Memória Nawa
Entrevista de João Souza Diniz Nawa
Entrevistado por Jonas Samaúma e Francione da Costa Moreira
Aldeia Novo Recreio, 04/10/2021
Realização: Museu da Pessoa
Entrevista nº PCSH_HV1257
Revisada por Genivaldo Cavalcanti Filho
(00:00:17) P/1 - João, eu queria primeiro te agradecer por estar nos recebendo na sua casa - sua esposa fez um chá, nos servido uma refeição - e dar o seu tempo também, para contar sua história. Queria começar já te agradecendo mesmo. E queria começar te perguntando, antes de você começar a contar a sua história, pra você falar um pouco o que sabe da história do seu povo.
R - Eu quero agradecer também a presença de vocês aqui e a oportunidade que a gente está tendo de falar um pouco da nossa história, da minha própria história também, a história do povo.
A terra natal do povo Nawa foi Cruzeiro do Sul. Era um povo que morava em Cruzeiro do Sul. Na época da borracha, da seringa, que foi na Segunda Guerra Mundial, vieram os nordestinos e começaram a atacar os indígenas Nawa. Tinha uma maloca onde hoje é o hospital da maternidade, e a outra onde era a antiga bebê. Eram duas malocas que eles tinham. Quando eles eram atacados, eles se escondiam para outra maloca.
Eles sempre foram índios muito guerreiros, lutavam pelo que era deles mesmo, mas na época os seringalistas atacavam os seringueiros e eles se afugentaram para o estirão dos Nawa, no Alto Juruá. Lá foram atacados novamente e perderam, porque na época era através de armas de fogo, do rifle [que] os seringalistas atacavam, e eles só tinham de arma as flechas. Não dava para encarar uma guerra de armas só [com] flecha, não tinha outra coisa, então perderam novamente.
Foram atacados, mortos; mataram muitos indígenas e eles de lá se afugentaram de novo. Foram percorrendo aqui a serra do Rio Juruá, a serra do Rio Azul e a Serra do Moa. A Serra do Moa, que justamente ia direto para o Jaquirana. Como os seringueiros habitavam nessas...
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Entrevista de João Souza Diniz Nawa
Entrevistado por Jonas Samaúma e Francione da Costa Moreira
Aldeia Novo Recreio, 04/10/2021
Realização: Museu da Pessoa
Entrevista nº PCSH_HV1257
Revisada por Genivaldo Cavalcanti Filho
(00:00:17) P/1 - João, eu queria primeiro te agradecer por estar nos recebendo na sua casa - sua esposa fez um chá, nos servido uma refeição - e dar o seu tempo também, para contar sua história. Queria começar já te agradecendo mesmo. E queria começar te perguntando, antes de você começar a contar a sua história, pra você falar um pouco o que sabe da história do seu povo.
R - Eu quero agradecer também a presença de vocês aqui e a oportunidade que a gente está tendo de falar um pouco da nossa história, da minha própria história também, a história do povo.
A terra natal do povo Nawa foi Cruzeiro do Sul. Era um povo que morava em Cruzeiro do Sul. Na época da borracha, da seringa, que foi na Segunda Guerra Mundial, vieram os nordestinos e começaram a atacar os indígenas Nawa. Tinha uma maloca onde hoje é o hospital da maternidade, e a outra onde era a antiga bebê. Eram duas malocas que eles tinham. Quando eles eram atacados, eles se escondiam para outra maloca.
Eles sempre foram índios muito guerreiros, lutavam pelo que era deles mesmo, mas na época os seringalistas atacavam os seringueiros e eles se afugentaram para o estirão dos Nawa, no Alto Juruá. Lá foram atacados novamente e perderam, porque na época era através de armas de fogo, do rifle [que] os seringalistas atacavam, e eles só tinham de arma as flechas. Não dava para encarar uma guerra de armas só [com] flecha, não tinha outra coisa, então perderam novamente.
Foram atacados, mortos; mataram muitos indígenas e eles de lá se afugentaram de novo. Foram percorrendo aqui a serra do Rio Juruá, a serra do Rio Azul e a Serra do Moa. A Serra do Moa, que justamente ia direto para o Jaquirana. Como os seringueiros habitavam nessas áreas [em] que hoje nós estamos, eles só ficavam no fundo. Eles não tinham outro jeito para morar; moravam aqui em um canto, quando acabava a comida eles já se mudavam para outra localidade, fazendo maloca em cada canto que se mudavam.
Esse percurso deles do Alto Juruá do Juruá, Rio Azul, Serra do Moa e Jaquirana, era o lugar em que eles se escondiam - não só os Nawa quanto os Puyanawa, os Nukini também, os Ashaninka também. Eles se escondiam, só que nunca se misturavam, moravam separados das outras etnias, tanto é que muitas vezes brigavam, tinham aqueles conflitos deles, mas afugentando os outros povos, ficando sempre separados. Cada povo tinha o seu canto para ficar.
Eles faziam esse percurso, iam e voltavam. Vinham do Juruá, iam até Jaquirana; de Jaquirana voltavam, porque era em busca de comida, não tinha outra alternativa. Eles comiam aquelas comidas que eles tinham, eram frutas, tanto é que aqui, essa travessia deles é composta de malocas, tem plantio ainda de pupunha, eles plantavam. Naquela travessia que eles faziam, quando chegavam já estavam aqui aquelas frutas que eles gostavam, banana… E assim eles ficavam o tempo todo.
Aqueles que foram se aproximando dos brancos - eram os nordestinos, na verdade, eram os seringueiros… Eles iam se aproximando, conseguiram se aconchegar com os brancos e foram aparecendo em diversas comunidades entre Paraná do Moura, o Juruá, Novo Recreio, República, Serra do Moa. A gente começou e ficou, depois dessa briga começaram a se espalhar.
Esses que ficaram mais isolados e aqueles que ficaram misturado com os brancos e ficaram habitando nesses lugares, nesses seringais, muitas vezes eram usados como escravos para trabalhar para os patrões, e tinham aquele medo de se identificar como índios porque antigamente eles viam o índio como preguiçoso, como ladrão. Na verdade, nem ladrões eram; eles levavam aquilo que achavam interessante, achavam bonito e levavam, não pelo interesse de roubar. Aqueles que sabiam que aquilo tinha uma serventia para eles levavam, mas porque era novidade para eles, na mata não existia, era só a flecha. Tanto é que os vasos de lama deles eram feitos de barro. Na maioria das vezes o que eles achavam mais importante, que achavam que seria mais do que o material deles, eles levavam, e assim foram se aproximando do povo branco e construíram suas famílias. A população branca foi se casando com as indígenas e os indígenas casando com as brancas, começaram a se misturar.
Hoje a gente mora aqui em um grupo no Novo Recreio, um grupo de índios, já muito bem, graças a Deus. A gente já está bem populoso hoje em dia e assim a gente vem vivendo, aí surgiu a questão de um parque nacional, que foi montado em cima do nosso território.
(00:08:28) P/1 - Então vamos começar agora da sua história pelo princípio e essas coisas vão aparecendo. Você nasceu em que ano?
R - Eu nasci em 08/03/1963.
(00:08:50) P/1 - Qual é a primeira coisa que você lembra na vida?
R - A primeira coisa que eu lembro é que a gente morava no igarapé. A gente tinha muitas fruteiras. Meu pai e minha mãe gostavam muito de plantar fruteiras, porque o indígena gosta muito de frutas; é a comida do indígena, fruta é comida típica da região. Eu me lembro que, quando menino, nós tínhamos muitas fruteiras - laranja, tangerina, manga, plantava muito. E era tão farto de peixe!
Uma coisa que me marcou muito foi [quando] eu, pequeno, tinha uns oito anos e deu um tremor de terra tão forte… Estava a mãe da minha primeira mulher, minha sogra estava lá cuidando de nós; a minha mãe tinha deixado ela cuidando de nós até chegar, tinha ido para a cidade. Esse tremor de terra muito forte começou a abalar tudo e estalava tudo por dentro de casa. Uma quebradeira grande, e eu [era] muito pequeno, mas era um dos maiorzinhos que estava [lá] e queria achar, queria saber o que era. Peguei um pau de lenha debaixo do fogão e fiquei procurando ver quem era, o que era. A minha irmã, que é mais velha do que eu, [disse:] “Solta esse pau de lenha, isso aqui é um tremor de terra.” Foi aí que eu passei a entender o que era, que era coisa que não dava para eu saber o que era.
A gente desceu para o terreiro - era perto da beira d'água a casa - e aquele balanço era tão forte que a água batia de um lado do outro do igarapé e os peixes pulavam fora d'água, no seco. [Foi] um tremor de terra muito forte e eu lembro isso como se fosse hoje. Eu era pequeno, mas lembro muito bem.
A minha esposa… Na época eu tinha oito anos e ela era pequenininha, ela tinha um ano, mais ou menos. [Ela] estava no braço da mãe dela, que era quem estava cuidando de nós lá. São coisas que ficaram marcadas.
A gente foi crescendo, foi trabalhando, começamos a trabalhar juntamente com meu pai. Na época não tinha escola ainda; fomos para a casa do meu tio, que morava no Sete de Setembro, mas logo acabou a questão da escola, não deu certo. A professora deixou de receber, a gente foi embora, voltou para casa e ficou trabalhando.
A partir do tempo em que eu fui crescendo, chegando aos doze anos de idade, meus irmãos tiveram que ir para o quartel, se alistaram e foram servir, os dois mais velhos. Tinha um outro irmão que tinha onze anos [e] éramos nós que teriam que segurar no trabalho com meu pai. [Era] muito difícil, porque antigamente trabalhar na roça a maioria do tempo era só para consumo, e quando se fazia uma produção de farinha maior, já tinha encomenda daquele seringueiro. Muitas vezes eles não plantavam, porque senão espalhava só no corte de seringa, e a gente vendia, fazia aquela farinha e vendia. Eu carregava mandioca nas costas, no caçuá, e lembro que ralei muito com isso, porque eu era o maiorzinho e eu tinha que carregar a macaxeira, tinha que botar a prensa, tinha que torrar, cortar seringa.
Lembro de mim em um quarto, deitado; meu pai chegava a uma hora da madrugada para me acordar, para me levantar. Era uma novela, achava muito ruim. A gente ia para a estrada cortar, com doze anos de idade eu cortava; meu irmão, no outro dia, ia me ajudar a colher. Quem cortava era eu, eu cortava em um dia e outro cortava do outro; se nós cortássemos as duas estradas no mesmo dia o meu pai ia para uma e eu ia para outra.
E assim a gente viveu esse tempo todo crescendo, meus irmãos vieram…
(00:14:11) P/1 - Você poderia contar um pouquinho mais desse tempo da seringa? Que horas você acordava, como é que era o trabalho mesmo?
R - A gente tinha que cortar à noite, porque durante a noite, na hora em que a gente cortava o leite o sol não estava quente, o leite escorria à vontade daquele corte [que] a gente fazia na madeira. Era com uma faca, chamava a faca de seringa. Ela era enrolada na ponta para cortar a casca da seringa e fazer canal para o leite escorrer até a tigela. A gente tinha que embutir a tigela, de preferência à noite; durante o dia não era bom, porque logo o sol esquentava e parava de escorrer o leite.
Saía à uma hora, duas horas da madrugada; no amanhecer a gente estava terminando de cortar aquela estrada e o leite ficava ali escorrendo até a hora que o sol esquentasse, dava mais leite. Quando a gente fechava o corte, só vinha em casa e comia, na época. Hoje [se] fala tomar café; na época não, era quebrar o jejum. Era comer aquele peixe torrado.
Eu saía pra cortar, meu pai saía para pescar - [se] chama faxiar, era de zagala. Ele pegava bastante peixe, [era] muito pescador, meu pai. [Quando] chegava o amanhecer a gente chegava já estava [com] o de comer pronto, minha mãe já tinha plantado tudo. A gente só terminava de comer, pegava o balde; era um vaso que pegava de quatro, cinco frascos de leite. Frasco é lata de leite, só que são dois litros por frasco, são dois litros de leite para dar um frasco, e geralmente a estrada dava oito, dez, doze frascos de leite, [se fosse] estrada boa.
A gente tinha que levar um saco que meu pai fazia. Ele encauchava muito bem no saco feito de pano de algodão, encauchava, quando enchia aquele balde, que era feito de flange, enchia o balde, pegava e derramava no saco, amarrava e botava nas costas para não derramar, porque o balde muito cheio ficava derramando. E assim a gente fechava a culia, a gente cortava aqui e fechava o corte, chegava onde entrou e terminava aqui, na colha, do mesmo jeito.
Meu pai chegava e já estava pronto para defumar, fazia um princípio com o leite, enrolava ele no pau, [que se] chamava cavador da borracha, teria que ter o meio dele quadrado. Para quê? [Para que] quando estivesse embolando ela não rodasse, não ficasse sem rodar a borracha. Aquela bola ia crescendo, a partir da maneira que a gente fosse defumando ela ia crescendo até o tamanho máximo dela. Era de sessenta a oitenta quilos uma borracha, já ficava pesado para lutar com ela defumando.
O defumador era uma casinha toda fechada em palhas, encostando no chão fundo. Ela mal tinha a porta pra gente entrar, porque senão o vento dava e ficava tirando a fumaça, não tinha como defumar e centralizar a fumaça. A fumaça tinha que ficar centralizada no meio da borracha. Ele puxava ela para um lado e outro e ficava bolando ela em cima da fumaça. A fumaça ajudava ele a segurar o leite, secar, grudar naquela bola que a gente estava fazendo, e aí ele defumava aquilo.
Quando terminava, tinha uma tábua já para ele levar aquela borracha para cima e bolar ela em cima daquela tábua para prensar aquele leite que tinha sido defumado ali na borracha. Ele tirava, botava lá em um canto, tinha a tábua para colocar ela quando se tirava do cavador, que é aquele cabo bem grande, um espaço de dois metros, no máximo; tinha aqueles dois paus ali, um e outro assim, outros dois aqui, enfiados, o outro assim para botar ele. O nome do vaso que se fazia para fumaça sair era o defumador, era o buião; o defumador era a casinha e o buião era o que a gente colocava coco ou cavaco de qualquer uma árvore que fosse dura.
Meu pai normalmente juntava coco. A aldeia Sete de Setembro era a aldeia em que a gente juntava o coco do Jaci, quando ia cedo ao Tucumã ou do Aricuri, mas de preferência mesmo era o Jaci, porque por ser um coco maior demorava mais a desgastar e dava aquela fumaça cheirosa. O coco, ele dá uma fumaça cheirosa; botava lá dentro, fazia o fogo lá embaixo, na fornalha - tem o nome de fornalha, que é aquele buraco que a gente bota o buião, o buião é feito em cima. Faz o fogo, vai botando o coco pela boca, o fogo está aceso embaixo e ele vai produzir uma fumaça, e a fumaça é quem domina todo aquele processo de defumar e de fazer o leite grudar, secar, na verdade; ela enxuga e ele vira borracha.
Assim a gente viveu esse tempo todo, meus irmãos depois saíram.
(00:21:38) P/1 - Essa estrada de seringa era uma estrada só sua?
R - Essa estrada, na verdade, pertencia a minha mãe por herança da minha avó Jovina. Como eles eram uma família muito grande e habilitaram este seringal aqui no Novo Recreio, Tapada, República, eram todos da família Oliveira. A minha avó, minha bisavó eram indígenas, meu bisavô também e a família era muito grande. Quando chegaram aqui, eles tomaram conta dessa região aqui todinha; cada filho tinha sua pareia de estrada, duas estradas, digamos. Cada filho da minha avó tinha suas estradas, e assim nós tínhamos duas estradas. Hoje uma ficou dentro do Parque Nacional e a outra ficou dentro do território indigena Nukini.
Como a gente era outro povo, [quando] chegou a hora dos povos indígenas terem direito a seus territórios demarcados, os Nukini votaram para ficar só eles, não quiseram aceitar. A família da minha esposa também, por ser de outro povo, não aceitaram, e a gente ficou vivendo até essa época de demarcação de terra. A gente foi ficando grande, já rapazes, tenho duas irmãs que ficaram moças; foi a época que a minha mãe morreu, a época que eu casei com minha primeira esposa. A gente veio morar aqui, pra dentro do Novo Recreio.
(00:24:05) P/1 - Antes de chegar nesse pedaço, queria que você contasse um pouquinho mais ainda da infância. Como era a relação com os patrões nesse seringal? Você lembra alguma coisa dos patrões? Como é que eles ameaçavam? Como é que se dava?
R - Da minha época para cá fui crescendo, fui mudando, mas no antepassado, na época dos meus avós eles eram muito ameaçados. Eles não podiam dizer que eram indígenas, ninguém podia dizer que era indígena. Como os patrões na época vinham de fora, os indígenas serviam de escravos para eles, trabalhavam de graça para eles e ganhavam aquelas coisinhas, besteirinhas mesmo. Eles queriam às vezes ganhar mais, mas eles ameaçavam.
Tinha aquele indígena que normalmente morava na mata, nas suas malocas. Eles não trabalhavam para vestir, nem para nada; na verdade, só para fazer suas casinhas, suas malocazinhas e era só. Mas quando foram civilizados pela população branca, eles queriam que fossem do mesmo jeito, não trabalhassem, mas se trabalhassem não ganhariam nada. Ainda tinha mais essa, então não se podia dizer que era indígena.
Os patrões tinham um preconceito de que o indígena só prestava para roubar. Eles viviam o tempo todo ameaçados, tinham medo de dizer que eram indígenas porque tinham medo de morrer, de apanhar, de ser judiados. Eu, ainda quando criança, me lembro um pouco de sair, só que aí eu fui crescendo, as coisas foram mudando, até por conta da população [que] foi ficando maior, os direitos foram surgindo.
(00:27:00) P/1 - Antes de você dizer como os direitos foram surgindo, eu queria saber no que você se via diferente de outro seringueiro acreano. Como Nawa, o que você via de cultural na sua infância?
R - O que a gente via, na verdade, era que o seringueiro branco tinha toda a liberdade, tinha todo o direito, era bem tratado pelos patrões, mas o indígena não. E os patrões, até mesmo os outros seringueiros, não queriam que o indígena usasse a sua própria cultura, porque o que não queriam ver era um indígena com um direito do branco, vamos dizer. Com aquilo eles foram perdendo a cultura, foram perdendo os hábitos tradicionais deles e passaram a usar o que era dos brancos. Teve esse impacto com a população indígena, por conta de não querer que a gente tivesse direito de usar a nossa cultura, de ser tradicional, porque o índio era considerado um animal, simplesmente um animal e por isso ele não teria, não poderia estar… Eles não aceitavam estar misturados assim.
Do meu tempo para cá foi mudando, mas ainda alcancei muitas dificuldades, muitas humilhações. A gente cortava a seringa durante um ano e seis meses, na época eram seis meses cortando seringa, e os patrões levavam aquela mercadoria, compravam a mercadoria para pagar com borracha no final do ano, porque normalmente começava o corte de seringa em julho e em dezembro estava encerrando, por conta das águas das chuvas. Muitas vezes a gente ia cortando, [quando] dava fé a chuva vinha, tombava o leite porque escorre dentro da coisa, perde tudo e a gente ficava sem. Não tinha aquele patrão que tivesse um olhar para os indígenas como tinha para os não-índios seringueiros.
(00:30:14) P/1 - Acontecia, por exemplo, de algum indígena se revoltar? Porque essa condição não pareceu muito boa. Existia isso de algum indígena não querer fazer, cortar e não entregar para o patrão, já viu isso?
R - Não, os indígenas sempre faziam porque eles queriam mesmo. Como já estavam se misturando, eles queriam fazer, só que o indígena na época não tinha aquele interesse de saber que tinha que ter aquele trabalho. Queriam fazer, mas na maioria das vezes deixavam de lado porque achavam que o indígena não gostava de trabalhar, porque como a tradição indígena é não trabalhar para ter as coisas, para explorar, eles tinham aquilo de querer deixar [os indígenas] de lado, queriam usar os indígenas só para fazer um trabalho gratuitamente.
Na maioria das vezes os indígenas eram obrigados a fazer de graça, muitas vezes só pela comida, porque são olhados com um olhar diferente dos não-índios, então tinha muita dificuldade. Os patrões pegavam aquela borracha, compravam aquele produto, pesavam a borracha do jeito que queriam, porque o indígena não sabia quantos quilos dava, quanto que estava a conta dele. Muitas vezes ele pagava a conta duas vezes e sobrava, e o saldo ele não via.
(00:32:27) P/1 - O que é essa história de conta?
R - O saldo ele não via. Eu lembro quando era pequeno. Nós cortamos o primeiro ano, levamos a borracha e foi pesada a produção do ano. A gente levava a produção, chegava lá e pesava. Mas como fomos eu e meu irmão menor, o patrão não quis ajustar a conta logo: “Eu vou esperar o pai de vocês, que é para nós ajustarmos a conta.”
A borracha deu um peso, trezentos e poucos quilos, e quando nós chegamos lá deu duzentos e pouco. Meu pai foi, deu duzentos e poucos quilos; já não era o peso que nós tínhamos deixado lá, e aquilo para nós foi um… Eu fiquei… Porque trabalhar como seringueiro e quando chegar no final a gente não ter um resultado positivo… A gente deixou um peso, chegou lá, era outro, não sei de que jeito mudaram na balança e a gente perdeu muito com isso. A gente era enganado dessa forma, o preço da mercadoria, tudo isso, eles aumentavam o preço da mercadoria, aumentavam o total no valor do que a gente comprou, isso aconteceu. No primeiro ano que eu cortei eu fiquei muito indignado com isso, mas fazer o que, ninguém podia dizer nada.
(00:34:34) P/1 - Você disse que os direitos foram chegando. Como foi isso?
R - Quando eu falo em direito… Foi passando o tempo, a gente foi crescendo, começaram a aparecer os direitos indígenas na questão de demarcação de território. Os indígenas teriam o direito de ter seus territórios, suas próprias terras para morar e viver lá à vontade. Só que foi mais um impacto para nós, o povo Nawa, porque na verdade seria o povo Nukini.
O povo Nawa era um povo que estava ainda um para cada lado, uma família aqui, outra para lá. Moravam umas famílias na República, outras famílias aqui no Recreio, outras no Sete de Setembro, na beira do Moa, deste lado, e veio a primeira proposta para primeiro olhar o povo Nukini, porque eles estavam mais agrupados. O povo Nawa estava misturado ali, mas o que serviu, o que valeu de reconhecimento para o povo Nawa foi aquelas famílias que estavam lá, porque ajudaram a fazer um grupo maior no povo Nukini. Eles estavam lá, mas estavam ali só como indígenas, não com direito total como os próprios Nukini. Teve umas famílias que ficaram lá misturadas com eles, e logo quando chegou a questão da indenização do pessoal, aqueles que não tinham indenização eram indígenas, mas eram de outro povo, aí não tinha indenização mesmo.
O ex-cacique optou para que saísse o povo Nawa. Não eram aceitos porque o povo Nawa não era um povo muito manso; se fosse para brigar, brigavam mesmo, eles brigavam pelo que era deles. Eles eram assim, toda a vida foram um pouco alterados devido a dizer que eles perderam seus territórios, mas foi na briga, era brigando. Não dava para eles, eles saíam, mas tinham que encarar. Então por isso o líder do povo Nukini e de outros povos também achava que cada povo tinha que estar no seu lugar.
Foi a hora que eu comecei a namorar com a minha primeira esposa, a gente veio para cá e estamos para sair de lá.
(00:38:15) P/1 - Onde é que você estava mesmo nessa época?
R - Eu estava lá, na área dos Nukini.
(00:38:27) P/1 - Você casou com quantos anos?
R - Casei com 24 anos.
P/1 - Como foi que você conheceu sua esposa?
R - Quando a gente saiu de lá a gente veio para cá para o Recreio, lá acima de onde morava a Lucila. Inclusive tem até um cantinho, quando eu quero ir lá fazer o meu rancho, procurar o meu ranchozinho eu vou para lá. Era pra aquele canto que a gente veio, juntamente com o meu sogro, era a irmã dele, e lá a gente já foi morar mais pra cima de onde mora o Vila, filho da Lucila.
A gente já começou a construir casa, construir família e ficamos lá até o dia de hoje. Foi indo, morreu o velho, meu sogro, e a minha sogra foi preciso ir para a rua, porque [estava] muito doente e precisava estar mais perto do médico, do doutor. Os filhos todos casaram, cada um construiu sua família.
Foi crescendo a população indígena Nawa dentro desse território. Foi quando surgiu a questão do Parque Nacional, só que eles não vieram aqui e fizeram, montaram o Parque Nacional. Era um governador do estado do Acre que se chama Aloísio Bezerra, senador no estado do Acre que criou esse Parque Nacional, sem consultar ninguém que morava aqui dentro, sem vir conversar com ninguém, e a gente ficou aqui.
Quando chegou um ano… Foi em 88 - não, 98 - chegaram já com os papeizinhos, fazendo o cadastramento de cada morador e eu já tinha vindo morar aqui. Eu morava lá em cima, no Boca Tapada, minha primeira moradia foi lá, comecei a construir família lá. Chegou um rapaz aqui chamado Leôncio Siqueira e o Evandro - se eu não me engano, ele era do ICMBio - fazendo o cadastramento; eles já tinham vindo da serra, do beiradão do rio e entraram aqui. Quando chegaram com essa proposta de que estavam fazendo cadastramento das famílias que moravam dentro do Parque, quando a gente viu que a coisa ia pegar a gente já começou a articular, nós brigamos pelo nosso território; a gente sabia que num Parque Nacional não podia ficar ninguém. Nós íamos para onde?
Botaram a proposta para mim. Eu disse: “Não vou aceitar esse cadastramento porque nós já viemos de Cruzeiro do Sul em uma briga muito grande, perdemos nosso território. E fomos para o estirão dos Nawa, outra confusão grande e lá a gente perdeu o que era nosso e nós viemos para cá. Agora nós não vamos sair daqui por qualquer coisa, de jeito nenhum. Nós não vamos sair daqui, vamos segurar o nosso território.”
E eu lembro que um rapaz, o Leôncio Siqueira, botou as mãos na cabeça e disse: “Nossa senhora, agora vai ficar ruim porque eles querem isso aqui como terra indígena, que é para fechar o rio pra gente não poder passar.” Eu disse: “Não, nós queremos aqui porque é nosso território mesmo. Nós não vamos sair daqui. Pode haver sangue no meio da canela, mas ninguém vai sair porque não tem mais como a gente perder. Nós já perdemos tanto, e perder novamente nós não vamos.”
A gente já estava articulando a questão da conquista do nosso território, não foi feito. Eu não deixei fazer, não quero, não foi feito. Eles já ficaram espertos que poderia não dar certo.
Teve uma reunião no Betânia, que é um lugar que o pessoal sempre vem para essas coisas, e nos chamaram para essa reunião. Fomos eu, o Railson e o finado Raimundo, cunhado dele, casado com a minha prima. Lá eles fizeram uma proposta para nós abandonarmos aqui - inclusive eu não estava porque foi rapidinho, eu fui beber uma água e quando eu cheguei não sabia para onde eles tinham ido; a gente do interior fica perdido em um monte de coisa. Eles saíram, acompanharam o Raimundo e o Railson e eu fiquei atrás bebendo água, fiquei procurando e nada. Ele já tinha botado a proposta para o Railson para que a gente aceitasse ir para um projeto de assentamento que é no Timbaúba, do outro lado da terra Nukini; um lado do Timbaúba é Nukini e o outro lado é assentamento no Incra.
O Railson disse: “Não vou fazer nada aqui antes do João chegar, eu vou atrás dele.” Nisso, uma pessoa que estava lá pediu para ele: “Railson, não vai não, resolve tu mesmo.” Ele disse: “Não, andamos nós três e temos que concordar os três.. Ele tem essa boa consciência.
Quando eu cheguei lá a moça da Funai que ofereceu falou para mim: “Vocês não acham que é melhor ir para lá no assentamento? Porque lá é um Parque Nacional”. Eu disse: “Não, de jeito nenhum. Eu não posso aceitar isso aqui porque aqui nós estamos só nós três, e se nós três concordarmos com vocês, chegarmos lá e jogarmos essa proposta, nós vamos para peia, nós vamos apanhar. Não vai ter como aceitar uma proposta dessa, até porque essa proposta é fora do que nós estamos querendo. Não, é lá e é lá mesmo, imagina ir para um lugar que a gente nem conhece! Tem que ficar lá, e para aceitar isso aqui tem que ser o grupo todo junto, o povo todo reunido para aceitar. Se a maioria aceitar está de parabéns, só que eu vou logo dizendo para vocês, eu não aceito. Se a maioria aceitar eu não posso fazer nada porque tem a voz de todos, da maioria.”
[Ela perguntou:] “E como vamos fazer isso? Que dia que dá certo para fazer isso?” Eu, como trabalhava na saúde, tinha um encontro todos os meses na Secretaria de Saúde, dia 25 tinha o encontro. Eu disse: “Dia 25 eu estou chegando aqui na reunião, mas no dia 28 vocês podem ir que a gente está lá esperando vocês, está tudo ajeitado.”
Para a nossa sorte, quando eles vieram veio um antropólogo, Antoninho Pereira Neto - ele é falecido, saudoso Toinho. Quando nós chegamos, reunimos o povo e fomos discutir em relação a esse negócio. Ninguém quis saber de ir, eu expliquei qual era o impacto da IAP, cada um para cada lado e seu lotezinho. Isso não existia, não tinha vantagem para nada, nós íamos perder o que era nosso.
Eu sei que a gente conversou o tempo todo, eu e o Railson; quando eles chegaram nós já estávamos preparados. Eles trouxeram o mapa e eu, como trabalhava na saúde, já costumava trabalhar na questão do mapeamento da área que trabalhava. Eles vieram com Toinho e nessa hora chegou o Miguel Scarcello, juntamente com o Leôncio Siqueira, o Evandro. Mostraram o mapa para mim. Aquele é um dos momentos que eu não esqueço nunca, porque eu lembro tudo com que se eu estivesse vivendo ainda aquele momento, que a gente lutou a cada minuto para chegar até aqui. Eu mostrei o mapa, fiz só um resumo: “Está aqui, é por aqui, isso aqui nós não vamos abrir mão, é aqui mesmo.”
O Miguel Scarcello era o chefe do Parque na época; ele botou as mãos na cabeça e disse: “Porque vocês não vão morar em Cruzeiro do Sul?” [Eu respondi:] “Lá não tem mais o que nós deixamos, lá é cidade. A gente não mora na cidade, a gente quer aqui, aqui é que tem o que a gente quer. Aqui é nosso! Nós não temos como ir para lá.” Aí, graças a Deus, já foram se dando conta de que na verdade ia ser difícil para os indígenas sair, mas eles [ficaram] batendo na tecla o tempo todo que é um Parque Nacional, e nós insistindo que não, porque foi criado o Parque Nacional em cima do nosso povo, do nosso território, sem perguntar quem era e quem não era.
Na verdade, num Parque Nacional não pode existir ninguém dentro. Por que teria que criar um Parque Nacional, com a população que tem hoje? Nós estamos em quatrocentos e poucos indígenas, tem quinhentas e poucas famílias dentro do Parque Nacional, famílias indígenas, não-indígenas, ribeirinhos. Eles criaram esse Parque Nacional sem se dar conta que moravam indígenas, não-indígenas, ribeirinhos e hoje estamos nessa luta.
A questão da minha família… É uma família muito grande. O Railson, o Carneiro de Oliveira é meu primo, porque o pai dele é primo legítimo da minha mãe. Já o Nilton, meu primo, pai do Railson, ele é primo da Maria do Carmo, que era minha sogra. Aqui é comum eles começam a se casar, e aí fica um casa com uma pra ali, outro pra ali… É tudo mesmo de uma família, só começou a crescer.
(00:51:43) P/1 - Você estava falando então que eles estavam querendo propor para vocês irem para Cruzeiro do Sul, mas que vocês falaram que não, que iam ficar na floresta mesmo.
R - Ia ficar na floresta, porque como que a gente ia ter que ir pra Cruzeiro do Sul, que era nossa terra natal, se não tinha mais nada nosso lá? Era cidade, seria um impacto muito grande ter que ir para lá e se misturar com a população não-índigena no meio das cidades. Aí não existiria mais índio nawa, porque ia se misturar com muita coisa diferente dos nossos costumes, dos nossos usos tradicionais, culturais, ia acabar tudo.
Eu conheço, lá tem um rapaz lá muito meu amigo e ele é neto de uma guerreira, quase puro ainda. Ele diz que não conhece [a cultura nawa] porque ficou na cidade mesmo. Sempre promete vir aqui, [pede] para eu trazer ele: “Não, me leva antes de eu ficar de cadeira de rodas de tão velho.” Eu ainda vou trazer ele. Diferente do nosso costume, não conhece o que nós conhecemos na floresta, porque a nossa floresta é a nossa mãe, a natureza é tudo para nós aqui.
Eu fui um dos que mais cacei; eu não cheguei a fazer o percurso dos indígenas que passavam aí por trás, isolados, mas conheci malocas novinhas caçando. A gente costumava caçar para fazer o nosso rancho, tirar alimentação e a gente passava, passava pelos vestígios deles - mato quebrado, rastro deles… Eu nunca cheguei a ver, mas a moradia deles, a maloca…
Uma coisa que eu hoje estranho muito: antigamente, para nós, a moradia dos indígenas era chamada maloca e hoje se chama aldeia. Eu discordo disso. O cacique era tuxaua e hoje é cacique, também discordo, porque o nome tradicional mesmo é o que eu quero que exista. Cacique é tuxaua, moradia é maloca. A moradia, na verdade… O que eu quero dizer é [que] o ambiente que a gente mora e chama casa já não é o que ele tinha, a oca; na verdade hoje é casa, tudo diferente, mudou. Os costumes foram mudando com a chegada do não-índio, com a invasão do não-índio, os indígenas perderam aqueles hábitos. Tanto é que até a própria língua foi perdida, porque começaram a falar português. De tanta mistura e tanto tempo junto com eles, os indígenas já não falam quase a língua, muito pouco.
(00:56:14) P/1 - Uma coisa que eu gostaria de te perguntar. Você hoje é um dos anciões, mas você conheceu os anciões mais antigos? O que você lembra que esses anciões antigos tinham de costumes que hoje não tem mais?
R - É uma pena que hoje a gente não tenha mais, e eu sinto muita falta do que era antes, que os antigos praticavam seus costumes, seus hábitos. Eu lembro que eu conversava muito com os mais antigos, e eu sempre fui muito curioso e ao mesmo tempo eu não decorava muito aquilo, porque na época dos mais antigos, mais tradicionais, [eles] já estavam velhos. A gente na época não sabia, não tinha aquele pensar de dizer: “Futuramente eu vou precisar saber disso aqui.” Eu, pelo menos, só tinha isso como curiosidade, admirar aqueles costumes bem tradicionais, porque da minha época para cá já estava bem diferente, então eu conversava muito com eles [sobre a] questão de como era na mata, como eles viviam, como era a convivência deles para com os outros.
Eu lembro que um antigo indígena, eu namorava com uma bisneta dele e eu ia para lá. Sempre na boca da noite ia para lá, sempre ele era escolhido para ficar com nós lá em casa, ou ficar lá em casa sozinho para cuidar da casa enquanto a gente vinha na cidade.
Naquele tempo, pra gente ir na cidade era de ano em ano e ele sempre ficava. Ele tinha aquela intimidade com a gente, ele não me chamava pelo meu nome, só chamava de menino Batista, e aquilo tudo que ele queria contar, tinha aquele prazer de ver. Quando ele estava vendo, nós estávamos conversando e ele estava calado. Ele: “Ei, menino Batista…”, ia me contar e eu começava a puxar por ele.
Uma coisa que me lembra muito era a questão dele ter que bater bumba todo dia, porque o tambor que a gente chama hoje era bumba. Ele batia aquele bumba todo santo dia e eu perguntei para ele: “Porque bate bumba todo dia?” Ele disse: “Eu bato bumba todo dia para Deus saber que eu estou viva.” Porque na língua dele, sempre ele era a fêmea, e ela era macho. Eles trocavam o sexo, por exemplo, de uma mulher. Mulher passando, vamos dizer: “Leva ele.” Quando era um homem masculino, ele já era ela.
Eu achava aquilo tudo bem interessante. Ele sempre gostava de contar assim as histórias, bater bumba, e nem todo mundo mandasse ele, que ele não tocava, ele cantava a música dele na língua dele mesmo. As pessoas chegavam às vezes por curiosidade, e na maioria das vezes tinha pessoas que queriam só para fazer galhofada e eu não gostava daquilo, porque aquilo ali era uma coisa dele, uma coisa que tradicionalmente ele usava e gostava. Eu discordava daquilo, e para não haver muita coisa eu chegava, chamava ele: “Bora lá bater, toca aí para nós, canta aí para nós.” Ele dizia: “Só se dançar mulher.” Eu ajeitava que eles iam dançar, ele tocava, mas se fosse dançar para ele ver, e ele cantava, ficava à vontade, conversava e gostava muito.
[Quando] eu chegava lá, às vezes ele estava esquentando rum para o indígena, ele gostava muito, e na época eles não tinham outros, eles não tinham boas dormidas… Ele sentia frio e tinha que estar na beira do fogo. Ele sentava e ficava ali, na beira do fogo, e nós ficávamos conversando.
Eu lembro que um dia eu vinha passando, ele chamou: “Ei, menino Batista. Bora comer mandioca assada.” Eu disse: “Vamos.” Ali nós estávamos conversando, porque ele gostava mesmo de conversar comigo. Eu lembro que eu queria saber, eu perguntava mesmo, tinha uma intimidade com ele, como fosse um pai para mim, fosse uma pessoa da família mesmo, que era na verdade o avô dele. Ele disse assim: “Ei, menino Batista. Esse remédio é bom.” Tinha uma rama de cipó que vinha do lado, ele sentado aqui do meu lado, aí disse: “Aqui, menino Batista, remédio bom, esse.” Eu disse: “Porque é bom? Bom para quê? Para que serve?” Ele disse: “Esse remédio [é] para mulher que não tem menino. Faz chá, bebe, aí tem menina, tem muito menino.” Inclusive tinha um filho dele que casou-se com uma mulher, ela não tinha filho e ele foi e fez. Ela já era de outro casamento, tinha outro, o filho dele ficou com ela tomando desse outro homem lá, mas ela não tinha filho; ele foi, fez o chá e ela teve ainda cinco filhos.
Isso ele me ensinou, eu aprendi esse remédio, só que foram muitas coisas que ele me ensinou. O remédio para botar na vista, aprendi com ele. O remédio para vômito. Uma série de ervas medicinais que ele me ensinou. Ele gostava mesmo de me ensinar. Quando eu chegava perto dele, ele estava perto do fogo, esquentando o fogo.
(01:04:18) P/1 - Pode falar quais são essas medicinas para deixar guardado para o seu povo? O remédio que cura a vista, o remédio que dava menino.
R - As ervas medicinais, eles normalmente ensinavam pra gente aquelas ervas que realmente a gente usava no dia a dia. Só que com o passar do tempo a população indígena foi ficando mais ligada no remédio da farmácia e esquecendo aquelas ervas medicinais. Eram remédios que na verdade são bons, curam mesmo, e hoje eu sei de várias ervas ensinado por eles, com os antigos, que é o que nós perdemos hoje. Nós perdemos muita coisa, que foi a espiritualidade.
Na verdade, as ervas medicinais eram para estar no nosso meio, no dia a dia. Mas o que aconteceu? Os antigos foram morrendo, aqueles mais novos não têm aquele ensinamento, não aprenderam e a gente vai perdendo aos poucos. É um medicamento que a gente mais precisa dentro da nossa cidade.
Por exemplo, eu peguei aquela doença, a covid-19; estava aqui em casa e imediatamente eu percebi que era. A minha esposa até disse que não era, parasse com aquilo, era um medo muito grande. Eu conheci que não era uma gripe, não era uma doencinha qualquer, porque eu fui aquela pessoa… Eu sou sintomático - tem o sintomático, o pré-sintomático e o assintomático. Eu fui sintomático, porque no dia em que o rapaz chegou aqui, esteve trabalhando aqui em casa, ele estava dizendo que estava com uma gripe, só que eu fiquei dizendo para ele que não era gripe, ele estava era com a covid-19, e ele ficava com aquela brincadeira, se agarrando comigo, [dizendo] que eu ia pegar também e de repente eu adoeci.
Era meio-dia, ele foi embora, nem foi mais trabalhar porque ele estava com uma equipe de saúde aqui, que disse para ele não trabalhar mais, que podia ser, os sintomas eram muito parecidos. Quando foi à noite eu já comecei a tossir muito mesmo, imediatamente peguei umas ervas medicinais e mandei minha esposa fazer. E foi quem abateu, eu estava tossindo sem parar, aí já amenizou a tosse.
Passei ainda quatro dias para ir para cidade. Quando cheguei lá eu fui para casa da minha filha, que hoje é doutora, e ela fez o tratamento, praticamente não senti nada. O que eu senti foi só febre. Ela disse que tinha um lado do meu pulmão que estava com água, mas eu não senti nada. Graças a Deus eu não senti e fiquei fazendo chá o tempo todo; tomei o medicamento que ela me deu, mas [tomando] chá a todo tempo, e graças a Deus não senti nada. Então, para nós é uma perda muito grande se esquecer e abandonar o nosso medicamento tradicional, uma perda muito grande; na maioria das vezes, são poucos aqui que sabem ainda, por conta de se ligar mais. Para acabar de completar, chega uma equipe contratada diretamente para trabalhar com os povos indígenas; isso vai tirando os costumes, vai tirando os seus costumes de fazer uso do remédio tradicional. Aqui, na nossa região, nós temos fortes medicamentos, fortes ervas medicinais, mas muitas vezes acho que o indígena acha melhor agora tomar medicamento lá fora.
(01:09:43) P/1 - Gostaria, João, que o senhor contasse como foi que você se tornou agente de saúde? Você está falando justamente nessa coisa tradicional. Como foi que você trabalhou isso, esses conhecimentos sendo agente de saúde?
R - Surgiu na época, em 97, um grupo de pessoas lá da Prefeitura fazendo inscrição das pessoas que queriam se inscrever para trabalhar na saúde. Foi quando surgiu o programa do agente comunitário de saúde, então eu me inscrevi. Aqui houve um aviso pelo rádio e eu fui daqui para lá, nos Nukini na República, para me inscrever. É uma das coisas que eu sempre gostei de fazer, de ajudar as pessoas naquelas horas difíceis, desde novo sempre fui muito atencioso nessas questões da saúde, então eu fui para me inscrever.
Quando chegou o dia da prova… A gente foi para fazer uma prova. Éramos sete da área fluvial e lá eu tirei em primeiro lugar, na região do Moa. Éramos 22 pessoas e ficaram onze. No Moa fiquei eu, outro rapaz na Serra, outro no Rio Azul, e começamos a fazer vários cursos.
Primeiro nós fizemos dois meses de curso. O programa de agente comunitário de saúde trabalha mais na prevenção; na prevenção a gente usa muito ensinar a questão dos chás caseiros, do medicamento caseiro; quando a gente for procurar um médico lá fora é porque aqui não deu pra gente combater, mas primeiro usamos os nossos meios tradicionais, então se tornou mais fácil para mim. Na verdade, como eu aprendi muito com os antigos, a gente tinha mais facilidade.
Na época que eu comecei a trabalhar tinha 150 famílias; eu saía de casa porque eu abrangia aqui o povo Nawa e Nukini. E eram 150 famílias pra mim. Eu tinha que sair e voltar para casa com nove dias, se eu fosse trabalhar todo dia. Mas se eu chegasse em uma determinada família ou canto e tivesse alguém precisando de socorro, de uma emergência eu teria que ir para cidade - isso de dia ou de noite, não tinha hora para mim. Eu sofri muito com isso porque era muita família para eu [cuidar] sozinho, e isso não só eu, mas quem estava lá na Serra também tinha suas 150. Na Serra era menos, [mas] quem morava no Rio Azul eram outras 150 famílias, a quantidade de família por cada agente comunitário de saúde eram 150. Eu passei muitos anos trabalhando assim.
Depois surgiu a ideia de botar outro para diminuir o número de famílias. A gente, na maioria das vezes, não dava conta mesmo porque tinha que levar um paciente para cidade e a gente não dava conta. Começou a surgir a ideia de botar o AIS [agente indígena de saúde] já por conta da Secretaria de Saúde Indígena, e aí sim começou a melhorar para mim, porque foi diminuindo o número de famílias.
Por último, eu fiquei com 53 famílias. Mas hoje nós já temos outros AIS, eu faço meu trabalho para secretaria. Os AIS têm uma diferença - agente comunitário de saúde e AIS, que é o agente indígena de saúde, existe essa diferença nas siglas, mas fazendo a mesma [coisa], só que o meu é bem diferente, porque a gente tem umas anotações bem mais delicadas para o Ministério da Saúde; tem outras pessoas que trabalham, mas só que eu continuo trabalhando como agente comunitário de saúde.
Estive um tempo trabalhando como AIS, só que o prefeito, a prefeitura me botou lá sem eu saber para trabalhar como AIS. Eu não sabia, ele querendo economizar dinheiro me botou para trabalhar e eu fazia os dois trabalhos ao mesmo tempo. Eu levava um relatório para a Secretaria de Saúde e levava para o polo. Dois relatórios. Um para o polo para saúde indígena e outro na saúde do município. Quando eu vim descobrir já estava com vários meses, e eu fui com ele, até que entrou outro prefeito e já entrou com um pedido, porque até então eu não era permanente, meu contrato não era permanente, mas como existe uma lei que quem estava de 2006 para cá poderia estar no quadro permanente, eu fiquei no quadro permanente.
Atualmente eu estou afastado, por conta da pandemia. Eu tenho pressão alta, sou diabético, sou do quadro de risco. Fui pedir afastamento e estou afastado até que a pandemia pelo menos melhore mais, para eu ir me apresentar, mas vou me apresentar já com um pedido de aposentadoria, porque já tem 25 anos e não tenho mais condições. Eu estou com problema na vista, por conta de tantas vezes trabalhando no sol quente, apurando minha vista, o brilho da água, e por viajar à noite, porque muitas vezes que eu viajava à noite no outro dia não conseguia abrir meus olhos. Abria, mas era doendo minha vista, porque à noite, como nós não tínhamos equipamentos bons para viajar, lanterna de farol, essas coisas, a gente ia com uma lanterna muito ruim e eu forçava a minha vista o tempo todo para enxergar melhor, para que não desse um acidente pior do que eu já estava vendo dentro do barco, digamos, um acidente por mordida de cobra. Fiz isso várias vezes, então hoje estou com esse problema na vista, do sangramento na minha vista e já fiz tratamento uma vez, mas na verdade não é uma coisa que garanta porque o médico disse para mim que eu posso ficar bom, mas podia não ficar, que é o que está acontecendo. Fiz uma vez, estou querendo fazer outra vez agora em novembro ou dezembro, e eu estou com essa dificuldade hoje de trabalhar por conta da visão, mas também estou na hora de correr atrás de aposentadoria por tempo de trabalho.
(01:19:48) P/1 - Você disse que trabalhou muito com saúde, mas o senhor é agricultor também?
R - Também, porque hoje a gente sobreviver só do salário que a gente ganha… Para mim foi muito mais difícil sobreviver desse salário, porque eu tive que educar os filhos, botar na escola e aqui era bem mais difícil, tive que boltar para a cidade. Uma coisa que a minha esposa, antes dela morrer, falou para mim: “Se eu morrer primeiro do que você, você não deixa meus filhos se criarem burros.” Eu repreendi ela, dizendo que não era coisa que ela falasse, ela ficava falando besteira: “Isso pode falar não.” “Mas estou só dizendo.”
Com dois meses ela faleceu e eu, muito apegado com meus filhos, não abri mão de jeito nenhum, fiquei com eles e fui segurando mesmo. Tinha alguém que chegava e pedia, mas eu botava aquilo na minha cabeça, que eles tinham perdido a mãe. Eu vou abandonar? Não, eu teria que segurar eles, mantive eles na escola.
Hoje também devo muito favor ao meu atual sogro, porque eles precisaram ir para lá e ele que ficou com eles em casa. Minha filha terminou o ensino médio e apareceu essa oportunidade para ela ir estudar Medicina; [era] muito difícil naquela época e eu queria que ela fosse. Ela: “Pai, eu não sei bem se é o que eu quero.” “Mas, minha filha, vá, se não der certo você volta. Não custa nada, mas tem que tentar, e eu vou fazer o máximo.”
Eu, ganhando um salário mínimo, não teria como manter ela. Ela foi para Cuba e eu teria que me virar, tudo era da agricultura. Eu fazia um barco, eu trabalhava de motosserra para alguém, fazia farinha para vender, colhia milho, vendia o milho, criava porco, como hoje ainda crio porco, boi, porque era o único meio que tinha para manter minha filha lá em Cuba. Foram sete anos para lá, todos os anos ela queria vir onde eu estava, e eu queria ver ela mesmo, eu teria que estar com aquele dinheiro porque ela teria que levar daqui tudo, até alimento ela levava daqui - sem contar com roupa, calçado, tinha que levar daqui. A moeda de lá era muito cara para ela comprar e ter que comer, pagar apartamento, não dava, então ela levava o que pudesse levar daqui.
Eu tinha que mandar dinheiro para ela todos os meses, só que passei um ano sem poder mandar quase nada e nem falar com ela. Falei com ela uma vez no primeiro ano que ela foi, porque Cuba era muito fechada e não tinha questão de comunicação, era muito ruim. Uma vez que eu fui falar com ela por telefone fixo, a gente falava dois, três minutos e desligava, tinha que ligar de novo, é complicado.
No segundo ano foi melhorando a questão da comunicação. Foi feito um cartão para ela levar para fazer saque internacional, porque até então eu mandava dinheiro para ela na conta de outro amigo dela, só que ela não via o saldo que tinha, o quanto eu tinha mandado, eles ficavam tirando e não sabia quanto era. Quando foi feito um cartão para ela, levou para lá, e a moeda internacional, que é o dólar, já chegava pouquinho; o CUC era moeda de Cuba, era bem mais forte do que o dólar.
Esse dinheiro que eu mandava para ela, muitas vezes em um dia, no outro ela já me pedia dinheiro de novo, e aquilo ali para mim foi ralando. Eu tinha muitos bichinhos aqui no campo; fui vendendo e ela: “ Pai, pode vender”, porque eu não queria que ela fosse passar necessidade lá, e tampouco trabalhar, já que o estudo dela era muito cansativo, era muito puxado. Ela não podia perder tempo, eu fiz de tudo para ela conseguir. Graças a Deus ela conseguiu, mas se fosse para dizer que através desse salário eu formei minha filha, não, porque existiam três coisas que eu teria que fazer: manter ela lá, manter filho na cidade estudando também e me manter. Era muito cansativo.
Graças a Deus que a minha esposa depois começou a trabalhar na educação e aí melhorou, mas eu fiquei vendendo. Quando ela chegou a ir para o Pará começar a trabalhar eu tinha dezoito bichos; no segundo ano que ela foi eu estava com 120 bois no campo. Tive que vender, porque o dólar era quem me maltratava, é muito caro, hoje está baixa, amanhã está em alta, é aquele negócio. Pesou muito para mim, mas graças a Deus eu consegui.
Hoje nós temos a doutora. Ela já trabalhou aqui, com o próprio povo Nukini na equipe. Depois ela casou, saiu grávida e não podia estar viajando, porque é muito cansativa a viagem, e ela passou a ficar trabalhando com os Puyanawa. A criancinha nasceu, ela tinha que sair e passar o dia fora, ficava a semana longe da criança, ou teria que levar, e era cansativo para ela. Ela mudou para trabalhar com os Katukina na BR, ela ia e voltava à noite; ela está hoje trabalhando na UPA e no hospital de Rio Biá também, tirando de plantão.
Na maioria das vezes a própria comunidade não tem como ajudar, eu fiz tudo isso sozinho. E se eu não tivesse a minha contrapartida, não tinha conseguido formar ela, porque ela disse para mim que na maioria das vezes as pessoas vão, mas não resistem porque tem a questão da necessidade, passam necessidade e vêm embora, desistem. Com dois anos, três anos ela disse: “Pai, foi a melhor coisa que já aconteceu na minha vida”, e eu fiquei muito feliz com isso porque ela foi para lá sozinha, não conhecia ninguém. Uns conhecidos que ela tinha, os brasileiros que estavam lá… Não tinha um parente, não tinha ninguém lá e eu achei ela muito forte nessa hora por isso, porque ela teve muita dificuldade no primeiro ano, [em] que eu não pude mandar nada para ela, nem ela tinha o cartão. Ela trabalhava para comprar as coisas que queria, ela trabalhava fazendo as coisas para aqueles que tinham mais, que os pais mandavam, eram bem de vida. Ela lavava roupa para eles, fazia faxina no apartamento deles, e para mim foi ralado por conta disso, eu não tinha como fornecer da maneira que ela precisava. E já para o final já melhorou.
No último ano foi bem pior, porque o governo não deu mais a volta dela. Estava vindo de férias, não deu a passagem; fui eu que paguei a passagem, o dinheiro para ela levar o que ela precisava para lá. Era em torno de cinco, seis mil reais. Quando fui pagar a passagem dela eu gastei em torno de dez mil reais, e dez mil reais naquele tempo era dinheiro, dinheiro que a gente tinha que se virar nos trinta, mas graças a Deus ela venceu, em boa hora, eu digo.
Eu também sempre digo para ela: “Minha filha, o que eu fiz por você não foi na intenção de te dar com uma mão e tirar com a outra.” Eu tinha que ter um orgulho meu, e manter ela na escola, para chegar até onde ela está hoje. Ela me ajuda muito, ela é aquela filha muito apegada a família. Pode ser quem for, ser daqui dos irmãos, seja tio, seja a avó, seja quem for e precisar dela, ela tira do pouco que tem, mas ela não deixa ninguém desarremediado. Ela tem essa visão, porque a gente sabe que na maioria das vezes tem pessoas que só querem que os pais deixem chegar onde eles querem e viram as costas, e ela não. Ela é aquela menina que graças a Deus me ajuda muito, ajuda os irmãos, alguém da família que precisar. Às vezes pessoas enganam, mas ela vai lá e ajuda. Estou feliz por isso, por ter preparado ela, e ela hoje ser dessa forma, humilde, graças a Deus.
(01:32:58) P/1 - A gente já está caminhando para encerrar. Queria saber se tem alguma história que aconteceu na sua vida importante para você que você gostaria de registrar?
R - Uma das histórias importantes que aconteceram na minha vida, como eu já falei da questão de hoje fazer parte dessas famílias, são muito queridas… Eu esqueci de falar que hoje a minha esposa é da etnia Arara.
Meus filhos, quando eu fiquei viúvo, eu fiquei com eles; um tinha dois anos e o outro tinha quatro, que é a doutora. Houve uns altos e baixos porque logo foi preciso eu arranjar uma pessoa para ajudar a cuidar deles, e eles não se deram com a primeira que eu casei, quando a minha mulher morreu. Ela gostava muito dos filhos, só que era aquela menina muito mimada, não se acostumou muito a fazer as coisas, e a gente, que vem de um casamento de [muito] tempo, já é um impacto muito grande a questão dos filhos também perderem a mãe, fica um convívio diferente. Aí eu me separei, casei com outra. Essa judiava das crianças e eu, muito aborrecido, feito uma onça pelos filhos, não tolerei isso, tive que separar.
Juntei com ela aqui e ela [foi] muito dedicada a eles. Eles chamam ela de mãe e respeitam ela, ela respeita eles. Para mim foi uma das coisas que aconteceu na minha vida que eu jamais vou esquecer.
Eu tenho dois filhos com ela também. Tem um que está no quartel, o Bis, e tem um outro que é mais novo, tem dezessete anos. O outro, que é do primeiro casamento, irmão da doutora, ele serviu o exército, foi professor e está sendo chamado para assinar novamente contrato.
Para mim, foi uma das coisas que aconteceu de mais importante na minha vida. Foi achar uma pessoa para me ajudar e saber compreender, ajudar a educar, a ficar o tempo todo se dedicando a cuidar deles. Tudo ela fez para mim, é uma das coisas melhores que aconteceu na minha vida, e hoje eu ter minha filha doutora, para mim marcou muito.
(01:37:00) P/2 - Tem quanto tempo que você está com a tua esposa por último. Quantos anos?
R - Está com 27 anos que eu moro com ela, e eu jamais acreditaria que passaria o tempo todo com uma mulher, porque eu fiquei traumatizado por conta da minha mulher ter morrido. Minha primeira mulher morreu e eu fiquei achando que eu casei com ela e com seis anos ela morreu, eu achava que aquilo ali não ia passar, não ia estar com uma mulher o tempo todinho. Foi o contrário, eu vivo hoje há 27 anos com ela, e graças a Deus tem dado certo.
O nome da minha filha é Aline Moreira Diniz, o do irmão dela ,com a primeira mulher também é Adougleci Moreira Diniz. O outro hoje está no quartel, ele está aqui, é Artiço Correia Diniz, e o mais novo é o que herdou o nome do meu pai, João Batista Diniz Neto. Graças a Deus, nós somos uma família pequena. E tenho outra filha também, que é com a primeira mulher depois que fiquei viúvo, a Jamile da Costa Diniz; essa mora em Rio Branco, com a mãe dela.
(01:39:05) P/1 - Então, João gostaria de te agradecer pela entrevista, muito. Você é muito bom contador de histórias. O que você achou de contar um pouco dessa história aqui pra gente hoje?
R - Eu quero agradecer a vocês aqui, porque para mim não é só uma história, foi um desabafo. A gente fica o tempo todo vivendo de trabalho, vivendo do seu dia a dia, aquilo que a gente tem pela frente, mas na maioria das vezes a gente tem a necessidade de desabafar aquilo que vem vivendo, aquilo que viveu. Uma história que faz parte do dia a dia da gente, é passado, mas ela tem sentimento. Houve muitos altos e baixos, mas tem aqueles momentos de vitórias, de conquistas.
O meu maior desejo hoje é ver o nosso território demarcado porque temos as crianças, as próximas gerações, que vão precisar de tudo isso. Já estou na idade dos 58 anos, vão ficar os mais novos para continuar a luta, mas eu quero que seja uma luta não por terra demarcada, uma luta que seja para zelar o que tem hoje, que é o nosso território demarcado, para quem for nascendo daqui para frente e já cuidar só de progredir, cuidar, zelar e construir mais e mais.
Essa é a minha história, meu desejo que fica. Eu quero que daqui para frente, [que] para muitos que ouvirem essa minha história [ela] sirva de exemplo, e que todos tenham uma visão melhor ainda, uma visão positiva, de o povo estar bem melhor, o povo todo, e construindo. Um povo feliz, porque no passado nós não tivemos oportunidades, mas hoje nós estamos tendo a oportunidade de lutar pela demarcação da nossa terra. Então o que eu preciso agora daqui para frente é que seja concluído um sonho de cada um de nós: é ter nosso território demarcado.
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