Minha Casa, Minha Cara, Minha Vida - Cabine São Bernardo do Campo
Depoimento de Gilda Ferreira Garcia
Entrevistada por Gisele Rocha
São Bernardo do Campo, 9 de Março de 2014.
Realização Museu da Pessoa.
ASP_CB08_Gilda Ferreira Garcia
Transcrito por Iara Gobbo
P/1 – Primeiro muito obrigada, dona Gilda, por ter vindo dar sua entrevista. Gostaria que você falasse seu nome completo, data e local de nascimento.
R – Gilda Ferreira Garcia, sou de 1938, dia seis de Abril.
P/1 – E a senhora nasceu em que cidade?
R – Em Getulina.
P/1 – É em São Paulo?
R – Estado de São Paulo.
P/1 – E você lembra um pouco da sua cidade quando você era pequena, como que ela era?
R – Lembro um pouco, em Getulina eu lembro um pouco.
P/1 – Você morou lá, você teve irmãos?
R – Tinha meus irmão tudo vivo, mas de hoje em dia não tem mais nenhum, só tem eu no mundo.
P/1 – E ainda naquela época, você morou em Getulina até que idade?
R – Ah, eu fiquei até 27 anos.
P/1 – Ah, então tem muita história lá ainda!
R – É. Só que eu... Não, quando eu ia completar 27 anos, eu mudei de lá. Só que eu não tinha tempo. Trabalhava muito... Tinha vez de eu começar a trabalhar na segunda - na roça que eu trabalhava, né? Começava a trabalhar na segunda, da segunda ia até o sábado. Só ficava em casa domingo! Aí eu tinha que fazer todo o serviço de casa, lavar roupa, fazer as coisas, né? Quer dizer que eu não tinha tempo quase, eu só ia na igreja e voltava.
P/1 – E antes, quando criança você já ia pra roça com seus pais, pra ajudá-los?
R – Ia. Eu ia com cinco anos de idade, eu ia pra limpar os troncos de pé de café.
P/1 – Como que era? Como que limpa o tronco?
R – Era limpar, assim, pegar um... Ah, esqueci... um facãozinho de pau e ficava limpando assim no tronco do pé de café. Fazia, assim, que nem uma meia lua.
P/1 – E limpava o tronco pra que?
R – Pra catar o café, e rastelar... Pra rastelar e montoar o café, e pegar a peneira pra abanar.
P/1 – E depois vendia o café?
R – É. Aí onde que já limpava o café e já ia ensacando, né?
P/1 – E os seus irmãos ajudavam também?
R – Tinha meu irmão.
P/1 – Tinha um irmão. E você foi pra escola nessa época, quando pequena?
R – Eu ia na escola, quando chegava da escola eu ia trabalhar, eu ia ajudar meu irmão. Naquela época tinha minha mãe viva.
P/1 – Então a senhora acordava, ia pra escola, quando voltava ia pra roça e à noite dormia.
R – Isso, isso. É!
P/1 – Era uma fazenda? Era na cidade a casa?
R – Não, era sítio mesmo.
P/1 – Você lembra um pouco como era a casa? Quantos cômodos tinham, quantos quartos?
R – Parece que... Olha, era três, quatro cômodo, nessa época. E tinha, assim, sempre um bananal assim perto de casa. Pé de banana, aqueles pesão de banana maçã, sabe, e tinha, assim, quintal de abacaxi, grande, no quintal.
P/1 – E até que idade a senhora morou nessa casa, nesse sitio?
R – Ah, quando eu saí dessa casa, eu tava com sete anos, ia pra oito.
P/1 – E aí vocês foram pra onde?
R – Aí a gente mudou pra cidade, perto da cidade, não era bem na cidade, era uma fazenda também. Chamava Fazenda Boa Esperança. E, assim, eu ia trabalhar na roça também.
P/1 – E lá na Fazenda Boa Esperança vocês ficaram até quando?
R – Na Fazenda Boa Esperança a gente ficou acho que uns dois anos. E a gente ia sempre mudando, procurando melhora, né?
P/1 – Você, seus pais e seu irmão?
R – Meu pai, já não tinha meu pai já em casa mais. Meu pai não tava mais em casa. Era eu, minha mãe e meu irmão. Minhas irmã já tinha casado.
P/1 – E aí a senhora falou que continuou trabalhando e morando em Getulina até 27 anos?
R – Isso. A gente morava sempre perto. Aí meu irmão, a gente foi morar em outra fazenda, aí meu irmão casou. Só não lembro a idade que ele tinha.
P/1 – Tudo bem.
R – Aí meu irmão separou a casa, ficou eu e minha mãe, a gente trabalhava junto na roça. E aí eu e meu irmão, a gente ficava... Aí a gente ficava nós na nossa casa e ele na casa dele. Aí depois a gente se separou, aí ele foi embora... De lá acho que ele foi embora... Ai, não alembro o lugar que ele foi, esqueci. Esqueci o lugar que ele foi. Não, não! Tô mentindo, ele ficou, e eu mudei com a minha mãe.
P/1 – E aí vocês foram pra onde?
R – Pra dentro de Getulina.
P/1 – E nessa época a senhora tava trabalhando onde?
R – Nessa época trabalhava na roça.
P/1 – Sempre na roça?
R – Fiquei bastante, sempre na roça.
P/1 – Era nessa época era ainda café ou fazia outras coisas?
R – Só que eu trabalhava na cidade, a gente ia de caminhão.
P/1 – Como que era essa ida do caminhão?
R – Era pau de arara. Sabe o que é que pau de arara?
P/1 – Já vi na televisão.
R – Então era pau de arara que falava, que a gente ia trabalhar.
P/1 – Explica pra gente como que é o caminhão, pra gente entender melhor.
R – Bom, caminhão é a mesma coisa que se vê já aqui, né? A gente tinha aqueles pauzinho, aquelas tabuinha, a gente ia sentada assim na carroceria do caminhão. Tinha bastante espaço da gente sentar, como se fosse um ônibus, né, pra ir trabalhar. E era bastante gente.
P/1 – Era?
R – Era.
P/1 – Pegava as pessoas na cidade...
R – Isso. E aí a gente ia trabalhar em outras fazenda. É assim, levei a vida toda assim. Quando era solteira, né? Aí depois que eu vim embora pra São Paulo, casei, aí mudou.
P/1 – Antes de chegar a São Paulo, lá nas fazendas, era café? Tinha outra plantação?
R – A mesma coisa, café.
P/1 – Sempre café?
R – Café, e tinha amendoim também. A gente arrancava o amendoim, punhava os monte, assim, sabe, arrancava, punha um monte aqui, lá na frente punhava outro, e depois quando secava a gente vinha bater pra tirar as vargem, né, bater.
P/1 – E aí chegava o fim do dia, o caminhão buscava de novo?
R – Isso, quando era de tarde o caminhão pega a gente, a gente vinha embora. Longe! Tinha vez de chegar em casa oito horas da noite. Era longe, cinco e meia a gente tinha que tá no ponto esperando o caminhão.
P/1 – E o que é que aconteceu para senhora sair de Getulina? Por que que você foi embora de lá?
R – É porque meu marido já trabalhava em São Paulo. Aí naquele intervalo minha mãe morreu, aí eu vim, casei e vim embora.
P/1 – Vocês chegaram aonde, aqui em São Paulo?
R – Quando eu cheguei em São Paulo... Não, tô falando errado. Antes meu pai... Antes de eu me casar, eu tinha vindo pra São Paulo. É! É que a gente vai passando o tempo, a gente começa a esquecer, porque é uma coisa muitos anos, né? Eu vim primeiro pra São Paulo. Aí que depois que eu casei...
P/1 – E quando a chegou a primeira vez, foi em que cidade?
R – Perto de Ibirapuera. Só não “alembro”, o lugar eu não “alembro” mais.
P/1 – Tudo bem. E aí a senhora...
R – Eu sei que é perto de Ibirapuera, mas só não alembro o lugar que eu tava trabalhando.
P/1 – E a senhora veio pra trabalhar, já chegou trabalhando, fazia o que aqui em São Paulo?
R – É, a minha mãe ficou no interior e eu vim pra São Paulo pra ver se pegava, se arrumava um pouco de dinheiro a mais, sabe? Por isso que eu fiz isso.
P/1 – A senhora me contou que trabalhou em vários lugares aqui.
R – Foi, bastante lugar a gente trabalhou! Era sempre mudando, caçando melhora, né? (risos)
P/1 – Claro. A senhora comentou que fazia faxina, fazia...
R – Isso, fazia de tudo. Aí depois que eu casei que eu trabalhei mais seguido aqui em São Paulo. Aí passei trabalhando em restaurante, comecei trabalhando... Ah, o clube da Mercedes, vocês conhecem o clube da Mercedes?
P/1 – Mercedes, de carro?
R – Mercedes Benz, não o clube. Fica ali na Vila São José.
P/1 – Não conheço. Como que é o clube?
R – O clube da Mercedes, aonde que a gente conheceu ele, era um matagal. Era só eucalipto que tinha lá. Aí depois derrubaram e fizeram o clube da Mercedes. Mas depois de bastante tempo, sabe? Eu fui a primeira faxineira que trabalhei lá.
P/1 – O que que tinha no clube? Um clube de lazer? Tinha piscina?
R – Ah, tinha de tudo.
P/1 – Um salão?
R – Tudo, tinha de tudo. Tudo! O pessoal jogava bola de ... Ah, não sei como é que chama o nome das bola de jogar porque não sei essas coisas direito, sabe?
P/1 – Tipo vôlei, futebol?
R – Isso, tinha de tudo lá dentro, tinha.
P/1 – E os funcionários da Mercedes que frequentavam ou qualquer um podia frequentar?
R – Não, acho que era só os funcionários. Só mesmo quem era sócio. Naquela época, né?
P/1 – Esse foi um dos trabalhos lá atrás que a senhora está lembrando?
R – Isso.
P/1 – Aqui em São Bernardo. A Mercedes é aqui em São Bernardo?
R – É, pertence à Vila... Pertence à Paulicéia.
P/1 – E nessa época a senhora morava onde? Já aqui?
R – Ah, já morava aqui em São Paulo, aqui na... ai meu Deus, como que chama? Ali, perto da Mercedes, morei depois, só não “alembro” a data que eu morei lá também, heim? E depois desci pra Vila São José. Aí da Vila São José nunca mais eu saí.
P/1 – A senhora falou que a Vila São José é Diadema, divisa com São Paulo.
R – É. Diadema.
P/1 – E como que foi lá na Vila São José? Como foi sua primeira casa? Foi uma casa, foi um...
R – Quando eu fui morar na Vila São José, lá embaixo, na Rua Naval... Depois que eu entrei na Naval, nunca mais eu saí. É coisa de muito tempo. Porque meus filhos tudo nasceram lá na Naval.
P/1 – A senhora tem quantos filhos?
R – Tive três, um morreu. Acidente.
P/1 – Você quer falar como foi? Quer falar dele?
R – Do acidente? Ele ia completar 26 anos quando aconteceu o acidente com ele. Ele morreu pra cima do Makro, no quilômetro 18.
P/1 – Acidente de carro?
R – Foi acidente de carro.
P/1 – E os seus outros filhos ainda moram com a senhora?
R – É, os outros filhos moram. Tem um que mora comigo. Agora, o Cem mora aqui no prédio. O Cem é meu filho, o mais velho.
P/1 – Ah, o Cem! Vai contar a história daqui a pouco pra gente também. E, dona Gilda, como que foi a mudança pra Rua Naval, né, que você falou?
R – Ali na Naval, quando eu mudei ali?
P/1 – Como que era? Tenta lembrar um pouquinho.
R – Lá embaixo, na Naval, aonde tem os prédio agora, os apartamento lá, ali não tinha uma casa. Ali só tinha... Era um brejo. Era um mato mais ou menos uma altura assim, e era brejo. Não tinha casa! Depois que começou fazendo barraquinho, de barraquinho, foi aumentando, aí fez a favela. E eu morava um pouquinho pra cima, já, quando aconteceu isso.
P/1 – Como que era? Você também morava num barraco? Como que ele foi feito?
R – Quem, eu? Morava em barraco também.
P/1 – Você que construiu?
R – Eu sempre morava em barraco.
P/1 – E quem ajudou a construir o barraco?
R – Naquela época meu marido era vivo.
P/1 – Vocês que subiram o barraco?
R – É meu marido mesmo que fazia.
P/1 – Como que era lá dentro? A senhora lembra?
R – Lá embaixo?
P/1 – Dentro do barraco.
R – Ah, dentro do barraco?
P/1 – Era um cômodo só, como que era?
R – Não. Sempre ele fazia dois, três cômodo, era assim. Depois, a última casa que eu morei quando veio o fogo, tinha três cômodo e tinha uma área grande. Aí ele foi e fechou a área, pra aumentar mais a casa. Aí eu tinha um barzinho também (riso) nessa época, né, do fogo. Antes do fogo, aliás. Aí quando foi, bom... quer mais saber da Naval?
P/1 – Quero, antes do fogo. Tudo o que a senhora lembrar é pra contar. Como que era? Tinha um barzinho, a senhora tomava conta?
R – É, continuava. Depois a gente terminou com o barzinho porque esse meu filho ia casar. Aí eu fui, terminei com o bar, pra aumentar a casa pra ele morar.
P/1 – O bar era do lado do barraco?
R – Isso. Era dentro de casa, mas só que aí a gente acabou com o bar pra aumentar a casa pra ele morar.
P/1 – O que vocês vendiam no bar? Tinha comida, bebida, o que?
R – Tinha de tudo.
P/1 – Era tipo uma mercearia?
R – Isso. Mas a gente logo acabou com aquilo também. Aquilo foi coisa de quatro a seis anos que eu tive, depois eu parei.
P/1 – Precisava de açúcar, ia lá comprar com vocês?
R – É, aí eu parei com tudo.
P/1 – Tá.
R – Aí depois, quando foi em Março, dia 19 de Março, teve uma enchente muito grande.
P/1 – O que que você lembra dela? Conta como foi.
R – Aí eu peguei, aí essa época uma enchente muito grande, a gente andou perdendo as coisas, tudo.
P/1 – Todo o móvel, colchão, tudo?
R – Muita coisa a gente perdeu dessa época. Salvou pouquinha coisa. Aí quando foi dia 28 de Outubro, veio o fogo.
P/1 – Como que foi essa história do fogo?
R – A história do fogo, só que eu não sei explicar como é que saiu, da onde saiu esse fogo. Eu sei que saiu pra trás da minha casa, bem pra baixo. Eu não sei explicar. Nunca a gente ficou sabendo, porque nunca ninguém contou como é que aconteceu aquele negócio do fogo. Eu sei que dessa época, até uma criancinha morreu. Esse meu filho que morreu, ele salvou umas criança, mas teve uma criancinha que morreu. A mãe, acho que tinha saído, e a criancinha... Acho que, sei lá, acho que deve ter deixado a criança e saído pra fora, acho que pra buscar alguma coisa, e quando ela veio, o fogo não deu tempo dela pegar a criança.
P/1 – E a senhora tava lá, viu o fogo chegando?
R – Não. É, o fogo eu vi chegando porque eu tinha ido na igreja, foi dia 28 de Outubro de 91 que surgiu o fogo. Aí eu tinha ido na igreja, quando eu vou chegando da igreja, eu vi as pessoa correndo. Uns com botijão, outros correndo, eu falei: “O que que tá acontecendo? Esse pessoal tudo correndo?”. Aí minha sobrinha olhou pra mim e falou assim: “Tia, o que que você tá fazendo sentada aí, não vai dar seus pulos?”. Quando eu olhei pra fora, todo mundo correndo, eu só fiz catar meu netinho, meu neto (o neto mais velho que eu tinha), e saí correndo com ele, que era o filho do Cem. Saí correndo com ele e aí encontrei o Cem, vinha vindo lá perto da igreja, vinha descendo. Aí eu fui correndo na casa do Paulo, que o Paulo era irmão da minha cunhada, a ex-mulher dele, né? Aí eu deixei o menino lá na casa dele, fui correndo pra casa, pra ajudar a socorrer alguma coisa, mas não deu pra socorrer quase nada.
P/1 – Pegou fogo em tudo?
R – Pegou fogo em tudo.
P/1 – A casa da senhora...
R – Foi tudo. Salvou alguma coisica. Coisinha mínima que salvou.
P/1 – E como que conseguiu apagar o fogo? Deu tempo do bombeiro chegar?
R – Veio bombeiro, mas só que era muito longe, não tinha espaço pro bombeiro, pra borracha alcançar. Ele jogou muita água e tudo, de longe, mas não dava pra alcançar tudo pra baixo, porque não tinha espaço.
P/1 – Pro carro chegar?
R – Pro carro entrar. Não tinha. Agora não, hoje em dia tem espaço pra tudo. Tem rua, tem tudo, mas naquela época não tinha.
P/1 – E aí pra onde as famílias foram, pra onde vocês foram depois?
R – Eu fiquei lá perto de casa numa garagem. Eu fiquei numa garagem. Aí ficou eu e mais duas família nessa garagem. A gente não tinha nada quase.
P/1 – E quem arrumou? De quem era essa garagem?
R – Era da dona Sonia.
P/1 – De uma...
R – Aonde eu tô morando agora.
P/1 – A dona Sonia ajudou as famílias que ficaram sem casa?
R – Isso, ajudou! Ela ajudou bastante gente.
P/1 – E aí a senhora ficou morando um bom tempo lá até...
R – É, eu fiquei até quando saísse os barraco da gente. Aí aquela época era José Augusto que era o prefeito. Aí ele falou: “Gente, dá um jeito de fazer logo”. Começou por bastante gente, pras pessoas tudo fazer os barraco pra gente mudar, né?
P/1 – A prefeitura doou material? Como que foi pra reconstrução?
R – Foi, foi doado, a prefeitura doou pra gente. Só que a gente já morava lá no lugar. Aí a prefeitura... Aí quando surgiu o fogo aí a prefeitura mandou fazer as casa no mesmo lugar que tava. E ajudou pra gente fazer, deu todos os “material”. Foi muito bom.
P/1 – E hoje em dia a senhora mora no mesmo lugar?
R – Moro no mesmo lugar, mas não tô na mesma casa. Porque minha casa, a prefeitura... Eu já tô com dois ano e quatro mês... Não! Dois ano e cinco “mês”, que agora nós tá em Março, né? Dois ano e cinco “mês” que eu tô fora de casa, mas até hoje não saiu minha casa ainda. A prefeitura tá enrolando demais com a gente.
P/1 – O Cem, o seu filho mora...
R – Aqui.
P/1 – Mora mais pertinho. Quanto tempo que dá de sua casa até a casa dele? Tem que pegar um ônibus, tem que ir a pé?
R – Pra “mim” vim pra casa dele?
P/1 – É.
R – Eu tomo dois ônibus.
P/1 – É uma distância, é longe. Então a senhora hoje em dia tá morando ainda numa casa...
R – Lá na Naval.
P/1 – Numa casa provisória. Não é a sua.
R – Isso.
P/1 – É um barracão?
R – É. É barraco também.
P/1 – É um barraco. Você mora com algum neto, filho, quem mora com a senhora?
R – Olha, tinha meu neto, só que meu neto, por causa que eu moro numa casa muito apertada, meu neto saiu de casa e outro... E tem um filho que tá comigo lá em casa. E tem um neto também. Meu neto tava junto comigo, mas agora eu não sei se ele vai continuar ficando em casa, se não vai.
P/1 – E a senhora vem passear muito aqui pra visitar o Cem?
R – Venho, sempre eu venho.
P/1 – Vem e passa o fim de semana?
R – É sempre eu venho, de vez em quando e passo o fim de semana com ele aí. Aí eu pego e vou embora.
P/1 – E o que que a senhora acha que tem de diferente daqui de onde o Cem mora e da sua casa?
R – É que eu sou acostumada lá. Muitos ano que eu moro lá! Eu estranho por causa disso.
P/1 – O que que você gosta mais lá que aqui não tem?
R – Não sei, não sei explicar. Essa parte eu não sei explicar o que que acontece.
P/1 – Os seus amigos?
R – É, tem bastante amigo aí. Bastante gente mesmo.
P/1 – E passa algum rio perto da sua casa?
R – Pra ir pra minha casa? Passa.
P/1 – Que é um rio que a gente ouviu a história.
R – É, passa um riozinho de entremeio Jordanópolis e Idealópolis.
P/1 – Então atualmente a senhora tá esperando...
R – Arrumar minha casa, mas não ata nem desata. Ai, tá sendo duro demais pra mim.
P/1 – A senhora está há dois anos e meio esperando?
R – É! Quase dois ano e meio que eu tô esperando e não consigo. E tô sempre lá heim, tô sempre cobrando. Tô sempre lá cobrando.
P/1 – E deixa eu ver, dona Gilda, mais pergunta pra você, pra gente ajudar. Porque a gente conversou com um tanto de gente que mora onde o Cem mora, e a senhora mora numa região um pouquinho mais longe.
R – É.
P/1 – Tem alguma coisa que você lembrou, que não falou, de alguma história que aconteceu nesses últimos anos, ou de outra enchente, ou de outra coisa?
R – Ah, teve. Só que aonde eu tô morando, o rio era bem baixo, era pouquinho “deferente”, era um pouquinho distante pra lá um pouquinho, coisa mínima, mas ele não era no lugar que tá agora, lá embaixo, pra baixo dos prédio. Lá morreu até um homem afogado quando tava abrindo o rio. E lá embaixo também tinha... Tava falando mas eu parei, né, a gente se esquece, coisa muito tempo, a gente não lembra tudo na hora. Lá embaixo tinha duas casa. Uma no lado de cá, lá onde tá o rio, uma no lado de cá, e tinha um trilhozinho no meio, porque não tinha rua aquela época, era uma ruinha de terra, ali na Naval, onde que tem os apartamento. Aí eles começou a abrir o rio e morreu uma pessoa, afogado. O bombeiro procurava, procurava, não conseguia encontrar. Deu o que fazer pra conseguir encontrar esse homem. E era um pedaço pequeno. Acho que ficou fundo demais, quando tava abrindo.
P/1 – E dona Gilda, quais são seus sonhos?
R – Ah, qual o meu sonho? Meu sonho é minha casa sair logo, é o que eu quero, porque ficar de aluguel não dá. Ai, minha vontade é só de ir embora pra minha casa, porque a prefeitura aquela época era o Mario Reali. Ele foi, mandaram, derrubar minha casa. Aí, porque não acreditaram no alicerce da minha casa, pra por uma laje. Aí disse que era pra derrubar. Lá em casa foi engenheiro, foi bastante gente lá na minha casa. Aí até o Wilson tava junto, o Cem tava junto. Ele viu tudo na hora que aconteceu, que quando foram lá em casa. Aí me puseram na bolsa aluguel e que bolsa aluguel é essa que já tá fazendo quase dois ano e meio, eu tô lá ainda. Derrubaram o telhado e ficou naquilo. Ela toda quebrada, a minha casa, mas nada sai. Agora tão falando que vai sair logo, mas não acredito mais nesse logo. Não tem fim, não tem data!
P/1 – Dona Gilda, o que a senhora achou de contar sua história?
R – O que que eu achei? (riso) Ah, eu nunca sentei assim pra contar a vida mesmo, né? Quer dizer que (riso) pra mim eu sinto bem.
P/1 – Gostei muito de ouvir sua história. Obrigada mesmo por ter vindo contar.
FINAL DA ENTREVISTA
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