Projeto Conte Sua História - Atados e Abraço Cultural
Depoimento de Ali Jeratli
Entrevistado por Marjorie Abuleaque e Verônica Petreli
27 de junho de 2018, em São Paulo
Entrevista PCSH_A_HV03
Realização: Museu da Pessoa
Editado por Marjorie Abuleaque e Verônica Petreli
P/1 - Ali, eu queria que você me falasse, primeiro, o seu nome completo, local e a data de nascimento.
R - Meu nome é Ali Jeratli, eu sou Sírio, nasci no dia 15 de janeiro de 1988.
P/1 - Em qual cidade?
R - Eu nasci em Damasco, mas minha cidade e dos meus pais se chama Al-Salameh, perto de Homs e Hama.
P/1 - Queria que você contasse um pouco da sua infância, do que você lembra dos seus pais.
R - Como eu falei, nasci em Damasco, depois de dois anos a gente voltou para a nossa cidade, Al-Salameh. Comecei a estudar lá. Eu tenho quatro irmãs mais velhas que eu, sou o mais novo.
P/1 - Como era essa relação com os seus pais, com as suas irmãs? Seu dia a dia, sua rotina com eles.
R - Minhas irmãs estavam sempre estudando, eu fico com elas mesmo. Eu tenho muitos primos. A gente morava, lá na minha cidade, em um lugar que tem todos os tios perto da gente, então, eu sempre fico com meus primos, minhas tias, meus tios, como uma família, mas muito grande, mesmo.
P/1 - O que você lembra dos seus pais? Qual a memória que mais te marca?
R - Eu lembro do trabalho do meu pai, quando ele estava trabalhando, quando ele volta do trabalho, a comida da minha mãe, como ela cuida da gente, meus primos, meus tios, sempre a gente, como eu falei, estávamos juntos todos os dias, mesmo, sem faltar nenhum. A gente tem também a nossa fazenda, a gente ficou trabalhando lá. Assim, sempre.
P/1 - E qual a memória mais interessante que você tem da fazenda, alguma brincadeira que você fazia lá?
P/2 - Andar de cavalo. A gente andou muito lá, e a gente treinou os cavalos. Caí várias vezes. E, também, sempre tem competição entre a gente mesmo, em qualquer coisa. Tipo, estudo, língua, quem anda mais no cavalo, quem anda melhor de bicicleta, entendeu? Sempre essas coisas que deixa a vida ter mais energia. Então, eu acho que minha vida quando era criança, foi maravilhosa. Qualquer dificuldade que eu passei, muito bom. Dificuldades pequenas, até para as crianças. As crianças não entendem muito de faculdade.
P/1 - Mas que dificuldade?
R - Tipo que a gente tem que estudar muito, não pode faltar nenhum ponto da nota, entendeu? É sinônimo de faculdade, tem que estudar mais, competição, sempre tem que ter força para não faltar nada na nossa vida. Então, essas coisas a gente passou. Depois, você lembra que uma coisa estava maravilhosa mesmo.
P/1 - E seus pais eram muito rigorosos com relação à nota?
R - Sobre as notas, sim. Tem que estudar sempre, ficar estudando. Eu gostei muito da minha escola, do meu estudo, e também porque minhas irmãs estudam muito, então, eu sempre fico olhando como elas estudam e aprendo.
P/1 - As suas irmãs moram, ainda, na Síria?
R - Tenho duas irmãs morando na França e duas na Síria. Minha irmã da França, depois de seis anos, ela voltou para a Síria para ver minha família. Faz dois dias só.
P/3 - Você tinha algum cavalo que você era muito apegado?
R - Sim. Cada um tinha um cavalo, dos meus primos. Minha égua, na verdade, chama Zena. Eu gostava muito dela.
P/3 - Como ela era?
R - Maravilhosa, mas sempre espera de mim, eu pego ela, deixo ela tomar água e treino ela. Ela não deixa ninguém, só eu, andar com ela.
P/3 - Como era a sensação, Ali, de andar na Zena? Você consegue descrever?
R - A gente sempre tem três meses de férias, entre nove meses de escola ou de estudo. Então, esses três meses, eu acordo todos os dias às 5 da manhã só para encontrar com Zena e andar, voltar, depois eu limpo tudo e deixo ela no quarto dela. Ela sempre foi mais que amiga. Quando você é criança, ela sente, mais ou menos, como se você fosse filho dela, porque égua ou cavalo gostam muito do humano. Ele também sente muito bem que ele não pode machucar, não pode fazer nada com quem cuida dele. Então, eu senti muito que ela era muito amiga minha. Eu sempre espero ela chegar, quando eu chego ela grita, entendeu? Então, legal.
P/1 - Eu vi que você falou com carinho da comida da sua mãe. Tem alguma coisa especial que você lembra que sua mãe cozinhava?
R - De verdade, qualquer coisa. Minha mãe faz uma comida maravilhosa. Eu faço comida, às vezes, aqui, com meus amigos, meus alunos. Sempre eles falam que a comida é maravilhosa. Eu falo: “olha, quando vou colocar minha comida e da minha mãe, não vou comer da minha comida, sinto que isso aqui é muito ruim”. Então, a comida da minha mãe sempre tem eu chamo fôlego mesmo da comida, que ela tem, ela sabe fazer comida, qualquer coisa. Ela faz comida maravilhosa. Não sei como, mas sai sempre maravilhosa.
P/1 - Tem algum prato típico da Síria que ela faz e que você tem saudade?
R - Um prato que chama mahshi, que é berinjela recheada de arroz, carne e abobrinha. Tem, também – todo mundo conhece aqui –, charuto. Ela faz muito bem. Tem várias comidas. Tem uma comida chamada makdous, que a gente come de manhã. Ela faz essa comida maravilhosa, mesmo.
P/3 - Como é essa?
R - Essa também é berinjela, mas recheada de nozes e pimentão. A gente seca a berinjela, depois ela coloca no azeite, deixa pouco tempo, depois vai ficar.
P/1 - Que delícia. E tem alguma história da sua infância que tenha te marcado, com seus primos ou com as suas irmãs? Algo específico, que você lembre até hoje?
R - Eu tenho muitos primos. Tenho 18 tios e tias de primeiro grau. Eles estão casados, então, eu tenho 34, porque meus pais. Tenho mais de 90 primos. Então, a gente morou juntos, e sempre, todos os dias, a gente se reunia, fica em um lugar. Tipo, eu vou para a casa da minha tia, mais meus primos e primas, meus tios vão para a casa do meu tio, e minhas tias ficam juntas ou, às vezes, juntam a gente. Todos os dias, nas férias, a gente faz festas, alguma coisa diferente, a gente sai para algum lugar, joga um jogo. Essa coisa maravilhosa passou muito na minha vida, e nunca esqueço.
P/1 - Você sente saudade deles?
R - Claro, de todos. Minha família, meus primos. Esses momentos que a gente passou, você não vai sentir que “nesse dia, não fiz nada”. Sempre tem dia que você vai fazer. Eu nunca vou esquecer. Quando a gente fica juntos, conta uma história, uma coisa para ter medo, essas coisas maravilhosas com primos. No momento, a gente fica fazendo alguma coisa, todo mundo vai levantar, a gente faz uma festa, dança, canta, faz alguma coisa. Sempre a gente tem essas coisas.
P/1 - São tantos primos, também. Acho que tudo é motivo para festa, não é verdade?
R - Sim. Festa tinha um pouco. Tem muita gente em volta, jogando baralho, alguma coisa, depois a gente levanta de novo. Tipo, eu e meu primo estamos com fome, e meu irmão, que faleceu faz 11 anos. Eu não falo para ele “vamos fazer comida na nossa casa” “vamos ver quem faz a comida mais maravilhosa”. A gente vai comer lá na casa dos meus tios. Às vezes, a gente bate “Ali, Ali”, dois Ali “eles chegaram para comer nossa comida” “não abre”. Eles tinham brincadeira, mas sempre eles abriam para a gente comer.
P/1 - Gostoso. Vocês iam à escola juntos? Era a mesma escola?
R - Não todos, só quem tem a mesma idade. Eu tenho três primas da mesma idade que eu, então, a gente estudava juntos.
P/1 - E como era esse período da escola? O que você lembra? Quais histórias te marcaram?
R - Eu lembro quando eu entrei para a escola. Eu entrei mais novo, porque eu consegui, quando tinha quatro anos e meio, cinco anos, mais ou menos, escrever e ler. Só por causa das minhas irmãs, porque elas ficavam estudando sempre. Eu gosto de aprender o que tem na minha frente, então, eu aprendi, entrei para lá. Primeiramente, a professora me deixou do lado porque eu tenho menos idade que os outros, então, ela começou a ensinar os alunos. Quem estava respondendo às perguntas, era eu. Então, ela falou: “quantos anos você tem”. Eu falei: “tenho cinco anos, eu gosto de ler e de escrever”. Ela me chamou para escrever, eu escrevi, ela começou a perguntar matemática e eu respondi tudo. Ela falou: “você vai começar como aluno...”. Porque, antigamente, quando tinha menos idade do que seis anos – que começa a escola –, eles colocavam você só para escutar. Depois, você vai começar no mesmo nível que você estava escutando. Mas eu comecei direto com eles, e todas as professoras gostaram muito de mim. “Ali, Ali, vem cá, mostra para essa professora o que você sabe, como você faz”. Então, eu lembro de muitos momentos. Eu estava andando bem na escola.
P/1 - Então, você sempre gostou de livros, de aprender?
R - Sim. Eu gosto muito. Na minha cidade, Salameh, a gente não pergunta o que você tem de dinheiro, mas o que você leu, antes. Esse é o nível da nossa vida. Qualquer pessoa vai casar com outra pessoa, não vai falar: “o que você tem de dinheiro?”, mas “o que você estudou, para qual nível você estudou na sua vida?”. Quando você vai sentar com outras pessoas, tem que saber como você vai conversar, porque tem que ter muitas informações para ter uma conversa boa, não é? Então, não pode só conversar sobre: “eu fiz, eu comi, essa pessoa fez”. Não. Essa coisa a gente não fala muito: “olha aquela pessoa que fez”. Não. Tem que falar mais sobre a vida mesmo, o que você tem, o que você tem de experiência, o que você leu, e sua opinião sobre todos os livros na sua vida. Então, a gente sempre fica lendo os livros e contando histórias. A gente tinha, também, contação com meus tios e primos, nas poesias. Tipo: “o que você leu, vamos terminar nessa letra, você vai começar outra poesia em outra letra”. A gente jogava esse jogo. Tem que ter muitas informações na sua mente.
P/1 - Muito legal isso, muito bom. E tem algum livro que tenha te marcado?
R - Tem vários livros. Tem um escritor chamado Muhammed, da minha cidade. Ele escreveu coisas que estão acontecendo agora. Não sobre o que ele vai ter, mas ele explica muito sobre a vida, se você vai fazer isso, vai acontecer isso. Então, eu gosto muito das escritas dele, porque ele fala de o que tem na vida mesmo, real. Ele é um escritor muito inteligente.
P/1 - Voltando um pouquinho para a época da infância e da escola, tem algum professor que também você lembra até hoje?
R - Tem vários.
P/1 - Ou uma história com algum professor?
R - Quando eu era criança, a primeira professora chama Rytan Shaar, e foi ela quem [00:16:32]. E tem um professor Naam Jirf, também. Eu gostava dele, muito. Sempre ele ficava: “Ali, vem cá”. A gente conversou como amigos. Sempre, em qualquer momento, em qualquer nível que você está estudando, vai ter um professor preferido. Meus professores estavam maravilhosos mesmo.
P/1 - Acho que é porque você sempre foi um aluno muito dedicado.
R - Na verdade, não muito. Não sempre. Até em um nível do tempo, quando você vem a ficar adulto, não vai ficar o mesmo de quando você era criança. Mas, não, eu acho que eu fui bem como professor.
P/1 - Agora, voltando um pouco para a sua relação com a família. Você tem lembrança da sua casa onde você morou quando era criança? O que você lembra de lá?
R - Nunca esqueço. Quando eu era criança mesmo, dois anos, menos, eu não lembro da casa, mas minha casa, na minha cidade, entre todos os tios e tias, nunca esqueço. Passei de 1990 até 2000, dez anos em uma casa. Depois, a gente mudou para a cidade, mesmo, para facilitar mais a vida. Então, essa casa que a gente morou por dez anos, passou uma vida maravilhosa, nunca esqueço, porque entre todos os primos e tios. Essa casa, eu lembro até detalhes muito pequenos.
P/3 - Fala desses detalhes.
R - Até de coisas, tipo, às vezes você fica olhando para a parede, essas coisas. Você imagina, às vezes, tem um furo, umas coisas, imagina uma história dessas coisas, entendeu? Eu lembro que eu e meu irmãos sempre estávamos juntos. Eu lembro de tudo que aconteceu.
P/1 - Tem algum detalhe, algum cômodo, alguma coisa?
R - Eu lembro que a gente fica subindo a parede do meio do corredor. O corredor é pequeno, então, a gente joga esse jogo, quem sobe mais, até o teto, voltar, que é alto um pouco. E, também, porque a casa era grande, a gente jogava... não sei como chama aqui, quem some, você procura.
P/3 - Esconde-esconde.
R - Esconde-esconde, isso mesmo. Na casa, porque é muito grande. Eu lembro, também, onde minha mãe colocava chocolate e doces, no quarto dela, comentando as coisas.
P/3 - A fazenda ainda existe, ainda está lá?
R - Sim. Mudou, tem, agora, outra fazenda, mas existe ainda. Mas na outra fazenda também eu posso passar sempre lá.
P/3 - A Zena não está viva mais?
R - Não. Já faz muito tempo. Eu lembro de uma coisa que aconteceu com o meu irmão. O filho da Zena chama Zeizum, então, quando o cavalo não pode correr mais, fazer a corrida rápida, que às vezes ele bate aqui, quebra, não pode andar mais, vira para fazer outra coisa. Ele deixou ele, porque a gente mudou para a cidade, e a gente ficou um pouco longe dessas coisas. E, também, depois, você sabe, o cavalo precisa de muito dinheiro para você cuidar, mais do que um homem. Então, a gente deixou um pouco, e meus tios começaram a vender. Depois de dois anos, um ano e meio, mais ou menos, quando a gente doou esses cavalos, esse cavalo, chamado (Zeizum) [00:21:13], o novo dono dele colocou muitas coisas atrás, porque ele estava andando, colocava um peso muito pesado. Ele não andava, estava no meio da rua. Eu olhei meu irmão com o [00:21:28] cavalo, ele chorou: “por que ele está colocando essas coisas?”. Ele não conseguiu outra pessoa. Ele estava batendo nele: “anda, anda”. Meu irmão ficou longe dele, falou: “vem, Zeizum”. Ele andou, correu até onde ele está, com todo o peso que ele tem. Ele falou: “como você fez isso?”. Meu irmão começou a gritar com ele: “você é um...”. Começou, você sabe, a xingar ele. “Você não tem coração, você está fazendo com meu cavalo antigo, esse é meu cavalo, ele chama Zeizum, você tem que cuidar dele para ele andar bem, porque ele entende mesmo o que você fala”. Eu lembro o que aconteceu nesse momento. E, às vezes, meu pai deixava o cavalo dele para andar. Se ele chama “vem”, ele vai correr até ele, rápido. A gente andou até o trabalho do meu pai, que fica longe, 40 quilômetros da minha cidade. A gente andava, às vezes, nos cavalos, para chegar lá.
P/1 - Mas vocês pegaram o Zeizum de volta?
R - Não.
P/3 - E a Zena, você lembra do dia que despediu dela?
R - Eu lembro o último momento, porque a Zena tinha dois donos: meus tios todos, meu pai, e outra pessoa que também cuidava dela. Então, ele falou: “vou viajar, vou levar Zena comigo”, e, quando ele colocou ela, eu não estava lá, não queria nem olhar onde ela estava, então, ele pegou ela e viajou. Meus tios falaram que ela gritou muito, tipo, vai viajar, ficar longe da casa dela. Então, eu não queria lembrar, não queria ver. Eu caí uma vez do cavalo. Ele pisou no meu estômago, fiquei três dias dormindo assim, com pernas levantadas, porque não conseguia nem me mexer. Mas, depois, eu voltei a andar no cavalo.
P/1 - E voltando aos seus pais, qual é o nome do seu pai e da sua mãe?
R - Meu pai chama Atalah, minha mãe chama Tajia [00:24:01]
P/1 - E o que eles faziam? Qual era a ocupação, profissão?
R - Meu pai estava trabalhando como ajudante de advogado, e minha mãe dona de casa.
P/1 - Igual à minha mãe. Como você descreveria seu pai, sua mãe?
R - Dois reis, anjos. Meu pai trabalhou muito, sofreu muito. A situação da gente não estava muito boa, a gente não estava com muito dinheiro, porque, com o salário dele, ele consegue pagar o que a gente quer fazer, em um nível, entendeu? Não podia fazer muitas coisas, viajar muito, voltar muito de viagem. Mas ele ajudou nessas coisas. A personalidade ele é forte. E minha mãe tem um coração muito limpo. Ela nunca xingou alguém, eu lembro, ela não falava nenhuma palavra ruim. Ela faz comida maravilhosa, também. Ela é muito boa com todos. Todas as pessoas passam lá e falam com a minha mãe, e vai gostar dela. Ela tem vergonha, às vezes, com muitas pessoas. Ela é gente boa mesmo. Não porque é minha mãe, às vezes, é essa pessoa meio forte, mas ela também tem um coração muito limpo mesmo.
P/1 - E com quem você se parece mais, de personalidade: seu pai ou sua mãe?
R - Personalidade? Acho que nenhum. Brincadeira. Eu tenho coisas de meu pai, como tenho coisas da minha mãe. Não sei explicar isso, (ue ele sabe mais. Olha, quem vai me ver do lado de primos ou alguém que conhece meu pai, ele fala que você parece seu pai. Quem vai me ver no outro lado, ele fala que você parece sua mãe, entendeu? Mas eu acho que tenho muitas coisas do meu pai e dos meus tios, também. E da minha mãe. Não sei o que eu tenho, estou pensando. Nunca eu tive esse apego, mas, normalmente, da minha mãe. Eu não gosto de falar sobre alguém, essas coisas. Eu deixo. Se acontece alguma coisa, não deixo muito, mas eu fico sempre positivo com as coisas. É como o pai também.
P/1 - Eu não sei se vocês querem perguntar mais alguma coisa de infância ou se eu posso passar para outra época. Você tem mais alguma pergunta? Eu queria, agora, passar para a época da juventude. Me conta um pouco de quando você começou a sair sozinho com os amigos ou com os primos. Como foi?
R - Na verdade, eu comecei a sair quando... não sair mesmo, mas eu treinava Taekwondo e sempre andava até a academia sozinho, eu e meu irmão, também. Em 2000 eu tinha medalha de ouro Taekwondo, ganhei na Síria. Eu viajei muito, eu gostava muito de viajar. Eu acho que eu e meus primos, a situação da família, deixa você crescer mais que sua idade, porque você vai ter experiência, você vai saber o que você vai fazer com outras pessoas. Então, meu pai me deixou andar sozinho em outra cidade, até quando tinha dez, 11 anos.
P/3 - É da cultura, você acha? Ou da família?
R - Da cultura, e segurança, também. Lá não estava perigoso. Agora, é perigoso, mas não perigoso mesmo. E eu gosto de conhecer. Meu pai sabe que ele vai me deixar em um lugar, vou passar o lugar todo, depois volto ao mesmo ponto. Então, eu gosto muito de conhecer mais, tenho curiosidade sobre as coisas que eu não conheço. Sempre, se tem alguma coisa, meu pai me deixava para fazer o que eu queria. Eu falo para o meu pai: “eu vou para aquele lugar com meus amigos”. Ele deixa. Não tem problema, só se cuida. Mas, depois, como eu tenho muitos primos, eles meus amigos, então, todo mundo conhece onde a gente vai, a gente vai juntos, viaja juntos, volta juntos, fica juntos. Qualquer lugar que a gente vai. A gente trabalhou bastante também. Na nossa cultura, nove meses a gente estuda, três meses não, para você ficar fazendo nada. Não, tem 15 dias para descansar, dois meses para aprender outra profissão, 15 dias para preparar par sua escola. Então, eu trabalhei como marceneiro, como pintor, como eletricista. Bastante coisa. Só para ter experiência, também, nessas coisas, para depois. Então, qualquer coisa na minha casa vai quebrar, vou conseguir arrumar, porque eu tenho experiência que eu aprendi em um dia, em um momento, para fazer isso.
P/3 - Quem que ensinava essas coisas?
R - Um que tem profissão nesse lugar. Eu trabalhava com ele. Ele pagava muito pouco, ele não pagava, às vezes, mas a gente está aprendendo com ele.
P/1 - Quantos anos você tinha?
R - Quando eu tinha 12 anos. Não, menos. Quando eu tinha dez anos, eu trabalhei com meus primos pintores, também, e aprendi com eles nesses dois meses, nas férias da escola. E, depois, eu trabalhei com um primo da minha mãe, como marceneiro. Ele me ensinou bastante coisa. Eu, com gosto de aprender, sempre fico olhando para uma coisa uma vez, a primeira vez, eu consigo fazer na segunda. Então, eu gosto dessas coisas, que, quando vou aprender, alguém está fazendo essa coisa na minha frente, vou olhar o que está fazendo, vou tentar sozinho, eu consigo. Às vezes não da primeira vez, mas, de segunda, eu vou conseguir. Tenho que conseguir. Então, eu gosto de fazer essas coisas. Depois, trabalhe como eletricista, em uma fábrica de carvão. Narguilé você conhece.
P/3 - Sim.
R - Eu também trabalhei nessa fábrica por dois meses e pouco.
P/3 - Todo mundo faz isso? Meninas e meninos fazem isso?
R - A maioria das pessoas fazem isso. Meninas, não.
P/3 - Mais meninos?
R - Meninos, mais. Se as meninas querem, para aprender coisas também. Claro que uma menina não vai trabalhar em uma fábrica.
P/3 - Sim, mas faz coisa de cozinha?
R - Às vezes, não todos. Elas ficam em casa, ajudando a mãe, porque mãe também tem experiência em várias dessas coisas, então, elas vão aprender com a mãe, com o que ela está fazendo.
P/3 - As meninas também podiam sair, como os meninos?
R - Claro.
P/3 - Assim, para viajar, como você falou, com dez anos. Você podia andar. Igual a cultura para as meninas?
R - Na minha cidade, deixa. Só tem que ter segurança, um lugar que conhece onde elas vão.
P/1 - Suas irmãs tiveram a mesma liberdade que você, então?
R - Claro. Cada uma estudou o que queria, escolheu quem queria.
P/1 - E, nessa época, você disse que adorava viajar. Qual viagem você mais gostou, mais lembra, qual lugar foi mais especial para você?
R - Eu fui, uma vez, para uma cidade chamada Tartus, com minha família toda. Essa viagem nunca vou esquecer. Foi a última viagem com meu irmão, pouco tempo antes de ele falecer. Nessa viagem, a gente se divertiu muito, e eu e meu irmão estávamos nadando. A gente nadou, entrou muito para dentro, depois a gente voltou juntos. A gente entrou às 11 da noite e voltou às 3 da manhã. Quatro horas nadando. Essas coisas estavam rasgadas. Sabe quando você deixa muito na água? Então, a gente voltou assim. Eu lembro muito que a gente entrou, céu, estrelas, e mar. Não tem nada. Eu lembro muito dessa viagem. Mas tem viagem depois, que aconteceu.
P/3 - E a sensação, você consegue descrever, nesse momento, do teu corpo?
R - Estava deitado no mar, olhando. Você sente que você é um ponto pequeno nesse mundo, mas, também, você relaxa muito, sente que todas as energias negativas saem de você. Você sente medo, e, ao mesmo tempo, você sente que você consegue voltar. Pode pedir, se você quiser, mas você consegue voltar para onde você quiser. Então, nesse momento, dá muitas ideias legais. Ao mesmo tempo, vai ter medo, porque você não vai ter nada perto de você, só tem mar e céu.
P/1 - Você já teve alguma ideia que surgiu enquanto você estava no mar?
R - Sim. Estava imaginando assim: eu não vou conseguir voltar agora, o que vai acontecer? Essas coisas. Você sabe, as crianças sentem. Eu tinha muitos anos. Estava pensando: “se o mar jogar a gente em uma ilha que a gente não conhece, o que vai acontecer, o que a gente vai fazer, como a gente vai comunicar a família? A gente vai achar uma coisa brilhando, ouro?”. Sempre pensando várias coisas. Criança, você sabe.
P/1 - E aí você comentou do Taekwondo, não é? Que você ganhou medalha de ouro até. Você chegou a viajar para a prática do esporte, também?
R - Sim, viajei. Eles levaram a gente para outra cidade, na Síria, aí eu cheguei até Jordânia, também.
P/1 - Mas foi medalha do país? Como que funcionava?
R - País.
P/1 - Você pratica até hoje?
R - Não. Eu quero voltar, mas não tenho tempo agora.
P/1 - E como era, na época? Conta para a gente um pouco da experiência.
R - Meu primo jogava Taekwondo, eu não gostava muito dele. Eu gosto muito dele, até agora. Ele estava entre os meus ídolos, que ele também ganhou na Ásia. Ele jogava muito bem, muito forte. Então, ele mostrou movimentos na nossa frente, na nossa casa. Eu gosto muito de qualquer esporte, sei tudo, jogar futebol, vôlei, hand, Taekwondo, basquete. Eu gosto muito de jogar qualquer esporte. Então, ele fez, na nossa frente, poucos movimentos, eu fiz iguais, mais ou menos, e ele falou: “vai treinar”. Eu comecei com ele falou para mim. Comecei a treinar por causa dele, porque eu gosto, e meu pai me deixou na academia. Chegou um tempo que eu chego na academia à 5, e não estava a academia só, um clube, mesmo, que tem tudo. Eu entro para lá, vou começar a jogar vôlei, depois uma hora de Taekwondo, saio, jogo basquete, termino, jogo futebol, depois eu termino. Entendeu? Eu passava as férias assim. Quando não tem férias, eu não gastava esse tempo na academia, só a hora do Taekwondo. Comecei em 1999, parei em 2009. Dez anos.
P/1 - E como foi a sensação de ganhar uma medalha de outro para o seu país no esporte que você gosta?
R - Foi maravilhoso. Foi em uma cidade chamada (inint) [00:39:53], eu jogava lá. As pessoas começam: “essa pessoa ganhou antes, ele sabe jogar muito bem, não sei se você vai conseguir’’, então, vai ter competição dentro de você”. Eu vou conseguir ou não? Eu falo: “vou conseguir, tenho que conseguir”. Não por causa do esporte você é mais forte, tem que chegar no ponto que você quer chegar. Então, comecei. A primeira pessoa era muito mais alta que eu, estava tentando chegar até a cabeça dele e não conseguia, mas estava pensando, ao mesmo tempo: “eu vou conseguir ganhar dele”. No mesmo momento, você tem pouco tempo, tipo quatro minutos e meio, mais um minuto e meio cada vez. Nesses 90 segundos, você vai sentir que é muito tempo, ao mesmo tempo, muito pouco, muito cansativo. Eles têm que pensar muito mais rápido do que normalmente. Nesse tempo, tem que pensar 50 vezes mais do que você pensa normalmente. Então, comecei com ele. Primeiro tempo, ele ganhou de mim, dos pontos. Não consegui chegar no limite dele. Segundo tempo, eu comecei, também, eu joguei com ele, e consegui saber onde eram os pontos fracos dele. Então, nesse momento, tem que saber, tem que ter reaction, muito rápido. Comecei, consegui. No momento que ele quase estava caindo, consegui bater na cabeça dele, ele caiu no chão depois e eu consegui. Então, nesse tempo, sempre você tem que saber, você não pode parar, ficar preso no seu medo, entendeu? Tem que achar um caminho para você chegar.
P/3 - E essa relação da sua cabeça com seu corpo?
R - Tem que ficar tudo junto. O seu corpo tem que ajudar sua mente, mais. Porque quando você vai ter medo, você não vai conseguir fazer. Quando você vai pensar e fazer sem pensar 100 por cento, vai fazer errado. Então, o que aconteceu com ele? Aconteceu ao contrário. Eu fiz assim para ele, ele viu minha cabeça. Ele falou: “vou conseguir bater na cabeça dele”. Então, quando ele queria bater na minha cabeça, eu voltei para trás, o balanço dele, ele quase caiu. Quando ele fez assim, eu consegui fazer o que eu queria. Então, nesse momento eu consegui ganhar dele no pensamento e no movimento. Sempre tem que ter essas coisas, essas ideias.
P/1 - Eu não sei se juventude a gente já foca mais nesse momento de transição.
P/3 - Amores, também.
R - Sabe, quando junto, a gente gosta de qualquer. Com a nossa cultura, você tem que gostar de alguém, amar, depois você vai casar com ela, sim. Mas, normalmente, jovem vai gostar de qualquer pessoa, qualquer menina, entendeu? Então, assim, não passei nesse tema muito porque, como eu falei, eu comecei a estudar e formei na escola pouco tempo do que o outros, e comecei a trabalhar, também, pouco tempo dos outros. Comecei a trabalhar no hotel eu tinha quase 17 anos. Me formei na escola, comecei a estudar também, ao mesmo tempo. Então, amores, eu não passei muito nisso nessa época.
P/1 - Você não teve uma história, nem que seja uma paixão não correspondida, alguma coisa assim, nessa época, que você lembra?
R - Paixão é a coisa que mais deixa você um passo para frente e um para trás, entendeu? Você quer falar, mas você vai pensar: se você vai falar, como você vai fazer para você conseguir continuar; se você vai continuar, não vai conseguir o que ela quer, o que você quer, o que vai acontecer depois? Tem que preparar muito bem para você conseguir fazer isso. Normalmente, na nossa vida lá, quando você vai ter um amor, tem que continuar com ele, não pode desistir em qualquer tempo que você quiser e tentar com outra, entendeu? Tem que saber 100 por cento que é essa pessoa que você quer, 100 por cento você que continuar com ela, para não machucar ela, senão você machuca, também, seu coração. Então, normalmente, a gente faz o que? O que eu penso, normalmente? Essa menina, eu vou pensar nela, falar com ela, eu vou ter certeza. Eu vou falar. No momento que ela falar eu gosto, amo você, tenho que preparar esse momento. Tem que saber que tem que ter sua casa, seu trabalho, seu dinheiro – que você vai dar nela. Tem que ficar forte para ajudar ela quando ela precisa, não ser fraco com ela. No momento que ela precisa de você, se você não ajudar ela, ela vai se sentir mal e você vai sentir a mesma coisa. Eu gosto sempre de preparar muito bem, depois ir conhecendo.
P/3 - Isso é uma coisa que acontece com você ou dos costumes lá?
R - Costumes, mas comigo também, mais. Tem várias pessoas, muitos amigos que: “eu amo minha namorada, eu gosto dela muito”. Sim, eu gostava de muitas meninas, entendeu? Falava com muitas meninas, mas não como namoradas. Mas não achei aquele momento que eu vou falar: eu gosto muito de você, vamos namorar”, entendeu? Eu sempre tenho essa coisa que eu preparo muito bem para fazer. Eu comecei a trabalhar, a ter minha casa, para ter esse momento, para casar, como a gente fala. Depois, começou o conflito lá na Síria, eu parei um pouco para ajudar mais minha família, que fico pensando em outras coisas, entendeu?
P/3 - Você começou a trabalhar em que, lá? Seu primeiro emprego.
R - Primeiro emprego? Hotel.
P/1 - Você é formado em hotelaria, não é? Você se formou na Síria?
R - Sim. Estava estudando e trabalhando ao mesmo tempo.
P/1 - Você se formou, então, lá na Síria?
R - Sim, em Damasco.
P/3 - Agora, para falar da transição para o Brasil, eu queria te perguntar, primeiro, qual tua primeira memória do Brasil. Lá na Síria, se você tem alguma história ou se você já tinha alguma informação.
R - Se vocês forem agora para a Síria, nesse momento, nessa época da copa do Mundo, vocês vão ver só verde, amarelo e azul nas ruas. Tem várias bandeiras do Brasil, então, todo mundo gosta do Brasil lá, muitas pessoas. Eu posso mostrar vídeos de vários carros passando com bandeira do Brasil. Parecem mais brasileiros do que aqui. Meu pai gosta muito do Brasil, da seleção, e, também, eu comecei a pesquisar sobre o Brasil. Em 2002, quando o Brasil ganhou a Copa do Mundo, falei: “vou para lá assistir um jogo, conhecer Ronaldo”. Qualquer momento que a gente jogar, você sente que você é o Ronaldo para fazer esse gol. Você não pode fazer isso, porque Ronaldo é uma pessoa que chegou no outro mundo e está jogando futebol. Todo mundo gostava dele, eu gosto muito dele até agora. O jogador. Não sei o que ele tem, mas eu gosto quando ele joga. Então, pensei: “vou viajar, vou chegar no Brasil, vou conhecer a seleção do Brasil, conhecer o Brasil”. Pesquisei um pouco sobre o Brasil, não no computador, nos livros, porque em 2012 não tinha muitas coisas. Gostei muito da história do Brasil, das pessoas daqui. Onde eu trabalhava, depois, quando comecei a conseguir o que queria, chegaram muitos brasileiros lá, conversei com muitos. Gostei muito do Brasil, também, por causa dos brasileiros que eu conheci lá na Síria. Eu gosto muito mesmo. Eu falei: “vou viajar para o Brasil um dia”. Eu gosto de viajar muito. Comecei a trabalhar quando tinha 17 anos, no Four Seasons Hotel. Depois de sete anos, estava trabalhando de coração mesmo, a guerra começou na Síria, e trabalho no hotel, você sabe, vai parar muito. Falei: “vou agora, eu tenho condição de me mandar para outros países”. Me mandou para a África do Sul, Malásia, Cingapura, esses países, Líbano. E chegou o momento em que não pode me mandar para outros países mais. Consegui viajar muito por causa do hotel. Falei: “agora, a moeda da Síria vai ficar muito fraca, e não vou conseguir ajudar muito minha família, tenho que começar a pensar em ganhar em outra moeda mais forte”. E tem um gerente meu, que trabalhou comigo no hotel, que me chamou para trabalhar em outro hotel, lá no Norte do Iraque, Erbil. Naquela época, em 2012, Erbil estava crescendo muito, quase chegando até como Dubai agora, que é uma área muito comercial. Então, comecei a trabalhar lá, mas como eu gosto muito de vida divertida, de conhecer mais pessoas, não gostei muito. As pessoas não gostam de conhecer muito os outros, então, não consegui me encaixar mais. E apareceu Copa do Mundo no Brasil. Falei: “eu vou para o Brasil, tenho que ir, e, como eu estudei hotelaria, hotelismo, falo outras línguas, tenho que ir, vou conseguir trabalhar muito rápido”. Imaginei assim. “E vou assistir pelo menos um jogo”, porque um dos meus sonhos é assistir um jogo da seleção brasileira, ou Copa do Mundo mesmo.
P/3 - Em 2014?
R - Em 2013. Em 2011 comecei a viajar.
P/3 - Você viajava porque você trabalhava no hotel, mas que tipo de viagem? Trabalhar em outros lugares?
R - Porque Four Seasons Hotel tem em vários lugares do mundo. Tinha 81, agora tem muito mais.
P/3 - Então, eles te transferiam ou você pedia para ser transferido?
R - Não. Eles me mandaram para treinar novos empregados para trabalhar no hotel. Que o Four Seasons Hotel tem o processo de trabalhar que você tem que conhecer muito bem para você conseguir trabalhar. Tem muitas coisas que você tem que aprender antes de entrar, então, quem vai ensinar você? Eles vão escolher uma pessoa que tem experiência muito boa, que está andando muito bem no hotel, para ensinar essas pessoas. E me mandaram para outros países para fazer isso. Fui, comecei a ensinar vários empregados de outros países, também, e gostei muito das viagens.
P/3 - Você trabalho por sete anos no hotel?
R - 17 anos quando cheguei. Eu trabalhei por sete anos.
P/3 - Teve algum acontecimento engraçado ou difícil nesse período todo em que você trabalhou? Uma situação que, hoje, quando você lembra, você dá risada ou fala: “nossa, aquela situação foi difícil”.
R - Não sei se vou lembrar agora.
P/3 - Uma situação marcante.
P/1 - Algum hóspede?
R - Na verdade, aconteceu uma vez. Eu estava trabalhando 11 da noite e terminava 8 da manhã. Então, em um momento, entraram três pessoas no hotel, e, depois, em pouco tempo, saíram duas pessoas. Eles correram para sair do hotel, não sei o que aconteceu com eles, e a gente ficou preocupados, porque tinha uma pessoa com eles que não saiu com eles. A gente ligou para o quarto, ninguém atendeu. E a gente estava procurando a terceira pessoa, alguém perguntou sobre ele. Então, a gente imaginou que essas duas pessoas mataram essa pessoa e eles saíram. A gente estava procurando, a gente não achou, a gente falou: “vamos entrar no quarto para saber se eles fizeram alguma coisa”. A gente bateu na porta, ninguém atendeu. Depois, um dos seguranças que trabalham com a gente abriu, entrou, achou uma pessoa embaixo do cobertor, e era aquela pessoa não estava fazendo nenhum movimento. Todo mundo achou que eles mataram essa pessoa e saíram. Depois, todo mundo entrou, estava com medo de tirar o cobertor, porque se você vai tirar, ele está dormindo, ele vai sentir, primeiramente, que a gente está entrando no quarto dele, fazendo uma coisa ruim, e se ele está morto, a primeira pessoa que vai ver ele vai ter medo. Falei: “vamos, eu vou tirar”. Tirei o cobertor. A gente achou um empregado, estava dormindo, sem ninguém saber, e aquela pessoa ninguém sabe onde está. Ele saiu antes de todos, e aquela pessoa estava dormindo, acordou e ficou: “eu não sou essa pessoa”. Já falou: “meu nome, não trabalho aqui, não conheço quem é”. Pareceu que ele não lembra quem é ele. Esse momento eu lembro muito, porque estava todo mundo com medo, depois aconteceu isso, todo mundo dava uma risada. Acontece essas coisas. Mas aquele momento que lembro. Sempre tem muitas coisas.
P/1 - Então, só retomando, você estava falando, então, que você teve esse período que você trabalhou fora, e daí chegou esse momento em que cê viu a oportunidade de vir para o Brasil por causa da Copa do Mundo, não é?
R - Sim.
P/1 - Isso foi em 2013, que a Copa ia ser em 2014. Como é que foi isso?
R - Sim. Em 2013 eu estava trabalhando no outro hotel, e, naquele hotel, em Erbil, eu não gostei muito. Eu gostei do trabalho, mas não gostei de lá, mesmo. Então, eu falei: “eu vou viajar”. Tinha um amigo meu comigo, também. A gente estava morando no mesmo quarto que o hotel deu para a gente. Falei para ele: “vamos viajar?”. Ele falou: “vamos, mas para onde?”. Falei: “vamos viajar, pega sua mala e vamos para a Turquia, depois a gente vai achar onde a gente vai”. Ele falou: “vamos”. No mesmo momento, a gente desceu para a gerente e falou: “a gente vai deixar o trabalho”. Eles falaram: “mas como assim? Você está trabalhando aqui, o melhor dos que trabalham no departamento”. A gente falou: “vamos deixar, a gente vai se mudar para outro país, outro lugar”. E eu lembro até agora que a gerente ficou chorando muito, por causa do que a gente deixou no momento, queira ou não queira a gente deixa. A gente viajou para a Turquia, a gente começou a procurar para onde a gente vai, mas falei: “vou para o Brasil”. A gente chegou na capital da Turquia, Ancara. Eu não imaginei que tivesse consulado no Brasil. A gente só tem embaixada em Istambul. Quando eu chego no consulado, falei: “vamos para o Brasil”. Fui lá, consegui visto em um dia, foi muito rápido. Quando você coloca uma coisa n sua mente, vai acontecer. Eu consegui o visto, voltei para o Líbano, depois para a Síria, falei tchau para a minha família, porque eu sei que vou chegar aqui e começar do zero mesmo. Cheguei aqui em 2014. Eu mais meu amigo, que chama (Ehabi) [01:00:12]. Não conhecia ninguém, não falavam português, nem ele, a gente não tem dinheiro para continuar muito tempo, e não conheço para onde eu vou. Cheguei no aeroporto, falei: “e agora?”. Ele falou: “e agora, para onde a gente vai?”. Falei: “vamos procurar um lugar para dormir”. Procurei no meu notebook, achei um lugar em Santa Cecília.
P/3 - Você já tinha essa imagem do Brasil na cabeça? Como foi o primeiro impacto? O que você lembra do avião pousando? Você olhou e era como você esperava?
R - Olha, primeiramente, como a internet agora tem muitas fotos e vídeos, essas coisas, você vai pesquisar, vai achar, vai começar a aprender a língua. A gente não conseguiu aprender, porque você não pode aprender sozinho, antes de chegar no lugar que fala essa língua, mas a gente imaginou que teria muitos campos de futebol no caminho, todo mundo jogando. Eu imaginei um pouco demais sobre o futebol mesmo, entendeu? Não achei isso quando cheguei. Mas tem coisas que eu acertei, tem coisas que não, ficou menos do que eu imaginei. Tem coisas que ficaram muito mais maravilhosas do que eu imaginei.
P/3 - O que são essas coisas muito maravilhosas?
R - As pessoas daqui. Muito mais maravilhosas do que eu imaginei, porque eu imaginei que, como outras pessoas que eu encontrei na minha vida, me falando: “oi, tudo bem?”. Aqui, você fala oi para a pessoa, já virou amigo, entendeu? Começa a falar histórias. Essas coisas maravilhosas que gostei muito.
P/3 - Então não foi um conflito que te trouxe para cá?
R - Na verdade, conflito me deixou deixar a Síria, entendeu? Eu saí da Síria porque conflito, porque, na minha área, não consigo trabalhar mais, porque turismo, hotelaria, ninguém vai visitar a síria mais nesse conflito. E o que me chamou mais, também primeiramente, eu quero um lugar bom para a minha família também, não só para mim, porque vou levar minha família para um lugar, e tem que saber que está certo para minha família continuar comigo. Ali não foi esse lugar. Turquia, não. Líbano, claro que não. Entendeu? Tem que ser um lugar onde as pessoas sentem como a gente está sentindo e eles gostam dos estrangeiros, entendeu? Tem vários países que não gostam. Aqui, não. Aqui, muitas coisas maravilhosas chamam você para continuar. Então, Turquia não gostei, (inint) [01:03:36] não gostei. Falei: “o Brasil tem a seleção que eu gosto, tem um lugar turístico, também vou conhecer mais, vou ver se é um lugar bom, vou levar minha família para lá”. Falei isso.
P/3 - A intenção era trazer família, pai, mãe?
R - Trazer meus pais, irmãs, e, também trabalhar bem na minha área. E sempre gosto de viajar, de conhecer coisas novas, como eu falei, e quem me deixou ter coragem para sair, para viajar para um país que eu não conheço ninguém.
P/1 - A gente está falando do ano de 2014. Você chegou em 2014?
R - 2014.
P/1 - Com esse seu amigo, não é?
R - Sim.
P/1 - Aí você falou do primeiro impacto. Não tinha tanto futebol, mas as pessoas eram... então, conta uma história marcante desse primeiro ano, dessa chegada.
R - Tem muitas histórias. Eu vou começar, agora, a falar. Aqui começaram as histórias mais engraçadas. Cheguei aqui, não conhecia ninguém não sabia uma palavra em português. Cheguei no aeroporto, imaginei que inglês ia usar. Comecei, no aeroporto: “você fala inglês?” “Sim, eu falo” “Goodnight. Então, vamos continuar”. Só isso eu conheço. Cadê o inglês nesse momento? E a gente precisa, alguém fala com a gente. Não tinha muitas pessoas falando inglês, porque a gente chegou muito à noite mesmo. Não tinha muitas pessoas lá. Então, eu comecei a procurar, achei um lugar na Santa Cecília, fui lá. A gente estava pagando 90 por dia, muito caro para a gente, se você chegar com pouco dinheiro. Até se você tem muito dinheiro, vai acabar. Ele não tinha, também, muito dinheiro. A gente começou a procurar trabalho. A gente imaginou que ia achar trabalho direto, rapidinho, porque a gente fala outras línguas. A gente começou a procurar, andar muito nas ruas, e foram poucos lugares que a gente conseguiu entrar para conversar com dono, mas todo mundo pediu o visto aqui mesmo. A gente tem visto de turista, mas não tem documento para trabalhar. Quem não pediu isso, pediu português. A gente tem que ter isso, de verdade. Claro que você tem que falar a língua, pelo menos, pouco, e, também, ter documento.
P/3 - Onde vocês procuravam, Ali?
R - Na área de hotelaria, nos hotéis. Eu imaginei que hotel precisa de inglês mais. E não consegui muito. E a gente começou a procurar um lugar mais barato para a gente conseguir pagar mais, porque o dinheiro estava acabando mesmo. Chegou em um momento que a gente tinha 80 reais e o hotel era 90 reais. Falei para ele: “vamos colocar nossas roupas e começar a procurar um lugar para mais dois dias, talvez vai acontecer alguma coisa nesses dois dias”. A gente começou a procurar. Primeiramente, a gente achou um lugar por 25 reais, a gente entrou e eu conversei com quem trabalha lá, e ele falou: “25, sim”. Ele mostrou o quarto para a gente, maravilhoso, falei: “só 25?”. Ele falou: “sim, 25”. Mas a gente descobriu, depois, que 25 a hora, entendeu? Ele imaginou que a gente estava entrando lá. Meu amigo: “vamos sair, procurar outro lugar”. E a gente encontrou um assim. Falei: “talvez, a gente vai dormir amanhã em um lugar maravilhoso embaixo de uma árvore”.
P/3 - Era 25 a hora?
R - A hora. A gente entrou em um hotel que a gente não sabia qual, entendeu? Então, a gente continuou. A gente não achou mesmo. Eu falei para ele: “vamos procurar um lugar bom para dormir, embaixo de uma árvore”. Ele falou: “depois vai acontecer o quê?”. A gente estava rindo nesse tempo, a gente não ficou triste com o que a gente vai fazer. Eu falo para ele: “não pensa negativo”. Ele não pensa negativo também. “Vamos, não tem problema, a gente tem que chegar em um momento que a gente vai conseguir fazer o que a gente quer”. Coloquei minha calça, coloquei a mão no meu bolso, achei 150 dólares. Não sei de onde apareceram. Fiquei louco, falei: “vamos comemorar, vamos beber uma cerveja”. Ele falou: “vamos”. A gente foi, estava tomando, e tinha uma família do lado da gente, cantando e dançando. A gente começou a dançar com eles. Não sei, começou. Eles falaram: “onde vocês moram?”. A gente falou: “aqui, tem um hotel que chama...”. Esqueci como ele chama. “A gente mora aqui”. Eles falaram: “não, como vocês estão morando no hotel? A gente tem um quarto vazio, vocês querem morar com a gente?”. Falei: “mas como vocês confiam em uma pessoa que chegou há pouco tempo e não conhece?”. Eles falam: “a gente gostou de vocês, vocês querem?”. A gente falou: “vamos”. O meu amigo: “talvez, vão fazer alguma coisa pra ele”. Falei: “não vão fazer nada, vamos, a gente está lá, vamos dormir na rua, talvez, amanhã ou depois. Se a gente não fizer isso, a gente não vai conseguir fazer nada”.
P/1 - Essa conversa foi em inglês?
R - A gente usou o Google para conversar. E eles falaram poucos palavrões em árabe.
P/3 - Era época de Copa?
R - Antes da copa, um pouco. Nove dias só.
P/3 - Essa foi a primeira história da generosidade brasileira?
R - Sim. Isso mesmo. Eles falaram: “vamos, morem com a gente, a gente tem um quarto vazio, não precisa pagar nada”. Mãe, filha, e namorado da filha, e uma pessoa com eles, não sei, imaginei que ele fosse pai. Então, a gente chegou lá e eles começaram a indicar a presença de mais pessoas, visitas. A gente recebeu muitas visitas. “Olha, tem duas pessoas chegando da Síria, vem cá visitar, conhecer”. A gente ficou feliz conversando com todo mundo, conhecendo todo mundo. A gente viajou com eles para o interior da cidade da mãe da dona da casa. Então, a gente conheceu muito, e a gente começou a procurar mais tranquilos o trabalho. Trabalhei em muitas coisas, vendi até água na rua, nos carnavais, nos blocos. Trabalhei com várias coisas, só para continuar. E pensei, também: “eu falo inglês, não tem muitas pessoas que falam inglês perto de mim, até onde eu conheço, vou começar a ensinar inglês”. Eu continuei trabalhando com qualquer coisa que eu conseguia. Também comecei a aprender português.
P/3 - Isso que eu ia perguntar agora. Com essa família, você começou a aprender português?
R - Não só com eles, porque eles trabalham de manhã até à noite. Eu peguei meu caderno, comecei a andar nas ruas. Qualquer palavra que eu achava na rua, no supermercado, qualquer pessoa que quer conversar comigo eu converso, moradores de rua também. Qualquer momento que eu consigo falar ou escutar português, eu fico escutando, aprendendo. Qualquer escola que ajuda para ensinar, eu entrei. Fiquei todos os dias aprendendo português, quase 20 horas, mais ou menos, escutando músicas, várias coisas. Falei: “vou, talvez, conseguir trabalhar na Copa, porque vai começar daqui a pouco, daqui dois meses, e, se eles vão perguntar se eu falo português, eu vou falar que sim”. E continuei a procurar trabalho na minha área, e também procurar sobre conseguir fazer documentos.
P/3 - Só um parêntese. Você falou de escola. Você chegou a entrar em alguma escola?
R - Entrei, em várias. Tem uma que se chama (inint) [01:14:29], que uma pessoa chama André. Ele fez essa escola para ajudar imigrantes e refugiados, também, a aprender o português. Ele começou comigo e com uma família, e, depois, favoreceu essa escola. Porque essa pessoa morava no Egito, ele gosta muito do Egito, Árabes também. Ele chegou, conheceu esse amigo meu que eu conheci ele aqui, ele falou: “se quiser, eu vou ensinar português para vocês”. A gente foi em uma igreja, mesmo, que ele ensina. Uma escola em cima da igreja. Então, a gente chegou lá, ele começou a ensinar a gente, e também escutei outras pessoas que tem outra escola que está ensinando, fui lá também. Qualquer lugar que tem alguém falando português, eu entrei. Várias igrejas, lugares em que estão fazendo conversa em português. ‘O que você está fazendo aqui?”; “Só escutando”.
P/3 - Qual você acha que é a maior dificuldade e diferença da língua árabe para o português?
R - A língua árabe é difícil – não para a gente –, mas tem coisas que você consegue, depois, saber como você vai conseguir falar. Tem as pronúncias onde as letras vão sair. A língua portuguesa quase você não usa toda a técnica do português que mais para cima, assim, mais da metade que você usa no árabe. No árabe se usa até aqui, tipo (inint) [01:16:30]. Começa aqui. Português, não. Daqui para fora, entendeu? Mas tem que saber como você vai pronunciar entre uma palavra e outra. Tipo, maça, massa. Entendeu? Tem que saber como você vai pronunciar. Pão, essas coisas. Sempre se fala uma palavra um pouco errada. Não vão entender. Em árabe, se você vai falar a palavra um pouco errada, vão entender.
P/3 - Você tem alguma história de você tentando falar português e criou uma situação engraçada por ter errado?
R - Sim, com a família, mesmo. Eu falo para eles: “vou fazer essa comida, vocês querem?”. Eles falam: “o quê?”. Eu imaginei que o que está bom, faz. Entendeu? Depois eu falei para eles, não sei o que eu estava fazendo, uma coisa que não pode. Então, uma coisa é para colocar a comida. Não sei o que eles queriam fazer mesmo, depois eu fiz, que não posso fazer, entendeu?
P/3 - Um tempero?
R - Não sei, uma coisa. Ah, pimenta na... eu falei: “vocês querem que eu coloque pimenta nessa comida?”. Eles falaram: “o quê?”. Mas não pimenta, eu não falei o português bem, eu falei uma coisa que não conheço ainda, entendeu? Nem eu entendo agora, se vou falar de novo. Falei: “o quê?”. Eu imaginei que “o que” significa “ok”. Esse no começo. Ok, coloquei. E tinha uma pessoa que tem alergia à pimenta. Ela ficou chorando por causa da pimenta. “Como você colocou?”. Começaram a gritar, não sei, falando palavras. “Vocês falaram ok”. Depois, descobri que “o que” significa “what” in english. Entendeu? Ok. O que você disse, entendeu? Essa coisa foi engraçada, ao mesmo tempo que eu errei muito.
P/1 - Você trabalhou uma Copa do Mundo mesmo, não é?
R - Sim. Continuei a procurar um trabalho. Depois, estava no metrô, falando no telefone, e chegou uma pessoa perto de mim, falou: “de onde você é?”. Falei: “da Síria”. Ele falou: “você fala outras línguas?”. Eu falei: “sim, eu falo”. Ele falou: “você está fazendo o que aqui?”. Falei: “estou procurando um trabalho”. Essa pessoa chama (inint) [01:19:22], ele está no hospital agora, tenho que visitar ele. Ele falou: “então vamos comigo”. Falei: “mas para onde?”. Ele falou: “você quer trabalhar ou não?”. Falei: “quero”. Ele falou: “então vamos”. Fui no lugar, fiz entrevista, num lugar chamado Man Power, uma agência para fazer eventos ou para trabalhar nos eventos. Contratado. Então, o gerente de lá falou: “parabéns, você vai trabalhar”. Falei: “onde vou trabalhar?”. Ele falou: “você não sabe?”. Falei: “não”. Ela falou: “você vai trabalhar na Arena Itaquera, na Copa do Mundo”. Fiquei louco, levantei assim e falei: “você está falando sério?”. Ela falou: sim, você vai trabalhar lá. Você quer ou não?”. Falei: “claro que eu quero”. Meu sonho é assistir um jogo só. Consegui assistir todos os jogos que aconteceram aqui, até ganhei dinheiro, não só assisti. Trabalhei, ganhei dinheiro, conheci mais pessoas diferentes, no centro, mesmo.
P/3 - E no Itaquerão, hein?
R - Itaquerão. Eu vou falar: eu sou corintiano por causa do Corinthians Itaquera, entendeu? O Corinthians marcou no meu coração aqui, que não posso tirar e colocar outro. Por isso. As pessoas, talvez, não vão gostar. Eu gosto pelo que aconteceu comigo.
P/3 - Seu amigo estava com você? Esse que veio com você.
R - Não, ele conseguiu um trabalho lá no (inint) [01:21:12] em uma escola de inglês. Eu não peguei o caminho dele, eu falei: “eu vou pegar meu caminho, porque tenho que aprender português. Eu aprendi antes que ele.
P/3 - Como foi essa experiência da copa do Mundo?
R - Um sonho que se está conseguindo, que você acha. Eu consegui trabalhar lá, consegui mais amigos, conheci mais pessoas, assisti todos os jogos, consegui mais alunos de inglês, consegui divulgar mais sobre meu país, que eu tenho que mostra a realidade de lá, não como as pessoas acham, que é guerra, deserto e bombas. Não. Tem que mostrar mais sobre o meu país que as pessoas conhecem, porque não é só deserto, bombas, guerras. Nunca aconteceu uma guerra, antes dessa, quando eu era pequeno até agora, que a vida ficou maravilhosa mesmo. Então, as pessoas têm que conhecer mais minha cultura, a cultura da Síria, o que a gente tem. Síria tem uma história muito antiga, muito grande, muito rica, não só o que vocês acham. E o Brasil também tem uma história muito rica, muito grande, tem cultura, as pessoas aqui, juntas, tem um mundo dentro de um país. Chama Brasil. São Paulo, entre os bairros. Você vai um pouco para Jabaquara, vai achar a Liberdade, chineses. São Joaquim, Japoneses. Aquele outro lugar, alemães, italianos. O mundo dentro de um país pequeno, você consegue. Nas estações do metrô, mesmo, você passa em países. Então, é uma coisa maravilhosa que tem aqui. Tenho que mostrar para outras pessoas, de outros lugares, e tenho que mostrar mais sobre a história do meu país. E comecei. Falei: “vou, agora, mostrar mais, vou ensinar as pessoas, inglês ou árabe, o que eles quiserem e vou sobreviver mais”.
P/3 - Como você entrou em contato com o Abraço Cultural?
R - Então, continuei assim. Em uma escola onde eu estudava, falaram que tem uma ONG que vai começar daqui a pouco, que se chama Abraço Cultural. Ele precisa dos professores. Fui lá, fiz a entrevista, e o André, que começou nessa ideia do Abraço Cultural, falou a ideia do Abraço. Eu amei, porque é a mesma coisa que eu estava fazendo. Consegui três coisas que eu queria muito fazer aqui no Brasil, em um ano: chegar no Brasil, assistir os jogos, morar, no momento em que eu estava quase dormindo na rua, conhecer mais pessoas, trabalhar, me encaixar mais, falar português, e o trabalho do Abraço Cultural. O Abraço Cultural é, também, o mundo dentro de um país que parece mundo, entendeu? Comecei a trabalhar no Abraço Cultural. Quando ele mostrou, eu falei: “eu cheguei no lugar certo, vou tirar a ideia de trabalhar nos hotéis, vou trabalhar aqui, porque eu gosto muito da ideia, estou continuando por causa disso”. Estou continuando a ensinar algo ainda, sou coordenador de lá, comecei como professor assistente de inglês. Depois virei professor de árabe, depois coordenador, e, agora, coordenador comercial no Abraço Cultural. Então, eu cresci para chegar nesse momento aqui no Abraço, e mostrei a Síria para várias pessoas que gostaram muito. Tem muitas pessoas que aprenderam comigo que querem conhecer, viajar para lá. Elas têm ideias muito mais maravilhosas do que eles imaginavam.
P/3 - O que da Síria você quer passar para as pessoas?
R - Quero passar que a Síria é um país muito antigo, que tem história. Primeira capital do mundo, primeira cidade, as histórias dentro de Damasco, de Palmeira, do primeiro alfabeto que começou lá mesmo, tem várias religiões na Síria, tem cidades em que se fala aramaico ainda, tem cidade que fala ashoori, que são as línguas mais antigas do mundo. Tem cidade que fala siriani ou síria. Vocês sabem o que significa síria? Síria, vocês conhecem o que significa? Nunca escutaram? Significa sol, o deus do sol. Síria. Então, Síria tem uma história muito grande, qualquer pedaço da pedra tem uma história muito grande mesmo. Então, eu quero mostrar essas histórias, quero mostrar a comida, as danças, as pessoas da Síria, o que eles pensam, como é o estudo deles, a educação, as escolas, como a gente estuda, até qual momento a gente pode chegar para trabalhar, para conseguir mais coisas lá mesmo. Todo mundo fala mais uma língua na Síria, todo mundo estuda duas línguas. Tem várias coisas que eu tenho que mostrar. A mídia sempre mostra as coisas que eles querem, que deixa as pessoas terem medo e tem curiosidade mais sobre o país. Não, tem coisas muito mais maravilhosas que as pessoas mostram. Sempre fica positivo. Eu não gosto de falar sobre coisas negativas, eu sempre falo coisas positivas na minha vida. Eu consigo, agora, falar que eu passei muito mal aqui, não consegui um lugar para dormir. Poderia falar isso, mas, no mesmo momento, eu posso falar: “não consegui, mas consegui ir nesses lugares, uma família me encontrou, falou isso”. Entendeu? Sempre eu gosto de falar coisas positivas. O caminho vai chegando na sua frente, sozinho. Então, gosto sempre de mostrar as coisas positivas sobre meu país para as pessoas gostarem mais, para descobrirem que é verdade. Se eles vão visitar lá, o que o Ali falou estava certo.
P/3 - Se você tivesse que, em uma curta frase, dizer o que o Brasil tem de semelhança com a Síria, e de diferença, o que seria?
R - De semelhança, tem as pessoas. Lá na Síria, quando você chega, todo mundo vai sorrir na sua frente, porque a gente gosta de visitar, de estrangeiros. Aqui, mesma coisa. A diferença é a comida. Aqui sabem dançar que que lá, jogar futebol muito melhor.
P/1 - Qual comida é melhor?
R - Da Síria.
P/3 - Apesar que aqui a gente já acha que é nossa essa comida. A gente come muita coisa.
P/3 - Quando você come comida árabe aqui, você acha que é bem feito?
R - Olha, tem lugares que chegaram a 40 por cento, entendeu?
P/3 - Dá essa dica.
P/1 - Não chega nem perto da comida da sua mãe, não é?
R - Da comida da minha mãe, nem chegaram a 30 por cento.
P/3 - Dá a dica. Onde é esse lugar que chegar perto?
R - Olha, tem um lugar na Rua dos Pinheiros, aqui perto, que chama Karan, cozinha..., às vezes..., lá mesmo, então, a comida dela é maravilhosa também, gosto muito.
P/3 - Ela é Síria?
R - Ela é Síria.
P/3 - Karan que chama?
R - Não, o restaurante, mas essa pessoa eu chamo de primo, todos primos. Em árabe, letra P não tem, tem só B. Todos os árabes, brimos, entendeu? Todo mundo fala brimo. Então, meu brimo. Eu falo primo. Mas lá a comida deles é muito boa.
P/3 - Você falou que aqui a gente dança mais que lá, mas lá dança bastante.
R - Sim, tem danças lá, mas entre os brasileiros e sírios, brasileiros maravilhosos nas danças, sabem dançar muito mais. Samba é até um esporte.
P/1 - Agora, só para finalizar, eu queria te perguntar do amor, porque agora você está noivo, não é? Então, como é que foi a história? Foi aqui?
R - Não, minha noiva é lá da Síria.
P/1 - Ela está lá?
R - Sim.
P/3 - Conta a história inteira dela, então. De vocês dois.
R - Ela é minha prima, mas o último momento que eu vi ela foi antes de viajar da Síria. Eu viajei faz pouco tempo para lá, para ver minha família. Então, faz seis anos. Você vai sentir que ela é criança ainda. Ela tinha 17 anos. Então, depois, não encontrei mais. Eu estava sempre na casa deles, mas eu era criança, estava com o meu primo sempre. Ela apareceu no Facebook. Eu falei: “quem é essa menina?”. Minha mãe falou: “olha, ela estava com a gente, estudando aqui e ela é sua prima”. Então, eu falei: “vou conversar com ela”. Falei com ela, a gente começou a conversar. Chegou um momento que a mente dela encaixou muito na minha mente. Falei: “olha, eu gosto muito dela mesmo”. Fui para a Síria também, me encontrei com ela, a gente conversou mais, então, a gente começou a namorar. Agora, ela está lá, eu estou aqui.
P/1 - Você estava no Brasil quando você começou a conversar com ela?
R - Sim.
P/3 - No Facebook?
R - Não, ela é minha prima eu conheço ela muito bem.
P/3 - Sim, mas vocês começaram a conversa?
R - No Facebook, eu conversei para conhecer ela mais. Conheci ela muito mais. Depois, eu cheguei no momento em que consegui falar para a minha tia: “eu gosto muito da sua filha”. Ela falou também.
P/1 - É prima irmã, de primeiro grau?
R - Sim, filha de minha tia, irmã do meu pai.
P/1 - E isso não é visto como um problema?
R - Não. Eu tenho 18 tias, se for olha para cá, para lá, vou achar primas, entendeu?
P/1 - Mas eu digo até pela questão biológica, de consanguínea.
R - Não tem problema, porque minha tia é casada com uma pessoa, não é da família, entendeu? Então não tem esse problema. Minha irmã é casada com o meu primo.
P/1 - Já tem vários na família?
R - Tenho. Tenho vários primos que casaram com primas, então, para a gente, não tem problema, porque tem vários.
P/3 - Você falou que tem vontade de trazer a família. Você ainda tem essa vontade?
R - Sim. Agora eu estou trabalhando muito para conseguir isso.
P/3 - E quem você está pensando em trazer? Você disse que pensou em trazer sua mãe.
R - Meu pai, minha mãe e duas irmãs.
P/1 - E ela?
R - E ela. Ela está estudando agora. Quando ela terminar, vou trazer ela para cá.
P/1 - Como é essa saudade?
R - Tenho muita saudade. Todos os dias eu penso. Agora, minha irmã chegou lá na Síria, depois de seis anos que ela não via minha mãe, meu pai e minhas irmãs. Quando eles chegaram lá, ela ligou para mim, estava no meio do trabalho, tinha muito trabalho. Eu atendi o telefone, vi que todo mundo estava sentado lá, falei: “eu quero ir para lá”. Eu queria muito.
P/1 - Tem uma palavra, em árabe, para saudade?
R - Sim, claro.
P/1 - Igual? Porque tem muitas línguas que não têm a palavra saudade.
R - Tem, (inint) [01:35:44].
P/1 - Quer dizer “eu sinto saudade”?
R - Eu sinto saudade. (inint) [01:35:52]. Muitas coisas, muitas palavras. O árabe é uma língua muito rica, também, então, quando você vai explicar um sentimento, tem várias palavras, entendeu?
P/3 - Você foi para lá depois de 2014, 2013?
R - Cheguei lá depois de quase quatro anos que não via minha família. Cheguei em 2017, no fim do ano.
P/3 - E aí como foi esse encontro?
R - Maravilhoso, muito bom. Cheguei lá, eu falei: “vou fazer uma surpresa para minha mãe”. Cheguei em Damasco, pensei muito, falei: “vou, agora, aparecer na frente da minha mãe, vai acontecer alguma coisa ruim o coração dela não vai aguentar”. Porque minha mãe é um pouco doente, e não quero que aconteça mais para ela. Liguei para ela, de Damasco, falei: “minha mãe, estou em Damasco”. Quando falei isso, ela começou a chorar: “vem aqui, quando você vai chegar?”. Falei: “calma, amanhã eu chego lá”. Ela chorou muito, eu falei: “se vou lá direto, não vai aguentar, mas agora, pelo telefone, menos mal”. Cheguei lá, encontrei, primeiramente, com meu pai, minha irmã, minhas primas que estavam me esperando lá. Eles me levaram até a casa. Cheguei lá, meus sobrinhos começaram a chorar também, minha mãe, todo mundo, e a gente começou a tirar fotos assim, vamos gravar esse momento. E ela também fez para mim uma comida maravilhosa, no começo. Eu engordei 13 quilos. Não tem como.
P/1 - Quando você encontrou com a sua noiva pela primeira vez, depois da conversa no Facebook?
R - Quando cheguei lá, também.
P/3 - Ano passado?
P/3 - Tem uma palavra, em árabe, desse encontro?
R - Esse encontro, maravilhoso.
P/3 - Mas em árabe.
R - (inint) [01:38:40] pode ser assim. Encontrei com ela, imaginei ela (inint) [01:38:48] você vai ver uma coisa, mas, quando você vai ver na sua frente mesmo, você sente muito mais que ela é muito bonita mesmo. Encontrei com ela, fiquei surpreso, porque eu vi ela no vídeo, não vai parecer o real. Quando você vai encontrar, você vai sentir mais, então, maravilhoso mesmo.
P/1 - Quanto tempo você ficou lá?
R - Dois meses e meio. Dia nove de dezembro cheguei lá. Não, dois meses.
P/3 - E ela está afim, está com vontade de vir para o Brasil?
R - Claro, onde eu estou. Se eu estou no Brasil, ela vai.
P/3 - E você sentiu saudade do Brasil?
R - Eu sei que vou voltar, entendeu? Não muito, na verdade, porque dois meses você sabe que você vai voltar. Mas se você fica muito tempo longe, você vai sentir. Eu senti poucas coisas. Aqui, o metrô ajuda muito, tem coisas que facilitam a sua vida mais que lá. Mas lá não senti saudade, porque eu sei que vou voltar, entendeu?
P/3 - Você quer que o Brasil seja sua casa para o futuro ou você tem ideia: “vou ficar um tempo aqui, depois eu volto”?
R - Não, a gente tem um provérbio que onde você trabalha, onde você ganha, você gruda. Então, síria, se eu vou ter um bom trabalho, vou ficar lá, mas o Brasil é meu país agora, entendeu? Porque eu gostei muito. Eu gosto muito dos brasileiros, do Brasil, e estou sentindo que estou no meu segundo país. Estou torcendo muito para o Brasil, também. Eu estou muito feliz agora, por causa da Copa.
P/3 - A sua família tem vontade, também, de vir? Como é isso?
R - Sim. Meu pai sempre teve vontade de viajar, e minha mãe gosta de ficar perto de mim, ou todo mundo fica junto comigo, entendeu? Ela quer juntar mais. “Se meu filho está trabalhando lá não conseguir voltar e vou ter oportunidades para trabalhar, para fazer alguma coisa, por que não?”.
P/1 - Ali, acho que eu queria te fazer uma última pergunta. Você realmente falou que você gosta de ressaltar as coisas positivas da Síria, você é uma pessoa muito otimista, o que é muito bacana. Mas tem alguma coisa de conflito lá que tenha te marcado ou sua família?
R - Claro. O que você lembra das histórias da Síria, como eu viajei muito lá, todas destruídas as casas que você lembra, caídas no chão. Essa coisa que deixa você muito triste. E outra coisa, que quando você vai sentir que tem vários amigos que você estava encontrando com eles também, cada um em um país diferente, você não sabe se você vai encontrar na sua vida de novo ou não. Essa coisa também deixa você triste mesmo. Tem coisas que aconteceram que não sei se vai voltar para o momento que você vai conseguir deixar essa memória viver de novo. Memória que você estava com esses amigos, que voltam esses amigos para juntar de novo, depois de todo esse tempo. Então, essas coisas que não sei se vai acontecer de novo.
P/3 - O que você acha de ter conhecido outras pessoas que vieram de outros lugares, também, com histórias diferentes? O que essas pessoas têm em comum com você?
R - Olha, essa de faculdade, de começar aqui, em qualquer país diferente, que você vai sentir um tempo que vai ser perdida, e não sabe fazer nada, às vezes fica bastante: “não, eu prefiro fica no meu país acontecendo outras coisas, para não acontecer isso em um país estranho”. Você pensa se vai acontecer alguma coisa para você e você não tem ninguém nesse país. O que vai acontecer depois? Se você para de trabalhar, você não está empregado sempre, não registada. No começo, eu estou falando, entendeu? Se acontecer alguma coisa, alguém vai aguentar cuidar de você, se tem que cuidar dele mesmo? Alguém vai conseguir? Ninguém vai fazer igual sua família ou seu país, entendeu?
P/3 - Então, você acha que todo mundo tem em comum essa sensação de desamparo?
R - Sim, no começo, antes de conhecer alguém. Mas depois sempre você vaia char alguém bom, um anjo vai aparecer na sua frente e ajudar você. Então, tem coisas que acontecem com estrangeiros, com qualquer pessoa que vai para um lugar que não sabe para onde vai, tem que sempre segurar muito bem para não cair um pouco, porque, se cair, vai cair muito. Cai muito mais do que as pessoas aqui mesmo. Quem chega de um país longe, obrigado a deixar o país dele porque não consegue outro trabalho, ou qualquer coisa, está chegando não para pegar o trabalho de outras pessoas. Ele quer se encaixar em uma coisa que não faz mal para outras pessoas, mas faz bem para ele, entendeu? Ele quer continuar no país, ele está começando do zero. Quem está no país mesmo, ele já fala a língua, pelo menos. Quem fala a língua, quem tem mente, quem tem (inint) [01:45:49], consegue trabalhar em qualquer coisa. Ele pode continuar, mas ele está começando menos dizer o que significa, ele não fala português, não fala a língua, ele tem que conhecer as pessoas, os lugares, esse muito menos dizer. Quem está aqui consegue várias coisas, você tem que saber como vai achar. Quem está vindo de outros países tem que aprender a língua, a cultura, várias coisas, para ele começar a chegar no zero e continuar. Entendeu? Essa é a diferença entre as pessoas, quem chega ou quem vai.
P/1 - Acho que é isso. Tem tanta coisa legal, não é?
P/3 - A gente ficaria a noite inteira, igual você no mar.
P/1 - A gente ficaria três horas, igual você no mar, deitado.
P/3 - Ali, você quer falar alguma coisa que a gente não te perguntou, que você gostaria de deixar registrado na sua história?
R - Eu gosto de falar para vários brasileiros que eles têm que gostar mais do Brasil, para ajudar ele a crescer. Porque é um país maravilhoso, que junta todo mundo. Tem que ajudar para ele chegar a um momento que ele não precisa daquelas pessoas que eles estão mostrando que eu ajudo o Brasil, entendeu? Então, o povo tem que ajudar para o Brasil crescer. Os que têm isso me deixa triste: “não, deixo o Brasil, vou viajar para outro país”. Fica aqui, tenta fazer alguma coisa para o seu país, porque é um país muito rico mesmo. Tem que ajudar seu país a crescer, a ficar muito mais forte do que qualquer país. Brasil é muito rico de várias coisas: de cultura, as pessoas. Rico não significa que tem dinheiro, só. Rico da mente. Quando você é inteligente, tem histórias, várias coisas, você é rico. Não de dinheiro. Quando você consegue achar seu caminho, você é rico, porque você vai estar conseguindo. Eu quero sempre agradecer os brasileiros, porque é o melhor povo do mundo, eu acho. De verdade. Não estou falando só porque estou aqui no Brasil, estou falando porque estou sentindo isso. E quero que os brasileiros ajudem o Brasil e sempre agradecer. O mundo dentro de um país, chama Brasil.
P/3 - A gente precisa perguntar mais uma coisa para você. Seu sonho, agora. A gente quase adivinha, mas para você falar qual é seu sonho maior.
R - O maior sonho, agora, Síria voltar a melhorar. Está voltando. E conseguir juntar a família toda. E casar com minha noiva.
P/3 - O que você achou de contar tua história para a gente? Uma parte dela. Como foi para você?
R - Eu gosto de contar. Eu gosto de escutar histórias também, de qualquer pessoa que está falando. E também gosto de falar. Talvez, alguém vai conseguir uma coisa pequena, vai ajudar ele na vida para continuar e crescer mais, entendeu? Como eu falei, eu estava pensando em chegar no Brasil e cheguei, porque pensei positivo, coloquei na minha mente, e não por causa da sorte. Tem a sorte, mas também tem uma coisa que eu coloque, há muito tempo atrás, na minha mente, e trabalhei. Coloquei na minha mente que vou assistir um jogo, aconteceu onde? No metrô. Uma pessoa entrou, não sei quem mandou ele para encontrar comigo, para falar comigo, e eu consegui trabalhar.
P/3 - Você acredita, então, nesse poder que tem o pensamento positivo?
R - Isso. Tem poder. Se eu penso e trabalho, não fico: “eu não consigo, eu quero”. Se você está sentado, falando: “eu quero”, não vai chegar. Tem que movimentar. Eu movimentei, fui para outro lugar para conseguir conversar com uma família, eles gostaram de mim, eu gostei deles, eles falaram: “vamos morar com a gente”.
P/1 - Vocês ainda estão em contato com essa família?
R - Sempre. Eu falo, quando eu tiver casas, vou dar uma para eles.
P/1 - Acho que o poder do pensamento positivo mesmo, não é?
R - Sim. Tem que ter esse poder, esses pensamentos.
P/3 - Agora, a gente vai fechar mesmo. A última pergunta. Você falou muito das histórias da síria, que são importantes de serem conhecidas. A gente está em um lugar de histórias, aqui. Como a gente podia fechar essa conversa? Se você pudesse falar com as suas palavras o quanto é importante a história.
R - A vida de qualquer pessoa é uma história. Quem começa nossa história são os pais, quem termina é você mesmo, a pessoa que nasceu. Então, qualquer lugar, qualquer coisa, existe, nessa vida, uma história. Essa água tem uma história de onde saiu, de onde chegou, como ela chegou nesse copo. Qualquer coisa. Então, quando você vai conhecer alguma coisa, vai conhecer a história dela. Nossa vida é história. Tem histórias muito antigas da gente, tem histórias que vão acontecer. Então, foi isso.
P/3 - Olha, muito obrigada, Ali. Foi um privilégio ouvir você.
R - De nada.
P/3 - Parabéns por essa história, viu?
R - Obrigado.
P/1 - Acho que a gente aprende muita coisa de coragem, mesmo.
R - Vou falar uma coisa: Jeratli, meu sobrenome, significa coragem.
P/3 - É mesmo? Que legal.
P/1 - Muito bacana. Tudo a ver.
P/3 - Vamos até bater palmas.
R - Obrigado.
P/1 - Obrigada mesmo, Ali.
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