Projeto Memórias do Comércio de Bauru – 2020-2021
Entrevista de Selma Issa Gândara Vieira - A Tropical Tecidos
Entrevistada por Luís Paulo Domingues e Daiana terra
Bauru, 01 de fevereiro de 2021
Entrevista MC_HV_0016
Transcrito por Selma Paiva
P/1- Bom, então pra começar, a gente sempre começa perguntando, pedindo pra você falar o seu nome completo, a data de nascimento e o local onde você nasceu.
R- Tá bom. Selma Issa Gândara Vieira. Nasci em 13 de setembro de 1956. E na cidade de Bauru.
P/1- Legal. Qual é o nome do seu pai e da sua mãe?
R- José Issa e Iza Bovi Issa.
P/1- E o nome dos seus avós, paternos e maternos?
R- Vamos lá. Paternos: Chamis Issa, Salomão Issa. Maternos: Concheta Bovi e Fragilo Bovi.
P/1- Ah, legal. E… Selma, você tem irmãos?
R- Tenho dois irmãos. Eu sou a mais velha. E tenho mais dois irmãos.
P/1- O nome deles?
R- José Issa Junior, o segundo. E o terceiro, João Paulo Issa.
P/1- Sim. E como que a sua família, sejam os seus pais ou os seus avós, vieram parar em Bauru, neh? Eles são de alguma origem imigrante, assim?
R- Ah, eu vou te contar… vou te contar. São imigrantes. Quer dizer, o meu pai é imigrante. Meu pai veio de… do Líbano. Em função do meu avô que havia, num determinado momento de mil novecentos e… da década de 30, ele teve que vir pro Brasil e veio, eu acho que com um filho mais velho. E nessa época ele montou... eu acho que ele foi um mascate. Pelo o que eu sei da história, ele foi um mascate,né no estado de São Paulo. E depois montou um armazém em Caxambu. Caxambu, acho que é Caxambu.
P/1- Minas?
R- Perto de Birigui. E aí, é... na década de 30 ainda, ele e mais os filhos que vieram posteriormente, montaram uma loja, é... na cidade de Birigui.
P/1- Certo.
R- E na cidade de Birigui se montou uma loja. Não uma loja como um armazém totalmente de secos e molhados, né. Porque antigamente se fazia um armazém que tinha tudo, inclusive tecidos, armarinho, secos e molhados. E aí em Birigui eles resolveram montar, porque o meu avô ia voltar pro Líbano, que ele deixou grande parte da família, inclusive a minha avó, no Líbano. E ele, então, estava morrendo de saudades e resolveu voltar. E os filhos mais velhos ficaram, então, no Brasil, com uma tia que também veio pra ajudá-los, a cuidar deles e tudo, né? E aí eles montaram, então, em Birigui. Na… nessa … acho que em 1938, montaram essa loja em Birigui. Em 1939, meu pai abriu a loja em Bauru. Inclusive, no mesmo… no mesmo quarteirão que ficou por setenta e poucos anos, na Batista, quarteirão três. Ela inicialmente começou aonde era a Drogasil, que ficava no meio da quadra. E depois, com o tempo, ela passou pra esquia da Azarias Leite. Então, ali ficou por setenta e poucos anos. E nesse período ela também trabalhava com tecidos, mas também trabalhava com algumas outras coisas, que era voltado a armarinhos, tinha algumas coisas nesse sentido. É… Ali o meu pai tocou a loja por muito tempo, sozinho. O meu tio ficou com a loja em Birigui. E eles eram sócios, porém cada um tocando o seu negócio. Em determinado...
P/1- E já com esse nome? Desculpe.
R- Já. É. Já A Tropical. Já A Tropical, é. Inclusive, é um nome antigo. Porque “A”, essa denominação “A” e alguma coisa, normalmente é um título antigo, né? Porque hoje não se usa mais colocar.
P/1- Sim.
R- E… e esse nome ficou. Então, a loja est... já tem, já está com oitenta e dois anos, né. Oitenta e… Não, oitenta e três anos. Oitenta e três anos, que é de 1938. É… em Bauru que veio em 1939. E eu estava dando uma olhada nos documentos, porque a gente não tem muita coisa, assim, de documento. E na época o meu pai contava a história e a gente guardava parte dela, não guardava totalmente. Aí pegando, hoje eu peguei um jornal pra ler a respeito da loja, que ainda foi em 1991 que o meu pai fez essa reportagem no Jornal da Cidade. E aí ele conta um pouco da história. E esse material, depois eu vou passar pra vocês. Está bem amarelinho o jornal, já, mas tem bastante conteúdo, eu acho que vai ser legal pra vocês.
P/1- Muito legal.
R- Bom, enfim… É. Aí o meu pai continuou com a loja, né, somente ele tocando. Quando… é, aí ele casou. Em mil novecentos e cinquenta e… em 1952, eu tenho impressão, ele foi pro Rio de Janeiro pra fazer uma cirurgia, que ele tinha um problema na perna. E lá na… no Rio de Janeiro, nesse hospital, ele conheceu a minha mãe, que era enfermeira e cuidou dele. Ele teve um processo muito difícil nesse hospital, ele pegou uma infecção e ela ficou cuidando dele. E ele, por fim, se apaixonou por ela. Então, em 1954 eles se casaram no Rio de Janeiro, numa igreja ortodoxa. E… e daí vieram pra Bauru, né. O meu pai comprou uma casa e aí a trouxe. Ela nem conhecia a cidade, nem conhecia a casa, ela não conhecia nada. Porque ela morava no Rio, casou no Rio. E veio só com a malinha dela, né? E… pra conhecer, então, a cidade, a casa que ela iria morar. E… e isso foi em 1954.
P/1- Certo.
R- É… Nesse período, o meu pai ainda muito envolvido com a loja, ele não... nem vinha almoçar, ele não tinha um período de descanso, ele ficava direto na loja. Inclusive, a minha mãe fazia o almocinho dele e vinha um rapazinho lá da loja pra buscar num bornalzinho o seu almoço e levava pra ele. Então, ele vivia a loja, respirava a loja, né. E assim foi por muitos e muitos anos. Quando o meu irmão... eu, na verdade, nunca pensei e me interessei pelo comércio, né. O meu interesse era outro. Tanto é que a minha formação foi na área de Psicologia. A princípio, um interesse maior por Medicina, mas aí eu não fiz cursinho. Eu fiz meio ano de cursinho junto com o terceiro colegial. Resolvi prestar Medicina, não passei. Prestei, junto, Psicologia, passei. E aí resolvi fazer Psicologia. Fiz, me formei aqui em Bauru pela Fundação. E o meu interesse sempre foi trabalhar fora. Estudar fora. Eu queria sair dessa relação de família, pra conhecer um pouquinho, ter… ter uma certa independência. E aí eu resolvi, sim, na minha formação, atuar com a área organizacional. E... Bauru era muito carente ainda de empresas voltadas a ter um profissional da área. E eu tentei, então, alguma coisa em São Paulo e consegui um emprego. E fui pra lá...
P/1- Sei.
R- … assim que me formei. Fui pra lá, consegui um emprego... sim. Pode perguntar, Luis.
P/1- Desculpe. Eu gostaria de voltar um pouquinho mais pro passado, antes de chegar nessa parte, mais profundamente. Você, quando você nasceu, era criança, vocês moravam em qual bairro, aqui?
R- É bem interessante isso aí, porque a gente morava no alto da cidade, na casa que o meu pai comprou e que a minha mãe veio morar. E a gente viveu nessa casa. E eu vivo nessa casa até hoje. Então, é a casa que eu nasci, é a casa que eu vivi. E, com a morte dos meus pais, eu herdei a casa e nela eu estou. Reformei, está diferente e tudo. Mas é a mesma casa.
P/1- E a sua mãe? A sua mãe ela… é de alguma origem estrangeira também? Ou ela era, a família era...
R- Não… A minha mãe nasceu no estado do Rio de Janeiro. O meu avó é italiano. A minha avó é descendente de italianos. O meu avô veio da Itália. Mas a minha avó já era descendente de italianos que moravam já no Brasil. E a minha mãe nasceu e morou até, eu acho que com uns vinte e poucos anos, morou nessa cidade que chama, uma cidade também que ninguém conhece, é muito difícil alguém conhecer, que chama Varre-Sai. Varre-Sai, estado do Rio de Janeiro. É uma cidade bem pequenininha. E eu tenho primos lá ainda. Tenho tio, um único tio ainda, que vive morando na mesma casa em que a minha mãe nasceu e que os meus avós tinham como… como lar. E aí, nesse período, minha mãe, então, resolveu, tinha que trabalhar, porque o meu avô precisava que os filhos se desenvolvessem e realmente trabalhassem. E como era uma cidade muito pequenininha e na proximidade não tinha nada que pudesse ser interessante, muitos dos irmãos dela mais ela, foram pro Rio de Janeiro, pra tentar viver um pouco melhor, né, e ajudar o pai. E aí vieram pro Rio. E a minha mãe foi trabalhar como enfermeira. E foi aí que ela se desenvolveu na área, né e conheceu o meu pai.
P/1- Certo. E aí ela veio a Bauru. Casou com o seu pai e veio pra Bauru. Ela continuou trabalhando como enfermeira? Ou se tornou dona de casa?
R- Pois é, o meu pai foi um marido assim muito… muito ciumento, né? E aí não deixou. Quando a minha mãe veio pra cá, ele não deixou ela trabalhar mais. Então, ela era bastante frustrada, porque ela gostava muito da profissão. Ela queria… queria ter continuado, mas ele não deixou. Então, ela não pôde trabalhar. Mas acontece que a minha mãe, por ter essa profissão e gostar muito da área, ela ajudava muito a vizinhança. Então, todo mundo que precisava de uma ajuda nessa área, né e que ela pudesse, realmente, ajudar, ela estava ali sempre ajudando, aplicando uma injeção, ajudando a cuidar de uma pessoa doente, né? Então, sempre dando a sua assistência, naquilo que podia. E ela foi... trabalhou bastante. (risos) Não ganhando, não remunerada, mas trabalhou bastante. Aí assumiu algumas atividades de… de filantropia. Ajudou muito o Rafael Maurício, que tinha internos, com problemas sérios nessa área de deficiência intelectual. Então, a minha mãe ajudou bastante. Ajudou a Casa da Sopa. Ela sempre fazia alguma… algum trabalho assim, filantrópico. Estava sempre trabalhando.
P/1- Certo.
R- E… e isso a ajudou muito ela, porque ela se frustrava muito de não poder ter tido essa possibilidade de trabalhar, né? Mas, enfim, deu tudo certo. Enfim, ela aceitou bem e passou a ter uma vida tranquila nesse sentido, né, ajudando os outros.
P/1- Certo. E Selma, você lembra quando você era pequena e na adolescência, das festas de família?Assim, tinha traços culturais que vem do Líbano? Assim, comida libanesa, música diferente? Ou o seu pai se adaptou?
R- Ai… é… Meu pai tinha… era bem adaptado aos costumes do país. Ele era uma pessoa que adorava o Brasil e se considerava também um brasileiro, né. E... a gente não tinha… a gente não tinha, assim, muito… muitos familiares aqui no Brasil, né? Porque parte continua no Líbano e os que estavam no Brasil, não moravam em Bauru. Então, a gente... ele tinha muitos amigos também do comércio, muito deles, muito deles do comércio, outros não. É… e aí era costume, antigamente e você sabe disso, dos pais da gente fazer visitas, né? Hoje a gente não vê mais isto. Mas eu me lembro na época quando eu era criança de... ou fazer uma visita por fazer visita, né? Por serem amigos... Então, a gente ia bastante na casa das pessoas, dos amigos deles. Então, isso me marcou bastante. A gente… Ou época de Natal, então ia na casa dos patrícios ou não patrícios, né? E era uma época gostosa, porque a gente criança adorava conhecer outra casa, né? E aí sempre tinha o hábito de levar pra visita um docinho, um licor, né? Então, me… me vem na memória algumas coisas muito interessantes que tinha na época, que era o licor de cacau, que muita gente servia na época, né? Então, a gente sentava ao redor da mes... da sala de estar, conversavam bastante. E aí era sempre servido um licor de cacau, ou era servido um bombom sonho de valsa, que a gente não tinha o hábito de comer em casa, né? E aí, quando a gente ia visitar… visitar alguém, a gente ganhava um bombom Sonho de Valsa, que era a glória, né, a gente ficava feliz. Então, isso me marcou bastante: as visitas que meu pai fazia… meus pais faziam, né, aos amigos. É… que mais que marcou?
P/1- Comida síria, vocês comiam bastante?
R- Ah, então, a minha mãe era descendente de italiano, não conhecia nenhuma comida árabe, né? Aí tinha a minha tia Regina, que foi a que cuidou do meu pai e do meu tio, né, quando eles vieram pro Brasil. Então, ela veio também pra cuidar, pra dar a alimentação a eles e tudo, moravam juntos lá em Birigui. Então, a minha tia ensinou bastante coisa pra minha mãe. Então, a minha mãe foi aprendendo a cozinhar é… essa comida árabe e ela fazia bastante coisa. Então a gente comia legal, bem gostosinha mesmo a comida dela. E quando a gente ia na casa de… das visitas, né, que eram descendentes, aí a gente também comia. Ou ia na casa da minha tia, dos meus tios lá em Birigui. A gente os visitava bastante eles também, tinha bastante comida árabe. Isso era muito bom, porque a comid… essa comida marcou a nossa infância. Porque a gente não comia, não era hábito de comer diariamente, mas a gente comia ou no fim de semana,né? Ou em época de festas, alguma coisa, a gente comia, quando ia na casa dos meus tios, também. Então, era bem gostoso. E a minha mãe tinha… tinha uma certa facilidade na cozinha, então ela… ela pegava muito facilmente. E eu, muito curiosa, porque eu adorava comer, gostava muito, era gordinha. Era não, sou, né? Sempre fui gordinha. E aí eu… eu ficava sempre observando. Então eu tinha, eu gostava também da cozinha, aí aprendi bastante coisa, assimilei bastante coisa dela. E… e ela fazia super bem, gostava mesmo de cozinhar. Quer dizer, não gostava muito de cozinhar, mas o que ela fazia, ela fazia bem, né? Então, às vezes, o meu pai convidava os amigos pra vir comer e aí ela ficava brava, porque fazer charuto em grande quantidade é complicado, né? Porque você tem que enrolar um a um, né... Dava um trabalho! Aí eu a ajudava a fazer. Mas ela fazia super bem, o pessoal gostava muito. Era bem gostoso. Então, isso marcou bastante também.
P/1- Ah, muito legal. E na sua, e na sua...
P/2- Eu queria perguntar.
P/1- Pode perguntar, Daiana.
P/2- Desculpa. Da linha de comida, Selma. É… Você falou que era descendente de italiano, né? E ela cozinhava comidas italianas também, tipo massa, essas coisas? Ou ficava mais na comida… na culinária síria mesmo? Libanesa. Desculpa.
R- Não. Ela… na época que ela vivia com o meu avô, ela cozinhava. Porque a minha avó morreu muito cedo, muito jovem, ela morreu no parto do último filho. No parto, não, logo depois do parto do último filho. Então, a minha mãe e a minha tia, que eram as mais velhas, tinham que cozinhar, né, pros tios... pros meus tios, pros irmãos e pro pai dela. E meu avô, diz que era muito exigente. Então, elas tinham que fazer o que ele queria. E ele, em função da exigência dele, ele tomava muito café e queria que ela torrasse o café. Ela tinha que torrar o café, tinha que moer o café e fazer o café umas três, quatro vezes ao dia. Então era um trabalhão, coitada, porque tinha que ficar fazendo, porque ele exigia o café fresquinho, né. E aí eu me lembro dela falar sobre isso. E ela gostava muito de fazer... eles comiam comidas que a gente come, né? Mas tinha o tal do angu, que é a polenta, né. Só que o angu deles é um angu sem sal. E eles faziam e comiam assim. Era um prato muito… muito usado por eles, fazia sempre. E… e ela costumava fazer pra gente também, era bem gostoso. E o que mais? Macarrão ela fazia, mas ela não fazia a massa. Ela comprava a massa pronta, isso ela não fazia. é… Lasanha, né? Essas coisas ela fazia. Mas só.
P/1- E Música?
P/2- Obrigada.
R- Música a gente não era muito chegado… Meu pai não era muito chegado em música. E pouco ele falava, ele só falava com… com algumas pessoas. Ele falava bem o português, ele nem tinha sotaque. Ele veio pro Brasil com catorze anos. Ele conseguiu tirar o sotaque. E… mas ele lia fluentemente e escrevia fluentemente o árabe. Então, quando ele recebia um tio, quando ele recebia ou falava com os patrícios, ele falava em árabe. e… mas música a gente não costumava ouvir, não. Muita música árabe…
P/1- Música da terra dele?
R- Nad… não. Ela não curtia. Era uma coisa que ele não costumava ouvir. É… Nem a minha mãe. Ele gostava muito de um joguinho, joguinho de futebol. Estava sempre com um radinho na mão, pra ouvir o Noroeste.
P/1- Ai, que legal, Viu, Selma?
R- Mas música, não.
P/1- O que, que você lembra da sua infância aí nos altos da cidade, em volta da sua casa? Como é que era Bauru? O que você brincava na rua, com os seus amigos? Como é que foi a sua infância?
R- Nossa! Ah, foi muito gostoso. Porque a gente tinha aqui na… na nossa rua, já era asfaltada. Eu lembro que era aquele asfalto, não era o asfalto de hoje, mas era aquele asfalto de pedras. Como é que é? Paralelepípedo, né? É. E… e tinha um terreno. O meu pai sempre teve um terreno ao lado de casa, que era dele, né. E tinha na frente um grande terreno também, que a gente brincava bastante, os meus irmãos e eu, a gente brincava muito. Então, a minha mãe era uma pessoa que gostava de receber bastante, assim, as pessoas. Então, sempre ela fazia um café, um bolinho, que é coisa da família dela, né, de… de receber. Então, ela tinha a vizinhança eram todos amigos. Então, a gente… ela fazia o tal do donzelo, que era um cafezinho e um bolinho, né, alguma coisa assim. E tinha, toda semana tinha o donzelo, ou na casa de uma vizinha, ou na minha casa. E quando a gente tinha algumas… algumas… é... alguns trabalhos de grupo na escola, então ela sempre fazia aqui em casa, era sempre feito em casa, ou dos meus irmãos, ou o meu, o da minha classe, a gente fazia muito aqui. E aí, depois do… do... trabalho, a gente costumava brincar, né? Então, com o terreno que tinha ao lado, a gente costumava fazer teatro, no terreno, fazia cirquinho, é… tinha também um quintal com bastante frutas. A gente costumava brincar muito no quintal. É... ia, ia… brincando de amarelinha. E a rua era uma rua mais calma, né e a gente costumava brincar muito na rua. O que hoje a gente não vê, né? Os nossos filhos, os nossos netos não costumam brincar muito na rua. Mas os pais da gente, na época, deixavam muito a gente na rua. Então, saía da escola, a gente estudava de manhã, saíamos da escola. E à tarde, depois das tarefas, era o tempo que a gente tinha pra brincar, né, ou depois dos trabalhos com equipe, ou com a vizinhança, a gente brincava muito. Então, até a noitinha a gente vivia na rua brincando. E era muito bom. Então, os vizinhos eram todos amigos, né? E as crianças da vizinhança eram todos amigos. Então, a vizinhança englobava não um quarteirão, né? Englobava mais algumas quadras desse quarteirão. E… Então, juntava os meus amigos, os amigos dos meus irmãos, então a gente tinha muitos amigos, né? De rua..
P/1-Sim.
R- ...né, de quarteirão, vamos dizer assim.
P/1- Legal!
R- … E era muito gostoso. Então, isso são boas lembranças que a gente guarda, né? E às vezes a gente conta pros netos, pros filhos, né? Que eles não tiveram, muito. Infelizmente, né...
P/1- É. Esse tipo de infância.
R- É.
P/1- Verdade. E… ô Selma, e na escola? Onde você foi estudar quando criança e depois...
R- Eu estudei… é… O primeiro e segundo anos, eu estudei no Rodrigues de Abreu, que era pertinho de casa, três quadras pra baixo, na Duque de Caxias. E… é eu estudei o primeiro e o segundo pré, primeiro e o segundo ano. Depois, no terceiro ano eu fui estudar no Colégio São José. E lá eu fiquei até o… até o segundo grau. Terminei o terceiro colegial lá. E de lá, eu fui direto pra Fundação Educacional. Na época Fundação Educacional, né, hoje Unesp. Mas estudei todo... e, na minha época, o Colégio São José era só de meninas. Então, do terceiro ano até o terceiro colegial, nós estudávamos só em meninas, só tinha meninas, né? E aí era muito interessante, né, porque como os meninos não participavam, era a fase que os meninos ficavam de fora, paquerando as meninas de dentro, né? Então, aquela época de enrolar a saia pra ficar mais curtinha, na saída, né? De “batistar”, que era tão gostoso. A gente “batistava”. Saía do Colégio São José e ia percorrer a Batista. O meu pai ficava com a loja na quadra três, então a gente percorria toda a Batista, até chegar na quadra três, né? E ali a gente tinha algumas amigas que moravam próximo ali também da Batista, então a gente, algumas vezes, a gente ia “batistar”, que era tão gostoso. Era uma delícia, né? Uma época diferente. E nessa época tinha ali, no Colégio São José, pertinho, porque a gente não podia muito sair do colégio, né, nessa época, na hora do intervalo, não se podia sair pra comer fora ou, né, fazer alguma coisa fora, a gente ficava dentro do colégio. Mas acho que uma vez ou outra havia essa possibilidade de sair. E... tinha uma padaria na esquina da Avenida Rodrigues Alves, que era a Good Bread, que era uma padaria que ficava na esquina do colégio, chamava Good Bread. E lá, de vez em quando, quando as irmãs deixavam, a gente ia. A gente ia pra tomar lanche e tinha umas coisas maravilhosas, né, que a gente guarda na memória até o cheirinho daqueles pães que a gente comia lá na Good Bread. Então, era bem gostoso. Eu não lembro nem se era no intervalo ou na saída do colégio, porque eu acho que no intervalo, elas nem deixavam a gente sair, não. Devia ser na saída. Mas era um ponto pitoresco dentro do… daquele envolvimento de escola, era a Good Bread. Muito gostoso. O que mais?
P/1- E na… No São José você se destacava em quais matérias, assim? Você foi mais pra qual lado? né?
R- Biologia.
P/1- Já estava pensando... Biologia?
R- É. Biologia. Eu gostava muito de Biologia. Biologia era a matéria que mais me interessava. E... eu não sei se ligado muito a minha mãe, que gostava muito. A minha mãe era uma pessoa muito envolvida com essa área, né? Ela lia bastante. Ela não tinha muita escolaridade. A minha mãe, eu acho que fez até o fundamental, só. Mas ela era tão... ela gostava muito de ler, ela lia muito. Ela lia bulas de remédio o tempo todo, né? Todo o remédio que ela… que ela tinha em mãos, ela pegava e lia muito. E… então a gente, eu acho que se interessava também, por isso. Eu tenho um irmão que é médico. E eu… meu… meu irmão caçula é médico. O meu irmão do meio, o Júnior, é engenheiro. E eu queria também fazer Medicina, né, a área biológica. Mas no fim eu me envolvi com a área de humanas e fui pra ela. Mas eu gostava muito da área da biológica.
R- Tanto é que...
P/1- Você...
R- Pode falar…
P/1- Tá. Quando eu volt...
R- Vão, pode falar…
R- … quando eu voltei pra Bauru, porque teve um momento que eu resolvi voltar, né, aí eu tentei, eu trabalhei um pouquinho nessa área ‘médica’, entre aspas, né, porque aí eu fui fazer um trabalho de atendimento às grávidas e às gestantes. Um trabalho de… é de acompanhamento emocional às grávidas, porque meu irmão sendo médico, eu consegu… eu resolvi fazer um trabalho junto com ele e foi muito legal. É… pena que não deu continuidade, porque eu já tinha assumido a loja e aí... mas eu vou voltar lá.
P/1- Que legal!
R- Depois eu falo sobre isso.
P/1- Durante… durante essa época da escola, você não chegou a trabalhar com o seu pai lá na A Tropical, né?
R- Não. Não tinha a mínima vontade e interesse de trabalhar nessa área de tecidos. Achava bonito, gostava, achava interessante e tudo. Mas não, nunca me interessei. Eu queria partir pra uma outra área mesmo, era a ideia.
P/1- Legal. E, pra terminar essas lembranças mais antigas, assim, qual é… o que você lembra do Centro da cidade? É porque essa entrevista vai pro Brasil inteiro, né? Vai ficar pra gente que nem conhece Bauru. Mas o que você lembra do Centro da cidade? A diferença é muito grande pros dias de hoje, né? Como você descreveria o Centro, a Rui Barbosa?
R- Nossa! O Centro era tudo pra nós, né? Toda, todo… todas as crianças e jovens conheciam o Centro como o lugar, não só o lugar de compras, mas o lugar onde ali vivia o que era de melhor, né? Então, todos os cinemas se concentravam ali. Nós tínhamos alguns cinemas no Centro. É… todas as características mais bonitas da cidade estavam ali, concentradas ali, no Centro. Então, eu lembro muito bem da Lusitana, que era uma loja maravilhosa, uma loja que… que me encantava pela estrutura dela e pela quantidade de coisas que ali tinha. Que, vamos dizer, a Lusitana era como se fosse um armazém, né, um grande armazém, onde tinha os secos e molhados e tudo, né? Então... Mas muito chique, né? Era uma loja chique na época. Então, a gente sabia que tinha a parte do… do armazém que era muito bem, bem... desenvolvido e as mercadorias eram dispostas de uma forma muito interessante, com muito cuidado, com muito esmero, né? E… e a outra parte, que era de… como se fosse um magazine, né? Porque tinha roupas, tinha tudo ali. Então, era uma loja que chamava muito a atenção. Isso eu lembro bem. É...O que mais? A estrada de ferro, né, que era super atuante dentro de Bauru, na época. A gente conhecia... fizemos bastante viagens de… de trem. Então, era um lugar bonito, era um lugar interessante. A rodoviária era ali pertinho. Então, quando a gente ia viajar, aquele movimento da… da rodoviária e da ferroviária era ali, era muito, muito grande, né? Então, tudo se concentrava muito ali, próximo à ferroviária e a rodoviária. E era um lugar de, de muito movimento, que hoje a gente não vê mais, né?
P/2 - Uhum…
R- É um lugar bem, bem…
P/1- Mas afast…
R - … esquecido, né? Está bem… bem feio.
P/1- Sim
R - Mas era um lugar bem legal. É… O que mais que eu lembro? Depois, mais pra frente, veio a… a Capristor, que era uma loja também muito linda, então me chamava muito a atenção, a vitrine. E… e eu gostava muito, achava uma loja maravilhosa, né? Requintada, bonita, com uma vitrine maravilhosa. E antigamente, as vitrines eram vitrines, né, ali na Batista. Todas as lojas tinham vitrines, a maioria das lojas tinham vitrines. Por quê? Porque nós costumávamos fazer esse… esse passeio, seja à tarde, seja de manhã e à noite. Então, as vitrines ficavam abertas, porque a população de Bauru, o bauruense passeava na Batista, né? Então, a gente costumava passear na Batista. Não só na época do Natal. E a época do Natal era maravilhoso, né? A gente adorava passear na Batista, porque era muito legal. É… e… então, o que chamava bastante a atenção eram as vitrines, isso eu lembro bem. É… Ali próximo à minha loja tinha a Pernambucanas, que era uma loja também de muito movimento. E era de frente à lo… alo... a A Tropical. Então, a gente conhecia, conhecia bastante da Pernambucanas e via aquele movimento. Era uma loja que também tinha tecidos, né, trabalhava com tecidos. Logo depois passou a… a ser uma loja mais de departamentos e parou com os tecidos. Mas inicialmente, na minha época de criança era tecidos, a gente via bastante tecidos ali.
P/1- Legal.
R- Eu não lembro, eu não sei se… se tem mais alguma coisa. Se você quiser tentar me lembrar de algo (risos) interessante, pra colocar.
P/1- A Praça… a praça... Rui Barbosa era muito diferente, né?A praça.
R- A Praça Rui Barbosa era uma praça que tinha o coreto, né? Eu acho que ainda tem o coreto. Mas o coreto era ativo. Então, a gente gostava muito de ir na praça, principalmente de sábado e domingo, porque tinha banda, né. Ali no coreto, eles tinham uma banda. E… e... de vez em quando tocava-se, essa banda. E era gostoso, porque a gente costumava passear no… no... Era um dos passeios que a gente tinha. Não tinha shopping, né, então o passeio era a praça. Era a praça aqui, das Cerejeiras, que também tinha um lago. Ainda tem o lago. Mas naquele lago tinha peixinho, tinha patinho… né? Era muito gostoso a gente passear ali. Então, normalmente, finais de semana, finais de tarde, o que a gente costumava fazer era isso, né? Ir na praça, passear na praça, sentar por lá, conversar, assistir a banda, né? Isso era muito gostoso. Uma coisa interessante que o jovem de hoje também não sabe, é o desfile de Sete de Setembro que a gente fazia, né? Então, todas as escolas tinham que desfilar, eram obrigadas a desfilar. Então, a gente tinha, nós do Colégio São José, nós tinhamos a roupa de gala, que era a roupa do colégio, de desfile. Então tinha a boina, tinha a camisa de manga comprida, né... a saia e a gravata. Então, era uma delícia. A gente tinha como desfile, um dia de festa, né, onde a gente se vestia de gala e desfilava, porque era gostoso desfilar. A gente aprendeu a desfilar, né? A gente teve… tinha junto a… ao colégio, uma professora que era de Educação Física e ela colocava a gente pra ensaiar o desfile.
P/1- Tá certo.
R- Como tinha... ____ 00:38:16 tinha a banda, né que… a partir do mês de junho… junho, julho, a gente já começava a ouvir as músicas. Porque o colégio fica próximo do Liceu, né, então a gente os ouvia ensaiando, a banda do Liceu. Então disse: “Ih, está chegando… está chegando o desfile. Logo, logo nós vamos desfilar”. E era muito gostoso. Meus filhos ainda pegaram o desfile, conseguiram, ainda pegaram uma parte, né, do desfile de Sete de Setembro. Depois acabou. Mas era muito bom.
P/1- Está certo, Selma. E depois, então, aí você acabou o terceiro colegial, você foi fazer a faculdade. Pra onde você foi, mesmo?
R- Pra FEB. Pra Fundação Educacional de Bauru, hoje é Unesp, né?
P/1- Ahhh..
R- Aí fiz Psicologia... fiz Psicologia cinco anos de faculdade. Me formei. E aqui, nessa época da faculdade, eu fiz um estágio no Senac na área… na área de educação... Eu tinha que... um programa no Senac, chamava Jovem Primeiro Emprego. E aí, eu junto com mais uma estagiária, o departamento da Ana Maria, de educação, a gente fazia um trabalho… um trabalho nesse Projeto Jovem Primeiro Emprego, que era orientar os jovens que faziam curso pra escritório né, pra depois vir a assumir um escritório na cidade. A gente fazia, dava curso de relações humanas, orientava nessa área, ajudava nos estágios, né? Porque depois que eles saíam do Senac, eles iam estagiar nas… nas lojas, né? No comércio. Então a gente ajudava, contatava com as empresas, pra que eles pudessem fazer o primeiro estágio. Foi um trabalho bem legal.
P/1- Legal.
R- Depois disso eu fiz... ah, antes disso eu fiz também um trabalho que hoje não existe mais, que é Plimec. Era Plano de Integração do Menor na Comunidade. É como se fosse o projeto de hoje que existe em algumas… alguns… algumas escolas, né? Algumas, alguns... creches, normalmente, que têm esse projeto pra tirar a criança da rua. Então, no período que ele não estivesse trabalhando, é... estudando, estaria, então, nesse projeto, pra poder desenvolver algumas outras atividades, né, e tirá-los da rua. Então, esse trabalho eu fiz, eu acho que por dois anos.
P/1- Certo!
R- É… Depois que eu estagiei no Senac, aí já era, eu já estava no quarto ano pro quinto ano. No quinto ano, aí tem os estágios, coisas que a gente tem que fazer, obrigatórios…. Fiz… fiz um trabalho bem interessante, eu fiz no IPA, no presídio, é, gostei bastante de fazer esse trabalho junto com os encarcerados. Foi bem legal, gostei bastante. Np… fiz um trabalho também em manicômios, mas não gostei, foi um trabalho muito difícil pra mim. Mas o trabalho com encarcerados eu gostei bastante, bem legal.
P/1- E depois da formatura?
R- Daí… Na formatura, é… uma forma de… de ainda tentar sair, né, da… da saia da mãe e do pai, da calça do pai, porque eles eram muito assim, muito... ah, ficavam sempre ali, né?
P/1- Sim.
R-E eu queria, realmente, me desenvolver, queria ter um pouquinho mais de independência financeira e emocional, eu.... eu tentei, então, sair de Bauru, pra poder ter essa... procurar essa independência. E foi muito legal, pra mim foi muito bom, me fez amadurecer. E eu fui, então, pra São Paulo, né, uma terra que eu não conhecia, que eu não tinha a mínima vontade de ir. O meu interesse era ir pro Rio, porque eu tinha parentes lá. Mas a primeira… o primeiro… a possibilidade que houve, em função de emprego, foi em São Paulo. Daí foi uma época bem difícil. Porque aí eu fui trabalhar numa empresa, numa indústria e essa indústria era bem longe da minha casa. Eu morava próximo ali, a Alameda Campinas, ali perto da… da Paulista e eu fui trabalhar na Lapa, sem carro, sem nada. Eu tinha uma vida mais confortável e quando eu fui pra lá, aí as coisas pegaram, porque eu tinha que fazer marmita, eu tinha que pegar dois ônibus. Saia às cinco e meia da manhã de casa, pra poder entrar no trabalho às sete da manhã, né? Aí fazia marmita pra levar. Porque era uma vida de operária, mesmo, né? Dentro de uma indústria que chamava Motorádio, na época. E… e lá eu fiquei... fiquei oito meses, nove meses. É... Ali eu fiquei por… por nove, dez meses, se eu não me engano. Aí houve a prim... Foi em 1981, isso. Houve aquela crise pesada na indústria. E houve uma demissão em massa, na época. E... a parte de Recursos Humanos da empresa foi, praticamente, ficou acho que uma pessoa ou duas pessoas. E eu, com pouco tempo de casa, fui uma das que fui demitida, né, da indústria. Aí, essa crise pegou em 1981, 1982. Aí eu tentei continuar em São Paulo. O meu pai querendo que eu voltasse, em função de eu não ter um emprego e tudo. Mas aí eu continuei lá, procurando, saía em busca de trabalho, fiquei enviando currículos mais uns três meses. Aí eu consegui, numa empresa, é... de treinamento e fazia um trabalho bem interessante com... chama IOB. E... fazia um trabalho de consultoria na área jurídica. Eu entrei lá como assistente de seleção e treinamento e fiquei lá dez anos. Saí pra voltar pra Bauru. Lá eu assumi a gerência, nessa área de seleção e treinamento. E, é... por um determinado tempo, a gente viajava bastante, porque fazia a seleção nas filiais da IOB. E foi uma época de aprendizado muito grande. Eu consegui aprender, consegui desenvolver um trabalho bem interessante. E eu já tinha dois filhos nessa época.
P/1- Certo.
R- Duas crianças pequenas. Então, eu me casei, nessa época da IOB e tive dois filhos, ainda trabalhando na IOB. Foi quando o meu filho já estava com cinco… cinco pra seis anos, o mais velho e ele teve muitas pneumonias, chegou a ter várias pneumonias e ele era muito alérgico. E o médico falou: “Olha, o interessante é que vocês saiam de São Paulo, porque São Paulo é uma terra difícil, né? Pra cuidar de alergia e tal”. E eu vinha… e quando eu vinha pra Bauru, porque o meu marido, ele é de Bauru, mas ele foi muito cedo, muito pequenininho ainda, pra São Paulo. E nós nos conhecemos numa vinda dele pra cá, num carnaval. Então, ele morava já em São Paulo, mas ele havia nascido em Bauru. Então ele tinha tios, parentes aqui e ele veio pro carnaval, foi quando a gente se conheceu. E quando o meu filho estava, então, com essa idade, cinco e o outro meu filho com três anos, é... também um pouco alérgico, o médico falou isso e eu, comentando com o meu marido, falei: “A gente podia voltar pra Bauru, né?”. Porque toda vez que eu vinha pra Bauru, eu tinha uma vontade de voltar, parece que alguma coisa me puxava pra voltar, né? E eu falava com o meu pai: “Pai, vamos… vamos montar alguma coisa, né? Eu estou com uma vontade de voltar pra Bauru”. Ele falou: “Ah, montar, montar...”. Falei com o meu irmão, o meu irmão já trabalhava com o meu pai. Aí, nessa época, a gente… eu conversei com o meu marido, ele falou: “Não. Tudo bem. Se você for, eu também vou. Eu não vou ficar em São Paulo e vocês em Bauru. Não dá certo isso”. E a gente estava muito bem colocado. Eu tinha um emprego bom, eu estava ganhando muito bem. O Tião também tinha um emprego muito bom, trabalhava na área de TI, de... na área de tecnologia, de informática. Estava bem pra caramba, numa empresa super boa, que era o Fleury. E… e essa vontade, esse ímã me trazendo pra Bauru e querendo voltar, voltar, voltar. Aí consegui convencê-lo da volta e viemos, sem emprego, sem nada. O Tião sem emprego, o meu marido. E eu com essa possibilidade de vir trabalhar na loja. Foi quando o meu pai e o meu irmão resolveram então montar uma filial no shopping aqui de Bauru.
P/1- Sim. Aí já era anos 80, mais ou menos?
R- É 1991. Já foi em 1991.
P/1- 1991
R- É.
P/1- Sim.
R- Então, eu fiquei dez anos em São Paulo, de 1981 a 1991. E... nesse período, então, já com os meus filhos, meu marido, a gente resolveu, então, vir, voltar, retornar à terra natal...
P/1- Deixa só…
R-... tanto dele como minha.
P/1- Deixa só eu perguntar um detalhe, ne? Você conheceu o seu marido... o nome dele é qual, mesmo? Sebastião?
R- Sebastião.
P/1- Sebastião. Você o conheceu em Bauru. Mas ele morava em São Paulo, você também. Então, vocês começaram em São Paulo, neh? Se casaram...
R- Começamos a namorar em Bauru. Casamos em Bauru.
P/1- Em Bauru?
R- É, tudo em Bauru.
P/1- Ah...
R- Porque, nessa época que nós nos conhecemos, eu estava pra terminar a minha faculdade e ele fazendo faculdade em Rio Claro. Ele fazia Matemática em Rio Claro. E eu Psicologia, em Bauru. Então, quando eu… eu me formei, e ele fazendo faculdade em Rio Claro, a única possibilidade da gente ficar mais próximo, era ele transferindo a faculdade pra São Paulo, né? Então, ele conseguiu a transferência pra São Paulo, porque a mãe dele morava em São Paulo e eu já estava lá. E ele foi, mor… voltou a morar com a mãe, né? E começou a trabalhar num Banco e terminou a faculdade por lá. E… e eu já estava formada, né? Aí, quand... depois que ele terminou a faculdade, mais um tempo, a gente resolveu, depois de quatro anos de... de namoro, a gente resolveu casar. Foi… aí, nos casamos em 1983. Eu já estava há dois anos na empresa nova, na IOB. E aí, nos casamos.
P/1- Aí...
R- Casamos em Bauru.
P/1- Aí… Em Bauru.
R- É.
P/1- Bom, aí tudo dando certo, vocês voltaram em 1991. E daí?
R- Aí volt… É. Isso.
P/1- Aí começou essa nova fase. Vocês pegaram uma nova loja, né? E como que foi essa fase nova?
R- Foi uma fase muito difícil pra mim, porque eu tive que assimilar todo o processo de… de… de loja, que eu não conhecia nada. Eu não sabia nada de tecido. Eu não sabia nada de comércio. Eu tive que me envolver com tudo isso. E… e um tanto quanto distante, porque à medida que eu estava no shopping, eu estava sozinha no shopping,né? Só com um funcionário, um funcionário da loja que foi transferido pra lá. Mas eu tive que absorver todo o processo de… de conhecimento de tecido, de tudo, nesse período, né? Então, foi bem complicado, foi uma fase muito difícil pra mim. E outra: a adaptação do negócio dentro de um… de um… de um shopping, né?
P/1- É.
R- Porque tecidos, é uma… normalmente… tecidos você precisa ter espaço, né? E eu tinha, nesse perío... nesse espaço de shopping, que é um box, que era só um box, eu tinha tecidos e eu tinha cama, mesa e banho. Então, eu tinha tecidos na parte de baixo e na parte de cima, que eu tinha um mezanino, eu tinha cama, mesa e banho. Então, é… os dois primeiros anos foi muito difícil. Mas depois, aí a gente começou a se adaptar a todo o processo, né? Eu fazia compras diferenciadas das compras da… da loja do Centro, porque como era um… era uma loja que.. que tinha a… tinha como objetivo um trabalho mais aprimorado, né, mais… por ser um local mais elegante, tudo isso, né, fora do Centro, eu queria trabalhar com produtos mais nobres. Então, algumas coisas eu tinha que comprar separadas da loja do Centro e outras não, né, a maioria a gente comprava junto.
P/1- Certo. Quem deu essa...
R- É… E nesse período também, a gente tinha... meu pai abriu uma filial, abriu uma filial em Marília. Então, nós tínhamos mais duas lojas. Em 1991, abriu-se duas lojas, né, além da loja do Centro, que sempre... começou a sustentar as outras duas, né? Então, foi um período pesado também, pra loja do Centro, porque como eram duas lojas iniciantes, tanto em Marília, quanto em… em... no shopping, né, eram lojas que não se sustentavam sozinhas. Então, quem tinha que sustentar as duas lojas, mais funcionários e folha de pagamento e tudo, né, compras, foi a loja do Centro. Então, foi um período pesado para o meu pai. Mas tudo pra satisfazer a filha, né, que queria voltar pra Bauru. (risos)
P/1- Ele…
R- E assim começou a… a época, né, da Selma na loja.
P/1- Vida de comerciante.
R- Começamos assim… É, virei comerciante.
P/1- E ele… ele deu muito dica pra você, o seu pai? Ele falou: “Não. Faz assim. Faz assado. Muda de tipo de tecido lá no shopping, que vai dar certo”. Ou você que foi pra cima do negócio?
R- Eu que fui me envolvendo, praticamente sozinha. Então, tinham fases bem, bem complicadas. Fases que… é… que teve uma época... deixa eu ver se me lembro o que aconteceu, que... por que tinha isso. Eu não sei exatamente, eu não me lembro direito. Mas foi uma fase que teve um, um... como que era? Ahh! Era… era a época que você... que a gente tinha que começar a abrir o comércio em períodos que não eram comuns, no shopping. Por exemplo, de domingo, né? E a gente tinha que trabalhar, praticamente, com funcionários em turnos diferenciados. E aí eu tive que, muitas vezes, trabalhar sozinha. Porque aí, pra poder compensar e conseguir, realmente, levar a loja, né, adiante, pra não ter uma sobrecarga maior de… de custos, né? Eu trabalhava, praticamente, sozinha.
P/1- Sim.
R- Então, é... eram épocas, assim, que eu ficava… ficava direto, né, dentro do shopping. E aí, quem ficava com as minhas crianças, era a minha mãe, porque…
P/1- Sim.
R- … eu não tinha condições nem de cuidar delas, né?
P/1- Tah certo.
R- Eu ficava direto. Então, foi uma fase pesada.
P/1- E no… Nesse início do shopping de Bauru, ele demorou um pouco pra emplacar, você sentiu? O pessoal ainda ficou lá no Centro, antes de vir pra zona sul? Como que você viu o shopping, assim, no começo?
R- É, o… No começo foi complicado, porque eu acho que, pra pegar mesmo, a loja, levou aí uns dois anos, mas… praticamente dois anos. É… Aí, depois, a gente começou a perceber, assim, como era a característica do consumidor dentro do... desse local, do shopping, né? Então, a gente começou a agir de acordo com as necessidades. E aí passamos a ter também, dentro da nossa loja, um estilista. Porque, normalmente, o... isso ajuda muito na venda, né? É um profissional que não pode faltar. Pra nós foi importante. Então, a gente tinha um no Centro e um na… na… no shopping, pra auxiliar na… na venda. Era isso que nos ajudava, nos auxiliava. Porque vender tecido é muito difícil, né? Porque você… você faz para o cliente a idealização do que é o produto final, né? Na verdade, você tem que idealizar junto a ele, como ficaria. Então, a melhor forma de nos ajudar a isso, seria ter no papel um modelo, né? Então, o estilista fazia exatamente isso: desenhava o modelo, para que o cliente pudesse, pelo menos, avaliar, né, como poderia ficar aquela roupa, idealizar aquela roupa.
P/1- Sim.
R- Então, é… foi um período, assim, mais complicado, mas depois a gente conseguiu, aí a gente tinha um público específico. O pessoal que ia para o shopping, não ia para… para o Centro, né? Era um pessoal diferenciado.
P/1- E quem que era esse público?
R- Então, a gente conseguiu definir bastante. Era o público que, na verdade, consumia no shopping, que… que costumava ir ao shopping. Então, é esse público que a gente conseguiu pegar, né? É… e... era, na verdade, um produto inusitado dentro do shopping. Você não tem, você... hoje você não vê num shopping, uma loja de tecidos, né? E nem sei se hoje daria certo uma loja de tecidos no shopping, né? Porque foi mudando muito, né, as características, o interesse e o consumo. Então, é… nós larg... nós deixamos o shopping depois de dez anos de atuação nele. Foi quando o meu pai faleceu, foi em 1998. Nós entramos lá em 1991. Saímos… É... não chegou nem a dez anos. Não. Saímos em 2001, na verdade. Foi depois da morte dele. E aí, com o inventário, com a necessidade, realmente, de assumir a loja do Centro, porque aí o meu irmão ficou com a loja de Marília, porque nós tínhamos a filial em Marília. E eu fiquei com a loja do Centro. Pra tocar duas lojas eu, realmente, não ia conseguir. E… e a gente resolveu, então, fechar a loja do… do shopping. Ficamos só com a loja do Centro.
P/1- Então... então, no caso da A Tropical, o Centro continua sendo o principal chamariz de público? Mais que o shopping? Ou não?
R- Então, é, assim continuou sendo, nesse período de 2001 até… até 2009, se eu não me engano, a gente ficou só no Centro. Só que, nesse período, a gente já estava lá uns setenta e tantos anos, houve a mudança de... é… a loja foi vendida para uma… uma outra pessoa. Porque a loja não é nossa, né, o prédio não é nosso. Meu pai sempre pagou aluguel e eu continuei pagando aluguel. E nesse período da morte do meu pai e com a morte do antigo dono, os herdeiros resolveram vender a loja. E aí foi um período muito complicado pra mim, porque eu tinha acabado de reformar a loja. Eu… Quando eu assumi, em 2001, a loja do Centro, eu resolvi fazer uma mudança nela, porque ela já estava bem deteriorada, o piso, toda a parte de fiação, né? Então, eu resolvi fazer uma… uma reforma. E a gente continuou trabalhando e reformando. Eu reformei a loja inteirinha, com mudanças de… de fiação, com pintura, com mudanças de… de… é… mobiliário, tudo. A loja trabalhando e a gente reformando. Não tínhamos outro lugar pra ir. Então, eu consegui… Aí eu fiz uma reforma, que foi bem cara, eu gastei bastante ali. Eu terminei de fazer a reforma, a loja estava bem arrumadinha já, em 2003, a... houve a venda do prédio. E aí veio um outro proprietário, que aí foi muito difícil negociar com ele, tanto o aluguel... era um aluguel caríssimo que a gente pagava. E aí ele foi aumentando, né, aumentando, aumentando, aumentando…. É… e isso nos foi começando a inviabilizar, apesar de que a gente manteve o compromisso, né, de… de manter o valor, era um valor bem alto, que hoje eu não sei nem se ele conseguiria, é... alugar por esse valor, de tão alto que era. E… e a gente foi levando, até que ele resolveu pedir o prédio, ele achou que podia pegar mais, um aluguel maior do que a gente pagava. Então, nessas ameaças que a gente começou a ter, de 2003 até eu resolver pegar uma outra… uma… um... montar uma filial, é… eu me sentindo um tanto quanto ameaçada, eu falei: “Eu vou precisar ter um outro prédio, pra… pra tocar as duas lojas, porque se... a hora que ele dize... pedir a loja, eu vou ter que…, né...
P/1- Ficar sem nada.
R- … ter um outro ponto”.
P/1- Isso.
R - É. Aí, eu, a gente, em 2000, é… eu não lembro exatamente a data, me… me fugiu agora. Mas aí, eu acho que foi 2005, 2006, eu não me lembro direitinho, a gente montou uma loja na Araújo Leite, é... em frente ao Bosque da Comunidade.
P/1- Sim.
R- E lá nós ficamos, até o ano passado. Então eu tinha, eu fiquei com a loja do Centro e a loja lá do aeroporto, né, em frente ao Bosque. Uma loja grande, bonita, com… com o objetivo de ser uma loja mais elitizada, com tecidos mais nobres, com a possibilidade de um… de um trabalho diferente do Centro, né? Então, lá eu mantinha os tecidos mais nobres e cama, me... enxoval mais nobre também, tinha umas marcas boas e fazia um trabalho com enxovais também, bem legal. Só que a parte de enxoval era muito menor, assim, a comercialização dele era menor, era um produto de… de pouca… de pouca venda. Então, eu achei melhor investir só em tecido, porque a gente estava precisando um investimento maior em tecidos, aí a loja virou tecidos, só tecidos.
P/1- Sim.
R- Então, eu mantive essa loja por mais dez anos. É… Fechei o ano passado, porque eu… eu saí do Centro e montamos... nesse período que eu estava no Centro e no aeroporto, um dos meus filhos que, que se formou em Veterinária, resolveu me ajudar, até ele conseguir uma colocação. Então ele estava recém formado, mandando, enviando currículo, ele falou: “Ah, mãe. Eu vou te ajudar”. E resolveu me ajudar na loja. Então, ele ficou na loja do Centro. E isso me deu, realmente, um refrigério, porque aí eu pude atuar mais na loja do aeroporto, né e ele ficava na loja do Centro. É...Tanto é quando… quando o… o dono do prédio da Batista pediu o prédio, eu ainda tinha o meu filho me ajudando. Então, foi ele que escolheu o outro prédio, ele que achou esse prédio, que agora é na Azarias Leite. Ainda é na Azarias Leite, né? Porque a... o do Centro era Azarias e a gente subiu seis quarteirões, estamos aqui pra cima da… da Quinze de Novembro.
P/1- Sim.
R- Pra baixo da Duque e pra cima da Quinze. E… e nós conseguimos esse prédio. É um prédio em grande, a gente está com mais de quinhentos metros quadrados ali, o que deu pra… pra adaptar bem a loja, e.. a gente conseguiu, assim, um espaço bem legal. Então, nós ficamos com essa loja e a loja da Araújo. É… o ano passado, ele resolveu atuar na área… na área dele, né? Ele falou: “Mãe, eu vou partir agora, pra minha área”. E... aí eu me vi, realmente, numa situação de não conseguir tocar duas lojas ao mesmo tempo. Foi o mesmo processo. Aí eu fechei a loja do aeroporto, que era uma loja menor. E a escolha, né? Como escolher qual dos prédios ficar? Porque a loja do aeroporto era uma loja muito bonita, é… com uma visibilidade muito legal, o pessoal gostava muito da loja. E eu tinha a loja... essa loja do Centro, que era onde ficava o Ivan. Mas aí, é... eu não podia perder o público de Centro. E se eu… e com a possibilidade de perder o público do Centro e ficar só com o aeroporto, isso começou a me deixar, realmente, meio preocupada. Eu falei: “Bom, é… é tudo o que tem aqui, cabe na loja do Centro”, porque era uma loja maior, é uma loja maior.
P/1- Sim.
R- Então, aí eu resolvi, realmente, centralizar tudo na loja do Centro, porque eu não perderia o pessoal do bairro, né, e do Centro. E também, eu, eu acredito que eu não... pelo os meus cálculos, as pessoas que iam a loja do aeroporto, eu não ia perder, porque eles poderiam vir até a loja do Centro, né?
P/1- Sim.
R- E… que era uma loja bem localizada, com uma loja... com estacionamento, né? Então, isso ia facilitar muito, né? O grande problema do Centro é a gente não ter estacionamento, né?
P/1- Sim.
R- E como era próximo ao Centro ali, do Calçadão - quando eu falo Centro é Calçadão, né, como era próximo ao Centro, eu achei, eu achei que ia ser interessante. E foi assim a decisão: “Vamos, então, ficar com a loja da Azarias”. E aí, realmente, eu tive que, que fechar. Trouxe os meus funcionários de lá pra loja da Azarias. E estamos lá.
P/1- Sim.
R- Hoje, agora, esse... dezembro fez um ano… dez… fez um ano que eu fechei a loja do aeroporto. E… e eu posso dizer pra você, Luis, que a gente está tendo... uma, uma grande, uma grande gratificação de perceber, assim, que era a melhor coisa que eu tinha que ter feito, nesse momento...
P/1- Sim.
R- ... difícil do Brasil, né? Eu fechei e logo depois, três meses depois, veio a pandemia. E, se eu tivesse com uma loja só de festas, como eu tinha, que eram só tecidos mais nobres e festas, lá de cima, e com a parada das festas, né, eu ia ficar, realmente, numa situação muito difícil. Então, eu acho que…
P/2- Eu ia...
R- … as coisas vêm por Deus, mesmo, né? Então...
P/2- Eu ia até comentar, Selma e já fazer uma pergunta, mesmo, porque eu te entrevistei, né, um pouco antes da pandemia e realmente conheci a sua loja da Azarias, a do Centro, que você está agora, muito bonita mesmo e eu queria que você contasse um pouco como que foi, é… Como vocês estão se habituando na pandemia, como está sendo? E ressaltar também que você aprendeu bem (risos) a lidar com comércio porque, quando a gente conversou, você trouxe essa questão, que você ficou muito pensativa, qual seria a melhor decisão. E é muito bacana, você agora, nesse momento no qual a gente se encontra, você perceber que você fez a melhor escolha. Me conta um pouco como tem sido desde a pandemia, até então, pra… pra você manter a loja.
R- Ah, legal, Daiana. Pergunta interessante. Eu acho que... é gozado, se a gente for analisar a vida da gente, a gente vive por etapas, né? A gente tem as etapas da vida. E a minha etapa de vida, ela é sempre, as suas mudanças ocorrem a cada dez anos, né? Então, eu tive dez anos de São Paulo, dez anos dentro de uma loja de shopping, dez anos dentro de uma loja no aeroporto. E dez anos depois, assumindo novamente uma loja central, né? E… e essas etapas todas, assim, foram muito intuitivas, né? Porque a gente, é interessante, que a gente trabalha muito com.. com o lado coração, o lado intuição. E eu, e eu... em função da minha... do meu signo, eu acredito muito em signo e eu sou virginiana, é… não consigo fazer nada por impulso né? Pra tomar uma decisão, que foi essa decisão de… de ficar com uma loja só, eu levei quase dois anos. Então, foi um período de… de pensar muito, de analisar muito. E foi um pensar com o coração, foi um pensar, um pensar intuitivo. Mas foi um pensar também carregando algumas características, né, das duas lojas e do meu público, que eu tinha que levar em consideração. Conversando com algumas pessoas, conversando com os meus funcionários, tudo, assim, tentando junto com eles, chegar a uma conclusão, né? E… e eu acho que foi a melhor coisa que a gente fez. E nesse período que logo... logo que… que a gente assumiu mesmo uma loja só, que a gente tinha que fazer com que essa loja virasse, né, tanto com… com a performance da loja de cima, mais a do Centro, essa loja da Azarias, que é a do Centro, central, a gente tinha que fazer com que ela virasse duas, né, em termos de faturamento, porque os meus funcionários todos (risos) foram pra mesma loja. E eu tinha que dar conta de tudo isso: de uma folha de pagamentos alta, né...
P/2- Sim.
R- … dos meus… dos meus compromissos altos, né, que eu ainda tinha.
P/2- Uhum.
R- Então, eu tinha que… que fazer com que as coisas acontecessem. E nesse período veio a pandemia, né? Então, não deu pra gente ter como termômetro, se, se as coisas, realmente, iriam dar certo. Mas eu, confiante, e... fomos em frente. Aí nós paramos, ficamos alguns dias parados, né, em março, que veio o decreto de que nós tínhamos que parar. Paramos dez dias. Aí eu fiquei num... fiquei num... numa maré, assim, de trabalho, sozinha, sozinha. Eu, mais uma funcionária administrativa, porque a gente tinha que fazer negociação com todos os fornecedores, pra ver o que a gente conseguia fazer pra adiar os pagamentos. E, além de tudo, a gente tinha os funcionários em casa. Eu tendo que assumir todas, todos os compromissos, né, trabalhistas com esses funcionários, é… não queria mandar ninguém embora, a princípio, porque eu não… eu, eu sabia que eles estavam sofrendo também. E tendo que dar conta de tudo. (choro). Então, foi difícil. Foi difícil. Mas a gente venceu, graças a Deus! Foi uma época que eu digo que… que foi de aprendizado, porque é… quando a gente se vê meio sozinhos e sem, e sem muito respaldo financeiro, porque eu não tinha respaldo, né? Eu tinha… a gente estava saindo de um.. de uma… de um grande compromisso. Porque eu tinha dívidas, né, em função do fechamento da loja e tudo isso. E... eu tinha feito reformas também, na loja, pra deixar ela mais adequada, mais bonita, né, pra nos… pra receber a loja de cima. Então, eu tinha vários compromissos financeiros assumidos. E… e eu tinha que dar conta disso. E aí é trabalhar no suor mesmo, né? Pegamos eu, mais uma funcionária de administrativo, fazendo toda a negociação financeira. E mais um funcionário da loja. E nós só no telefone, e… e tentando resolver, fazendo vendas pelo whatsapp, vendas na porta, né, quando dava, porque a gente ficava fechado. Ali tem uma porta de vidro, então a gente fechava e as pessoas chegavam. A gente (risos) levou a loja, praticamente, uma boa parte lá pra frente. E a gente ficava mostrando os tecidos, mostrando o que eles queriam. E aí, o que nos ajudou muito - ai, Deus seja louvado! - foi as máscaras, né? Porque aí, todo mundo queria tecido de algodão pra poder fazer máscara e a gente tinha muito tecido de algodão, na época. Nossa! Ali foi… foi a grande, a grande virada, né? Porque nesse momento das máscaras, a gente começou a vender, vender, vender, vender, algodão, algodão, algodão. Era só o que se vendia. Ninguém queria outra coisa, a não ser algodão. Meus tecidos que ficavam, de festas, que estavam ali todos parados, ficaram parados. E aí continuam parados. Hoje a gente tem um movimento de festas ainda pequeno, né?
P/2- Uhum.
R- Mas o que nos movimentou, e o que nos deixou, assim, mais tranquilos, onde o faturamento foi melhorando, né, o primeiro mês, é… março, abril... abril foi muito, muito difícil ainda, né, a gente teve um faturamento menor, mas maio, junho, julho, né? Veio num crescente, graças a Deus. E a gente foi vendendo muito. E o que a gente no… o que nos ajudou, é que a gente tinha muito tecido de algodão. Porque o tecido de algodão, você não encontrava no mercado. Parou, não tinha. Ninguém tinha mais.
P/2- É verdade. Por conta da demanda, né?
R- A demanda foi muito grande, né?
P/2- Total.
R- Então, quem tinha, fazia... quem, que tinha o algodão, é... conseguia resolver muitos problemas, né, que era essa possibilidade de vender. Mas aí, como é... a gente sabe que, em função da demanda, as coisas vão ficando cada vez mais difíceis, né, e mais caras, então o pessoal viu uma forma de ganhar dinheiro, né? E, com a escassez do mercado, quem tinha algodão, começou a colocar o algodão lá em cima. Então, pra gente comprar um tecido de algodão, quase dobrou o valor.
P/1- O preço.
R- E era muito difícil. As pessoas queriam comprar o tecido mais em conta, pra poder fazer a máscara e poder vender também a máscara com um preço bom. Então, a gente tentava negociar, era um processo todo de negociação. Mas como eu tinha muito tecido, isso me ajudou muito, porque eu pude vender com um preço legal, né? Então, foi muito bom. Deu aí pra gente manter a… as vendas num nível bem interessante, graças a Deus. Aí deu tudo certo. Foi muito bom.
P/1- Que ótimo. Ô Selma, e…
P/2- Legal!
P/1- … você veio do… do outro ramo e caiu, de repente, no ramo do comércio, com você contou pra gente. O que que foi mais difícil? Você teve que passar por tudo ali: atender cliente, fazer compra, é… contabilidade, calcular, pagar funcionário. O que é… oque é mais difícil no comércio, pra você?
R- Bom, a parte da contabilidade não foi, porque a gente tem um escritório. Então, todo o escritório trabalha com isso. Eu tenho uma funcionária também, de muitos anos comigo, que era do meu pai e que continua comigo até hoje, tem mais de trinta anos de casa. E ela, ela… toda envolvida com a parte financeira, me ajudou e me ajuda muito. Então, essa parte contábil e financeira, é... fica muito na mão dela. É… isso, isso graças a Deus, a parte de Recursos Humanos, de folha de pagamento, tudo isso ela resolve pra mim, sempre resolveu. Então, eu não tenho… eu não tenho problema com relação a isso. Mas é... a parte, eu acho que a parte mais, mais complicada, é...deve ter sido, eu acho que foi mesmo, a parte do atendimento. Da… da… não da relação cliente-empresa. Mas da… do entendimento, de tentar entender, é... o consumidor. É gozado, né? Você… você trabalha na área de Psicologia, você acha que entende a psicologia do consumidor, mas a hora que você está diante, né, da parte prática da coisa, você percebe que é.. é bem diferente. Eu tinha que entender - eu acho que esse foi o grande desafio – é entender a cabeça do consumidor. E fazer com que a minha,é, loja fosse mais adequada para… para... o seu consumo, né? E... A minha preocupação e que foi uma preocupação muito grande que eu herdei do meu pai, era assim: ter uma loja onde o atendimento e a qualidade do atendimento e a qualidade do produto fossem o ponto forte, né? Então, o meu pai sempre trabalhou, com… a preocupação dele era com que todos os funcionários, é... atendessem adequadamente o seu cliente, né? Então... e… e era uma coisa que, realmente, isso me pegava forte, porque eu queria manter, né? Qualidade do tecido, tecido bonito, tecido nobre, é… sempre me chamou a atenção. O meu olho brilha quando eu vejo uma coisa bonita. O meu olho brilha quando eu vejo uma coisa, é… que realmente vale a pena, né? Então, eu não… eu não meço a compra, no sentido de preço, eu quero o melhor. E para quem, o melhor? Para o meu consumidor. Então, é difícil pra mim…. entender, assim, que eu tenho que comprar algo que… que...é… que não seja bom, né?
P/1- Sim.
R- Então, eu vou te dar um exemplo: é… nós temos um tecido hoje no mercado, que ele pode ser comprado, é... pro.. pra uma venda rápida, né, e pra um consumo rápido, pelo preço, mas não tem qualidade. E pra uma venda um pouco mais demorada, mas que tenha qualidade. Eu prefiro a venda menos rápida, com mais qualidade.
P/1- Sim.
R- Eu posso até ser prejudicada por isso, mas eu… eu continuo prezando a qualidade. Então, pra mim, o que vale é ter um tecido que, realmente, vale a pena. Eu não quero vender pro… pro meu consumidor, que acredita na minha empresa, que acredita no meu trabalho, eu não quero vender pra ele um… um tecido que… que vai desbotar, que vai encolher, que vá manchar. É claro que acontece, né?A gente não... você não consegue fazer o teste de qualidade no tecido, quando você compra. Mas a gente vai em busca dos melhores fornecedores, pra que a gente tenha, realmente, um produto melhor. É essa a nossa preocupação. É… Eu sei que tem outros empresários que procuram, realmente, a venda mais rápida e mais... e coloca preços mais baratos. Mas não tem segredo, aí não tem como fazer mágica. Você compra o tecido mais barato e vende mais barato. Mas é um tecido de menos qualidade. Eu prefiro, realmente, um tecido melhor. Então, às vezes, a minha loja é considerada que vende tecidos mais caros: “Ah, mas a sua loja é considerada careira”. Não, a minha loja não é careira. Eu já falei isso pra Daiana. Lembra, Daiana? Eu falei pra você que, às vezes, é… eu vejo algum… algumas pessoas dizendo: “Ah, a ATropical é cara”, né? Aí, até que a pessoa tira o… tira o… a dúvida com… na hora que vai. Muitas vezes, não é cara. A loja vende um tecido melhor. Então, um tecido melhor não custa barato...
P/2- Variedade também, né?
R- ...custa mais caro.
P/2- Variedade, né, Selma? Porque você tem uma variedade de tecidos gigantesca. Eu lembro que eu fiz umas fotos muito legais lá.
R- É, né?
P/2- E… Quando você trouxe o diferencial do estilista também, né? Mas é lindíssima a sua loja. E é uma infinidade, assim, de tecidos. Eu saí de lá aprendendo vários, vários tecidos novos...
R- Né?
P/2- … Porque eu também peguei o dia que... a fotógrafa estava lá, né?
R- Ahhh…
P/2- ...E eles estavam fazendo... Chegaram… chegaram produtos novos e vocês estenderam os tecidos e estava tirando fotos. Então, eu peguei um pouco disso, também. Eu pedi autorização pra você, andei um pouco pela loja. Enfim, eu pude entender o… o que é a A Tropical, né? E o… e como o pessoal falava tanto dela.
R- Certo!
P/2- E tudo o que você fala, eu confirmei lá, principalmente na variedade.
R- É. É muito interessante, hoje, a gente… se eu fizer um comparativo com a loja que era do meu pai e a minha loja, é completamente diferente, nos dias de hoje. Porque o meu pai tinha uma grande preocupação de comprar em quantidade. O meu pai comprava peças de linho em quantidade. Então, tinha... eu… eu tenho, hoje, peças de linho da época do meu pai, de tanto que ele comprava. Ele tinha estoque. Estoque.
P/2- Nossa!
R- Sabe o que é isso? Não existe mais, né? Hoje você não pode ter, dentro do comércio, um estoque daquele.
P/2- É raro, né?
R- E lá ele tinha, ele tinha... Ele tinha, como nós trabalhávamos lá na loja da Batista, a parte de cima, são dois andares, o segundo andar do prédio era só estoque do meu pai. Então tinha… tinha muita coisa, muita coisa. Então, ele comprava em quantidade, porque se vendia também, muito, né? Tecido era vendido, muitas vezes, em fardos, né? Pedia… a pessoa levava, levava a peça, não levava metros, levava a peça. E hoje é totalmente diferente, né? Então…,
P/2- Sim.
R- … nem se compara. Porque não tinha tanta, tantas confecções. As pessoas eram… compravam pra fazer… e as costureiras existiam em grande quantidade, porque ninguém comprava roupa pronta, quase, né? Era tudo roupa feita por costureiras. Então, era muito diferente a época do meu pai da minha época. Só que, quando o meu pai faleceu, ele tinha ainda um estoque imenso, imenso. Tanto é que uma vez a… o dono do prédio resolveu fazer uma… uma reforma no telhado e foi um dia que choveu. Eles deixaram o telhado aberto e choveu. E o estoque do meu pai, que era no segundo andar, molhou todo. O segundo andar molhou inteirinho. Nós perdemos muitas e muitas peças desse estoque. Nós tínhamos seguro, na época, mas a... o seguro não cobriu, porque era uma... era… era… foi… foi aberto o telhado, né? Então, não foi um problema de vendaval nem de chuva que descobriu o telhado, o telhado estava descoberto. Então, nem isso a gente conseguiu, né, nem o seguro pagou. Então, foi um prejuízo bem grande. Mas hoje eu não tenho estoque de nada, na verdade. Muito pouco estoque a gente tem. Então, nós trabalhamos com os tecidos que estão na… nas vendas, né? Então, é bem diferente. E a diversidade que o meu pai tinha, de tecidos, não chega nem aos pés do que eu tenho hoje. O meu pai tinha muita coisa, vendia muitos tecidos. Eu, por exemplo: vai o representante lá na loja, né, e ele tem aquela gama de estampas e cores. O meu pai comprava a gama inteira de cores, e da mesma estampa. Então, hoje eu não posso fazer isso. Eu tenho que escolher uma ou duas cores da mesma estampa, né? Porque é impossível você comprar o quanto o meu pai comprava. Então, é bem diferente. Mas, mesmo assim, a gente mantém uma quantidade, uma diversidade muito grande de tecidos. E, e isso nos favorece, né? De certa forma, nos favorece, porque a gente tem uma loja bem… bem diversificada.
P/1- Sim. Ô Selma, e a ...
R- Falei muito?
P/1- Não. Não. É ótimo! Pra gente é ótimo, quando as pessoas têm facilidade de contar, de falar. E propaganda, como você faz?
R- Então, nós temos uma agência...
P/1- É bem diferente…
R- ...de propaganda.
P/1- Desculpa!
R- É... eu… a gente, é… a gente procura, assim, desde que eu assumi, a gente tem uma preocupação assim de estar na mídia, né, de alguma forma. Hoje a propaganda que a gente faz... antes, antes a gente fazia pelo jornal, fazia rádio. Televisão, fizemos muito pouco, mas a gente chegou a fazer. Revistas, né? Algumas revistas: Atenção, aquela Bauru News. Tinha várias revistas... da cidade que a gente fazia propagandas. E... a gente procurava sempre estar na mídia. Comprava a anuidade de espaços no jornal, né? Ultimamente as coisas mudaram um pouco, né? Nossa… nossa visibilidade, hoje, é pelas mídias sociais. Então, a gente procura, hoje, investir um pouco mais na mídia social. Eu não... ainda não tenho, infelizmente, ainda não tenho... eu tenho site, eu tenho Instagram, eu tenho Facebook, mas eu ainda não consigo vender no e-commerce. Eu não… não tenho um trabalho, é... ainda é... bem desenvolvido nessa área de venda on line. Mas é... o nosso objetivo, agora, é desenvolver esse tipo de trabalho porque, se a gente tivesse isso já bem organizadinho, bem formatado, era o momento da gente estar vendendo bem, né, on line.
P/1- Aproveitando...
R- Então, o que a gente faz é vendo por whatsapp. É. A nossa venda é por whatsapp. Mas eu sei que tem algumas empresas que têm uma venda, é... de whatsapp diferenciada. Que é... trabalha com uma coleção toda, dentro do whatsapp. E… eu acho que, antes de partir pro e-commerce, eu, eu pretendo fazer um trabalho, é… um trabalho melhor dentro do whatsapp. Pra ver se eu consigo ter a minha coleção dentro do whatsapp. Porque aí facilitaria muito, pra vender não só dentro da… dentro de Bauru, né, mas vender na região… por um...
P/1- Sim.
R- … por esse, por esse trabalho via… via correio, né? Isso eu não tenho bem desenvolvido. Eu sinto muito, mas é… é uma coisa que eu já devia ter feito e ainda não fiz, não. Eu acho que seria um bom diferencial.
P/1- E, além disso que você está falando agora, quais são os seus planos pro futuro? Pro futuro da loja? O teu futuro?
R- Então, Luis, é… É uma coisa que a gente tem que estar muito… muito é… atenta, né? Com os… as anteninhas, aí, bem ligadas, porque, é... tecido é uma área que, que já está num... tendo um espaço, é… pequeno dentro do… da comercialização de produtos, né? Então, hoje nós temos um público muito específico que compra, é… tecidos. Esse público específico, é que a gente tem que estar, realmente, bem envolvido, porque não é um público pequeno. Mas se a gente conseguir ter esse público próximo a gente, seria muito legal. É que, hoje, ele é aberto, né? Ele, na verdade, se dissipa, em função de todas as possibilidades. Muita gente que hoje é... faz, desenvolve um trabalho de costura, né, ou seja uma costureira, ou uma estilista que cost… que tem a sua coleção, é... o que eles priorizam é a compra de tecidos – é interessante isso, isso é uma coisa que, que eu acho que a gente tem que estar atento - eles priorizam a compra de tecidos fora da cidade.
P/1- Sim.
R- Por quê? É… Porque o tecido num centro maior que é a metrópole, que é São Paulo, é… eles encontram os tecidos com metade do preço que a gente vende. Por quê? Porque eles estão indo diretamente no… no… é... aonde, aonde o comerciante vai, né, que seria, por exemplo, o Brás, onde você pode comprar em grande quantidade, né? Em termos de valores, hoje, o Brás está fazendo o mesmo preço praticamente, para o consumidor que leva dois metros, três metros. O que não acontecia, né? Antigamente, você tinha, você tinha, por exemplo: você comprava em quantidade, você tinha um preço muito melhor, né?. Então, hoje não. Hoje, o empresário que vende… vende por atacado, está fazendo praticamente o mesmo preço pro consumidor final, né? Então, pro empresário que compra dele, ele faz quase o mesmo preço pro público final. Então, é… isso tem sido muito ruim pra nós. Então, um exemplo: tem uma… um tecido de algodão que a gente compra, que é fornecido por um… um grande, uma grande empresa em São Paulo, que eles, eles produzem o tecido, né?
P/1- Sim.
R- É… Na verdade, eles compram o tecido e produzem as estampas. E... São estampas muito conhecidas, e que o público que trabalha com patchwork, que trabalha com decoração, conhece bem. Então, sabe que é… que é um produto importante, é um produto de primeira linha e tudo isso. Só que esse, esse empresário… essa empresa, ela também tem uma loja de varejo na Vinte e Cindo de Março e hoje eu acho que está no Brás e o preço que ela vende pra nós, é o mesmo preço que ela vende pro… pro… né, pro... consumidor final, que vai comprar três metrinhos, vai comprar dois metrinhos. Então, é muito injusto isso para o empresário, né, que lida com o produto final. Você não consegue competir. Então, quem está hoje fazendo a sua coleção, muitas vezes um estilista e tal, aqui da cidade ou da região, ele vai procurar o preço melhor. Porque ele tem que fazer, ele vai ter que confeccionar, ele vai ter que pôr um preço final no seu trabalho. Então, quanto mais barato ele comprar, mais ele consegue fazer um preço melhor, né? Então, isso nos prejudica muito. Então, você não consegue… você não consegue competir com essas empresas que estão numa grande metrópole, né? E com a facilidade hoje de compra, você mand… você liga ou você manda, você faz uma compra on line, você recebe esse material sem precisar, até, ir pra São Paulo, né? E, muitas vezes, até as próprias… as próprias professoras de corte e costura, reúnem a sua equipe e fazem uma excursão pra São Paulo, pra fazer compra lá. Agora, se você pôr no lápis o que você gastou de viagem, né, de alimentação, mais os tecidos que você comprou, se você for fazer as contas, você vai perceber que você ganhou muito pouco, né, porque pra ir pra São Paulo também se gasta bastante. Então, muitas vezes, elas fazem… fazem um grupinho maior, justamente pra poder conter um pouco esses custos. Mas, mesmo assim, eu acho que não compensa muito. Até pelo, pelo perigo que é, né? Você ir pro Brás, hoje, (risos) você… você está correndo tanto o perigo de ser roubada, quanto o perigo de pegar covid, né? Então, eu não sei até que ponto é legal. Mas com relação aos meus desafios, é tentar achar exatamente isso: um meio que eu consiga, é... concorrer com essas grandes… essas grandes empresas fora de Bauru. E que eu possa atender esse público que hoje compra bem, né, que são as pessoas que estão aprendendo a fazer corte e costura, que estão aí desenvolvendo a sua própria coleção, né? Que eu possa atendê-los, de uma forma com... bem adequada e com um preço melhor. Então, hoje, nós... hoje, não, faz algum tempo que a gente tem uma cooperativa. Muitos dos produtos, a gente consegue comprar com preço melhor, porque a negociação é feita com vários empresários. Então, essa cooperativa nos ajuda a ter um preço bem melhor. Graças a Deus, a gente tem essa possibilidade de comprar, por exemplo, algodão por um preço melhor e vender por um preço melhor, né? E produtos de cama, mesa e banho também, a gente já tem a nossa marca, é comprada de grandes… grandes empresas e a gente tem a nossa marca própria. Eu ainda não trabalho legal com cama, mesa e banho, mas é uma… é um objetivo, é voltar a trabalhar, porque o meu pai trabalhava, eu cheguei a trabalhar. Paramos um tempo. Eu tenho algumas coisas de cama, mesa e banho, mas é uma área que eu gostaria muito de voltar. Então, eu tenho que adequar, readequar a minha… a minha empresa e a minha... o meu espaço, pra poder ter uma seção de cama, mesa e banho, que vale a pena, hoje, é... ter na loja. Por quê? Porque eu posso ter produtos diferenciados, com preços muito melhores. A concorrência é grande? É grande. Mas eu acho que, se… se eu tiver preços competitivos, a gente vai ter possibilidade de uma venda bem legal. Então, eu gostaria - esse é um objetivo - readequar a minha empresa pra poder ter, também, essa… essa área de cama, mesa e banho. No momento que o tecido, é... tiver com umas características não muito adequadas pelo momento, pela situação, ou… ou tiver, né, sem é... a gente tem um outro produto que também tem uma boa aceitação. Mas hoje em dia, ainda, eu sinto que o tecido é… ele está num... ele está num crescente. Apesar da gente saber que um público que compra tecido é um público menor, né? É um público mais canalizado, é um público seletivo, que a gente sabe que não é tão grande quanto era antigamente, mas essas pessoas que compram… e… e... e que estão vindo mais em função dessa necessidade de fazer coisas com... por si mesmo. Então, as pessoas hoje estão preocupadas, é... em fazer alguma coisa sua, um produto seu. E muita gente está indo atrás de… de uma… de um curso de corte e costura, de um curso de artesanato...
P/2- Sim.
R- … né, porque querem… querem desenvolver alguma coisa, é... feita por ela mesma. Muita gente se aposentando. Então, as mulheres que se aposentam hoje, elas estão procurando fazer o quê? Falando em terapia, em vez de fazer uma terapia, vão fazer corte e costura, vão fazer artesanato e têm se sentido muito bem, porque tem essa relação de grupo, né, porque normalmente se reúnem…
P/2- Sim.
R- pra… junto com outras mulheres e isso ajuda muito no sentido emocional. Então, é um trabalho assim que eu gostaria também de colocar na loja. Seria um trabalho voltado a artesanato, ter um curso de corte e costura na minha loja, que eu tenho espaço pra isso, né, na parte do mezanino. É… eu fico pensando em várias coisas. Ou isso. Ou mesmo… um… uma… não um ateliê, né, mas, assim, a possibilidade de ter um profissional da área de costura pra estar ali e atender as necessidades de um público específico, né? Então, também é uma coisa que eu penso muito, é no sentido da praticidade. Hoje o profissional precisa de coisas mais fáceis, né? Então, você vai numa loja de tecido, você vai ter que comprar o tecido, levar pra costureira, depois ir lá pra experimentar. Então, se eu puder ter alguma coisa na minha loja, que favoreça essa… essa rápida resolução do problema dele, né, seria bem legal. Só que, em função da complexidade disso, é um processo que eu tenho que fazer bem legal, porque eu não quero fazer pela metade. Então, eu tenho que fazer muito bem pensado, muito bem estruturado, pra não vir a ter problemas. E… e, normalmente, a gente precisa de terceiros, né? Eu não s… eu não faço corte e costura, eu não sei costurar, então eu vou precisar de ter uma pessoa que saiba costurar. E pra essa pessoa eu preciso que, realmente, ela tenha,é... a qualidade que eu preciso. Eu não posso ter qualquer pessoa, né? Então, é complicado desenvolver um trabalho desse, quando você tem… você precisa de outros profissionais, né? Então, não é muito fácil, não.
P/1- Selma você...
R- Mas é isso, são os objetivos que eu tenho.
P/1- Sim. E... pelo o que vo… tudo o que você falou na entrevista, dá pra ver que você não só aprendeu o ramo do comércio, como entende do que você está falando, tal, é bem focada nisso aí, bem informada. Mas fora o trabalho, o que você gosta de fazer, assim? Gosta de passear?
R- Então, é… É. A gente tem uma... Eu tenho, eu tenho algumas atividades aí fora do trabalho. A gente participa de um clube de serviço. Que… é pra… Você não consegue fazer nada muito sozinho, né? É sempre bom ter mais pessoas e mais mãos pra ajudar. E a gente está num... na maior, é organização não-governamental do mundo, que é o Lions. E a gente assume cargos, é... dentre dele. O meu marido já foi governador. E a gente já desenvolveu trabalhos pelo, pelo distrito todo, já fizemos muita coisa aí dentro da… do Lions. E isso nos ajuda muito a sentir o quanto as pessoas precisam e o quanto a gente pode ajudá-los. É… E essa ajuda, ela é muito mais gratificante, quando você sabe que é uma ajuda significativa, né, em termos de montante, em termos de trabalho. Então, o Lions nos propicia isso. Um grupo de serviço, seja ele o Lions, o Rotary ou maçonaria, nos ajuda a isso. Porque é muita… é um trabalho internacional, então, a gente recebe subsídios de fora. É… Há situações, assim, que a gente não consegue resolver sozinhos. A gente tem um trabalho hoje no Hospital Estadual, maravilhoso, que está vindo pra cá, que é… que é um trabalho voltado a diabetes, né, dentro da área aí do diabetes. Então, a gente conseguiu alguns aparelhos pra desenvolver um trabalho de retinopatia e… e evitar que as pessoas entrem numa cegueira em função da diabetes, né? Então, a gente tem, tem essa possibilidade. E isso só foi possível - porque é um investimento extremamente alto - e só é possível quando a gente pode contar com ajuda dos... internacional. Então, esse subsídio veio através de um… de um projeto feito pelo… pelos Lions de Bauru. E a gente conseguiu isso, é um trabalho maravilhoso. E muitos outros trabalhos que a gente vem desenvolvendo aí. Eu também tenho um grupo que chama Grupo Dedinho de Prosa, que a gente montou desde o ano passado. Uns amigos resolveram desenvolver um trabalho pra ajudar idosos, a terceira idade. Então, (risos) a gente está numa outra área aí, tentando desbravar essa área da terceira idade. E… e esse Dedinho de Prosa é um trabalho, um projeto onde a gente reúne com… é, nos bairros. A gente conta com a ajuda de… de algumas… alguns profissionais e algumas entidades do município, pra conseguir montar esses grupos de idosos nos bairros periféricos. E aí a gente vai dar um, um dedinho de prosa com eles, né? A gente faz um trabalho onde vamos tratar de temas que são de, de fundamental importância pra eles. É… A gente vai falar sobre depressão, a gente vai falar sobre alimentação. E a gente leva profissionais pra, pra falar com eles, pra desenvolver um trabalho. A gente faz um trabalho, agora na pandemia, que a gente não pode fazer o presencial, a gente está fazendo um trabalho de contato com profissionais, sejam médicos, fisioterapeutas, nutricionistas, é... e a gente faz esse trabalho. A gente tem um… um canal no Facebook, um site no Facebook e no Instagram e a gente coloca essas entrevistas, para as… para os prof… para as pessoas da terceira idade. E é um negócio muito recente, mas a gente está vendo assim, um movimento bem legal, muita gente interessada, estamos com vários profissionais da área da psicologia, pra poder ajudá-los. E… então, é bem gratificante isso. Fora isso, a gente tinha um trabalho bem legal também, dentro da nossa, da nossa igreja, que é… igreja... a nossa igreja é… é católica. E… a minha religião é católica. Então, eu e o meu marido fizemos encontro de casais. A gente trabalhou muito dentro da, da igreja. Ultimamente a gente não tem feito trabalhos, mas muito envolvidos com… com a comunidade. É isso, eu acho que agora é uma fase diferente, né, Luis e Daiana, porque a gente tem, é... já somos avós, então a gente tem os netos. Eu já tô com… estamos com quatro netos, já. E... tenho um garoto de dezesseis anos, já, um filhotinho, um netinho de dezesseis anos. Tenho mais duas de três e uma de... vai fazer nove meses. Então, estamos envolvidos com netos, né? É uma outra fase. (risos)
P/2- Profissão avós.
R- Mas é… É, somos… somos… somos vovós. Então, final de semana, a gente está bastante envolvido com eles. E o Lions também nos ocupa bastante, porque tem bastante reuniões, né? Agora não muito presencial, muito mais virtual, mas a gente tem bastante coisa. E eu, esse ano eu estou assumindo um cargo de presidente de divisão, então eu tenho que ficar, realmente, envolvida com seis, sete clubes aqui de Bauru. E tem bastante trabalho. (risos) Temos aí bastante coisa pra fazer.
P/2- Eu queria fazer um adendo.
R- Ahn?
P/2- Que você comentou, né, Selma? Eu queria fazer um adendo. Você comentou que você é virginiana.
R- Ahn?
P/2- Aí você está contando a história e todas as suas organizações, eu falei: “Não tinha outro signo pra ela, mesmo”. (risos) Faz todo o sentido. Eu também sou bem ligada. Eu sou de aquário, né?
R- A, é? Você é aquariana?
P/2- Mas você é muito o seu signo. Pra dar conta de tudo...
R- Nossa, tem que dar conta…
P/2- … tem que ser uma pessoa centrada.
R- É, eu...
P/2- Nossa, eu estou admirada, assim….
R- Não é fácil, não. E agora a gente tev... eu perdi a minha funcionária aqui de casa, que já estava comigo há dez anos, quase dez anos. Aí as minhas fases de dez anos, está vendo? Estou perdendo minha funcionária de quase dez anos e eu estou com a casa assim, sem… só com uma faxineira e eu tenho que dar conta da casa também, né? Agora tem mais essa, (risos) mais a casa pra cuidar. Mas a gente dá conta. Mulher tem vários papéis mesmo, né, Daiana? Não tem jeito. A gente tem que dar conta de tudo.
P/2- Tem que se virar em dez.
R- É.
P/2- Obrigada!
R- É o lado empresária, o lado avó, o lado esposa, o lado mãe e… o lado de voluntária, né? Mas a gente vai...
P/2- Filantrópica.
R- … a gente consegue. Isso que é bom, né? A gente consegue.
P/2- Sim.
R- É gratificante. Tudo é bom. Tudo é legal.
P/1- Selma...
R- Pois não, Luis.
P/1- Eu gostaria de agradecer muito...
R- Obrigada, Luis.
P/1- É… Se você quiser falar mais alguma coisa que a gente não tocou no assunto, pode se sentir à vontade de falar, mas foi excelente a entrevista. Você sabe contar a história sua mesmo, de um jeito legal, assim….
R- Ai, obrigada.
P/1- E...
R- Eu acho que tem gente que gosta, que gosta de fazer história. Mas eu não tenho muita facilidade pra contar história….
P/1- Não…
R- … Mas, se eu pude atender às suas expectativas, está bom.
P/1- Foi perfeito!
R- Eu só gostaria de dizer o seguinte: é... eu tenho… eu tenho funcionários dentro da minha empresa, que são funcionários muito antigos. Então, a gente sempre prezou em ter funcionários que, realmente, formassem uma família. Então, eu tenho funcionários de trinta e poucos anos, de vinte e poucos anos. Eu tenho uma estilista que trabalha comigo desde os dezessete anos, hoje ela tem quarenta e poucos anos, né? Eu tenho a minha… a caixa, a Marisa, que também está com a gente há mais de trinta anos. A minha Financeira que está há mais de trinta anos. Eu tenho um funcionário com quase vinte anos. Todos eles de muito tempo de casa, né? É… Se é saudável ou não, eu não sei. Só sei que a gente forma, realmente, uma família. E isso me deixa muito… muito tranquila. É… é claro que as pessoas vão carregando, clara... um pouco de vícios e tudo isso. Às vezes, é muito saudável você... fazer trocas e treinar outras pessoas e tudo isso. É… Porém, a gente preza em ter pessoas, assim, que nos... fazem umas trocas, que é... nos deixa, assim, com o coração apertado, quando a gente tem que… que desligar alguém, né? Eu... Esse ano… o ano passado eu tive que desligar um funcionário, da... de toda a equipe, realmente porque a gente estava com uma equipe muito inchada, em função da… da centralização, né? Mas, é... dói bastante. A gente não tem essa facilidade de turn over, de troca. E não existe turn over, porque eu acho que as pessoas gostam (risos) de ficar na loja. Porque, é… eu não… não temos, realmente, essa… essa… esses desligamentos. Então, nos… nos acomoda um pouco. Mas também nos facilita, porque são funcionários de, de alta segurança, né, altamente seguros. A gente se sente segura com eles. É… E nos deixa, assim, mais tranquilos pra poder estar aqui com vocês, fazendo uma entrevista fora da loja, né, e sem… sem pensar que isso poderia estar tendo problemas, em função de eu estar fora. Então, me deixa mais tranquila, até pra assumir outros compromissos, né? Senão eu não poderia. Mas eu acho que é isso, Luis Paulo. Eu não sei se eu teria mais alguma coisa. Não. Acho que não. (risos) Provavelmente é isso.
P/1- Foi ótimo. Eu queria agradecer muito em nome do Sesc e do Museu da Pessoa, a sua participação. Foi muito legal. A história de oitenta e tantos anos, né? Uma coisa muito legal, a história da A Tropical.
R- Obrigada.
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