Projeto Mestres do Brasil – Suas memórias, saberes e histórias
Depoimento de Aidê Martins
Entrevistada por Winny Choe e Inês Gouvea
Rio de Janeiro, 19/09/2008
Realização: Museu da Pessoa
Depoimento OFMB_HV013
Transcrito por Denise Yonamine
Revisado por Luiz Carlos Francisco Junior e Genivaldo Cavalcanti Filho
P/1 – Aidê, pra gente começar, queria que você falasse o seu nome completo, o local e a data de nascimento.
R – Meu nome é Aidê Martins, nasci em dois de abril de 1961 no município de Japeri. Sempre morei, nasci e vivi... Tudo meu é em Japeri.
P/1 – E qual é o nome dos seus pais?
R – Meu pai é Sebastião Miguel Martins. Minha mãe, Judith Ferreira Martins.
P/1 – E você tem irmãos?
R – Tenho. Éramos quatorze, atualmente somos oito.
P/1 – E você, nesses quatorze, você é a mais nova, do meio?
R – Não, nossa! Abaixo de mim tem quatro. Acima tem mais três, quer dizer, eu estou na quinta posição. (risos)
P/1 – Aidê, me conte o que os seus pais faziam quando você era pequena.
R – O meu pai sempre trabalhou em obra, [como] pedreiro. Depois ele começou a trabalhar no SESC da Tijuca - ele sempre falava que era o fundador do SESC da Tijuca -, passou a acho que ser mestre de obra e foi criando a gente dessa maneira.
A minha mãe era do lar. Como o meu irmão mais novo, que [já] faleceu, tinha um ano, ela o deixou com os irmãos e foi trabalhar. Trabalhou numa casa durante trinta anos, no Leme, e depois se aposentou, está aposentada. Meu pai faleceu tem dois anos, graças a Deus deixou uma aposentadoria pra ela. Aí não dá pra estar mal porque ela tem aposentadoria dela mais a pensão do meu pai.
A minha irmã mais nova tem 38 anos. Trabalha no Estado, é secretária de escola do Estado. Todos foram criados assim, não passando fome, mas com certa dificuldade. [Se] comprar sapato pra um, o outro tem que esperar. As roupas na minha casa só no final do ano; onde você tivesse que ir, toda festa era aquela roupinha. Hoje a gente senta assim e ri sobre isso. E a minha irmã fala assim: “Você lembra a primeira calça comprida que nós ganhamos?” Eu falo pra ela: “É claro que eu lembro. Nunca mais eu quero usar isso.” (risos) Era um conjuntinho, o meu era azul marinho com bolinha branca, o dela era vinho com bolinha branca, então era muito engraçado. ”Vamos pra festa na casa da tia!” Todo mundo vestia aquela roupinha, ai, [que] coisa horrível, nossa senhora! (risos)
P/1 – Com tantos irmãos assim vocês brincavam muito juntos?
R – Brincava e brigava muito porque a minha mãe não estava em casa, meu pai também não. Ao mesmo tempo em que estava brincando, a gente brigava, mas sempre fomos muito unidos, até hoje. Até hoje os oito, do que sobrou, dois meninos e seis meninas. Um briga pelo outro, um ajuda o outro, até hoje.
P/1 – E como era a sua casa quando você era pequena?
R – Ah, a minha casa era muito feia. (risos) Era de telha, um quarto das meninas e um para os meninos. E uma cama de casal pra cinco meninas, porque eu tenho a minha irmã mais velha muito individualista, então ela tinha a cama dela e o armário dela. Nesse quarto tinha dois armários: um pequenininho pra minha irmã mais velha, uma cama pequena pra minha irmã mais velha e o resto era aquela bagunça. Aí um mijava, empurrava o outro para o lugar do mijo. Sinceramente... (risos)
P/1 – E como era se seu pai ia trabalhar, sua mãe ia trabalhar? Quem cuidava de vocês ou fazia a comida?
R – Era a minha irmã abaixo da mais velha. Todos na minha casa começaram a trabalhar muito cedo, então quando as minhas três irmãs mais velhas foram trabalhar quem ficou com a responsabilidade da casa? Evidentemente era eu e a minha irmã abaixo de mim, que está com 45 anos, só que eu, inicialmente, [era] muito irresponsável. Tinha os pequenininhos, olhava assim e [pensava]: “Eu vou ficar cuidando de criança, nada”! Ia pra rua e a responsabilidade ficava com essa minha irmã. Quando chegava a noite, a chamada ‘merendosa’ comia, mas eu não ligava, não.
Minha mãe dizia que era necessário ir trabalhar para poder sustentar, ajudar o meu pai nas despesas, então ela chegava em casa à noite e queria tudo muito limpo. Ela dizia: “Somos pobres, mas a limpeza não quer dizer que é pobreza”, então tinha aquele chãozinho branco. “Opa, está sujo”? Você, que ia limpar, não limpou. Tinha que lavar à noite. Ela chegava às oito, nove horas da noite - [a gente] podia estar dormindo, [ela] fazia levantar pra lavar aquele chão, lavar tudo, então tinha que estar tudo muito limpo. Era bom, a gente brincava muito, de entrar no pneu e um sair rodando o outro, muito de pique, pique-esconde, pique-bandeira, essas coisas todas.
P/1 – Vocês brincavam onde? Na rua?
R – Ah, a gente brincava de... Não podia sair dali, o espaço era aquele, na rua de frente em casa. Escureceu, banho e pra casa; não tinha televisão na época, então a gente fazia as nossas brincadeiras, que eles chamam hoje de adedanha. Brincadeira era esconder embaixo da cama, essas brincadeirazinhas de criança.
P/1 – E tinha muitos vizinhos? Como era essa rua?
R – Tinha, que a gente chama assim até hoje [de] primos. “Essa é a minha prima”, mas não era. Fomos todos criados juntos e os pais deles da mesma maneira, muito rígidos, então a gente brincava e brigava também, mas [era] muito bom. Hoje todos casados, todos bem.
P/1 – E a sua família, seus avós? São de Japeri também?
R – Não. Em parte do meu pai são de Minas, a família do meu pai toda é de Minas, cada lugarzinho assim: Juiz de Fora, Leopoldina, São João Nepomuceno. Cada um de um lugarzinho. Da minha mãe [são] de Mesquita. Da minha mãe [só] ultimamente a gente tem contato, porque a minha mãe tem uma irmã e depois de adultos que viemos ter contato. Do meu pai é constante, sempre que ele guardava um dinheirinho íamos pra Minas.
Eu só vim conhecer minha avó com doze anos. Minha avó era linda, tinha cabelo na cintura, lisinho. Eu me lembro, aos doze anos, ela sentada num cantinho. “Essa é minha neta?” E quem me deu esse nome foi a minha avó. Quando eu tinha quatorze anos minha avó faleceu - quer dizer, eu só vi a minha avó por parte de pai uma vez e é uma imagem que eu não esqueço até hoje.
P/1 – Conte um pouquinho mais sobre esse encontro com a sua avó?
R – Eu tinha doze anos. Eu me lembro que quando nós chegamos em Minas era numa fazenda, uma casinha de barro. Deveria ser agregada da fazenda. [Havia] muitos primos, minhas tias, e ela falou pro meu pai assim: “É essa que é a minha neta que eu dei nome?” E me batizou também. E o meu pai falou: “É.” Aí fiquei ali. Olhei, falei: “Nossa, ela é tão bonita.” Tipo uma índia, cabelo grandão, já bem grisalho. Ela sentava no chamado banquinho, que era um tronco, antigamente tinha muito isso. Eu gostaria de ter mais contato e quando ela faleceu meu pai me levou, mas quando nós chegamos lá em Minas já haviam enterrado ela.
P/2 – Você sabe por que o nome Aidê?
R – Meu pai contava o seguinte: a bisavó dele, que ele chamava de ‘laçada por índio’, queria ter uma filha e colocar o nome de Aidê. Na época a mulher não tinha o direito de nada, quem decidia era o homem, tanto que o meu nome é Aidê Martins ao invés de Aidê Ferreira Martins. Eu não tenho o nome da minha mãe, o sobrenome. Então é aquele pedido de: “Poxa, podia colocar nome de Aidê”, mas mulher não tem o direito.
A minha avó, depois do meu pai ter tantos filhos, podia ter colocado o nome na minha irmã mais velha, então a minha avó pediu pra ele. [Ela] o chamava de Tonzinho. “Tonzinho, a sua esposa está grávida. Se for menina...” A gente não tinha a chamada ultrassonografia... “Se for menina você coloca o nome de Aidê?” A minha mãe não queria não, mas ele disse assim “Não, é o último filho que nós vamos ter”, aí colocou o nome de Aidê. Só que veio tanto depois, veio mais duas meninas depois, por isso tenho o nome de Aidê, que é difícil achar.
P/1 – E lá em Japeri, na sua infância, o que mais que você fazia com os seus irmãos? Vocês brincavam, brigavam?
R – Ah, íamos pra escola, era muito interessante. Eu, uma irmã mais velha do que eu, meu irmão. Essa minha irmã estudava de manhã, de sete às onze. Eu pegava das onze às três da tarde.
Eu era meio relaxada, sempre perdia a minha [meia] e nessa escola não entrava de jeito nenhum, [tinha que estar] impecável o uniforme. O que nós fazíamos? Eu esperava a minha irmã sair e pedia a meia dela. (risos) No meio do caminho sentava no campinho, ela tirava a meia e me dava. Eu calçava pra poder entrar na escola. Quando saía da escola tinha um morro. Ai, que delícia! A gente corria aquele morro todinho, uma delícia, muito bom.
P/1 – Como era o uniforme?
R – O uniforme era saia de prega, uma blusa de abotoar com bolsinho e uma fita, fazia aquele lacinho aqui, sapato preto e meia preta. De vez em quando a gente trocava as blusas também; a minha estava suja e pedia pra minha irmã. “A minha blusa tá suja, me empresta a sua?” Ia numa casa qualquer que a gente sempre... [Era um] lugar pequeno, todo mundo se conhecia. Ia lá, trocava as blusas pra poder entrar na escola.
P/1 – E como era essa escola? É aquela da foto?
R – Não, eu me formei nessa escola, mas fiz de quinta a oitava em escola particular. Depois retornei pra essa escola que passou a ter o ensino médio, retornei pra lá e fiz formação de professores. Essa escola era muito boa, chamada João Santos Souto. Tinha a diretora, Dona Luci. Era invocada, mas uma pessoa muito boa com a comunidade, então era legal a escola, eu gostava muito.
P/1 – Mas ela era grande, pequena?
R – Até hoje ela aumentou pouca coisa. (risos) Aquela escola assim, tipo “zinho”, de um lado aquele “zinho”, do outro um “zinho”, um patiozinho. Tinha bastante aluno, todos nós na minha casa estudamos lá, foi boa a escola.
P/1 – Tinha merenda?
R – Tinha, isso não faltava! Imagina na época do Presidente Geisel? Tremenda ditadura militar, as escolas funcionavam de verdade.
P/1 – E o que você gostava dessa escola quando começou a ir, você lembra?
R – Eu era muito tímida em escola, até hoje tenho aquela timidez. Eu associava bem o conteúdo passado na escola, mas sentava na última carteira e ali ficava.
O que eu me lembro de infância foi quando eu aprendi a fazer conta de subtrair. A minha professora, Dona Diva, lá na terceira série reservou um pedacinho no quadro, colocou a conta ali e falou pra mim: “Só vai sair daí quando acertar!” Como eu ia acertar se eu não sabia? Então a gente vai jogando, bota dois, ela passava assim com a mão, então não é; bota cinco, então não é. Eu me lembro que a aula todinha eu fiquei naquele cantinho do quadro, querendo pedir pra ela: “Me ensina, eu não sei”, mas... Até que eu joguei um número e acertei, aí ela [disse]: “Agora sim, agora senta.” Aquilo pra mim foi terrível. Cheguei em casa, pedi pra minha irmã assim: “Me ensina a fazer conta, por favor?” E a minha irmã me ensinou, aí aprendi.
A minha questão na escola [é] que hoje tento tirar isso do meu aluno. Ele está lá atrás, quietinho; é ele que vou buscar, que eu quero, porque me lembra o meu passado, que as pessoas, por eu estar lá, não davam atenção. Graças a Deus, eu associava as coisas. Todo ano eu passava, só repeti na época da chamada primeira série A e fiquei de recuperação no primeiro ano. Fui para terceira prova, mas sempre fui embora, passei. Por isso eu dou muita atenção aos meus alunos hoje, muito.
Como estava falando, que era muito quieta na escola, muito caladinha, comiam a minha merenda, porque a gente levava a merenda. Na nossa casa tinha pé de frutas, laranja, abacate, então a gente levava num saquinho de açúcar a laranja descascada, colocava embaixo da carteira a merenda. Tinha uma menina do meu lado que comia a minha merenda. Eu só fazia chorar, falava com a professora: “Ela comeu a minha merenda!” “Porque você não guardou direito!” Depois de vinte e poucos anos eu venho descobrir que não era aquela menina que sentava do meu lado que comia a minha merenda, era outra. (risos) Somos amigas até hoje e ela conta assim: “Aidê, tu lembra que eu comia a sua merenda?” “Não, era a Adélia!” “Não, era eu!” (risos) “Quando você ia ao banheiro eu ia lá embaixo na tua carteira, pegava a sua merenda e comia!” (risos) E eu não brigava com a do lado porque ela era forte. Eu tinha medo, ela iria me bater, então eu não brigava; só falava com a professora, não dava atenção, tudo bem. Depois venho descobrir que era a Adeilde que comia a minha merenda e não a Adélia.
Então foi se passando. Na quarta série, eu adorava a professora, Madalena. [Me perguntam:] “Você lembra de todos os seus professores?” Lembro! De todos. Professora Madalena, brincava mais, então eu fui me saindo um pouquinho melhor.
Quando chegou na chamada quinta série veio uma mudança radical na nossa vida: você deixa de ter um professor pra ter cinco, seis. É uma fase também muito difícil, mas mesmo assim eu calada, lá no meu cantinho.
Vim mudar um pouquinho essa coisa na minha vida escolar quando eu já estava no segundo ano do Ensino Médio. Minha turma era de 25 alunos, eram quatro meninos e 21 meninas comigo. Esses quatro meninos eram terríveis e um dia resolveram me colocar no grupo de trabalho deles. Eu falava assim: “Olha, eu pago todo o material e vocês apresentam.” E eles não aceitaram: “Não, não senhora! Você vai apresentar o trabalho também!” Como que eu ia lá na frente falar alguma coisa? Nossa senhora! Era a morte pra mim. Eles me incentivaram tanto que fui. E só pra me sacanear me deram um tema: gonorreia. Pra quem não fala, quem tem medo de ir lá na frente... “Ah não, eu não quero esse tema” “Não, é esse tema que você vai pegar!” Tive que estudar tudo sobre gonorreia. Eles me incentivaram muito, a gente ia pra casa de um deles, ficávamos lá... “Agora ensaia! Faz de conta que não tem ninguém na sala! Vamos lá!” Eu consegui, então a partir daí eu fui me soltando mais.
P/1 – Aidê, voltando um pouquinho antes, você falou que aprendeu com a sua irmã a subtrair. Acredito que você deve ter aprendido um monte de coisa na sua casa, com os seus irmãos, com a sua família. Você lembra de outras coisas?
R – Olha, tem uma coisa muito triste. Quando a minha mãe foi... A minha irmã mais velha, além de egoísta, autoritária, achava que podia mandar em todo mundo - achava não, ela mandava. Mandar, bater, aquelas coisas todas.
Minha mãe foi para o hospital - [foi] o único filho que ela ganhou no hospital, o resto tudo em casa. (risos) Minha mãe foi para o hospital e na minha casa tinha um poço, só que esse poço não tinha manilhamento na beirada, tinha tábua em cima e a minha irmã resolveu bater nos seis. Aí não prestou, sabe o que aconteceu?
Graças a Deus, nós sempre fomos muito obedientes com as pessoas mais velhas. Começamos a brigar dentro de casa, viemos para o quintal e acabamos subindo em cima daquelas tábuas naquela briga. Por sorte, a vizinha do lado chega na cerca, briga com a gente e acaba a briga. Anos depois, a gente para e pensa: olha que tragédia ia acontecer! Seis dentro de um poço, se as tábuas quebram. É a coisa da minha infância que eu não esqueço.
P/1 – E você falou que a sua mãe teve os filhos quase todos em casa...
R – Todos, só um no hospital. Só o mais novo, inclusive ele já faleceu.
P/1 – E você viu alguma vez?
R – Não, só da minha irmã. Não vi não porque se colocava cortina e criança não podia ficar perto, mas eu, muito curiosa, tentava... Foi a minha irmã, a mais nova, que a minha mãe sofreu muito pra tê-la. A minha mãe levou uns quatro dias gritando dentro daquele quarto e eu não sabia o que era; sabia que ela gritava e que as vizinhas entravam com panela de água quente e pano, essas coisas.
P/1 – As vizinhas então ajudavam?
R – Muito, era tudo comadre.
P/1 – E depois que você começou a estudar, seus irmãos todos estudavam lá também?
R – Estudavam, todos nós estudamos na mesma escola.
P/1 – E pra ir até a escola qual era o caminho? Vocês iam a pé?
R – A pé.
P/1 – Era longe?
R – Andava um quilômetro, mais ou menos, a pé, mas era delicioso. De vez em quando a gente saía… Entrava às onze horas, chegava na escola às onze e meia. Tinha a Dona Julinha, uma vizinha, ela passou a ir atrás da gente com uma vara. “Comadre, se eu pegar na rua fora da escola vou bater no meu e nos seus!” (risos) Mas a gente chegava direitinho.
P/1 – E você lembra se tinha algum sonho de criança?
R – Tinha, não sei por que queria ser secretária, de que eu não sei. “Quando eu crescer eu vou ser secretária, vou ganhar muito dinheiro, vou morar num apartamento!” Eu nunca tinha vindo à cidade, mas dizia que ia morar em apartamento. “Vou morar num apartamento e sozinha!” Essa era a minha vontade.
P/1 – Essa sua casa em Japeri, que você passou a infância. Você ainda mora por perto?
R – Na mesma casa, só que hoje é outra casa. Eu tinha até uma foto que mostra um pedacinho da casa antiga. Hoje é... Meu pai, depois que se aposentou, colocou laje, nós começamos todos a trabalhar, a ajudar. Hoje ela é diferente, mas é o mesmo espaço.
P/1 – E quando você foi crescendo, ficando mais pré-adolescente, adolescente, como era? O que você fazia lá em Japeri?
R – Eu trabalhava. Comecei a trabalhar [quando] tinha quatorze anos; [trabalho] até agora, [aos] 47. Só fiquei dois anos na minha vida sem trabalhar. Porque é aquela história, a gente vai ficando mocinha e quer vestir diferente, fazer diferente. Com quatorze anos estava na sétima série; minhas irmãs mais velhas já trabalhavam em casa de família e só vinham em final de semana. Elas chegavam muito vestidas, com liberdade de [dizer] “mãe, eu vou em tal lugar” e eu tinha que pedir: “Posso ir?” Então eu achava: “Vou parar de estudar e vou trabalhar também”, pra fazer a mesma coisa.
Parei de estudar e fui realmente trabalhar; vim aqui em Copacabana, depois trabalhei em Laranjeira, fui trabalhando. “Aqui não tá bom, vou embora, vou pra outra.” Assim foi. Quando chegou em 1980 resolvi estudar novamente. Minha mãe ajudou a pagar a escola particular que eu fiz de quinta a oitava, fiz até o primeiro ano na escola particular, depois parei de trabalhar novamente. Já estava morando com alguém, fiquei grávida, perdi, parei de estudar. Em 1984 retornei a estudar, fiz formação de professores, depois parei novamente e fiquei dando aula pela manhã e descia à tarde pra fazer faxina ali no Leme. Chegava às duas horas da tarde, saía às nove horas da noite. Em 1996 resolvi fazer faculdade, quer dizer, foi fazendo faxina também. Já dava aula duas vezes na semana, onde trabalhei com Geografia; os outros três dias eu vinha pra cidade fazer faxina pra pagar a minha faculdade. Não foi nada fácil.
P/1 – Voltando um pouquinho nos seus primeiros trabalhos. Você estava trabalhando com faxina também?
R – Inicialmente trabalhei de babá, de faxina, de diarista. O negócio era trabalhar, ter o meu dinheiro. Dando pra estudar eu estava indo, sempre procurando um conhecimento melhor. Diferente da minha irmã mais nova, que sempre teve tudo. Só ela, aí minha mãe já pode dar tudo. Essa nunca trabalhou não, sempre foi ‘mauricinha’.
P/1 – Aidê, quando você começou a receber seus primeiros salários conseguiu conversar com a sua mãe, conseguiu a sua liberdade que queria?
R – Eu consegui porque comprava as roupas e sapatos que queria, como queria, mas também dava um dinheiro pra minha mãe pra ajudar, afinal de contas ainda tinha alguns menores aqui.
P/1 – E nessa idade, as festas, as paqueras?
R – Ah, nunca fui muito de paquerar, mas muito de farra, inclusive de dar volta na minha mãe. Quando eu dormia no serviço falava pra minha mãe que tinha que sair do serviço sábado de manhã, aí eu só aparecia em casa no domingo de manhã. Eu vinha, rodava a cidade. “Ah, esse ônibus vai pra onde?” “Ah, vou pra ver até onde é.” E ia. Quando chegava em Japeri, lá pelas oito horas da noite, o que eu fazia? Muito boba, achava que estava me escondendo da minha mãe. Ficava na praça, rodava pra lá, rodava pra cá.
Tinha um baile, um clube chamado Juventude. Ia pro Juventude, começava às nove horas da noite, terminava às quatro da manhã. Ficava lá, dançava a noite inteira; só não era de beber, mas dançava a noite inteira. O baile terminava às quatro da manhã, eu voltava, sentava na praça até seis e meia da manhã pra depois pegar o ônibus e ir pra casa. Chegava em casa e dizia pra minha mãe assim: “Saí do serviço eram seis horas da manhã.” Cansada, com sono, mas me divertia. (risos)
P/1 – Qual era a música do baile?
R – Ah, era Dangers Boys… Como é? Os Beatles, essas músicas assim.
P/1 – Com o passar do tempo você foi trabalhando, indo pra festas, comprando a sua roupinha. O que lhe fez pensar a voltar a estudar? Como foi que isso surgiu?
R – Eu chamo de humilhação na casa da madame. Você está, num sábado, doida pra ir embora pra casa. Passou a semana inteira ali, parece um cativeiro, sem hora pra dormir, pra acordar. Você está correndo porque é sábado e quer ir embora pra sua casa, pro seu lazer, seus amigos. Começa fazendo comida e lavando uma louça; tem alguém deitado num sofá, à toa e diz assim: “Aidê, vai lá comprar um cigarro pra mim?” Pô, eu nunca gostei de usar o uniforme na rua. Vai lá, tira aquele uniforme, bota uma roupa, desce, compra um cigarro. Quando você volta, bota o uniforme de novo. “Ah, eu esqueci. Vai na farmácia pra mim?” Eu pensava: “Vou estudar pra acabar com essa vida, ainda vou estudar pra isso.”
E o que mais me fez querer sair disso: trabalhei numa casa em que só se lavava roupa à noite, e meu quarto... Era o varal de roupa, o meu quarto era aqui [ao lado] e dormia num colchonete. Não tinha máquina de lavar, você lava, pendura, escorre água e eu pegava toda aquela friagem. Falava: “Ai, pelo amor de Deus! Minha mãe já vive uma vida de doméstica, vou viver o resto da minha vida?” Então, não.
Na minha casa as mulheres sempre fizeram muito pra mudar, não ser o que minha mãe foi. Não que seja uma profissão que não seja digna, mas se você pode ser diferente da sua mãe... As minhas irmãs sempre foram assim. Minha irmã mais nova sempre teve a mordomia: estudou, fez Letras, é secretária do Estado numa escola; a outra é cabeleireira, tem um salão dela mesmo, as outras duas [são] manicures, mas a religião influencia muito a cabeça delas. Casaram, a mais velha está até no segundo casamento, mas é protestante e tudo é a igreja, aí é difícil.
P/1 – Aidê, me conta como foi repensar a voltar a estudar. Seus pais lhe incentivavam?
R – A minha mãe me incentivava muito. O meu pai sempre me dizia que mulher não precisava estudar, que mulher nasceu pra colocar o umbigo na ponta do fogão e servir o marido. Já minha mãe não pensava assim. Sempre que ela pôde ajudar, ajudou, sempre.
P/1 – Mas ele não, seu pai não incentivava, mas ele também...?
R – Também não atrapalhava, não. Era um bom pai, nunca bateu nos filhos, nunca foi de falar... “Papai, posso ir ao baile?” “Fala com a sua mãe.” “Mãe, posso ir?” “Isso é com o seu pai!” “Papai, a mãe falou que é com o senhor!” “Ué, se a sua mãe deixar, pode ir!” (risos)
Ele sempre foi assim, muito neutro. E quem dava, realmente, a educação era a minha mãe. Ele dava a comida, a educação era ela. Então todos sempre fomos muito puxados para o meu pai - ele que era o bonzinho, ele não batia. E meu pai ficou doente, teve AVC, ficou quatro anos em cima de uma cama. Pra mim foi muito difícil.
P/1 – Mas como foi resolver fazer a formação de professores? Você colocou isso na cabeça, largou o trabalho? Como foi o processo?
R – Foi muito interessante porque eu retornei... Minha irmã: “Volta a estudar sim.” Aquele incentivo, a minha mãe. [Eu dizia:] “Ah, mas eu quero trabalhar!” E só tinha pela manhã. Como é que eu ia trabalhar e estudar, fazer formação de professor? Não era a formação de professores, era retornar a estudar, não importava. Parecia até que não tinha objetivo fechado, o objetivo era eu ir estudar. Então quando fui lá, fiz a minha matrícula. “Vou repetir o primeiro ano, porque já tem tempo que eu não estudo”.
Quando levei o documento disseram: “Não, você tem que pegar o segundo ano.” “Não, quero pegar o primeiro!” Aí fez aquela fila, todos os alunos no início do ano: quem quer fazer formação geral fica de um lado, quem quer fazer [Escola] Normal fica pro outro. Fiquei olhando onde ia a minha prima e duas amigas minhas e elas passaram pra onde ia fazer Normal. Olhei e falei: “Não vou ficar sozinha, vou pra cá também!” Fui pra aquele lado do pessoal do Normal e elas me ajudaram muito. Eram novas, estavam com dezesseis anos. Eu já com vinte e alguma coisa, então elas me incentivaram, me ajudaram muito, aí foi indo.
Assim foi a minha escolha em ser professora. Esqueci que queria ser secretária, em ser professora primeiro. Passei logo pro segundo ano, fui fazer estágio. Falei: “Poxa, tem que fazer estágio, mas olha a timidez ainda!” Pedi pra minha irmã mais nova, já casada com dois filhos: “Vai lá naquela escola do Marajoara e pergunta se eu posso fazer estágio lá.” “A Celita falou que você pode fazer estágio lá, tem problema não!” “Então está bom!”
Parei de trabalhar. Estudar de manhã e fazer estágio à tarde. Fui pra essa escola fazer estágio, onde eu fiquei nove anos. Fui como estagiária, achei a secretária e [disse]: “A minha irmã falou já com a diretora se eu posso...” “Minha filha, olha só, tem aquela turma ali, toma esse papel aqui, vai lá pra sala.”
Que espanto! Aquele bando de criança, eu faço o quê, e agora? Voltei e falei pra ela: “Eu nunca dei aula, não!” “Fica lá na sala com eles, depois a gente resolve. Quando a Celita chegar a gente vê...” Passou o primeiro dia, o segundo, já no final da tarde chega a diretora: “Você é a estagiária?” “Eu sou.” “Então você vai pra sala do pré-escolar ficar com a professora.”
A professora do pré é louca, maluquinha como ela só, até hoje ainda é, a Verinha. Fiquei lá e a Vera: “Porque a gente não faz nada não, põe só as crianças pra brincar” Olhei e falei: “Que coisa horrível!” Uma semana depois faltou o professor da turma - faltou não, ele foi embora mesmo! Aí ela disse: “Pega a terceira série.” Fui lá, a mesma turma que do primeiro dia. E lá eu fiquei.
Fechou o ano, eu sozinha, levei os meus papéis de estágio, trouxe pra preencher e assinar. “Não, preencha você, dá a nota que você acha que merece e traz só pra eu assinar.” E ali foi indo. No terceiro ano a mesma coisa; me formei, mandaram me chamar. “Fica no lugar do professor tal”, aí fui ficando...
P/1 – Você estava falando que estava lembrando de uma história da escola...?
R – Espera, vamos voltar. O que a gente falava mesmo? (risos)
P/1 – A gente estava falando que você acabou formando no terceiro...
R – Ah, tá! Quando chegou no terceiro ano permaneci. No quarto ano, já formada direitinho, como agora eu vou trabalhar? Tem que esperar um concurso público ou uma escola particular pra ir. Essa diretora vai lá em casa e fala: “Quer pegar uma turma lá?” Eu falei: “Mas lá é uma escola municipal.” “Não, eu arrumo uma declaração que você está no terceiro ano.” Arrumou estágio remunerado. (risos) Eu fui e trabalhei o ano inteiro, no outro ano a mesma coisa. Até quando eu vou ficar no terceiro ano como estágio remunerável? Foi passando o tempo e acabei nove anos dentro dessa escola, oito anos dessa maneira - um contrato, é um projeto, é o estágio - e um ano já concursada. Quando fez esse um ano concursada eu já não queria mais a escola. Mudou a direção, mudou tudo, já não era aquela minha escolinha que eu vivia, que eu morria por ela, veio pessoas diferentes. Pedi transferência em 1995 e fui pro Bernardino de Mello.
P/1 – Antes de entrar no Bernardino de Mello você estava contando que, além de ter passado lá nove anos, ainda deu apoio pra outras pessoas que vieram...
R – Foi, essas meninas da foto. A Eneida, a Luísa. Apoio porque elas também vieram fazer estágio e não tinha professor pras turmas, então eram colocadas como eu fui colocada. “Eneida, faz isso.” Fazia plano de aula pra elas: “Explica assim, qualquer coisa você vai na minha sala que eu venho.” Aluno indisciplinado, era a Tia Aidê: “Vou chamar a Tia Aidê, hein?” (risos). Elas também seguiram nesse ritmo que eu.
Hoje, graças a Deus, todo mundo também concursado. Ali era uma festa no dia dos professores - professores estagiários porque só tinha estagiário na escola. Tinha um professor que era o Américo; não ficava em sala de aula, ele era o coordenador. Tinha uma professora que foi embora devido ao excesso de lama que ela pegou um dia; ficou de lama até as costas e nunca mais voltou. Então a escola ficou com direção efetiva, que era concursada, esse professor e a orientadora, a qual nunca ia à escola, ficando totalmente comandada por estagiários. Funcionou que, nossa senhora! Eu aprendi muito com a Celita nessa escola.
P/1 – Qual é o nome da escola?
R – Escola Municipal Celita Rodrigues de Andrade, que também está naquela foto. Ali a escola já tinha crescido um pouquinho. Quando eu cheguei era cerca de arame, deveria ter cem, cento e cinquenta crianças. Ela dizia assim: “A nossa escola tem que crescer e depende de vocês.”
Ela pegava a mim, Rosimar, Rogério, Lana, todos estagiários, e dizia: “Aidê, você vai pra secretaria hoje, sua turma vai ser dividida com Rogério e com a Rosimar.” Ela me ensinava tudo de secretaria. Na outra semana: “Rosimar, é você. Só temos uma merendeira; você divide a sua turma e vai pra cozinha fazer merenda.” E ela trepava num caminhão, vinha pra prefeitura de Nova Iguaçu, pra Câmara Municipal caçar recurso para a escola. Ali ela conseguiu muita coisa: tijolo, areia, pedra - foi onde fez aquela fachada da frente da escola.
Infelizmente também já se foi, faleceu. Eu sempre falo “gente, o dia que eu errar profissionalmente, só tem uma culpada, que se chama Celita.” Ela me ensinou muito da educação.
P/1 – Aquela foto em que você está com vários alunos é a construção de qual escola?
R – Aquela escola hoje tem o nome de Vereador Paulo Saudade e é bem mais recente. Eu já estava no Bernardino.
A política envolve a gente, querendo ou não, e esse vereador me convidou pra trabalhar com ele. Eu falei: “Não vou sair do Bernardino!” “Te dou um DAS e você vai pra essa escola.” Também iniciei essa escola, não tinha escola! Tinha o alicerce, aí começamos a andar na comunidade, ver aluno, crianças que não estudavam e fizemos um levantamento. Com isso foi o tempo de fazer a escola: quatro salas, uma secretaria e um refeitório.
Bem, agora vamos fazer a matrícula. A escola ainda não estava terminada; botamos uma mesa na rua e ali começamos a fazer matrícula. Matriculamos 65 alunos. Isso em janeiro, quando foi em março iniciei a aula e inauguramos a escola. Fiquei diretora, eu e mais outra professora e ali nós levamos a escola durante dois anos. Marcou muito também pra mim, só que a política não reconhece o seu trabalho, por melhor que você faça. Opa, mudou o governo; você pode ser boa, mas sai. E hoje falo que não aceitaria retornar a essa escola com cargo comissionado e sim com uma matrícula. É uma comunidade muito carente e precisa de pessoas interessadas com a educação, com a saúde e não visando um cargo comissionado.
P/2 – Aidê, em que momento a opção, o ser professora pra você deixou de ser a opção de ocupar um lugar na fila e passou a ser a sua profissão de fato, a sua vocação?
R – Logo no segundo ano, no meu estágio, porque também nesse Celita Rodrigues é muita carência. Era porque hoje a coisa já mudou muito, então você vê criança que está precisando de carinho, de afeto. Mas o que mais me fez mudar no segundo ano foi uma aluna que eu tive, Eunice. Ela era muda - era não, é! Colocaram na minha turma. Como é que eu vou me comunicar com uma criança muda se eu não sei nem dar aula? Eu falava pra mãe dela assim: “Eu não sei o que eu faço com ela!” Na primeira prova do primeiro bimestre tinha que dar a prova pra ela, não tinha? Dei a prova e ela completou.
“Dadá caiu da escada.” [Foi] a primeira frase que ela completou. Eu fiquei pensando como é que ela aprendeu, porque ela é muda. A minha irmã [disse:] “Ela era muda, mas não era surda.” (risos) Então eu pedi muito à mãe que a colocasse numa escola especial - só tinha em Nova Iguaçu na época -, mas a mãe não quis. “Não, é difícil. Deixa ela aí, pelo menos vai se socializar com as crianças.” E as crianças ajudavam também. Hoje já fez o Ensino Médio, junto com a minha irmã. Minha irmã diz que quando falou “a minha irmã é a professora Aidê”, foi aquela alegria. Acho que ela me incentivou mais à profissão, esse é o lado bom!
Tem o lado ruim da época também, chama-se Renata de Oliveira. Digo que nesses anos só reprovei um aluno, ela se chama Renata de Oliveira, por falta de experiência. Já tínhamos fechado o diário no final do ano, inclusive a Renata era da mesma turma da Eunice. Fechava o diário no final de novembro e depois neguinho fica na sala indo lá e enrolando a criança até dar o último dia.
Vejo a Renata ali: “Zazá, não sei o quê...”. Olhei e falei: “Decorou.” Peguei um livro e falei: “Renata, lê aqui”, a garota leu; peguei um livro de segunda série e ela leu. A única aluna na minha vida que eu reprovei. Não podia mudar o diário; passava um corretorzinho, mudava a nota dela, a aprovava pro segundo ano, mas a falta de experiência me fez reprová-la. Esse ano me fez prestar mais atenção, me dedicar mais, um lado pela Eunice, um lado por causa da Renata.
P/1 – E lá na sua casa, nesse tempo, quando você parou de trabalhar e começou a fazer estágio, o pessoal estava segurando as suas necessidades financeiras?
R – Não, essa época eu já tinha feito a loucura do marido. (risos) Falo do homem que mora na minha casa. Namorava um pouquinho, conheci lá no Juventude e começamos a namorar; três anos depois resolvemos… Acho que ele que resolveu, porque quando eu percebi [estávamos há] seis anos juntos. Falei que nunca ia casar, não queria ter homem, nem nada, agora ficar cuidando de homem? Aí eu já tinha outra vida, já tinha alguém dividindo espaço comigo. Foi melhorzinho, foi diferente.
P/1 – Me conta agora como foi que você entrou no Bernardino de Mello. Foi por transferência?
R – Não. Eu havia passado no concurso, tinha um ano que estava no Celita e a minha orientadora, quando eu fui pra lá, passou a ser a diretora da escola. Acho que as pessoas não gostam de competência, o incompetente não gosta de competência e ela começou a pegar um pouquinho no meu pé. Pedi, fui à Secretaria de Educação. Como tinha feito um ano de adicional, poderia dar aula de quinta e sexta série. Pedi pra fazer a troca. A Celita ainda era viva, passou a ser orientadora da escola e a orientadora passou a ser diretora. Celita não queria em momento nenhum que eu saísse da escola e dizia assim: “Ainda vou fazer de você e da Rosimar diretora dessa escola.” A outra ficava com raiva.
Pra evitar as coisas pedi que me mudasse de escola, qualquer uma. O secretário foi à minha casa me chamar pra trabalhar no Bernardino de Mello, que estava precisando de professor de História. Mas eu fiz adicional de Geografia! “Ah, uma está ligada a outra! Você é boa, vai!” Celita logo chega e diz: “Não vai levar a minha professora, agora que ela pode ficar lá não vai levar!” “Mas eu estou precisando dela, vou levá-la sim!”
Fui pro Bernardino, com um diretor maravilhoso, o seu Lira e ele me deu Geografia. “Não quero perder você, portanto esse ano você fica com Geografia, para o ano que vem te dou História.” “Está bom.” Fiquei no Bernardino cinco anos dando Geografia, depois me passaram pra História. O Bernardino é uma escola que eu gosto, mas não tem aquele carinho, aquele amor, a escolinha do coração igual às outras duas anteriores.
P/1 – E como é o perfil do aluno do Bernardino?
R – Bem, é melhor eu falar o perfil do professor, da professora Aidê do Bernardino, sabe por quê? Com determinados professores a turma é uma bagunça, mas quando eu chego só encosto no quadro, fico parada, olhando. Eles vão se calando. “Olha a professora! A professora!” Brinco com eles, vamos subir na escada falando sacanagem, dessa maneira, mas na hora da sala de aula, da responsabilidade, não pode ter conversa fiada.
São diferentes do que a gente vê dentro do Rio de Janeiro. Não é só o Bernardino, o Japeri ainda tem excelentes alunos e um bom comportamento. Ainda tem aquele cara que você chama a atenção e ele segura, não é aquele que chama a atenção e ainda assim [ele responde:] “Vou te matar lá fora.” (risos)
P/1 – E você acha que eles são interessados em História?
R – O jovem hoje em dia não está interessado em nada, mas você precisa fazer alguma coisa pra chamar a atenção, pra se interessarem. Se eu pegar a História e começar a explicar direitinho como era, é meio chato. Você sentado aqui e o cara ali falando “Ai, caraca! Vontade de mandar calar a boca!” Se você levar na esportiva eles se interessam mais, há um interesse maior.
P/1 – E esse levar na esportiva é como?
R – Contar história brincando. É, posso falar? Pode?
Falar que Carlota Joaquina não era aquelas coisas que estão no livro, ela é igual ao que passou no “Quinto dos Infernos”! (risos) Dizer que o Napoleão morreu, qual a posição que Napoleão morreu? Contar a história mais divertida, aí eles se fecham. Tenho quatro turmas de nono ano. Tenho uma ótima, que foi minha no oitavo ano, que é a 905. É um interesse fora de série. Já me conhecem, sabem o que eu quero, o que eu gosto. Já os conheço, então todo trabalho que tem que fazer eu coloco pra eles. Igual à turma do ano...
Ah, você me perguntou quanto tempo que eu conheço o TONOMUNDO. Nem foi 2006, foi ano passado, 2007, porque era a turma 904 e eu peguei esses alunos pra fazer esse trabalho que era navegando no Rio São Francisco. Eu e o Antônio pegamos esses alunos muito interessados. Ficavam depois do horário, saíam às duas, três horas da tarde, digitando as coisas direitinho. Inclusive tem um aluno que passou no D. Pedro II. Toda boba, sabe? Foi lá na escola semana passada. “Professora, graças a você que eu consegui.” É o incentivo que dá para o aluno, [quando] chega o final do ano a gente vai tudo pra passeio. Todo mundo pra piscina, o dia inteiro, “Vamos nos divertir. Aqui pode isso, aqui não pode isso.” E é muito divertido.
P/1 – Aidê, me conta como é que foram suas aulas de quando você estudava e as aulas de hoje. O que você acha que tem mais disponível de recurso, de possibilidade de explorar uma aula?
R – Hoje tem tudo, antigamente não tinha nada. Nós tínhamos quadro de prega, álbum seriado? Bota folha parda e vai passando. Hoje não, eles têm a internet, os livros didáticos na escola, uma biblioteca dentro da escola, só não cresce, só não tem informação quem não quer.
P/1 – E lá no Bernardino de Mello, o que vocês têm de recurso pedagógico?
R – Temos uma biblioteca pequena, um pouquinho maior que esse espaço. Os computadores são doze, então fica livre ao aluno e ao professor. Só que fica difícil de trabalhar porque a turma é de 50 a 55 alunos. Tem como trabalhar 24 alunos, dois em cada computador, mas e os outros?
P/1 – Você já usou alguns desses recursos?
R - Já, de vez em quando pego um grupo de alunos e levo pra lá pesquisar. Agora, por exemplo, marquei pra segunda-feira irmos fazer uma pesquisa sobre as queimadas no Brasil porque o governo federal parece que mandou alguma coisa pra educação. [Isso] nem está comigo, está com as professoras de projeto, então estou tentando ajudá-las. Fala sobre o fogo, o ar, a água, são quatro temas. Peguei a questão das queimadas, botei um grupo de cada turma, não dá pra levar todo mundo. Vai um grupo na segunda, um na terça, um na quinta-feira e o outro grupo botei pra quinta-feira à tarde para poder pesquisar, fazer um projetinho diferente. Eu gosto muito de fazer projeto.
P/1 – E como foi pra você, pessoalmente, começar a utilizar o computador?
R – Eu, por incrível que pareça, não tenho muita intimidade com a coisa chamada computador. Na minha casa tem até dois, o meu e o da minha sobrinha. O computador pra mim é pra digitação ou internet pra fazer pesquisa, até onde eu sei. Acho que já sei muito. (risos) Ir lá fazer pesquisa, ensinar o aluno como ele vai pesquisar, mas prometo que eu vou fazer um cursinho. (risos)
P/1 – Aidê, esqueci-me de perguntar uma coisa. Voltando um pouquinho, queria saber como foi a sua formatura na formação de professores.
R – Ah, foi bom, foi muito legal, muito emocionante. Saber que você está ali e pensar: “Gente, eu cheguei aqui, eu consegui. Graças a Deus eu consegui.” Tanto que eu tenho uma foto que chorava muito, a maquiagem ficou toda borrada, mas foi boa demais. Essa minha irmã que está na foto comigo me ajudou muito, tanto que hoje eu a incentivo a ir fazer uma faculdade ligada à estética, já que gosta de fazer beleza. Eu a fiz voltar a estudar, fazer o segundo grau. “Mas já sou velha, já sou avó!” “Não tem problema, pra estudar não tem idade!” Eu falo pra ela: “Na faculdade seu Francisco tinha 72 anos e tava ali, sentadinho comigo!” Então ela foi e fez. Tinha parado na oitava e teve que fazer de novo. Fez o ensino médio e agora eu estou lutando pra ela fazer uma faculdade também. Aquela foto ali, eu olho assim… Olho por quê? Porque era tão magrinha, queria ficar magrinha assim de novo e me lembro de tudo que fiz pra chegar até ali.
P/1 – E como foi o seu tempo de faculdade?
R – Foi difícil, ainda mais quando as pessoas não acreditam que você é aquilo. Você fala e riem, dizendo assim: “Ah, você adora fazer piada.” Eu trabalhava dois dias no Bernardino e os outros dias ia fazer faxina pra poder ajudar a pagar a faculdade, que foi com muita pressão, então quando chegava na faculdade, principalmente às quintas-feiras, juntava aquele grupinho chamado “sou da elite” - porque eu fiz na Rio Duque, faculdade particular.
Eu ficava sentada porque estava muito cansada, tomava o meu cafezinho, fumava o meu cigarro. Na hora do intervalo e sentava e [os outros chamavam:] “Vem pra cá, vamos conversar.” “Ah, gente. Tô cansada, trabalhei muito, fiz faxina hoje.” Eles riam, diziam que era mentira. “Deixa de ser mentirosa, você? Pelo amor de Deus, uma professora fazendo faxina?” Eu falei: “Qual é o problema? É sujo?” “Ah, você gosta de fazer piada!” Em momento nenhum meus colegas de faculdade acreditavam que eu fazia faxina, como uma faxineira fazendo uma faculdade particular? Mas era o meio que eu tive pra fazer porque o salário de professor a gente sabe que não dá. Eu gosto muito de cozinhar, limpar casa, não é arrumar casa, não. Arrumar casa eu não gosto, gosto de faxinar. Então, já que gosto disso, porque não vou fazer pra poder arrumar um dinheirinho? Foi muito difícil mesmo ter que fazer trabalhos, sair em campo de pesquisa, grupo de estudo no final de semana. Só tinha final de semana pra mim e ter que sair de Japeri a Caxias é como sair de Japeri ao Rio de Janeiro, para o centro do Rio, que é longe também.
P/1 – Qual foi o curso, Aidê?
R – Fiz História, fiz [licenciatura] plena. Comecei a fazer pós-graduação, mas ficou difícil, fui até a metade e parei. Agora só retorno quando eu puder fazer História da África, mas estou guardando um dinheirinho pra quando começar não ter que parar.
P/2 – Por que História, Aidê?
R – Eu gosto. Sei lá, não sei se é porque guardo muito, guardo todos os professores que eu tive na minha vida, então eu sou capaz de associar o passado, o presente, esperando o futuro, então gosto muito de História.
P/1 – Lá no Bernardino de Mello como é a sua relação com os outros professores?
R – É boa, me dou com todo mundo, desde a cozinha à direção, mas o meu lugar predileto é ficar na porta da cozinha conversando com as minhas colegas. Acho que é um povo que a gente deve valorizar e elas falam assim: “Poxa, você é o tipo de professora que não faz diferença!” Eu digo assim: “Eu não uso sapato, nenhum scarpin e nenhuma bolsa da Cananga! Eu sou igual a todos, não há diferença.”
Acho que professores também têm que se dar bem, tanto do primeiro, segundo e terceiro turno porque eu moro onde trabalho, no mesmo bairro. Tenho hora pra chegar na escola, não tenho hora pra sair. Largo às 11:20 da manhã, tem dia que são quatro horas da tarde e eu estava na escola. “Aidê, o que você tá fazendo na escola?” “Tô aqui, converso com um, converso com outro.”
P/2 – Você havia mencionado, Aidê, o projeto que teve como tema o São Francisco. Você pode contar um pouco como foi isso?
R – Posso. O professor Antonio que é o diretor do… Antes se chamava CPD, é o responsável. Todo projeto que ele tem me chama, dizendo assim: “Você é o tipo de professora responsável, então sempre quero você junto comigo nos meus projetos.” Ele chegou e disse: “Tem um projeto da Telemar e eu gostaria muito que você trabalhasse comigo e seus alunos.” “O que eu posso fazer?” “É um projeto navegando pelo rio São Francisco, colocar histórias e tal.” Eu falei: “Antônio, como eu vou entrar nesse projeto?” “Vai entrar meio ambiente, vai entrar tudo!”
Já estava trabalhando um projeto em sala de aula com os meus alunos: “Do navio negreiro à abolição”, então eu falei: “Que tal a gente colocar isso aí no [projeto] TONOMUNDO?” “Ah, que bom!” Colocamos esse projeto e já estava pensando em desenvolver outro projeto, que é “As sete belezas naturais de Japeri.” “Antônio, tem outro, a gente fala sobre o meio ambiente, fala do nosso município.” E fomos nós, eu e os meus alunos para o CPD, colocamos esses dois projetos e fizemos uma colcha de retalho em sala. Recortamos tudo, costuramos. Apareceu uma camisa velha escrito “Escola Municipal Bernardino de Mello”. Meu aluno [disse]: “Professora, que tal a gente identificar a nossa escola nesse projeto, colocando aqui no meio da colcha?” Costuramos, passamos para o Antonio o pano todo. Inclusive ele me convidou pra Itacuruçá, mas no momento não dava pra ir e por aí que a gente vai trabalhando. “Ele precisava disso, que você fizesse isso com os alunos.” “Não, Antônio, tudo bem.” Eu não posso? “Ah, Antonio, então vou te emprestar os meus alunos.” Pego os interessados, que tem responsabilidade e encaminho ao CPD com o professor Antônio.
P/1 – Como foi a sua entrada no programa “TONOMUNDO”? Como você entrou, lhe convidaram?
R – Não, só trabalhei com aluno. O restante tudo ele que foi fazendo; o aluno digitou o projeto, que era grandão, ensinou os alunos a resumir o projeto. A minha participação foi ali, na hora que foi fazer a colcha. E o projeto das “sete maravilhas” tinha outros professores com a gente, ela vai ser também entrevistada na terça-feira, a professora Gilvanete.
P/1 – Aidê, qual é a importância desses projetos, desses programas? O que você acha que tem de diferencial?
R – Eu acho um grande incentivo. Quando o aluno sai do chamado ‘cuspe e giz’ tem maior interesse. Qual o interesse do cara acordar cedinho, ir pra uma escola, sentar numa cadeira e ficar olhando o professor falando? Não tem estímulo nenhum, mas quando você o carrega para desenvolver um projeto, alguma coisa que não está ali só naquela coisa de quadro - por incrível que pareça, Japeri ainda tem o chamado giz, o quadrozinho verde com o giz -, quando você tira o aluno desse momento ele [se] desenvolve melhor, percebi isso.
Esse desenvolvimento de projeto foi em 1998, quando fizemos uma gincana com seis turmas de nono ano, eu e mais quatro professores. Trabalhar seis turmas com um projeto e poucas pessoas é difícil, mas conseguimos. O que era essa gincana? Um projeto que a gente colocou [o nome de] “Reconhecendo Japeri”. Uma pena que a gente não tinha o TONOMUNDO, que eu acho que teria mais apoio. Era assim, professores doidos que entraram num projeto.
Rodamos o município todo: Japeri antes, Japeri depois. Viemos buscar Japeri de mil setecentos e alguma coisa e Japeri de 1998. Fizemos um bom trabalho; levou muito tempo, começamos em maio e só terminamos em dezembro. Graças a Deus a gente teve o apoio do prefeito do município, então a partir dali eu comecei a ver o interesse do aluno. “Professora, a gente vai fazer entrevista hoje?” “Qual secretario a gente vai entrevistar?” “Nós vamos tirar foto de onde?” Dentro do projeto a gente trabalhava também o nosso conteúdo que, infelizmente, a gente não pode deixar de dar. Eu sou contra esse negócio de tem que dar a Segunda Guerra Mundial, “tem que dar”. Acho que se deixar em aberto, trabalhar o construtivismo, você chega ali e você vai trabalhar o momento. “Opa, aqui dá pra jogar o conteúdo tal.” É mais interessante para o aluno do que você chegar na sala e dizer assim: “Hoje eu tenho que dar isso.”
A partir do projeto o aluno começou a ter interesse. Nós tínhamos uns alunos terríveis, nossa senhora! Adolescente de dezesseis pra dezoito anos. Foi tão surpreendente que esta turma… Houve um interesse tão grande que eles conseguiram essa foto que tem aí. Essa é a minha cidade de cima; essa foto foi [um] aluno que tirou no chamado Pico da Coragem, hoje é voo livre. Juntou um grupo de alunos com os dois pais e subiram o Pico da Coragem à noite pra poder filmar a cidade. Houve um interesse muito grande do aluno, eles deixaram aquela coisa de aluno bobo que só queria bagunça, quebrar a carteira, acabou, então eu, a professora Rosimar, o professor Peter... O Bernardino tem excelentes professores, talvez com poucas oportunidades de trabalho. Então esses alunos mudaram totalmente e fizeram um trabalho excelente. Resolvemos a cada ano fazer um projeto e passamos a fazer. Fizemos outro projeto, chamado Prefeito-mirim para trabalhar a cidadania, passando a ensinar o aluno como, porque, em quem votar. Com o Prefeito-mirim eles mesmos vão escolher dois de cada turma pra concorrer, tirar um de cada turma, deixar apenas dois. Levamos uns quatro meses fazendo esse projeto. O que faz o interesse do aluno é trabalhar com os projetos, com certeza.
P/1 – Aidê, essa sua carreira profissional… Você já trabalhou em várias coisas e aí foi ser professora, já foi diretora também. O que você acha que poderia melhorar essa situação da escola, pra ter uma abertura pra projetos ou acrescentar novos recursos dentro da escola, recursos pedagógicos?
R – Primeiramente nós precisamos, no meio dos adolescentes de respeito, uma liberdade. Depois as condições de trabalho - por exemplo, esse projeto agora que eu vou desenvolver semana que vem sobre as queimadas, vou precisar de materiais e é bem escasso na minha escola, sem material não tem como fazer trabalho.
P/1 – E como você está pensando em conseguir?
R – Estou pensando em arrumar gravuras, eles vão pesquisar na internet. Pra poder imprimir não vai poder ser na escola, só vai ser a pesquisa na escola. Vou arrumar o disquete pra eles passarem, ir na lan house pra poder imprimir porque a impressora da escola é à fita, vai ficar feio, então já pedi pra diretora lá da escola. Tem R$120,00 em caixa pra poder imprimir.
Quero conscientizar não só os alunos, como a comunidade, porque é uma feira pedagógica, vai ser no dia 25. Quero montar um cartaz bem grande e nele vai estar [escrito:] “Eu protesto contra as queimadas no Brasil.” Cada visitante que entrar nessa sala vai assinar o protesto e no dia 30 ou primeiro vou passar isso pra professoras que estão no projeto federal fazerem a exposição delas. A turma que já coloquei já está toda empolgada, tem uma, a Suelen: “Professora, se eu tiver alguma ideia eu posso...” “Claro meu amor, está aberto pra isso!” É a maneira de dar a liberdade para o aluno. Quando explico uma matéria e peço ao aluno pra falar, não quero que ele fale o que autor colocou, quero que fale o que ele entendeu, qual é a ideia dele em relação àquilo. Quando você dá espaço as coisas se desenvolvem melhor.
P/1 – Aidê, pra gente conhecer melhor Japeri, da sua infância até os dias de hoje, como está a cidade?
R – Uma mudança total! Vamos colocar de 99% e ainda não está boa. Nós não tínhamos nada. Tínhamos lama, ainda tem, mas em vista [do que era] já mudou. Se você quiser ir a um fórum, a uma delegacia, tudo tinha que vir para Nova Iguaçu. Hoje Japeri tem Petrobrás, os royalties da Petrobras lá no município, casas de custódia, presídio. Mas isso é bom? Para o município é por causa da arrecadação que tem através dessas coisas. Gerou mais emprego, estão tentando iniciar um centro industrial, está crescendo.
Japeri só tem dezessete anos de emancipação, tem bastante coisa em pouco tempo. Aquele coroinha que eu lhe mostrei é o meu prefeito predileto, é um dos organizadores da emancipação do município. Falo com ele: “Carlos, você está fazendo de Japeri igual JK, cinco em cinquenta!” (risos) Ele tenta, vem agora novamente, vamos ver o que vai dar. Estou torcendo por ele, afinal de contas tudo isso que eu enumerei faz parte do governo dele.
P/1 – E o que a Aidê faz fora da escola?
R – Aidê fora da escola gosta de ir pra Muriqui, tomar cerveja no Poção, fazer um churrasquinho com os amigos numa casa desse tamanhinho, mas eu olhava todo mundo e dizia: “Estou indo pra Muriqui, vamos?” (risos) Fora estar com a família. A minha mãe me liga quase todo dia, mas se passar quinze dias sem ir lá: “Agora pra ela é só os amigos!” Tenho que estar ali constante, ainda mais agora. Ela precisa muito dos filhos, com a ausência do meu pai.
P/1 – E o que mais você faz, tirando a escola, do seu dia a dia lá em Japeri? Vai para o baile ainda?
R – Não. Vou na casa de amigos, vamos ter uma cerveja literária. (risos) A gente senta, toma cerveja, bate papo, onde saem os projetos. Agora barzinho, baile então [é] muito raro, eu já não gosto mais dessa badalação; Gosto do baile da terceira idade, mas isso é raro. Vou mesmo à casa de amigos, bater papo, tomar cerveja, fazer churrasco. Quando não quero nada disso fico em casa lendo, assistindo bons filmes.
P/1 – O que seu marido faz, Aidê?
R – Meu marido é mil e uma utilidades! (risos) A profissão dele é técnico em eletrônica, mas faz outras coisas: marceneiro, carpinteiro. Falo pra ele: “O dia que alguém perguntar se o Célio sabe fazer isso e ele falar que não...” Ele tem um tédio… Tudo ele sabe, conhece a cidade toda, viajava muito; agora não, é bem mais velho do que eu, tem 60 anos, mas é bom.
Acho que eu nunca pedi, nunca pensei em ter marido. Nunca foi o meu objetivo ter marido, filho. O filho aconteceu, mas Deus levou e o marido permaneceu. É o tipo de marido que se eu quisesse mesmo um dia ter seria o ideal, porque nós conversamos. Já estamos juntos há 32 anos, não brigamos, não me impede [de fazer] nada. Ele é muito caseiro, a vida dele é informação. Acabou o Jornal Nacional, [assiste ao] jornal de não sei o quê. Durante a semana ele compra O Dia; domingo ele tem que ler O Globo, se ele não comprar diz que não é domingo pra ele. É igual a minha irmã, se domingo ela não fizer galinha com batata não é domingo pra ela! (risos)
P/1 – E pra você tem alguma coisa no domingo que seja especial?
R – Não, geralmente não me programo, deixo acontecer. Às vezes estou lá deitada, vendo uma televisão ou dando uma estudada, alguém liga: “Está fazendo o quê?” “Estou aqui vendo televisão.” “Vamos pra tal lugar?” “Vamos embora!” Tomo um banho, boto uma roupa e vamos. Não gosto de me programar toda semana, só me programo pra ir pra Muriqui, ao contrário deixo acontecer.
P/1 – Você falou que não se programa, mas e daqui pra frente, quais são as suas expectativas? Você tem alguma vontade?
R – Eu tenho. Faltam mais ou menos quatro, cinco anos pra eu me aposentar. Não sei se é felizmente ou infelizmente, mas vou largar a educação e vou partir para o ramo da cozinha. Já iniciei fazendo a minha loja - tem o bolsado, a portinha de aço. Faltam algumas coisinhas. Devagarinho estou fazendo, não estou com pressa pra agora. Penso que quando me aposentar estarei na cozinha. Quero uma cozinha industrial, nada desse negócio de ficar servindo todo mundo, ainda mais que o meu município com certeza vai crescer com o parque industrial. Por que não servir quentinha pra essas indústrias? Tem dois anos a minha irmã comprou um terreno e está fazendo o salão dela, porque paga aluguel e quer o espaço dela. Eu estou fazendo do lado, num terreno grande, o meu espaço.
P/1 – Você gostou de contar essa história pra gente? O que você está achando?
R – Adorei, há muito tempo eu não paro pra falar de mim! (risos) Eu ouço muito as pessoas, falar de mim é pouco.
P/1 – Tem alguma história que você lembre, algum caso marcante ou alguma coisa que você lembre da sua vida que a gente deixou de perguntar?
R – Não, o fato marcante pra mim foi o início, a estagiária professora, isso foi muito marcante. A minha saída de ser doméstica, acho que me fez bem. Tenho uns trinta e poucos sobrinhos, estou sempre incentivando que eles estudem, aproveitem bastante. Aos maiores eu passo o exemplo da menor, filha da minha sobrinha, Rafaela, que parece uma seda, toda branquinha, mirradinha, tem sete anos e fala: “Quando tiver dezesseis anos vou morar em Copacabana porque já terminei o meu Ensino Médio e vou fazer a minha faculdade. Quando tiver vinte anos já acabei e vou morar na Europa!” (risos) Com sete anos espero que não mude e que os outros sigam esse exemplo. Fazer a mudança, a diferença do que foi a minha avó, do meu pai, do que sou eu, pra eles serem um futuro melhor.
P/1 – Tem mais alguma coisa que você queira falar?
R – Não, acredito que não. (risos)
P/1 – Você já conhecia o Museu da Pessoa?
R – Não conhecia e adorei, mostrei para as minhas colegas. Abri lá, tem lá na internet, mostrei pro meu marido, leu tudo direitinho. E quero estar sempre fazendo parte disso, mesmo que eu largue a educação. A minha irmã diz: “Você não vai conseguir, é muito dedicada no que você faz, você não vai conseguir!”
P/1 – Então queria agradecer em nome do Museu da Pessoa, da Oi Futura e desejar uma boa caminhada.
R – Obrigada pela atenção, gostei muito. Quando precisarem de mim sabem como me achar.
P/1 – Obrigada.
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