Depoimento de Paul Gottfried Ledergerber
Entrevistado por Carol Margiotte
São Paulo, 27 de novembro de 2018
Entrevista número PCSH_HV710
Revisado e editado por Paulo Rodrigues Ferreira
P/1 - Boa tarde, senhor Paul.
R - Boa tarde.
P/1 - Muito obrigada por ter vindo aqui hoje e, para começar, eu queria que o senhor falasse o seu nome completo.
R - Paul Gottfried Ledergerber.
P/1 - O local e a data de nascimento do senhor.
R - St. Gallen, na Suíça.
P/1 - E eu queria saber se o senhor sabe por que o senhor tem esse nome? Por que seus pais escolheram esse nome para o senhor?
R - Gottfried era do meu avô, e Paul era do meu pai, então a junção fez o meu nome.
P/1 - E ele tem algum significado, seu sobrenome?
R - O sobrenome é uma profissão. Leder é couro e gerber, curtidor. Então, o significado é curtidor de couro. A Suíça tem muitas pessoas que têm nomes que são profissões.
P/1 - E o outro sobrenome do senhor?
R - Os primeiros dois são pré-nomes, e o último é sobrenome. Ledergerber é sobrenome, Paul Gottfried é a junção do nome do meu pai e do nome do meu avô.
P/1 - E Gottfried tem algum significado, também?
R - Sim, Gott é Deus e Fried é paz. É a Paz de Deus.
P/1 - Que bonito.
R - Eu tive uma contenda com a USP, onde eu primeiro trabalhei, e o advogado que defendia a causa da USP chamava-se Espírito Santo. E o Juiz entendia um pouco de alemão e ele achava engraçado porque a Paz de Deus estava brigando com o Espírito Santo.
P/1 - Quem ganhou essa?
R - Eu.
P/1 - Muito bom. Falando nos seus pais, eu queria que o senhor dissesse o nome deles.
R - Paul Oscar Ledergerber e Maria Hildergard Ledergerber.
P/1 - E o que o senhor sabe sobre a história deles? Como eles eram, o que eles faziam?
R - O meu pai nasceu nesta mesma cidade, St. Gallen. E os avós, os pais dele, eram do campo, lavradores, tinham chácaras, onde eles plantavam e tinham gado. E a minha mãe... Minha avó materna veio da Alemanha, o pai dela era jardineiro da cidade de Lindau, em Bodensee, e ela veio para a Suíça, não sei exatamente por quê, mas ela se encantou por alguém de lá e casou na Suíça, ficou na Suíça a vida toda. E o meu avô era engenheiro civil e trabalhava nesse ramo há algum tempo - tinha quatro filhos. Como era minha mãe? A minha mãe... E a minha mãe encontrou o meu pai não em St.Gallen, mas em uma outra cidade perto da fronteira com a Alemanha - Stein am Rhein. Rhein é o Reno, que é o rio que nasce na Suíça e faz a fronteira com a Alemanha. Um bom pedaço passa pelo lago de Constance, que é o maior lago daquela região. Eles se encontraram lá, se encantaram e tiveram dois filhos - eu e a minha irmã. Hildergard é o nome da mãe.
P/1 - Mas eles fizeram esse encontro por quê? Eles tinham ido para lá?
R - Se encontraram lá. Era um baile público, onde eles dançaram juntos e se gostaram; então eles casaram e tiveram dois filhos.
P/1 - E quando eles se casaram, foram morar aonde?
R - Em St. Gallen. Eles ficaram a vida toda em St. Gallen.
P/1 - Que é a casa da infância do senhor?
R - Sim, eu nasci lá e fiquei até a quarta série - a primeira escola. Fiz o jardim da infância e o primário, até a quarta série, depois eles mudaram para outra cidade, na divisa com a Áustria. Com Lichtenstein, na verdade. Que é um principado muito pequeno, mas ainda é um principado, e a gente vivia do lado da Suíça, do rio Reno.
P/1 - Falando da primeira casa, então, ainda, o que o senhor tem de lembrança da casa? Como ela era?
R - A primeira casa eu não me lembro. Da segunda sim, eu lembro algumas coisas. Nós morávamos em St. Gallen, que era a divisa da parte oriental com a parte central, então era um prédio de cinco andares e nós morávamos no último andar - era muita escada para subir e descer. E além disso, a casa tinha uma cobertura que passava das nossas janelas para baixo, quer dizer, a calha que levava água de chuva embora estava abaixo da nossa janela, e eu me lembro que um dia um garfo, ou alguma coisa das bonecas, caiu nessa calha e que eu desci até a calha e depois levei esse objeto para cima de novo. Eu ouvi o grito de uma mulher longe, que me viu descendo e subindo de lá, então, não era o meu último dia, mas poderia ter sido.
P/1 - Seus pais ficaram sabendo disso?
R - Depois ficaram sabendo, porque essas mulheres da vizinhança, que observaram a situação, ficaram escandalizadas.
P/1 - E o senhor tinha contato com seus avós?
R - Sim, muito. A avó sempre fazia bolo no fim de semana, e no domingo quem ia visitá-la recebia o bolo. Então, a gente ia regularmente até a avó, que morava na mesma cidade.
P/1 - E como era essa avó? Qual a lembrança que você tem... A lembrança de ir à casa dela?
R - Ela tinha um dialeto alemão, ela arrastava bem. Não era o suíço não, mas eu gostava da língua dela e eu aprendi a falar como ela falava, de modo que depois, na escola, eu tive muita facilidade com o alemão, que a gente aprende como primeira língua estrangeira. Porque o suíço fala diferente.
P/1 - E esse bolo, qual era o sabor?
R - Era muito gostoso. Como se chama? Apfelstrudel. É um enrolado em uma massa e tem maçã e noz picada, tem canela, uva passa e coisas assim, era uma delícia.
P/1 - E como era a relação com a sua irmã?
R - Muito ciúme, eu queria ficar só. Ela nasceu dois anos depois, era muita briga, ciúmes acho que era o principal motivo da briga.
P/1 - E o senhor lembra de alguma que tenha sido memorável?
R - Com ela? A gente fazia os passeios juntos, mas francamente eu não me lembro do que ela fazia nesses passeios. Agora a gente tem contato via e-mail e via WhatsApp, mas naquela época era impossível.
P/1 - E nessa época o senhor gostava de brincar do quê?
R - Eu tinha vários brinquedos de que eu gostava. Um era assim tipo Lego, mas naquela época era com metal, eram varetas metálicas com muitos furos que a gente podia parafusar, tinha roda dentada, manivela, rodas com pneu, tinha um monte de coisas; e eu fazia todo tipo de invenções com esse brinquedo, essa era uma das atividades. Uma vez, eu fiz uma pipa com instruções que eu recebi, mas a pipa era maior do que eu e não levantava voo de jeito nenhum. Depois, eu tinha uma horta, eu plantava todo tipo de condimento, a gente tinha sementes à disposição, eu plantava, regava, colhia para fazer almoço com esses vegetais.
P/1 - E ainda em casa vocês tinham alguma divisão de tarefas, vocês quatro?
R - Tarefas... A gente ajudava na cozinha, lavar a louça - mais enxugar a louça, enquanto não quebrava nada. Fazer a cama... Coisas assim.
P/1 - E qual é a lembrança que permanece de vocês quatro juntos - seus pais, você e a sua irmã? Que momento ficavam os quatro juntos em casa?
R - No Natal, as festas... A gente fazia parte das procissões na Igreja, andava em procissão e coisas assim. Agora, o que eu muito me lembro é a minha atividade com o pai, ele gostava de jogar cartas e xadrez e eu aprendi tudo isso com ele, até o ponto que eu ganhava sempre e ele largou.
P/1 - Em que momentos vocês jogavam?
R - Nas férias, fim de semana, isso foi o tempo disponível para jogos.
P/1 - Eu queria que o senhor falasse como era o Natal, como era a tradição natalina na família.
R - Tinha uma preparação de um mês. A gente fazia tranças de galhos de pinheiros e depois tinha quatro velas que a gente acendia, uma no primeiro domingo do Advento, duas no segundo, três no terceiro, e assim por diante. E tínhamos a produção de biscoitos específicos para Natal, tinha todo um receituário que a gente fazia de quantidades, cestas de biscoitos.
P/1 - E para quem iam esses biscoitos?
R - A gente presenteava as visitas, a gente comia também um monte de biscoitos naquela época.
P/1 - O senhor lembra como fazia esses biscoitos?
R - Sim, alguns eu lembro, sim.
P/1 - Pode contar para a gente?
R - Tem vários tipos. Tem Hebelin, que é um biscoito feito com anis, erva-doce, a gente usa farinha de trigo, ovos, tem um pouco de açúcar e anis como condimento, depois tem um jeito de cortá-los, eles têm dentes - quatro, cinco dentes - a gente assa depois. É um biscoito duro, tem que ter um dente bom para comê-lo. Depois tem Bailendele, que é uma outra massa, também com canela, tem ovos, farinha de trigo e manteiga, e a gente faz com forminhas que a gente usa para esticar a massa uns cinco milímetros, depois faz com as forminhas figuras, pássaros, peixes e etc, assa e come.
P/1 - E o dia de Natal mesmo, como era?
R - Costumava ter uma árvore enfeitada com bolas de vidro, com velas - um monte de velas - e biscoitos pendurados, alguns específicos. Depois tinha cartões, que a gente recebia dos amigos e parentes e que ficavam pendurados lá embaixo. Tinha os presentes, que a gente podia depois abrir e ver quem deu o quê para quem - era uma confraternização e tanto. Tinha uma refeição especial, também, no Natal, que era peru, macarrão, presunto e outras coisas tantas, muita fruta. No inverno lá... Natal lá é no inverno, então não tem muita coisa, mas a gente compra essas frutas tropicais.
P/1 - E além do Natal, vocês tinham alguma outra comemoração durante o ano com essa coisa religiosa?
R - Tinha a Páscoa. Era uma festa de crianças, em que eles escondiam ovos pintados, a gente pintava ovos antes da Páscoa, cozinhava, depois pintava coloridos, alguns a gente fazia enrolando em casca de cebola para tingir amarelo, outras cascas para cor pastel, que a gente usava para tingir e pintar ou desenhar também. E tudo isso, depois, os pais escondiam na casa e fora da casa, e a gente tinha que buscar ovos.
P/1 - E tinha amigos na infância?
R - Sim, também. Eu tinha amigos da rua, que moravam perto da gente, tinha outros amigos da escola, que era mais longe, mas a gente visitava. Eu, no primeiro dia de escola, quando começou a escola primária, eu vi um moço que saía de uma casa, perto do meu caminho indo para a escola, a gente ficou amigo o resto da vida, então a gente se visitava, brincava.
P/1 - Como era o caminho até a escola?
R - Era longo. Como eu morava na divisa com a parte oriental da cidade, eu andava mais de um quilômetro para a escola, e passava por um asilo de velhos que tinha lá no meio, depois um hospital - onde eu nasci - e depois tinha mais um parque, com patos e pássaros e outras coisas. Era muito divertido ir para a escola, demorava bastante.
P/1 - Mas vocês tinham alguma brincadeira entre vocês dois para passar mais rápido o tempo, ou alguma conversa? Como era esse caminho, acompanhado por ele?
R - Era interessante, porque a gente tinha projetos de fazer em casa, no jardim... Ele tinha um grande jardim na casa dele e a gente brincava de um monte de coisas lá dentro. E no hospital tinha uma fileira de árvores, castanheiras - não aquela que a gente come, aquela que a gente não consegue comer - mas a gente subia em todas. Umas eram mais difíceis, a gente levava um bom tempo para conseguir, tinha que crescer para alcançar o primeiro galho, e outras eram mais fáceis.
P/1 - E como era na escola?
R - Tenho algumas lembranças da primeira escola, os professores eram bem rígidos. Eu aprendi a ler e escrever em casa, sozinho. Tinha um mapa na parede e eu subia na cadeira para ler as letras lá em cima e depois eu descia e fazia. Subia de novo para ver se estava igual e depois eu perguntava à mãe: “o que significa isso? Como chama?” E ela explicava. Então assim, eu consegui me alfabetizar. Agora, com letras da máquina, não da mão. Então, eu cheguei na escola já com o meu gibi, que eu lia durante o tempo em que eu não estava interessado, porque era tudo conhecido. Então, o começo da escola era muito chato, cansativo, eu não gostava porque eu já sabia escrever e ler. Aprendemos daquele jeito, mas depois vieram outras matérias - Botânica, Geografia, História, aí já interessou mais.
P/1 - E como era o senhor aluno?
R - Eu era bom aluno em termos de notas, sempre um dos primeiros. Agora, com os colegas era mais difícil, eu era muito grande, comprido, então eu tinha que andar em uma fileira, eu tinha um passo que era o dobro do último da fileira, a coisa complicava.
P/1 - Mas o que isso causava?
R - Isso era repreensão o tempo todo: “anda mais devagar, mais curto o braço, e o (inint) [00:19:32] não consegue alcançar”. Era essa a situação.
P/1 - Mas tinha alguma coisa física que eles faziam como jeito de mandar? Como era esse aviso para andar mais devagar, ou alguma outra coisa?
R - É que os últimos não conseguiam acompanhar. O passo era muito grande - o meu - o último tinha um passo pequeno, então ele se esgoelava para conseguir acompanhar a fileira.
P/1 - Mas era um aviso só verbal?
R - Sim, não tinha castigos físicos naquela época, não.
P/1 - E ainda falando da infância do senhor, como era a rotina em casa? O funcionamento dessa casa, ou até do senhor, mesmo? Que horário que tinha que ir para a escola, quando voltava o que fazia? Como a casa, a família funcionava?
R - A gente vivia com a mãe, porque o pai estava viajando quase sempre. Então era eu, minha irmã e a mãe, e a gente fazia as tarefas da escola, que sempre tinha, brincava com os brinquedos que cada um tinha, eu sempre sozinho, dificilmente brincava com a irmã, não me interessava. Os meus brinquedos eram totalmente diferentes dos dela, então eu fazia as minhas coisas em outros lugares, sem ela.
P/1 - E quando seu pai voltava, tinha algum recebimento especial para ele?
R - A gente brincava, jogava cartas, xadrez, passeava fora de casa. A gente tinha muita oportunidade no Reno, quando a gente vivia no segundo lugar, fora da cidade, para acompanhar o Reno. Tinha o bosque do lado do Reno, também interessante, e a gente coletava frutos; por exemplo, sabugueiro era uma fruta que tinha em abundância naquele bosque. Já naquela época, eu me interessava muito por Botânica e conhecia as plantas medicinais; isso era fascinante para mim. O meu pai me levava sempre no Jardim Botânico, onde eu conheci um professor que sempre dava aula aos domingos para essas pessoas, visitantes, que, futuramente, no segundo grau, foi professor meu de Biologia. E ele veio me visitar no Brasil, então eu fazia uma excursão com ele no mato - Mata Atlântica - isso é que me interessava.
P/1 - Nessa parte de Botânica tinha alguma flor específica que o senhor gostava muito, da região?
R - Tinha algumas poucas orquídeas - umas três ou quatro - que eu sabia onde tinha, e outras plantas tantas que eu consegui identificar. Havia um livro que identificava todas as plantas. Lá, a fauna... A flora é muito pequena em relação aqui. Aqui é quase impossível achar uma identificação segura. Então, até hoje eu pelejo para identificar plantas aqui, mas aqui eu gosto muito de orquídeas, é a minha paixão.
P/1 - E o que o senhor queria ser quando crescesse?
R - Eu tinha três opções: ou músico - eu tocava flauta e violino naquela época; ou Químico, que me fascinava; ou Matemático. O meu avô materno tinha vários livros de Geometria em casa, eu li tudo e também consegui resolver os problemas desses livros bem cedinho. E, no segundo grau, eu consegui uma nova construção de diâmetros de uma elipse a partir de diâmetros conjugados. Eu consegui provar que isso estava certo, então o pessoal ficava de boca aberta. Era a minha vocação. Matemática para mim era facílimo, então eu dediquei a minha vida toda à Matemática.
P/1 - Mas essas três opções eram vontade ou alguém que te ofereceu esses três caminhos?
R - Não, era a minha intuição. A Química eu acho que consegui por causa do meu pai que me levava às eleições. Lá tem muita votação, na Suíça, democracia direta. Se é para fazer um colégio no estado, todo mundo vota se quer ou não quer; se é para dar o voto para as mulheres, todo mundo vai e vota; tudo é feito por todo mundo. E a gente, frequentemente, ia nesse prédio do segundo grau, lá em St. Gallen, e lá tinha um cheiro específico de química, laboratório químico. E também na segunda cidade onde eu morava havia uma firma que se chamava Fluca, que a gente cheirava de longe. Eles preparavam todo tipo de especialidades químicas e eu consegui visitar essa empresa para ver como funcionava tudo isso lá. Então, eu tinha esse interesse pela Química, já lia livros sobre Química muito cedo, era uma das paixões que eu tinha. Mas depois, quando teve laboratório eu já não gostei. Também na Física, eu não gostava de laboratório, eu fazia tudo de trás para frente - a gente sabia quanto que é constante de gás e a gente inventava um experimento que dava aquele valor, então eu não gostava. Eu via o desespero do pessoal porque o negócio vazava, não conseguiam o vácuo que precisava, o negócio vazava, tudo era uma encrenca só esses laboratórios; então, eu não queria.
P/1 - E opção para ser músico?
R - Eu tocava esses instrumentos, eu tinha aula de flauta doce e de violino desde cedo, eu conheci o maestro de uma orquestra sinfônica em St. Gallen, e nós tínhamos lá acesso a todos os instrumentos. Então, eu poderia experimentar com sopros, piano, violino, guitarra, com tudo o que tinha, e a menina, filha desse maestro, também tinha a minha idade, então a gente experimentava tudo junto e nós optamos pelo violino. Então eu tinha, desde cedo, aula de violino com esse maestro.
P/1 - E como seus pais acompanhavam esses momentos de tentar decidir que carreira seguir? Eles te ajudavam?
R - Não, eu queria o que eu queria e ponto final, não tinha discussão. Então, depois de dois anos de segundo grau nessa cidade, eu fui para St. Gallen novamente para fazer o segundo grau lá até a Maturidade, que dava, na Suíça, o direito de ingresso na Faculdade. E eu segui, fui a Zurique, na Escola Politécnica Federal, lá comecei a estudar Física e Matemática, mas no fim optei por Matemática porque não tinha laboratório.
P/1 - Mas para ingressar no curso de Física e Matemática como funciona? É feito um vestibular como é aqui no Brasil?
R - Não, lá não tem isso. A Maturidade, que é feito na escola do segundo grau, já te dá a porta aberta para a Faculdade. Na Suíça não é como aqui, que todo mundo tem que ter Faculdade. Lá são pouquíssimos os que fazem Faculdade, só aqueles que, realmente, estão com vocação acadêmica. Os outros têm muitas profissões à disposição, e existem escolas perfeitas, muito boas para você aprender um ofício, como marceneiro, pintor, encanador, tudo isso você aprender em escolas profissionalizantes, como aqui o Senai.
P/1 - O senhor falou que é feita a Maturidade para pessoas que têm vocação acadêmica. Explique para a gente como é isso, só para eu entender como foi esse processo com o senhor.
R - Vocação acadêmica significa que você quer estudar e pesquisar, você vai se dedicar não só a um ofício, como alfaiate, que você vai fazer eternamente paletós, calças e camisas, eventualmente... Não, você vai estudar a vida toda praticamente.
P/1 - Mas como isso é testado na pessoa? Basta o interesse?
R - Existem os orientadores profissionais, mas eu nunca fui procurar um desses. Quem não sabe o que fazer depois da Maturidade faz um ano de viagem, vai fazer voluntariado, vai fazer qualquer coisa fora da escola, porque já está com o nariz cheio de escola. Eu adorava a escola, a vida inteira eu não tive dificuldade. Com línguas eu pastava um pouco mais, mas se eu vou em um país e fico ouvindo e falando, em pouco tempo eu assimilo. Eu fui depois à Espanha, nas Ilhas Canárias, em Las Palmas, para estudar Castelhano, e depois de umas oito semanas estava pronto para aula na Colômbia. Então, para mim, não custa muito. Hoje ainda estou estudando línguas para manter o cérebro em atividade.
P/1 - E como foi essa mudança para começar a estudar Matemática?
R - Eu sempre fazia Matemática antes - Geometria principalmente eu gostava demais. Também no desenho técnico eu fazia essas Igrejas Góticas com pilares, perspectivas, desenhos complicados para se fazer, mas eu tinha essa facilidade, não tinha problema nenhum para desenvolver tudo isso.
P/1 - Mas o senhor precisou sair de casa e começar a morar sozinho, não é?
R - Não, eu fui morar na casa da avó e do tio.
P/1 - Eu queria que o senhor contasse para a gente se tem essa lembrança de sair de casa e começar a estudar? Como foi esse combinado com a avó, a reação dos seus pais.
R - A avó já estava muito velha, ela tinha mais de oitenta anos e vivia na cama. Eu tinha praticamente um quarto do lado dela, então eu tinha um contato diário com ela por estudar em St. Gallen e trabalhar em casa, do lado dela. E ela acabou por falecer... Estava cheia de artrite e não andava mais, muita dor e sem esperança nenhuma de conseguir sanar essa situação. Hoje tem chás, hoje tem ervas medicinais, canela de velho, que é ótimo para aliviar dores desse tipo, mas lá não tinha.
P/1 - E como era a sua rotina nessa época?
R - Eu ia à escola, tinha muita lição, principalmente línguas - tinha Inglês, Francês e Russo, então era muita tarefa de língua. Fora isso eu fazia esquiar com meu tio, que gostava disso, ele gostava de nadar, tinha piscinas que foram feitas pelos beneditinos, que criaram peixes na época do Mosteiro, e a gente nadava lá. Depois, a gente andava muito no mato, tem muita floresta lá, tem os rios que passam pela cidade, que são interessantes para a gente conhecer. Além disso, eu lia muito. Eu tinha acesso a uma biblioteca da cidade (inint) [00:33:04], que oferecia todo tipo de literatura. Eu pegava Ciências, lia sobre Matemática e matemáticos, artistas da língua alemã, poetas, era o que eu gostava. E no fim de semana, ia para (books) [00:33:29] visitar os meus pais. E a gente tinha essa rotina. Isso durante o semestre. Depois, nas férias, era outra situ ação: eu levava os livros para casa e nunca abria um. Fazia tudo menos estudar; era descansar e fazer outra coisa.
P/1 - O senhor comentou do Mosteiro. O que foi esse episódio do Mosteiro?
R - Esse Mosteiro foi fundado na época medieval. Era um beneditino que veio da Irlanda para trazer o cristianismo para essa região. Lá não tinha nada, era mato, selva, então ele instalou lá esse Mosteiro, que foi prosperando e crescendo, e a cidade junto. E o Mosteiro tem uma biblioteca fabulosa, estilo barroco, cheia de textos originais escritos à mão. Depois, houve uma briga entre St. Gallen e a abadia de Zurique, que era protestante, e eles brigaram entre si, roubaram um bom pedaço desse acervo, que hoje está em Zurique, lá na biblioteca da cidade. Em St. Gallen só tem cópias.
P/1 - Mas qual era a sua relação com esse Mosteiro?
R - A gente frequentava o Mosteiro para assistir missas, tinha o concerto também, as festas foram feitas lá - todas as festas religiosas foram feitas neste Mosteiro. Que era uma Catedral muito bonita, medieval, no começo, mas depois foi se transformando e virou Mosteiro. Hoje é barroco, arquitetura típica barroca, com muitas pinturas lindas, e tem todo um acervo. Naquela foto você vê todo o complexo que era o Mosteiro antigamente. Hoje não é mais Mosteiro - o Legislativo da cidade está lá dentro, o Corpo de Bombeiros está lá dentro, no prédio. Então o Mosteiro como tal não existe mais. Tem uma escola lá dentro, uma parte dos prédios virou escola católica de segundo grau, que eu não frequentei, eu frequentei outra escola na mesma cidade.
P/1 - Chegou a ser opção na sua infância ou adolescência seguir essa vocação religiosa?
R - Eu tinha muita vocação religiosa, eu gostava da religião sim. Eu participei de um grupo de escoteiros católicos, que lá tem, e isso eu fiz durante todo o tempo do segundo grau. E também introduziu esse escoteiro lá (books) [00:36:50]. Então, no fim de semana, eu dirigia um grupo de meninos que iam para o mato para fazer sopa, assar linguiça, escalar muros, tudo isso nós fazíamos.
P/1 - Eu sei que a gente acabou voltando um pouco, a gente já estava na parte da Faculdade, mas é que é muito legal... Conte para a gente como era essa experiência, ainda no segundo grau, com esses escoteiros? Tinha nome o grupo? Como vocês se reuniam? O que faziam?
R - A gente se reunia todo sábado - eu era um dos líderes desse grupo. Então eu organizava todo o esquema nos fins de semana. Começava com o aviso no lugar, na cidade, que a gente colocava, anúncios, quando a gente ia se reunir, o que levar e o que fazer. Então, a gente se encontrava em qualquer lugar da cidade e ia em um outro lugar, nadar, escalar - lá tem muita montanha, muito maior. Eu ia para o mato fazer fogueira para esquentar alguma comida.
P/1 - Mas qual era o propósito desse grupo?
R - Ocupar os meninos. O fim de semana que não tinha atividade, entrava no clube de esportes, outra coisa, então tinha alguns que tinham essa vocação. A gente juntava - não tanta gente, eram alguns - como os escoteiros daqui, que gostam de acampar, uniformizar, andar juntos.
P/1 - E tem algum camping que tenha sido memorável, em que tenha acontecido alguma coisa, que tenha uma história boa para contar desses encontros?
R - Esses encontros, os pontos altos foram os acompanhamentos nas montanhas. A gente ia para longe da cidade, nas montanhas de dois, três, quatro mil metros. Era bem diferente do que a gente vivenciava na cidade, e lá a gente escalava esses muros todos com mochila nas costas, tinha um lugar para voltar, e havia situações dramáticas. Uma vez nós fomos e tinha um bem gordinho que tinha medo, ele não conseguia usar uma corda, então para a gente não ficar dentro de uma tempestade brava, a gente o amarrava, o descia como uma bola na parede, ele chegando lá em baixo salvo e são, sem chuva, porque ele não tinha coragem de usar uma corda. Uma outra vez, a gente foi - isso já foi mais tarde - eu levava uma pessoa da Ilha Maurício. Lá, a maior montanha tem trezentos metros de altura, e eu o levei em uma montanha que tinha três mil metros de altura e tinha uma curva, que era aqui um abismo e uma parede para cima, que tudo era duzentos, trezentos metros. As moças passaram, ele também passou, mas depois ele esbranquiçou e não deu mais um passo, estava totalmente bloqueado, aturdido pelo perigo por que ele passou; então, situações assim aconteciam nas montanhas.
P/1 - E o senhor como líder tinha alguma responsabilidade maior sobre o grupo?
R - Sim, eu tinha responsabilidade de tudo sobre os meninos menores. Então, a gente tinha que voltar inteiro, entregar os meninos para os pais em boas condições.
P/1 - Voltando ao curso de Matemática, foi quanto tempo de curso?
R - No segundo grau, quatro anos e meio. E a Faculdade são quatro anos até o diploma, e depois para o doutoramento varia - eu fiz um bom pedaço nos Estados Unidos, voltei e fiz em um ano e meio o meu trabalho, mas com todo esse preparo dos Estados Unidos.
P/1 - Então, como é que foram esses primeiros quatro anos na Faculdade?
R - Você tem aula de Matemática, Física e outras coisas. No primeiro semestre tinha três recursos que eu até... Fotografia, Física 1, Física 2, um monte de Física no começo. Laboratório também, de Física. Tinha Química Inorgânica, Química Orgânica... Era assim dia e noite, sem parar. Mas eu adorava, para mim o conhecimento era fundamental.
P/1 - Mas qual era o plano?
R - Não tinha nenhum plano, eu queria saber. Depois, fui convidado para ser Assistente de Didática. Então a gente fazia Seminários, Colóquios com os estudantes, corrigia provas, exercícios que eles faziam, toneladas de cadernos a gente corrigia. Então, isso foi pago, mas eu não sabia desse pagamento, eu achava que isso era uma onda, de poder ser assistente na Faculdade. Pois bem, uns dois meses me chamaram que tinha lá um dinheirão estocado que era para mim, o salário de assistente naquela Faculdade. Aí eu fui buscar.
P/1 - E o que o senhor começou a fazer com esse dinheiro?
R - Comprei mais livros, discos de músicas, coisas assim.
P/1 - Quais eram as referências musicais na época, que o senhor tinha?
R - Eu participei de uma orquestra sinfônica da Faculdade, eu tinha comprado uma viola, que é um pouco maior que o violino, e lá faltava viola. Então, como a minha amiga tocava violino, eu tocava viola na mesma orquestra, e essa viola, foi interessante porque ela me levou a muitos (inint) [00:44:00], que na região moram e fazem instrumentos ou restauram. E aquele que mais me interessava me disse o seguinte: “Se você quer uma boa viola, você tem que fazê-la”. E eu topei: comecei a ir, pelo menos uma vez por semana, em uma cidade vizinha de Zurique para fazer violino. Isso eu também adorava, porque o meu avô tinha muita habilidade de trabalhar com madeira, ele entalhava, meu tio era profissional neste assunto, ele restaurava junto com um italiano muitos equipamentos daquele Mosteiro da Catedral, porque os bichos começam a comer e a coisa começa a deteriorar, então você tem que enxertar, e todas essas coisas ele fazia. Então eu também aprendi a fazer, trouxe todas as ferramentas para cá e emprestei para um artista aqui em São Paulo, que já faleceu, também é um dos fundadores da praça da República, em São Paulo, que tem assim oportunidade para artistas exporem as artes, as produções deles.
P/1 - Que legal. E depois, no término da Faculdade, vocês comemoravam o fim? Como foi celebrar esse fim, término de ciclo?
R - O fim não se celebra nada, você vai embora - o quanto antes melhor. Eu já tinha tudo alinhavado. Depois do diploma, que são quatro anos de Faculdade, eu estava apto para ir para outro lugar. Então eu fazia um estágio lá no MIT, em Boston, Cambridge, consegui uma bolsa e fui imediatamente para lá estudar mais. E fiquei três anos, depois voltei para a Suíça, fiz o meu doutoramento em um ano e meio, com base em tudo o que eu havia estudado lá no MIT.
P/1 - Mas como foi essa ida para Boston?
R - Isso foi uma aventura. Eu fui pela (inint) [00:46:38], que era uma companhia aérea que sai de Luxemburgo e depois vai para a Islândia, Nova Fundilândia, até Nova Iorque. E tinha uma caixa de livros que estava andando também, por barco. O avião quebrou na Islândia, conheci um pouco da Islândia, mas era inverno. Então, estava muito frio, eu tinha um dicionário que não cabia na minha mala - que eu costurava dentro do meu casaco e sentava em cima desse dicionário de Inglês até o fim da viagem, a [00:47:27]. Eu não sei se existe ainda, mas naquela época era uma das formas de você chegar aos Estados Unidos.
P/1 - E quanto tempo o senhor ficou na Islândia?
R - Um dia para contratar o avião e depois eu continuei para Nova Fundilândia e Nova Iorque, e de lá eu viajei, acho que com GreyHound, para Boston, onde eu estudava.
P/1 - Chegando em Boston, qual foi a impressão do lugar?
R - Muita neve, muito frio, tudo muito gelado. Eu entrei no meio do semestre - lá começa em agosto, eu cheguei em janeiro. Então, eu estudava quase tudo sozinho, peguei os livros que eles indicavam e estudava sozinho, na biblioteca ou no meu quarto que tinha alugado - os estudantes têm casas onde eles se acomodam, dois, três no mesmo quarto...
P/1 - Tipo uma república?
R - Um tipo de república, sim.
R - Ashton House, chamava-se esse lugar. O Ashton era um dos ex-alunos da Faculdade, que doava a casa dele para essa finalidade.
P/1 - E como era a comunicação com a família?
R - Naquela época era por cartas, era difícil a comunicação, demorava muito.
P/1 - E alguma vez o senhor chegou a voltar para visitar sua família, sua família foi te visitar?
R - Não, nunca, eu ficava lá direto, tinha muito para estudar. E eu tinha amigos, tinha uma mulher suíça, casada com americano, que fazia pesquisa ocular e analisava o jeito de se ver, então eu visitava esse pessoal frequentemente, eu tinha uma bike e dava para rodar em Boston, que é mais ou menos plano. Lá tinha o Charles River, que é um rio muito sujo, mas dá para velejar, então eu tinha esse passatempo de velejar.
P/1 - E como foi a questão da língua no começo?
R - Nenhum problema. Eu sabia Inglês, sem problema nenhum. Tinha alguns termos que a gente não assimilava imediatamente. Por exemplo, eu fui atrás de um ‘long’, e ‘long’ lá é um empréstimo, que não era o que eu queria.
P/1 - E como o senhor percebeu que não era?
R - A gente aprende a duras penas.
P/1 - E como foi a volta para a Suíça?
R - Eu passei por Maurício, antes de voltar para a Suíça. Eu tinha uma namorada, desde o fim da Faculdade na Suíça, que me viu uma vez só e voltou para a Inglaterra. E depois a gente se comunicava por cartas, anos a fio, e eu fui visitar a namorada na Ilha Maurício. E nós ficamos noivos; eu desenhei a roupa dela, mandou fazer, dei um anel para ela e depois eu voltei para a Suíça e ela foi atrás.
P/1 - Mas posso voltar nessa história? Queria saber como vocês se conheceram?
R - Nós tínhamos em casa sempre alunos de outros países, visitando. Tem muitos alunos da Suíça que vêm de todos os cantos do mundo e que, nas férias, não têm aonde ir. Então a gente convida para conviver, para mostrar, para levar, e a gente... Todo semestre tinha alguém que vinha ou da África ou de... Tinha um aluno que veio de Maurício, e tinha outro que veio do (inint) [00:51:45] e a gente convivia com eles, utilizava uma língua conhecida já de todos para poder se comunicar. E esse moço de Maurício, que estudava na Inglaterra, em Londres, me levou para Londres. E ela estava em Londres naquela época, então eu a vi uma vez só e a gente começou uma correspondência intensa.
P/1 - Mas como era essa decisão de namorar sabendo que vocês não iriam estar perto?
R - Eu tinha que estudar, evidente eu não tinha tempo para namorar. Agora, escrever, de vez em quando, uma carta em Inglês cabia perfeitamente.
P/1 - E sobre o que vocês conversavam nessas cartas? Como era essa troca de conversa?
R - Essa correspondência deveria estar na minha casa, em algum lugar, pelo menos as cartas que ela mandou. As que eu escrevia eu não sei, mas era sobre convivência, evidente.
P/1 - E como foi revê-la?
R - Na verdade revê-la... Eu a vi uma vez e nem sabia quem ela era, nem nada. E depois eu fui até Maurício para vê-la, conhecê-la de fato. Lá foi muito gostoso, foi maravilhoso, eles eram proprietários de muitas terras, plantavam cana de açúcar, que era um dos produtos principais dessa ilha, que a Inglaterra comprava a um preço especial para sustentar a ilha, que era colônia deles. A ilha, na verdade, foi descoberta pelos portugueses e tinha lá um pássaro, que era um tipo de peru, bastante grande, e eles comiam tudo; quando não tinha mais nada, era o Dodo - chamava-se esse pássaro. Quando não teve mais Dodo, eles abandonaram a ilha. Porque fora isso, não tinha nada lá. E vieram os franceses... Que tem lá uma história bastante interessante, tem alguns poetas que ficaram na ilha, se encantaram e fizeram poesias e contos muito interessantes, tudo sobre amor, (inint) [00:54:14]. Tinha um parque lindo, onde eles cultivavam palmeiras e coisa assim, tinha o litoral... Uma ilha cheia de praias, à volta toda são praias.
P/1 - Voltando, o senhor estava comentando agora dos franceses, que muitos poetas iam para essa ilha, não é?
R - Sim, está cheio de romantismo nessa ilha muito bonita. E eu gostava de pesca submarina, então eu estava lá no fim do ano, já estava muito frio, a água estava a vinte e quatro graus, para mim era água termal, eu ficava na água o dia inteiro, conhecendo os peixes, os moluscos, etc, as correntes, maré alta, baixa, tinha canais nos recifes, que eram perigosos, que a gente podia passar quando não tinha corrente. Porém, se a corrente nos arrastasse ficávamos todo ensanguentado, porque os corais são navalhas, é impressionante. E uma vez, fomos de barco e a maré baixou. E a gente assentou em cima de uns corais, não tinha como sair, nem a pé, nem nadar, nem nada, nós ficamos lá presos por pelo menos seis horas, e a menina ficou enlouquecida.
P/1 - E como vocês saíram de lá?
R - Esperamos a água subir, foi a única forma.
P/1 - Mas conte como foi vê-la?
R - Vê-la foi encantador. Porque eu tinha todo o tempo à disposição, a gente passeava, eu aprendi a dirigir carro lá - era um Volksrod, com direção à direita, com marcha no guidão - e eu andava em volta da casa, até saber, de ré e de frente, depois eu fiz o exame, passei e consegui dirigir em outros lugares também.
P/1 - E como foi despedir-se dela para voltar para a Suíça?
R - Eu fui para a Suíça porque era começo de semestre, eu tinha que ir. E ela, logo em seguida, foi atrás.
P/1 - Quais eram os planos que vocês tinham?
R - Bom, ela queria casar, eu queria estudar, então não dava certo, não funcionava. Ela tinha acho que menos estatura que você e eu tenho 1.92, também não dava, é muita diferença. E os hábitos e tudo mais, completamente diferentes. Então, a gente encerrou esse assunto e eu fui fazer os meus estudos até o doutoramento. E depois eu casei com uma moça, que também fazia Matemática, também estudava no mesmo lugar, e a gente se casou e foi para a Colômbia - nós dois tínhamos estudado castelhano - e a gente começou a lecionar na Universidade Del Vale, em Cáli, na Colômbia. Isso foi em 1970, nós ficamos um ano, eu já tinha recebido, através de um dos meus orientadores, um convite para conhecer São Paulo, a USP, eu fui em 1970. Em julho ou junho eu fui a São Paulo para participar do Seminário, etc, e lá eu apresentei a minha tese. E havia gente interessada nessa topologia algébrica que eu fazia. Então, eles me convidaram - era o Renzo Piccinini, que logo depois que eu cheguei foi embora e o Carlos Lira, que não demorou e morreu. Eu fiquei sozinho em Topologia Algébrica na USP, dando aula na pós-graduação, principalmente para doutorandos, mestrandos. Isso durante dez anos, até 1981. Aí o contrato foi encerrado, eu nunca tive a oportunidade de fazer um concurso e eu fui na PUC no mesmo dia. Lá já havia alguém esperando para fazer também Topologia Algébrica - ele era da Teoria dos Números, o professor Furkin de Almeida, e ele também morreu logo depois que eu cheguei - parece que eu sou um perigo - e eu fiquei sozinho. Eu fazia de tudo, havia muitos alunos querendo fazer mestrado comigo, eu tive uns trinta e seis alunos, em doze anos, que queriam fazer mestrado comigo. Doze fizeram até o fim, mas teve época em que eu tive dezoito alunos simultaneamente, orientando. Eu ficava lá olhando na lousa e só percebia... Acordava, quando alguém falava uma besteira. Aí eu percebia. O resto... Lá também encerrou, porque a Caps foi lá ver a situação - porque tem um que orienta dezoito e outros tantos que não fazem nada, eles cortaram o barato. Então hoje, não tem mais Matemática lá - nós éramos os últimos, a minha esposa e eu - e a minha esposa foi embora naquela época, não me lembro mais muito exato o ano, ela voltou para a Suíça com três filhos e um na barriga, que nasceu lá com problemas de rins, então fez uma cirurgia e conseguiram consertar a situação, ele está sem problema hoje. Mas ela não queria voltar, e naquela época eu já tinha iniciado essa obra social que você viu lá em Caucaia do Alto, aí eu fiquei. Dei aula para meninos na Escola Suíça Brasileira, que não tinha professor naquela época, porque um ficou doente e eu assumi as aulas em Alemão e Geometria Descritiva. Então, eu mandei para ela esse dinheiro que eu ganhava lá, que era pago na Suíça, depois ela não quis voltar, eu também não quis ir e fiquei - fiquei só durante dez anos - e nesses dez anos eu construí toda essa entidade, fiz ela funcionar, nós tínhamos uma creche no começo para cento e cinquenta, cento e sessenta crianças, depois virou centro juvenil para atender aqueles egressos, que funcionava... Até duzentos e quarenta alunos nós tínhamos, e isso vem vindo já há trinta e três anos que eu estou dirigindo essa entidade, com recursos de lá e daqui - no começo era 100% dinheiro da Suíça, isso surgiu assim. Mais ou menos em 1980, houve adoções da Suíça, o que motivou a necessidade de alguém que acompanhasse para traduzir, mostrar os lugares, pegar as crianças nos orfanatos, levar para o Juiz, para a Assistente Social, para todos esses lugares que têm alguma coisa a ver com adoção internacional. Então, eu fui chamado e depois acompanhei um Juiz - o Guimarães - que era da Vara da Infância lá na Zona Norte, Santana. Ele me convidou, cada vez que tinha alguém vindo de lá, que falava uma língua que eu sabia, para acompanhar, buscar as crianças no orfanato, levar ao Juiz. Todo esse contato com os pais adotivos eu consegui estabelecer. Isso eu fiz umas vinte vezes. E veio uma mulher também, que adotou, que era brasileira, que fazia o trabalho do outro lado do oceano, na Suíça, ela era casada com um suíço empresário e coordenava todo esse contato entre as famílias dispostas a adotar crianças do Brasil, e o Brasil. Então, eu era intermediário nessa base preliminar, levava no meu carro, buscava os pais, levava no orfanato, levava ao Juiz, traduzia tudo o que precisava - aqui agora é bem rigorosa a adoção internacional, tem gente que não gosta disso e outros estão apoiando. Esse Juiz só fazia isso, só mandava a gente para outros lugares fora do país, e eu ajudava. Então, um pastor veio de lá também - que já tinha criado duas meninas qu e vieram do Vietnã e elas estavam já adultas, iam casar, sairiam da família - e eles queriam mais crianças. Eles levaram acho que três de uma vez daqui. Nós éramos intermediários, eles viviam na nossa casa, lá em Caucaia do Alto, e a gente fazia todo o contato com juizados. Eles, vendo a situação daqui, esse abandono da infância do brasileiro, eles se organizaram e conseguiram cem mil francos em pouco tempo. Era o suficiente para realizar um projeto de uma creche, que eu consegui, quer dizer, eu fiz os desenhos, a gente estudava, ia junto com o arquiteto, nós visitamos algumas creches aqui para conhecer como isso funcionava mais ou menos, e depois a gente fez o nosso conceito, conforme o terreno que tínhamos. E depois de tudo pronto, nós começamos a assumir crianças, a gente começou um pouco antes de terminar o prédio porque demorou muito tempo, três anos era muito tempo para... Mas eu fazia tudo em regime pessoal - eu dirigia a obra, fazia as instalações hidráulicas, elétricas, de gás, telefone e tudo mais, conforme o projeto que eu elaborei com esse arquiteto. Tinha ainda a ajuda de um ex-aluno meu, da PUC, que fez mestrado comigo, que me ajudava com o dimensionamento de vigas, concreto armado, então ele calculava as coisas e eu executava com um pedreiro, um servente e eu. Ficou muito barato, nós gastamos cem mil dólares para essa construção, que em condições daqui custaria dez vezes mais. Foi feita uma escola, na mesma época, que durou mais tempo porque a verba acabava não sei quantas vezes, e custou um milhão de dólares. Então, era um desperdício gigantesco, o público aqui faz alguma coisa e funciona - até hoje está funcionando. Agora nós teremos condições de fazer um centro juvenil legal, em um outro terreno, que já está também em condições legais, perfeitas, falta pouca coisa - muro de arrimo para segurar um barranco - mas teríamos condições de fazer algo para valer, e quem sabe a gente consiga um dia.
P/1 - Pensando nesse começo ainda, quando o senhor recebeu a verba, se viu capaz de realizar alguma coisa, o que se passava na sua cabeça?
R - Muito agradável, impressionante a gente ter condições de fazer algo para alguém, de realmente ajudar.
P/1 - E quando o senhor percebeu que já era hora de inaugurar, mesmo não tendo terminado a obra?
R - Nós tínhamos a colaboração do então prefeito Ivo, ele nos cedeu duas casas geminadas, que eu poderia abrir no meio para emendar e iniciar um berçário. Então, acho que um ano e meio antes de iniciar a obra nova, nós já tínhamos crianças de zero a um ano, e lá funcionava um berçário apenas - vinte e sete crianças que, depois, foram mudadas para outros lugares e finalmente instaladas no prédio novo.
P/1 - E quem eram essas crianças? De onde elas vinham?
R - Das favelas de lá, tudo gente que não tem condições. Tem muita mãe solteira em Caucaia, gente que, realmente, está em condição sub-humana - e a gente consegue ajudar. Nós temos hoje um doutor que se formou na Unesp e na Cis - ele é doutor em Literatura e passou por lá. Nós temos uma outra moça que está na Santa Casa, fazendo o quarto ano de medicina. Nós temos gente de todo tipo - administrador de empresa, advogado... Então, esse pessoal teria chance zero se não tivéssemos agindo com Educação.
P/1 - Mas ainda pensando nesse começo, como era conversar com a comunidade? O que estava acontecendo, quem poderia participar, o que seria feito?
R - Foi engraçado no começo. A gente queria abrir as portas de graça, mas como a palavra creche não era conhecida na região, a pergunta era: o que vão fazer com o meu filho? Não veio ninguém. Mesmo que a gente tenha explicado o que é creche. Nas escolas, nós fizemos um concurso para achar o nome dessa entidade - a ideia inicial era ‘Larscar’ - Lar Suíço Brasileiro. “Não faça isso, você não vai receber um tostão aqui para essa entidade”. Aí eu resolvi ir na escola, vamos ver o que as crianças acham. E eles acharam que Criança Feliz seria bom. Tinha acho que uma dúzia de crianças com essa opção e nós distribuímos relógios de criança para eles como recompensa. E até hoje tem algumas que vêm me mostrar o relógio que elas ganharam naquela época.
P/1 - E como foram as primeiras crianças? Porque, no começo, o senhor falou que não teve tanta adesão. E quando começou?
R - Eu comprei lã e agulha e a equipe que estava contratada fazia o tricô para preparar coisas para crianças pequenas. E depois nós começamos a cobrar alguma coisa. Aí apareceram. E depois a gente suspendeu essa cobrança, porque ela não entrava mesmo, porque eles só vinham uma vez, não duas, e hoje é gratuita - 100% gratuita. O pessoal não tem condições de pagar. Tem algumas que também querem entrar, que têm condições de pagar, talvez a gente vá começar a fazer isso. Uma época em que a gente estava muito apertado de dinheiro a gente deixou gente entrar pagando, isso resolveu a situação financeira. E também é interessante: quando você tem um grupo de crianças mais heterogêneo um aprende com o outro, em termos de linguagem, comportamento, comer, curiosidade, fazer perguntas - tudo isso é um estímulo para as outras crianças. Agora, se você tem um grupo só dos mais miseráveis, é difícil dar um passo - nenhum estimula ninguém, só brigam.
P/1 - E como era o senhor agindo naquele espaço, naquele começo? Quais eram os sentimentos que vinham?
R - Isso é muito bacana porque você, de fato, consegue ajudar alguém. Como esse moço que você viu lá, que já está conosco há trinta anos anos. A gente trocava as fraldas dele, dava mamadeira para ele, hoje ele é formado em Pedagogia e continua conosco, porque ele se sente em casa e valorizado. Então, eu tenho um contato muito profundo com esse pessoal, eu sou quase um avô, um pai, sei lá, para eles. Porque eles viviam mais na creche do que fora, já que a casa deles oferecia muito pouco.
P/1 - Mas qual era o plano do senhor em relação a essa instituição? Era ficar até quando?
R - Essa é uma boa pergunta. Eu não sei até quando a gente aguenta. Eu já tenho setenta e sete anos hoje, então será que com oitenta, noventa eu ainda funciono para tocar a creche ou a entidade? É muito difícil achar alguém que vá assumir esse papel, que faça a ponte daqui para a Suíça, porque até hoje nós temos verba de lá - um terço do nosso orçamento vem de lá, religiosamente, devido ao contato que eu tenho com eles. Eu falo a língua, vou lá visitar, explicar, mostrar, fotografar, mandar, tudo através de mim, não tem ninguém que consiga fazer isso, então a gente está tentando uma auto-sustentação. Se isso vai funcionar um dia eu não sei, estamos começando a dar alguns passos, nós temos um bom ponto na Itália também, temos uma diretora que mora em (inint) [01:15:01], na Toscana, e que sempre tem ideias mirabolantes, a gente está tentando ver lá se a gente finca o pé. Nós fomos à Toscana já três vezes com (inint) [01:15:16], eles conhecem a gente, eles sabem, porque as famílias de lá convidaram as nossas crianças para conviver com eles durante esse tempo que eles estavam lá fazendo música em praça pública. Eu fui depois com um outro grupo - Maria Fumaça - que é um grupo feminino, mas eu fui junto para tocar tambor. A gente fez... Era uma cidade medieval, era o areal de caça para os (Meritie) [01:15:50], tinham, na verdade, uma fazenda que era cheia de mato, naquela época, para caçar. E eles construíram uma casa chique, muito bonita, enorme - hoje é museu - para morar enquanto caçavam. Então, as mulheres estavam lá dentro e os homens acabados na caça. E nessa cidade nós fizemos a Folia de Reis, a gente andava nessa cidade, que é circular, tem uma rua só... Hoje tem algumas a mais, porque já cresceu, mas antigamente era só uma rua... E essa pessoa mora em uma casa do lado da igreja desse castelo, enfim, nós somos conhecidos lá e todo mundo gosta. Então, vamos ver se a gente consegue lá fazer alguma coisa, turismo... Essa é a nossa ideia.
P/1 - E quando foi a primeira vez que você levou... Recebeu esse convite para levar as crianças, os adolescentes, para fora?
R - 2002. Foi daquele lugar... Tem um tal de Shalom, que é uma entidade católica, que nos convidou e a gente foi lá para tocar.
P/1 - E como foi escolher quem ia?
R - Os melhores, aqueles que sabiam tocar. Nós íamos em um grupo de trinta pessoas, então, naquela época, a KLM nos fornecia as passagens de graça e a estadia lá era fácil, porque as crianças foram assumidas pelas famílias de lá. E alguns ficaram com essa pessoa que é diretora nossa, então, não tinha custo nenhum. E assim nós fomos umas três vezes. Agora, a última vez, a gente pagou e isso ficou muito caro, com tanta gente. Nós fomos a Taiwan também, com o templo Zulai, conhece? Na Raposo Tavares? Lá nós ensinamos como se faz festa junina. Então, as primeiras festas juninas nós fizemos lá para ensinar e mostrar como se faz - depois eles aprenderam. Mas nós fomos convidados por eles, também, para viajar até Taiwan - uma parte foi pela KLM, outra parte pelo Sul e financiado por uma entidade de Taiwan vinculada aos budistas, que tem lá - então nós fomos desse jeito. Lia-se Budist International Organization, alguma coisa assim.
P/1 - E os adolescentes como ficam?
R - Bom, a primeira viagem foi assim deslumbrante. Alguns tinham saudades, queriam telefonar todo dia para a mãe, outros conseguiram assimilar a questão do lugar novo, que é diferente, se fala diferente, que é tudo diferente daqui, tem a beleza natural da Toscana, que é muito bacana, e tem essa cidade medieval que era o quintal dos Merities, que eles caçavam naquela região... Então, eles aprenderam um monte de coisas. Na volta de Taiwan foi muito difícil - nós fomos na época da Sars - aquela doença transmitida por pássaros, galinhas - ninguém ia para o Oriente, porque era infestado. E quando começou, nós fomos os primeiros a ir, era extremamente fácil conseguir passagem para Taiwan correndo esses riscos. Mas depois, quando a gente quis voltar, já estava tudo lotado de novo, de turistas. Então, para voltar, era quase impossível. Nós tínhamos um visto coletivo - ou todo mundo sai, ou ninguém sai. E eles não tinham entendido o que é “stand by”. Eu tentei explicar, mas eles só entenderam quando todos nós voltamos lá do porto, porque não tinha lugar para todo mundo. Aí a gente ficou mais quinze dias no templo, o dia inteiro no computador tentando conseguir algum contato com a KLM. Até que, finalmente, conseguimos ir até Bangcoc, pelo menos. Mas lá também não tinha como continuar todo mundo junto, então nós tivemos que dividir o grupo em duas partes - uma parte foi e a outra parte ficou em um templo budista, de novo. Porque eles têm templos no mundo inteiro, eles estão muito bem organizados, então era fácil. Os meninos mais velhos... Eu dei aula para eles, para eles entenderem um aeroporto - como fazer com a bagagem; um trem - como chegar na cidade. Eles aprenderam e foram sozinhos até Amsterdam, e de lá eles tinham que ir para um templo budista, dormir lá e, no outro dia, voltar para o aeroporto e pegar o voo para São Paulo. Conseguiram, sem problema nenhum. Então você vê como eles crescem em uma situação dessas. E as meninas ficavam comigo. Mas também não cabiam todas em uma van, nós tínhamos um monte de instrumentos - tambores, coisas grandes - nós dividimos: eram dois corpos - uma parte comigo e outra parte em outra condução; foram para o templo e lá nos encontramos todos de novo. Ficamos em Bangkok um dia, para conhecer a situação de lá, e depois voltamos de novo para o aeroporto, para continuar até Amsterdã e São Paulo. Foi uma odisseia e tanto, mas eles crescem bastante nessas aventuras.
P/1 - Desde quando existe essa instituição?
R - 1985. Nós começamos a ter crianças em 1987; foi quando começou a atividade pedagógica.
P/1 - E como é hoje para o senhor, lembrar disso tudo e ver que tem tanto tempo já de instituição, tanta coisa aconteceu?
R - É muito gratificante. Era uma chance que eu tinha na vida de fazer alguma coisa significativa, talvez tão importante quanto ensinar Matemática.
P/1 - E o senhor comentou já de algumas histórias, de alguns que já participaram, mas tem alguma que o senhor queira contar com mais detalhes de como chegou, como foi acompanhar o crescimento da criança?
R - Nós tínhamos alguns alcoólatras e outros que tinham problemas mentais muito graves. Uma moça que trabalhou conosco tinha um irmão que se suicidou, e ela quase pirou. Então, a gente tinha que entrar na ala, e eu a visitava para ver se ela conseguiria voltar ao normal - e ela conseguiu e hoje está dando aula em uma escola municipal em Cotia. E tem um outro moço, que hoje faz a nossa contabilidade, que era alcoólatra, tão grave que a mãe me solicitou que eu fizesse alguma coisa para esse moço mudar de vida. Eu fiz, eu fui no Recanto Bandeirantes que tinha naquela época, que era uma instituição que cuidava de gente drogada, alcoolizada, ele foi internado, ficou uns quinze dias para desintoxicar, e hoje ele consegue manter-se sóbrio, faz a nossa contabilidade.
P/1 - O senhor quer contar alguma coisa da instituição que eu não conheça e que queira deixar registrado, algum marco que tenha sido importante?
R - Eu fundei, junto com outros, como presidente dessa entidade, o Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, que era uma ideia de um promotor da infância do Estado do Curi (???). Ele veio nos contar essa ideia em palestra dentro da Câmara Municipal e na expectativa de que alguém pudesse assumir, voluntariamente, essa tarefa. Porque o Conselho Municipal dos Direitos da Criança e dos Adolescentes é um conselho paritário entre poder público e a sociedade organizada. Mas no lado dessa sociedade são voluntários, que não ganham nenhum tostão, só um monte de tempo que vai... E a gente participa desse Conselho, e ainda hoje ele existe, funciona mais ou menos, porque é uma briga eterna entre o poder público e o cidadão comum, não tem verba para nada, é tudo muito difícil, muito burocrático, a gente perde muito tempo com documentos, prestação de contas, para quase nada. Então, é muito desgastante, mas eu acho que é uma necessidade. Porque sem esse esforço do setor privado, o governo não faria absolutamente... Simplesmente nada. É um abandono generalizado, não existe vontade genuína de fazer assistência social. Isso existe porque é lei, tem lá uns amigos dele que recebem um salário, mas fora isso não interessa a mínima, essa é a nossa experiência. A gente consegue dinheiro deles, sim, mas a um custo altíssimo. Existe, previsto em lei, tudo o que o Município tem que ter, mas é nessa base, então auto-sustentação para nós não é só um motivo de continuação da entidade, mas também de abandonar essa parte do poder público, porque não compensa o trabalho. Eu preciso de duas, três pessoas a mais por causa dessa ajuda.
P/1 - Posso voltar para a Suíça?
R - Pode.
P/1 - Eu queria muito saber como o senhor conheceu sua esposa?
R - A minha... Eu tenho duas esposas: a suíça e a brasileira. A suíça, eu conheci na Escola Politécnica Federal, em Zurique. Ela fazia também doutoramento, terminou depois em Cáli, eu ajudando bastante para ela conseguir. E a outra, eu conheci depois de dez anos de celibato aqui no Brasil, fazendo filantropia.
P/1 - Primeiro pode ser a da Suíça? Como ela se chama?
R - Érica Brigita Ruolf.
P/1 - Eu queria saber como foi essa decisão de ir para a Colômbia. Como foram os dois juntos se mudando para lá?
R - Nós tínhamos estudado bastante os astecas - eu tinha lido livros e livros sobre astecas, e a gente queria ir para o México. Na verdade, tentamos, mas não conseguimos. Abriu uma oportunidade em Cáli, a gente pegou e foi. E a gente vivenciou um ano lá dando aulas de Matemática na Universidade de Vale.
P/1 - Mas o que motivava conhecer essa parte do mundo? Por que os astecas, México?
R - Isso não sei lhe dizer. Era uma curiosidade que a gente tinha. Nós tínhamos muito conhecimento desses índios naquela região, e a gente queria conhecê-los. Essa cultura toda... Acho que o México é o único país latino-americano que integrou essa cultura indígena com a espanhola. Lá se valoriza, se tem acesso a toda essa riqueza. Aqui no Brasil não é bem isso, o índio nem é considerado cidadão, ele é de segunda classe, desprezado, ignorado, não se aprende a língua dele na escola, então aqui é bem o oposto. Lamentavelmente, não deu. Lá a gente estudava os incas, que tinha lá, também era uma tristeza, porque o inca vivia em três planos: ele tinha o Altiplano, a três mil metros de altura, ele conseguia plantar trigo, coisas assim, plantas que ele comia; tinha uma outra instância no meio plano, a mil metros de altura; e também no oceano, embaixo. Então, ele viajava o tempo todo para esses três lugares, a família toda ia a pé, era longe, mas eles tinham esse hábito. Agora, quando o espanhol veio e colonizou esse país, ele mandou os negros para a praia e os índios ficavam no Altiplano. E lá eles não conseguiam sobreviver decentemente, passavam fome, porque o Altiplano não produzia no inverno - e lá também tem inverno, mesmo na região do Equador é muito frio. Eu conheço os três lugares, sei que o negro está na praia, ele está numa boa, ele tem alimento, a fartura, o mar produz tudo o que ele quer e a agricultura também funciona, então eles estão sobrevivendo numa boa. Agora, o índio, coitado, ele não tem chance nenhuma lá no Altiplano, porque o meio foi ocupado pelos espanhóis, então lá tem as grandes cidades - Bogotá está a 2.500 metros, Cáli está a 1.000 metros, Medelin a 1.200 metros, Cartagena do Norte está no mar, está na praia.
P/1 - E como foi chegar em Cáli? Qual foi a impressão da cidade?
R - É muito calor, é um calor tremendo. A gente suava dia e noite, era difícil viver lá, francamente. Só à tarde, depois das quatro, cinco horas é que começava uma brisa dos Andes e aliviava um pouco esse calor. À noite dava para dormir, mas de dia era triste. A gente ficava na mesa e aqui corria o suor na mesa, alagava tudo, debaixo de um telhado de eternit, pode imaginar, sem ventilador, era tremendo. Mas a gente viajando lá, subindo nos Andes, resfriava, baixava a temperatura. Havia várias cidades muito interessantes perto de Cáli. Uma era Popayan, que tinha uma festa da Paixão de Cristo muito rica realmente, era um espetáculo fabuloso; depois tinha os índios no Altiplano, que a gente visitava lá em San Augustin, também tinha um padre suíço que estava lá instalado, que tinha feito um colégio para o pessoal começar a estudar, mas a gente notou que, por exemplo, em um enterro de uma pessoa de lá ele não sabia, a gente perguntou: “Mas como você não sabia que tem um enterro?”. “Eles enterram do jeito deles”. Então, ele conseguia educar algumas pessoas - um até virou Ministro da Educação da Colômbia - mas eram muito poucos. A função, a atividade dele não tinha frutos significativos; aliás, isso eu soube também de um outro, um francês, famosíssimo, com muito dinheiro, foi para uma aldeia lá na região de Minas Gerais e se instalou dois anos. E a conclusão dele, depois de dois anos de trabalho sociológico e filantrópico, era que: “não conseguimos absolutamente nada”, não passa. Agora, nessa entidade, a gente consegue, nós temos muitos frutos excelentes - não todos, tem outros que são resistentes, que não querem saber, que não estão a fim - mas tem alguns que conseguem dar um passo enorme.
P/1 - E como foi a decisão de sair de Cáli e vir para São Paulo, no Brasil?
R - Foi esse convite que eu recebi de São Paulo, da USP, para conhecer, em 1970. Eu vim a primeira vez para participar de Seminário, expor a minha tese de doutoramento e eles gostaram e me convidaram. Eu vim e em 1971 eu comecei a lecionar na USP.
P/1 - E como vocês dois, como um casal, encaravam mais uma mudança?
R - Em Cáli a gente esperava o momento substancial do nosso salário, que não foi concedido. E como eu tinha essa alternativa, eu fui embora simplesmente, e nos mudamos para o Brasil. E depois, nós estávamos estacionados em Bogotá, era guerra civil, as tropas na rua, a gente como estrangeiro tinha que trocar os documentos a cada três dias, então mal dava para fazer algum passeio. A gente foi até Villa de Leiva, fomos até os Lianos, que é o Pantanal Colombiano, mas tudo assim, fim de semana, rapidinho. Eras de Tequendama. A gente viu um pouco da cidade de Bogotá, mas como era muito perigoso, principalmente para estrangeiro, eu consegui um avião da Força Aérea para nos deslocarmos para Letícia, lá no fim do mundo, no rio Solimões, e a gente foi até lá desse jeito, levando a nossa tralha. E lá nos foi dito que: “Daqui para descer a Manaus, não se sabe quando, de vez em quando tem um barco”. Com essa informação, eu peguei uma trilha, fui ao longo do rio Solimões, até o outro lado da fronteira, encontrei um barco que estava prestes a sair, combinei com o chefe do barco: “Vocês nos esperam, nós vamos levar umas três horas para buscar nossa tralha”. Então ele esperou, nós éramos quase os únicos que ocupavam esse barco, e a gente mobilizou meninos para carregar tudo o que nós tínhamos, andamos pelo mato de novo para Tabatinga e embarcamos para Manaus. A única recomendação dele era: “Compre uma rede, porque aqui não tem cama”. Tinha dois tubos no teto e você esticava a cama, colocava as malas por baixo, e deitava na rede. E assim nós fomos até Manaus. Tinha tartaruga, no começo, para comer, depois acabou. Eles mataram um boi em uma praia e levaram a parte que interessava, o resto era para urubú. E a gente continuava até Manaus, bebendo água do rio - eu tive uma diarréia fabulosa quando cheguei em Manaus, não tinha nem como apreciar muito Manaus, tinha que ir correndo para me tratar, e consegui.
P/1 - Como vocês encaravam tudo isso?
R - Naturalmente. Eu era escoteiro, a gente estava acostumado a morar e andar no mato, eu até hoje gosto do mato.
P/1 - E de Manaus?
R - De Manaus a gente pegou o avião, foi a primeira vez que alguém pediu um documento para viajar. Nós tínhamos dois vistos diplomáticos, os vistos números 25 e 26 - é uma raridade - mas eu consegui lá no consulado, em Bogotá, esses dois vistos para poder viajar, fugir da situação de lá. Como eu tinha uma oferta de contrato na USP, eles aceitaram e nós fomos dessa forma. A ideia nossa era de fazer todo o Amazonas até Santos de barco, mas não deu para fazer. Eu estava tão ruim que precisava ir rapidinho para São Paulo.
P/1 - E chegando em São Paulo, vocês foram morar aonde?
R - Primeiro no Crusp - é um conjunto residencial da USP, que era totalmente desocupado, porque lá tinha revolução de estudantes que moravam lá dentro. Tinha botas, facas e outras coisas revolucionárias, então, não tinha mais ninguém. Fizeram uma exposição lá na praça, de todos os objetos encontrados, então nós éramos os únicos que ocupavam o bloco G. A primeira visita foi assim: quando eu cheguei aqui eu morava no Crusp, e no fim de semana, muitas vezes, não tinha luz. Então eu fui comprar uma flauta doce e tocava flauta quando não tinha luz e não tinha como dormir.
P/1 - Alguma música se lembra? Das que você tocava?
R - Todo tipo de música. Depois nós moramos na Fradique Coutinho, aqui pertinho, durante uns três, quatro anos, enquanto eu estava construindo lá em Caucaia. E depois nós tivemos uma oferta em uma igreja protestante, no Brooklin - não tinha pastor lá, então nós ocupamos o espaço para cuidar da igreja e da casa do pastor. Depois a gente foi para Caucaia.
P/1 - E o primeiro filho veio quando?
R - Em 1980… Deixa eu ver.
P/1 - Não precisa ter data, não, mas pode contar como foi receber essa notícia do primeiro filho, como foi…
R - A primeira gravidez começou em Cáli, mas ela abortou, perdeu o feto. E a segunda gravidez aconteceu aqui em São Paulo, provavelmente 1982, por aí, mais ou menos isso, porque nós estávamos na USP naquela época, me foge a data exata…
P/1 - Não precisa se preocupar com o ano, é mais contar como foi a sua reação ao descobrir que, de novo, ela havia engravidado.
R - Ela estava grávida, dando aula na USP, de Geometria e Reflexões. O filho nasceu, era o motivo para nós conseguirmos um contrato, porque o chefe do Departamento nos tinha falado, na seguinte situação... Eu queria o Regimento Interno da USP, para saber quais eram as minhas obrigações, os meus direitos. Eu pedi umas três, quatro vezes, no fim ele se enfezou e falou o seguinte: “Quando você tiver um problema, você venha falar comigo, eu sou o Regimento da USP”. Ele era fazendeiro lá de Mococa, então ele nos tratava como bois. Era assim na USP. Depois ela ficou grávida, eu fui de novo no Cândido Lima, falei: “Eu tenho um problema, eu preciso ter um lugar para nós termos o nosso primeiro filho”. Rapidinho ele fez um contrato e a gente podia usar o Servidor Público, lá na Pedro de Toledo; então, a nossa primeira filha nasceu lá.
P/1 - Qual é o nome dela?
R - Sandra Cornélia. Hoje ela se chama Dafne, ela não gostou do nome, foi no Ashram, na Índia, e lá ela foi batizada como Dafne; então hoje ela é Dafne.
P/1 - E como foi essa primeira vez pai? As dificuldades, os desafios?
R - A gente estava completamente só. Não tínhamos um parente sequer aqui, então era complicado. Eu fiz um berço de jacarandá, entalhado, para receber a menina. Ela nasceu lá no Hospital do Servidor Público, foi tudo bem, cesariana, ela também se recuperou, a gente morava na Fradique Coutinho, em um apartamentinho, acho que tinha três quartos - era uma sala, dois quartos e tinha uma cozinha, e uma varandinha para estender roupa. Então, nós começamos lá, com um filho. Dois anos depois nasceu outra filha e um ano depois nasceu um filho - ela já estava na PUC, naquela época, porque ela não gostava muito da USP. Foi convidada para ir para a PUC, foi e se deu bem, chegou até a titular, escreveu um livro lá, estava bem colocada na PUC, com muitas aulas. A gente dava dezesseis aulas por semana; na USP eram seis horas por semana, e no fim tinha essa gravidez, ela queria fazer um parto junto com uma hérnia femoral, são duas situações diferentes e fazer junto iria levar horas e horas, ninguém quis. Ela foi para a Suíça e levou os outros três e depois deu esse problema com esse menino que nasceu e ela ficou na Suíça, começou a dar aula no segundo grau e ficou até se aposentar, no segundo grau.
P/1 - E como foi para o senhor, ter a família toda na Suíça?
R - Eu tinha a minha família aqui. Cento e sessenta meninos que precisavam de um pai. Aliás, uma vez veio um menino na minha casa, bateu na minha porta e perguntou o seguinte: “Eu estou procurando um pai”. Ele estava em um orfanato lá perto, ele queria um pai, então eu falei: “Eu vou tentar”. Acolhi ele, ele ficou um bom tempo lá dentro comigo, mas ele só queria jogar bola, ele tinha todas as pernas e pés estourados e continuava jogando bola, só isso que interessava a ele, aí eu o devolvi para o orfanato, não sei o paradeiro dele hoje.
P/1 - E como ficava a sua comunicação com a família?
R - Por telefone, e-mail, depois ela pediu o divórcio. Eu fui lá levando toda a documentação que precisava, e ela continuava vivendo lá e eu aqui.
P/1 - Em que momentos o senhor visitava, ou os seus filhos vinham lhe visitar?
R - Hoje mais frequentemente. Tem uma filha que vem todo ano, ela adora Ilha Bela, gosta do Brasil, fala bem e leva as netas também. Então, a gente se vê quase todo ano.
P/1 - O senhor não falou o nome dos outros filhos, só falou da Dafne. E depois?
R - Sim, tem a Yara Cristina, o Aurélio Amauri - esse tem o nome de alguém que morreu no Hospital. Tinha uma outra gestante no Servidor Público, que perdeu o filho, e o nome dele era Aurélio. A gente então usou esse nome para continuar, esse outro que morreu.
P/1 - Mas vocês tinham planejado algum outro nome para ele?
R - Acho que Aurélio era planejado, Amauri não, mas esse outro era Amauri, então a gente usou esse nome. Depois veio o Cristian Rafael, que nasceu na Suíça, mas “made in Brazil”.
P/1 - E depois do divórcio, o senhor veio para o Brasil?
R - Não, eu fiquei. Eu tinha lá outras obrigações na Escola Suíça Brasileira, por causa desse professor que tinha problemas e não podia mais dar aulas, então eu assumi essas aulas por ele, dei até o fim, e mais tarde eu voltei mais uma vez nessa escola fazendo a licenciatura na USP. Eu queria saber como são formados esses professores daqui. Fiz o curso inteiro, inclusive estágio nessa escola, fiquei um ano dando aula de Matemática lá, mas nunca usei esse diploma.
P/1 - E a decisão de, de fato, ficar no Brasil, como foi?
R - Uma vez que ela falou que não iria voltar, eu também não queria uma situação sem definição nenhuma. Trabalhar onde? Ganhar o pão como? Aqui eu tinha tudo isso e muitas outras tarefas. Eu fiquei.
P/1 - E como foi conhecer a nova esposa do senhor?
R - Na entidade. Eu frequentava o Rotary, em Cotia. E o Rotary mandava intercambistas para outros lugares. E dois dos filhos dela já fizeram parte desse intercâmbio, então um dos filhos que estava justamente no intercâmbio lá no norte dos Estados Unidos - e ela estava sem emprego - falava para ela: “Mãe, tem um homem no Rotary de Cotia que tem uma creche, quem sabe você consegue alguma coisa lá”. E ela foi me procurar. Eu a convidei para começar a trabalhar na entidade, depois ela virou diretora, e até hoje - já mais de vinte anos- diretora. Então, a gente se conheceu dessa forma e até hoje nós estamos juntos.
P/1 - Mas como vocês perceberam que tinha um outro tipo de interesse entre os dois?
R - Eu acho que foi em uma viagem para uma represa aqui perto, lá em Ibiúna, ela é propriedade da Votorantim, faz energia elétrica para eles. Tem uma usina de alumínio, essa energia vai toda para lá, mas é uma belíssima represa, que tem muitas praias, eu acho que foi lá que a gente percebeu a afinidade.
P/1 - Legado das águas?
R - Passeando junto.
P/1 - Muito bem, eu já estou quase finalizando as perguntas. Não sei se o senhor quer contar alguma coisa que eu não estimulei em alguma pergunta. Tem alguma coisa que o senhor queira falar, contar para a gente?
R - Tem tanta coisa para contar.
P/1 - Pode ficar à vontade.
R - Eu não vim antes - vocês já me convidaram uma vez - e eu não cumpri aquele compromisso porque eu coloquei o marcapasso, implantei, e estava em vésperas da cirurgia. E a gente não sabia como ia ser depois, se isso ia dar certo ou errado, então eu adiei. O marcapasso deu tudo certo, então essa parte está resolvida.
P/1 - Posso partir para as perguntas finais?
R - Pode.
P/1 - Eu queria que o senhor me falasse como é a sua rotina, hoje.
R - Hoje, eu vou todo dia na entidade, eu sou aposentado - acho que faz sete anos - eu vou todo dia na entidade para ver como estão as coisas, para assinar os documentos, levar os documentos, e todo o contato com o público, com as autoridades, é comigo. E eu estou agora ensinando outros a fazerem prestação de contas, conhecer a legislação, fazer a documentação, nós temos um monte de títulos que têm que ser renovados periodicamente, conhecer os lugares, onde levar, onde ir para saber das coisas, participar desses Conselhos que existem por aí - são dois Conselhos: o Conselho Municipal de Assistência Social, que a gente frequenta; e o outro é o Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente. Então, a gente se entrosa com essas autoridades, com esses organismos oficiais para termos acesso a convênios, fortalecimento, todo tipo de benefícios, mas, como já disse, o esforço para ter tudo isso é extremamente grande. Na Suíça, eu nunca prestei conta de nada, a gente manda o balanço, mas durante o ano não tem pergunta nenhuma, a gente manda informações, como está indo, o que está fazendo, mas não tem essa cobrança toda dos mínimos detalhes que a gente tem que prestar conta, como aqui. Existe um vínculo de confiança, que aqui não existe. Então, isso complica muito, uma sociedade sem vínculos de confiança, todo mundo é ladrão, a princípio, até que comprove o contrário durante muito tempo, é penoso, muito penoso isso.
P/1 - E quando o senhor não está na Instituição, o que o senhor faz?
R - Eu leio a correspondência, a legislação, faço os ofícios, vejo a contabilidade, vejo as pessoas, participo de reuniões, tem um monte de atividades que a gente faz, tem visitas que eu preciso receber, a gente faz visitas em outros lugares; como conselheiro a gente visita todas as instituições em Cotia, conhece como é, como não é, quais são as dificuldades que eles têm e a gente leva tudo isso para os Conselhos, só que a resposta é sempre não tem verba, não tem.
P/1 - E como fica a sua paixão pela Botânica hoje em dia?
R - Eu faço tintura de Guaçatonga, por exemplo, que é uma erva medicinal que tem aqui. Faço chás, coleciono folhas do mato e vou atrás das plantas. A gente aprende... Cada dia tem mais uma planta que a gente fica conhecendo para que serve, como se usa. O povo sabe algumas coisas, tem muita gente que usa essa Botânica medicinal, e tem livros que são coletâneas dessas plantas medicinais que são comprovadas. E hoje em dia, se faz bastante pesquisa na USP, inclusive na parte de Biologia, se faz pesquisa das ervas medicinais - não só aqui, em outras Faculdades também. Guaçatonga foi pesquisada lá no Japão, porque ela seria o ideal acompanhante para anti-inflamatórios que atacam o estômago. Ela protege o estômago de maneira que qualquer outro ingrediente que entrar não prejudique, protege a mucosa do estômago, é impressionante a atividade dessa planta. Ela não é metabolizada, ela entra e sai do mesmo jeito, mas tem alguma função metabólica lá no estômago, nessas mucosas, que protege, então, a gente tem um benefício muito grande. Quem tem úlcera estomacal, duodenite, esofagite, gastrite, todos esses itens são inflamações, ela combate. Então, eu faço tintura. Por isso, o nosso grupo musical chama-se Guaçatom. Eles acharam... Guaçatonga faz bem para o corpo, a música faz bem para a alma, e assim foi inventado o Guaçatom.
P/1 - E pensando, o ar livre, as caminhadas que o senhor fazia, o senhor continua a fazer, vai em busca de florestas, com ficou essa relação sua aqui no Brasil?
R - Eu continuo andando, ando muito aqui no Cemucam - é um parque que foi adquirido pelo Jânio Quadros, quando ele era o prefeito de São Paulo, então ele queria uma chácara lá longe da cidade para o povo daqui poder usufruir do mato, e esse mato está conservado até hoje e lá eu vou andando, fotografando.
P/1 - Eu tenho mais duas últimas perguntas. Antes, Paulo, quer fazer alguma? Então eu vou partir para as duas últimas perguntas: a primeira é - como foi para o senhor hoje contar a sua história?
R - Foi gratificante, nunca imaginei que alguém pudesse se interessar por conhecer essa história. É interessante que alguém faça essa coletânea, então é bom participar, contribuir.
P/1 - E para encerrar, eu queria saber quais são os seus sonhos?
R - Sonhos? É que essa entidade continue, que a gente consiga essa auto- sustentação, que a gente consiga essa independência do poder público, esse é o meu sonho.
P/1 - Então eu só tenho a agradecer ao senhor por ter vindo aqui hoje, por ter contado, compartilhado esse presente que foi ouvir a história do senhor. Muito obrigada.
R - De nada. Um prazer.
[02:00:30]
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