Plano Anual de Atividades 2013 - Pronac 128.976 - Whirlpool
Depoimento de Maria da Natividade de Oliveira Moraes (Cecéu)
Entrevistada por Eliete Pereira e Márcia Trezza
Conceição do Coité, Bahia, 21 de maio de 2014
WHLP_HV033_Maria da Natividade de Oliveira Moraes (Cecéu)
Realização Museu da Pessoa
Transcrito por Claudia Lucena
P/1 – Bom dia, Dona Cecéu.
R – Bom dia, Eliete.
P/1 – Cecéu, qual o seu nome completo?
R – Maria da Natividade de Oliveira Moraes, mais popularmente conhecida por Cecéu.
P/1 – Qual o local e data de nascimento da senhora?
R – Eu nasci aqui mesmo, no Município de Conceição de Coité, no dia 8 de setembro de 1960.
P/1 – Por que o nome “Cecéu”?
R – Um apelido que a própria mãe e os tios colocaram quando eu era pequena e esse apelido continua até hoje, a maioria das pessoas me conhece mais pelo apelido do que pelo nome original (risos).
P/1 – Cecéu, e o nome dos seus pais?
R – Meus pais, é Carlos de Oliveira Carneiro e Raquel Coleta de Oliveira.
P/1 – O que eles faziam?
R – Eles eram trabalhadores também da agricultura familiar, são trabalhadores rurais, hoje já são aposentados, eu também sou filha e também sou uma delas que sou trabalhadora também rural, sou considerada, moro em fazenda. Mas hoje a gente tem esse trabalho voltado na agricultura familiar, porque já veio uma geração dos nossos pais, avós, então foi criada, assim, uma estrutura que a família foram todas criadas na roça e vive hoje nos povoados, todo mundo desenvolvendo o seu trabalho na agricultura familiar.
P/1 – Eles são daqui?
R – São daqui, nasceram e se criaram também aqui no município.
P/1 – Os seus avós também?
R – Avós também, todos os dois, tanto da, os pais, meus avós, Etelvina, que é a mãe do meu pai e José Eustáquio, que é o pai, e da minha mãe é Antônio e Maria, já são todos falecidos.
P/1 – E os seus pais, como que eles eram quando você era criança?
R – Sempre eles trabalharam assim, na roça, tinha esse trabalho voltado, como eu falei no início, e eles foram, assim, criaram nós, foram seis filhos, eu tenho, são seis irmãos, cinco mulher e um homem, só tenho um irmão homem, e a gente fomos criadas todas aqui. Hoje algumas não moram mais aqui no próprio povoado, já mora em Salvador, outra mora em Conceição de Feira, mas o meu irmão mora aqui, eu e mais outra irmã, que mora aqui tudo no povoado.
P/1 – Vocês todos ajudavam?
R – Todos ajudavam, todos trabalhavam pra poder ajudar na alimentação da casa, que antigamente era mais dificuldade, a gente enfrentava mais dificuldade do que hoje. Hoje a gente já tem mais uma estrutura, devido às capacitações que a gente teve, assim, sobre o trabalho mesmo da roça, a gente teve uma capacitação voltada diretamente, como a gente produzir e viver melhor. Então foi através dessas capacitações, que a gente teve apoio também da CAR, do SEBRAE e da Agricultura, do Secretário da Agricultura do nosso município, que era o Renato, que deu todo o suporte pra os produtores se capacitar, pra não tá plantando e colhendo só pra fazer a farinha da mandioca, e sim aproveitando todos os derivados que era extraído da mandioca. Que hoje é ela que a gente usa pra gente fazer o biju, a farinha de tapioca, o biscoito de goma, então até o que tem, eu falei até num instante, que a gente aproveita até a matéria prima, que é as folhas, os troços, a raiz, a madeira dela, pra fazer ração pra animal.
P/1 – A gente vai comentar mais à frente, mas na sua infância ali com os seus pais, trabalhando na roça, vocês e os seus irmãos, o que vocês plantavam?
R – A gente plantava mandioca, milho, feijão, melancia, abóbora, tudo que a nossa terra aqui produzia a gente plantava pra colheita, só que a gente plantava só pra comer, não tinha aquele, aquela estrutura, dizer: “Não, vamos também ter uma renda extra aproveitando o que sobra”. Então às vezes perdia na roça, a gente não tinha essa estrutura, esse conhecimento de o que plantava, o que tinha de sobra vender pra ter um dinheiro extra pra viver melhor, com mais dignidade dentro de casa. Às vezes perdia e você passava até dificuldade de outras questões, de comprar outras alimentação que a gente não produzia.
P/1 – Vocês chegavam a vender um pouquinho?
R – Na época não, na época ninguém vendia, foi o que eu comentei num instante ali, a gente não vendia nada, só produzia pra comer, só pra casa, entendeu? E hoje não, hoje, depois disso, como eu falei, foi que a gente começou a ter esses cursos: “Não, temos que viver melhor, com dignidade”. Aquilo que a gente não produz, se a gente vender o que a gente produz, a gente pode arrecadar mais um fundo pra tá se alimentando melhor, viver com mais dignidade, ter uma casa mais tranquila, mais arrumada, que antigamente as casas era mais, assim, de taipa, era de adobo de barro, era, não tinha, hoje, as construções que a gente vê hoje. Hoje todo mundo já tem uma casa digna, já vive com mais tranquilidade, mas antes não era assim.
P/1 – Cecéu, vocês tinham alguma brincadeira entre os irmãos, além do trabalho?
R – Tinha e muito, nosso lazer era muito mais gostoso do que hoje, que hoje não tem esse lazer, que antigamente era uma cultura, era brinquedo de roda, era samba brasileiro, que ia os pais, os tios, levava a família toda, ia pra igreja. Andava até três quilômetros de pé, quatro, pra poder não perder uma festa religiosa, uma festa junina, sempre tinha na região, era brinquedo de roda, como eu falei, era, deixa eu ver, fogueira de cair, que botava um bocado de brinquedinho lá pras crianças ir lá tirar depois naquela festa. Então era uma festa assim, um lazer tranquilo entre as famílias, reunia os avós, os pais, os filhos, os primos, sobrinhos, amigos e todo mundo se reunia ali, passava a noite brincando. Então era um lazer tranquilo, até, às vezes eu digo assim, hoje a gente perdeu essa cultura que tinha antes, porque hoje a gente não vê esse coisa sadio quando tem uma festa, um brinquedo, um lazer, vem logo briga e tudo, aí a gente já começa a ficar triste com isso, porque a gente não está resgatando aquela cultura, que a gente sabia o que era amar e respeitar o outro. Hoje já é mais difícil pra gente ver isso, até com os nossos filhos, quando sai pra uma festa, a gente já fica preocupada, devido ao índice de assassinato, de brigas que existe nas festas hoje.
P/1 – Você tem alguma história de festa que você lembre?
R – Ai, como eu tenho, os brinquedo de roda que deixou muita saudade pra gente (risos), a prima aí que não sabe, que não perde, a gente passava a noite todinha cantando roda, que era cantando e os outros respondendo e tudo dançando naquela roda, todo mundo, mulheres, homens, crianças, não tinha aquela distinção, de ser homem pra um canto, mulher, todo mundo junto, era aquela coisa saudável.
P/1 – Você lembra de alguma canção?
R – Ah, lembro, lembro sim (risos).
P/1 – Você pode cantar pra gente uma?
R – A gente brincava muito, brincar de roda mesmo de samba, a gente brincava mesmo pra contar verso: “Ô, siriri, ô, siri, ô, siriá, tomaram o meu amor, não deixaram mais amar, eu agora arrumei outro, quero ver vocês tomar” (risos). E a gente cantava, e ali um cantava, um outro cantava, outro e aí ia passando o tempo, isso vencia tardinha, noite e a gente nem se preocupava, então era um período, assim, muito alegre, muito tranquilo pra gente viver aqui na região.
P/2 – Era roda de samba isso?
R – Era roda de samba, é, tinha a roda, as mulheres faziam a roda brincando e tinha o samba, que os homens iam lá sambar e fazia, que era o samba brasileiro chamado, boi roubado, que juntava as famílias tudo pra fazer o trabalho de roça, juntava homens, mulheres, as crianças, uns cozinhando, outros trabalhando, outros plantando. Então era trabalho de mutirão, que se fazia muito naquela época, então é uma história, assim, muito voltada à nossa cultura, ao nosso trabalho aqui na região.
P/1 – Tinha música também nesse mutirão, vocês cantavam enquanto trabalhavam?
R – Ah, o povo cantava muito, eu não lembro muito, assim, porque eu ainda era pequena, algumas coisas eu ainda lembro, mas não lembro de todas, mas nossos pais, os avós sempre faziam, tinha, os homens cantava, as mulher respondia (risos). Mas tinha muito, tinha cantiga de reis também, que o povo roubava o reis, no tempo depois do natal, tinha, saía de casa em casa, aí dizia: “Vou roubar um reis em tal lugar”, qual era essa? Chegava o povo, todo mundo dormindo, cantava o reis na frente da casa, abria a porta, entrava pra dentro de casa, amanhecia o dia dançando, todo mundo cantando e dançando. Era uma das culturas importantes que existia aqui na nossa região, ainda existe, mas é muito oculta, não é mais como era antigamente.
P/1 – Mas era em dia de reis que vocês faziam?
R – Era sempre em dia de reis, véspera do natal até chegar a passagem de reis, cada dia era numa casa, não perdia uma noite. O pai dela mesmo, da Veronice, que é a minha prima, era um deles que não perdia uma noite, se um fosse na casa dele hoje e tivesse o samba, cantiga de roda durante a noite, na noite seguinte ele já ia na casa dos outros, era, sempre era, e amanhecia o dia, não ia ninguém em casa. Às vezes quando amanhecia o dia era preparar café, preparava almoço quando era distante e ninguém saía de barriga pura, como diz o ditado, saía todo mundo saciado dessas brincadeiras que levavam.
P/1 – E a escola, como era a escola?
R – A escola já era mais difícil pra, como a época de hoje, que a gente tinha que ir andando pra Juazeirinho, nove quilômetros, a gente ia de pé e voltava de pé meio dia, quem estudava à tarde saía daqui 12 horas pra chegar uma da tarde pra ir pra escola, saía de lá cinco e meia, chegava aqui seis e meia. Às vezes os pais iam encontrar a gente na estrada com medo porque já tava escuro, muitas das vezes acontecia isso. E hoje não, hoje tem transporte coletivo que leva, deixa na escola, busca, deixa na casa dos pais, então por isso que as coisas também melhorou muito pra nossa juventude de hoje, teve mais estudo. Os pais da gente não deu, assim, o ensino médio pra os filhos, que naquele tempo, além de ser pessoas, assim, carente, humilde mesmo, vivia do trabalho da roça, não ganhava o suficiente pra dar o que hoje a gente pode dar aos nossos filhos. Que hoje os nossos filhos, hoje todo mundo tem sua formação, todo mundo tem seu trabalho, vive todo mundo tranquilo e antes a gente já não viveu assim, como os filhos da gente vive, que os pais da gente não pode dar o que a gente hoje pode dar aos nossos filhos.
P/1 – Você tem alguma lembrança do tempo da escola?
R – Ah, eu tenho muita (risos), no tempo que a gente ia pra Juazeirinho o que a gente ganhava era as roças, porque andava muita boiada na estrada e a gente tinha medo desses gados solto que tinha, a gente saltava a cerca, uma porção de gente, de homem, mulheres, pra poder fugir dos animais que tavam solto na estrada. E uma dessas idas, um dia o boi saltou a roça e a gente foi se esconder dentro de velada que tinha na estrada pra o boi não pegar e a gente deitado e o boi lá cheirando o povo tudo, e a gente tudo gritando, pedindo socorro. Então essa foi uma história que ficou marcada na vida da gente, que depois que o homem conseguiu tirar, laçar esse boi, que tirou lá de perto de três a quatro jovens que tava, de dez, 12 anos, tudo adolescente ainda, aí chegou em casa, os pais: “Mas, menina, se esse boi pisa em cima de vocês e mata”, mas a gente na hora nem pensou, achou que a melhor prática era deitara dentro daquele buraco, que ele ia passar e não ia ver (risos). Então foi um tempo assim, uma tempo assim, gostoso, mas também um tempo que a gente sofreu muito mais do que o que hoje a gente vê (risos).
P/1 – Cecéu, e professoras, você lembra de alguma professora?
R – Lembro, lembro, Bernardina, que é irmã de minha mãe, foi uma das pessoas educadoras que deu a vida pra tentar segurar a gente na escola, porque os pais não podia, mas ela fazia tudo pra não tirar da escola. Tinha a Professora Albertina, que hoje já é falecida, que também era de Juazeirinho, que antes também a gente não tinha escola aqui no Povoado de Onça, era na comunidade vizinha, que a gente ia andando e voltava. E tinha também Meire, são as três professoras, assim, que mais deu apoio a gente na época, assim que a gente terminou de concluir o primeiro grau, que era pra estudar, só tinha em Conceição do Coité, não tinha transporte, os pais não podia pagar coletivo e nem carro pra levar a gente, a gente ficou, deixou de estudar por esse motivo.
P/1 – Juazeirinho era mais próximo então?
R – É, Juazeirinho era, mas não tinha colégio na época, só tinha só o primário mesmo, não, só o primeiro grau, não tinha fundamental, não tinha nada na época.
P/2 – Até o quarto ano só?
R – Até o quarto ano, até o quarto não, antigamente até o quinto, que a gente estudava até a quinta série, que era, complementava o primeiro, aí já começava no colégio na sexta série. Aí de lá pra cá a gente, muito depois de já uma certa idade voltaram a estudar, eu não voltei a estudar, fiquei como estava porque logo comecei a trabalhar, casei jovem na época, com 17 anos, com 18 anos eu já era mãe da minha primeira filha, hoje eu já tenho uma filha com 36 anos.
P/1 – Conta pra gente sobre o casamento. Foi o seu primeiro namorado?
R – Foi o primeiro namorado e casei logo.
P/1 – Como você o conheceu?
R – A gente se conheceu, ele era de Retirolândia, a família, a gente se conheceu, os pais compraram uma fazenda aqui e a gente se conheceu, começou o namorico de criança, que eu ainda era novinha, só tinha 14 anos, nem 15 anos eu não tinha. Aí começou aquele namorico, desse namorico foi até o fim, namorei dois anos, se casamos, hoje a gente já tem 37 anos de casado, já completamos, aí já fiz boda de prata, hoje já tenho, tive quatro filhos, três meninos e uma menina, e tenho quatro netos já hoje.
P/1 – Cecéu, qual o nome do seu esposo?
R – Meu esposo é Manuel, Manuel Fernandes Carrero Moraes.
P/1 – Quando vocês se casaram, vocês ficaram morando onde?
R – A gente foi morar em Retirolândia, aí a minha filha, a primeira filha nasceu em Retirolândia, foi registrada lá, batizada, mas depois eu não acostumei lá, viver lá, que era diferente da minha terra natal e aí depois o meu esposo decidiu que a gente vinha morar aqui, aí a gente construiu aqui, viemos embora pra cá.
P/1 – Vocês foram morar com a família dele?
R – Não, ele tinha casa lá na fazenda do pai, aí deixamos tudo pra trás e viemos embora (risos), aí construímos aqui e até hoje a gente vive.
P/1 – Você tava com saudade do quê, da terra, da família?
R – Não, sentia saudade de tudo, porque lá, a estrutura de lá, não era cá, lá o plantio lá só era sisal então eu tinha uma cultura diferente, a gente trabalhava aqui só com produção de mandioca, só coisa assim, que a gente desde criança viu. Então depois que eu cheguei lá, que eu vi aquela estrutura, que não era aquilo que eu tinha, eu acostumada a trabalhar com a minha família, de ter o meu dinheirinho, pra chegar lá, ficar parada, dependendo só do que o marido ganhava. Aí veio logo uma filha, logo em seguida, com um ano depois de casada já nasceu a primeira filha, eu disse: “Não, tá na hora de eu voltar pra casa, aqui não dá certo pra gente”, aí, como ele era um esposo, assim, que graças a Deus sempre foi um bom esposo, sempre ele concorda com a gente, a gente senta, conversa, tem diálogo, aí ele concordou que a gente viesse embora. Aí a gente veio pra casa dos meus pais, moramos um ano com meu pai e minha mãe, aí fomos construindo, até que a gente construiu o nosso lar e fomos pra nossa casa, aí onde eu vivo até hoje lá (risos).
P/1 – Como era o trabalho com sisal?
R – Lá fazia sisal, ceivava numa máquina, cortava, era as mulheres e os homens, criança, tudo trabalhava, que antigamente não tinha o que tem hoje, que hoje já tem essa proibição de não botar criança em trabalho, já considerava trabalho escravo. Tirou tudo depois desse governo, depois de Lula pra cá mudou tudo, que ele viu que isso não estava certo, então a gente acatou isso e aí tirou criança do trabalho infantil, tanto quanto que nossa área aqui criança não vem. As mães que trabalha aqui já tem que ter pessoas em casa pra tomar conta de suas crianças, nem na casa de farinha pra raspar mandioca, não vem criança, nem nesses espaços físicos que elas trabalha com a produção, criança não participa, já tem essa educação.
P/1 – Quando vocês voltaram lá pra casa da sua família...
R – É, foi, aí voltei pra minha família e aí nós estamos.
P/1 – O que vocês começaram a plantar? Você foi trabalhar junto com a sua família?
R – Trabalhava, minha filha, a gente trabalhava, a gente limpava mandioca, trabalhava de enxada mesmo, era homem, mulher, criança, todo mundo trabalhava. Aí depois foi que começou a gente com esse trabalho da agricultura, aí começou a trabalhar vendendo beiju, vendendo já, capitando tudo que tinha da região e aí foi começando, mudando a estrutura, a gente já foi ganhando melhor. Aí não precisou mais a gente, o marido da gente tá indo pra roça dos outros ganhar o dia pra poder trazer alimentação pra casa, aí trabalha marido, mulher, filho, todo mundo junto, e a nossa mesada, como disse o outro, já sai de casa, o nosso salário já é garantido trabalhando na nossa própria casa.
P/1 – Como começou essa história?
R – Já tinha essa história de algumas pessoas que faziam, mas era assim, pouquinha, não tinha esse trabalho assim, de grupo, depois da fundação da associação, de lá pra cá a gente foi vendo que a gente tinha que mudar e aí foi onde a gente foi buscar apoio nos governos estadual, municipal, federal, uma estrutura pra gente ter um curso de capacitação pra capacitar os homens, que eles não queriam mudar a cabeça de plantar mandioca só pra farinha e sim aproveitar também o que tinha dela, que era pra apoiar, pra ter outra renda. E ai depois desses cursos que a gente buscou através da associação e criamos grupos, que a gente foi criando uma imagem assim, de ganhar mais o que era antes, aí eles foram tomando gosto do trabalho: “Não, tá dando certo, deu certo com a família de Cecéu, deu com a de Veronice, deu a de fulano, de ciclano, de José, de Maria, então vamos também acatar isso”. Aí cada um foi acatando e hoje todo mundo vive com mais dignidade, o dobro, o triplo, vamos dizer o triplo, três vezes mais do que o que vivia antes.
P/1 – Qual o nome da associação?
R – Associação Comunitária da Região de Onça, ASCRON, que é a sigla dela.
P/1 – Essa associação, você participa desde o início?
R – Desde do início, que ela vem participado de todos os eventos, de município, região, Arco Sertão Bahia, Central Hoje, então nós participa de todos os espaços físicos que oferecem apoio e oportunidade aos pequenos agricultores e agricultoras.
P/1 – Cecéu, você lembra como começou, quem teve a ideia? Por que veio essa coisa nova?
R – É porque já existia associação em outras comunidades vizinhas e aí quando a gente viu que as comunidades lá tava trabalhando junto, buscando trabalhos juntos, em parceria, tava vendo uma nova, melhor finalidade do que aqui a nossa. Porque a gente, na época da fundação, em 87, foi fundada por um grupo pequeno, e aí ela não teve muita prosperidade, ela não crescia, ela ficou parada só na casa de farinha, não saía do lugar. Passados uns anos, aí o grupo que eu coordenava, a gente, eu participava, ela participava, Veronice, que é uma das pessoas que tava desde o início da fundação, essa que é lá de Péricles, hoje vai falar, que é Marinalva, também foi uma das fundadoras junto com a gente, que lá não existia na época. E aí a gente viu que não podia ficar parada essa associação, aí ela ficou dois anos desativada, aí um dia o Miguel Domini, esse que trouxe vocês, disse assim: “Não, Cecéu, vamos reunir, eu, você, Veronice, Nalvinha, tá na hora da gente reativar essa associação, não podemos ficar parados”, eu disse: “É, não pode mesmo”. Aí a gente reativamos, aí a casa de farinha lá já tava toda apedrejada, toda quebrada, que os produtores já, os próprios moradores da comunidade não aceitava por causa do índice do pó, da poluição, que era muita na comunidade. Aí a gente conseguiu tirar o equipamento de lá e fizemos um projeto em parceria com o governo municipal na época, ele deu apoio a gente, aí construímos ali, que foi aquela parte que a gente tava lá em reunião. E aí lá era a casa de farinha antigamente, aí depois de lá a gente fez um projeto pra cá, dizendo que tinha a necessidade do governo estadual que tinha necessidade de tá crescendo, que não estava dando suporte a tudo que tava vindo pra aqui, porque vinha pessoas de Tanque, de Riacho do Morro, de Pedra, de toda as regiões, tudo lutar aqui na casa de farinha, que só era a casa de farinha antigamente. Aí, quando a gente começou a criar, que começou a trabalhar também os grupos de produção, a gente disse: “Não, tá na hora da gente começar se movimentar”, aí foi onde reuniu as mulheres, os homens, os jovens também, se reuniu todo mundo. Aí a gente foi comprando com o próprio recurso próprio da associação, porque ela também arrecada um fundo, não é muito, mas cada produtor que produz aqui, ele deixa uma quantidade do que é produzido, que é pra ter um fundo rotativo pra poder tá zelando, lutando, limpando, que hoje mesmo essa área tá aí, a gente precisando dar uma ajeitada. Mas aí a gente foi trabalhando assim, fazendo mutirões: “Não tem dinheiro, mas tem pessoas, vamos reunir todo mundo, vamos fazer isso”, cada um dava a sua contribuição e aí a gente conseguiu tá buscando. E cada espaço desse aqui foi juntamente o governo federal, governo estadual, municipal, SECOMP, que é Secretaria de Combate à pobreza, também foi quem doou esse espaço aqui pra gente.
P/1 – Cecéu, você disse que tinha um grupo, que não sei se eu entendi bem, você coordenava.
R – É, esse grupo.
P/1 – Que grupo é esse?
R – É grupo de mulheres, de produção, que elas, antes elas ficavam em dúvida se elas tinham capacidade mesmo de tá produzindo a quantidade que a gente, o mercado estava oferecendo. Aí eu disse: “Não, vamos criar esse grupo, vamos nos reunir, vamos nós mesmo nos capacitar e mostrar que nós somos capazes”. Aí a gente reuniu esses grupos de mulheres, que nós temos hoje 70 associados da associação e nós temos 12 pessoas que é associado da cooperativa, que nós temos também uma cooperativa, que é essas hoje, que quando a gente faz as nossas vendas a cooperativa é quem passa a nota pra as prefeituras e pra o governo, entendeu?
P/1 – Cecéu, como que vai acontecendo essa reunião desse grupo bem no comecinho?
R – É, foi assim, foi difícil porque...
P/1 – Onde vocês conversavam? Como é que vocês se encontravam?
R – A gente chegou assim: “Tá na hora da gente se reunir porque a gente só parada, dependendo só de nossos maridos em casa, isso não vai dar certo e nós temos capacidade de tá também ajudando na renda familiar”. Então, se você fica dependente do seu esposo, você nunca vai ter uma vida digna, porque nós sabemos que o que o nosso esposo trabalha, que ganha aqui por si próprio, não tem a capacidade da gente ter a estrutura que nós temos hoje. Então vamos tomar como exemplo, não é ter inveja do que o outro construiu, mas tomar como exemplo, o que Cecéu hoje construiu, o que tinha antes, o que tem agora, o que Veronice tinha antes e tem agora, por quê? Porque a gente deixava tudo e ia buscar lá fora também os espaços, tudo que oferecia pra gente, a gente não olhava pra trás: “Vamos lá buscar pra gente trazer de melhor pra nossa comunidade, então, se vocês também não olhar com bons olhos e abraçar mesmo essa causa, vocês vão ficar também de fora, então vamos começar a mudar essa qualidade de vida de vocês”. Então foi assim, através de uma boa conversa, de reuniões constantes, não era, Vera? Tinha vezes que a gente reunia até três, quatro vezes por mês com esses grupos, até que a gente mudou, ainda tem aquelas mulheres que trabalham aqui que tem que ser por horário que o marido dita em casa, ainda tem, ainda, entendeu? Elas não têm autonomia de dizer assim: “Não, eu vou pra tal lugar trabalhar e eu só vou chegar quando os grupos lá pararem”, então ainda tem o marido: “Não, você vai seis horas, mas cinco horas tem que tá em casa”. Aí a gente sente que elas ficam na pior agonia: “Vamos parar, deixa pra amanhã”, preocupada, e a gente sente que ainda, ela não está ainda aberta pra tudo junto com o seu esposo, no seu lado. Mas a maioria, acho que 60% hoje, não é, Vera? Tem a sua independência. Agora, o que a gente falava pra ela? “Não é você ter sua independência criando conflito em casa, é você ter um bom diálogo, conversar, não é isso que eu quero pra gente, a gente tem filhos, nós precisamos dar uma qualidade melhor pra os nossos filhos, aquilo que a gente não recebeu de nossos pais, mas que a gente hoje pode fazer, e juntando forças é que a gente vai conseguir. Então vocês podem, a gente educa vocês aqui, vocês educam o marido de vocês em casa”. Os maridos vinha pra reunião, a gente falava: “É necessário que a gente também se una, não é porque a mulher hoje tá tomando o espaço do homem, não, o mundo é pra todos, é pra homens, mulheres, adultos e crianças, mas pra isso acontecer vocês também tem que abrir mão, tem que dar apoio. Porque, quando eu saio de casa, o meu esposo lava até o prato que come, eu saio de casa, o meu esposo fica fazendo beiju pra no sábado a gente ir pra feira vender, pra gente ganhar o nosso pão junto, então vocês também tem que ver isso com bons olhos e não é só com o olho da vida, é do coração também, ter amor pelo trabalho seu e da sua esposa”. Aí foi mudando, até que enfim, graças a Deus, 80% hoje já é uma versão diferente, a maioria das mulheres aqui, elas sai de casa, vem pra aqui, limpa, zela, trabalha, vende. Na hora que diz assim: “É pra levar a mercadoria amanhã”, elas deixam a casa lá, corre pra aqui, arruma tudo, bota no isopor, bota no carro, encaixa as mercadorias, o carro vem, pega, entrega nas prefeituras. E aí, graças a Deus, mudou muito, mas foi uma conquista assim, uma luta pra gente mudar um pouco a cabeça das pessoas, que é a parte pior, é você educar a pessoa pra um trabalho social.
P/1 – Essa mudança aconteceu logo depois que vocês assumiram a associação?
R – Assumi, isso, de lá pra cá cada passo foi assim, passo a passo, não é assim, do dia pra noite, mas foi uma conquista a cada dia, cada dia a gente ia mudando um pouco e hoje eu acho, hoje ainda não tá totalmente como a gente sonha, ainda tem um sonho pra realizar, que é mudar mais ainda, mas que a gente nunca tá satisfeito com o que tem. Eu mesmo nunca estou, sempre eu quero mais, eu sempre busco mais, então tudo o que aprendo lá fora, que eu saio daqui, se eu vou pra Brasília, se eu vou pra o Rio, se eu vou pra São Paulo, onde eu vou que eu vejo uma coisa diferente, uma história contada, que alguém mudou pelos seus méritos, não precisou de político, não precisou de ninguém, aí eu vou buscar e vou atrás e eu não desisto fácil. Ontem mesmo eu disse pro povo, quando disse assim: “Ou você manda a documentação hoje ou vai terminar o seu projeto”, “Não, nós não vamos desistir, não”. Eu só desisto quando diz: “Não tem mais jeito”, mas enquanto tiver um jeitinho eu não desisto, eu sou ruim de desistir das coisas, eu gosto de buscar e conseguir, aí eles ficaram rindo: “Então espero até quarta-feira, meio dia”. Então eu to aqui com vocês hoje, mas já tá outras pessoas resolvendo, que tem que resolver hoje ainda, que é coisas que tá vindo também pra nossa associação, que é a nossa construção, novo espaço pra o grupo de polpa continuar trabalhando.
P/1 – Pra gente entender, Cecéu, esse espaço então, esse terreno que a gente tá aqui, vocês conseguiram logo depois?
R – Recursos próprios, tudo com recurso da própria entidade.
P/1 – Vocês compraram o terreno?
R – A gente compra, cada espaço que tem aqui, foi tudo comprado com recurso próprio da associação, dos produtores, que eles deixam a sua contribuição, se vende, tira uma porcentagem, que é pra ajuda de custo, se tira a mandioca e traz pra aqui pra fazer a farinha, em cada saca de 60 quilos tira cinco quilos. Aí esses cinco quilos a gente vai armazenando, nós temos armazém, e depois a gente vende tudo, que é pra arrecadar fundo pra gente tá comprando novas áreas pra tá adaptando e crescendo os nossos espaços. Que aqui antigamente só tinha aquele espaço, hoje você vê o tanto que já tem de construção e foi todas, a gente ganha a construção, mas o espaço da construção tem que ser comprado pela comunidade local. Agora mesmo, essa área aqui do lado a gente comprou, mais dez metros que é pra construir a unidade de polpa, aí já mandamos documento pra lá, já foi avaliado, já foi aprovado, só tá dependendo o recurso entrar, que era um recurso que tinha lá de fundo perdido, que eles, quem vende pra o PAA e Pnae tinha direito a acessar. Então nós ganhamos esse projeto de 48 mil, ai esse 48 mil é que a gente vai construir esse espaço aí pra o grupo continuar trabalhando, que esse daqui já é do grupo de biscoito. E aí vai construir o de polpa, que eles trabalham lá naquele espaço que vocês viram, é na cozinha, a gente adaptou, azulejou, forrou, fez tudo, mas não é o suficiente pra eles trabalharem bem.
P/1 – Cecéu, então vocês começam ali se organizando, vocês mulheres, o grupo, dentro da associação.
R – Isso.
P/1 – Como que vocês começaram a obter informações de que vocês poderiam, por exemplo, ter acesso a financiamentos?
R – Logo, assim, a gente tem um grupo de acompanhamento do MOC, da Arco Sertão, que são assessoras que assessoram nossos trabalhos, tudo que acontece aqui a gente leva pra lá e tudo que tem de novidade elas passam pra gente. Aí, quando baixa um edital lá, que elas veem, elas ligam: “Ó, Dona Cecéu, abaixou um edital hoje que oferece isso e isso pra associação ou cooperativa, vocês têm interesse?”. Aí, quando a gente tem interesse, a gente corre atrás, a gente vai procurar toda a documentação, o que eles bota lá que exige a gente conquista, vai buscar em contador, a gente mesmo vai atrás do MOC, atrás de tudo e a gente mesmo fornece. Que a gente já conhece uma parte, assim, do como funciona projeto, que já é o sexto projeto que eu assino pra aqui pra nossa região, não só de construção, mas de água encanada, de luz, energia, então a gente assina junto com o governo e a gente ganha esses projetos, de cisterna, construção de cisterna eu assinei também, já veio pra nossa região. Então é muitos projetos que a gente acessa, aí, se você conseguir tudo o que eles pedem lá de documentação, é aprovado, se você não conseguir, a gente fica de fora, mas todos que a gente acessou, a gente nunca perdeu nenhum até hoje. Todos a gente ganhamos, do Consulado da Mulher, da Dacar, o MOC que dá esse suporte, que já veio vários equipamentos lá do Consulado também, que foi com o apoio também do MOC e da Arco Sertão, que aí também somos afiliadas a eles. Então a gente vai se afiliando e a gente vai buscando caminhos que a gente consiga novos espaços, é assim que a gente tá chegando lá, aos poucos.
Veio antes, a associação nossa já tem 27 anos agora, completa em julho, dia 18.
P/1 – E o Arco veio quando?
R – A Arco Sertão tem dez anos, ali, aquela estrutura ali tá fazendo agora, dez anos não, 12 anos, foi em 2002.
P/1 – E o MOC? Fala o que é o MOC.
R – O MOC é o movimento, assim, de organização da mulher, que é comunitária, ela é uma organização, é uma ONG, que elas é quem faz o trabalho de acompanhamento de todos os grupos, tem a Gisleide, tem, hoje nós estamos com a Ilza, que ela vem mensal visitar os grupos, a associação. Quando não tá funcionando aqui, ela vai na minha casa diretamente, já conhece aonde é que eu moro, que eu já levo todo mundo pra saber onde é que eu moro, que eu não moro entro da comunidade. Aí elas vão lá, o que tem de dúvida elas tira, leva pra lá, quando acontece alguma coisa, que manda Evian dizendo: “Ah, a associação tá precisando enviar esse documento”, elas ligam: “Ó, tá precisando disso”, aí a gente vai, busca, envia.
P/1 – O MOC é anterior à associação?
R – É antes, é, o MOC já tem muitos anos já em Feira de Santana, a central é em Feira lá, e o Arco Sertão era em Valente, a Bahia, a central é que tem 12 anos, mas desde da Bahia que a gente já é afiliada lá, quando era em Valente.
P/1 – Você disse que vocês participam de vários editais com os projetos.
R – É, dos projetos que é governamental.
P/1 – Vocês organizam a documentação, e quem escreve o projeto?
R – A gente faz junto, eu já aprendi até a escrever porque, devido a tantos anos que a gente trabalha, o projeto mesmo do PAA a gente só precisa do apoio delas porque elas têm que dar o aval, como está acompanhando. Mas aí a gente organiza a pasta todinha e aí senta com a menina que já tem aqui, que a gente capacitou também essa menina do grupo pra poder ela digitar tudo que é necessário pra acessar o projeto. Porque eles mandam pelo e-mail e a gente pega lá e vê o que precisa de documentação e a gente envia, aí o que falta eles manda dizer: “Ó, faltou tal documento”, porque agora eles exigem vários documentação, antigamente não, mandou a documentação pessoal da diretoria e da associação, eles não pediam mais nada, agora, como a nossa associação já tem nota eletrônica, já tem vendas, porque vendas a associação é a responsável, mas é venda dos produtores. Aí teve que reformular o estatuto porque o estatuto, associação é sem fins lucrativos, não é uma cooperativa, que tem fins, e aí a gente teve que reformular o estatuto dizendo que a gente estava vendendo os produtos dos produtores, dos associados. E lá no textinho a gente colocou esse trecho dizendo que a gente vendia do produtores, não da associação, porque poderia correr o risco da gente depois ser penalizado por isso, porque associação não tem fins lucrativos, entendeu? E aí, através desses trabalhos aí, a gente foi conquistando, aprendendo também, porque quando você participa de vários eventos, encontros, reuniões, você também vai aprendendo no dia a dia. Sempre eu falo com as meninas: “Não precisa a gente se formar pra poder aprender tudo, isso depende da gente querer aprender, quando a gente quer, a gente consegue”.
P/1 – Cecéu, a produção hoje que vocês tão fazendo aqui seria o quê, polpa de fruta?
R – É, biscoito de goma, faz o beiju, faz a farinha de tapioca, que são todas vendidas pro Pnae, que é pra merenda escolar, e pra o PAA, e a gente não vende só pro município, a gente vende pra os municípios vizinhos, a gente concorre aos editais, quando eles abaixa lá a chamada pública nos municípios, aí a gente concorre. Leva a documentação e vai concorrer, quem tem o preço mais baixo é quem ganha, então a gente agora mesmo ganhou três editais, três chamadas públicas, de Coité, de Teofilândia, Barrocas, o presidente aqui vende pra Barrocas, todo mês leva, que é cidade vizinha também e aí o ano passado a gente vendeu pra Serra Preta. E aí são várias cidades, que o que não tem lá eles pedem da gente, por exemplo, o biscoito de goma lá tem, mas não tem o beiju, não tem a polpa, não tem a farinha de tapioca, ai a gente faz pra complementar o que falta no município. E hoje nós temos a Arco Sertão, como vocês tiveram o prazer de conhecer, tiveram lá ontem, lá também é um espaço, que a gente passa pra lá e eles vende pra o Pnae, entendeu? Eles pede: “Ó, nós queremos 500 quilos de polpa”, aí as meninas bota tudo nos isopores, acho que vocês viram ali as caixas grande que a gente tem, já tudo emparedado, aí o carro já vem pegar aqui e leva diretamente pra lá, pra Serrinha, em Serrinha lá distribui pras prefeituras que pede. Então a Arco Sertão hoje é um grande suporte pra os produtores também, das associações e cooperativas.
P/1 – Pra comercialização?
R – Pra comercialização, porque, se não fosse isso, a gente não tava comercializando tanto, entendeu?
P/1 – Cecéu, você comentou com a gente antes, que vocês chegaram a fornecer também pra pessoas que recebem o bolsa-família.
R – Isso, isso aí já é o PAA, que é o Programa de Aquisição Alimentar, que é do governo federal, esse o dinheiro, não precisa de nem a parceria estadual nem municipal, é diretamente via governo federal e associação ou cooperativa, no caso da gente associação. A gente faz o projeto, manda pra CONAB, que é a companhia Nacional de Abastecimento, em Salvador, e aí lá eles aprovam ou não, se a gente mandar e tiver tudo ok, eles aprovam e manda a gente abrir uma conta. Essa conta é aberta no banco que eles escolhem também, eles quem escolhe o banco, tem que ser tal banco, hoje nós trabalhamos com o Banco do Nordeste, que tem também no nosso município, que de primeiro era, há quatro anos atrás era no Brasil e agora eles mudaram para o Nordeste. E aí a gente abre uma conta nossa e eles abrem uma vinculada, que é uma conta fechada, que a gente não tem acesso, aí, quando a gente vem, por exemplo, cada mês aqui a gente entregava 13 mil 468 reais por mês dos grupos de produção, que a gente entregava mil 224 quilos de polpa por mês, 612 quilos de beiju, 612 quilos de biscoito de goma e 600 quilos de farinha de tapioca, então nesse todinho, esse total dava esse valor de 14 mil 644 reais.
P/1 – A associação só?
R – Não, os grupos, dos grupos. Aí agora o que que acontece? Esses grupos, depois de fazer os produtos, aí as associações de pessoas carente, que tinha pessoas do bolsa-família cadastradas lá, aí complementava com o bolsa família com essa alimentação que a gente fornecia. O governo federal não cobra nada da gente, simplesmente pagava os nossos produto pra gente fornecer pra essas outras entidade pra distribuir pras famílias carente. Então em um ano a gente distribui dez meses, o ano passado a gente distribuiu de fevereiro até novembro.
P/1 – Vocês entregavam diretamente?
R – Diretamente, não, os produtores, os consumidores vinha pegar aqui na unidade, a gente tem lá as palete, os lugar tudo, os espaços de por as caixas. A gente fazia por etapa, cada entidade tinha, aqui botava tudo junto, só separava a polpa na hora que eles chegavam com o isopor pra colocar as polpas, mas as outras coisa já ficava tudo arrumado, eles vinha com o carro, pegava aqui, levava pra comunidade deles. Aí era, foi um projeto da gente.
P/1 – Funcionava isso? Você acha que funcionava esse programa?
R – E muito, foi o carro forte da gente aqui nesses últimos dez anos, 12 anos, que a gente começou a acessar a primeira vez em 2002, não foi, Vera? Aí de lá pra cá sempre a gente acessa, aí já teve projeto aqui até de 224 mil, foi, aí agora, o ano passado foi 134 mil porque eles reduziram, porque teve muitas concorrência, quando o povo viram que tava dando certo aqui em Coité, três entidade entrega todo ano, do PAA. Aí as outras prefeituras começou comprar também, que a prefeitura é diretamente pras escola, já não é como a gente, a gente é simultânea, é compra direta da associação pra as pessoas carentes do município. Aí viram que dava certo, aí as prefeituras começaram a correr atrás, outras região dos municípios vizinhos começaram, hoje já acessa quase todas as cidades daqui da Bahia, acessa o PAA, Bahia, Recife, tudo, Aracaju, tudo já acessa. Então a gente tem várias pessoas acessando hoje, aqui de Coité, esse mês mesmo a gente foi pra lá na Conferência Nacional que teve, a gente levou 12 projetos só daqui da região do Sisal, que é aqui, Coité, Retiro, Valença, Taluz, Queimada, Conceição, Serrinha, Nova Fátima, várias comunidades. Reuniu as pastas e a gente entregou diretamente ao povo de lá de Brasília, na mão deles, pra eles ver que a gente tava interessado a continuar, que esse ano ainda não foi aprovado nenhum projeto de 2014 ainda, mas as pastas tá todas lá, a gente não desiste, a gente manda pra lá e fica aguardando (risos).
P/1 – Agora, Cecéu, você observa uma transformação dessa agricultura familiar, dessa rede de entidades?
R – Ah, foi uma rede, isso, foi, foi muito, cresceu muito, tanto a transformação no conhecimento como também na vida pessoal de cada pessoa que trabalha, porque a gente viu que eles começaram a mudar a qualidade de vida, viver bem, se vestir melhor, comer melhor. Então hoje, se você chegar na casa de gente que casou, que não tinha nem onde morar, você chega, diz assim: “Mas é verdade que conquistou isso tudo que tem só da agricultura, só com o trabalho da agricultura familiar?”, você diz: “Eu não acredito”. Mas aí a gente vê aqui dentro da comunidade, nós temos 300 famílias que a gente trabalhava assim, boca a boca, que não são todos associados, mas trabalham individual, que todo mundo, você chega aqui dentro do povoado, chega ali em Pedra, em Tanque, em todo lugar, cada casa tem seu forno, aqueles que não trabalham em grupo aqui pras venda do PAA e Pnae trabalham nas suas casas pros mercadinhos, pras padarias, pras feiras, feirantes. Eu mesmo sou uma feirante, eu vendo em Retirolândia, tenho 18 anos que eu vendo lá, aí eu vendo beiju seco, vendo beiju recheado de vários sabores, e aí já tem aquela freguesia, que a gente vai pra feira de manhã, meio dia eu já to em casa de volta, já vendi tudo o que eu levo. Então a gente viu que mudou mesmo a qualidade de vida de cada um, dia de sexta, sábado, começa quarta-feira aqui, até sábado, domingo aqui, a maioria das famílias tudo viaja. Tem família aqui que tem pai, mãe, filho, genro, nora, que tudo trabalha, casaram sem ter nada e hoje todo mundo tem sua casa, seu carro, moto, tudo, você chega a ter tudo nas suas casas. Então seja assim, glória a Deus por isso, porque de 12, 13, 14 anos mudou totalmente a qualidade de vida do povo aqui da região.
P/1 – Cecéu, pra eu entender, eles têm esse trabalho mais individual.
R – Isso, pras feiras.
P/1 – E tem o trabalho aqui.
R – É, em equipe e grupos.
P/1 – Agora, a gente entendeu que, mesmo individual, tem alguma organização.
R – Em família, é.
P/1 – Cada família vai pra uma feira, o outro vai pra outra, mas o que faz crescer tanto? Vocês tem alguma reunião?
R – Não, é assim, porque quando vai pras feiras...
P/1 – O que provocou tanta gente a aderir? Eu sei que um vê o outro, mas teve alguma outra coisa?
R – Eu acho que o que fez crescer mais foi a valorização dos produtos da agricultura, que eles viram que era um produto de qualidade, que era um produto que não tinha química, que era tudo natural, e aí foram aderindo. Hoje você chega nas feiras, 70% diz assim: “Eu deixei de comer pão, eu deixei de comer mais bolacha, eu to comendo mais o beiju, que é mais saudável”. E aí, quando a nutricionista chegou, que aprovou que o beiju tinha um nutriente que era ótimo pras crianças se alimentar na escola, isso acho que fez crescer a qualidade e o nível de compra das pessoas. Porque tinha pessoas que chegavam, comprava ali um pacotinho de beiju e ia embora, hoje você vê que as pessoas chega, não compra um, compra três, quatro, cinco, seis pacote: “Ah, o meu filho gosta, a minha nora gosta, eu vou levar pra minha netinha”, tudo. Então todo mundo hoje tá comendo os produtos da agricultura como se fosse o pão, que não falta na mesa tempo nenhum de ninguém, então foi isso que fez com que crescesse e a qualidade também dos produtos. Porque, se você chega numa feira, tá tudo organizado, todo mundo vendendo normal, tudo limpinho, tudo organizado, claro que você não vai ter medo de comprar aquele produto, é qualquer um da gente que chegue.
P/1 – Essas pessoas que trabalham nas suas casas, você disse que tem muita gente agora.
R – Tem, quase todas as famílias.
P/1 – Tem um acompanhamento da associação pra garantir a qualidade?
R – Não, a fiscalização veio, a gente, quando todo mundo tinha seus fornos aqui, antes da gente acessar o PAA, veio a fiscalização baiana e municipal, da Bahia e municipal, que é quem dá o suporte. Aí vieram, fiscalizaram, aí deram, aderiu, o que é que vocês tem que transformar aqui, tem que ser telha Eternit, que não pode ser telha normal porque passa terra, poeira. Tem que ser forrado o ambiente que trabalhe com polpa, com sequilho, o do beiju eles, a telha Eternit, toda limpinha, toda arrumadinha, azulejo, até passar parte do forno, pra não cair terra em cima do forno, as portas também, que tem a tela pra não tá, nem todos adaptaram, mas muito aderiram a isso e deu certo. Então foi assim, uma conquista nossa, porque a fiscalização veio por causa da associação, não foi individual.
P/1 – Vai nas casas também?
R – Visitou todas as casas que trabalha com agricultura familiar, saiu em casa em casa, a gente acompanhou, foi três dias de acompanhamento, não teve uma casa que eles não visitaram aqui dentro do povoado, todas elas.
P/1 – Tem que ter essas condições?
R – É, aí depois eles vieram, aí deram um prazo pra quando voltar, é como aqui também, a vigilância todo ano vem aqui.
P/1 – Eles dão algum selo?
R – Pra aqui, pra entidade dá, dá o alvará de funcionamento da vigilância sanitária e nós temos também da inspeção, que é dois alvará que a gente tem, da prefeitura e tem da vigilância, aí todo ano a gente pega. Agora mesmo eu peguei esse alvará, esqueci de trazer hoje, que eu peguei essa semana, porque tava com problema lá no sistema e eles vieram me liberar essa semana o alvará daqui. Aí a gente tem, a gente tira cópia e bota o alvará lá e bota a cópia em todos os espaços físicos que trabalha, pra dizer que aqui está apto.
P/1 – Esse selo que você recebe, o alvará, vai pras casas também?
R – Não, só pra associação, porque aqui é onde tem grupos de produção, eles consideram mais onde trabalha grupos unidos, quando é familiar eles não se envolvem, não, lá todo mundo trabalha individual, eles não se envolvem, não. Foi fazer a visita porque a gente pediu também, porque eles forneciam, o beiju mesmo é feito cada qual em sua casa, não é em grupo, então a gente pediu que fosse visitar todos os grupos que tava aqui fornecendo pra também eles se adaptarem, como aqui também estava se adaptando. Então a gente fez esse trabalho boca a boca de visita, sempre a gente ia lá, aquelas pessoas acatavam, outros não gostavam: “Ai, não vou abrir meu forno pra ninguém, tudo”, “Então, se você não abrir, você vai ser fechada, você também não vai fornecer seus produtos, que a gente não vai pegar um produto que não está de qualidade pra colocar junto com quem está, que quem vai pagar isso é a gente, que quem tá lá, o nome em jogo é da associação, é de nós representantes legais de lá”. E aí aceitaram numa boa, todo mundo foi visitado.
P/1 – Cecéu, vocês já venderam os produtos de vocês, enquanto associação ou cooperativa, fora do Estado da Bahia?
R – Não, fora do estado ainda não, porque a gente precisa de um código de barra e da marca, porque a gente tá aí com um trabalho, já há muito tempo, com o SEBRAE acompanhando, agora o MOC, agora a Arco Sertão, se uniram os três e agora tá saindo. A gente já vai ter as nossas embalagens, já toda adaptada pra tudo, a embalagem pra o biscoito, embalagem pra polpa, embalagem pro beiju, já tudo lá, o que é cada qual. Porque hoje a gente pega o quê? Uma embalagem branca e lá a gente tinha que colocar etiqueta com o nome da associação, o CNPJ, a data de fabricação e a data de validade, a gente não põe nem no merenda escolar, nem em lugar nenhum a gente pões os nossos produtos sem essas datas. Mas é uma etiqueta normal, feita, é coladinha no saco, e agora o saco já é com a própria marca já na embalagem, como o biscoito, como a bolacha cream cracker, então vai ter lá dizendo: “Beiju”, que beiju é que tá ali, o que contém lá de nutrientes. Então já vai vir tudo, já, pra gente hoje tá podendo sair da Bahia, porque até agora a gente não pode sair por causa desses problemas.
P/1 – Vocês tem uma identidade visual, tem uma marca de vocês?
R – A Arco é quem está fornecendo, aí, por exemplo, a produção é de Onça, a Arco vai lá, vai dizer: “Produzido pela Associação Comunitária de Onça”, aí, mas lá quem vai ser a responsável legal pelo código de barras e tudo, a Arco, que ela que é central de vendas pra gente.
P/1 – Vocês já participaram de alguma feira da Economia Solidária?
R – Todas a gente tá, dificilmente a gente perde uma feira, Salvador, a gente já foi pra Salvado, Porto Seguro, vai lembrando aí, Vera, Coité, Serrinha, Feira de Santana, Jacobina, várias, assim, cidades da Bahia, a gente já foi quase todas, Tancredo Neves, Miguel Calmon, Pé de Serra, Irecê, todas as cidades da região, a maioria a gente já participou de feiras.
P/1 – E fora do Estado da Bahia?
R – Fora do estado não, fora do estado a gente já foi assim, sim, Vera já foi pra Porto Alegre, porque me convidaram e na época eu tava com a minha família chegando de São Paulo, aí eu disse: “Não, eu não vou poder ir, vai Vera”, aí ela foi com o grupo. Já foi também pela Arco Sertão junto com o MOC, aí foi, levou também os nossos produtos, foi bem vendável lá, foi uma feira e tanta, Rio de Janeiro também os grupos já foi, eu não fui, mas já foi o grupo, pra Brasília também já foi grupos daqui também. Porque, assim, eu não posso, mas Vera pode, outra pode, então a gente vai, cada localidade que vai, vai um grupo trabalhar, aí leva os produtos lá, mostra os produtos, leva pra amostra e leva também pra vender. Aí fica uma mesa lá só pra amostrar os produtos daquele município e outra só de vendes, aí, mas vende muito, tem cidade que você vai que não fica nada, vende tudo.
P/1 – E os filhos da senhora, participam?
R – O meu, eu só tenho um em cada agora, já são todos casados, cada qual tem sua família, a minha nora, ela tinha problema, não podia trabalhar com essas coisas, ela hoje trabalha na Via Uno, uma delas. A outra trabalha no grupo aqui de polpa, de polpa não, de biscoito de goma, e aí família toda aqui, acho que todo mundo aqui é família, todo mundo trabalha.
P/1 – A senhora teve quantos filhos?
R – Eu tive quatro, aí só tem um rapaz comigo, esse trabalhava comigo lá, mas agora achou um emprego aí, foi embora, foi embora não, não saiu de casa, trabalha aqui mesmo no município.
P/1 – Qual o nome dele?
R – É Acácio de Oliveira Moraes.
P/1 – Acácio, e depois os outros?
R – É Alex e Alexio, e a Maria Nelma, essa que mora em São Paulo, que já tem 18 anos que mora lá.
P/1 – Por que ela foi pra São Paulo?
R – Ela foi lá visitar a minha irmã que morava lá mais minha mãe e, quando chegou lá, arrumou um trabalho e: “Ah, mãe, eu vou ficar aqui, se der certo eu fico, senão eu volto” e com isso ficou lá, tá lá há 18 anos, agora tá planejando, dizendo que vem embora, agora, quando Deus é quem sabe.
P/1 – Ah, ela quer voltar pra cá?
R – É o sonho dela, ela já não voltou porque o esposo tá trabalhando na Caixa Econômica e precisa de um tempo, pra poder pedir transferência pra cá pra Bahia.
P/1 – Ele é de lá?
R – Ele é daqui de Feira de Santana, aí ele mudou de cargo o ano passado, quando foi, assim que ele mudou, surgiu uma vaga aqui em Conceição do Coité na Caixa, aí ele mandou, ainda veio, tudo, pra ver, mas, se ele viesse pra aqui, ele não continuaria com o cargo que ele tava lá, ele tá como subgerente agora. Aí ele sonha chegar mais na frente em outro cargo, aí disse que não vinha, aí ficou sem, mas eles disseram que qualquer tempo, aí é dois anos depois de cada cargo, que pode pedir, disse que 2015 pede a transferência pra Bahia, não importa aonde for, o importante é vir pra Bahia (risos).
P/1 – A sua mãe tá morando em São Paulo também?
R – Minha mãe não, minha mãe mora aqui, já vieram todas, as minhas irmãs que morava lá vieram todas, só tem ela agora lá, só minha filha que mora lá hoje.
P/1 – E essa volta, você acha que tem a ver com alguma coisa aqui?
R – Ah, é porque ela diz assim, que foi pra lá porque a família estavam todas, as tias, a família quase toda morava lá, depois que veio embora, ela casou, aí construiu, tem tudo lá hoje, aí diz que não vinha assim, sem ter uma estrutura maior pra quando chegar aqui, já tem filhos, não viver pior do que o que vivia, quer viver melhor. Então a gente, eu vou pra lá todo ano, quando eu não vou, ela vem, o ano passado eu fui, ela veio também, esse ano já tá vindo novamente, aí sempre a gente vai assim, de seis em seis meses, de ano em ano, a gente nunca fica sem se ver. Mas ela pensa de vir embora, ela pensa, ela diz que não pensa de ficar lá o tempo todo, não.
P/1 – Cecéu, agora a gente, retomando aqui o trabalho do grupo de vocês, como que o Consulado apoiou vocês?
R – Na época que o Consulado apareceu assim, dizendo: “Ó, o Consulado apoia os grupos de produção e aí tem equipamentos da Cônsul que pode tá fornecendo pra quem trabalha”, aí a gente, nessa época era a Gisleide do MOC que acompanhava a gente, aí eu disse: “Ó, Gi, eu queria tanto porque a gente tá aí montando um grupo de polpa e a gente não tem freezer suficiente pro grupo trabalhar”. Ela: “Pronto, vamos fazer o seu cadastro”, oque que precisa pro cadastro? Somente o CNPJ da associação, o nome dos diretores, no caso o presidente, o tesoureiro e contar a história da associação, como começou a associação, qual era a finalidade da gente, o que é que a gente pensava, a perspectiva que a gente tinha pra trabalhar melhor. E aí a gente contou um pouco, nós tinha um grupo de mulheres que tinha interesse de tá trabalhando, mas a associação em si, por sei própria, não tava podendo comprar os equipamentos e a gente tem interesse de participar desses sorteios que o Consulado estava fornecendo. Aí mandou, Gisleide fez, a gente apoiou tudo e mandamos, aí quando foi com três meses depois eles mandaram um e-mail pra Gisleide pedindo o meu contato, que a gente tinha ganhado, que a associação de Onça tinha sido escolhida, que a gente tava recebendo um freezer, um fogão e uma geladeira Frost Free, no primeiro momento a gente tava recebendo isso e no futuro que a gente poderia estar se inscrevendo novamente pra ganhar novos equipamentos se tivesse interesse. Aí a mandou agradecendo e tudo, aí depois que o carro veio trazer aqui, aí eles pediram que a gente tirasse foto com os grupos dos equipamentos chegando, a gente fotografou, mandou pra lá pelo e-mail, aí eles mandaram dizer que tava tudo ok, a gente agradeceu e tudo. Aí depois disso eles vieram lá na Arco, lá no armazém da agricultura e a gente tivera um tempo, assim, pra gente conversar e agradecer frente a frente. E aí ela falou que tava muito feliz com os grupos daqui da Bahia porque o grupo da Bahia aqui tem um nível de organização e que ela tinha visitado todos e que ia ter o prazer ainda de vir aqui. Que por sinal até a Tatiana me ligou de Brasília anteontem à noite dizendo que tá vindo aqui no dia 28 e que queria vir aqui no centro de produção da gente porque queria ver a gente de perto, o que que a gente tava precisando. Que eu tinha mandado dizer que a gente precisava agora de um liquidificador, mas que eles não poderiam fornecer esses tipos de equipamento, mas o que eles poderia, que tava vendo lá e ia passar pra gente o que tinha lá pra oferecer. Então a gente pediu mais freezer, pedimos um ar condicionado pra o centro de produção de polpa, que pode, aqui não pode porque tem, trabalha com temperatura, não pode instalar, onde tem forno. E aí a gente tá aguardando, sempre a gente tá acessando todo espaço que a gente acha, e aí Deus sempre prepara, que a gente nunca perdeu, todos que a gente foi, sempre teve êxito até hoje. Então o Consulado, eu disse pras meninas que o Consulado foi a luva pra mão de vocês que estava faltando, porque se não fosse por ela a gente não tava hoje fornecendo e trabalhando e fazendo tanta polpa como a gente tá fazendo. Esse ano mesmo, as prefeituras tá começando a pedir agora, mas elas já entregaram quase dois mil quilos de polpa esse ano, não é, Vera? Pra Barrocas, Serrinha e Coité agora, mais de dois mil quilos já entregou durante esse período e tá começando a pedir agora, tem poucos meses que começou pedir, dois meses. Então elas têm tudo pra oferecer, aí elas trabalham o quê? Não espera pedir, já começa a produzindo e já armazenando, na hora que liga: “E aí, nós queremos tantos quilos de polpa”, já tem feita, só é preparar tudo e levar. Então ela ter essas organizações, já essa preocupação, a única coisa que a gente não armazena é o biscoito de goma porque não pode armazenar, o beiju, mas pede segunda-feira: “Eu quero pra de hoje a oito”, aí todo mundo trabalha pra entregar no prazo que eles pedem.
Congelou, resfriou, tando no freezer, aí pode ficar até seis meses, um ano, ninguém reclamou, porque são polpas que é feita de qualidade, não leva água, são coisa, o mínimo que põe, só pra lavar na hora que tira ali pra lavar na peneira o resto das coisas que fica. Mas a polpa daí, assim, todo mundo que já comprou daqui acha que é uma das melhores de qualidade, porque não tem água, ela é conservada a polpa mesmo da fruta. Então o povo hoje pede muito mesmo, agora mesmo foi mil e cem quilos só pra Serrinha, mil e 80, foi 530 e 550 só pra Serrinha, então a gente vê assim, se você trabalha com qualidade, você tem tudo pra crescer, então é isso que a gente todo dia faz reunião, quando vai trabalhar aqui tem reunião direto, não é, Vera? Senta ela com o grupo de polpa, que ela é responsável pelo grupo de polpa e essa outra que veio aqui é responsável do grupo, que a gente botou uma pessoa pra se responsabilizar nessas horas de sentar, reunir: “O que é que falta aqui pra organizar? Falta limpar isso, vamos dar faxina hoje porque amanhã vai trabalhar”. Então todo mundo vem, dá faxina, limpa, arruma tudo, no dia seguinte vem trabalhar, aí todo mundo vem fardado, todo mundo de toca, todo mundo de sapatilha, todo mundo já organizado, tudo de branco, tudo arrumadinho mesmo. Então os grupos aqui já tão tudo adaptado pra o que hoje exige a vigilância.
P/1 – A gente sabe que tem o tal do selo da Anvisa, que é muito difícil.
R – Isso, é difícil pra gente.
P/1 – Mas tem algum selo, alguma coisa que as pessoas, por exemplo, pra conseguir a parceria pra merenda.
R – Isso, pra merenda, a vigilância sanitária veio, fez a fiscalização, tanto estadual como municipal, e também a nutricionista que levou todos os produtos que é feito nas associações, e lá elas encaixaram como é produto artesanal, manual mesmo, que é produto que os agricultores da agricultura familiar produz manual, artesanal. Aí, como eles...
P/1 – Faz o teste.
R – É, aí, como fizeram o teste lá e tudo, deu tudo ok, água levaram pra fazer análise, tudo, como deu tudo ok, não teve nada assim, de contaminação, aí eles autorizaram ficar fazendo pra o Pnae, pra merenda escolar.
P/1 – Aí essa fiscalização e tudo isso é do governo.
R – Municipal e estadual, é, agora só que pra gente ter o selo é que, como eu falei no início ali, conversei até com vocês, vocês: “Ah, na hora da gravação vai falar”, precisa da gente ter o selo, o sim, e tem que ter também a ANVISA e a estrutura, que eles não aceitam a estrutura construída. Foi analisada uma agora em Juazeiro da Bahia, que mandaram até uma foto pra gente ver se a gente tinha interesse, eles monta, já vem pronta a casa, chega, só monta no espaço físico e nesse espaço não pode ter nada por perto, é área isolada pra não ter nada de construção. Como a gente tem a área que produz farinha, que tem poeira, que tem coisa, aí a gente não tem como a gente tá fazendo isso aqui.
P/1 – Mas nesse caso, pras merendas, teve essa aprovação.
R – Teve, teve pra o Pnae, até hoje.
P/1 – Não é de cada prefeitura, é uma aprovação geral?
R – Geral, geral porque quem tem o aval foi a nutricionista e a vigilância sanitária, que tava tudo sobre controle, que não tinha nada de fungos, não tinha achado nada, que todo mundo já está adaptado, que todo mundo trabalhava com mesa inox, fogão inox, mesa, lugar de lavar mão, de lavar a louça, tudo era separadamente, não tinha nada de contaminação e que não tinha problema nenhum. E graças a Deus não teve, porque tem muitos anos que vem assim e até hoje nunca teve nenhuma reclamação de nada dos produtos que leva de todas as associações do município. E aí, como a gente tava falando no início também, pra gente conseguir isso também foi uma luta, a gente tinha reunião do conselho, do FUMAC, que é do conselho municipal do município, e lá a gente falou: “Por que não vocês não tá inserindo esses produtos na merenda escolar?”. Que 12, 14 anos não entrava merenda escolar com os produtos da agricultura, aí: “Porque beiju quebra muito”, na época era mais o beiju, o foco principal era o beiju, o povo chamava, era o ouro branco da comunidade, que era de onde todo mundo sobrevivia, com as vendas. Aí a gente chegou lá, quando eu falei, eu era até uma das conselheiras do conselho na época, aí eu questionei: “Por que não? Vocês compra tudo de fora, até aquela sopas coloridas, que não tem qualidade nenhuma, as crianças nem toma, joga fora, como eu já presenciei lá na escola na minha comunidade, as crianças chega, bota ali, chega, despeja ali no lixo. E por que não tá inserindo nossos produtos da agricultura pra merenda escolar?”. Aí o secretário na época disse assim: “Dona Maria, a senhora acha que beiju não quebra tudo, a senhora acha que se eu comprar beiju pra merenda escolar, como secretário da educação, e mandar pra Onça, os meninos de onça vai comer?”. Eu disse: “Nós vamos enfrentar uma batalha, eu lhe garanto que se a gente botar beiju na merenda escolar e vocês ir lá na escola da gente, porque os nossos filhos, o dia que a gente trabalha no forno ninguém quer um beiju ou ninguém quer um pão, ninguém quer um cuscuz, ninguém quer uma bolacha, vai pro forno: ‘Mainha, faz um beiju pra eu tomar café hoje’, aí todo mundo vai pedir um beiju. Como é que essas crianças não vai querer beiju no lanche? Vamos fazer uma proposta, você vai lá fiscalizar, a gente vai levar o beiju pra lá e você vai lá fiscalizar pra ver se os meninos não vai aceitar, se tiver aceitação, você vai pedir pra merenda escolar pra ver se dá certo, vocês tem que tentar, porque a gente tem produto e vocês não querem valorizar o que a gente temos”. Aí fizemos questionamento, teve eu, teve um menino aqui também da escola, tava lá também, Marinalva também tava lá, que é a Nalvinha de Pedras. Aí agora ele disse: “Vem aqui, Dona Maria, se eu pedir pra senhora hoje três mil quilos de beiju pra senhora entregar segunda-feira, a senhora entregaria?”, eu digo: “Você tá me testando? Peça hoje pra eu lhe trazer sexta-feira”. Aí quando eu falei, enfrentei ele assim, disse: “Peça”, eu falei até brincando: “Tá me testando, Haroldo, peça hoje pra sexta – era uma segunda-feira – pra você ver se o carro não entra cheio de mercadoria lá no Caíque”, que era o lugar que a gente entregava as merendas. Aí ele disse assim: “Ah, tá bom, eu vou estudar o caso de vocês, aí a gente veio embora, quando foi terça-feira à noite ele ligou pra mim: “Dona Maria, eu to precisando de dois, três mil quilos de beiju segunda-feira”, aí eu disse: “Tudo bem”. Quando eu disse tudo bem, ele rio, ele achou que a gente não ia ter capacidade, aí eu calei minha boca, saí: “Vera, consegue gente aí pra fazer beiju, bota 20 quilos pra um, 20 pra outro, 20 pra outro e vai”. Aí a gente dividiu, aí botamos mil e 500 quilos aqui, mil e 500 pacotes pra aqui pro povoado, liguei pra Nalvinha: “Nalvinha, manda teu grupo aí fazer mil e 500 pacotes”. Eles achavam assim, que a gente trabalhava individual, que a gente não tinha grupo capaz de fornecer, quando foi segunda-feira, oito horas da manhã, antes do Caíque abrir, eu tava com o carro carregado na porta do Caíque e Nalvinha com o de lá de Pedras. Quando terminou de abrir, a gente entrou, os dois carros carregado e começamos a ajudar, que a gente ajudava a descarregar lá dentro, aí a gente acompanhava, eu ia, Vera ia, as meninas das Pedras ia, os meninos iam. Aí começamos descarregar, o rapaz chegou, ai eu disse: “Liga aí pra o secretário e ligue também pra menina aí, a secretária, que é pra vir, que a gente já tá aqui”. Quando terminou de tirar, eles conferiram tudinho, as caixas que a gente bota o nome da entidade, os produtores, que se tiver algum problema eles já sabem quem foi que fez com problema. Aí eles fiscalizaram tudinho, abriu caixa de cada um produtor, olharam tudo direitinho, eu digo: “Não tem nada quebrado, tem?”, “Não”, “Pronto”, aí agora eles assinou tudo lá e começou a botar. Minha filha, quando chegou aqui, eles vieram investigar aqui, vieram fazer uma filmagem aqui na escola, na Onça, porque era de onde tinha o foco do beiju, quando chegou aí, que botou os beiju na mesa, os meninos cobriram em cima, suco de aipim com beiju. Ó aí ela, tu tava no dia, não foi? Foi eu, Nalvinha, Nalvinha era merendeira na época aí na escola e a gente fornecendo, quanto mais botava beiju, que os meninos pegava beiju e comia, tomava suco, comia, eles ficaram tudo de boca aberta. Daí pra lá abriu a porta, não fechou nunca mais, mas foi, a gente teve que desafiar mesmo e dizer: “Nós somos capazes de fazer isso, eu até um dia disse a ele: “Haroldo, você acha que é porque a gente somos pequenos produtores nós não temos capacidade, mas nós temos, vocês é que não quer ver isso com bons olhos, mas, se vocês acreditar, nós vamos mostrar que nós somos capazes”. E aí daí pra lá pronto, aí nunca mais parou, depois surgiu a lei, que graças a Deus o governo criou essa lei, que é obrigado, antigamente não era, mas agora é obrigatório as prefeituras comprar 30% ou mais dos produtos da agricultura. Querendo ou não querendo toda prefeitura tem que comprar e prestar conta de 30% da agricultura, esse governo federal foi a luva certinha pras mãos dos produtores porque, se não fosse isso, a gente não sabia onde é que tava hoje.
P/1 – Que época foi que veio essa lei?
R – Foi 2010, 2011, 2012 pra cá foi que começou a botar mesmo no papel mesmo e pisar no pé dos prefeito, que antigamente eles compravam o que queriam, mas agora não, eles é obrigado a comprar e prestar conta. Então hoje nós temos a chave na mão pra gente buscar novas portas e aí, graças a Deus, tamos aí e vendendo muito mesmo, os grupos, as produção, as pessoas nas feiras. Com isso cresceu as vendas nas feiras porque o povo viu que tava dando certo também até pras crianças nas escolas e aí foi aumentando o índice de vendas dos produtores.
P/1 – Cecéu, a renda que vocês produzem, que conseguem gerar aqui com a venda, até com esse fornecimento pra merenda escolar, dá pra vocês viverem?
R – Tranquila, todo mundo hoje tira, eu mesmo, sempre eu falo: “Ninguém tira menos de um salário aqui por mês”, porque a gente sabe que o salário é pouco, mas, se você tira um salário, seu esposo tira, seu filho tira, sua filha tira, como é que você vai viver difícil? Não vive. Então hoje a maioria tira até mais de um salário, depende, porque tem pessoas que vendem pra o PAA, vende pra prefeitura, vende nas feiras, vende pros mercado. Tem pessoas aqui que vendem mesmo em quantidade, é toneladas que leva pra Salvador, pros mercados grande, nós temos pessoas aqui da comunidade que distribui nos mercados grandes de Salvador todinho.
P/1 – Como vocês fazem essa divisão?
R – Cada um vende, por exemplo, eu vou pra minha feira, eu levo minha mercadoria, é minha e da minha família, aí a gente vende, tira todas as despesas das matérias primas, dos produtos que a gente compra, e os lucros fica pra gente, pra gente mesmo. Tem mês que a gente fica com cada feira 350, 400, eu mesmo, a feira que menos eu fico, eu fico com 400 por semana, aí, quando vence o mês eu to com meu mil, mil e 200 reais líquido, depois de toda despesa.
P/1 – Pra família?
R – Da minha família, pra minha família.
P/1 – Recebe mil e 200 reais.
R – É, pra família, não é assim, individual, é pra família.
P/1 – E aí contribui, cada um desses contribui pra associação?
R – É, a associação, a gente paga, a mensalidade é, faz até vergonha de dizer, dois reais de cada produtor, que é assim, um fundo que recebe de cada um pra poder tá cobrindo, assim, uma água, uma, pagar uma conta de água, na hora que precisa pagar um trabalhador. Que por sinal tá aí cheio de mato porque não achou trabalhador esse período, que todo mês a gente faz limpeza geral, aí pra pagar a mão de obra, quando o povo não reúne, porque às vezes a gente faz é mutirão, mas quando não tem tempo, aí a gente arruma pessoa da própria comunidade, que é próprio associado, aí paga uma taxa a eles pra eles vir zelar e limpar tudo. Então, assim, cada grupo aqui tem seu papel e todo mundo desempenha até hoje muito bem, graças Deus, tem alguns que sempre, em grupo sempre tem aqueles que bate o pé, acha que não vai obedecer, mas não é obedecer, é a gente fazer aquilo que é bom pra gente e pros outros, não é?
P/1 – Por exemplo, Cecéu, acontece a situação de a família quer produzir, por exemplo, os biscoitos, os sequilhos, mas não tem como fazer na sua casa, quer vender aquela produção na feira, ela pode utilizar aqui o espaço?
R – Sendo associada pode sim, o espaço aqui é de todos, aqui a gente não tem exceção, quando tá o grupo trabalhando não, porque o grupo tem sua entrega e tem sua meta a cumprir. Se você pedir: “Ó, Dona Cecéu, eu quero x quilos de sequilho hoje”, mas eu, que não trabalho no grupo, to em casa e eu preciso fazer, eu não vou fazer naqueles dias porque elas têm compromisso e responsabilidade. Então a gente já fala isso em reunião, na assembleia mensal a gente já deixa tudo bem claro, aqui todo mundo é dono de tudo, aqui ninguém é dono, o presidente aqui não é dono de nada, nós apenas viemos pra aqui pra dirigir os trabalhos, pra coordenar os trabalhos, mas quem é dono aqui são todos vocês. Então, se hoje eu disser assim: “Hoje tá parado aqui, mas eu quero produzir alguma coisa aqui”, eu posso vir produzir, chamo uma pessoa daquele grupo, porque meu trabalho não é isso aqui, mas se eu quero fazer e eu não entendo. Eu tenho fruta em casa, eu quero fazer uma polpa pra mim, pra minha família, pra eu reservar no meu freezer, aí eu chamo uma menina do grupo, dou ali uma gratificação pra ela, o dia dela, o trabalho dela, porque eu não vou explorar ela, assim, vou contribuir: “Não, eu vou lhe pagar x da sua diária e você vai ali fazer uma polpa pra mim”, ela vai comigo, eu ajudo ela e a gente faz. Então todo mundo trabalha assim, do mesmo jeito é aqui na parte do forno, se alguém quer vir fazer, quer vir fazer um bolo pra uma festa: “Nós pode usar aquele espaço pra fazer?”, “Pode sim, tá lá, é de vocês”. Então desde quando que eles tenham responsabilidade e saber como entrar e como sair, deixar tudo do mesmo jeito que achou, que às vezes tem pessoas também, vêm o quê? Bagunça e deixa e aí a gente já deixa uma meta, o regimento diz, tem que utilizar, mas deixar como achou, tudo no seu cantinho, no jeito que deixaram, porque você vem trabalhar, mas tem que também zelar o que tem. Então todo grupo aqui já sabe disso, vem pras reuniões direitinho, participa, sabe como é, continua fornecendo os seus produtos, mas também tem que contribuir pra isso acontecer.
P/1 – Se a senhora for pensar, se não existisse toda essa estrutura da associação, essa organização de vocês, a senhora consegue imaginar o que a senhora estaria fazendo?
R – Se eu saísse daqui?
P/1 – É, se não existisse associação, todo esse trabalho.
R – Eu não penso isso de sair, não, nem passa porque eu me vejo.
P/1 – Não, mas se não existisse.
R – Se não existisse, não, se não existisse hoje os grupos, eu poderia viver bem porque eu tenho o meu trabalho também na minha casa, mas eu não ia tá feliz eu vivendo bem e vendo os outros vivendo com dificuldade. Então foi por isso que a nossa preocupação de tá montando a estrutura pra os grupos que não têm espaço físico, pra trabalhar. Porque se eu disser assim: “Eu, Cecéu, não to nem aí”, eu to sendo egoísta, porque eu me preocupo demais com os meus grupos, com todo povo. Quando alguém disse assim: “Ah, eu queria trabalhar porque não tenho condição”, tem uma jovenzinha que casou que não tinha estrutura nenhuma: “Dona Cecéu, eu gostaria tanto de fazer parte daquele grupo”, “Pronto, vá pra reunião, vá participar da reunião, veja como é que funciona, se você se adequar ao que está acontecendo lá, você vai trabalhar com o grupo”. Ela veio, trabalhou junto com o grupo, ninguém disse nada, aí eu disse: “Os grupos não pode questionar porque é uma jovem e casou agora, tem filho, o filho a mãe toma conta pra vir trabalhar, então vocês têm que dar todo apoio, apoio total, porque juventude a gente tem que ter todo cuidado com ele, seja espaço social, religioso, você tem que saber como lidar”. Então graças a Deus essa menina não deu quebra cabeça nenhuma pra os grupos, trabalha direitinho, a hora que chama ela: “Vamos ali resolver isso ali, vamos mudar os lados da polpa pra entregar direitinho”, ela deixa tudo lá, vem, não deu problema nenhum pro grupo. Então era um grupo de seis, hoje já tem, já aumentou mais duas mulheres, essa jovem mais uma senhora que não morava aqui, que veio morar.
P/1 – Elas recebem por diária, Cecéu?
R – Não, elas recebem pelo o que ela, o que dá de lucro, é dentro do índice de lucro que dá, por exemplo, eles compra a polpa, compra a embalagem, tudo direitinho, e aí, quando termina de fazer as entregas, que a prefeitura paga, ou quando vende pra outros lugares, aí chega aqui, senta o grupo: “A gente gastou x disso, x daquilo, x daquilo”, aí tira a despesa de tudo e aí o lucro, sobrou isso, aí vai dividir entre os oito que trabalharam aquele mês. Aí tem mês que eles fica com 250, mês não, não é mês, que eles trabalha dois dias, três por semana só, pra fazer 500 quilos, 600 quilos, aí dentro desses dois dias, três dias eles fica com 200, 250, 300. Tem mês que fica até, quando é fruta da época, que eles compra mais barato aqui da região, que é muita fruta, aí o povo vende a qualquer preço pra não perder, aí eles ganha muito, agora, quando é comprado fora, que vem de fora, aí já diminui o lucro porque já é mais caro também os produtos. Mas aí eles trabalha tranquilo aqui, graças a Deus, eu sou presidente, nem me preocupo muito, eu venho visitar uma vez por mês só, venho pra reunião e só venho de vez em quando, assim, eu venho de surpresa pra ver como é que tá funcionando, pra ter um controle. Mas as responsabilidade delas elas assumem direitinha, todos os dois grupos aqui, eu não me preocupo, que eles assumem.
P/1 – Os dois grupos seria o que, das mulheres e da...?
R – Da polpa e do biscoito de goma, que são os dois grupos que trabalha aqui, e dos beiju, quando tá fazendo pras prefeitura, a gente fiscaliza: “Você vai fazer tantos quilo”, mas antes de mandar pra prefeitura a gente vai lá fiscalizar: “O beiju tá mesmo de qualidade, do jeito que agente pediu? Porque senão vai o nome seu, se não receber, você vai receber de volta e você vai perder”. Aí uma ameaça dessa todo mundo tem medo porque você perder o seu produto, então você tem que fazer com qualidade, porque já teve época aqui que fazia de qualquer jeito. “Ah, não, é pra prefeitura, é pra governo, então pode”, “Não, de qualquer jeito não, o governo tá pagando, tá comprando, a gente não está dando, então você tem que entender que é o nosso dinheiro que eles tão devolvendo pra gente, então enquanto você não entender isso e valorizar, então você não vai viver bem”. Aí foi lutando, até que enfim a gente chegou lá, mas foi uma luta (risos) pra chegar lá (risos).
P/1 – Então quando vocês tem contrato assim, com a prefeitura pra fornecer o alimento pra merenda escolar, vocês dividem entre vocês que trabalharam?
R – Que trabalha, é só quem trabalha, por exemplo, pediu beiju, aí eu vou fazer, eu faço quantos quilos? Vinte quilos, 40 quilos, eu tenho capacidade de entregar 40 quilos, então eu faço: “Ó, Vera”, aí nós tem um caderno, um livro-caixa, que ali vai ter: “Cecéu fez 40 quilos”. Foi de quanto o quilo? É sete reais o quilo, dá quanto? Quanto vai tirar de embalagem? Porque até a associação se preocupou de comprar as embalagens já adaptada pra fazer as entregas em nome da associação, as caixas de colocar os produtos dentro, já tem tudo com a marca da associação. E aí a gente pega as caixa e depois que a gente recebe da prefeitura é que a gente paga a fécula, que é a fécula da mandioca, as caixas, as etiquetas, que é tudo a gente que faz e fornece pros grupos. Aí depois a gente tira tudo e o que fica é deles, o lucro é todo pra eles, a gente também, pra associado a gente não tira nada, da produção deles a gente não tira, quando é vendido assim, diretamente pro PAA e pro Pnae, o lucro é deles mesmo. A gente não tira nada pra associação, a associação é o suporte que tá dando apoio a eles pra viverem melhor
P/1 – Cecéu, você disse antes pra gente que você também participa da igreja, é isso?
R – Sim, sou.
P/1 – Da igreja católica? A tua participação na igreja contribuiu de alguma forma pra organização da associação?
R – Sim, porque hoje, contribuiu muito, porque todo dia eu digo: “Ai da gente se a gente não tivesse uma religião hoje a seguir, um Deus vivo na vida da gente”, sempre eu falo na igreja e falo aqui, porque primeiro plano vem Deus, segundo vem as coisas. Aí quando eu falo, quando a gente vai fazer um trabalho, a gente tem que pedir direção a quem? A Deus, porque nós sabemos, nós somos um cristão, um ser humano que ele criou e ele deixou a gente livre e a gente decide o que a gente quer, pode ser o bem ou o mal, mas aí, como a gente não quer o mal pra ninguém, a gente quer o bem. Então, se a gente hoje não tivesse uma religião pra gente coordenar, porque pra você trabalhar com gente às vezes é muito difícil, quando envolve muita gente junto, cada um com uma cabeça, com um pensamento, outros com o seu individualismo, acha que pode fazer sozinho, que não precisa de apoio nem de ninguém pra tá indicando. Então a gente precisa muito de Deus pra essas horas, então acho que a igreja foi o grande suporte na minha vida, porque eu vejo com bons olhos, entendo cada uma delas, não sou perfeita, como ninguém é perfeito, só Cristo, mas eu tento cada dia melhorar mais, porque Deus fala que a gente tem que fazer por todos, que ele veio por todos. Então, através do conhecimento religioso, deu também pra gente levar isso, esse barco, não deixar à deriva, não deixar afundar, tentar segurar eles pra continuar lá em cima, da água, pra não se afundar. Então eu acho que, como uma católica, que eu sou afetiva, nós temos muitas pessoas também de outras religiões, que eu respeito eles, eles me respeita, a gente não discute problema de religião. Todo dia eu digo: “Ó, religião e política são duas coisas que a gente não deve discutir e se respeitar o lado do outro, você tem seu partido, você escolheu votar em fulano, eu escolhi votar em ciclano, não importa, você acha que ele merece o seu voto, eu acho que esse merece. Aqui a gente tem variedades de pessoas, que votam em A, B e C, eu nunca disse aqui, disse assim: ‘Vote no meu candidato que é bom’, não, vote em quem vocês acharem que é o melhor pra vocês, que seja melhor pra comunidade, pra sua cidade”. Nunca cheguei pra pedir voto pra ninguém, eu respeito sempre, na igreja do mesmo jeito, se alguém chegou, que eu vejo que não tá de acordo, que as regras da igreja, que a gente sabe que a igreja também tem suas regras. Aí eu falo que, se veio com uma roupa muito indiscreta, muito indecente, eu chamo, converso, não chamo atenção no meio de ninguém, chamo, falo: “Ó, desse jeito que você está, você tem que ver que aqui não é praça, não é coisa de festa pública, essa roupa a gente pode vestir pra ir numa festa, uma lavagem, uma festa de rua, mas dentro da igreja em si... Como é que você vai pra diante de Deus se apresentar desse jeito?”. Converso direitinho, eles me respeita, me entende direitinho, graças a Deus, do mesmo jeito era aqui nos grupos, quando os grupos queria vir com qualquer roupa, um de short, outro de saia, outra de shortinho curto, outra de saia: “Não, não pode, vocês têm que fazer a farda de vocês pra trabalhar todo mundo igual, é grupo, juntos trabalhando, então vocês têm que tá tudo organizado”. Aí do ano passado pra cá foi que começaram a se organizar, que foi dois anos, três anos de reunião direto, até conseguir se adaptarem mesmo, pra tá onde tá hoje. Elas vinham assim, com a blusinha com o nome do grupos, mas vinha com uma saia preta, uma saia branca, uma saia vermelha, cada um vinha com uma roupa, assim, diferente, nunca vestia pra vir, como uma farda mesmo de trabalho. Aí agora não, fizeram calça branca, fizeram blusa branca com o nome de grupo de produção ou nome da associação, sapatilha branquinha, tudo, touca, tudo arrumadinho. Então agora estão organizado pra dizer assim: “Tira uma foto e manda pra qualquer lugar dizer: ‘Aquele grupo está mesmo organizado’”, mas foi um trabalho, uma luta total pra gente conseguir.
P/1 – Em relação aos jovens, Cecéu, como é que você tá vendo a participação deles, as perspectivas pra eles aqui?
R – Então, a juventude aqui em si da comunidade, num instante eu conversei até com o senhor Juvenal lá sobre essa questão, a gente também teve um trabalho voltado, a associação, a igreja e a escola, a gente fez, assim, uma reunião tudo juntos e a gente pensou, trouxe pessoas porque tava um índice, assim, da juventude muito se envolvendo, a vida sexual cedo demais, a vida de bebedeira, bebia muitos, outros já se envolvendo com drogas, vindo pessoas de cidade pra cá e conquistando aquela amizade. E, quando a gente viu que a juventude estava mesmo chegando lá no fundo do poço, a gente começou a fazer esse trabalho na escola, na igreja, na associação, trazendo o jovens, assim, conversando de boca em boca, fazendo reuniões, trazendo pessoas capacitado, que entendia dos projetos, como é que funcionava, de que forma a gente queria que os nossos jovens vivessem. Então a gente começou a fazer esse trabalho, de três anos pra cá, graças a Deus, melhorou muito, a participação na igreja, na escola, na associação mudou muito, porque eles não queria nada, ia pra escola, pulava o muro, pichava muro, quebrava porta. Aqui na associação eles vinham, pichavam, roubavam os canos, arrancava cano de água só por bagunça mesmo, e de quatro, cinco anos pra cá mudou tudo, acabou tudo, você pode deixar o deixar aqui, nunca mais achamos nada fora do lugar, deixa tudo aí, graças a Deus não teve mais nada.
P/1 – Eles têm alguma participação?
R – Tem, participa, tem muitos jovens envolvidos, tanto aqui na associação, faz parte da diretoria, tem jovens afiliados que participa diretamente, vem direto pras reuniões, os filhos dela, meus filhos, os filhos das diretoras, muitas pessoas que os filhos, os pais não está, mas que estão aqui, que são sócios. Aí o trabalho social também, é lazer, a gente viu também que tava difícil, que aqui não tinha uma área de lazer pra os jovens, só tinha uma quadra e só da escola, os outros da rua, que não estudavam aqui, não tinha oportunidade. Aí a própria associação comprou uma área, fez um campo de futebol, nós temos uma área de um campo aqui na, dentro do povoado, que esse é da associação, mas é área lá dos jovens tá jogando sua bolinha, batendo seu baba, como diz eles, às quintas, aos sábados, domingos. Então a gente foi desenvolvendo assim uma coisa que fosse melhorando, que a gente não consiga melhor tudo, que a gente não somos capazes de melhorar tudo, só Deus pra melhorar tudo, mas a gente faz a nossa parte da maneira que a gente pode.
P/1 – Cecéu, hoje você é presidente da associação?
R – Hoje eu sou presidente, já fui três anos consecutivos, depois voltei de novo, agora sou de novo, já é, acho que eu tenho uns dez anos de presidente aqui, porque assim, são dois anos consecutivos que a gente pode, primeira gestão, depois a segunda, que o estatuto é o que diz. Aí depois entra outro grupo, torna a coordenar dois ou quatro, dependendo dos associados que eleger, porque aqui nem chapa ninguém enfrenta, a gente abre espaço, edital, bota na escola, bota em todo lugar, mas ninguém vem pra dizer assim: “Eu vou fazer uma chapa pra enfrentar ninguém lá”, pra disputar uma e duas. Não, sempre a gente dá os nomes, que a gente forma a diretoria, e leva pra assembleia, aí aqueles que eles aprova permanece, os que eles acha: “Ah, não, por que não botar fulano?”, se a maioria disser: “Não, nós queremos é fulano”, aí tira aquele, já bota aquele que é maioria, porque quem decide não é a gente e sim a assembleia, levada pra assembleia nas reuniões.
P/1 – Depois de dois mandatos tem que trocar?
R – Aí é, por exemplo, eu to de 2013 e 2014, agora em 2015, em janeiro de 2015 jpa vence o meu mandato, eu posso tornar a ficar dois anos se eu quiser e a assembleia aceitar que eu fique, aí eu posso ficar mais outro ano consecutivo, mais dois anos consecutivos, se não, aí já entra outra diretoria. Porque meu plano não é ficar, é outros entrar pra também tá desenvolvendo, a gente não se afastar, mas tá apoiando outras pessoas pra tá desenvolvendo. Essa daí mesmo já foi quatro anos, Miguel já foi uns dez anos, vai e volta, depois volta, o povo: “Não, por que não deixaram? Porque tá dando certo, por que a gente vai bulir? Então se você já conhece, já tem um trabalho voltado, assim, socialmente, todo mundo conhece o trabalho de vocês, então fica, vamos voltar”. Essa mesmo que eu entrei no ano passado, eu nem tava aqui, tava em São Paulo, aí me ligaram: “Ó, o povo tá pedindo que você seja presidente, você tá aqui na eleição? A eleição vai ser no dia 20 de janeiro”, eu digo: “Eu chego no dia oito, aí, se o povo quer, vamos pra lá, vamos lá tentar ver se dá certo a gente continuar”. Aí eu vim, cheguei aqui, já tava a chapa montada pela a outra diretoria e aí, quando chegou aí, que botou lá, falou os nomes da chapa, ninguém se opôs, todo mundo levantou o braço, que aceitava, aí fez só por aplauso mesmo e já empossou a nova diretoria e tá aí, dois anos já, chegando já em janeiro de 2015, já vence o meu mandato, o primeiro mandato.
P/1 – Quantos associados?
R – Nós temos hoje em volta, mais ou menos 80 associados efetivos, tem mais de 200, mas muitos, assim, casaram, saíram da comunidade, foram morar em outras localidades, se afastou da associação, mas efetivo mesmo nós temos mais de 80 associados.
P/1 – Cecéu, qual o seu sonho hoje?
R – Ai, meu sonho é cada vez mais ver transformar pra melhor essa comunidade (risos), é um sonho que eu nunca deixo de pensar, e sim realizar um dia, em nome de Jesus.
P/1 – Cecéu, a gente tá encerrando agora a nossa entrevista, você quer acrescentar mais outra informação que a gente não tenha perguntado?
R – Não, tá ótimo, só agradecer a vocês por ter vindo aqui, a gente quer agradecer mesmo do coração, a comunidade, em nome de toda a comunidade, Márcia, Eliete, Rafael, ao Seu Juvenal, não vou esquecer mais o nome de nenhum dos quatro e agradecer por vocês ter escolhido a gente, ter vindo aqui, a gente tentado mostrar um pouco do que é a nossa história, o que é a nossa vida aqui na comunidade.
P/1 – O que você sentiu contando a sua história?
R – Ah, eu sinto, eu sempre me sinto feliz, porque não é a primeira vez que eu faço, já é várias vezes que já foi feito esse trabalho, a gente já tem um trabalho assim, voltado com as universidades, com os programas desses projetos que a gente enfrenta, sempre tem, a gente contando a nossa história, como começou, como é que está. Então é mais uma que vai se realizar, junto com todas que a gente já fez, então só agradecer a Deus em primeiro plano e agradecer a vocês, muito obrigada por tudo e que a gente está aqui de braços abertos, esperando a hora que precisarem de qualquer coisa, a gente estamos aqui, da maneira que a gente entende passar pra vocês.
P/1 – Tá certo, nós que agradecemos, parabéns.
R – Obrigada.
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