninguém. Ah, se a pessoa não precisar ganhar dinheiro para viver... A minha loja nunca foi o principal ganha-pão, sempre foi o Juarez que... Eu, era um a mais. Eu sempre brinquei que..., eu sempre falava para os meus filhos: “Eu trabalho para o presunto. Seu pai para o pão e manteiga”. Então eu nunca fui... A minha renda nunca foi a principal, mas quem tiver que sustentar a família com comércio está perdido. A não ser que tenha uma estrela. Existem exemplos da cidade assim, maravilhosos. Mas não é a minha realidade. Nunca foi.
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