Depoimento de Jorge Duarte de Souza
Entrevistado por Cláudia Leonor e Roselene Paschoalino
Araraquara, 15 de Setembro de 1999.
P/1 – Bom, para começar a entrevista, diga seu nome completo e data de nascimento.
R – Jorge Duarte de Souza. Nascimento, 23 de Abril de 1926.
P/1 – E onde nasceu?
R – Nasci na cidade de São Carlos, sempre vivi e morei aqui nessa cidade. Aliás, algumas vezes eu me mudei para tentar a vida fora, mas não fui muito feliz. Trabalhei também, é bom registrar isso aí, porque todo mundo pensa que eu não consegui trabalhar. Eu só enganei, trabalhei, depois entrei para o comércio.
P/1 – Vamos voltar um pouquinho. O nome d seu pai e da sua mãe?
R – É José Duarte de Souza, o meu pai, português. Minha mãe, Maria Correia de Souza, também portuguesa. Eles nasceram lá em Portugal e vieram a se conhecer aqui no Brasil, e se casaram aqui.
P/1 – Em que cidade eles nasceram?
R – Não sei.
P/1 – Mas eram próximas, essas cidades?
R – Não, eram bem distantes. Uma era norte e a outra era sul. Eles vieram a se conhecer aqui em Araraquara.
P/1 – Por que eles vieram para cá?
R – O meu pai veio para o Brasil com oito anos, porque meu avô era meio agitador lá em Portugal e ele foi obrigado a fugir. Depois de oito anos veio a minha avó, veio com ele pequeno ainda. Ele trabalhou duro, né? Trabalhou na chamada soca, que acho que vocês nem sabem o quê que é isso. É pôr pedra debaixo de dormente de trem...
P/1 – Ah, da estrada de ferro...
R - ... pra não chacoalhar. Isso saía sangue nas mãos, mas meu pai chegou a mestre de linha, e mestre de linha é o posto mais alto do ramo dele, na estrada de ferro.
P/1 – O que é que fazia um mestre de linha?
R – Ele comandava toda a equipe, tinha feitor, uma série de coisa, como uma hierarquia, né? Ele trabalhou, depois ele saiu, montou uma serraria em Araraquara, depois fechou, aí mudou para São Carlos, aí começou a encaminhar os filhos.
P/1 – O...
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Entrevistado por Cláudia Leonor e Roselene Paschoalino
Araraquara, 15 de Setembro de 1999.
P/1 – Bom, para começar a entrevista, diga seu nome completo e data de nascimento.
R – Jorge Duarte de Souza. Nascimento, 23 de Abril de 1926.
P/1 – E onde nasceu?
R – Nasci na cidade de São Carlos, sempre vivi e morei aqui nessa cidade. Aliás, algumas vezes eu me mudei para tentar a vida fora, mas não fui muito feliz. Trabalhei também, é bom registrar isso aí, porque todo mundo pensa que eu não consegui trabalhar. Eu só enganei, trabalhei, depois entrei para o comércio.
P/1 – Vamos voltar um pouquinho. O nome d seu pai e da sua mãe?
R – É José Duarte de Souza, o meu pai, português. Minha mãe, Maria Correia de Souza, também portuguesa. Eles nasceram lá em Portugal e vieram a se conhecer aqui no Brasil, e se casaram aqui.
P/1 – Em que cidade eles nasceram?
R – Não sei.
P/1 – Mas eram próximas, essas cidades?
R – Não, eram bem distantes. Uma era norte e a outra era sul. Eles vieram a se conhecer aqui em Araraquara.
P/1 – Por que eles vieram para cá?
R – O meu pai veio para o Brasil com oito anos, porque meu avô era meio agitador lá em Portugal e ele foi obrigado a fugir. Depois de oito anos veio a minha avó, veio com ele pequeno ainda. Ele trabalhou duro, né? Trabalhou na chamada soca, que acho que vocês nem sabem o quê que é isso. É pôr pedra debaixo de dormente de trem...
P/1 – Ah, da estrada de ferro...
R - ... pra não chacoalhar. Isso saía sangue nas mãos, mas meu pai chegou a mestre de linha, e mestre de linha é o posto mais alto do ramo dele, na estrada de ferro.
P/1 – O que é que fazia um mestre de linha?
R – Ele comandava toda a equipe, tinha feitor, uma série de coisa, como uma hierarquia, né? Ele trabalhou, depois ele saiu, montou uma serraria em Araraquara, depois fechou, aí mudou para São Carlos, aí começou a encaminhar os filhos.
P/1 – O senhor nasceu aqui em São Carlos. Então ele já estava aqui?
R - É, ele veio pra cá.
P/1 – O senhor tem irmãos?
R – Nós éramos em oito, faleceu um. Agora somos em sete.
P/1 – E como era o cotidiano da sua casa com os oito irmãos, como era isso?
R - Acho que o tipo da casa comum, as brigas entre irmãos e as coisas. Meu avô tinha chácara, nós íamos pra chácara, era a vida comum de infância. Meu avô tinha uns 20 pés de jabuticaba e eu ia roubar jabuticaba no vizinho...
P/2 – Só pelo gostinho de roubar jabuticaba...
R – É... Fiquei no grupo escolar, estudei, depois fiz o curso em Comércio, naquele tempo era Perito Contador. Mas não trabalhei na profissão, trabalhei uns seis meses na profissão. Aí trabalhei no SESI, trabalhei na Prefeitura, trabalhei nas máquinas agrícolas Romi lá em Santa Bárbara do Oeste, durante um tempo, depois voltei aqui e trabalhei na Lápis Johan Faber. Depois da Johan Faber que eu fui para o SESI e depois me estabeleci.
P/1 – Com quantos anos o senhor começou a trabalhar?
R – Eu, trabalhar? Com quantos anos comecei trabalhar? 10 pra11 anos fui trabalhar numa farmácia.
P/1 – O que é que o senhor fazia na farmácia?
R - Era um moleque de recados, um office-boy, né? É, e pensei trabalhar de formado, depois não deu certo, fui pra outra atividade.
P/1 - Da Escola de Comércio, o que se lembra das matérias?
R – Eu sei que a minha vontade era ser engenheiro, naquela época. Mas infelizmente as posses do meu pai não davam, com oito filhos não dava pra estudar, então ele me pôs na Escola de Comércio. Na realidade, eu não gostava de contabilidade, mas foi muito proveitoso pra mim, porque aí tem o Direito Comercial, outras matérias, Seminário Econômico, teve Economia Política, essas coisas, que depois pra minha vida prática serviu. E serviu muito. Contabilidade, infelizmente, não era o que eu gostava.
P/1 – Qual era o grupo de amigos quando jovem, vocês costumavam sair?
R – Na realidade, eu não tinha assim. Eu tinha dois amigos mais chegados, mais íntimos, que era o Eugênio Guilherme Mariano e Salvador Rasqueli. Mas do resto, eram companheiros. Eram amigos, mas amigo como é hoje.
P/1 – E aonde vocês iam, vocês saiam?
R – Ah, ia no cinema, ia coisa, ia paquerar, né?
P/2 – E como é que eram as paqueras?
R – Naquela época em São Carlos existia um tal de footing que eu não sei bem se é esse o nome. Então tinha três categorias: das pobre, das média e das rica.
P/2 – O senhor ia em qual delas?
R - Eu ia nas três. No começo ia das rica, depois ia pra da média, depois ia pra das pobre, né?
P/1 – Mas tinha um lugar diferente que eles ficavam?
R – Era na praça Coronel Sales, só que na rua Major era das média, na avenida era as que tinham mais posse, que se vestiam melhor, e na Alexandrina eram as meninas de menos posse. Naquele tempo sabia se distinguir uma menina pobre de uma rica. Hoje não, hoje tem pobre que se veste melhor do que rica.
P/2 – Então a distinção era feita pelas roupas?
R – Era pela situação.
P/1 – E os rapazes, como é que vocês se arrumavam?
R – Ah, não! Os rapazes eram tudo com a roupa de trabalho mesmo, não punha roupa de ver Deus, não.
P/1 – A roupa de domingo?
R – É. Às vezes punha, mas geralmente era...
P/1 – Que cinema tinha aqui em São Carlos?
R – Tinha o São José, o São Carlos, o São Paulo, tinha uns três, quatro cinemas.
P/1 – E o senhor gostava de ir ao cinema?
R – Gostava.
P/1 – Tinha algum artista preferido?
R – Ah, tinha. Um que a gente lembra sempre era aquele John Wayne, que era pa, pa, pa, pa, atirava. Mas não tinha assim...
P/1 – Certo, e aí na prefeitura o senhor fez o quê?
R – Na Prefeitura, não trabalhei como funcionário da Prefeitura, durante a guerra trabalhei na subcomissão de abastecimento e preço. Era um órgão que controlava o sal, açúcar e a gasolina que eram racionado, então fui trabalhar lá.
P/1 – Como voluntário?
R – Não, no começo foi voluntário, depois houve remuneração. Aí cheguei a ser chefe de Posto.
P/1 – O quê que aconteceu durante a guerra em relação ao abastecimento?
R – Ah, muitas dificuldades. Durante a guerra, por exemplo, as famílias mais carentes tinham dificuldade, inclusive o racionamento era dado uma cota para cada família. Então, tinha caso de doença e coisa e a gente tinha que dar uma cotazinha extra, isso quem controlava era eu, né? Mas era muita dificuldade, faltava, chegava atrasado, as usinas não tinha pra entregar, foi uma época terrível. O pão era um pão horrível, pão mais de fubá do que...
P/2 – Faltava farinha?
R – Faltava farinha.
P/2 – Então as pessoas compravam o sal e o açúcar na Prefeitura, não iam para os armazéns?
R – Não iam para os armazéns, iam para os Postos de Distribuição.
P/1 – E onde ficavam esses Postos?
R – Na época em que eu trabalhei tinha três: Um no posto Zotek, outro na Avenida São Carlos e Outro na 7 de Setembro. Eram Postos que a pessoa era obrigada a se dirigir.
P/1 – Senhor Jorge, em relação à 2a Guerra ainda, teve algum medo de que o Brasil fosse invadido?
R – Aqui em São Carlos?
P/1 – É.
R – Não, não houve nada, aqui foi tranqüilo. Só tinha um grupo de italianos velhos que se reuniam na praça em frente a catedral e liam o tal de jornal Fanfulla, e eles, os italianos diziam assim: “São Paulo será una colônia nostra.” Só que a polícia deu em cima e eles fugiram.
P/1 – O quê que a polícia fazia?
R – A polícia ainda corria com eles, eram pessoas de idade, né? Não trazia nenhum risco pra nós.
P/1 – Foi proibido deles falarem italiano?
R – Foi, foi proibido. E o governo, como vocês devem saber, tomaram as propriedades dos italianos, depois devolveram, né?
P/1 – Aqui aconteceu isso? Com loja aconteceu isso?
R – Loja não. Eram escolas, geralmente escolas.
P/1 – Tem alguma que o senhor lembre?
R – Tem, a Dante Alighieri. Depois foi devolvido, mas nem sei o destino. Tinha o Ítalo-Brasileiro, aliás, Victorio Emmanuele que depois se transformou, se associou com um Clube de São Carlos e tornou-se o Clube Ítalo-Brasileiro.
P/1 – Voltando um pouco, o senhor falou da ascendência portuguesa dos seus pais, tem algum costume que ficou?
R – Não, eu pra dizer a verdade, nasci na Calábria e morei na Calábria. Vocês não vão entender o quê estou dizendo...
P/1 – Ah, quero que o senhor me conte isso.
R – Aqui no Largo São Benedito, aqui nas adjacência, era cidade, só que quem morava lá era tudo calabrês e aquelas tradição. Eu acho que a única família de não calabrês éramos nós, que morávamos lá.
P/2 – Lá foi conhecido como Alta Calábria, não é isso?
R – É, até hoje, até hoje o pessoal fala: “Aonde você morava? Na Calábria.” Então sabe que é ali.
P/1 – Entre que ruas fica?
R – É na 9 de Julho, Bento Carlos e Santa Cruz. Eram um quadrilátero, mas mais na 9 de Julho.
P/1 – E tinha festa italiana, vocês participavam?
R – É, tinha festa, tinha briga. Italiano briga muito, principalmente calabrês, que é terrível. Mas nós ficávamos mais ou menos isolado, nós não participávamos. Só entre a molecada é que tinha amizade, mas do resto, não.
P/1 - Quais eram as brincadeiras que vocês faziam?
R – Ah, não sei, não lembro bem. A gente fazia guerra de mamona, de coisa, mas essa brincadeira boba de criança.
P/1 – O senhor trabalhou na Prefeitura na época da 2a Guerra, e depois?
R – Depois fui para Santa Bárbara do Oeste.
P/1 – Na Romi.
R – Na Romi.
P/1 – A Romi fabricava o quê?
R – Naquela época ela fabricava tornos e, quando eu estava lá, começou a fabricar o Romiseta, aquele carrinho de três rodas, que não pegou. Eu trabalhei lá, lá fui Chefe de Custo de Produção. Aí vim pra aqui, vim trabalhar na Lápis Johan Faber, depois saí e fui trabalhar no SESI. Do SESI saí e me estabeleci...
P/1 - No comércio. Vamos voltar na Lápis Johan Faber, ela é daqui mesmo, mas quem é que montou a fábrica?
R – Essa história é muito difícil de contar, a Lápis Johan Faber, que hoje é Faber-Castell, era um apêndice da fábrica de lápis na Alemanha, que naquele tempo só existia uma fábrica de lápis, que era na Alemanha, em Nuremberg. Aí, vieram os alemães aqui e montaram uma fábrica, que era a Johan Faber, e começou a fabricar lápis. Hoje, de lápis tem muito pouco, hoje é caneta, é mil e uma coisa, hoje é uma potência.
P/1 – Bom senhor Jorge, vamos voltar mais um pouquinho, quando o senhor foi trabalhar no SESI, o que o senhor foi fazer lá?
R – No SESI fui trabalhar no abastecimento, eu era, inclusive, comprador. No SESI eu era fiscal, meu cargo era Fiscal de Abastecimento, só que paralelamente existiam as outras profissões. Eu fui um sujeito sempre muito puxa-saco e o pessoal gostava de mim, não sei se caía em graça ou se era engraçado, então logo passei a dar assistência ao delegado, ao coisa, e fazia várias funções no SESI.
P/1 – Mas setor de abastecimento em quê?
R – Compra de mercadoria, arroz, feijão, cebola, batata. Eu praticamente dirigia o armazém distribuidor, que como nós tínhamos várias cidades, Araraquara, Rincão, que era abastecida por São Carlos, então tinha um armazém distribuidor. Eu, além de fiscalizar, eu procurava abastecer.
P/1 - Esse armazém era só para os associados do SESI?
R – Só para os industriários, que depois desvirtuou e passou a ser todo mundo, até que acabou. Cobrando I.C.M. o SESI foi obrigado a fechar.
P/1 – Quando não cobrava I.C.M. era mais barato?
R – Era mais barato, eles eram isentos dos impostos. Então, ultimamente o SESI dava apenas para os associados, o produto da sonegação oficializada. Então, aí é que acabou fechando mesmo os Postos, pelo menos aqui em São Carlos. Não sei se tem algum na capital.
P/1 – O senhor trabalhou quanto tempo lá?
R – No SESI, três anos.
P/1 – Que ano o senhor saiu?
R – Isso eu lembro, saí em 51.
P/1 – Aí o senhor foi fazer o quê?
R – Me estabelecer.
P/1 – Como surgiu essa idéia para o senhor se estabelecer, o que é que o senhor pensou?
R - A história é o seguinte, vou contar minha história. Aconteceu o seguinte, que graças a Deus, durante minha vida inteira, todos os cargos que exerci, eu progredi, sempre fui galgando. No SESI eu era fiscal do departamento, os outros colegas eram todos fiscais regionais e eu era de departamento, e aí vagou um lugar de inspetor, que seria o meu cargo. Infelizmente, o SESI nomeou um italiano, fiquei decepcionado e pedi minhas férias. Durante as férias, e comecei a procurar uma outra coisa porque o SESI já não me encantava mais. Aí, então, achei um estabelecimento comercial e pedi um dinheirinho emprestado para o meu pai e comprei essa loja. Aí, escrevi uma carta, daquelas cartas bem delicada para o SESI. Em vez de vir a minha demissão, veio a minha promoção. Mas não pude ir porque já estava estabelecido e não tinha com quem deixar a loja. Aí permaneci lá com a loja.
P/1 – Que loja o senhor comprou?
R – Eu comprei, a casa chamava-se Casa Ambrósio, que em seguida eu passei pra Casa Duarte.
P/1 – A Casa Ambrósio, depois Casa Duarte, vendia o quê?
R – Utilidades domésticas.
P/1 – Aonde ficava?
R – Na Rua Episcopal, número 49.
P/2 – Quem era a clientela?
R – Eu tinha, modéstia à parte, a casa número um de artigos de utilidade doméstica. Era a que mais vendia, trabalhava, também. Aí, depois tive que mudar, incompatibilidade com o proprietário do prédio, aí mudei para a Louça Dada, que aí era na rua General Osório, e lá ficou até depois que me associei aos meus irmãos na Livraria Paulista. Liquidei a utilidade doméstica e me associei a eles.
P/1 – Na Casa Duarte, descreve pra gente como era a loja, as prateleiras, como é que ficavam dispostas as mercadorias?
R – Era rústico, né? As prateleiras todas de madeira, o balcão comprido, três balcões comprido, que ela era bem grande, e caixa registradora, escrivaninha, essas coisas, bem rústico mesmo. Era uma loja pra vender.
P/1 – E quem era a clientela do senhor?
R – Ah, geralmente era da classe média pra baixo, eu não tinha, minha clientela não era toda... Raramente tinha uma pessoa de posse que ia comprar lá, quando era aqueles muquiranas que pechinchavam e que coisa, mas era mais artigo popular mesmo.
P/1 – E que tipo de produtos tinha?
R – Prato, xícara, caneca, alumínio, tudo o que se diz de utilidade doméstica tinha.
P/1 – E vinha de onde?
R - Ah, isso aí vinha de São Paulo. São Paulo, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Pedreira... Eu ia lá comprar.
P/1 – O senhor comprava o que em Pedreira?
R – Pedreira, era aquela porcelana vagabunda, aqueles bibelôzinhos, aquelas coisas, xícara. As xícaras de lá eram muito boa. Santana.
P/1 - E copos, o senhor comprava lá?
R – Comprava Nadir Figueiredo.
P/1 – Aí o senhor trazia pra cá. Como é que trazia pra cá?
R – Bom, eu ia ou com condução minha ou de ônibus. Pra Santa Catarina ia de avião, Rio Grande do Sul e coisa. Os meus colegas me chamavam de bobo e eu aceitava.
P/1 – Por que?
R – Porque acontece que nunca fiz uma viagem, eles diziam assim: “O preço que você vende a porcelana da Schmidt aqui, é o mesmo preço que a Schmidt vende lá.” Só que eu sabia aonde estava o mel, eu ia lá e comprava ponta de saldo 50% mais barato, podia vender pelo preço que eles vendiam, ganhando 100%.
P/1 – Como é que era a ponta de estoque?
R - Eles faziam uma série de decorações e depois acabava o decalque, que era importado da Alemanha, eles separavam lá por substituição. Depois de um certo tempo eles liquidavam, mas o freguês não sabia que era ponta de estoque, eles viam que era mercadoria boa, de primeira qualidade e vendia, evidentemente, mais barato que os meus concorrentes porque eu podia vender e ganhava mais do que eles.
P/1 – E como é que o senhor trazia essas mercadorias para cá?
R – De caminhão, tranqüilo. Às vezes despachava, de São Paulo mais, mas era tudo caminhão.
P/ 1 – Senhor Jorge, nessa época da Casa Duarte, como é que era a forma de pagamento?
R – Dos cliente?
P/1 – É.
R – 90% pagava à vista.
P/1 – Dinheiro?
R – Era raro os clientes que a gente tinha que anotava.
P/1 – Uma espécie de caderneta?
R – É. Tudo praticamente à vista, não vendia a prazo. Vendia barato, mas vendia à vista. O pessoal, já naquela época, já sabia disso, comprar à vista, porque compra mais barato.
P/1 – De que bairro vinha a sua clientela?
R – Ah, de toda a cidade. Desde a Vila Nery até a Boa Vista. Fazia muita propaganda também.
P/1 - Como é que era a propaganda?
R – Ah, “Compra na Louça Dada, mais bonito e mais barato.” A gente fazia os slogan, né?
P/2 – Mas era divulgado onde?
R – Através das rádios, não tinha televisão naquela época.
P/2 – Jornal?
R – Jornal também. Jornal era pouco, era tudo mais pela...
P/2 – E aqueles panfletos, já tinham?
R – Não tinham, era muito pouco. Era mais da rádio, o pessoal ouvia muito rádio.
P/2 – E o senhor fazia vitrine?
R – No começo sim, depois eu chegava e deixava as vitrines no sábado e domingo arrumadinha, bonitinha. Num Domingo resolvi fazer plantão lá, para ver os fregueses que paravam, né? Só parou um moleque que tirava cera do nariz e punha no vidro.
P/2 – Nunca mais o senhor fez vitrine?
R – Nunca mais!
P/1 – O senhor não ficou bravo com ele?
R – Não, o quê que eu ia fazer? Coitado.
P/2 – O senhor já fez alguma dessas quando era menino?
R – Eu não, eu era cruzadinho, era da cruzada eucarística, era católico, eu era um menino muito bonzinho.
P/2 – O senhor se lembra de alguma vitrine de quando era menino?
R – Não.
P/1 – E os slogans, o senhor falou um pra nós. O senhor lembra dos outros que bolou?
R – “Casa dos bons artigos,” essas coisas corriqueiras assim. E que era, era mesmo, eu era honesto. Eu não tapeava não e o pessoal confiava muito na loja.
P/1 – Como é que eram os pacotes nessa época na Casa Duarte? Era sacola, bolsa, pacote?
R - Não, geralmente não existiam esses papéis que existe hoje, pra presente. Então a gente, geralmente, o que mais vendia era artigos para presentes mesmo, né? Então, a gente comprava papel de das, embrulhava, fazia pacote com fitilho, bem bonitinho e depois punha um papel comum, papel HD, e embrulhava a coisa. Às vezes punha em caixa, mandava entregar.
P/1 - Tinham muitas vendas para casamento?
R – A gente vendia muito, graças a Deus a gente vendia bastante. Era a loja número um, modéstia à parte, em artigo popular, né? Claro.
P/2 – Mas vendia bem?
R – Vendia bem. E aí quase fui a falência.
P/1 – Por que?
R – Ah, tem um negocinho que chama-se assim: assinatura de papel. Eu fui avalista de um colega e ele foi para o vinagre, e quase fui junto. Na realidade fui falido, só faltou o ato jurídico. Ninguém requereu minha falência, pensei em eu mesmo requerer minha autofalência.
P/1 – Nessa época da Casa Duarte?
R – É, mas aí, um dia, resolvi reagir. Consegui pagar as dívidas e sobrevivi.
P/1 – Depois da Casa Duarte veio a Louça Dada ?
R – Veio a Louça Dada.
P/1 – Que mudou de rua.
R – É.
P/1 – Era aonde?
R – Na General Osório, 832.
P/1 – Já era calçadão?
R – Não, não, era rua mesmo. Calçadão não tem muitos anos, não.
P/1 – O que é que mudou de uma loja pra outra, o que achou que mudou no ponto?
R – Da Duarte pra Louça Dada? A instalação, claro que eu na Louça Dada fiz mais instalações novas, tem até uma que já tinham lá, que comprei junto com o negócio, e melhorei a instalação.
P/1 – A clientela foi junto?
R – Ah, foi, né? Eu banquei o inteligente, pelo menos uma vez. Eu não fechei imediatamente a Casa Duarte, deixei ela funcionando e abri a Louça Dada, aí comecei a encaminhar, porque tinha um sócio, o Aurélio, era meu sócio, então eu pus ele lá na Louça Dada pra vender e eu ia encaminhando pra lá, aí foi habituando. Não sofremos de continuidade, não. Ah, é, geralmente se o sujeito fecha a loja e abre outra, perde freguesia.
P/1 – E como é que o senhor fez...
R – Se geralmente o sujeito fecha a loja e abre outra, perde freguesia.
P/1 – E como o senhor fez pra ir mandando a freguesia lá pra loja nova?
R – A gente conversa, né? Olha: “A gente tá abrindo uma filial, a Louça Dada, mesmo artigo e tudo mais barato...” Aquela conversa de comerciante. Mas era verdade.
P/1 – Quanto tempo levou para o senhor fechar a Casa Duarte e ficar só com a Louça Dada?
R – Uns dois meses, 60 dias.
P/ 2 – Fez algum tipo de promoção durante essa transferência?
R – Ah, claro! Aí, na época que passou realmente a Louça Dada, fizemos uma promoção grande, através, é claro, das rádios.
P/1 – Qual era o horário de funcionamento do comércio nessa época?
R – Era das 8 às 18.
P/1 – E de sábado?
R – Era das 8 às 18. Depois, quem procurou implantar a semana inglesa aqui em São Carlos fui eu, consegui trazer para às 15 horas no sábado e depois foi para o meio-dia.
P/1 – O que era a semana inglesa?
R – Semana inglesa era no sábado não trabalhar à tarde.
P/1 – E como é que foi recebido isso?
R – Isso aí? Muita guerra, muita briga. Aqui, nessa época, os comerciantes eram os judeus e os sírio-libaneses, e ele não queriam, eles achavam que coisa. Mas, eu sempre fui malandro, trabalhei direitinho, eu já era presidente do Sindicato, sabia manejar a Câmara Municipal, fui aprovado.
P/1 – A Câmara tinha que aprovar?
R - Sim.
P/1 – Como é que foi essa eleição no Sindicato...
R – No Sindicato?
P/1 – É, quando o senhor se filiou.
R – No Sindicato, foram me procurar. O Doutor Álvaro... o Sindicato e a Associação Comercial estava praticamente falido, estava num prédio, numa sala do SESI, de favor. Não tinha nem dinheiro para pagar aluguel. Então, chegaram lá e acharam que eu era... eu militava no esporte e era uma espécie de líder, então eles acharam que eu tinha capacidade e foram me convidar pra ser presidente. Eu não conhecia nada, aí fiz uma composição com o Leão Sabélis, ele presidente, eu o primeiro- vice. Depois ele pedia demissão e eu assumia. Ele não pediu demissão e continuei, e galguei vários cargos, né?
P/1 – Isso foi que ano?
R – 56, 58, por aí. E aí entrei pra ficar três anos, na entidade de classe. Falei: “Fico três anos e tudo o mais.” Fiquei 40 e tantos anos. Só deixei agora porque inaugurou o SESC novo e o pessoal já estava cansado de mim porque eu era o presidente vitalício, então deixei por livre e espontânea vontade. Porque inclusive os meus colegas queriam que eu permanecesse. Eu sou modesto.
P/1 – O senhor foi presidente do SESC?
R – Não.
P/1 – Mas tem uma placa pro senhor lá no SESC, o quê que foi isso?
R – Porque eu que consegui o SESC pra São Carlos.
P/2 – O senhor que trouxe?
R – O prédio fui eu que consegui, graças a amizade. Eu consegui o SENAC, o SENAC também é conquista minha. E do SESC, porque achei que era minha obrigação como líder empresarial do comércio que tinha por função isso aí.
P/1 – Como é que foi isso aí? Essa batalha.
R – Ah, não. Se for contar isso pra você nós ficamos aqui até sábado.
P/2 – Dá uma resumida.
R – Briguei com o Brasílio Machado Neto, briguei com o José Papa Júnior, briguei com o Abram Szajman...
P/1 – Desde que o Brasílio Machado Neto era o presidente da Federação, o senhor está batalhando pra trazer o SENAC pra cá?
R – Desde essa época.
P/1 – E qual foi o pacto do SENAC e do SESC ter vindo para cá? O que é que modificou, em termos do pessoal começar a ter um aprendizado mais dirigido para o comércio?
R – Na realidade quando assumi já existia SESC e SENAC em São Carlos; o SESC na Rua Conde, ali numa casa velha, o SENAC na Rua Treze, também numa casa velha, e aí achei que nós tínhamos o direito de ter uma sede própria e bonita. Foi o início da briga. Mas consegui, graças a Deus o que eu disse vale mais; “cair em graça do que ser engraçado” Todos eles sempre tiveram por mim, você sabe que briguei com o Brasílio Machado Neto, mas foi temporário. Com todos eles, com o José Papa Júnior. Com o Abram Szajman se você quiser ver ele sorrindo, telefona pra ele agora, aí vocês vão ver por telefone. Ele gosta demais de mim. Eu não fiz nada por ele.
P/1 – O senhor fez muita coisa sim. Olha só, voltando lá pra Louça Dada, o senhor ficou com ela até quando?
R – Eu não me lembro o ano não.
P/1 – Depois foi pra livraria?
R – Depois me associei na livraria.
P/1 – Por que o senhor mudou de ramo completamente?
R – Por causa da necessidade que tinham meus irmãos, que a Livraria Paulista cresceu, então tinha necessidade de mais gente na cúpula, então fui convidado pra ir lá. Nessa época eu era, o que chamam hoje juiz classista, eu era vogal na Justiça do Trabalho e eu não dispunha de muito tempo. Então, fiquei na parte financeira, só.
P/1 – A Livraria já existia?
R – Já existia.
P/1 – Quem que montou a Livraria?
R – Foi meu falecido irmão Mário, Mário Duarte de Souza. Já existia a Livraria Paulista, ele comprou e ampliou .
P/2 – Quando o senhor foi pra lá já tinha passado por um ampliação?
R – Já estava completo, tudo.
P/2 – Porque ela passou por vária ampliações.
R – Passou. Quando fui pra lá já era Livraria.
P/2 – Já era o que é hoje?
R – Não, um pouquinho mais modesta, né? Mais simples do que é hoje.
P/2 – O senhor Horácio já estava lá também?
R – Já. Aí ficou só o Horácio, o Horácio com os filhos. Porque na época nos éramos em cinco sócios, era o Mário, o Horácio, o Aurélio, o Carlos e eu. Aí, o Mário faleceu e complicou tudo, entraram meu sobrinho. Já entre irmãos nós tínhamos atrito, coisa, imagine com sobrinho... Então, resolvemos fechar e eu também já estava cansado.
P/1 – Qual é o perfil da Livraria, que tipo de público que ela tem, qual é o público?
R – Posso contar uma historinha?
P/1 – Claro!
R – Uma ocasião a revista Veja escreveu um artigo: “ Que o brasileiro não lê, em São Carlos, sede de duas universidades e várias faculdades, tinha uma papelaria que também vendia livro.” Era a nossa. Uma papelaria que vendia livro...
P/1 – Eles falaram isso?
R - Escreveram! A Veja deu destaque. Mas acontece o seguinte, os alunos de universidade é tudo duro, né? Vêm com o dinheirinho do papai e compra livro na porta da escola e coisa, não compensa ter. E o pessoal realmente não lê, agora é que está despertando o interesse pela leitura, mas os livros ficavam todos velhos, uma coisa.
P/1 – Tinha livro que saía mais? Algum autor?
R – O que mais a livraria vendia eram livros técnicos. Contabilidade, Direito, essas coisas. O resto, literatura é muito pouco.
P/1 – E esses livros técnicos, os professores encomendavam?
R – Encomendavam, era tudo encomendado.
P/1 – Senhor Jorge, vamos caracterizar o comércio da cidade agora. Mercado Municipal.
R – O Mercado Municipal era acanhado, muito pequeno, encostado no rio e passava no fundo, coisa. Era acanhadinho e rústico, depois é que fizeram esse mercado novo, que a finalidade era ser artigo hortifrutigranjeiro. Na realidade, hoje é só loja, né, quase basicamente só loja e açougue.
P/1 – Confecção?
R – Confecção.
P/1 – E por que aconteceu isso?
R – Aconteceu porque o pessoal fugiu de lá. Hoje, com o sacolão, coitado, até as feiras acabaram.
P/1 – Aqui em São Carlos não tem mais feira nenhuma?
R – Que eu saiba, não. Tem assim, umas banquinhas lá, coisa. E houve época que as feiras ocupavam quatro quarteirão. Hoje não ocupa um quinto de um quarteirão. Acabou, é sacolão, é essas coisa, vende mais barato, supermercado... Vai mudando o mercado.
P/1 – Do mercado velho, o senhor lembra o que tinha, o que é que vendia, quem estava lá?
R – Vendia verdura, só. Só verdura, legume e carne. Não vendia mais nada.
P/2 – E era separado a parte de verduras e legumes da de carne?
R – Era mais ou menos separado, se de um lado ficavam mais as verduras, do outro lado ficavam mais as carnes, coisa. Mas era rústico mesmo. Depois, com esse negócio da higiene, coisa e que começou.
P/2- E como era feito o transporte da carne, por exemplo?
R – Por bonde. Você acredita? Tinha um bonde verde, era o bonde da carne. Tinha o matadouro lá no Posto Zootécnico e ele descia, dava a volta pela cidade e entregava. O pessoal, no lombo, entregava a carne.
P/ 2 – E as frutas e as verduras?
R – Ah, isso era venda direta do produtor.
P/2 – Aqui da região?
R – Aqui da região, é.
P/1 – Esse, da carne, não tinha passageiro?
R – Esse não, esse era só bonde da carne.
P/2 – Se chamava bonde verde?
R – É. Bonde da Carne, se chamava. Era um bonde verde pra diferenciar dos outros que eram vermelhos, né?
P/1 – Lá na região do mercado tinha muita enchente?
R – Tinha, sempre teve.
P/1 – O senhor lembra de alguma?
R – Lembro, eu tinha a loja na Episcopal, lavei muito prato, muita xícara e muito copo, que enchia de barro e de lama. Muita enchente. Depois veio um prefeito e alargou o rio, outro canalizou, mas até hoje não solucionou porque aquela parte da baixada tornou-se um bacião. E a cidade cresceu, cresceu a Vila Monteiro, cresceu a Vila Irene, vira, vira, vira. Quando cresce a cidade é mais telha, mais cimento, mais asfalto, mais coisa, e a água não penetra. Essa obra que está sendo realizada, pra mim não cheira nem fede, não, porque isso não vai resolver coisa nenhuma. Pode resolver temporariamente, mas já, já... O único jeito que tem aqui é fazer um furo, atravessar a terra e jogar a água no Japão.
P/ 2 – O senhor é a segunda pessoa que falou hoje sobre a Vila Monteiro. Tem alguma coisa peculiar lá?
R - Essa Vila Monteiro chamava-se Chácara de Jorge Monteiro. Era um sitiozinho dentro da cidade, aí ele resolveu lotear, por isso ficou Vila Monteiro. Não tem nada...
P/2 – Ela não é uma vila de comércio?
R – Não, não. Só residência. Hoje, comércio em São Carlos está, não sei se vocês tiveram a oportunidade de sair aí, está espalhado por toda a cidade. Antigamente, o comércio era só aqui na baixada, onde é o calçadão.
P/1 – Quais eram as principais lojas?
R – Como em todo lugar do Brasil, é a Casas Pernambucanas, né? Depois, tinha a Casa Bichara, União Tecidos, Casa Leão, Casa Vencedora. Eram várias casa tradicionais, que estão desaparecendo.
P/1 – A Casa Vencedora de quem que era?
R – Demétrio Mitri.
P/1 – E vendia o que?
R – Tecido. Não havia confecção, era tudo tecido.
P/1 – Fazia roupa em alfaiate?
R – É, fazia roupa em alfaiate.
P/1 – Quem que era o seu alfaiate?
R – Era o Galluci, agora não lembro o primeiro nome dele. Eugênio Galluci.
P/1 – E o senhor comprava o tecido aonde?
R – Aí, em várias lojas. Onde vendia mais barato eu comprava, não tinha uma preferência. Também, comprava uma vez na vida outra na morte. Não tinha dinheiro. Vocês se queixam hoje da situação, que está difícil. Mas eu já passei por situações. Hoje mesmo eu disse essa frase, o sujeito estava reclamando da vida, nós vencemos outras crises, vamos vencer mais essa. O quê que é isso? Então, não adianta, vem governo, vai governo, é tudo promessa, demagogia. Eu tenho uma raiva de mim mesmo de ter votado no Fernando Henrique, que pensei que ele era bom. Eu devia ter votado no Lula porque eu já sabia que ele não era bom.
P/1 – Falando de crises, quais as piores crises que o senhor lembra que foram difíceis para o comércio de São Carlos?
R – Olha, quando se fala em crise, se fala em crise, mesmo. Uma específica, não tem. Já desde a época, aí já não é do meu tempo, é anterior, do Getúlio. Sempre houve esses altos e baixos, desvalorização. Infelizmente, nós não temos tido uma equipe econômica machista, macho mesmo. Nós só temos tido pilantra, essa que é as verdade da coisa. É, atualmente aí, infelizmente uma insegurança. O Fernando Henrique, que vinha firme, já amoleceu as rédeas, o cavalo está indo pra onde quer. O que fazer, né?
P/1 – Complicado, né?
R – Complicado.
P/1 – E na época que mudou a moeda, como é que isso se refletiu no comércio?
R – Sempre com uma, como é que pode se dizer, com uma certa apreensão, angústia, toda vez que mudou a moeda. E a gente fazendo votos, desejando do fundo do coração que a coisa melhorasse, que fosse pra melhor. Infelizmente, melhora uma temporada, como agora, que tivemos essa fase do real, que melhorou e até ficou mais tranqüilo. Porque só ganhei dinheiro no comércio quando a época estava estabilizada, época de inflação nunca ganhei. Imaginava que ganhava, eu tinha no começo do ano 10 milhões de cruzeiros, no fim do ano eu tinha 15 milhões. Só que aqueles 15 milhões do fim do ano já não davam pra comprar o que se comprava com os10 milhões. E na época da estabilidade, se você compra por 100, vende por 120 e ganha vinte, aí vai comprar, custa 100 de novo. Então essa época dá pra dizer que a gente ganha dinheiro mesmo. O resto é tudo ilusão.
P/1 – E com essa troca dos zeros, o senhor lembra de alguma história engraçada, que deu confusão?
R – Nem me fala nisso aí, porque se vê o zero do mil réis, que vocês não sabem nem o quê que é isso, né? Existia aqui no Brasil uma moeda que se chamava mil réis, se vê do zero daquela época até agora, vai até a lua e volta de tanto zero. Eu me lembro que meu falecido pai vendeu uma casa por 4 contos de réis, 4 contos de réis. Essa casa deve valer hoje uns 40 mil reais.
P/1 – O senhor viveu essa primeira mudança do mil réis, aí passou a ser o que? Cruzeiro?
R – Não, não foi cruzeiro não. Ah, nem me lembro. Eram contos de réis. É difícil, se você tivesse me falado que era isso aí eu tinha me preparado.
P/2 – Não, foi pura curiosidade nossa.
P/1 – Senhor Jorge, na sua loja tinha sistema de crediário?
R – Não. Eu não abria, infelizmente ou felizmente, o crediário veio bem depois. Na livraria nós temos, mas na coisa não tem. Nunca tive. Era nota, anotava, e coisa.
P/1 - O senhor se lembra quando é que começaram a aparecer os cheques?
R – Não tinha cheque.
P/1 – E quando é que apareceu?
R – Quando apareceu, apareceu cheque sério. Aquele cheque é uma ordem de pagamento à vista. Você me dá um cheque e vou no banco e recebo, mesmo que você ponha 2040. É uma ordem de pagamento à vista. Agora é que está desmoralizado e oficializado, pior é isso, porque o cheque não pode ser dado em garantia. Em garantia pode dar letra de câmbio, nota promissória, essas coisas, mas cheque não pode ser dado em garantia. E eu uso.
P/1 – O senhor está falando em pagar em três vezes, quatro vezes?
R- É, dar três cheques. Você vai fazer uma compra, você dá três cheques. À vista, 30 e 60 dias, isso é uma prática ilegal no Brasil. Não existe essa modalidade.
P/1 – E todo mundo faz.
R – Todo mundo faz. Virou uso e costume.
P/1 – O senhor lembra do seu primeiro talão de cheques?
R – Ah, não. Isso não lembro, lembro sempre que eu tinha muita conta em banco. Eu cheguei a ser cliente de oito bancos, porque saiam pra me procurar pra ser cliente. Viam o movimento da loja e eles me procuravam.
P/2 – Isso quando o senhor estava na Livraria?
R - Não, na utilidade doméstica.
P/2 – Então tinha bastante movimento?
R – Tinha. Natal, pra você ter uma idéia, a gente ia dormir às 2 horas da manhã, do dia seguinte. Tinha que ficar até à meia-noite e depois ainda tinham as entregas pra fazer. Trabalhei, sabe? Anota aí.
P/2 – O senhor pegou aquela época do comércio trabalhar aos domingos?
R – Não, não peguei. Sou de um tempo anterior.
P/2 – O senhor tinha bastante empregado na Louça Dada?
R – Varia, né?
P/1 – Variou de quanto?
R – Teve época que cheguei a ter na casa de utilidade doméstica uns 15 empregados. Chegou a época de ter dois, três. Dependia do movimento, porque se eu ficar contando, já disse, vai longe. Existia a chamada quaresma. Durante a quaresma não se vendia um presente, ninguém casava na quaresma, porque, sei lá, não podia dar baile, essas coisas, aqueles tabus. No ano bissexto as vendas também caíam terrivelmente, ninguém casava em bissexto. Então, vamos dizer, esse ano vai ser bissexto, quando chegava em dezembro havia casamento, vendia, vendia, vendia. Janeiro já não vendia nada. E quando chegava no ano seguinte, estava acabando, dezembro não se vendia nada. Janeiro estourava de venda, aqueles tabus, aquelas tradições...
P/2 – Então em ano bissexto o senhor reduzia o número de empregados?
R - ...de empregados! Já era uma praxe.
P/2 – E como era a relação do senhor, o patrão, e os empregados?
R – Não sei, até hoje tem alguns que ainda falam: “Aí, que tempo bom! O senhor foi o melhor patrão que eu tive.” Mas não sei, sempre procurei tratá-los bem.
P/1 – E quem é que fazia o treinamento para o a trabalho na loja?
R – Era a gente mesmo, não tinha SENAC, não tinha nada. Uma coisa que eu dizia pra eles quando entravam era o seguinte: “Um freguês satisfeito, ele vai, volta e traz mais um! Um freguês mal satisfeito vai, não volta e afasta meia dúzia. Você precisa tratar ele bem.” Esse era o lema da gente. E ensinava desde embrulhar, fazer pacote. O SENAC tinha mais o curso de contabilidade.
P/2 – E houve alguma mudança hoje em dia nessa relação entre o empregado e o patrão?
R – Ah, meu bem, existe e vai existir sempre. Não tem uma maneira de coisa, porque como existem péssimos empregadores, existem péssimos empregados. E esse relacionamento meu, hoje mesmo teve uma moça lá no Sindicato querendo reclamar um direito que era do patrão. Ela pediu demissão e não deu os 30 dias. Ela queria inclusive o aviso prévio. E o aviso prévio seria do patrão, o patrão tem o direito de segurar. O instituto do Aviso Prévio é bilateral. Então tem, isso é, hoje tem. Ultimamente, nos sindicatos houve aquela agitação tremenda, o Sindicato do Comércio Varejista teve que enfrentar uma dura situação com o Sindicato dos Empregados. Mas hoje já modificou, porque foi pela falta de emprego. Hoje o empregado já aceita pacificamente as condições.
P/1 – Além de ter trazido o SESC e o SENAC, quais foram as suas maiores realizações no Sindicato?
R – Acho que nenhuma, exerci o meu papel de líder sindical. E vi por outro lado que eu tinha a obrigação de trazer o prédio do SESC e do SENAC. São Carlos foi a primeira cidade a ter um posto do Sebrae, sem ser sede de região. A conquista é minha. E algumas outras coisas mais ou menos assim que a gente fazia por amor. Hoje mesmo, vieram me dizer que vão pôr meu nome no SESC, e eu não quero, não quis que pusessem no SENAC, não quero. Eu fiz por ideal, não fiz pra esperar um retorno.
P/1 – E a sede do Sindicato?
R – A sede nós compramos. A duras penas, nas nós compramos.
P/1 – Batalha?
R – Batalha porque a gente foi....porque nós fomos ligados a Associação Comercial, sindicato e a associação comercial. Aí começou a haver atrito. Então depois, chamei a diretoria do Sindicato e falei: “Vamos economizar uns trocados aí pra comprar uma sede.” E aí foi amadurecendo, aí trocou a diretoria da Associação e eles pediram a sala para o Sindicato. Mas a essa altura nós já estávamos preparados pra comprar, aí compramos a sede própria.
P/2 - Que já era essa aqui?
R – Essa aí, onde nós estamos.
P/1- Aquidaban?
R – Não, Riachuelo.
P/1 – Senhor Jorge, me explica uma coisa que tenho dificuldade pra entender: Qual a diferença entre o Sindicato e a Associação Comercial.
R – A diferença é o seguinte: O Sindicato é entidade de primeiro grau, tudo, o dissídio coletivo, tudo o que diz respeito à legislação federal é através do Sindicato. A Associação Comercial é uma entidade com a mesma finalidade, porém não está obrigada a essas coisas e não tem poderes, né? Se for ver bem, o Sindicato é mais poderoso. Agora, as associações comerciais, nas cidades onde existe S.P.C. na associação comercial, a Associação Comercial está lá em cima e o Sindicato lá embaixo. Aonde o Sindicato tem o S.P.C., que é o caso de Araraquara, o Sindicato está lá em cima e a Associação lá embaixo, porque o S.P.C. é uma fonte de renda. Mas a finalidade é a mesma, a Câmara dos Lojistas, que antigamente, como é que era? Tudo dos lojistas tem a mesma finalidade, propugnar pelo progresso e desenvolvimento do comércio.
P/1 – Como é que funciona a loja em relação ao S.P.C.? Ela é associada?
R – Faz a pergunta pra outra pessoa. Porque tem que ser associada, sine qua non, da associação pra ser associada do S.P.C., é por isso que eles tem um número grande de sócios. Isso é, pra usufruir os serviços do S.P.C., ele é obrigado a passar pela Associação. O Sindicato não tem essa prerrogativa, nós temos um diminuto de associados.
P/1 – O senhor foi eleito várias vezes presidente do Sindicato?
R – Quantas vezes? Nem sei. Sei que mais de 30 anos fui presidente do Sindicato.
P/1 – Direto?
R – Direto.
P/1 – Reeleito?
R – Reeleito, sem oposição, sem oposição, sem nada. E só deixei agora porque achei que na eleição anterior houve uns que acharam estar descontentes comigo. Fizeram um movimento e foram pra minha casa, minha mulher e minhas filhas me encheram a paciência e falei: “Eu não vou, lutei tantos anos pela construção do SESC, não vou dar de mão beijada pra nenhum vagabundo.” Pra não falar aquele nome que aprendi no grupo... Então, eles entraram na Justiça pra me derrubar e perderam. Então falei: “Agora é hora de eu deixar.” Se bem que, o pessoal da Federação não quer que eu deixe. Sabe que tive um ‘piripaque’ e não contei pra ninguém, né? Essas coisas não é pra contar, alguém contou lá em São Paulo, eles telefonaram pra saber do meu estado de saúde, como é que eu estou. Eles gostam de mim, acho que gostam.
P/1 – Na Federação...
R – Eu sou diretor da plenária.
P/1- Como diretor, o que o senhor faz?
R – Nada! Faz três reuniões que eu não vou. A gente dá uns palpites, participa das discussões, só isso, não tem grande relevância, não. Tem a executiva e tem a plenária, a plenária é extensa, a executiva é só presidente, secretário e tesoureiro. Eu sou conselheiro do SENAC em São Paulo, sou um dos 10. Pra ver que não sou tão ruim assim...
P/1 – Senhor Jorge, como o senhor caracterizaria o comércio se São Carlos hoje?
R – Falei para o Paulo Gullo, não sei se vocês sabem quem é Paulo Gullo? Eu falei: “Essa parte é sua!” Eu acho que está uma droga, minha opinião.
P/1- Depois a gente pergunta pra ele, pode deixar.
R – Não está tendo assim, com a vinda do Shopping Center centralizou um pouco mais, coisa. O comércio daqui não se cuidou de se atualizar, de embelezar suas lojas, tudo o mais. Houve, como conseqüência, esparramou o comércio pra periferia etc. e tal. Infelizmente, gostaria de ressaltar, porque o Sindicato tem o posto da Jucesp, da Junta Comercial, e infelizmente, hoje tem uma gama muito grande de pessoas completamente despreparadas que se estabelecem.
P/1 – No comércio?
R – É. Tem o Fundo de Garantia, tem um carro, vende e coisa. Com isso, ele se estabelece, mas é o tempo de abrir, comer o que eles tinham e fechar. Só que eles não dão baixa, eles fecham e somem na poeira. Daqui um tempo, o fisco vai atrás deles pra pagar os impostos. Mas o comércio, assim, vocês devem ter visto que não é um grande comércio, não. E as lojas tradicionais estão fechando, né? Fechou a Tudo Bem, várias lojas e coisa, estão fechando.
P/1 – A Tudo Bem de quem que era?
R – A Tudo Bem, não. A União de Tecido, era do Antônio Simão.
P/1 – Fechou.
R – Fechou. Fechou porque acontece o seguinte; os grandes estão engolindo os pequenos. Eu não sou pescador, gosto de pescar, sei que a piaba pegou o lambari, o dourado pega a piaba e tudo isso. Com o advento do supermercado, superloja, a coisa partiu pra, o sujeito não se atualizou. Eu cansei de dizer, porque como sou conselheiro do SENAC, tenho uma facilidade de trazer quantos cursos eu quiser pra São Carlos. Mas não vão, eles acham que se fizeram com os próprios esforços, e eu também, e não temos a obrigação de se atualizar. Vêm as grandes empresas modernas, já vêm preparada e engolem. Eles perdem a oportunidade.
P/1 - São as lojas de fora?
R – As lojas de fora, as redes, né? Você sabe quais...
P/1 – O calçadão veio quando pra São Carlos?
R – Não me lembro quando foi, só me lembro que fui contra.
P/1 – Por que?
R – Eu também já fui do contra! Porque acho que a posição geográfica de São Carlos não permite um calçadão. Calçadão a gente subentende-se que é um local em que a dona de casa pode vir tranqüila, com seus filhos, deixa os filhos lá e vai para a loja. Aqui tem tráfego na avenida, tráfego na Episcopal, tráfego na 9 de Julho, tráfego na José Bonifácio, não é um calçadão. Calçadão é um calçadão, é mania, porque antigamente a cidade crescia pelo número de semáforos. Uma cidade que tinha 10 semáforos é mais importante que a outra que tinha sete. Agora, depois tornou-se pelos edifícios, crescer vertical, cidade que cresce vertical está progredindo. E toda cidade tem um calçadão, São Carlos não poderia deixar de ter um calçadão. E quem fez o calçadão é o atual prefeito, é meu amigo.
P/1 – Ah, é?
R – É. Mas votei contra, briguei e votei contra.
P/1 – E os comerciantes que estão aqui na General Osório, o que eles acharam?
R – Do calçadão? Não fede e não cheira. Trouxe um transtorno, porque o sujeito chegava e ia com o carro, que hoje todo mundo tem carro. Parava em frente à loja, carregava e ia embora. Agora tem que deixar distante, tem que parar em área azul. Tem os prós e os contra., não é grande coisa, não.
P/1 – Aqui, o comércio tem muito sírio, muito árabe?
R – Tinha, tinha. Felizmente ou infelizmente, o que posso falar, acabou. Aqui, a maior parte da população empresarial do comércio era sírio, turco, libanês ou era judeu. Hoje mesmo, acho que se tiver uns dois ou três judeus, é o máximo estabelecido. E sírio também por aí, uns quatro, cinco.
P/2 – O senhor participava de alguma dessas antigas casas sírias?
R – Síria? Vocês devem ter entrevistado, se não entrevistaram vão entrevistar A Casa Bichara, do Brasilino Dhama. A mais antiga.
P/2 – Tradicional.
R – Tradicional e está de pé porque está de pé.
P/2 – Como assim, está de pé porque está de pé?
R – Está de pé porque ninguém empurrou, porque se você empurra, cai.
P/1 – E a Livraria está aí, o senhor se afastou da Livraria...
R – Saí, deixei a sociedade. Eu estou agora com Arte e Ambiente, que é de minhas filhas. Mas eu nem quase vou lá, vou lá só pra buscar correspondência.
P/1 – E é uma loja de que?
R – É artigos de presentes e decorações, é pegado a Livraria.
P/1 - A Livraria fica em que rua?
R – No calçadão, no 840. Na General Osório, 840. E agora é o Horácio.
P/1 – Senhor Jorge, o senhor queria que suas filhas continuassem no comércio, como elas estão hoje?
R – Na realidade é o seguinte, eu já estava mal satisfeito na Livraria por causa que tinham entrado os sobrinhos e coisa. Aí, não sei se foi a Márcia ou a Cláudia que mostrou interesse em montar uma loja.. Então, tive uma idéia, associei que a Suíça é um país montanhoso que não produz nada, né? Como eles precisavam de recursos, eles criaram o relógio, que vai pouca mão-de-obra, pouco material e tudo mais. Então aluguei aqui em cima um salão pequeno, pra pôr artigo de bijuteria, prata, essas coisas. Depois não deu certo, aí passou pra decorações. Minha mulher tem muito jeito pra fazer arranjo, e está indo.
P/1 – Vamos lá então, vamos voltar um pouquinho pra sua vida pessoal. Como o senhor conheceu a sua esposa?
R – Minha esposa? Na igreja. Eu tinha um amigo chamado Irmão José, depois ele foi padre Antônio, que eu tinha muita amizade. E aí chegou lá na coisa e ele começou a bancar o Santo Antônio e fez...
P/1 - Aí, vocês saiam onde?
R – Ia no cinema, naquele tempo namoro era namoro sério, né? Tinha o cinema, ia passear, coisa.
P/2 – Que ano foi?
R - Foi em 57, mais ou menos. Nós namoramos três anos, depois casamos.
P/1 – Que igreja o senhor casou?
R – Na São Sebastião. Lá mesmo, na do padre.
P/2 – O senhor lembra o dia do casamento, como estava?
R – Ah, estava uma coisa maravilhosa. Foi a primeira vontade que tive de largar da minha mulher. Eu cheguei e disse pra ela: “ Neiva, você quer casar agora, em 60, neste ano, sem festa, ou no ano que vem com festa? Porque agora, atualmente estou duro.” E ela: “Não, quero casar este ano, sem festa.” Tudo bem, fomos lá e marcamos, casamos às 7 e meia da manhã. Você já viu isso?
P/1 – Não acredito!
R – É. Ela pediu um bispo pra celebrar, mas eu era amigo do Dom Rui e achei que ia ficar chateado. Aí, então, veio um senhor lá de Jaboticabal celebrar o casamento. Quando tornei pra casa, tinha os convidados dela. Aí foi o primeiro impacto que tive de sair e vir embora e coisa. Quer dizer, não convidei meus amigos e coisa, e ela convidou. “É., eu precisei convidar fulano, porque fulana fez o vestido e não cobrou...”
P/1 – E teve comes e bebes?
R – Teve, a minha sogra fez. Fez contra a minha vontade, porque era pra ter nada, né? E aí a gente foi para o Rio de Janeiro, naquele tempo era chique ir para o Rio de Janeiro.
P/2 – O senhor já tinha ido para lá?
R – Já, já conhecia o Rio. Ela não conhecia. Há quatro anos atrás teve um congresso no hotel em que nós ficamos, e convidei ela pra ir, mas ela não quis ir porque ela não anda de avião. Nós não comemos no mesmo cocho, não. Ela tem medo de avião e não viajo de ônibus. Só viajo de ônibus pra São Paulo. Então, ela quer conhecer o nordeste, também quero, que eu havia feito um acordo comigo mesmo que só sairia do Brasil o dia que conhecesse o Brasil. Eu acabei indo para o exterior sem conhecer o Brasil. Então, se passar uma régua de Brasília para o sul, já andei tudo, para o norte não. Ela quer ir, só que ela quer ir de ônibus e eu não, eu quero ir de avião.
P/2 – Vai cada um de um jeito e se encontram lá.
R- É, só que fico um mês lá, com as baianas e ela viajando.
P/1 – E senhor Jorge, e as suas filhas , que dia elas nasceram?
R – Ah, isso não lembro.
P/1 – Como elas se chamam?
R – Tem a Márcia e a Cláudia.
P/2 – A Márcia é a mais velha?
R – A mais velha.
P/2 – Quantos anos ela tem?
R – Está com 30 e poucos anos. Está desquitada, divorciada, com a netinha que é o encanto da minha casa.
P/2 – Como chama a netinha?
R – É Luiza.
P/2 – E a Cláudia?
R – A Cláudia é casada, mas não tem filho. Vai viajar agora. A Cláudia, de vez em quando, faz esses torneios por esses navios, essas coisas. Agora vai lá pra Bahia.
P/2 - A Cláudia tem quantos anos?
R - 30 e poucos anos também.
P/1 – E são elas que estão tocando a loja?
R - Sim.
P/1 – O senhor tinha esse sonho de elas continuarem no comércio?
R – Ah, vão continuar. Enquanto existir possibilidade, vão continuar no comércio.
P/1 – O senhor as incentivou?
R – Não, só dei orientação, aquilo que eu sabia, eu orientei. Só isso.
P/2 – Elas aprenderam com o senhor? Elas cresceram no comércio?
R – É. Desde que elas se estabeleceram eu dizia: “Aja assim e assim...” Elas foram seguindo, hoje, se eu for lá elas me tocam.
P/2 – Por que?
R – Por que? Eu já estou atrasado, estou superado.
P/1 – Elas freqüentavam a Casa Duarte e a Louça Dada quando eram crianças? Elas ficavam lá com o senhor?
R – Não, não ficavam. É o dom, aquela natureza que tem de... sei lá, já vem com a gente, né?
P/1 – E o senhor, como consumidor, vamos pensar assim, onde gosta de ir, o que gosta de comprar?
R – Eu?
P/1- É, que tipo de coisa o senhor gosta de comprar?
R – O que é que eu gosto? Eu gosto de ir no supermercado comprar coisas, mas do resto... Até minhas camisas minha mulher compra, não tenho assim.
P/1 – Que supermercado o senhor gosta de ir?
R – Ah, vou aí no Jaú, que é pertinho. Não tenho assim uma loja específica, minha mulher tem, mas eu não.
P/2 – Qual ela gosta?
R – Ah, não sei. Eu tenho visto coisas do Tudo Bem, mas não sei se é.
P/1 – Tem algum tipo de coisas que o senhor precisa comprar, mas detesta comprar?
R – Eu? Tem.
P/1 – Sapato? Por que?
R- Eu tenho meu pé alto e cada vez que compro um sapato é aquele sofrimento. Eu comprei esse aqui, que é, como eles chamam? Decolores, porque os pés esparrama gostoso. Minha mulher fala: “Jorge, você cola o sapato no pé e fica com ele pra... (riso)
P/1 – Vamos dar uma paradinha pra tomar uma água?
R – Não tenho mais nada o que falar!
P/1 – Então vamos lá, pra encerrar:. Qual é o seu dia-a-dia?
R – Praticamente nada. Quando eu pus o Paulo Gullo como presidente do Sindicato, assumi um compromisso com ele; um ano, um ano e meio, dar assistência para ele. Isso já vai pra três anos, quatro anos. E eu venho para o Sindicato, vou para a loja, depois passo na Livraria, dou o meu giro por aqui e continuo naquela vidinha de SESC, SENAC. Eu sou ligado, muito, ao SESC. Não estou fazendo nada, mesmo. De produtivo nada.
P/1 – E na hora de lazer?
R – Lazer, o que eu gosto é pescar. Não sou pescador, anota aí: que não sou pescador. Geralmente tenho ido em Pesque e Pague, que é mais garantido e mais caro.
P/1 – Tem algum que o senhor gosta mais aqui por perto?
R – Não, qualquer um serve. Desde que tenha peixe.
P/1 – E restaurante, qual o restaurante tradicional da cidade?
R – Aqui? Não sei. Não me pergunta qual é o hotel melhor daqui, eu não sei. A gente, em restaurante, por exemplo, vamos no Boi de Corte, churrascaria, rodízio. Vai no Tabajara, vai na coisa. Não tem assim, um restaurante de coisa, tradicional.
P/1 – Cada dia vai em um?
R – Vai, depende da minha neta. Minha neta é que fala: “Vamos no Castelo?” Vamos no Castelo. Castelo é o posto aqui na estrada.
P/1 – É antigo o Castelo, não?
R – É. Às vezes me perguntam: “Qual é o melhor hotel de São Carlos?” De nome é o Anacã, pelo menos é o mais caro. Depois, tem o Azuri, tem o Malibu, tem... Mas não sei, eu não fico em hotel aqui, né?
P/1 – É verdade. Senhor Jorge, pra gente ir encaminhando mesmo para o final: Que lição o senhor tirou do comércio para a vida? Se o senhor pudesse dar um conselho para a gente sobre o comércio, o que o senhor falaria?
R – É difícil, porque o comércio foi praticamente toda a minha vida, né? Eu trabalhei e tudo o mais. Eu acho que o comércio antigamente era um negócio, hoje é uma arte. O sujeito que se estabelecer precisa ser um artista, ele precisa fazer curso, ele precisa se preparar, e infelizmente, o que está acontecendo, é que entra muita gente despreparada para o comércio. Eles fazem concorrência com as lojas tradicionais, até acabar o que eles levam com eles. É isso que tem coisa. Então, o comércio não está aquela coisa. E o comércio é aquele que a gente compra e vende. O lucro do comerciante não está na venda, está na compra. Se ele consegue comprar bem, ele progride. Se ele fica esperando o viajante na loja, não vai pra frente, não. É aquilo, a minha vida foi comércio, comércio e entidade de classe, porque muito cedo entrei pra entidade de classe. Era mocinho quando entrei pra entidade de classe. E é isso o que tem, tudo o que tirei da vida.
P/1 – Se o senhor pudesse mudar alguma coisa em sua trajetória de vida, se pudesse voltar atras e mudar alguma coisa, o que é que o senhor mudaria?
R – Eu mudaria o resultado da Sena quando eu jogo, né? Não mudaria nada, não. Gostaria de ter um pouco mais de dinheiro, encaminhar melhor meus filhos. Mas de resto, tenho uma vida estável, acredito eu, que não devo. O rendimento dá pra gente se manter. É isso.
P/1 – Senhor Jorge, a última pergunta agora: O que o senhor achou de ficar esse tempo aqui falando da experiência do senhor no comércio? O que o senhor achou de ter passado essa história pra gente?
R – A companhia de vocês foi maravilhosa, agradeço, facilitou muito. Só que vim preparado pra uma outra história, da qual fica pra uma outra oportunidade...
P/1 – O senhor não quer falar dessa história agora?
R – Não, não. Eu vim preparado pra falar das lojas antigas, mas como não...
P/1 – Mas a gente retorna e grava em áudio.
R – Não, já falei tudo, falei demais até...
P/1 – Então está ok.! Em nome do SESC e do Museu, agradeço o senhor, por ter vindo. Foi importante o senhor ter vindo e colaborado com a gente. Eu agradeço muito.
R – Eu não colaborei muito, é a função. Eu não queria vir, não. Eu falei para o Vasquez: “Eu não vou lá, não!” Mas depois me envolvi assim e cheguei aqui, Na realidade, nem podia estar aqui hoje, tinha outros compromissos. Eu já estava lá na Vara, no Sindicato, porque eu tinha entendido que ia ser lá. E não vinha, uma hora, uma hora e meia, faz falta.
P/1 – De qualquer maneira a gente agradece muito. Muito obrigada!
P/2 – Obrigada!
R – Eu é que agradeço a atenção de vocês e a paciência que vocês tiveram de ouvir essas historinhas, né, que a gente conta...
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