Projeto: Diversidade e Inclusão no Mercado Financeiro - Banco Pan
Entrevista de Gilberto de Lima Costa Junior
Entrevistada por Bruna Oliveira
São Paulo, 17/08/2022
Entrevista n.º: PCSH_HV1232
Realizada por Museu da Pessoa
Transcrita por Selma Paiva
Revisada por Bruna Oliveira
P/1 - Gilberto, a primeira coisa que eu queria que você fizesse era você começar se apresentando, dizendo o seu nome completo, a data e o local do seu nascimento.
R - Meu nome é Gilberto de Lima Costa Junior. Eu nasci em Duque de Caxias, no Rio de Janeiro, em 1969, no dia 07 de maio.
P/1 - E quais os nomes dos seus pais?
R - Meu pai é Gilberto de Lima Costa. E minha mãe é Lucia Batista Costa.
P/1 - E o que eles faziam?
R - O meu pai era militar. E a minha mãe era professora, nessa época.
P/1 - E como você os descreveria?
R - O meu pai era um homem bem rígido, como militar que era. Então, ele era uma pessoa bem, assim, formal. Mais formal, logo no início, como pai, apesar de ser um pai super amoroso. E a minha mãe já era mais próxima dos filhos, mais amorosa, enfim. Mas era uma família tranquila. Os meus pais, o meu pai e a minha mãe, se casaram muito cedo e tiveram filhos muito cedo. Então, eles foram aprendendo conforme foram ganhando mais tempo, foram ficando mais velhos.
P/1 - E você sabe como eles se conheceram?
R - Olha, a minha mãe morava com os meus avós, em Jardim América, que é próximo a Duque de Caxias. E eles acabaram se conhecendo naquela época, ali, na região. E o meu pai começou a frequentar a casa do meu avô. Pediu ao meu avô, para namorar a minha mãe. Coisas que, na época, existiam. Isso aí era - eu nasci em 1969 - antes de 1969. E eles começaram a namorar, enfim, resolveram se casar. E foi, mais ou menos assim, que eles se conheceram.
P/1 - E você sabe a história dos seus avós?
R - Olha, eu não tenho dados muito profundos, mas eu sei que o meu avô era pernambucano e ele acabou, em algum momento, mudando para o Rio de...
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Entrevista de Gilberto de Lima Costa Junior
Entrevistada por Bruna Oliveira
São Paulo, 17/08/2022
Entrevista n.º: PCSH_HV1232
Realizada por Museu da Pessoa
Transcrita por Selma Paiva
Revisada por Bruna Oliveira
P/1 - Gilberto, a primeira coisa que eu queria que você fizesse era você começar se apresentando, dizendo o seu nome completo, a data e o local do seu nascimento.
R - Meu nome é Gilberto de Lima Costa Junior. Eu nasci em Duque de Caxias, no Rio de Janeiro, em 1969, no dia 07 de maio.
P/1 - E quais os nomes dos seus pais?
R - Meu pai é Gilberto de Lima Costa. E minha mãe é Lucia Batista Costa.
P/1 - E o que eles faziam?
R - O meu pai era militar. E a minha mãe era professora, nessa época.
P/1 - E como você os descreveria?
R - O meu pai era um homem bem rígido, como militar que era. Então, ele era uma pessoa bem, assim, formal. Mais formal, logo no início, como pai, apesar de ser um pai super amoroso. E a minha mãe já era mais próxima dos filhos, mais amorosa, enfim. Mas era uma família tranquila. Os meus pais, o meu pai e a minha mãe, se casaram muito cedo e tiveram filhos muito cedo. Então, eles foram aprendendo conforme foram ganhando mais tempo, foram ficando mais velhos.
P/1 - E você sabe como eles se conheceram?
R - Olha, a minha mãe morava com os meus avós, em Jardim América, que é próximo a Duque de Caxias. E eles acabaram se conhecendo naquela época, ali, na região. E o meu pai começou a frequentar a casa do meu avô. Pediu ao meu avô, para namorar a minha mãe. Coisas que, na época, existiam. Isso aí era - eu nasci em 1969 - antes de 1969. E eles começaram a namorar, enfim, resolveram se casar. E foi, mais ou menos assim, que eles se conheceram.
P/1 - E você sabe a história dos seus avós?
R - Olha, eu não tenho dados muito profundos, mas eu sei que o meu avô era pernambucano e ele acabou, em algum momento, mudando para o Rio de Janeiro. Ele trabalhava como manobrista de rebocador de navio. Ele trabalhava no cais do porto. E a minha avó cuidava dos filhos, enfim, ficava em casa. Nessa época era muito comum isso. E os meus avós também eram avós muito amorosos. Eles tinham uma casa grande ali na região do Jardim América, quando eu era criança. E os netos iam todos para aquela casa. Então, era aquela família típica brasileira e no final de semana toda a família se reunia em torno dos pais, do pai e da mãe.
P/1 - E você tem irmãos?
R - Eu tenho. Eu tenho quatro irmãos.
P/1 - E quais são os nomes deles e como era a sua relação com eles?
R - A minha irmã mais velha é a Monica. Ela é a primeira de nós todos. Eu sou o segundo. Aí, depois, nós tínhamos o Marcelo que, infelizmente, nos deixou quando nós éramos crianças, ainda. O Marcelo faleceu quando nós éramos crianças. E aí vem, depois do Marcelo, o Gilson, o Giovani e a caçulinha é a Michele. Era uma família grande, né? De vários irmãos. Então, isso era bom, porque a gente brincava, enfim, a gente conseguia interagir entre a gente. É muito bacana você poder crescer junto com os seus irmãos. E traz o desafio de ser uma família em que você tem pai e mãe e cinco filhos. Então, isso traz uma série de desafios, até por conta da situação, na época. Mas sempre foi um relacionamento muito bom. E é bom até hoje. Nós já estamos mais velhos já, enfim, mas o relacionamento é muito próximo. Até hoje, a gente se fala, está ali, no final de semana, se falando.
P/1 - E pensando na sua infância, tem algum cheiro, ou alguma comida, ou alguma data comemorativa que lembre essa época, que remeta você à essa época?
R - Ah, tem sim. Tem, sim. Tem algumas coisas que me remetem à minha infância, com muita força. Uma é a casa do Rio. Os meus avós tinham uma casa, ali próximo à favela de Vigário Geral, onde moraram durante quase cinquenta anos. E a casa ficava em frente a um rio. E a casa era enorme. Era uma casa, assim, com três quartos, o que, na época, era algo não tão comum, com um quintal grande. Então, todas as férias, a diversão minha, dos meus irmãos, dos meus primos, era ir pra casa dos meus avós, porque a gente tinha espaço pra poder brincar, soltar pipa, jogar bola, brincar com pião, brincar de pique-esconde, brigar entre a gente. (risos) Então, tinha toda aquela diversão de uma família grande. A família era muito grande, né? E uma das coisas que, pra mim, é uma lembrança muito forte é: o meu avô gostava muito de chá mate. Então, a minha avó fazia chá mate todo dia. Fervia a erva, junto com tudo, botava na geladeira. Então, a gente tomava muito chá, muito chá mate. E a gente comia muita bolacha. O meu avô comprava umas latas gigantes de bolacha, de biscoito. Eu sou carioca, carioca fala “biscoito”, né? E a gente comia muito aquilo ali. Então, eu tive uma infância muito boa. Muito positiva, com muito relacionamento familiar. E tinha uma tradição. Todo o final do ano, Natal e Ano Novo, era a casa dos meus avós. Então, o meu avô, que era um homem muito religioso, muito rígido, muito familiar, o ‘seu” Augusto Batista, gostava da família reunida. Então, você não ir à casa dos meus avós, no Natal e no Ano Novo, era um negócio assim: você tinha que ter um motivo muito grande, para você não aparecer lá. E a gente adorava receber presente e Papai Noel. Tinha sempre alguém que se vestia de Papai Noel. E abrir presente no outro dia, de manhã. E você tinha gente dormindo pelos corredores da casa. Esse era aquele envolvimento familiar que, hoje em dia, muita gente se perdeu com relação a isso, não tem mais. Mas que, na época, era um dos pilares da nossa família. Era exatamente, todo final de semana, almoçar com os meus avós. Todo o final do ano, passar o Natal e o Ano Novo com os meus avós.
P/1 - Gilberto, você sabe a história do seu nascimento?
R - Olha, eu não tenho muitas informações, mas eu sei que eu nasci em Duque de Caxias, numa maternidade em Duque de Caxias. E aí, logo depois disso, os meus pais moravam perto da casa dos meus avós, em Jardim América. Então, o início da minha infância foi ali em Jardim América, que é do lado de Vigário Geral, do lado de Parada De Lucas, na Baixada Fluminense. É perto de Duque de Caxias. Eu e a minha irmã mais velha, a Monica, a gente ficava muito com a minha mãe, porque o meu pai, como militar, tinha lá as rotinas dele junto à Aeronáutica, porque ele foi militar da Aeronáutica, durante muitos anos. E essa foi a minha infância. Era uma infância, eu diria que de uma criança, de uma família sem tantos recursos, porque só o meu pai que trabalhava. E com um salário de militar, você não tem, não tinha, na época, e hoje em dia ainda não tem tantos recursos. E aí, enfim, a minha história de vida começa por aí.
P/1 - Eu ia perguntar da casa onde você passou a infância, como ela era.
R - Olha, era uma casa simples. Não tinha muito conforto. A gente nunca teve muito luxo, muito conforto. Não é que a gente passava necessidade, porque os meus avós, enfim, a família sempre ajudava. Mas, como eu falei, só o meu pai que trabalhava na época. Então, acabava que a minha mãe tinha que cuidar ali, de mim, da minha irmã mais velha. Depois vieram mais filhos. Então, sempre foi, ali, aquela situação familiar mais restrita do ponto de vista de conforto, enfim. Mas uma infância boa. Não teve grandes impactos, não.
P/1 – E, nessa época, quais eram as suas brincadeiras favoritas?
R - Ah, menina! Isso aí, eu acho que as pessoas já nem lembram mais. Era soltar pipa; rodar pião, que eu não sei nem se ainda existe pião, se as pessoas ainda brincam com pião; brincar de pique-esconde, de pique-pega; e jogar bola.
P/1 - E onde você brincava? Você tinha amigos no bairro? Como era?
R - Tinha. Como os meus avós moraram na mesma casa durante, mais ou menos, cinquenta anos, toda a vizinhança conhecia o “seu” Augusto. Toda a vizinhança. E toda a vizinhança conhecia os netos do “seu” Augusto. Na época, o meu avô ainda pilotava rebocador. Ele saía de casa de madrugada, para ir pro cais do porto, para poder atracar, ajudar a atracar os navios. Então, ali, todos os vizinhos em torno da casa dos meus avós sabiam quem eram os netos do “seu” Augusto Batista. E a gente brincava na rua, o dia todo. A gente brincava, literalmente, na rua. Só voltava pra almoçar e depois voltava, para poder brincar. Enfim, ia pra escola. Então, esse convívio com os meus avós, esse convívio com os meus pais, essas brincadeiras na rua, era algo muito sadio, porque não tinha o ambiente de violência que tem hoje em dia. Tinha violência, obviamente, porque sempre teve, mas não era como é hoje em dia. Então, as crianças brincavam na rua. Eu sou da época que não tinha videogame. Então, você tinha que brincar na rua. Você jogava bola, peteca, soltava pipa. Jogava um jogo de taco, que é uma bola, que você fica batendo na bola com um taco de madeira. Enfim, então era algo nessa... era por aí que a gente brincava.
P/1 - Eu fiquei pensando, pela profissão tanto do seu avô, quanto do seu pai, se tinha alguma história interessante, que eles contaram. Assim, algum “causo” da profissão dele, se tinha e qual foi essa história.
R - Olha, do meu avô eu não tenho lembrança dele ter contado nenhum “causo”. Do meu pai, o meu pai sempre compartilhou com a gente, na época, quando nós éramos crianças, porque o meu pai viveu na vida militar em um momento muito difícil da vida militar, que era o momento da época - isso em 1969, 1970 - dos governos militares. Então, o meu pai, volta e meia, cumpria missões fora de casa. Ele ficava fora de casa durante um bom tempo, em missões voltadas para vida militar. E ele sempre falava isso pra gente. Foi uma época muito difícil. Foi uma época dos governos militares, enfim, de toda essa questão política que o Brasil viveu, né? Então, ele falava muito sobre isso, que era uma coisa bastante ‘puxada’, bastante complexa. Era uma coisa que demandava muito dele. E a minha mãe fala isso. E volta e meia o meu pai saía, ficava até quase um mês fora de casa, a trabalho, a serviço da Aeronáutica, na época. E a minha mãe com os dois filhos, para poder criar, ali, para poder cuidar.
P/1 - E nessa época, ainda na infância, você tinha algum sonho de ser alguma coisa, quando crescesse, ou não passava pela sua cabeça, ainda, você queria ser criança mesmo? Como era?
R - Olha, eu acho, nessa época, eu já convivia bastante com os meus tios. E eu achava interessante ver os meus tios trabalhando. E algumas das minhas tias, na época, nem casadas eram, ainda. Então, os meus tios mais velhos, que foram os primeiros se casando. Então, eu achava bacana ver os meus tios envolvidos com a questão do trabalho. Eu ainda não sabia o que eu queria ser, na época. Mas eu já sabia que, em algum momento, eu teria que escolher uma profissão. Eu sabia, mais ou menos, o que avô fazia, porque a minha avó falava, mestre de rebocador e trabalhava lá na região do cais do porto, lá do Rio. O meu pai como militar, eu tenho alguma lembrança dele como militar e tudo. Eu tenho fotos com o meu pai, ainda ele quanto militar, na época. Mas eu não tinha nenhum grande sonho na minha infância, não. A maior parte do tempo, quando eu não estava na escola, eu estava brincando com os meus primos. Nós, primos, somos muito unidos, porque a gente cresceu junto, a gente cresceu ali. Nós somos mais de vinte primos. Então, nós crescemos no entorno dos meus avós.
P/1 - E onde que você estudou?
R - Eu estudei a minha vida toda em escola pública, na minha infância, que era sempre na região ali, da Baixada Fluminense, Jardim América, Caxias, ali um pouco Parada de Lucas, Vigário Geral, Bonsucesso, Olaria. Então, a minha infância foi toda nesse entorno. Em algum momento, a gente se mudou para Bonsucesso, que ainda é na região ali da Baixada, meio que zona norte do Rio de Janeiro, ali perto de Olaria, onde a gente foi morar num apartamento. Mas era todo naquele entorno. A minha vida toda de estudos foi em escola pública.
P/1 - E como você ia pra escola?
R - Ou a pé, ou de ônibus. A minha mãe colocava a gente no ônibus. Obviamente, quando a minha mãe não levava, quando não era perto de casa, que a gente conseguia ir a pé até a escola, a gente tinha que pegar o ônibus até a escola, enfim, para poder estudar. Como eram escolas públicas, a minha mãe sempre procurava matricular a gente em alguma escola perto de onde nós morávamos, porque a minha família nunca teve carro. O meu pai nunca teve carro. Então, a gente não tinha condições de ir pra escola de transporte particular. Ou era de ônibus, ou era de trem. Ou era, enfim, andando até a escola.
P/1 - E qual era a sua percepção, na época, como criança, do Rio de Janeiro? Como você via o Rio de Janeiro, naquela época? E, também, a Baixada? Como eram, nos ‘olhos de uma criança’, esses lugares, pra você?
R - Naquela época, eu já percebia que nós tínhamos uma diferença com relação às demais pessoas. Então, ir pra praia era um evento. Ir para a praia era a minha mãe preparando todos os filhos, de manhã, para poder pegar o trem, para depois pegar ônibus, para poder chegar até a praia. Então, era como se fosse uma viagem. E eu também percebia que nós não tínhamos acesso a coisas que, eventualmente, os meus primos, que tinham uma situação de vida melhor do que a nossa, tinham acesso. Então, você já sentia que tinha uma diferença social. Quando você mora numa região como o Jardim América, Vigário Geral, Duque de Caxias, enfim, você mora numa região menos favorecida e menos próxima das regiões mais centrais ou das regiões da zona sul. Nem era Barra da Tijuca. Na época era Flamengo. O Flamengo, no Rio de Janeiro, você ir pra praia do Flamengo, no Rio de Janeiro, era um evento social, né? Então, esses eventos sociais aconteciam com pouca frequência, porque a gente não tinha acesso a carro, transporte particular. Então, o meu pai levava a gente à praia do Galeão, na Ilha do Governador. Era uma praia habitável, ainda, você nadava na Ilha do Governador. Ou raramente, quando possível, a gente ia pra praia na zona sul, na praia do Flamengo. Então, eu já tinha essa visão, de que a nossa família tinha uma situação diferente de outras famílias. Por exemplo: os meus pais aproveitavam muito das roupas que eram dos meus primos, que eram dos meus tios, que tinham uma idade parecida. Então, a gente recebia muita roupa como doação. A gente não saía pra comprar roupa. Eu vou falar algo aqui que, eventualmente, você vai falar: “Nossa, o que é isso?” Kichute. O meu pai media os nossos pés, com um barbante, para ir às lojas comprar Kichute. A gente usava Kichute, a gente usava Conga. Coisas que, hoje em dia, eu acho que os jovens nem sabem o que é. Mas ele não levava a gente pra comprar. Ele media, e ele ia na loja e comprava. Ou a gente recebia doação dos meus tios, dos meus primos, enfim, que já tinham usado aquela roupa e a roupa não servia mais, e a gente recebia.
P/1 – E, na escola, tinha alguma matéria ou algum professor ou professora que você gostava mais, que despertava mais o seu interesse?
R - Olha, eu não tenho nenhuma lembrança de um professor, professora ou matéria que eu gostasse mais. As lembranças que eu tenho da minha infância com relação à escola, não eram as melhores, porque eu sempre tive que estudar muito, pra poder acompanhar a turma. A minha mãe era uma pessoa que ajudava. Ela se dedicava muito a reforçar o estudo, em casa. Então, durante a minha infância, eu dei trabalho pra minha mãe, principalmente, com relação aos estudos, porque eu não conseguia acompanhar. E eu acabei sendo muito doutrinado pelas minhas professoras e professores, que nota C, que era a média, “está bom pra você”. Ou seja, eu fui uma criança C, durante muitos anos. Para quem não sabe: A e B, notas altas; C, nota média; D e E, nota baixa. Eu sempre fui uma criança incentivada para ser nota C. Então, isso, pra mim, marcou muito a minha infância, que era, olha, sempre aquele aluno que estava na média. Não era aquele aluno-destaque. Não era aquele aluno: “Olha, o primeiro da turma, ou o destaque da turma”. E aí, eu dava muito trabalho, enfim, pros meus pais. A minha mãe se dedicava muito a passar o tempo do final de semana dele, estudando comigo.
P/1 - E como seguiu a sua formação, depois da escola primária?
R - Olha, uma grande mudança que aconteceu na minha vida, aconteceu quando eu tinha por volta de catorze anos. Como eu falei anteriormente, o meu pai foi militar da Aeronáutica, durante muito tempo e o meu pai, na época, perguntou se eu queria seguir a carreira militar. E aí, num belo dia, conversando com ele, na época nós já morávamos em Caxias, numa casa em Caxias, em um lugar que não tinha saneamento básico. A nossa casa, em frente à casa tinha uma vala negra, que é aquele saneamento que é descoberto. A rua não tinha asfalto. Quando chovia, você tinha que ‘botar’ saco plástico nos pés, para poder sair de casa. Então, esse era o ambiente que a gente morava. Era uma casa com um quintal grande, tinha uma cisterna de água, enfim, mas tinha dois quartos: um quarto do casal e um quarto pros cinco filhos, que dividiam o mesmo quarto. Ou seja, era beliche de ambos os lados e uma cama no meio. Com um único banheiro, na casa inteira. Esse era o ambiente. E, na época, o meu pai virou pra mim e perguntou se eu queria entrar pra vida militar. E eu, com menos de quinze anos de idade, falei: “Eu quero. Quero”. Aí, essa vida militar que ele falava, era para entrar na escola de cadetes da Aeronáutica, para EPCAR, que fica em Barbacena, em Minas Gerais. E aí, aos quinze anos de idade, isso em 1986, eu participei de um concurso. Eu fiz um concurso, como se fosse um vestibular, no Maracanã. A prova era no Maracanã. E eu passei pra Escola de Cadetes da Aeronáutica. E isso aí, pra mim, foi o primeiro diferencial. Primeiro, porque durante o processo de preparação e o meu pai, na época, pagou cursinho, pra mim, aqueles cursinhos preparatórios, eu fiz um curso lá em Cascadura. O Soeiro, que era em Cascadura, em frente à estação do metrô ali de Cascadura, a próxima estação depois da estação de trem Madureira. Tinha coisas que eu nunca tinha visto na escola, que eles davam no curso, que eu nunca tinha visto na minha vida. Matérias que eles, ali, estudavam. E ali eu já percebi que eu não era igual as outras pessoas. Eles tinham uma preparação que eu não tive, porque eles tiveram acesso à uma educação diferente da educação que tive, do ponto de vista de formação técnica. Então, ali já foi o primeiro ‘baque’. Quando eu entrei na vida militar, eu lembro até hoje, a primeira coisa que a gente faz, quando a gente entra na academia, na escola de cadetes, é ficar 45 dias sem voltar pra casa, que é um processo de quarentena. Ali, não tinha mais mãe, não tinha mais pai. Não. Você era um militar. Você acordava de manhã, você se preparava, passava a sua roupa, engraxava o sapato, fazia a barba. E você tinha uma rotina militar muito pesada. Então, ali, a minha vida começou a mudar, porque eu fui agregando conceitos de disciplina, de resiliência e uma formação técnica muito forte, porque nós éramos todos militares. Em trezentos sessenta e cinco cadetes, eu era o septuagésimo segundo. Eu era o 86072. Então, ali, foi o primeiro momento de inflexão na minha vida.
P/1 - E qual foi a sua primeira impressão, quando chegou nessa nova fase da sua vida?
R - Olha, eu posso dizer pra você que a primeira impressão, assim, eu fiquei muito assustado. Porque você dorme, você mora, você acorda em um alojamento com 365 jovens, que saíram de suas casas e que agora vão ter que viver em conjunto durante três anos de formação militar. E eu não tinha recursos financeiros para voltar para o Rio, todo o final de semana. Eu ganhava um soldo de aluno da Aeronáutica e tinha que estudar final de semana sozinho. Não tinha mais pai, não tinha mais mãe. Era você e você. E tinha que aprender a doutrina militar. Não tem reprovação. Ou seja, você não fica reprovado e volta no próximo ano. Você é expulso. Se você ficar reprovado, você é expulso. E a média de notas era muito alta. Então, foi um choque cultural muito grande, porque eu passei a vida toda morando com os meus pais e a minha vida toda ali, em torno da minha família. Eu cheguei a passar seis meses sem voltar ao Rio de Janeiro, porque eu não tinha condições de pagar. E eu morava em Barbacena, numa cidade que é fria. O Rio de Janeiro, imagina um carioca, naquele calor do Rio, indo morar em Barbacena, que é uma cidade fria. Então, na época, fiquei doente, peguei gripe, enfim. Isso aí eu estou falando em 1986, né? Hoje em dia já mudou muito. Então, foi um choque cultural grande, mas foi um momento extremamente importante pra minha vida, porque ajudou a ‘pavimentar’ o que eu sou hoje.
P/1 - E daí, você fazia a escola de cadetes. E o ensino médio, assim, aquele ensino médio mais normal, não existia? Era a escola de cadetes?
R - É incluído. Então, nós tínhamos as matérias normais: Química, Física, Biologia, História, Matemática, tudo junto, igual como se fosse um segundo grau, na vida civil. Adicionado a isso, as doutrinas, as disciplinas militares. Então, eu tinha mecânica de voo. Eu tinha aula de idioma. Eu aprendi a marchar. Eu tinha educação física. Quer dizer, eu tinha uma série de matérias adicionais e eu tinha as matérias normais do segundo grau. E isso era um desafio, porque esses 365 jovens, que foi a quantidade que a minha turma iniciou, eram submetidos a uma rotina de treinamento diário. Então, a gente tinha acampamentos. A gente tinha curso de sobrevivência. A gente tinha várias outras matérias ou várias outras atividades que, eventualmente, um aluno de segundo grau, não tem. E adicionado o fato de não ter reprovação. Uma reprovação significa você ser expulso da vida militar. Então, você precisa conseguir atingir o grau de notas necessário, para poder passar no final do ano.
P/1 - Tem alguma história marcante, dessa época, desses três anos que você ficou lá?
R - Ah, tem algumas. Acho que, pra mim, o período de quarentena foi um dos mais intensos. Eu lembro até hoje, menina. Quando a minha mãe foi me visitar na EPCAR, em Barbacena, logo no final da quarentena, eu estava um ‘palito’, eu tinha emagrecido horrores, porque eu nunca tinha ficado fora de casa. E aí, você comer aquela comida de quartel, eu vou usar esse termo, aquela comida de rancho, que não foi feita pela mamãe, aquilo é um desafio. Porque é aquela panelona de alumínio. Aqui é igual filme. Com aquela colher de madeira gigante. E as pessoas mexendo ali a comida. E você tem que comer aquilo. É ‘o que tem pra hoje’. Isso pra mim, foi uma coisa, assim, que: “Caramba”, né? Outra questão que me marcou muito é o grau de amizade que você forma ali dentro, porque esses 365 jovens moravam, literalmente, juntos, de segunda-feira a sexta-feira. Para aqueles que não estavam de serviço no final de semana, eventualmente poderiam ir para as suas casas. Para aqueles que não tinham recursos, passavam o final de semana dentro do quartel, mas você cria um grau de amizade que sobrevive até hoje. Até hoje, nós nos falamos. Até hoje, nós temos o nosso grupo de comunicação, em que a gente se fala e tem, enfim, contato, tem relacionamento. A grande maioria ainda está ali. Ainda tem encontro de turma. Eu fui agora, há pouco tempo, há mais ou menos um ano, num encontro de turma. A maioria já está aposentado. Então, essa é uma outra coisa marcante: o grau de amizade que você forma. E, por último, que pra mim foi muito bacana, foi o fato de você ter a oportunidade de conhecer outras pessoas. Então, eu morei em Barbacena. Foi aí que eu conheci São João Del Rey. Eu conheci Ouro Preto. Eu conheci Ouro Branco. Eu comecei a conhecer lugares que eu nunca tinha ido na minha vida. Então, foi um momento, pra mim, muito marcante, porque eu nunca tinha saído do Rio. Eu nunca tinha viajado. Eu nunca tinha ido pra um outro lugar. E ali eu estava podendo conhecer outras pessoas.
P/1 - E daí, como foi voltar pro Rio de Janeiro? Se você voltou, né? Como foi esse período, após esses três anos?
R - Não, eu não voltei imediatamente. Depois de três na escola de cadetes, você tem mais quatro anos na Academia da Força Aérea. Então, eu fui aprovado. Em 1988 eu me formei na EPCAR e ingressei na Academia da Força Aérea, que fica em Pirassununga, que é como se fosse uma faculdade. É o curso superior. E ali eu fiquei mais três anos. Você tem matérias normais de uma universidade, de uma faculdade, você faz curso de Administração de Empresas. Então, você tem estatística, econometria, enfim, essas matérias. E você aprende a pilotar um avião. Então, eu, com dezoito anos de idade, mais ou menos... não, quinze, dezesseis, dezessete, é, dezoito anos, dezenove anos de idade, comecei a pilotar um avião. Eu comecei a aprender como pilotar um avião. No mesmo ambiente militar. Num ambiente de disciplina, de ética, com um código de ética muito forte, né? Com uma disciplina muito pesada. E ficou mais desafiador porque Barbacena, Minas Gerais, está a quatro horas do Rio de Janeiro, quatro, cinco horas. Pirassununga está a treze horas do Rio de Janeiro. Então, se eu já não voltava pra casa quando eu estava em Barbacena, em Pirassununga ficou pior ainda. Não tem tanto ônibus assim, de Pirassununga para o Rio de Janeiro. Então, ali, você acaba morando com os seus colegas de turma, numa situação ainda mais complexa, que é você se preparando para ser um piloto militar. E é uma coisa muito bacana, porque você aprende a voar. Você aprende a pilotar um avião. Você tem horas e horas de treino de voo. E pra mim foi um momento, assim, inesquecível na minha vida pessoal, principalmente. Eu lembro a primeira vez que eu decolei com um avião, assim, eu lembro que eu gritava dentro do avião. Eu lembro que o comandante, inclusive, me fez pagar flexão, quando eu pousei o avião: “Porque o aluno ficou dando gritinho dentro do avião”. Porque eu estava emocionado. Eu nunca tinha levantado voo. E eu estava, naquele momento, levantando voo. E eu lembro até hoje, chovia. Chovia e você acelerando aquele motor e o avião decolando naquela pista. Você com dezoito, dezenove anos e um instrutor do seu lado.
P/1 - E qual era o sentimento, naquele dia que você voou?
R - Ah, de conquista. De conquista. Aqui, eu preciso te confessar: quando eu saí da escola de cadetes, que eu fui pra Academia da Força Aérea, e aí, a partir do terceiro ano, você começa a pilotar, o sentimento de vitória já aparece ali, porque de uma turma de 365 cadetes que entraram, na Academia da Força Aérea, não passavam de 200. E ela vai, obviamente, é um ambiente de corte, você vai ali, enfim, tendo processos de seleção, conforme você vai amadurecendo dentro dessa vida militar. E a quantidade de alunos que se formam é muito menor do que a quantidade de alunos que entram, por conta do processo de seleção, que é muito rígido. Então, era muito bacana. Eu adorava. Eu acabei me interessando muito pela leitura. Então, eu fazia parte do clube de leitura. Eu passava finais de semana lendo, né? Que é onde eu conseguia, enfim, dedicar o meu tempo. Não voltava pra casa e ficava lendo. Eu li toda a coleção da Agatha Christie. Então, (risos) todos aqueles livros da Agatha Christie, eu li. E estudando muito, porque ali... se na escola de cadetes, na EPCAR, já era um ambiente de ensino muito ‘puxado’, na Academia da Força Aérea era três vezes mais.
P/1 - Eu ia perguntar, mas você meio que respondeu, o que você fazia e se tinha um momento de lazer e diversão.
R - Tinha. Tinha clube do livro. Tinha clube de xadrez. Tinha aeromodelismo. A Academia da Força Aérea proporciona muitas coisas boas, fora o treinamento militar. Então, tinha várias atividades extracurriculares. Atletismo. As pessoas não sabem, mas dentro da vida militar, dentro da Aeronáutica, o atletismo, todas as atividades físicas são muito valorizadas. Campeonato de judô. Campeonato de natação, de atletismo. Então, pra quem quer fazer atividade, é muito bacana. Eu acabei me dedicando ao clube de leitura, onde eu fazia, ali, coisas de final de semana. E, obviamente, passeando, conhecendo as regiões, ali. Ribeirão Preto, que é linda de morrer, enfim. Porto Ferreira, algo em torno de Pirassununga. E eu fiquei nessa vida durante três anos. E aí, no terceiro ano, no final do terceiro ano, eu resolvi deixar a vida militar e voltar pra vida civil.
P/1 - E o que motivou essa decisão?
R - Tinha uma coisa ali dentro de mim, um incômodo muito grande, que eu vivia com a minha irmã, a minha irmã mais velha, a Monica, na época, já estava trabalhando e já estava estudando. E eu olhava aquela vida fora da vida militar, das pessoas podendo trabalhar, estudar e fazer faculdade e viajar. E vai pro primeiro Rock in Rio. Você tem lá, o primeiro Rock in Rio, que aconteceu nessa época. Então, eu queria ter esse momento. Eu não vivi isso. Eu entrei na vida militar com quinze anos. Eu posso te dizer que eu não tive adolescência completa, porque eu já era militar, quando eu era adolescente. E eu queria também muito, na época, eu via muito falar de mercado financeiro. Então, era a época do overnight, coisa que muita gente nem lembra o era, né? Na época que o mercado financeiro brasileiro ainda tinha a Bolsa de Valores no Rio de Janeiro. Então, era muito diferente do mercado financeiro brasileiro que é hoje em dia. E aí, na época, eu falei assim: “Quer saber de uma coisa? Eu quero sair daqui. Porque eu quero me dedicar à vida civil. Eu quero fazer faculdade. Eu quero começar a trabalhar. Eu quero usar gravata. Eu quero usar terno. Eu quero fazer essas coisas que todo mundo faz. Eu quero também poder votar. Poder, final de semana, viajar, ir pra praia”. E aí eu decidi sair.
P/1 - Antes da gente explorar mais esse lado, que foi depois que você saiu, eu queria saber, se você se lembra o que você fez com o primeiro salário, assim, que você ganhou?
R - Eu guardei na Poupex. (risos) Os militares têm uma poupança chamada Poupex. E eu lembro que, na época, eu não tinha noção de dinheiro. Então, eu tinha muito medo. Como eu morava no Rio de Janeiro, e meus pais não tinham tantas condições financeiras de me ajudar, eu ficava com receio de gastar o meu soldo inteiro. Então, eu abri uma conta, na época. Nem lembro qual era o banco que era, mas tinha uma agência bancária dentro da escola de cadetes, dentro da EPCAR e eu guardei o meu primeiro salário na Poupex. E aí foi quando eu comecei a lidar com o dinheiro. Eu nunca tive cartão de crédito, né? Todos nós adolescentes. E eu não sabia lidar com isso. Meus pais que tinham conta bancária. Meu pai que tinha salário. A gente não tinha salário. Então, eu ficava com receio de não ter dinheiro para chegar até o final do mês. E, pra mim, o mais importante era ter dinheiro para poder viajar, para poder pegar o ônibus e ir para o Rio de Janeiro, onde estava a minha família, onde estavam os meus amigos. Então, a minha primeira experiência foi guardar dinheiro.
P/1 - Me conta um pouco como foi esse momento de voltar. O que aconteceu na sua vida, nesse momento?
R - Olha, eu lembro que a saída foi um trauma. Porque, imagina, eu tinha entrado pra vida militar com quinze anos. E quando eu resolvi sair, eu lembro que eu falei com a minha mãe. Eu conversei com a minha mãe, falei: “Ó, mãe. Eu estou querendo sair, enfim. Eu estou querendo me dedicar à vida civil” etc. Eu tinha receio de falar com o meu pai, porque o meu pai era, é aquele cara muito orgulhoso da vida militar. Eu tenho um outro irmão que é militar, enfim, eu tenho dois irmãos que são militares, além de mim. Então, pro meu pai ia ser uma surpresa, né? Então, ali eu estava, realmente, meio perdido. Então, quando eu voltei para o Rio, eu ainda estava me encontrando. Eu desconhecia... os meus amigos já tinham, todos, os meus amigos de infância já tinham todos sua vida particular, já tinham crescido. Já eram adultos, como eu. Então, eu tentava me encontrar, pra saber muito o que fazer, etc. Pra você ter uma ideia, eu não sabia andar no Centro do Rio de Janeiro. Eu não sabia o que fazer. Eu não sabia andar. Eu não sabia pegar ônibus, pra descer nos pontos de ônibus. A minha irmã, que já trabalhava na época, e a minha mãe, que iam me dando dicas. Então, a saída foi muito traumática. Foi um negócio que eu tive que ter um tempo, pra poder me adaptar.
P/1 - E como foi seguindo? Você entrou na faculdade, ou você começou a trabalhar? Como foi?
R - Olha, primeiro eu entrei na faculdade. E aqui a minha irmã foi fundamental porque, na época, ela me ajudou a fazer curso pré-vestibular, enfim. Ela já trabalhava. Então, ela já tinha condições de ajudar financeiramente. E eu acabei saindo da vida militar. Então, eu não tinha mais dinheiro nenhum. Então, a minha irmã Monica foi uma pessoa fundamental com relação a isso. E aí eu lembro até hoje que eu comecei a fazer cursinho e eu fiz amizade com um rapaz que queria entrar em Contabilidade. E ele até, depois, virou padrinho do meu filho. E aí ele falou assim: “Olha, me ajuda a entrar em Contabilidade, que eu te ajudo a arrumar um emprego”, porque ele conhecia todo mundo. Eu falei: “Cara, maravilha”. E olha só que coisa interessante: eu saí da vida militar com um nível de formação técnica, que eu passei em várias faculdades. Várias. Na UERJ, na UFF, na UFRJ. Passei em particulares. Passei em várias faculdades. Porque o grau de formação educacional na vida militar é muito forte. E aí, quando eu entrei na UERJ, essa pessoa, esse amigo, cumpriu a palavra. E ele me apresentou a contadora da corretora onde ele trabalhava, que era uma corretora ali no Centro do Rio. Que eu até tentei visitar, agora, e ela tinha mudado de endereço, mas era ali no Centro do Rio, na Rua da Alfândega. E a contadora me perguntou assim: “Tá bom. Meu filho, o que você sabe fazer?” Eu falei assim: “Olha, eu sei marchar, bater continência e pilotar avião. É o que eu sei fazer”. E ela virou pra mim e falou assim: “Olha, não tem muito o que você fazer aqui. A gente está numa corretora de títulos e valores imobiliários. Não tem avião pra você pilotar. Não tem...”. Mas na época, ela me deu a oportunidade de entrar na corretora. Eu entrei no almoxarifado. Eu entrei ali, como office-boy. Trabalhava no almoxarifado, na época. E ela falou assim: “Olha, eu vou te contratar, mas você não vai ser efetivado. Você vai ajudar no almoxarifado. Vai ajudar a fazer o arquivo morto. Vai ajudar com essas coisas. Mas você não entende de contabilidade, ainda. Você acabou de entrar na faculdade, enfim. E aqui não tem muito o que fazer”. E ali foi o primeiro momento, pra mim, que foi importante, que foi: mesmo eu não tendo a formação técnica necessária, essa contadora me deu a oportunidade de entrar ali. E eu comecei a trabalhar. E comecei a trabalhar perto da equipe de contabilidade. E comecei a aprender com eles, a fazer contabilidade. Comecei a me dedicar. Eu era o primeiro a chegar, o último a sair. E comecei a me dedicar a aprender. Então, foi o meu início na minha vida profissional.
P/1 - E o que mudou, quando você ingressou na UERJ? O que você estava sentindo? Como foi esse período, pra você, na UERJ?
R - Olha, primeiro, que eu tive que me acostumar ao fato de que eu não estava mais dentro de um ambiente militar. Eu estava numa universidade, no Rio de Janeiro, no Maracanã, do lado de Vila Isabel, ali. Então, assim, (risos) era um ambiente muito diferente do ambiente que eu estava acostumado. Então, isso, pra mim, foi uma questão que eu tive que me adaptar, na época. Uma outra coisa é que você tem uma riqueza de informações que você tem acesso em uma universidade pública, que você não tem numa escola militar. Ali, você tem pessoas de várias vertentes, com várias visões diferentes, professores com diferentes formações. Então, pra mim, foi uma troca muito bacana. E eu absorvi muita coisa legal. Fiz várias amizades ali, na universidade e tudo. E o desafio era estudar e trabalhar ao mesmo tempo. Eu continuava morando, na época, com os meus pais. Então, eu tinha que ir pra UERJ de trem. Então, eu tinha que pegar o trem. Eu morava na Gramacho, com os meus pais, que é a última estação de trem, antes de você ir pra Guapimirim. E eu pegava o trem pra ir pra universidade, pra voltar da universidade. Quer dizer: eu saía de casa cedo, pra trabalhar. Trabalhava ali no Centro da cidade, no Rio de Janeiro. Então, pegava trem, pegava ônibus. Ou descia do trem e ia andando. Descia na Central do Brasil e ia andando até a Rio Branco e voltava de trem, à noite. Então, era desafiador. Não era algo simples. Gerava um cansaço.
P/1 - E nessa época que você já tinha saído da vida militar, o que você fazia, pra se divertir? Como é que estava a sua vida, assim, pessoal, nessa época? Além de ter que conciliar o trabalho e os estudos.
R - Olha, eu comecei, a partir desse momento, a passear no final de semana. Saía com os meus tios, que tinham uma idade próxima da minha, ali. Não saía muito com os meus irmãos, porque a minha irmã mais velha tinha outras amizades, enfim. Saía mais com os meus primos, com os meus amigos. Eu fiz muitos amigos na rua onde eu morava, em Caxias. Então, a gente tinha um círculo de amizades. A gente ia pra praia, final de semana, juntos. Pegava um ônibus, descia na Central do Brasil, pegava um outro ônibus para ir até a praia, enfim. Mas a gente ia para a praia, final de semana. A gente ia no famoso baile, que tinha aquele baile de charme. Eu não sei se todo mundo sabe o que é, mas tinha baile de charme, na época. Então, quando você tem acesso a salário, você tem dinheiro, você acaba começando a fazer coisas que você não faz quando você não tem esse tipo de acesso. E a gente começou, também, a dar um pouco mais de conforto pros nossos pais, né? Então, comprando um som, comprando uma televisão, comprando um videocassete. Então, você alugava fita-cassete, pra poder ver no final de semana. Então, você começa a ter coisas dentro de casa, que antigamente você não tinha. Porque agora já tinha eu trabalhando, tinha a minha irmã trabalhando, tinha o meu pai trabalhando. Enfim, eram três pessoas trabalhando ali, ajudando a família a ‘tocar’ o dia a dia.
P/1 - E tem alguma memória da UERJ que você lembra com carinho? Algum momento marcante, lá dentro?
R - Olha, dentro da UERJ, do período que eu passei lá, pra mim, os momentos mais marcantes, foi minha formatura, né? Quando eu, finalmente, me formei, enfim, consegui me graduar. E uma coisa curiosa: eu, na época que estudava na UERJ, em algum momento, eu tive aula com um artista da Rede Globo, que fazia UERJ junto comigo, na época. Ele era um artista iniciante, ainda. E era engraçado você estudar numa sala de aula que tinha um artista, já começando a ganhar nome, enfim, já começando a ganhar fama. E a gente estudava junto, na época. E eu lembro de um episódio, ali, fazendo provas, estudando junto, em que a gente chegou a se falar. Mas são as questões que eu me lembro com mais carinho, da época da universidade.
P/1 - E como foi o seu primeiro dia de trabalho?
R - Olha, o primeiro dia de trabalho, eu estava tão nervoso quanto no primeiro dia que eu entrei na escola militar. Eu nunca tinha trabalhado. Eu não sabia nem qual era a vestimenta correta. Eu não sabia nem o que fazer ou como me comportar, enfim. Levava marmita e essas coisas que você tem, quando começa a trabalhar. E é uma coisa curiosa, porque era uma corretora não tão grande, tinha por volta de uns cento e poucos funcionários, na época, e a gente tinha um ambiente muito dinâmico de mesas de operações, com aquelas pessoas fazendo trading e ligando pra Bolsa de Valores do Rio de Janeiro, pra poder fazer as operações acontecerem, ligando para Bolsa de Valores de São Paulo. Então, pra mim, aquilo foi um choque, assim, foi um negócio: “Nossa!” Imagina você pegar um jovem que saiu da vida militar durante anos, e colocá-lo num ambiente - uma corretora, enfim - de mercado financeiro ‘borbulhando, fervendo’. Então, no início, eu fiquei bastante retraído. No início, foi... até eu conseguir... esse amigo, na época, me ajudou muito, até pra eu poder ‘navegar’ dentro da vida profissional, porque eu não estava acostumado. Durante muitos anos eu fui militar. Então, o ambiente é diferente. Mas, graças a Deus, eu consegui, na época, ‘navegar’. E uma coisa que também era interessante, era essa questão de sair para almoçar com os amigos. Então, você saía para almoçar ali no Centro do Rio. Você ia lá nos restaurantes, almoçar. Isso também era muito diferente. Era algo assim: “Cara, você não está acostumado com isso”.
P/1 - E qual foi a sua experiência seguinte, de trabalho?
R - Bom, eu fiquei nessa corretora durante cinco anos, mais ou menos, e tive o apoio de várias pessoas, ali dentro. Inclusive, o superintendente da corretora, que era um ex-militar também, me apoiou muito, na época. E aí, em algum momento, eu falei assim: “Olha...”. Eu comecei a pensar e ali já vinha aquela inquietude. Lembra daquela inquietude que me levou a mudar da vida militar para a vida civil etc.? Que era: “Tá bom. Pra onde eu vou agora? Qual é o meu próximo espaço?” E aí, na época, eu conhecia uma pessoa que trabalhava no Banco Boavista Interatlântico, que era ali no Centro do Rio, do lado de um prédio gigante do Bradesco. E essa pessoa me levou pro Banco Boavista Interatlântico e ali eu tive contato com outros profissionais. E foi onde que eu conheci o primeiro gerente negro, que é um grande amigo, enfim. Inclusive, trabalhou comigo em outras organizações do mercado financeiro. Inclusive, o levei pra São Paulo, na época. Esse foi o primeiro gerente negro que eu conheci. E ele trabalhava junto com a gente, ali, na área operacional. Eu sempre trabalhei nas áreas operacionais. E eu fiquei nessa organização durante um bom tempo. Aprendi muito. Trabalhava, enfim, junto com outras pessoas, em que aprendi bastante. E ali eu tive a oportunidade de migrar, depois, para uma outra organização, que era uma organização ligada ao banco Bank of America. Então, eu comecei a ter o meu primeiro contato com o mundo de investidores não-brasileiros. O primeiro contato com uma empresa não cem por cento brasileira. O primeiro contato com o idioma inglês. Então, também foi uma pessoa que me contratou que, mesmo sabendo que eu não falava inglês, na época, falou assim: “Olha, eu vou te dar a oportunidade”. Olha como essa questão da oportunidade é importante, né? A contadora me deu a oportunidade de entrar na corretora. Aí eu saí da corretora, depois de cinco anos, superfeliz. Trabalhamos muito e eu cresci bastante ali dentro. Depois trabalhei no Banco Boavista Interatlântico por, mais ou menos, dois anos. Depois do Banco Boavista, migrei pro Banco Liberal, que era uma empresa do Bank of America, na época, ali no Centro do Rio, ainda. E entrei para trabalhar numa área voltada para investidores não-brasileiros, onde eu não falava inglês. E, mesmo assim, essa pessoa que, na época, era nossa gestora, falou assim: “Não, eu vou te dar uma oportunidade. Você entra com a gente, aqui. E você vai aprender a falar inglês. Você vai se dedicar, vai fazer o seu curso, pra poder falar inglês”. Então, ali, eu fiquei também durante mais um período. E foi onde eu comecei a ter contato com investidores não-residentes, com o idioma inglês, enfim. E que me levou a crescer na minha carreira.
P/1 – Gilberto, e pensando assim, em toda a sua trajetória profissional, até a empresa que você está hoje, eu queria que você pensasse, assim, em três momentos que foram três experiências-chave, durante a sua trajetória profissional, até chegar à empresa que você está trabalhando hoje.
R - Olha, eu diria que tem três momentos na minha carreira que são momentos, na minha vida profissional, extremamente importantes. Um foi quando eu decidi mudar do Rio para São Paulo. No ano 2000. Em 2000, eu tinha muito contato com um grande banco brasileiro, que fica em São Paulo. E aí eu conheci as pessoas que trabalhavam lá. E esse banco brasileiro me convidou pra migrar do Rio pra São Paulo. Eu já achava, na época, que o mercado financeiro carioca estava sofrendo vários desafios. E, na época, eu falei pra minha esposa: “Olha, vamos sair daqui. Vamos morar em São Paulo”. Eu nunca tinha morado fora do Rio de Janeiro. Então, foi uma experiência assim: eu adorava andar na Paulista pra lá e pra cá, o dia todo. Achava aquilo lindo, enfim. Achava muito bacana aquelas pessoas usando terno e gravata. No Rio de Janeiro, com quarenta graus, você não vê tanta gente de terno e gravata, então eu achava aquilo maravilhoso. E esse banco foi muito importante na minha vida profissional, porque esse banco me deu uma oportunidade gigante de crescimento, de virar gestor de pessoas. Foi a primeira vez que eu fiz gestão de pessoas. E aí, essa oportunidade mudou a minha carreira. Então, essa ida pra São Paulo foi um momento muito importante. O outro momento importante foi o momento em que eu comecei a trabalhar numa área voltada para o lado internacional. E aí, eu comecei a ter contatos com bancos fora do mercado brasileiro. E aquilo me despertou muito o interesse de viajar e de conhecer outras culturas. Então, eu já era gestor, já tinha uma carreira consolidada dentro desse banco. Eu trabalhei nesse banco durante, mais ou menos, treze anos. Então, eu já tinha uma carreira consolidada, ali. E aí eu tive a oportunidade de ter contato com a área internacional. E eu falei assim: “Cara, eu quero trabalhar num banco global”. Ali, eu já tinha colocado na minha cabeça que eu queria ter a oportunidade de trabalhar num banco não-brasileiro, pela diferença cultural, que era muito grande. Aí foi quando veio a oportunidade de migrar para o banco que eu estou atualmente, que é um grande banco americano. É um dos maiores bancos americanos. E foi quando eu tive a primeira oportunidade de ter contato direto com o não-brasileiro. Uma coisa é você trabalhar em um banco brasileiro e ter contato com escritórios de bancos não brasileiros. Outra coisa é você trabalhar num banco global, em que o seu colega de trabalho pode ser um não-brasileiro. Eu lembro até hoje, uma das primeiras semanas que eu estava nesse banco, estava no Brasil uma equipe de tecnologia, um indiano dessa equipe de tecnologia, que é um grande amigo, trabalha até hoje no mesmo banco que eu, começou a falar comigo. Eu olhava assim: “Meu Jesus amado! Gente do céu, eu não estou entendendo nada”. Porque você estuda inglês a vida toda, mas não necessariamente, você está preparado para aquela convivência ali, no dia a dia. Você está preparado para responder perguntas, enfim, responder e-mails. Mas as pessoas interagem! O desafio é a interação. E aquilo foi um choque, pra mim. Eu falei assim: “Cara, eu não falo inglês. Eu estudei inglês a minha vida toda e eu não falo, porque o problema não é falar. O problema é ele perguntar”. E ele perguntava. E aí foi quando eu decidi fazer intercâmbio. Passei um mês em Boston, estudando inglês, apoiado por esse banco, enfim, que eu estou até hoje. Então, esses são momentos na minha vida que foram marcantes. Porque, a partir do momento que eu entrei nesse grande banco brasileiro em São Paulo, eu comecei a formar o que eu sou hoje, como líder; o que eu sou hoje, como gestor; o que eu sou hoje, né, como liderança nas organizações. Foi exatamente tendo a oportunidade de fazer gestão de pessoas, de ter áreas maiores, de me envolver em projetos não somente dentro do mundo do mercado brasileiro, mas também fora do mercado brasileiro. Enfim, esses foram os três momentos que, pra mim, definiram muito de como eu sou, hoje em dia.
P/1 - Antes da gente entrar na sua experiência atual, eu queria saber qual foi a primeira impressão sua, ao chegar em São Paulo e como foi essa mudança.
R - Olha, primeiro que eu não sei se isso é uma questão que, hoje em dia, ainda é assim, mas o carioca e o paulista são diferentes. Os cariocas e os paulistas, eu diria que têm uma maneira de olhar as coisas diferente. Então, na época, eu trabalhava no mercado carioca durante muito tempo. O carioca é mais ‘descolado’, é mais brincalhão, enfim. Todos trabalham da mesma forma, mas têm uma maneira de abordar os assuntos, que é diferente da maneira do paulista. O paulista já é mais sério, já é mais, ali, ‘fechado’, já tem um círculo de amizades mais restrito. São pessoas maravilhosas, mas você demora a se integrar no mundo, a fazer amizade com as pessoas, em São Paulo. No Rio, você conhece a pessoa agora, a pessoa: “Vai lá em casa”. Ela não te fala onde é a casa, mas ela chama você para ir à casa dela. Então, assim, caramba, né? Então, enfim, essa diferença cultural aparece. E pra mim foi, inclusive, uma questão que eu tive que me adaptar. Depois que você faz amizade com as pessoas... morei em São Paulo durante vinte anos, antes de mudar de país. Mas, no início, você tem que se adaptar, porque você tem que conquistar e fazer aquele círculo de amizades com as pessoas. E, obviamente, a temperatura. Uma coisa é você morar no Rio, perto da praia, você vai e outra coisa é você em São Paulo, ter que descer a serra, pra poder ir pra praia. Não é a mesma coisa. Então, essas diferenças acabam aparecendo. Na época, não tinha essa facilidade de avião que tem hoje em dia. Na época, você pegava aquele ônibus leito da 1001, que ia cheio de carioca de São Paulo pro Rio, passar o final de semana. E a cariocada, depois, voltava no domingo à noite. Mas é bacana, interessante.
P/1 - E a experiência em Boston, como foi?
R - Olha, esse, com certeza, é um dos momentos mais marcantes da minha vida. Na época, eu estava com filho pequeno e eu entrei nesse banco americano. E eu sabia que o inglês era muito importante e eu percebi que eu tinha dificuldade. Eu não tinha a mesma velocidade, a mesma capacidade de comunicação que as pessoas que estavam ali. E eu conversei com a minha esposa, na época, que me apoiou super. E falei assim: “Olha, eu preciso fazer um intercâmbio”. Eu sempre estudei inglês, mas nunca usei o inglês. Uma coisa é você estudar. Outra coisa é você usar no dia a dia, e usar, principalmente, fora do ambiente de trabalho. Porque no ambiente de trabalho, você tem um vocabulário ali, meio parecido, você consegue ‘navegar’ bem, mas usar fora disso é diferente. Eu nunca tinha saído de casa para morar fora. E aí, através da escola de idiomas que eu estava fazendo, na época, eu fui morar em Boston. Fiquei numa casa de família. Uma família de poloneses, que morava em Boston há 45 anos. O pai, o filho e a nora falavam inglês, mas a mãe não falava tanto. Então, ela falava mais polonês. E eu escolhi ficar numa casa de família, porque eu queria ficar num ambiente que eu pudesse trocar com as pessoas, que eu pudesse falar com as pessoas. E durante um mês eu tinha aula de inglês todo dia de manhã, até umas quatro horas da tarde. Eu viajei com um amigo meu que trabalhava comigo, na época, enfim, a gente viajou junto e foi uma experiência marcante, porque ali você aprende não só o idioma, mas como conviver com outras culturas. A questão cultural, as pessoas acham que não, mas o inglês não é só gramática, não é só pronúncia. É, muito, cultura. A cultura está incluída no idioma. Então, você aprender o idioma, passa por aprender também o lado cultural. E eu lembro que, na época, eu passava o final de semana estudando. Eu ia pra Harvard, sentava lá no bosque. Harvard tem um bosque lindo, lindo. E eu ficava vendo aqueles jovens indianos, asiáticos, latino-americanos, estudando junto e falando inglês. Eu falava: “Gente, olha que ambiente maravilhoso!” Essa questão cultural, essa gama de pensamentos diferentes, isso muda você. E isso mudou como eu era. Quando eu voltei pro Brasil, eu já era outra pessoa.
P/1 - Qual cargo e qual função você entrou no JP Morgan, quando você começou e qual você está agora? Quais foram os cargos?
R - Quando eu entrei, quando eu iniciei, eu trabalhava na área de operações, uma função de backoffice, uma função operacional. Eu tinha um cargo de coordenador, na época. De gerente, na época. E eu respondia pra um outro brasileiro, que era brasileiro, mas já morava fora do Brasil há muito tempo. E é essa pessoa que me contratou. E é uma coisa interessante, porque eu saí do Banco Itaú, que é o banco que eu trabalhei anteriormente, num cargo maior, com uma equipe maior. Eu entrei no JP Morgan, em um cargo semelhante, mas com uma equipe bem menor. Eu saí de uma equipe de quase setenta pessoas, para uma equipe de três pessoas. Então, você pergunta assim: “Caramba, você vai fazer essa troca?” Mas qual foi o racional? Que é uma coisa que, pra mim, eu nunca perdi, do meu radar? Eu queria ter uma experiência internacional. Então, eu saí de um banco, de um dos maiores bancos brasileiros, para trabalhar num dos maiores bancos globais. E eu fiz isso porque eu queria, em algum momento, ter uma experiência internacional. E isso nunca saiu do meu radar. Porque o JP Morgan é uma ‘janela’ para o mundo. O banco está, literalmente, presente em quase todos os países. Então, isso, pra mim, foi alimentando a minha estratégia profissional. Então, eu fui crescendo dentro do banco. Em algum momento eu assumi a área de operações do Private, no mercado brasileiro. Um pouco depois, eu assumi a área de operações do Private pro Brasil e para o México. E recentemente eu assumi a área de operações para América Latina, sediada aqui nos Estados Unidos.
P/1 - E como funciona o seu trabalho, hoje em dia?
R - Olha, hoje em dia é um trabalho muito de relacionamento. Então, eu e a minha equipe, nós trabalhamos o tempo todo dando suporte ao business do Private pra América Latina. Interagindo muito fortemente com as equipes de operação do Private nos Estados Unidos, que são as pessoas que provêem o serviço no final do dia. E a gente constrói, trabalha muito, governança, relacionamento, métricas, indicadores, enfim. Então, hoje é um trabalho muito de coordenação e de suporte nessa prestação de serviço. E é uma coisa muito bacana, porque esse novo trabalho me dá a oportunidade de interagir com pessoas nos Estados Unidos, na Europa, na Índia, em Filipinas. Enfim, eu interajo com tantas pessoas que, pra mim, hoje, durante o dia a dia, às vezes eu tenho mais facilidade em falar inglês, do que português. Porque a minha equipe não tem brasileiro, eu sou o único brasileiro, então não falam português, falam o espanhol, que é uma coisa interessante. Nos Estados Unidos, você tem várias pessoas que conseguem falar espanhol. Então, falam espanhol e falam inglês. Então, eu interajo em inglês o dia todo e falo português quando eu chego em casa ou quando tenho alguma oportunidade de falar com outras pessoas, como está sendo hoje em dia. E a questão cultural, assim, é muito bonito, é muito lindo você poder conversar com pessoas de diferentes culturas. Você fala com a equipe que está em Singapura, é uma coisa. Você fala com a equipe que está em Genebra, é uma outra coisa. Você fala com a equipe que está em Edimburgo, é uma outra coisa. Você fala com a equipe que está no Brasil... então, as reações são diferentes. Mesmo na América Latina. Os mexicanos agem de uma forma. Os argentinos, brasileiros, e colombianos, e venezuelanos agem de uma outra forma. Então, essa diversidade é muito bacana. E é muito importante, pra mim. Hoje em dia é uma coisa que eu aprecio muito, poder trabalhar num ambiente diverso, num ambiente culturalmente diverso. Num ambiente em que você vai ter diferentes opiniões e diferentes mindsets, diferentes formas de pensar pro mesmo assunto.
P/1 - Gilberto, eu queria que você contasse um pouco como foi esse convite e essa mudança para fora do Brasil.
R - Olha, acho que a primeira coisa que eu tenho que reconhecer aqui é que eu sou uma pessoa privilegiada. Eu tenho o privilégio de ter trabalhado com líderes que me apoiaram na minha carreira, a minha vida toda. E líderes não-negros. Desde o Banco Itaú, até hoje, eu trabalho com uma sequência de líderes, primeiro, extremamente estratégicos, e pessoas, assim, com uma liderança muito forte, muito presente. E todos são apoiadores. Então, todos esses líderes me apoiaram na minha trajetória profissional, até hoje. E até hoje eu trabalho com líderes maravilhosos. Segundo, eu sempre fui muito vocal. Então, eu sempre deixei muito claro o meu desejo de morar fora do Brasil. A primeira vaga para a qual eu concorri, era em Singapura. Sabe o que é você morar em... você sai do Brasil, vai morar em Singapura? Dezessete horas de fuso horário, a diferença. Essa foi a primeira vaga interna que eu concorri. E as pessoas falavam assim: “Cara, você vai morar em Singapura?” Eu falei: “Vou. Não, contanto que a minha esposa queira também, né? Porque nós temos uma família”. E aí eu lembro que eu passei nesse processo, enfim, participei desse processo. Aí, depois, eu participei de outro processo interno. E é bacana quando você vê que a empresa abre a oportunidade de você participar em processos internos, pra que você se junte a equipes fora do seu país de origem. Aí participei de um processo pra trabalhar, na época, em Londres. E aí, depois, veio esse processo nos Estados Unidos, porque tinha um processo, me abriram uma oportunidade de ir pra Filipinas, mas aí eu falei com a minha esposa, ela falou assim: “Ai, Filipinas, não, vai. Vamos pra...”. E aí o meu gestor - ó como o gestor é importante - falou assim, pra mim: “Olha, cara, tem uma oportunidade nos Estados Unidos. Você tem interesse?” Eu falei: “Fechou”. Ele: “Você não quer falar com...”. Olha a preocupação dele: “Você não quer primeiro falar com a tua esposa, pra depois você falar se fechou ou não?” Eu falei: “Cara, ela vai adorar morar nos Estados Unidos. Vai ser uma oportunidade única. Eu tenho filhos. Eu tenho um filho pequeno, de dez anos”, enfim. Aí veio essa oportunidade de me juntar à equipe do Private, aqui nos Estados Unidos.
P/1 - Gilberto, e pensando desde que você entrou, assim, no mercado de trabalho voltado pro setor financeiro, até hoje, como você enxerga essa questão da Diversidade? Você acha que aumentou? Como está sendo abordado esse assunto, dentro das empresas do mercado financeiro?
R - Olha, aqui, se nós voltarmos pra 1993, quando eu entrei no mercado financeiro, não existia Diversidade e Inclusão, né? Esse não era um tema que as pessoas falavam, na época. Não era pauta. Eu falo até hoje, é uma coisa impensável, mas na época que eu entrei no mercado financeiro, as pessoas fumavam na mesa de operações. Sabe o que é você trabalhar num ambiente de trabalho, em que as pessoas fumam, dentro do ambiente de trabalho? As pessoas fumavam, fumavam dentro do escritório. Coisa que, se você falar, hoje em dia, ninguém acredita que existia. Então, o tema Diversidade e Inclusão, não era um tema presente. Na corretora que eu trabalhava, só tinham três pessoas negras: eu e mais duas. E todas as pessoas que existiam, na época, todos os três eram pessoas que não trabalhavam em cargos de liderança. Então, esse era o ambiente de trabalho da época. Piadas homofóbicas, racistas, machistas, e assim vai, sexistas, eram comuns no ambiente de trabalho, em geral, na época. Não especificamente do lugar A, B, C, mas em geral, era comum isso aí. A primeira agenda que teve, que começou essa discussão, foi a agenda de gênero. E nem era ter mulheres em cargos de liderança, era ter mulheres no ambiente de trabalho. O ambiente de trabalho era um ambiente extremamente difícil para as mulheres. Existia o absurdo de a mulher ser perguntada se estava grávida. E você poderia não ser contratada, por estar grávida. Então, tinha uma discussão muito grande do CEP onde você morava: “Dependendo do bairro que você mora e a quantidade do vale-transporte...” - que é uma coisa que muita gente nunca viu - “... que você vai ter que receber, você não vai ser contratado”. Então, esse ambiente que eu iniciei era um ambiente pouquíssimo diverso e pouquíssimo voltado para esse tema. O mercado foi evoluindo ao longo dos anos. Então, pauta de gênero. Logo depois da pauta de gênero, veio a pauta LGBT que, na época, era mais voltada para a população gay. Logo depois veio a pauta de pessoas com deficiência. E aí, depois, por último, veio a pauta racial. E a razão por que a pauta racial veio por último, é porque a gente conviveu com a “democracia racial” durante anos. Em que em um país que ninguém se reconhecia como racista, tinha racismo. Até hoje, vários brasileiros não entendem que o Brasil é um país racista. Eles entendem que o Brasil é um país democrático, com um problema social. Falam assim: “Ah, não. O problema aqui é social, não é racismo”. Só que as pessoas se esquecem que o problema social teve como origem exatamente as atitudes que nós tomamos durante a Abolição da escravatura, em que as pessoas negras receberam a Abolição, receberam a alforria, sem emprego e sem terra. Foram parar onde? Nos morros. Daí onde vem que as comunidades carentes, em sua grande maioria, são compostas por pessoas negras. Então, esse arcabouço histórico, a sociedade não levou em consideração, ao falar sobre o racismo. E aí, muitas pessoas entendem que é um problema social. Então, a nossa sociedade foi evoluindo ao longo dos anos. E aí eu lembro como se fosse hoje: um dos primeiros projetos foi ter jovens-aprendizes negros nas organizações. Olha onde que nós iniciamos! Era dar oportunidade a jovens que estudavam no ensino médio, pra entrar nas empresas, para um programa de oportunidades para jovens negros. E as pessoas olhavam aqueles jovens negros, e pra elas, elas estavam fazendo um favor: “Eu estou trazendo esse jovem aqui, que não tem preparação, pra entrar na empresa, sabendo que ele não vai virar nem estagiário”. Ele ou ela. Então, esse foi o nosso início como sociedade. Esse foi o nosso início como mercado financeiro. E, obviamente, a gente foi evoluindo ao longo dos anos. Eu já tive o desprazer de sofrer piada racista. De ser chamado de “fumaça”. De ser chamado de “negão”. Como vi outras pessoas sendo chamadas assim, também. Coisa que, hoje em dia, é impensável. Não se existia política de combate à discriminação, na época. Começamos com os códigos de ética de conduta, em que assédio sexual era banido. E a gente foi evoluindo, até chegar a qualquer tipo de discriminação: racial, raça, gênero, orientação sexual, foram abolidas das empresas. Você, hoje em dia, tem políticas claras de combate à discriminação. A gente veio evoluindo ao longo do tempo, até chegar no momento em que a gente começou a trabalhar o letramento racial. Os primeiros treinamentos que vieram, foram treinamentos de viés inconsciente, para as pessoas entenderem que elas tinham um problema de viés. Todo mundo tem viés. Então, a indústria financeira vem caminhando ao longo dos anos. E hoje nós já temos programas de ações afirmativas, nas várias organizações do mercado financeiro. Você tem um papel muito importante dos representantes de mercado como B3, como a ANBIMA, como a FEBRABAN, ‘puxando’ a agenda de Diversidade e Inclusão. Fazendo ações específicas de formação de profissionais para o mercado financeiro: mulheres, pessoas negras, pessoas com deficiência, pessoas LGBT. Você já começa a ver as organizações falando sobre encarreiramento. Não é só trazer a pessoa. Lembra? Eu saía de casa, pegava trem, descia na Central do Brasil... vamos andar um pouco antes? Saía de Gramacho, descia na estação do metrô de São Cristóvão, em São Cristóvão eu pegava o trem pra Central do Brasil. Da Central do Brasil, eu ia a pé até a corretora. E, mesmo assim, eu era o primeiro funcionário a chegar na corretora. Então, não tem como comparar a minha realidade, com a realidade de uma pessoa que mora na zona sul. Não é igual. Então, essas diferenças começaram a ser reconhecidas pelas organizações do mercado financeiro. E essas organizações começaram, a partir de algum momento, a tomar ações para combater essa desigualdade, onde foram criados grupos de afinidades, onde foram criadas ações afirmativas. Então, hoje em dia, o mercado evoluiu muito e você vê um mercado mais maduro. Ainda pouco diverso, se você olhar vis-à-vis, a população brasileira, mas mais maduro e mais atuante. Mais protagonista com relação à questão da Diversidade e Inclusão racial e de gênero, que tem sido, eu diria, as duas prioridades. E de uma forma muito positiva, eu vejo, hoje, as organizações que representam a indústria: B3, FEBRABAN, ANBIMA, atuantes nessa agenda: ‘puxando’ a agenda, ajudando na formação técnica, ajudando na empregabilidade e, principalmente, atuando pelo exemplo. Então, isso, pra mim, é um momento de inflexão, em que o mercado está dando o próximo salto.
P/1 - Gilberto, eu queria saber, se você se sentir confortável, também, se você sofreu algum caso de racismo ou alguma discriminação social, durante a sua estadia no mercado financeiro?
R - Eu nunca sofri discriminação dentro das empresas que eu trabalhei. Em nenhuma delas, tá? Em nenhum momento, dentro do mercado financeiro, eu tive essa experiência ruim. O que eu já passei, mais de uma vez, infelizmente, foi por situações de discriminação, no ambiente da sociedade. Então, eu já fui confundido com manobrista. Eu, de terno e gravata, na Faria Lima, perto de um grande restaurante ali, na região da Faria Lima, e a pessoa entregou a chave do carro, para que eu pudesse estacionar. Eu já fui confundido com segurança. Tem um shopping famoso, ali na região da Faria Lima, que eu ia pra esse shopping. Eu sou uma pessoa clássica. Então, os meus ternos são todos clássicos: azul marinho, terno preto, terno cinza escuro. Então, eu dentro desse shopping, já fui confundido com segurança, mais de uma vez. Então, infelizmente, por conta da questão de criação, de formação, de mindset, as pessoas associam um homem negro ao segurança. Elas não vão saber que aquele homem negro é diretor de um banco americano. Elas vão falar o seguinte: “Aquele homem negro de terno é o segurança, aquele homem negro de terno é o manobrista, aquele homem negro de terno é um motorista de aplicativo, ele não trabalha no Private Bank de um dos maiores bancos americanos”. Então, isso eu já passei mais de uma vez. Eu já fui confundido com ascensorista. Da pessoa entrar no elevador, olhar pra todo mundo e pedir: “Você aperta pra mim o andar A, B, C e D?”, entendeu? Então, essa questão é uma questão que vai demorar a mudar, porque passa muito por mudar o inconsciente das pessoas. Passa muito por trabalhar o mindset das pessoas, para que elas desconstruam a imagem que elas possuem das pessoas negras e construam uma imagem nova.
P/1 - Eu queria saber se você participa de grupos de afinidade e como eles funcionam, dentro da empresa em que você trabalha.
R - Eu participo, sim. E hoje em dia eu tenho uma oportunidade única de participar de grupos de afinidade, no mercado brasileiro, no mercado americano e no mercado internacional, que é uma coisa muito interessante. A questão racial tem diferentes formas, diferentes nuances, dependendo da região em que você está. Então, a questão racial no Brasil é uma; a questão racial nos Estados Unidos é outra e a questão racial no mundo internacional, muito voltado ao mundo europeu, é outra. São três realidades totalmente distintas. Então, hoje em dia, eu tenho a oportunidade de participar desses grupos de afinidade, nessas diferentes regiões. O que, pra mim, tem sido muito rico. Porque aí você vê que as questões, você tem problemas em comum. E você vê, eventualmente, por exemplo, o Estados Unidos, avançado com relação a algumas pautas e com relação a outros países. Porque você vê que, aqui nos Estados Unidos, a questão racial já vem sendo discutida há mais tempo. Então, sim, eu participo. E esses grupos são super importantes, porque eles mantêm a agenda de letramento muito viva. Então, por exemplo, o grupo de afinidades que eu participo no mercado brasileiro, já distribuiu o livro da Djamila Ribeiro, pro banco inteiro, o Pequeno Manual Antirracista, que é um dos melhores livros que eu já li em toda a minha vida. Já trouxe palestrantes de dentro, de fora, pessoas famosas, pessoas não-famosas, para conversar sobre a pauta racial, pessoas não-negras. Então, essa diversidade, esse ambiente mais propício ao diálogo, ajuda muito. Então, ter grupos de afinidade é fundamental. O grupo de afinidade, sozinho, não resolve o problema. Então, por exemplo, aqui nos Estados Unidos, onde eu estou atualmente, o episódio da morte do George Floyd marcou muito aqui, o mundo americano. E até hoje os grupos de afinidades trabalham muito esse tema, que é o tema da violência contra a população negra. Uma coisa que aqui nos Estados Unidos é muito forte, é a questão da formação. Você tem várias universidades voltadas para pessoas negras. Já na Europa, você vê muito a questão dos imigrantes e das mulheres negras. Então, você vê diferentes ações, dependendo da região, em que o grupo de afinidade tem esse papel importante, de trabalhar essas particularidades de cada região.
P/1 - E o que você acha que é necessário para que outras mulheres, pessoas negras, pessoas com deficiência, pessoas LGBTQIA+, alcancem cargos de liderança, assim como você, hoje, está?
R - Olha, na minha concepção, tem alguns pontos que nós precisamos olhar, enquanto sociedade. E aqui eu vou ser bem específico sobre o Brasil, tá? A despeito do fato que a gente evoluiu muito como sociedade, como empresas, como mercado financeiro, com relação a essa pauta, alguns pontos são importantes. Um ponto é começar, agora, a mensurar. Tá bom, como é que nós estamos? Como é que a gente evoluiu, nos últimos dez anos? Quais são os dados estatísticos, que podem nos ajudar a olhar essa evolução? Então, ter métricas é muito importante. Porque a métrica nos ajuda, exatamente, a saber para onde nós estamos indo. O outro ponto é: já chegou o momento da sociedade e das empresas darem um ‘salto’ e você precisa sair da ação afirmativa/letramento, pra uma outra questão, que é o investimento de médio e longo prazo, que é o investimento em educação pública, investimento em formação técnica, investimento em empreendedorismo negro. A ação afirmativa é uma ação de curto prazo. Ela ajuda você a desigualar, para igualar. Você desiguala para igualar, novamente. Só que ela não é uma ação estrutural. Ação estrutural é investimento em educação pública. Ação estrutural é investimento em formação técnica. Ação estrutural é investimento em empreendedorismo negro. E são ações que demoram pra dar resultado. Vai demorar uma década para você ver o resultado acontecer. Então, a sociedade está vivendo um momento importante, que é o momento de dar esse ‘salto’, em que a gente tem que sair do letramento/ação afirmativa, e passar para o próximo nível, que é o nível do investimento social privado e equidade racial. E, por último, que é uma coisa que pra mim é fundamental, é ter metas claras. Nós, as organizações, as empresas, precisamos começar a pensar em ter metas claras de médio e longo prazo. Tá bom, não é pra amanhã, gente. Resolver a questão racial no Brasil, não é algo para amanhã. Não é uma corrida de cem metros, é uma maratona. Mas a gente tem que começar a pensar o seguinte: como é que eu quero estar, enquanto sociedade, daqui a dez anos? E pra estar lá, o que eu tenho que fazer agora? Como é que eu quero estar daqui a vinte anos, daqui a trinta anos? Então, minha visão, Gilberto falando, a gente deveria mirar em algum momento, pra daqui a três décadas ter metade de mulheres em cargos de liderança, porque metade da população brasileira são as mulheres. A gente deveria estar mirando pra ter, no mínimo, no mínimo, um terço de pessoas negras nos cargos de liderança, nas organizações. E, principalmente, a gente deveria olhar com muito carinho a pauta da mulher negra porque ela, hoje em dia, ela está num limbo. Ela não é abrangida nem pela pauta de gênero, nem pela pauta racial. Então, a gente tem que ter uma ação muito ‘cirúrgica’, para que a gente consiga trazer à tona a pauta da mulher negra e ter certeza de que essa pauta está sendo endereçada.
P/1 - Gilberto, me corrija, por favor, se eu estiver errada, mas eu queria saber mais sobre a sua participação no Comitê de Diversidade da ANBIMA e também saber, assim, no geral, pra você, qual é a importância da diversidade e inclusão no mercado financeiro.
R - Olha, eu, atualmente, estou como coordenador do Grupo de Diversidade e Inclusão da ANBIMA, que me convidou de uma forma muito carinhosa, há algum tempo. A gente vem fazendo um trabalho muito em parceria. E aqui tem uma questão muito importante e muito valiosa, que é uma co-criação. Não pode ser uma coisa feita unilateralmente. Então, ver a ANBIMA como aliada, é algo muito importante. E saber que a ANBIMA, como estrutura organizacional, como representante do mercado financeiro, dá essa abertura, pra que eu possa, junto com eles, criar essa agenda, junto com a Goldenberg Consultoria, criar essa agenda de diversidade e inclusão, é algo que, pra mim, é muito importante. A ANBIMA tem um papel muito grande de formação. Lembra aquilo que eu falei, de ação estrutural? Quando você começa a formar mais profissionais, você ajuda as organizações a implementar ações afirmativas. Porque as organizações precisam ter pessoas tecnicamente preparadas - porque qualificadas elas já são - para ingressar no mercado financeiro. Então, esse trabalho é um trabalho de médio e longo prazo. A gente não vai ver a mudança amanhã. Você certificar um profissional, você preparar um profissional para essas empresas, demanda tempo, demanda investimento. Então, ver uma organização como a ANBIMA... não só a ANBIMA, tá? Eu tive a oportunidade de ser parte da subcomissão de diversidade lá da FEBRABAN, que também vem fazendo um trabalho maravilhoso, ao longo dos anos. A FEBRABAN já formou mais de 180 jovens para o mercado financeiro, jovens negros, meninos e meninas. Então, esse trabalho é um trabalho estruturante. É um trabalho que vai começar a gerar resultados no médio e longo prazo. Então, isso eu vejo de forma muito positiva. Com relação à sua pergunta sobre a diversidade no mercado financeiro, aqui eu preciso ser muito direto: não ter diversidade é um dos fatores que trabalhou para as crises que aqui aconteceram, porque as pessoas que tomavam decisão não eram diversas. Eram pessoas com o mesmo mindset. Eram pessoas, eventualmente, da mesma universidade. Eram pessoas com o mesmo background. E essas pessoas não conseguiram tomar decisões diversas. A McKinsey já comprovou, por estudo da Diversity Matters da América Latina, que empresas não-diversas terão dificuldade de ser rentáveis no médio e longo prazo. Então, diversidade e inclusão é uma questão de negócio. É uma questão de sobrevivência. Não é uma questão só social. Não é fazer porque é bom pra sociedade, apenas, ou para as pessoas. É fazer até para que a gente possa garantir a sustentabilidade das empresas no médio e longo prazo, porque você vai ter produtos mais diversos. Você vai ter decisões mais estruturadas, porque você tem discussões com pessoas de diferentes backgrounds. Então, isso ajuda muito. E já tem um trabalho que está sendo feito pelo LAB da CVM, com relação a isso, que é: como é que eu garanto que eu estou criando produtos mais diversos para o mercado financeiro? Como é que eu garanto que eu tenho decisões diversas nos bornes? A B3 acabou de colocar em consulta pública exatamente uma resolução para ter certeza de que as empresas de capital aberto têm diversidade em seus quadros. Principalmente nos quadros de decisão estratégica, que são os quadros de Conselho, de diretoria. Não na base. A base já vem evoluindo ao longo dos anos. A gente precisa de mais diversidade no topo.
P/1 - Gilberto, e pensando em toda a sua trajetória, agora, profissional, quais foram as principais barreiras e dificuldades que você enfrentou?
R - Olha, uma das maiores dificuldades que eu tive foi exatamente o gap de formação. E aqui, o fato de ter estudado a minha vida toda em escola pública, foi um fator preponderante. O impacto foi muito grande. Eu entrei na escola militar sem ter tido acesso às questões que os meus colegas tiveram acesso. Então, isso, pra mim, foi um choque muito grande. Eu entrei na universidade sem falar o idioma. Eu fiz pós-graduação sem falar inglês e você tinha livros em inglês que você tinha que ler. Então, esse arcabouço de formação, essa minha dificuldade, então, isso influenciou muito. Eu tive que tirar esse gap. Então, tirar esse gap passou por muita dedicação. Tirar esse gap passou por fazer duas pós: no INSPER e na GV. Então, por isso que eu olho com muito apreço pela educação pública. Se nós quisermos, como sociedade, mudar a questão racial no Brasil, passa, necessariamente, por investimento em educação pública. Se a gente não investir em educação pública, a gente vai deixar para trás uma série de jovens que nem completaram o ensino médio. Meninos e meninas negras que, como eu, nasceram numa comunidade carente e nunca tiveram acesso à educação pública, que não tem condições de competir com outros jovens. Então, esse foi o primeiro fator. O segundo fator é: a realidade é muito diferente. A questão de equidade que as pessoas falam, falam assim: “Eu sou uma empresa igualitária. Eu tenho igualdade racial”. Igualdade é uma coisa, equidade é outra e inclusão é outra. Equidade é reconhecer as diferenças. Não tinha como comparar o Gilberto que saía do Gramacho, pegava dois trens e depois ia andando até a Rio Branco, com um jovem que morava na zona sul. Na época que eu fazia UERJ, tinha jovens que iam pra universidade de prancha, e depois da universidade, eles iam surfar. Eu tinha que trabalhar. Depois eu tive filho. Enfim, não é a mesma coisa. Então, equidade é reconhecer que as pessoas têm diferentes necessidades, diferentes backgrounds. Então, pra mim, esse ambiente em que eu cresci, de dificuldade, de falta de acesso, impactou demais a minha vida, porque eu tive que batalhar muito, pra poder mostrar a minha capacidade. E, por último, que é uma questão que me impactou de forma positiva e que eu espero que isso ajude outras pessoas, você trabalhar com líderes que te dão oportunidade. A corretora que me deu o primeiro emprego, na corretora de valores. A contadora, perdão, que me deu o primeiro emprego. A pessoa que me deu o primeiro emprego naquele banco americano. Esses diretores, pelos quais eu tive oportunidades de trabalhar, no Itaú, no JP Morgan, que me deram apoio, sempre. Então, ter pessoas não-negras que te apoiam é extremamente importante.
P/1 - E quais foram os maiores aprendizados da sua trajetória profissional?
R - Olha, um dos maiores aprendizados que eu já tive foi saber reconhecer que as pessoas não são iguais, que você precisa ver o talento nas pessoas e que você tem que ter muito cuidado para que o viés não te leve a, eventualmente, deixar de dar a oportunidade a um profissional que é um talento, mas você pode não estar enxergando. Nesses anos todos fazendo gestão de pessoas, eu tenho vários casos de sucesso, de pessoas que não tinham a melhor formação técnica, que não estudaram nas faculdades mais renomadas, que eventualmente começaram a trabalhar sem nem falar inglês, mas que viraram referências, talentos maravilhosos. Então, é importante estar aberto pra isso. Outra questão é estar aberto para conviver com pessoas de diferentes culturas. Se você nunca conviveu com pessoas fora do Brasil, você precisa entender que as pessoas são diferentes. Por exemplo: morar nos Estados Unidos está sendo uma experiência maravilhosa, porque o latino-americano e o americano não são tão parecidos assim. A questão cultural é totalmente diferente aqui. Então, ter esse convívio, estar aberto para esse convívio, estar aberto para essa experiência, te faz crescer muito, como pessoa. Hoje em dia eu sou uma pessoa totalmente diferente. E, por último, tem que ter um senso de propósito. Muito do que faço, hoje em dia, junto à pauta racial, eu não vou ver o resultado. Eu estou com cinquenta e três anos. Mas eu estou fazendo algo que tem um propósito, que é preparar o Brasil para as próximas gerações que vão vir aí. Essas gerações, certamente, vão ‘botar’ a sociedade em outro patamar. Mas agora, como líder, eu tenho uma responsabilidade gigante de fazer o meu papel.
P/1 - Gilberto, e como é o seu dia a dia, hoje?
R - Olha, eu diria que é um dia a dia intenso, mas positivo. Eu convivo com pessoas de diferentes mercados na América Latina. Então, com mexicanos, brasileiros, venezuelanos, argentinos, colombianos. Eu convivo diariamente com pessoas que dão suporte para o nosso negócio aqui, mas que não moram aqui. Moram na Índia, nas Filipinas, nos Estados Unidos, na Europa. E é um dia a dia que eu consigo conciliar a minha carreira profissional com a minha atuação fora do banco. Então, eu tenho uma oportunidade muito grande. Eu já falei isso aqui no nosso bate-papo, né? Eu sou uma pessoa privilegiada. Eu trabalho numa organização que Diversidade e Inclusão faz parte do nosso DNA. Então, toda a liderança, aqui, é muito vocal com relação a isso. Então, dentro da empresa, o tema diversidade e inclusão é um tema muito presente. Então, eu ter essa oportunidade de poder performar na minha atividade do dia a dia e, ao mesmo tempo, poder me dedicar a esse lado, é muito bacana pra mim. É muito importante pra mim.
P/1 - Eu fiquei curiosa: como você faz com o fuso?
R - Olha, eu lido bem com ele. Até porque a gente está, hoje em dia, uma hora, duas horas de diferença. E eu o aproveito a meu favor. Então, eu acordo todo dia... de segunda-feira a sexta-feira, vai, por volta de quatro horas da manhã, horário de Nova Iorque, que no Brasil são cinco horas da manhã. Aproveito pra fazer atividade física. Eu adoro fazer atividade física. Então, eu aproveito pra ter as minhas reuniões, que não são voltadas para o trabalho, por volta de umas sete horas do horário de Nova Iorque, que são oito horas no horário Brasil. E aí eu vou até o final do dia, por volta de umas sete, oito horas, horário daqui, que no horário Brasil são nove horas. Então, eu uso o fuso a meu favor. Como eu sou uma pessoa que eu acordo cedo, então isso, pra mim, é bacana, porque eu consigo fazer várias atividades, fazer academia, ter as minhas conversas com as pessoas que atuam comigo na pauta racial, enfim, durante um período e depois me dedicar ao meu lado profissional.
P/1 - E o que você gosta de fazer, nas suas horas de lazer?
R - Eu leio muito. Eu estou até, aqui, olhando pra minha biblioteca. Eu leio muito. Eu fico muito com a minha família, com a minha esposa e com o meu filho. Eu gosto de viajar. Adoro viajar. Adoro conhecer pessoas novas, lugares novos. E estudar. Por exemplo: uma das questões que sempre me preocupam muito é falar sobre a pauta racial com conhecimento de causa. Então, se você olhar a minha biblioteca, tem livros de todo mundo, aqui. Djamila. Tem livro do Maurício Pestana. Tem livro da professora Schwarcz. Tem vários livros aqui. Tem livro do Pedro Jaime. Tem livros de vários autores, voltados para a questão racial.
P/1 - Se você quiser contar, eu queria saber como você conheceu a sua companheira e qual é o nome dela.
R - Olha, nós nos conhecemos no banco que nós trabalhávamos juntos. A gente trabalhou na mesma diretoria durante um bom tempo. E ela sempre me apoiou muito. Então, é uma parceira de vida. A gente já está junto, já vai fazer uns vinte anos. É, por aí. Temos um filho de dez anos. Eu não vou falar o nome dela, porque ela é tímida. Ela não gosta que fale o nome dela em entrevista e nem nada. Mas ela é uma super apoiadora. Ela que me apoiou para poder mudar de país. Ela que me apoia aqui, no meu dia a dia profissional, na minha carreira fora do banco, junto à questão racial. É uma companheira já de bom tempo.
P/1 - E o que a paternidade mudou na sua vida? Como foi se tornar pai?
R - Olha, eu sou pai de dois filhos. O meu filho mais velho tem vinte e oito anos, do meu primeiro casamento. E o meu filho mais novo tem dez anos. Então, eu diria pra você que eu tenho uma situação muito privilegiada, em que eu tenho um filho que é amigaço, parceiro. A gente toma cerveja junto. A gente brinca. A gente viaja. A gente fala sobre vida profissional, fala sobre carreira, fala sobre diversidade e inclusão. E eu tenho um outro com dez anos, que é aquele de brincadeira, em que a gente vai passear, vai viajar. Em que eu estou ali como parceiro, como companheiro, como pai. E que tem hora que eu tenho que, também, corrigir algum rumo. Então, eu passei por esses momentos e passo até hoje, o que também tem sido uma experiência muito gratificante. E o meu filho mais velho mudou a minha vida. Porque, assim, quando ele nasceu, quando eu fui pai pela primeira vez, aquilo muda você. Você amar outra pessoa, você cuidar, você amar mais do que você ama você mesmo, você poder ver aquela pessoa crescer, ver aquela pessoa saindo desde o berçário, até completar a faculdade. Hoje já está trabalhando. Então, é uma experiência única.
P/1 - Gilberto, e quais são as coisas mais importantes pra você, hoje?
R - Hoje, eu tenho questões que, pra mim, são fundamentais. Uma é a minha vida profissional. Então, eu quero muito ter sucesso nessa empreitada, morando fora do Brasil. Não sei se um dia eu vou voltar pro Brasil. É uma questão aberta, ainda. Eu não tenho essa visão. Mas tem sido uma experiência única morar em um país, trabalhar com uma equipe de não-brasileiros. Não tem ninguém brasileiro na minha equipe, ninguém que fala português. Então, liderar pessoas que não são da mesma nacionalidade que você, que não falam o mesmo idioma, que não têm o mesmo background, é algo valiosíssimo. Então, continuar tendo um bom desempenho na minha vida profissional, é super importante. A outra questão que, pra mim, é muito importante, muito mesmo, é ter certeza de que estou conseguindo ajudar o meu povo, que eu estou conseguindo ajudar as pessoas negras, que eu estou conseguindo ajudar a sociedade a ser melhor, com relação ao tema diversidade e inclusão. Principalmente na pauta racial. Principalmente na pauta das mulheres negras. Então, pra mim, isso é muito importante, do ponto de vista de garantir que eu vou deixar um legado. Que eu não estou aqui só de passagem. Que eu estou aqui pra poder trazer algo e fazer alguma coisa. E, obviamente, a minha família. Ter certeza de que a minha família está feliz. Ter certeza de que a minha esposa, os meus filhos, enfim, toda a minha família está conseguindo. E que eu vou ajudar, com esse movimento, aos meus, minha família, a crescer. Dar a oportunidade dos meus filhos - o meu filho mais novo já está falando inglês - falarem inglês. Dar oportunidade da minha família vir pra cá, de conhecer outras culturas, estudar aqui fora. Então, esse ‘salto’... lembra quando o meu pai me colocou pra entrar na vida militar? Ele deu o primeiro ‘salto’. Aí, depois, eu fui dando outros ‘saltos’. E assim a gente vai. Em algum momento, os meus filhos vão dar esse ‘salto’.
P/1 - E quais são os seus maiores sonhos, hoje?
R - Olha, eu tenho um sonho. Sonho é aquele objetivo sem você ter um tempo, né? Mas eu quero que isso se concretize em algum momento. Que é, em algum momento, quando eu parar, o meu sonho é que eu tenha uma mulher negra no meu lugar. Esse é o meu sonho. Se você me perguntasse: “O que você quer, Giba?” Eu quero que o dia que eu decidir parar de trabalhar, que eu decidir me aposentar, que eu tenha feito um trabalho como líder em que eu possa ter uma mulher negra sentada no meu lugar. Porque aí eu fiz um trabalho correto, do ponto de vista de liderança. Aí eu consegui atingir o meu objetivo. O outro sonho que eu tenho e esse é um sonho de curto prazo, é ver as empresas movendo para pauta do investimento social privado na equidade racial. A gente tem feito isso muito, de uma forma muito positiva, com os ‘braços’ de filantropia. As fundações, institutos, organizações das empresas apoiando investimento social privado na equidade racial. Só que eu tenho um limite de orçamento, para isso. Então, o meu sonho de curto prazo é, em algum momento, nos próximos cinco anos, ou três anos, começar a ver as empresas engajadas com investimento social privado em equidade racial. E aí você vai ver isso fluindo pra formação técnica, educação pública e empreendedorismo negro. E aí, daqui uma década, a gente vai ver uma economia muito diferente. A população negra tem um poder de geração de riqueza de oitocentos bilhões de reais em consumo. Isso precisa ser olhado. Não é uma questão social, apenas. É uma questão econômica. É uma questão estratégica. É uma questão importante para as empresas. Mas que pra que isso aconteça, eu tenho que fazer investimento estrutural. Eu tenho que fazer investimento lá atrás. E aí, sim, essa ‘roda começa a girar’.
P/1 - Você já começou a responder essa próxima questão, mas eu queria saber qual é o legado que você deixa para o futuro.
R - Olha, o legado que eu quero deixar pro futuro é o legado de um país mais diverso. O legado que eu quero deixar pro futuro é o legado de um mercado financeiro mais diverso. E aqui eu não estou falando de diversidade na base. Eu estou falando de diversidade no topo. Eu estou falando de diversidade nos níveis de decisão. E um ambiente mais inclusivo. Não só um ambiente de igualdade, mas de inclusão, que é as pessoas se sentirem confortáveis para serem quem elas são. Que as pessoas possam entrar nas organizações, e ver com naturalidade você ser atendida por uma profissional negra, com o cabelo afro. Que as pessoas possam ver com naturalidade você entrar numa reunião que tenha, como diretora, uma mulher negra. Então, esses tabus precisam ser ‘quebrados’. E vai demorar um tempo pra isso acontecer. Então, o meu papel como líder, é ajudar pra que essa agenda aconteça. E ela já começou a ganhar tração, já começou a ganhar momento. Em algum momento, ela vai ganhar força e aí vai ser uma coisa muito mais natural.
P/1 - Gilberto, a gente já está caminhando para o fim. Eu tenho só mais duas perguntas. A primeira delas é saber se você gostaria de acrescentar algum momento, alguma história que eu não citei, que eu não te perguntei. Ou deixar alguma mensagem.
R - Não. História, não. Momento, não. Mas mensagem, sim. Aqui eu queria muito que as pessoas negras que estiverem ouvindo, enfim, essa nossa conversa, em algum momento, saibam o quanto é importante a representatividade. Em trinta anos de mercado financeiro, eu demorei anos pra ter um diretor negro, pra ver um diretor negro. Eu demorei anos sem nunca ter tido um mentor negro. Então, é muito importante que nós, pessoas negras, que estamos em cargos de liderança, saibamos da importância do nosso papel como líderes. Então, muitas vezes, as pessoas perguntam assim: “Nossa, você trabalha no Private. Por que você está ‘puxando’ essa agenda? Não é o pessoal da diversidade que tem que ‘puxar’ essa agenda?” “Não. Pelo contrário, é o meu papel como líder. Por trabalhar no Private, aí mesmo que eu tenho que ‘puxar’ essa agenda, que é um ambiente não tão adverso”. Então, nós precisamos reconhecer o nosso papel como líderes, homens e mulheres negros. A importância de liderar pelo exemplo. A importância da representatividade. A importância de construir os próximos. Então, esse é o meu recado para as pessoas negras, que estiverem assistindo essa nossa conversa. Para as pessoas não-negras, eu quero reforçar o quanto foi importante pra mim, na minha carreira, ter pessoas não-negras que apoiaram o meu crescimento profissional. E aqui, dado que até hoje e durante muito tempo, o poder de decisão estará nas mãos de pessoas não-negras, o papel do aliado é super importante. Então, cada vez mais, é importante reforçar que combater a desigualdade racial passa, sim, pelo apoio das pessoas não-negras, porque hoje elas têm o poder de decisão. Não tem como discutir isso. A maioria dos CEOs, homens e mulheres, não são negros. A maioria dos diretores do mercado financeiro, homens e mulheres, não são negros. Então, passa, sim, por ter aliados que apoiam essa causa e que entendem a importância das ações afirmativas, que entendem a importância do encarreiramento, da formação técnica, da mentoria. E pras empresas, eu queria muito reforçar que nós chegamos no momento de dar o próximo ‘salto’, que é sair do letramento racial/ação afirmativa e começar a trabalhar o investimento de médio e longo prazo, que é investimento social privado na equidade racial.
P/1 - Gilberto, como foi contar a sua história, hoje? Revisitar um pouco da sua trajetória.
R - Foi maravilhoso. Você conduz de uma forma maravilhosa. Foi maravilhoso. Eu preciso confessar que fiquei nervoso, no início. Até pra poder manter os dados de uma forma encadeada. Mas foi muito bom. Foi muito gostoso.
P/1 - Eu queria muito agradecer a você. Já agradeci, mas agradeço novamente. Foi muito legal, necessário. Acho, assim, importantíssimo a sua história estar no Museu. E queria, de novo, agradecer, não só em meu nome, mas em nome de todas as pessoas que fazem parte desse projeto. E que, com certeza, vão assistir a sua história.
R - Obrigado a vocês. Obrigado pela oportunidade. Obrigado por terem aberto esse canal, pra que eu pudesse falar um pouquinho sobre a minha história. E podem contar comigo. Foi um prazer falar com vocês.
[Fim da Entrevista]
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