P1 – Oi, Verena, tudo bem?
R – Tudo bem e você, Grazielle?
P1 – Tudo ótimo. A gente começa geralmente pela pergunta mais básica, que a gente gostaria de saber o seu nome, o local e data de nascimento.
R – Meu nome é Verena Veludo Papacidero, nasci no dia 2 de maio de 1985, ao meio-dia e cinco, na cidade de São Paulo, Brasil.
P1 – Qual é o nome dos seus pais?
R – Meus pais se chamam Reinaldo Papacidero e Suelene Veludo Papacidero.
P1 – O que eles fazem?
R – Meu pai já é falecido, mas ele foi um administrador de empresas. Minha mãe foi professora, atuou também no mercado do marketing e atualmente é corretora de seguros, com o meu padrasto.
P1 – E na sua família, vocês têm algum costume que é só de vocês?
R – A gente teve um costume quando eu era criança, muito curioso: nós, todas as sextas-feiras, comíamos pizza de escarola e isso fez com que eu ficasse anos sem comer pizza de escarola. (risos) Porque até enjoei, mas hoje eu voltei a gostar muito. (risos)
P1 – E seus familiares costumavam te contar histórias, assim? Você gostava de ouvir histórias?
R – Sim, sempre gostei de ouvir histórias, mas eu tenho uma recordação muito mais viva do meu avô, que era um bom contador de histórias, como todo bom vô, né? Mas ele cantando uma música bem antiga, assim, no carro e assobiava a música... ai, agora me fugiu à memória, eu vou lembrar em algum momento, Grazielle, depois eu conto para você. (risos)
P1 – E a sua família é de São Paulo mesmo ou veio de algum outro lugar?
R – A família do meu pai... o meu pai é nascido em São Paulo, mas no entanto o meu avô paterno veio de Pedregulho e a minha avó materna veio de Feira de Santana... desculpa, avó paterna veio de Feira de Santana. Então, da parte da minha mãe, incluindo a minha mãe e os meus avós maternos, todos são de Uberaba, Minas Gerais.
P1 – E você tem irmãos?
R – Bom, irmãos...
Continuar leituraP1 – Oi, Verena, tudo bem?
R – Tudo bem e você, Grazielle?
P1 – Tudo ótimo. A gente começa geralmente pela pergunta mais básica, que a gente gostaria de saber o seu nome, o local e data de nascimento.
R – Meu nome é Verena Veludo Papacidero, nasci no dia 2 de maio de 1985, ao meio-dia e cinco, na cidade de São Paulo, Brasil.
P1 – Qual é o nome dos seus pais?
R – Meus pais se chamam Reinaldo Papacidero e Suelene Veludo Papacidero.
P1 – O que eles fazem?
R – Meu pai já é falecido, mas ele foi um administrador de empresas. Minha mãe foi professora, atuou também no mercado do marketing e atualmente é corretora de seguros, com o meu padrasto.
P1 – E na sua família, vocês têm algum costume que é só de vocês?
R – A gente teve um costume quando eu era criança, muito curioso: nós, todas as sextas-feiras, comíamos pizza de escarola e isso fez com que eu ficasse anos sem comer pizza de escarola. (risos) Porque até enjoei, mas hoje eu voltei a gostar muito. (risos)
P1 – E seus familiares costumavam te contar histórias, assim? Você gostava de ouvir histórias?
R – Sim, sempre gostei de ouvir histórias, mas eu tenho uma recordação muito mais viva do meu avô, que era um bom contador de histórias, como todo bom vô, né? Mas ele cantando uma música bem antiga, assim, no carro e assobiava a música... ai, agora me fugiu à memória, eu vou lembrar em algum momento, Grazielle, depois eu conto para você. (risos)
P1 – E a sua família é de São Paulo mesmo ou veio de algum outro lugar?
R – A família do meu pai... o meu pai é nascido em São Paulo, mas no entanto o meu avô paterno veio de Pedregulho e a minha avó materna veio de Feira de Santana... desculpa, avó paterna veio de Feira de Santana. Então, da parte da minha mãe, incluindo a minha mãe e os meus avós maternos, todos são de Uberaba, Minas Gerais.
P1 – E você tem irmãos?
R – Bom, irmãos de sangue eu não tenho, eu sou filha única, porém depois que meus pais se separaram, quando eu tinha sete anos, passados alguns anos a minha mãe então conheceu o meu padrasto, que é o Gilberto Costa e ele já tinha dois filhos, que é o Tiago Costa e Tatiane Costa e nos tornamos irmãos desde então, porque vivemos juntos e nos amamos, brigamos como irmãos. (risos)
P1 – Você lembra da casa onde você passou a sua infância? Você tem como descrevê-la?
R – A casa onde eu passei a minha infância é o mesmo apartamento onde a minha mãe vive até hoje. Na verdade, eu vivi lá minha vida inteira, é um apartamento que fica na Vila Sônia, numa região bem tranquila e simples até, ali do Morumbi, em São Paulo, e é um apartamento de uns noventa metros quadrados, com todas as coisas que tem em um apartamento. (risos) Um apartamento comum, mas que, como fica dentro de um condomínio com quatro prédios, tinha muitas crianças, né, na minha infância, durante a infância. Então, eu vivi muito, uma infância muito gostosa naquele condomínio, com muitos amigos, muitas brincadeiras, enfim, muitas coisas. (risos)
P1 – E você lembra quais eram suas brincadeiras favoritas?
R – Eu gostava muito de brincar de boneca. Eu tenho, assim, lembranças bem vívidas de quando eu brincava sozinha e com amigas, de boneca e bonecas de todos os tipos, com as Barbies, né, que era um sucesso e também outras bonecas tipo de bebê, que nós brincávamos fazendo como se fosse mamãe e o nenê, essas coisas e eu brincava de ser professora também. Muito interessante, porque tinha uma sacada… então, nesse apartamento, tem até hoje essa sacada e com uma parede dessa sacada que era possível escrever com giz e apagar, não era lousa, mas era possível. Então, eu pegava todos os bonecos, pelúcias e colocava como se fossem meus alunos, sentadinhos, assim, em fileiras e o que eu aprendia na escola, eu ia ensinar os meus alunos pelúcias. Fora isso, também muitas brincadeiras de jogos de queimada, né, na quadra, (risos) de andar de patins, andar de bicicleta, muitas brincadeiras, muito gostoso.
P1 – Então, você não tinha uma relação de convivência só no condomínio? Você também saía na rua?
R – Tudo isso dentro do condomínio, porque é um condomínio relativamente grande. Então, era possível, dentro tem quadra, era possível, então, andar de bicicleta, andar de patins, bem, bem grande, bem gostoso assim, eu fui muito privilegiada de ter infância naquele lugar, né, com bastante atividades.
P1 – E você tinha, quando criança, pensava: “Ah, quando eu crescer, eu quero ser isso”? Você falou que você gostava de brincar de ser professora, né?
R – É, eu acho que pelo fato da minha mãe ter sido professora e aí eu ter vivido nessa brincadeira na infância, acho que isso me trouxe até onde eu estou hoje, né, como uma das minhas atividades é professora de chinês e cultura chinesa, enfim. Um detalhe que é uma coisa bem inusitada, não é professora assim, professora de Português, (risos) professora de Matemática. (risos)
P1 – E da escola, você tem alguma primeira lembrança?
R – A escola foi a mesma também, durante a minha vida toda, a escola, o Colégio Guilherme Dumont Villares, também próximo. Eu tenho lembranças, assim, desde o pré, né, que hoje é o ensino infantil, de brincadeiras no intervalo, de alguns professores, assim, que eram muito queridos. Eu me lembro que eu fazia muitas atividades físicas também, eu nadava, fazia natação, fazia balé e, na escola, eu fazia ginástica olímpica, eu fiz muitos anos de ginástica olímpica. Então, era assim, bastante... cheio de atividades e a escola que eu estudei a minha vida inteira, desde o ensino infantil até o ensino médio.
P1 – Você tinha matérias favoritas?
R – Sim, as minhas matérias favoritas na escola eram as Exatas, né? Matemática, Física e Química, eu ia muito melhor, mas eu gostava, claro, de História, Geografia, de Língua Portuguesa. Tive alguma dificuldade com redação, mas talvez por conta da professora. Coitada, né? (risos) Culpa nossa, éramos muito arteiros.
P1 – E falando nisso, teve algum professor que te marcou, nessa época?
R – Teve vários professores, né? Eu lembro, assim, que a primeira professora que me marcou foi a minha professora do primeiro ano, que chama Regina, agora eu não me lembro o sobrenome, mas a gente a chamava de Regina TiraDentes, fazia essa brincadeira com TiraDentes, né, mas porque ela tirava os nossos dentes, fora a minha mãe, era só ela que eu deixava que arrancasse meu dente, o dente que ficava mole. Então, ela era do primeiro ano, quando eu fui para o segundo ano e ainda aparecia algum dente de leite, eu ia procurá-la, ia lá procurá-la. Então, eu lembro que ela marcou muito, assim, mas tem outros, né? Tem uma professora de Química, que aí eu tive, já mais no ensino médio, e recentemente eu a encontrei no mercado próximo de casa, fomos almoçar e [foi] muito bacana, né, ter esse contato novamente. Tem um professor também, de Física, que eu reencontrei pela rede social, que é super divertido, eu adoro acompanhá-lo.
P1 – E mais para frente, na escola, ensino fundamental, no final do fundamental e início do ensino médio, as coisas mudaram bastante para você? Você ainda gostava das mesmas matérias?
R – Na verdade, eu senti uma mudança mesmo em relação às matérias, quando eu fiz cursinho. Então, todas as matérias que eu ia bem, assim, das Exatas: Matemática, Física, Química, que eu gostava mais, que eu tinha uma certa facilidade e me interessava mais, eu acabei, no cursinho, já não entendendo. Eu até achei muito curioso, porque eu não entendia a matéria das Exatas do cursinho, né, preparatório para vestibular. E aí eu passei a dar muito mais valor para as matérias de Humanas, para Geografia, para a História, dei um foco a mais nelas, mas do fundamental para o médio eu ainda não tinha sentido essa... acho que talvez por ter estudado toda a minha vida em um mesmo colégio que, querendo ou não, o ensino ali seguiu uma linha, talvez por isso não tenha sentido tanto uma mudança.
P1 – Mais para o ensino médio, você já saía com seus amigos?
R – Saía, sim. Não muito, mas saía, sim. Íamos no shopping, né, cinema, praça de alimentação, em algumas matinês, aí era mais difícil, que a minha mãe não deixava muito, não (risos) e eu queria ir, aí tinha problemas, nessa hora. (risos) Nas matinês, nas baladinhas. (risos)
P1 – E o seu próximo passo, depois de terminar o ensino médio, foi o cursinho então?
R – Foi o cursinho, porque terminando o ensino médio, primeiro eu tentei prestar Administração na FGV, até por uma... talvez um sonho do meu pai e não meu próprio, acabei não passando. Tentei a Anhembi Morumbi, em Administração, também no mesmo período e aí passei. Muito curioso, né, desse período é que, na mesma época, minha mãe também estava fazendo a transição de carreira dela, de professora para marketing, ela já trabalhava na área, mas gostaria, naquele momento, de fazer uma formação em Marketing. Então, ela... nós prestamos o vestibular da universidade Anhembi Morumbi no mesmo dia, ela no Marketing e eu em Administração e, ao final, as duas passaram, mas eu disse que não era o que eu queria então e que eu gostaria de tentar uma faculdade pública também, né, e não era esse curso que eu queria. Então, daí eu fui fazer o cursinho, daí eu fui fazer um cursinho, fiz um ano de cursinho e aí então, consegui entrar na USP, né, depois disso.
P1 – Como foi a sua primeira experiência na faculdade, assim, entrando?
R – Olha, para mim eu já sentia, assim, furor quando eu vi o meu nome no jornal, eu tenho esse jornal até hoje, que saía no jornal quem tinha sido selecionado. Então, eu lembro bem, assim, eu lembro bem do dia da matrícula, em que fomos até a universidade para fazer a matrícula, lembro do trote, (risos) que foi leve, ainda bem, mas ficamos todos pintados e fomos pedir dinheiro no semáforo, aquelas coisas que o pessoal fazia antigamente, não sei se fazem mais. E depois, do início das aulas na universidade, quando eu entrei no curso de Letras, de fato, eu também não tinha certeza se era aquilo mesmo que eu queria fazer, mas entrei no curso, né, e sou muito grata por ter tido essa possibilidade. E aí, então, eu me lembro que começaram as aulas de estudos clássicos, de introdução à linguística, de latim, introdução ao latim, enfim. Para mim, aquilo era tudo muito novo, porque embora eu tivesse estudado em um colégio bom e recebi uma educação boa, né, eu não tinha tido acesso àquele conteúdo e aquilo me encantou. Naquele momento, eu decidi que eu faria Letras até o fim, mesmo que fosse só o português e linguística.
P1 – E, no geral, como é que foi a experiência da faculdade para você?
R – Então, ao final do primeiro ano, do ciclo básico do curso de Letras na USP, nós fazemos um ranqueamento, nesse ranqueamento nós vamos escolher se vamos fazer só português ou português e linguística ou o português e uma outra língua ou até só uma outra língua. Enfim, você tem algumas possibilidades, então eu pensei: “Bom, já que estou aqui e gostei, quero também fazer uma coisa diferente”. Eu vi que a maioria dos colegas queria fazer especialização em inglês, em espanhol, em italiano, em francês, né, as línguas ocidentais e eu queria sair um pouco dessa mesmice, eu já sabia um pouco de inglês, então eu pensei: “Bom, o que eu posso escolher aqui, dessa lista muito ampla de línguas”, né? Então, eu pensei: “Nossa, tem chinês, olha só que coisa incrível! Então, vou tentar chinês”. Nunca tinha tido nenhum contato com língua chinesa, com a cultura chinesa, nem colegas chineses, nada, zero. “Ah, chinês, muito diferente”. Então, coloquei essa primeira opção, a minha segunda opção foi o grego, por conta da minha ascendência, uma das ascendências inclusive e a minha terceira opção era italiano. Tinha mais opções, mas essas são as três primeiras que eu me recordo. Italiano também pela ascendência. E aí, então eu consegui o chinês. Na época, eu trabalhava como auxiliar da parte jurídica, assistente jurídico da Abiquim, Associação Brasileira da Indústria Química, que foi um emprego que eu consegui, assim, logo que eu entrei na faculdade. Consegui e fazia então o português à noite, né, esse ciclo básico à noite. O curso para mim era à noite, só que o chinês só tinha de manhã. Então, eu tentei falar com o chefe, na época, não era possível fazer um arranjo em que eu pudesse trabalhar só no período da tarde. Então, eu ainda fiquei um ano todo fazendo só português, né, e por isso eu atrasei a minha entrada no chinês, mas foi plenamente possível e foi ótimo, melhor ainda, porque eu pude focar no português no primeiro ano. Daí, no segundo e terceiro ano, então, eu pedi as contas na Abiquim e consegui, então, transferir o curso para manhã e começar a língua chinesa. Então, fiz dois, três anos do curso de língua chinesa, já tinha terminado as matérias do português e eu pensei, então, que eu deveria ir para a China, porque só estudar aqui no Brasil chinês não era o suficiente para desenvolver a proficiência. Então, eu juntei umas economias que eu tinha e me mandei para a China, tranquei a universidade, estudei seis meses em Kunming, que é capital de Yunnan, na China, por conta própria, na Universidade Normal de Yunnan e retornei. Isso foi em 2009, esse intercâmbio, retornei. Então, em 2010, eu consegui concluir a graduação.
P1 – E como é que foi esse processo, para você, de aprender chinês, que é totalmente diferente do português?
R – Então, quando eu escolhi chinês era aquela coisa, assim: “Ah, diferente, não sei nada”. E como eu não comecei logo no primeiro ano, que eu poderia começar, né, eu atrasei um pouquinho, nesse ano eu pensei: “Bom, eu preciso de algum... conhecer alguma coisa da língua, para eu não entrar assim, crua”. Então, eu procurei no Templo Zu Lai, né, Zu Lai Sìmiào (如來寺), lá em Cotia, um curso de chinês e foi maravilhoso, porque era todos os sábados, eu ia lá, [e] é um lugar muito gostoso. Então, eu comecei ali a ter um primeiro contato com a língua, embora uma abordagem diferente do que eu fui ter depois, na graduação, né? Aí, chegando na graduação de chinês, eu me recordo que a primeira aula, com a professora Ho Yeh Chia, foi muito marcante, porque ela colocou na lousa um caractere, que é o caractere de 好的, que é o caractere de “bom” em chinês, que é formado por uma mulher e um filho. Então, ela explicou isso: “Então, nesses caracteres significa ‘bom’, que se lê ‘Hǎo’, nós temos uma mulher com filho e por que é assim?” Então, aquilo, para mim, foi muito fantástico, é como abrir um novo horizonte, né, para quem estava acostumada com o alfabeto apenas do português e do inglês, ter contato com uma língua escrita tão antiga, que tem essa possibilidade, me despertou uma curiosidade muito intensa. Então, ali eu tive o estalo: “Nossa, isso daqui é fantástico!” E eu mergulhei, assim, mergulhei, eu fazia tudo, fui excelente aluna. (risos) Assim, falo sem modéstia, porque estudei muito, eu gostei muito de estudar chinês e gosto muito até hoje, na minha vida.
P1 – E essa sua experiência de ir para China, tem algum momento que foi marcante para você?
R – Muitos, né, mas o primeiro momento marcante foi quando eu peguei o avião sozinha e fiz uma escala em Joanesburgo e aí, ali eu já estava, assim, sozinha em qualquer lugar, né, que não seja no meu país. Muito, muito esquisita a sensação. Quando eu cheguei na China, eu cheguei [em] Hong Kong, eu pude ficar uma noite lá. Passei uma noite em Hong Kong e só no dia seguinte eu segui caminho. E ali em Hong Kong eu não tinha sentido tanto, porque primeiro: eu estava com um fuso horário totalmente bagunçado e em Hong Kong as pessoas falam bastante inglês, eu não me arrisquei tanto a tentar falar em chinês, assim, eu fiquei mais tentando inglês, assim, uma ou outra palavra em chinês. Bom, mas quando eu cheguei no continente, ali, eu lembro que assim que eu cheguei, no desembarque, eu saí do desembarque com as minhas coisas e eu estava procurando algum professor da universidade, que ia me buscar. Então, ele estava lá com... ela, né, estava com uma placa com meu nome ali, eu senti um alívio: “Nossa, que bom, essa pessoa está aqui para me buscar”. (risos) Porque aí era totalmente diferente o ambiente, ninguém falava inglês, nada, nada assim, era chinês e às vezes até um dialeto ali daquela região, não era nem o chinês mandarim, que eu tinha aprendido. Então, essa professora me pegou, pegamos um táxi e eu lembro assim de um túnel, não sei por que, é um túnel que o táxi passou e tinha umas imagens que eu fiquei... sabe quando você está assim, meio fora do ar, ali, tentando entender o que estava acontecendo. E, chegando na universidade, no alojamento, a pessoa que cuidava do alojamento, eu me lembro que ela falava um dialeto, ela não falava mandarim, que eu só entendi (risos) que eu teria direito ao banho às oito horas da noite. Aquilo me deixou super: “Como assim, banho quente só às oito da noite?” Se eu quisesse tomar banho, eu poderia, em qualquer outro horário, mas seria banho frio. Então, essas foram as minhas primeiras impressões, quando eu cheguei lá e nesse primeiro dia eu fiquei muito preocupada, assim, porque eu estava em choque, eu estava em choque, porque eu estava na China e não estava entendendo nada. Tudo estava em chinês, tudo o que eu via, tudo que eu ouvia e eu ligava para minha mãe chorando, no primeiro dia chorando e falava: “Mãe, o que eu vim fazer aqui? Está tudo em chinês e eu não estou entendendo nada”. E ela foi super... minha mãe foi muito, assim, amiga nesse momento, que ela falou: “Você sabe porque você foi aí, você me falou que você ia pra China, para conquistar sua proficiência, você está aí para isso, então seja forte”. E essa... o que ela me falou, né, me fez, assim, ter força para ficar e foi ótimo, uma experiência fantástica, maravilhosa, que às vezes eu fico pensando: “Nossa, que pena que não dá para voltar, né?” (risos)
P1 – Você sentiu muitas diferenças culturais quando você estava na China?
R – Na primeira... nessa primeira experiência, talvez porque o choque cultural tivesse sido bem grande, né, pelo fato de ser a primeira vez ali, sozinha, única brasileira na universidade, ninguém falava em português, aí era só... tudo isso eu acho que me deu um choque muito grande mesmo, o choque cultural existe, né? Então, eu não entendia certas coisas que aconteceram, por exemplo, eu me lembro - e eu falo isso até para os meus alunos, para eles não fazerem o que eu fiz - de passar umas situações assim: eu estava fazendo alguma coisa e aí um chinês vinha e me cumprimentava, ele me cumprimentava perguntando uma coisa meio óbvia, sei lá, se eu tivesse saindo do alojamento, um chinês me perguntava, assim: “Nǐ yào qù nǎlǐ?”, “Onde você vai?” Aí eu pensava: “Por que ele quer saber onde eu vou?” Com a cabeça de brasileiro, aqui no Brasil ninguém... você encontra o seu vizinho saindo da sua casa, você o encontra, ele não fala: “Onde você vai?” (risos) Tipo: “O que você está me perguntando?” E eu não entendia aquilo, eu não entendia que, na verdade, esse era um cumprimento dos chineses. Então, eu ficava meio assim: “Nossa, como pode?” Meio adolescente, assim: “Como pode perguntar onde eu vou, a minha vida privada?”, sabe? (risos) Eu não entendia. Depois, conforme eu fui estudando, aprendendo e vendo que aquilo acontecia todos os dias, todo dia alguém diferente me perguntava: “Onde você vai?”, “Você comeu?”, “Você está estudando?” Era esse o cumprimento. (risos) Aí eu entendi, falei: “Nossa!” Então, hoje, quando eu dou as aulas, né, para o pessoal do iniciante, eu sempre falo: “Gente, se um chinês te perguntar onde você vai, se você já comeu, assim de primeira, de cara, ele está te cumprimentando, não fica pensando que ele é enxerido, quer saber da sua vida”. (risos)
P1 – Então, é como se fosse um elogio, uma forma de perguntar se você comeu bem, se você está bem, né? Tipo isso.
R – Isso, exatamente, o caso do: “Nǐ chī?”, “Você comeu?”, é isso. Se você comeu, quer dizer que você está bem. E aí a gente também, quando alguém nos pergunta, a gente responde, geralmente: “Wo chile”, mesmo que você ainda não tenha de fato comido, sabe? Tipo: naquele momento você comeu, sei lá, no café da manhã, mas agora... e lógico que ele não vai te perguntar isso aleatoriamente, né? Outra coisa engraçada que eu falo, por exemplo: você está saindo do banheiro, o chinês não vai perguntar para você se “Você comeu”, né, não faz sentido. Ele vai te perguntar, sei lá, chegando perto do almoço, da janta, desse horário ou do café da manhã, sei lá, começou a aula de manhã, o professor pode perguntar: “Nǐ chīle méi?”, “Vocês comeram?” Nesse sentido.
P1 – Você sentiu que tinha alguma semelhança com a cultura brasileira em algum aspecto?
R – Sim, chineses são muito hospitaleiros, assim como nós brasileiros. Assim, de uma forma que realmente é acolhedora, eu acho que nós somos assim, né? Nós acolhemos, quando a gente vê alguém que está com alguma dificuldade, não sei, é uma coisa que eu sinto, né? Claro, nem todos iguais, mas... ou mesmo assim, no interior, essa coisa do interior do Brasil, do vizinho: “Ah, vem tomar um cafezinho aqui de tarde, comer um bolinho”. Ou te levar alguma coisa que fez, gostosa e quer que você experimente, o chinês tem isso também. Então, por exemplo, se eu falasse perto da hora do almoço que eu não tinha comido, com certeza o chinês ia me chamar: “Então, vamos comer! Vamos comer?” E aí ele paga para você o almoço. É aquela coisa assim: ele te chama para ir na casa dele e ele vai te acolher, ele vai dividir o que ele tem de comida com você. Então, tem muitos aspectos, assim, culturais que eu acredito que são bem parecidos com os nossos e isso é muito gostoso, né? Que aí você se sente...
P1 – E após esse período de estudo, como é que você se introduziu no mercado de trabalho?
R – Como eu me inseri no mercado de trabalho: quando eu fiz um intercâmbio, em 2009, eu ainda estava na universidade, depois que eu retornei, eu me formei em 2010 e aí eu fui, então, trabalhar no Colégio Sidarta, que fica em frente ao Templo Zu Lai. Na época, foi o professor Inty Mendoza, que tinha sido meu professor também no curso de línguas da USP que me convidou, ele era coordenador de curso de chinês. Então, a partir de 2010 eu trabalhei no Colégio Sidarta, primeiro como auxiliar de aulas de chinês, depois o professor Inty acabou saindo da escola e aí eu fui, então, efetivada como professora e trabalhava dando aulas de chinês para as crianças, especificamente do ensino infantil e fundamental, os primeiros anos. Então, foi com essa experiência no Colégio Sidarta que eu tive conhecimento do Instituto Confúcio, né? Então, em 2009, o Instituto Confúcio, na Unesp, que é primeiro do Brasil, foi fundado e o diretor chinês fez um convite para os professores chineses ou professores de chinês do Colégio Sidarta, para que eles participassem de um treinamento que seria realizado na China e os professores chineses do Colégio Sidarta não podiam, por algum motivo, participar. Então, eu me candidatei e ali então eu comecei, tive o primeiro contato e pude participar desse treinamento, que eu fui à China, Pequim, passei lá uma, duas semanas, em um hotel, com mais de trezentos professores de chinês do mundo inteiro. Então, retornando, retornei ao Brasil com materiais, com recursos novos para escola e com esse novo contato, né, no Instituto Confúcio. Então, como eu havia me formado já em 2010, eu estava sem estudar chinês, aí eu pensei: “Bom, vou estudar chinês lá no Instituto Confúcio”. Então, me inscrevi no curso, eu fiz a prova de nivelamento, então fiquei no avançado e minha professora chinesa, no avançado, era justamente a diretora chinesa do Instituto Confúcio, na época, que é a professora Su Yimei, que tem um papel muito importante também na minha formação e na minha carreira, né, porque foi ali, nesse contato com ela, numa amizade e também essa relação de professor e aluno que ela me convidou então, para começar a dar aulas lá para básico I, para as turmas de iniciante, como um teste. Então, ali eu fiquei dando aula no Sidarta e no Instituto Confúcio em 2012, o ano todo. Quando foi no segundo semestre de 2012, a professora Su, disse: “Tem uma oportunidade de fazer mestrado com bolsa do Instituto Confúcio na Universidade de Hubei, que [é] a parceira da Unesp, né, nesse projeto do Instituto Confúcio. Então, eu falei: “Vamos lá, claro, eu quero muito fazer isso”, que foi maravilhoso, assim, para mim, deslanchei no chinês, né? Bom, mas vamos na ordem cronológica. (risos) Daí, então, em 2013, eu fui à China nessa segunda oportunidade com bolsa de estudos do Instituto Confúcio, fiz primeiro seis meses de curso de chinês, fiz as provas de proficiência, para me inscrever no mestrado, aí o mestrado de ensino de chinês como segunda língua. Então, eu vivi em Wuhan, na Universidade de Hubei, por três anos e meio no total. E lá, depois de concluído o mestrado em chinês, eu também dei aulas de português, para graduação e pós-graduação da Universidade de Hubei, né, para algumas turmas de alunos. Bom, na época, quando eu fui à China eu já estava namorando com meu marido atual, então depois, em 2014, nesse período que eu estava lá, ele foi para lá também e estudou, mas aí fez um MBA em uma outra universidade, na mesma cidade de Wuhan, voltando ao Brasil nós nos unimos, né, perante a justiça brasileira e desde então estamos juntos. E quando ele terminou o curso dele lá, de MBA, nós retornamos ao Brasil e isso foi em 2016, em julho de 2016 e depois que eu retornei ao Brasil, nós dois retornamos ao Brasil, eu fui contratada pelo Instituto Confúcio na Unesp como professora de chinês e estou lá desde então.
P1 – Voltando um pouquinho, você ensinava crianças etnicamente chinesas, na escola, no Colégio Sidarta?
R – Também, mas não era a maioria, a maioria eram pessoas etnicamente ocidentais ou brasileiros mesmo, alguns estrangeiros, assim, mas falando de inglês, poucos também porque é uma escola internacional, né, que é muito bacana, porque desde o ensino infantil eles têm um ensino bilíngue inglês/ português. Aí, naquele tempo eles tinham também o chinês. As crianças tinham uma hora de aula de chinês por semana, né, as crianças pequenas, aí depois ia aumentando um pouquinho a carga horária ao longo dos anos. E o ensino médio já reduzia um pouco, (risos) por conta do vestibular.
P1 – E você sentia que era um desafio ensinar crianças?
R – Era um desafio muito grande, primeiro porque nunca tinha tido experiência com criança e aí eu tinha que preparar muitas atividades, atividades lúdicas, né? Ao mesmo tempo que era um desafio bastante trabalhoso, era maravilhoso estar com as crianças, é muito... assim, qualquer problema que eu tivesse, desaparecia naquele momento que eu estava com elas, porque é uma troca muito rica, muito leve e o ensino, na verdade, ali, da língua, virava uma grande brincadeira, de contação de história, de: “Ah, vamos assistir uma animação de uma história chinesa. Vamos fazer uma atividade de pintura ou uma atividade física”, mas que esteja relacionado com a língua. Então, o desafio, o trabalho era bastante, mas era muito gostoso estar junto com as crianças.
P1 – E aproveitando que você falou do seu marido, como é que você o conheceu?
R – Conhecemos através de amigos, aqui em São Paulo mesmo, em comum e então começamos a namorar. Ficamos o ano de 2012 todo juntos. A gente começou a namorar em 2011, no fim de 2011, estamos fazendo dez anos nesse mês de outubro. Então, é uma história bacana, porque aí eu fui à China, em 2013, sozinha. Ele foi comigo, passeamos, aí eu fiquei lá e ele voltou ao Brasil. Então, namoramos à distância, é bastante difícil, né, nesse período, mas eu vim ao Brasil nas férias de julho e depois nas férias de janeiro e aí, então, quando eu vim nas férias de janeiro de 2014, ele já foi comigo para a China. E aí ele queria muito que nós retornássemos a uma casa de chá que havíamos ido no ano anterior, né? Ele queria muito, ficou assim obcecado que queria ir lá e eu falava: “Meu Deus, a gente acabou de chegar aqui, a gente precisa resolver várias burocracias, né, que você chegou”, mas ele insistiu. E sabe o que ele fez? Chegamos a tal casa de chá, ele me pediu em noivado, na casa de chá. Ele tinha feito todo o plano, (risos) eu não sabia de nada, não imaginei e foi muito bonito, assim, muito emocionante e vivemos bem, experiências muito marcantes ali, naquele período, na China, assim, com os nossos amigos chineses, estrangeiros também, professores, nossa! Foi lindo.
P1 – Você lembra do dia do seu casamento?
R – Então, o casamento, em si, aí a gente veio ao Brasil em 2015, para as férias de julho de 2015 e nós... era mais uma coisa mais prática, assim: “Nós precisamos casar”. (risos) Já estamos casados, praticamente, precisamos casar perante a lei. Então, a gente foi ao cartório ali do Butantã, próximo até da USP, que é próximo à casa da minha mãe e nos casamos. Fizemos o trâmite ali, legal e depois a minha mãe fez um almoço, assim, para a família mesmo. Na época, a gente não convidou, assim, muitas pessoas, porque era no apartamento onde eu vivi a minha infância inteira, o almoço não cabia todo mundo. (risos) Então, foi a família mais próxima e os amigos e foi assim. (risos)
P1 – E qual é o nome dele?
R– Vítor Melão.
P1 – E após esse período, estudando, dando aula, você começou a se interessar bastante pela cultura chinesa?
R – Sim, esse interesse já veio lá da época da graduação, né, mas claro que eu não entendia certas coisas, que eu fui só entender mesmo na vivência na China. Então, eu falo isso para os meus alunos, realmente, assim: “Se você quer estudar, aprender, não é nem estudar, aprender língua chinesa e poder se comunicar, não só usando as habilidades comunicativas, mas também as habilidades interculturais, é essencial que tenha uma vivência, um intercâmbio na China, para poder vivenciar essa cultura em todos os sentidos, em todos os aspectos”. Então, como eu até mencionei anteriormente: eu não entendia a questão do cumprimento, né, eu achava que eles estavam sendo invasivos, (risos) mas isso é um problema da nossa cultura mesmo e eu fui entender essas coisas vivendo lá, fora outras situações, como, por exemplo, vivenciar as festividades chinesas como o Ano Novo Chinês, Festival da Lua, o Festival do Barco do Dragão, todas essas festividades, entre outras situações, até inusitadas, como... era bem legal a Universidade de Hubei, ela organizava atividades culturais muito ricas, assim. Por exemplo: nós fomos visitar escolas, escolas de ensino fundamental e ver como era o ambiente onde as crianças estudavam e viviam e interagir com essas crianças. E também, por exemplo, tinha o Dia da Árvore, a gente organizava uma atividade de fazer, plantar árvores em determinado lugar ou o Dia da Mulher. Eu lembro que eu participei de um Dia da Mulher e aí me levaram para um evento, que várias mulheres ali da comunidade estavam falando sobre as suas ações e da importância da mulher naquela sociedade. Então, assim, ali você consegue vivenciar essa cultura como se ela fosse sua, você acaba aprendendo, né, essa cultura do outro, para você. E aí, tanto assim, puxando um pouco e expandindo o seu questionamento, que é muito engraçado, você tem, a gente tem um choque cultural quando chega lá, porque tem muitas coisas diferentes que não entendemos ainda, aí, bom, se a gente baixa nossa guarda e está aberto a novas experiências, a gente consegue vivenciar, entender e até gostar de certas coisas. Por exemplo: hoje eu vivo à base de água morna e as pessoas aqui no Brasil acham bizarro, né? Mas eu aprendi lá e fora outros costumes que eu acabei pegando. E retornando ao Brasil eu senti o choque cultural reverso, que foi eu me sentindo um peixe fora d'água dentro da minha própria cultura, (risos) por conta de ter adquirido esses costumes chineses na minha vida.
P1 – Você citou as festividades tradicionais. Você chegou a ir em alguma?
R – Sim, todas que podia, eu ia. (risos) O meu professor orientador, professor Huang Bin também tem um papel essencial nessa vivência lá, ele fez questão, muitas dessas festividades, de nos acolher na casa dele. Então, a gente foi passar Ano Novo Chinês na casa do professor Huang Bin, com a família dele, com a vovó chinesa, com vovô chinês jogando mahjong, um jogo de pecinhas, de pedrinhas, com eles assistindo o Show da Virada Chinês, né, durante a noite, comendo, participando da refeição muito farta, rica e cheia também de elementos ali que são culturais, né, mas que estão relacionados à própria comida. Isso no Ano Novo Chinês. E também passamos o Ano Novo Chinês na casa da professora Su Yimei, que tinha sido a minha diretora do Instituto Confúcio aqui, e também com a família dela. Fora o Ano Novo Chinês, eu me lembro, por exemplo, de um Festival da Lua que eu, junto com a professora Sisi, que hoje é uma youtuber muito famosa, né, professora Sisi, minha amiga. Então, fui madrinha... dama de honra do casamento dela com o Lucas, o marido dela, lá também, que foi outra experiência de cultura, assim, muito interessante, mas eu lembro de um Festival da Lua que ela nos levou, então, para a beira do Rio Yangtzé. O Rio Yangtzé cruza a cidade de Wuhan e é muito bonito, porque é um rio que está relativamente limpo. Não tem nada a ver com os nossos rios aqui em São Paulo, eu não sei se você está em São Paulo, mas é um rio limpo, as pessoas nadam, têm pessoas que nadam, têm os transportes. E, assim, nas laterais das margens do rio tem alguns lugares que têm parques, então, que as pessoas vão caminhar. Então, em um dos festivais - na verdade, era Festival da Lanterna -, Festival das Lanternas, que é o fim do Ano Novo Chinês, eu fui com SiSi e com Lucas, né, e Vítor também, nós quatro... não, Vítor não estava ainda lá. É que mistura todas as memórias na nossa... mas me levaram, então, para as margens de Rio Yangtzé e estavam ali muitos chineses, com várias lanternas coloridas acesas, penduradas em diversos lugares e alguns dos chineses, à revelia da polícia, que ficava ali patrulhando, soltavam lanternas de papel com pedidos dentro. Então, eu tenho essa imagem muito gravada na minha memória, daquelas lanternas acesas sobrevoando ali, aquela região. Fantástica a cultura chinesa, lindo demais.
P1 – E, atualmente, você continua no Instituto Confúcio como professora?
R – Sim, atualmente sou professora de chinês lá no Instituto Confúcio, na Unesp, mas eu tenho diversificado também um pouco minha atividade. Como eu disse, eu também sou tradutora de chinês. Então, nesse último ano, eu consegui publicar quatro livros de literatura infantil traduzidas, pela Editora Cai Cai, que é uma editora especializada, recém fundada e especializada em literatura chinesa infantil. Então, além disso, fazendo mestrado em estudos da tradução, em tradução de poesia chinesa, na USP.
P1 – Você pode comentar um pouquinho sobre o seu mestrado de poesia chinesa?
R – Sim, posso sim. Eu pesquiso a poesia nebulosa, que é um movimento vanguardista da década de setenta e oitenta, na China, que podemos dizer que foi uma grande revolução na poesia chinesa contemporânea, mudou alguns paradigmas ali, alguns paradigmas poéticos que estavam em voga naquele período da China. E que inspiram muitos poetas até hoje. Muitos desses poetas estão vivos ainda e é possível ver as obras deles, conversar com eles; se a gente consegue contato, é possível. Então, minha pesquisa é entender o que foi esse movimento poético, selecionar os poetas mais representativos e os seus poemas mais representativos, né, um poema de cada poeta - são cinco poetas que eu estou pesquisando - e propor uma tradução em português para esses poemas, como uma pequena antologia traduzida desses cinco poetas principais do movimento de poesia nebulosa.
P1 – E tem algum desafio de traduzir chinês, mandarim, para o português, de expressões que são diferentes, por exemplo?
R – Tem muitos desafios, né? Assim, para começar, por conta da língua chinesa e da língua portuguesa, as diferenças entre essas duas línguas, né? O chinês é uma língua concisa, não tem conjugação verbal, não tem flexão de gênero, de número, o que facilita muito a nossa vida de aprendiz da língua, claro, e dificulta quem aprende o português, não é mesmo? (risos) E na hora de traduzir, então, fora essas características da própria língua, a gente tem também usos de expressões idiomáticas, provérbios que são, vamos dizer, têm tudo a ver com a cultura, com alguma história ou alguma lenda chinesa. Então, quando estamos traduzindo, não dá para ver ali só o texto mesmo, em si, a gente precisa, depois de trabalhar o texto mesmo, em si, aquele vocabulário, aquelas estruturas gramaticais, que seja, a gente precisa dar um passo além, para entender o que aquela palavra ou aquela expressão significa segundo o pensamento chinês, a cultura chinesa e como que a gente vai colocar isso em português e muitas vezes é impossível, né? Tem uma expressão em chinês que eu sempre fico... (risos) não sei como traduzir, é uma expressão do dia a dia, os chineses usam assim: “Nǐ xīnkǔle” Quer dizer: “Como você trabalhou duro! Nossa, você trabalhou duro”. Então, por exemplo, eu peço para você fazer alguma coisa para mim, você faz e eu falo, assim: “Xièxiè, nǐ xīnkǔle” “Obrigada, você trabalhou duro”. É uma expressão que eles usam. Só que, assim, em português a gente não fala: “Você trabalhou duro. Obrigada por me ajudar com isso, você trabalhou duro", né? Eu não sei, então, muitas vezes a gente não sabe. Eu sei o que é, eu entendo como que se usa, mas como vou falar isso em português, eu ainda não descobri. (risos) Então, acho que esse é o desafio da tradução.
P1 – Verena, caminhando agora para as perguntas finais, quais são as coisas mais importantes para você, hoje?
R – Nossa! Eu acho que, bom, o momento que a gente vive atualmente, né, pandêmico, acho que a coisa mais importante é saúde, saúde física e saúde mental, acho que saúde mental muito, muito mais até porque, se a gente está bem, vamos dizer, mentalmente, a gente consegue... o nosso corpo está funcionando perfeitamente. Se a gente tem alguma disfunção mental, eu acho que... algum problema, eu acho que pode ocasionar algum dano físico, eu acredito nisso, então eu acho que essa é a coisa mais importante, para mim. Bom, depois disso, da saúde e de querer que não só eu esteja saudável, mas que todas as pessoas, não só as que estão à minha volta, a minha família, os meus amigos, mas todos, todos no planeta, o que é muito difícil, né e que me frustra muito, porque muita gente não está legal. Então, é realmente difícil, mas é a minha família, mesmo. É ver o meu marido, meus pais, minha gata bem, estar com eles, (risos) eu acho que essas são as coisas mais importantes da vida, da minha vida. Então, em terceiro lugar, tem o meu estudo, o meu aprendizado, o estudo da língua chinesa, da cultura chinesa, da literatura chinesa, da poesia chinesa. E o trabalho, o trabalho é importante. Bom, tudo, né? (risos)
P1 – E quais são os seus sonhos para o futuro?
R – Eu tenho sonhado grande, talvez. Meu sonho para o futuro, para mim ou para o mundo? (risos)
P1 – Pode ser os dois.
R – Os dois, está bom. (risos) Eu sonho que esse planeta seja um lugar cheio de amor, que a gente consiga se entender, todos. É uma utopia, claro, porque todos pensamos diferentes, mas acho que, se a gente não chegar nesse ponto, não vai ter planeta, não vai ter mundo. Bom, isso se desdobra em milhares de coisas, mas o meu sonho pessoal, o meu sonho pessoal é conseguir difundir a cultura chinesa, de forma que nós tenhamos um imaginário saudável e mais próximo da China. E como fazer isso, né? Além do ensino, acho que através do ensino eu consigo atingir muitas pessoas e mudar essa mentalidade em relação a essas pessoas, mas ainda tenho certeza que essas pessoas com quem eu me relaciono, dando as aulas, meus alunos, eles têm o interesse, eles gostam, de certa forma, às vezes tem alguma coisa ou outra que se choca, não concordam muito, mas eles têm interesse, senão eles não estariam ali. Mas poder expandir mais ainda, né? E como fazer isso? Eu quero muito, depois de fazer o mestrado, fazer o doutorado e eu gostaria de poder estar em uma posição em que eu pudesse atingir ainda mais pessoas, pelo conhecimento sobre China e pela minha, também, facilidade de comunicação, de poder transmitir isso para as pessoas. Eu quero que o Brasil tenha mais livros da literatura chinesa traduzidos, eu quero que o Brasil tenha mais materiais de ensino chinês, em português, para os brasileiros. Eu quero isso, esses são os meus sonhos. Fora os pessoais, né? (risos) Eu falei só dos profissionais, né? Ai, que horror! (risos) Eu também quero ser mãe, crescer a família, plantar sementes, é isso.
P1 – Por fim, como é que foi contar sua história para a gente?
R – Acho que foi reviver memórias, não todas, né, alguns recortes que me vieram à mente diante dos seus questionamentos e uma experiência gratificante saber que um dia deixaremos o nosso corpo físico, né, e talvez esse vídeo continue aí para quem quiser assistir. (risos)
P1 – Verena, muito obrigada. Em meu nome e do Museu da Pessoa, a gente agradece muito.
R – Eu que agradeço.
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