O povo vivia na coletividade aqui, era um povo solidário. O meu vizinho, se ele fosse pescar hoje e se eu não fosse amanhã, ele pegava o peixe e me dava, ele ia dando para os vizinhos também. Eram assim os mesmos costumes dos nossos antepassados, dos índios, no trabalho puxirum. Ninguém conhec...Continuar leitura
resumo
Sebastião nos conta sobre a história de seus pais e de seus avós, sua trajetória de infância, onde teve que fazer um percurso pelo Pará trabalhando no comércio. Sebastião nos fala também sobre a morte de seus pais e a presença forte de seu avô, largo conhecedor da natureza e de seus segredos. Neste depoimento sabemos sobre seus sonhos de mudar a coletividade de Juruti, seu involvimento com a militância católica, o Projeto Casulo, o Partido dos Trabalhadores e a frente de negociação com a Alcoa na região.
história
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Sebastião Soares Serique
data (ou período): 24/04/2010 Imagem de:Sebastião Soares Serique
Sebastião Soares Serique
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Depoimento de Sebastião Soares Serique
Entrevistado por Tiago Majolo
Juriti Velho, 24 de abril de 2010
Realização Museu da Pessoa
Entrevista nº MB_HV116
Transcrito por Rosângela Maria Nunes Henriques
Revisado por Débora Moysés Aoni
Tags: familia, descendência judaica, trabalho na infância...Continuar leitura
Depoimento de Sebastião Soares Serique
Entrevistado por Tiago Majolo
Juriti Velho, 24 de abril de 2010
Realização Museu da Pessoa
Entrevista nº MB_HV116
Transcrito por Rosângela Maria Nunes Henriques
Revisado por Débora Moysés Aoni
Tags: familia, descendência judaica, trabalho na infância, incêndio, escola, infância, Santarém, morte, feitiço, curandeiro, contação de histórias, sonho, igreja católica, dom, avô, comércio, costumes, coletividade, Juruti, militância católica, mutirão, Projeto Casulo, PT, conflito político, Alcoa
P/1 – Serik, a gente vai começar. Eu queria que você falasse primeiro o nome completo, o local e a data de nascimento.
R – Eu sou natural de Santarém, eu nasci no dia 20 de janeiro de 1943.
P/1 – E seu nome completo?
R – Sebastião Soares Serik.
P/1 – Fala um pouco dos seus pais, qual é o nome deles?
R – Olha, o meu pai era Vitoriano Serik e minha mãe era Evarista Soares Serik.
P/1 – O que eles faziam, Serik?
R – O meu pai, depois que ele voltou da guerra, ele pôs um comércio, era comerciante.
P/1 – Aqui?
R – Não, em Tapajós.
P/1 – Que cidade?
R – Acima de Santarém, numa comunidade por nome Buim, e tinha acesso às outras comunidades... até Pinhel; todas aquelas comunidades iam lá para comprar mercadoria deles.
P/1 – Que guerra que foi essa que ele foi?
R – Aquela guerra mundial que durou até 36, parece, 35, por aí assim.
P/1 – Ele foi lutar?
R – Sim.
P/1 – O que ele contava disso?
R – Não sei, eu não sei porque quando o meu pai morreu eu estava com dois anos, no máximo dois anos de idade.
P/1 – E sua mãe?
R - Minha mãe, quando ela morreu eu estava com cinco anos de idade.
P/1 – E qual era o nome dela?
R – Evarista Soares.
P/1 – O que ela fazia?
R – Ela era doméstica só, cuidava da casa, das criações, não tinha... eu acredito que ela não tenha nem estudado; eu acho, não sei; não conheci bem... o convívio com eles foi muito pouco.
P/1 – E os avós? Você tinha avós?
R – Tinha. Meus avós eram Israel Serik; descendente de judeus, não sei de que cidade, mas lá de Israel.
P/1 – Esses eram maternos ou paternos?
R – Os dois eram... maternos e os paternos. Eles chegaram, era uma família, da família Serik, mas depois ele casou com outra pessoa daqui, né? Que foi a minha avó.
P/1 – Aí, quando seus pais faleceram, você foi morar com quem?
R – Com outros avós, da parte da minha mãe.
P/1 – Qual era o nome deles?
R – Era... eu nem me lembro mais (risos), faz tantos anos... mas era, mais ou menos, Raimundo Castro Soares, parece. E a minha avó era Antônia Castro também, Soares, por aí assim.
P/1 – Você lembra o que eles faziam?
R – Eles trabalhavam em agricultura, em roça mesmo... mas eu não convivi muito com eles. Com sete ou oito anos eu arranjei uma colocação lá com um camarada, um comerciante, eu lavava prato pra ganhar um salariozinho, e botava água... e... depois, eu era muito ativo, estudava e muito ativo também; quando eu atingi dez anos, aí eu já me tornei praticamente sócio dele, eu tomava conta dos negócios lá.
P/1 – Mas fala um pouquinho, como foi? Ele veio te convidar? Você tinha sete anos, como foi isso? Conta um pouco mais...
R – É, ele me convidou porque eu sempre convivia lá com ele, sabe? Aí ele disse: “Tu não quer parar aqui comigo? Morar? Eu te dou 1500 réis de salário; só pra lavar os pratos e às vezes fazer um café ou botar água” - porque naquela época não tinha água encanada, né? Eu aceitei. Aí quando eu recebia aquele salariozinho, já dava para os meus avós também. Aí comecei a me vestir, me calçar, né? Depois eu passei a ganhar dez mil réis. Depois virou cruzeiro, né, foi aquele negócio todo...
P/1 – Por que o senhor aceitou? Era ruim morar com seus avós?
R – Não, porque meus avós não tinham condições, entendeu?
Eles não tinham condições de criar tantos filhos que eles tinham e ainda mais netos. Nós éramos dois irmãos, aliás, três – um, depois que meus pais morreram, ele foi embora pra Manaus e de Manaus depois a gente soube que eles foram pra Belém e de Belém não tivemos mais notícias dele. Nunca mais. Ele saiu de junto de nós, eu estava... ele deveria estar com mais ou menos sete anos e desapareceu, nunca mais nós soubemos dele.
P/1 – E o outro?
R – O outro ficou com a gente, morando junto, mas depois ele também saiu pra começar a trabalhar, a granjear a vida também... pra poder se sustentar e dar alguma coisa pra eles também.
P/1 – E como foi, Serik, morar... sair da casa dos avós e ir pra casa de uma pessoa que você mal conhecia? Como foi isso aí?
R – Não, a gente era muito bem conhecido mesmo. E aí, essa família era de bom conceito, renome, família (Resa?) em Santarém... e nos acolheu bastante. E depois, eles me tratavam como se eu fosse da família também e gostavam muito de mim e eu deles - eu tinha um grande respeito por eles também. Quando eles morreram, a gente sentiu bastante... mas, o caminho é esse (risos). Pois é.
P/1 – E você lavava prato e estudava também?
R – Estudava e quando eu fui na... não pode provar que eu tirei o primeiro grau... eu não posso provar porque queimou nossa casa, queimou tudo que a gente tinha e aí eu fui viver trabalhando; mas estudei, eu concluí o primeiro grau e aí ficamos vivendo. Mas antes ainda, eu arranjei uma confusão lá na sala de aula também e a última prova que nós fizemos foi em 58; em três meses eles vieram de Belém, os diretores vieram da escola e disseram que era pra gente fazer outra prova porque aquela era do ano que já tinha passado, né? Aí eu me revoltei e disse que ia denunciar e eles ficaram três dias me adulando até que eu resolvi fazer a prova mesmo. Senão, eles ficaram receosos de eu denunciá-los... porque você já pensou: fazer outra prova no ano corrente e outra que fizemos e que já tinha passado e não tinha mais valor, né?
P/1 - Mas por que não tinha mais valor? O que eles falaram? Qual foi a alegação?
R – Disseram que... eu não sei como eles inventaram aquilo, né? Disseram que a prova que nós fizemos não tinha valor porque era do ano que já tinha passado e parece que - eu não sei se era o MEC naquela época que coordenava o ensino, eu não sei se era o MEC, eu não me lembro – e aí não aceitava a prova, né? Mas eu fiz a prova e depois veio o meu diploma... esse que queimou tudo e perdi tudo.
P/1 – Você falou que queimou uma casa?
R – Foi, a nossa casa que queimou.
P/1 – Nessa época? Como foi isso?
R – Uma casa velha, sabe? Naquela época as nossas casas de pobre eram como aqui quando eu cheguei: era coberta de palha, cercada de palha, às vezes quando não era cercada de taipa, barro e... mas a cobertura queimou... ninguém sabe como foi... queimou tudo, ninguém estava em casa.
P/1 – Ninguém estava em casa? Como começou o incêndio?
R – Não sei, ninguém sabe.
P/1 – Era a casa desse senhor que você trabalhava?
R – Não, na casa do meu avô. E queimou tudo que a gente tinha.
P/1 – E aí, como ele fez?
R – Foi fazer outra. Naquele tempo não tinha esse negócio de ir pra prefeitura pedir ajuda porque queimou a casa não... não tinha, não. Não tinha essa verba pra isso.
P/1 – Você tinha quantos anos, mais ou menos?
R – Isso foi em 1958, 59, queimou tudo... por aí assim.
P/1 – Você estava morando com ele ou com essa outra pessoa ainda?
R – Não, a documentação tava toda com eles. Tudo que era meu estava com eles. Mas aí queimou e perdeu tudo, né?
R – Era em Santarém isso, né?
R – Em Santarém... porque aí depois eu fui pra Tapajós com ele pra trabalhar pra lá, lá na Vila de Boim.
P/1 – Eu quero só entender um pouco antes... como era Santarém na época da sua infância?
R – Ah! Santarém, existiam duas ruas e três travessas. Era muito atrasada ainda, muito mesmo, a população pouca. Santarém começou a evoluir em 58, quando foi descoberto o garimpo lá pro Alto Tapajós; o cidadão daqui de Manaus - que foi até prefeito aqui em Juriti - ele foi pra lá e lá começou a descobrir ouro. Eu conheci ele bastante; quando ele passou pra lá pra dentro, ele, era... a mulher dele era uma índia e ela conhecia todas essas brenhas aí... e levou ele. Quando ele passou lá na vila onde eu morava, ele foi pegar um pessoal lá e lá contratou um pessoal, levou pra lá e quando passaram uns três meses pra lá, ele voltou e disse... ele falou que não tinha conseguido nada. Mas depois de uns outros meses aí, ele voltou, já contratando novamente... é porque pegou, né? Depois trocou de motor, depois trocou outro motor e depois eu conheci ele aqui em Juriti - eu conheci ele pobre, depois rico, depois pobre, depois rico e depois pobre de novo e morreu sem nada. Pois é.
P/1 – Era garimpo de quê?
R – De ouro. Eu nunca quis ir pro garimpo porque eu tinha medo de índio (risos).
P/1 – Medo de índio? Por quê?
R – Naquela época... eu não sei, talvez os índios tenham sido muito maltratados, muita gente matava muito índio assim, sabe? E contavam que eles iam se amoitar atrás das árvores e quando as pessoas passavam, eles flechavam; eu não sei, talvez alguma confusão houve nessa região. E eu não fui pra lá.
P/1 – Mas tinha muito índio lá?
R – Tinha, tinha muito índio lá no Tapajós.
P/1 – Quais tribos que eram? Você sabe?
R – Mundurucus, de Itaituba pra cima é Mundurucus. Então era acima pra lá... eu não conheço mais... eu conheci até São Luís... de lá pra lá eu não conheço mais.
P/1 – Então o senhor tinha vontade de ir pro garimpo e não foi por causa disso?
R – Eu tinha, não fui por causa disso (risos). Pois é.
P/1 – Serik, eu queria voltar ainda mais um pouquinho, a gente passou um pouco reto por essa parte, você lembra quando sua mãe faleceu? Você tinha cinco anos, né?
R – É, eu tinha cinco anos. Isso naturalmente em 48, mais ou menos.
P/1 – Você se lembra do dia?
R – Não, o dia não. Eu só sei que ela morreu causada de um... a causa foi um comprimido de Melhoral. Ela sentiu febre uns três dias antes... antes dela falecer ela tomou o Melhoral e ela sentiu que ficou com o peito assim, a parte de dentro, né? E ela tomava água e sentia aquele negócio. Com três dias ela passou e depois ela não conseguia mais engolir coisíssima nenhuma e em três dias ela morreu. O que ela criava muito era porco, galinha, peru... tudo ficou.
P/1 – Mas o senhor tem essa lembrança do momento?
R – Não.
P/1 – De falarem que você tinha que morar com seus avós?
R – Não, eu não lembro não. Eu só sei que com três dias ela faleceu.
P/1 – E seu pai, qual foi o motivo dele falecer?
R – (...) Aí já dizem que existe o feitiço, né? Eu não acredito... a minha avó tinha raiva, tinha nojo do enfermeiro. Porque ela dizia que foi ele que matou meu pai... ninguém sabe. Bom...
P/1 – Desculpa, sua avó contava essa história? Que enfermeiro? Você pode contar essa história, o que aconteceu?
R – Sim. Eu não vou citar o nome dele, eu acho que ele já faleceu. Então, quando ele adoeceu, segundo a minha avó contava, ele tomou uma xícara de café na casa de uma pessoa lá e se sentiu mal, com tosse, tosse e depois febre... eu acho que demorou uns cinco dias, mais ou menos, aquele negócio. E foram chamar o enfermeiro... o enfermeiro veio e aplicou um calmante (risos) e ela disse que foi isso que matou. Mas eu cansei de falar pra ela: “Não, não foi isso não.”, “Não! É! Foi ele que matou o meu filho, que matou teu pai.” Eu falava: “Tire isso da cabeça que não foi não, meu pai já tava com idade de morrer talvez.”, “Não! Não estava não.” Ela não se conformava... dizia que era o enfermeiro que tinha matado porque aplicou calmante, acalmou de vez. Então, foi essa história.
P/1 – Mas seu pai era velho?
R – Não, não estava tão velho não. Eu acho que deveria ter uns 50 anos, por aí... eu não sei, eu não tenho lembrança quase dele... a única foto que nós tínhamos, com meu irmão, era uma foto três por quatro e estava deteriorada e acabamos perdendo a foto dele.
R – Seus avós acreditavam muito em feitiço? Em coisas assim?
R – Acreditavam. Principalmente porque naquela época não tinha médicos na nossa região e existiam curandeiros. E hoje eu dou valor para esses curandeiros porque tem muita sabedoria com eles também... e muitas coisas que eles descobrem é realidade. Eu conheci muitos curandeiros... inclusive, em Óbidas, conheci um senhor chamado Moisés, ele foi preso várias vezes pelos médicos, mandaram prendê-lo. Mas na última vez que ele esteve em Belém, aí ele falou: “Não adianta, vocês já mandaram me prender muitas vezes e eu faço pior depois do que vocês pensam... porque aquilo que eu recebi, eu não recebi de mim, eu recebi de Deus. Coisas que vocês não descobrem, Deus mostra pra mim como é pra fazer e a gente consegue remédio através da plantas.” Depois não houve jeito, os médicos formaram uma parceria e ele passou a trabalha em Óbidas com eles - o que ele dissesse que era pro médico, o médico tomava de conta; o que não era pra médico, vinha pra ele, né? Eu acho que tem muita sabedoria, eu dou muito valor pra isso, e eu estou pensando em reunir principalmente os curandeiros aqui. Não curandeiros... curadores, entendeu? Porque até eu sinto que sou um curador às vezes, porque às vezes eu pego e faço um chá ou um comprimido: “Olha, esse comprimido a gente toma pra gripe e não sei o que”... eu ando com este aqui (gesto)... já evitou que eu estivesse com... tem mais de ano que eu não sou vacinado pra gripe. De vez em quando todo dia eu faço isso (gesto)... inalo isso aqui... até hoje eu não senti mais gripe. Então eu fiquei de fazer uma reunião com os curadores aqui, pra expor, também com os médicos aqui, pra darem valor à sabedoria do povo, entendeu? Eu acho que naquela época tinha muita sabedoria, eu gostava de ver os parentes dos meus avós... hoje ninguém senta mais assim como nós estamos aqui pra conversar. Eles sentavam na frente da casa, faziam aquela roda e contavam histórias, olhavam as estrelas, a lua e tudo... eles diziam: “Ali, aquele monte de estrela, é o desenho de um peru; aquela lá são as Três Marias; aquela lá é o Cruzeiro do Sul; aquela lá é não sei o que mais, céu de estrelas... e assim... quando a estrela tá nessa posição aqui ou a lua tá nessa posição, está indicando que vem chuva ou sol ou o verão vai ser forte...” Eu gostava muito de ver isso aí, eu me lembro muito.
P/1 – Seus avós eram assim, conheciam muito?
R – Eram. Sentavam e diziam: “Meus filhos, escutem o que eu vou dizer pra vocês: vocês vão ver ferro voar e falar também”... e justamente, antes do meu último avô morrer, ele disse: “Olha...”, o filho dele, quando chegou pra lá, levou um rádio, ele disse: “Eu não disse que vocês ainda iam ver ferro falar? Ainda iam ver ferro voar?”... e justamente, hoje você viaja mais é de avião, né?
P/1 – E que histórias eles contavam, Serik? Que tipo de histórias que eram importantes pra você?
R – Eu gostava de escutar mas eu não gostava quando eles contavam de visagem, histórias de lobisomem... mas quando eles tiravam pra contar história eu ficava até meia noite, uma hora da manhã lá com eles, escutando aquelas histórias... porque eram muito lindas, bonitas mesmo. É isso que eu digo: eu vou mandar pra vocês algumas histórias escritas, pra vocês me devolverem num caderno, numas apostilas, que eu quero mostrar pro pessoal.
P/1 – Mas uma o senhor pode contar, só uma, com suas palavras?
R – Mas são histórias longas que eles contavam. Assim, tinha o rei... na cidade tal... é muito longa... eu tenho umas duas escritas aí que eu vou passar a limpo pra mandar pra vocês, vocês vão me deixar o endereço de vocês.
P/1 – Só pra entender, são histórias sobre a Amazônia?
Ou sobre lugares distantes?
R – Não, sobre o mundo naquela época... que foi descoberto... o Brasil naquela não sei que... e aí eles passavam que... pra chegar pra lá pra Portugal... pras Índias... seja lá pra onde, onde tinha o reinado e assim... e era muito bonito - a gente ficava, assim, impertinente pra querer... parecia que “Quem sabe eu não vou descobrir também” (risos); que garças se transformavam em princesas... que o boto virava gente... e assim, que a formiga emprestava... uma pena servia como magia da fada... fazia a pessoa voar, se transportar de um lado para outro... era assim, a gente ficava curioso de aprender as histórias.
P/1 – E eles contavam também a história deles? Da vida deles?
R – Mas a história deles era difícil porque a gente não entendia porque aí eles começavam a falar na linguagem deles (risos), eles não contavam pra gente. A Páscoa deles, eles se juntavam também... celebravam e ninguém sabia. Não entendia a reza deles, entendeu? Era só na linguagem deles.
P/1 – E nunca te ensinaram?
R – Não, nunca. Algumas palavras, negócio de serrená, não sei o que... algumas palavras assim, eles falavam. Mas tinha vezes que eles chamavam o nome pra gente e a gente já sabia, sabe? É, pois é...
P/1 – Mas o senhor nunca foi educado na educação judia assim?
R – Não, nunca aprendi não, o judaísmo deles não.
P/1 – Serik, nesse mundo cheio de histórias, cheio de coisas, o senhor tinha algum sonho, assim, de alguma coisa que o senhor queria ser quando crescesse? Diferente... o que era?
R – Meu primeiro desejo foi ser um padre pra evangelizar o povo.
P/1 – Por quê?
R – Eu não sei, eu acho que eu tinha dom pra isso e não perdi esse dom até hoje. Eu não sei de que religião vocês são, mas eu não abraço o protestantismo. Eu sou católico e nunca gostei de bater papo assim com outros evangélicos não; pra mim, a religião, eu procuro praticar, fazer a prática e não gosto de estar falando muito do evangelho, da bíblia não... só quando é necessário.
P/1 – O senhor ia pra igreja quando era pequeno?
R – Desde pequeno. Eu me eduquei principalmente na religião católica. Aqui participei de muitos cursos, fiz muita reciclagem, aprendi muito com a igreja católica... por isso que a nossa luta aqui foi muito importante, porque a igreja católica deu importância a esse trabalho. Ela apoiou bastante os menos favorecidos, entendeu? E eu, incluído nessa situação dos menos favorecidos, é que abracei essa luta e brigamos até hoje e estamos numa briga ainda, aqui.
P/1 – Mas o que o senhor sentia, assim, quando ia pra igreja, pra missa... que dava tanta...
R – Um desejo, um desejo de ser um comunicador. Quando eu estagnava, eu parava, eu me sentia inquieto; não parava, parecia que eu estava, assim, sendo atingido por dentro. Aí eu tornava de novo a pegar o meu grupo e sair pras comunidades pra dizer: “Olha, a nossa luta é essa, ninguém vai parar, vamos levar, vamos incentivar, vamos abraçar.” Sempre foi esse o nosso embate, de defender principalmente a natureza e os direitos da pessoa humana... sempre foi assim. O segundo desejo - aliás, eu tive três desejos - o segundo desejo foi ir embora pra marinha; eu fiz amizade com o capitão dos portos em Santarém e ele fornecia todas aquelas cartilhas, aqueles livros da marinha, sabe? Eu sentia um desejo danado de ir embora pra marinha. Não fui também porque a causa de eu não ir para o Seminário foi pra não abandonar meus avós, porque eles precisavam muito da minha ajuda; a marinha também eles se opuseram de eu “ir embora pra não mais voltar”, eles diziam, né? E o último desejo foi que... a gente tem muitos destinos, muitos desejos... era de ir embora também pra Portugal pra conhecer lá os portugueses (risos)... que descobriram o nosso Brasil... descobriram não, chegaram aqui. E depois eu disse: “Agora eu vou conhecer as comunidades, o interior do meu Pará mesmo, eu vou ver até onde eu posso chegar.” Eu descobri um bocado; a sabedoria do povo, eu descobri um bocado também.
P/1 – Serik, deixa eu entender uma coisa: essa sabedoria que seus avós tinham, seja ela das histórias, seja ela da coisa dos remédios e tal, isso eles iam te passando? Eles iam te mostrando, te ensinando? Como era?
R – Não, não me ensinaram. Eu admirava muito o meu avô e... eu olhava como ele fazia. Fazia um cigarro desse tamanho... de tabaco; tinha um negócio, um pau que a gente chama pra cá de paricá, ele ralava aquilo, misturava naquele tabaco, embrulhava numa fibra de uma árvore chamada tauari. Aí enrolava, acendia - ele dobrava a parte acesa pra dentro da boca e soprava assim. A importância que eu gostava muito era porque antes dele começar a trabalhar ele fazia uma oração, uma prece... ele pegava e defumava a pessoa aqui ó (gestos), nas costas e na cabeça e às vezes nos pés também. No final, ele botava o cigarro bem aqui no meio da cabeça da pessoa e dizia: “Olha, você está com tal mal, você pegou um mal assim, assim, assim...”. E virou história isso aí porque eu vou contar agora um fato. Meu avô... um senhor chegou com a cabeça piroca assim ó, caindo cabelo, chega brilhava no sol... aí ele foi lá com meu avô, meu avô fez o trabalho lá e disse: “Olha, você se lembra do dia que você foi caçar, assim, assim... tá fazendo uns 15 dias?”, “Sei”, “Você passou numa roça e no meio dessa roça você matou uma pombinha lá e trouxe, não foi?”, “Foi, foi”, “E o que você pegou lá da roça do homem lá?”. Aí ele disse: “Nada”, “Nada não, você pegou uma coisa lá”. Aí ele lembrou que era um abacaxi, um ananás, sabe? Ele se lembrou: “Ah, eu peguei um abacaxi, abri lá, tirei e comi”. Meu avô disse: “Era pra você comer com toda a casca, porque foi lá que você deixou aquela casca... e nem jogou de lado... lá o homem passou um negócio.” Aí ele lembrou e disse que era verdade mesmo, mas meu avô disse: “Vai ficar bom”. Ensinou a fazer, fez um ungüento lá e colocou... e em uma semana já estava criando cabelo. Eu perguntei pro meu avô: “Me diga uma coisa, quem é que lhe conta essas coisas?” Aí ele disse: “Olha, meu filho, infelizmente não tenho palavras pra te dizer... o dom que a gente recebe, o dom de Deus.” Veja bem, uma coisa que... essa sabedoria do povo, que eu chamo de sabedoria, é que receberam um dom.
P/1 – Tem como descrever um pouco pra mim o seu avô e a sua avó, assim, como eles eram?
R – Não, meu avô era claro, bem claro mesmo, com os olhos bem azuis ou verdes e não era tão alto não... acho que tinha um metro e sessenta e dois, por aí. E eles eram comerciantes também. Agora, minha avó era cabocla mesmo, nossa! Eu acredito que era até índia... eu acredito, né? A minha mãe também era do mesmo jeito também... e aí... era isso, descendência, eu acho que eu sou descendente de índio, com certeza, mas também tem uma mistura desse pessoal de lá de Israel, por aí assim (risos).
P/1 – Serik, aí quando o senhor era pequeno vendo seu avô fazendo essas coisas, você tinha algum contato com esse mundo mais encantado? Você chegou a ver alguma coisa? Sentir alguma coisa? Sonhar com alguma coisa?
R – Não, eu não gostava desse... e até hoje eu tenho... do Espiritismo. Não gostava e não abraço tanto não. Mas como tem aquele... o Chico Xavier, forte no espírito aí... eu não procurei conhecer melhor.
P/1 – Mas e essa coisa com a natureza?
R – Com a natureza... eu gosto muito de descobrir alguma coisa da natureza. (troca de fita)
P/1 – Então, a gente estava contando de seus avós, essa coisa deles conhecerem a natureza a fundo... você vai contar um pouco pra gente agora sobre isso?
R – Eu acho que não era propriamente... eu não sei... até hoje eu me pergunto: como? Eu estava numa comunidade e eu encontrei com um amigo lá, o nome dele... eu posso dizer até o nome dele: o nome dele era Aureliano e ele era curandeiro. E aí, quando foi por volta de meia noite, uma hora da manhã, chegou uma canoa a procura dele... e aí ele disse: “O que é?”, “Eu vim lhe chamar e ao mesmo tempo lhe comunicar que o seu filho está doido, está maluco, quer ir embora pra água.” Ele disse: “É? Como foi isso?”, “Não sei, de repente ele ficou maluco lá”. Aí ele ficou pensando lá e depois ele disse: “Eu vim lhe buscar”, e o Aureliano disse: “Não, olha, tu vai embora. Vai embora que eu vou depois.” E o rapaz foi embora... naquele tempo era no remo, remando mesmo... e foi embora. E nós conversamos lá e terminou o leilão lá da comunidade lá e ele disse: “Olha, tu vai pra onde? Tu vai parar aqui?”, eu disse: “Eu vou parar aqui até amanhã”. Ele disse: “Então a gente se encontra. Eu vou lá em casa ver o moleque lá, que eu não sei o que aconteceu com ele, mas a gente se encontra aqui”. Aí ele desapareceu. Aí, quando foi no outro dia, ele chegou e foi me procurar. Eu disse: “Escuta, depois do arraial tu vai embora?”, “Não, só vou no outro dia”. Eu disse: “E aí, como foi o teu filho?”, ele falou: “Ah rapaz! Isso é coisa de jovem, foi mexer nas minhas coisas que não devia mexer... aí ele queria descobrir alguma coisa demais e afetou o cérebro dele... por isso que ele ficou maluco... mas já está bom, tranquiliza lá.” Eu chamei o rapaz e disse: “Com quem ele foi?”, “Ele não foi com ninguém não”. Segundo o que a gente sabe, essas pessoas eram chamadas de sacaca... o curandeiro muito bom que faz essas coisas assim e era chamado de sacaca. Então dizem que ele mergulhava na água e transformava não sei em que e chegava lá antes que a pessoa chegasse. Eu encontrei com um cidadão lá em Brasília e eu perguntei um bocado de coisa daqui da Amazônia, se ele conhecia esse fato, assim, assim... ele falou: “Conheci. E tenho tudo escrito também, Serik. Por isso, escreve também.” Então eu fiquei impressionado também de saber que o que levava eles, assim, não sei... dizem que eles mergulham na água e desaparecem... eu não sei se é verdade, eu nunca vi ninguém cair na água e se transformar em outra coisa, mas o pessoal contava isso. Pois é.
P/1 – Senhor Serik, vamos voltar então a comentar com que idade os seus avós morreram? O senhor tinha quantos anos mais ou menos?
R – Meu avô, quando ele morreu, eu tinha 17 anos.
P/1 – Como foi que ele morreu?
R – Não sei, ninguém sabe. Segundo o que a gente sabe, ele vomitava, assim, umas coisas... tipo espinha de peixe. E ele morreu tão tranqüilo... eu chamei o padre pra fazer uma visita pra ele e depois ele me disse: “Olhe, seu avô vai morrer igual a um passarinho.” Exatamente, foi assim que ele morreu... só respirando fraco já.... até que... pronto, aí morreu. Não disse mais uma palavra porque o padre conhecia também o trabalho dele e o padre dava muito valor. Ele disse: “Olhe, ele fez um bocado de obras aqui na Terra. Pode ficar tranquilo que seu avô vai morrer muito tranqüilo”. E morreu mesmo.
P/1 – Quanto tempo durou essa coisa que ele vomitava, assim?
R – Uma semana.
P/1 – Começou assim, sem nenhum motivo?
R – Sem nenhum motivo, ninguém sabia... era branco aquilo, igual a umas espinhas de peixe.
P/1 – E como foi assim, pro senhor, perder seu avô que era tão querido?
R – Ah, foi uma perda que, você sabe, uma vida separa da gente, a gente sente. Mas depois a gente vai... aí depois eu peguei e vim embora, saí de Santarém para o seminário...
P/1 – E sua avó estava em Santarém ainda?
R – Ela já estava velhinha também, ela ficou com a filha dela lá também, né? Eu não vi mais minha avó morrer não. Ela ficou com a filha dela e eu vim arriscar a vida por aqui.
P/1 – Primeiro o senhor parou em Oriximiná?
R – Foi, eu vim... cheguei em Oriximiná e pus uma vendinha lá... eu já tinha algum capitalzinho. E eu não sei, tinha uma coisa que me empurrava pra sair de lá, né?
P/1 – Mas por que o senhor foi pra Oriximiná e não foi pra outra cidade? Qual foi a escolha de Oriximiná?
R – Não sei, eu só sei que saí de lá de Santarém e vim pra Oriximiná. Em Oriximiná eu conheci um cidadão que trabalhava na mata com pau rosa, aí eu quis conhecer como era esse trabalho. E eu peguei, fechei lá, e deixei umas coisas lá pra uma senhora – ela acabou tudo lá – e vim pra cá trabalhar. Aí eu admirava muito a natureza, muito mesmo, eu chegava a escrever alguma coisa nos paus lá.
P/1 – Lá onde?
R – Aqui, nessa mata aí; aí onde agora é a companhia, a mineração.
P/1 – Mas, só pra entender, Serik: o senhor ficou quanto tempo em Oriximiná? Um ano, dois anos?
R – Eu fiquei lá mais ou menos uns dois anos, não chegou a três anos lá não.
P/1 – Com comércio?
R – É, com comércio.
P/1 – E vendia o quê?
R – Secos e molhados só.
P/1 – Mas o senhor não gostava de lá?
R – Não, eu não gostei tanto não de Oriximiná. Depois que eu cheguei aqui - que eu senti o perfume da mata - eu fiquei muito embelezado aqui.
P/1 – O senhor veio de Oiximiná pra Juriti Velho direto?
R – Não, eu fui lá pra dentro da mata mesmo. Trabalhar lá... trabalho braçal, partir a madeira lá pra passar pra máquina, pra extrair a essência do pau rosa. E lá eu trabalhei um ano e meio, depois eu vim pra cá. Aqui, quando eu cheguei, eu logo conheci aqui - em 68, quando eu passei pra dentro, eu conheci logo aqui e me embelezei da região aqui... eu dizia que quando eu voltasse de lá eu ia fixar moradia aqui. Aí, quando eu voltei, fiquei aqui.
P/1 – 68 foi quando você passou por aqui pela primeira vez?
R – 68, antes de o homem pisar na lua.
P/1 – O senhor estava fazendo o quê? Passeando? Estava trabalhando?
R – Trabalhando, eu vim para trabalhar aí na mata, né? Aí depois, com meu saldo, eu fiquei aqui e depois comecei a trabalhar aqui, serviços braçais mesmo... me acostumei...
P/1 – Eu queria que você contasse um pouco mais, assim, dessa chegada aqui, da vinda pra cá... como foi? Como o senhor chegou aqui? Como era esse lugar? Conta um pouco pra gente...
R – Isso aqui era muito atrasado, né? Eu fiquei... quando eu vim pra morar, de 69 pra 70, aí eu admirava o pessoal aqui, como era o costume, né? O costume e o linguajar daqui, a fala do povo.
P/1 – O que era diferente?
R – Muita coisa; tinha muitas palavras que eu não entendia. Aí, depois eu comecei a procurar aqui uma árvore que nós conhecemos pra lá como catauri... eu comecei a procurar e ninguém sabia o que era - era tipo um cipó, eles conheciam como cipó talha. Aí, almoçando com um pessoal, o homem pegou e tomou uma colherada de comida assim e disse: “Hum... isso aqui está sem imo”... eu fiquei assim, né? “Sem imo”... eu não entendia... eu comi aquilo e pra mim estava bom. Mas ele disse que estava sem imo. Eu não sabia e foi, foi... aí um dia eu perguntei: “O que é esse ima que vocês entendem?”, “Por quê?”, “Eu vi fulano falar dessa forma”, “Ah, sim, é a comida que não estava bem temperada” - não tinha gosto. Eu disse: “Ah tá, eu conheço como insosso, sem sal, insosso.” Então tinham muitas palavras que eram diferentes, entendeu? Até hoje... eu digo: “Eu vou pra Juriti amanhã” mas eles diziam: “Vou de hoje pra amanhã”, entendeu? De hoje pra amanhã e eu digo: “Eu vou em Juriti amanhã”... (risos) tem muita coisa diferente.
P/1 – E os costumes... o que foi que te marcou aqui, quando você chegou?
R – Os costumes aqui eram... de ver o povo aqui numa... vivia sempre a coletividade aqui. Era um povo solidário. O meu vizinho, se ele fosse pescar hoje e se eu não fosse, amanhã ele pegava o peixe e me dava... e saía dando para os vizinhos também. Eu também, depois me acostumei: ia pescar, pegava um monte de peixe e não ganhava um centavo do peixe. Eu me acostumei também a ajudar a sustentar o meu vizinho. E eles eram assim... os mesmos costumes dos nossos antepassados, dos índios, né? No trabalho, putirum. E ninguém conhecia aqui o negócio de mutirão; isso é coisa lá do sul, negócio de mutirão... o nosso linguajar aqui é putirum. Chamam aqui de ajuri.
P/1 – O que é ajuri?
R – É o mesmo que putirum. Na língua indígena já é ajuri.
P/1 – Mas o senhor sentiu muito que esses costumes, quando chegou... eram costumes indígenas?
R – Eu senti que era... eu não descobria que era costume indígena, eu descobri que era o povo que vivia aqui que estava com esse costume, entendeu?
P/1 – Da coletividade?
R – É.
P/1 – O que o senhor achou disso?
R – É muito bom, muito bom. A gente fazia aqui e no outro dia ia fazer o roçado de fulano lá, do colega; no outro dia a gente ia para outro trabalho, de outro colega; e era assim. Fazia um roçado, preparava, plantava tudo e tudo à custa da amizade; não se pagava um real e nem um centavo pra ninguém. E aí, quando nós formamos os grupos aqui, cada um de nós levava alguma coisa, uma provisãozinha pra gente se alimentar.
P/1 – Serik, eu queria entender, assim, esse lugar pro senhor parece muito especial. Então eu quero entender se o senhor se lembra o dia - assim, eu não estou falando a data não - o dia que o senhor chegou aqui pra ficar, pra residir. Quem te recebeu? Como foi essa chegada, o senhor se lembra disso?
R – Eu vim no mês de outubro de 1969 e fui morar lá... tinha uma casa chamada chalé e eu fui parar lá nessa casa. Me deram lá um agasalho e lá eu fiquei. Era época da festa e fiquei aqui tomando novos conhecimentos, olhando como era a festa do pessoal. Eu era muito curioso também; queria aprender, queria ver tudo... eu tinha o desejo de escrever... e acabei escrevendo.
P/1 – Você desejava escrever por quê? Qual era o motivo?
R – Porque eu sabia que daqui a alguns anos e anos e anos nós não iríamos ver; mesmo que a gente contasse, os jovens, as pessoas vindouras não iam mais acreditar naquilo que nós contamos. Por isso eu fiz questão de escrever e digo pra muitas pessoas aqui: depois alguém que vai falar do que eu falo aqui, do que eu escrever. Aí, muitos que virão depois não vão mais acreditar, só vão acreditar agora naquilo que eles estão vendo, que é principalmente a bebida, a droga, todos esses tipos de vícios... eles vão acreditar, nisso aí.
P/1 – Mas quando o senhor chegou aqui tinha muita coisa de alcoolismo ou coisa assim?
R – Não tinha não. O consumo daqui era o chamado pajiroba.
P/1 – O que é isso?
R – É uma bebida extraída da maniva, da mandioca.
P/1 – Vocês bebiam quando, isso? Em que ocasiões?
R – Todo dia bebia. Depende de ter a mandioca, pode fazer todo dia.
P/1 – E é forte?
R – É, fica forte. Eles chamam depósito, né, especial. Aquilo, praticamente nem quase é lavado, pra não tirar... eles tiram um, botam pra cá, tampam e depois botam outro aqui de novo e no outro dia aquilo já tá azedo. E aí, se você quiser tomar, ele é muito gostoso quando está azedo... a gente põe um pouco de açúcar e pode beber. Porque não tem agora, senão vocês iam provar só pra ver.
P/1 – Então Serik, o senhor queria ver e ouvir muita coisa. O que o senhor viu e ouviu nos primeiros tempos aqui?
R – Eu vi e ouvi... nunca enxerguei a visagem, mas ouvi. Eu quis ver mesmo, mas não consegui porque contavam... eu cheguei a ouvir o chamado “calça molhada”, uma pessoa que anda tipo com uma calça molhada, assim, zap, zap, zap, entendeu? Não, o que eu vi: o chamado “cachorro barriga d’água”, esse eu vi; outra visagem eu não vi, mas esse eu vi e vou detalhar. Eles falavam desse cachorro barriga d’água aqui, aí quando fui uma noite - a lua estava bem alta - devia ser assim, umas dez horas da noite e aí foi passear na rua, de repente eu escutei: “Tum, tum, tum” - eu pensei que era uma senhora que morava ali pro final da rua que estivesse pisando café pra fazer, né? Eu falei: “Puxa, estão pilando café pra fazer. Eu vou lá tomar um café”; e fui. Estava com uma lanterna de três elementos, assim, com pilha nova, e fui embora. Depois parou aquela zoada. Eu continuei a andar devagar... mas quando eu vi, tornou de novo, que eu olhei, dobrou lá... aquele vulto no canto, assim; aí eu fiquei do lado da rua lá e ele veio desse lado; é um cachorro de mais ou menos 60 centímetros ou 70, mais ou menos... e o comprimento? Mais de metro! Com aquela barriga próxima do chão. Eu parei e fiquei olhando lá... e ele veio, passo por passo, assim. Quando ele ficou bem de frente para mim e a lua deu nos olhos dele aquele reflexo que parecia que acendeu duas tochas grandes, assim, eu segurei a lanterna assim e disse: “Se tu vier pra cima de mim, o jeito é acabar com essa lanterna.” Mas não, ele foi passando lá assim, e quando viu que tinha passado, ele começou de novo: ele fez “Plu, plu, plu, plu” - eu fiquei lá escutando, né? Aí os cachorros pegaram atrás dele aqui pra ponta; isso eu vi, mas outras coisas eu não vi. Esse eu vi e eu conto pra todo mundo. Todo mundo que me pergunta se eu já vi, eu falo: “Eu já vi esse cachorro”. Mas outra coisa ainda não vi, né? Esse negócio de porco... aqui, eu ainda não vi porco se transformar não; agora, quando eu morava lá em Tapajós eu cheguei a ver; também eu não sei se era visagem ou se era porco mesmo, eu sei que era uma porca... um temporal danado... e aí fechava as árvores, assim, no meio da estrada, e aí deu um relâmpago; eu tinha que ir e o temporal vinha caindo e quando eu pisei lá no escuro eu vi a porca ficar brava lá. Aí fui ver, olhava assim e dava o relâmpago... e um porquinho... eu pensei: “O que eu faço?” - eu tinha que passar; eu voltei um pouco assim e fui buscar o arranco e cheguei assim e pulei pra lá - não pisei em nenhum - aí eu passei (risos); eu não sei, eu vi... não sei se era visagem mesmo ou se era porco mesmo.
P/1 – Serik, e da cidade, assim, da cidade aqui da comunidade de Juriti, você pode me descrever como ela era quando o senhor chegou? O que tinha aqui?
R – Sim, é aquilo que eu disse há pouco tempo: a população, mais ou menos, não abrangia 100 pessoas aqui; mas eu fiz questão de escrever essas 100 pessoas porque tem outras casas que fazem parte daqui. Casas cobertas de telhas... eles tinham oito casas cobertas de telha de barro, cercada de tábua de madeira. E tinha aqui duas escolas pequenas; uma professora ensinava o ABC pra cinco alunos aqui. Aqui já era a primeira série, aqui era a segunda, aqui era... até a quarta série... tudo misturado, sabe? Era misto mesmo aqui. E eu disse: “Meu Deus, o que esses meninos aprendem assim?”. Esse é um dos trabalhos que a gente vai ter que fazer... enfrentar, né? Saúde: não tinha, eram só nossos pajézinhos. E conseguimos, apareceu um curso em Juriti... como eram escolhidos os professores aqui e outras pessoas para trabalharem aqui? Era aquela que tinha mais influência com a gente nos nossos movimentos, nossa igreja; “Olha, fulana é muito interessada”, “Então vamos botar essa fulana” - era assim que eram escolhidas nossas lideranças aqui. Tinha uma senhora que trabalhava e foi fazer curso em Santarém, em Juriti, Óbidos... e aí, quando ela chegou, ela foi desenvolver o trabalho dela como atendente, mas não tinha nada também de medicamento. Conseguimos comprar uma aparelhagem de extração dentária e ela trabalhava assim. Até que uma das vezes veio o governador - naquela época o Aluísio Chaves - veio aqui e nós aproveitamos pra introduzir lá na casinha onde ela trabalhava e lá ele se comprometeu de que, daquela hora em diante, ela ia passar a receber. O que ela recebia? Naquela época, cinquenta centavos de uma coisinha, de uma extração dentária... só mesmo pra não dizer que foi de graça, né? E aí era... mas nós brigamos até que nós conseguimos; quando foi com um mês eu recebi a comunicação que era pra mandar a documentação dela e eu logo providenciei, imediatamente: “Minha querida, é agora! Os seus documentos, vamos tira Xerox de tudo”. E mandamos pra Belém. Daquela data em diante passou, passou... até que quando foi um belo dia, ela recebeu um monte de dinheiro, graças a Deus.
P/1 – Serik, eu quero entender esse movimento. Primeiro eu quero entender essas aspirações pessoais - o senhor ainda tinha essa vontade de ser um comunicador, missionário ou alguma coisa assim, quando o senhor chegou aqui?
R – Não, padre eu não tinha mais vontade não; mas abracei a luta da igreja. Por quê? Porque vi que o povo era muito carente.
P/1 – Então, só pra entender: o senhor chegou aqui e aí começou a trabalhar com roça, a primeira coisa?
R – Sim, exatamente.
P/1 – Aí, só pra entender...
R – Roça de juta e roçado de mandioca também. Aí eu via... muitos me perguntam por que eu fiquei aqui; eu disse: “Eu não sei”, alguma coisa me impulsionava. Aí eu fiquei à frente do movimento aqui, graças a Deus...
P/1 – O senhor começou o movimento? Como foi? Tinha o movimento já quando o senhor chegou aqui?
R – Já tinha... nós começamos um movimento, entendeu? Principalmente, qual foi o movimento? O puxirum.
P/1 – E esse era um movimento que chegou junto com a igreja ou era anterior?
R – Não, já era antes, já era antes aqui. Porque era o costume dos índios mesmo, né?
P/1 – Conta um pouco dele então, com mais detalhes...
R – Não, não, eu não sei quantos índios...
P/1 – Não, do movimento do puxirum.
R – Era esse que eu disse... que eles faziam o roçado; iam 20, 30 pessoas pra fazer um roçado pra uma pessoa. E depois, no outro dia, já era pra outra pessoa e assim sucessivamente, né? E depois, pra plantar, também era a mesma coisa; pra capinar; a mesma coisa; então eu acho que não havia necessitados entre o povo aqui.
P/1 – E era pra consumo ou pra venda?
R – Era pra consumo e pra venda; era a sobrevivência aqui depois que... porque, pela história que nós temos, os índios aqui fabricavam o guaraná, se dedicavam ao plantio do guaraná, da roça, pesca e caça; mas quando eu cheguei aqui não tinha mais essa dedicação do guaraná, era só roça. Entravam barcos aqui só pra abastecer de farinha mesmo, pra levar pra Manaus; era vendido pra lá pra Manaus.
P/1 – Tinha muita farinha aqui, então?
R – Tinha muita farinha. E essa farinha saía e não deixava nem o imposto pra cá... nada, nada... era muito carente mesmo. E depois, quando nós começamos a despertar na ideia do nosso povo aqui, dizíamos: “Olha, nós temos que ser assim, assim...”; muitos duvidavam porque era novidade, entendeu?
P/1 – Mas qual era, assim, o objetivo do senhor? Era trazer o quê? E como? De que maneira? Conta um pouco esse objetivo seu?
R – Meu objetivo sempre foi fazer uma massa, entendeu? Aglomerar o povo na educação, naquilo que nos interessava, entendeu? Educar mesmo o povo. Então, quando a igreja começou a trabalhar na conscientização do povo, eu abracei essa luta; porque nós saímos pras comunidades pra dizer: “Olha, vocês têm direito a isso, nós temos que trabalhar organizados, nós temos que nos organizar em sindicatos, em associações, pra lutar pra que nós consigamos alguma coisa pra cá, de melhoria pra nossa terra. Vamos lutar pela educação, pela saúde, nós somos muito carentes.” Então, começamos essa luta e aí veio uma proposta da paróquia - nessa época, de melhoria de moradia, né? E aí a gente já estava mais organizados um pouco e nos organizamos melhor em grupo: em dois grupos de 20 pessoas e conseguimos fazer 40 casas aqui.
P/1 – Isso em mutirão também?
R – Mutirão, tudo em mutirão. Pois é.
P/1 – E esse momento da chegada... foram as Irmãs que chegaram aqui?
R – Foram.
P/1 – Aí elas foram falar com vocês? Como é que foi? Conta esse momento da chegada e da conversa com vocês...
R – Bom, eu não tinha muita ligação com elas não, né? Não tinha porque quando eu cheguei aqui, não demorou, chegaram essas Irmãs também; bom, essas aí tiveram mais comunicação conosco. Aí chegaram em Juriti e, através de que eu ia lá na secretaria da paróquia, ia lá e falava com elas... depois elas deram de visitar aqui também; visitavam e foram fazendo essa amizade, né? Quando foi um dia, elas disseram: “Olha, nós estamos num movimento, assim, querendo organizar, tem uma verba que sai da Cáritas... assim, assim...”. Elas começavam também a trazer roupas – não podiam dar porque o transporte era muito caro no correio, vinha pelo correio – mas elas vendiam bem baratinho mesmo. E começavam a fazer uma feirazinha aqui pro pessoal, o pessoal se enchia de roupa... e aí, a gente foi travando melhor conhecimento e depois eles começaram a se chegar mais pra perto de nós e nós pra perto deles mesmo. E aí começamos um bom trabalho aqui com elas também. Mas antes, quando elas chegaram, elas não trabalhavam na catequese aqui, trabalhavam mais na assistência
social mesmo.
P/1 – Mas o senhor continuou trabalhando na roça? Continua tendo a sua plantação?
R – Continuo, continuo...
P/1 – Então conta; fora esse projeto do mutirão das casas, quais foram as outras coisas que vocês foram fazendo?
R – Bom, começamos... como eram difíceis as coisas aqui pra nós, quando foi um dia ela disse: “Olha Serik, nós temos uma verba que a gente consegue... é muito ruim pra vocês trabalharem na mandioca?”, eu disse: “É”, ela disse: “Como seria melhor?”, eu disse: “Olha, o que eu acho muito ruim é descascar e ralar a mandioca, assim ó (gesto). De vez em quando corta a mão da gente no ralo.” Aí foi que ela me disse que tinha uma verba, que podia comprar um motorzinho pra gente. Aí nós abraçamos, eu falei pro pessoal e a gente já tinha começado um serviço de estrada lá na mata, sabe? Lá no centro, pra gente ir pras nossas barracas pra lá. Aí ela disse: “Bom, olha, não tem ressarcimento dessa verba; vocês pagam com trabalhos comunitários.” E quando chegaram os motores - foram três que chegaram pra nós - aí o pessoal ficou... mas eu era... nunca cheguei a utilizar, nunca, nunca, nunca; eu alugava o motor de um camarada que, depois da gente ter já o motor, ele também comprou um motor e disse: “Olha, eu alugo pra ti” e eu falei: “Tá.” Mas esse, do grupo, eu nunca usei; e aí chegaram motores e trabalharam mais ou menos uns cinco anos aí... melhorou muito a produção. Depois, quando foi um dia, um sócio lá se meteu na besteira lá e quebrou um dos motores lá e eu fiquei aborrecido. Eu disse que ia sair do grupo porque aquilo era uma grosseria... pra mim, não... eu não comungava com aquilo, com aquela ação deles, aí me retirei, né? Depois eles deram sumiço dos motores. E, assim, a gente conseguia porque... quando nós pagamos esses motores? Só com trabalho mesmo comunitário da estrada, né? Aí apresentamos as diárias.
P/1 – Como que era? Vocês trabalhavam pra... (troca de fita) Serik, a gente estava contando, eu queria entender um pouco: vocês faziam estrada com o quê? Era com uma troca? Vocês faziam estrada pra ganhar... conta melhor, pra eu entender um pouquinho essa...
R – Não, a gente necessitava da estrada pra ir para o nosso trabalho; como era péssima, a gente corria risco de pisar numa fera por aí, né? Então tinha que limpar e, mesmo quando a gente vinha com o gênero aqui, tinha que andar mais abertamente, né? Pra gente fazer a estrada... começamos a fazer a estrada e quando ela viu que o nosso esforço era muito grande, ela disse: “Olha, então já vamos tirar umas diárias dessas estradas pra incluir aqui, pra pagar os motores”; e era assim que era.
P/1 – E era quem? Ela quem?
R – A Irmã Brunildes, ela arranjou muitos projetos pra cá.
P/1 – Quais mais? Você contou agora, acabou de contar esse; quais mais tiveram aqui?
R – Projeto Casulo, principalmente.
P/1 – O senhor trabalhou nele também?
R – Não, a minha esposa trabalhou. Mas foi uma luta nossa também porque eles vieram aqui fazer uma reunião... tinha o projeto das casas, aí depois surgiu o que ainda eram pensamentos do Projeto Casulo; então ela arrastou a língua assim e eu captei aqui a mensagem; aí eu disse: “O que que é, Irmã?”, ela disse: “Não, é uma coisa...” - comentou só lá com o pessoal da LBA, né? Eu disse: “O que a senhora está escondendo de nós? Por favor, no que se referir a Juriti Velho, não esconda nada; a gente necessita de muita coisa” e ela disse: “Não, a gente estava falando do Casulo mas ainda é um sonho, um pensamento isso.” Aí eu disse: “Olhe Irmã, se tiver alguma coisa, por favor, né? A gente precisa”. E ela disse: “Não, está certo. Eu já vou levando o nome de vocês.” Aí disse que não tinha nada ainda, né? Quando uma semana passou, aí eu fui a Juriti e ela disse: “Cadê o levantamento de vocês, de lá?”, eu disse: “Não temos não”, “Puxa, então vocês vão perder o Casulo, só faltam três dias”; eu falei: “Mas a senhora não disse que ainda era um pensamento, ainda ia criar as creches aí, os casulos?”, ela disse: “Não, agora ela já decidiu que vai mesmo pra frente e inclusive Juriti Velho.” Aí eu disse: “Tá, mas pode incluir Juriti Velho; já incluiu?”, “Não, vou incluir agora”; aí incluiu. Aí ela disse: “Olhe, eles querem fazer agora, tem uma relação aqui. Onde vai funcionar?”, eu disse: “Vai funcionar no centro de Taboa; é uma sala, mas, pra gente velha, deve ser duas salas de aula”, “Tá, então vamos pensar”. Aí ela foi e falou: “Olhe, tem que ter isso aqui. Tem que ser cercado” - estava cercado, mas estava caindo - aí ela disse: “Olha, mas a gente vai lá”. Quando foi depois, ela disse: “Quarta feira... está cercado?”, eu disse: “Tá.” – mentira, estava tudo caindo o cercado. “Olhe que eu vou lá”, eu disse: “Vá.”. Ela tinha saído com uma semana daí e viu como estava a situação, aí eu contei essa mentira aí, que estava mesmo, que era pra garantir: “A senhora pode garantir num relatório aí que eu afirmo”, ela disse: “Eu vou lá ver.” E eu: “Vá.” Aí cheguei aqui e falei pro pessoal: “Domingo vamos jogar essa porcaria toda no chão aí, a madeira está aí e vamos construir.” E quando foi quarta-feira, dez horas, ela chegou; ela falou assim: “Peguei a mentira!”. Eu disse: “Pegou mesmo, mas valeu mais do que fosse uma verdade” e ela disse: “Não, agora não tem como recuar não, eu achei vocês trabalhando; não está pronto, mas vocês estão trabalhando.” E eu disse: “Então pronto! Confirme lá.” Aí ela confirmou pra lá e nós ainda construímos mais uma sala pra trás do centro de Taboa e funcionaram duas salas de aula aí... em 1982 começou o Casulo aqui.
P/1 – Pode contar um pouco melhor, pra mim, assim, como funciona o Casulo? O que ele tem de diferente de uma sala?
R – Eu propriamente não sei. A minha esposa que trabalhou lá, ela sabe como é mais ou menos. Mas o que eu acho interessante é que os professores, os tios ou as tias que vão pra lá, eles não entram em sala de aula se não tomar primeiro... não fizer, tipo, uma reciclagem; eles vão participar de um treinamento, entendeu? Isso eu admiro bastante. Quando eles vão pra assumir, já sabem o que vão fazer dentro da sala de aula. Ao passo que na educação escolar aí, isso não acontece, é muito diferente, entendeu? Mas eles vão pra lá, as criancinhas de três anos pra frente vão; chorar primeiro pra lá (risos), depois vão brincar, vão comer alguma coisa, vão merendar, né? E o que eu acho que é muito importante é que com pouco tempo eles já começam a desenvolver, começam a escrever alguma coisa; não demora e as criancinhas já estão escrevendo o nome deles lá - isso eu admiro bastante porque nem na escola municipal não tem isso não, não é desenvolvida primeiramente a alfabetização, não tem. Às vezes tem até pessoas de quarta ou quinta série que não sabem nem quase fazer o seu nome ou mesmo fazer uma redação ou uma outra coisa... é muito difícil a educação aqui... a gente já brigou, a gente espera que tenha uma educação de qualidade aqui, mas nunca vai chegar; os professores aqui não se entendem. Então a gente briga; eu sou um desses que vou pra reunião e debato mesmo e exijo e peço... e eles têm um certo receio de mim quando estou na reunião.
P/1 – É mesmo? Mas o senhor acha que nunca vai chegar essa educação de qualidade?
P/1 – Desse jeito que está sendo desenvolvida a educação aqui, não chega não. O meu cunhado lá em Brasília – ele trabalha lá no... está cedido pro governo, né? Pro Palácio – ele trabalha no Correio; aí ele conseguiu pra cá, lá em Brasília, um convênio com a prefeitura, um centro de informática pra cá, né? Aí ele disse que era pra gente velha da comunidade; aí fizeram uma enrolada, uma enrolada, e mandou todos os papéis pra mim pra correr atrás; eu corri, corri, corri. Depois chegaram os computadores todinhos e ficaram lá, ninguém sabe... “Ah, foi levado não sei pra onde e tal, tal, tal”. Muito bem. Quando veio depois, foi implantado na escola; nós pedimos que era pra comunidade. Então a comunidade não tem acesso à informática aqui, entendeu? E nós necessitamos muito. E eu falei pro prefeito que era pra comunidade. Quando veio, veio outra equipe dizendo que vinha um centro aí pra escola, pra menino habilitar, não sei o que... e acabaram levando esse que era pra nós aqui... levaram pra escola. Aí nós perdemos e temos necessidade porque a comunidade precisa; tem essa aí que está funcionando no centro Taboa, mas esse não é nosso, é da associação; eu queria uma coisa pra nós mesmos, pra nossa comunidade porque ela necessita de fazer certos trabalhos aqui, trabalho de comunidade mesmo.
P/1 – O que mudou? Assim, desde que o senhor chegou aqui, fora o que o senhor já contou, o que mudou na cidade mesmo, que o senhor vê mudança?
R – Agora tem mudança, quando nós... o que mudou, pelas organizações que nós mudamos aqui, entendeu? Fundamos várias associações aqui, conscientizamos o povo de que se um puxasse para um lado e outro pra outro, ninguém ia conseguir. E fundamos várias associações e, por último, nós fundamos uma associação que ela é grande - ela atinge toda essa região, até a região de Mamuru - mais de duas mil famílias que fazem parte dessa associação. Então hoje, se nós já temos melhoria aqui é porque nós corremos atrás; onde a gente pode botar a língua pra cima, a gente vai mesmo; é pela igreja, é pelo sindicato, é pelo governo municipal e tudo. E, principalmente, nós nos organizamos melhor aqui no movimento partidário, entendeu? Nós nos organizamos melhor aqui.
P/1 – E como vocês conscientizam a população? O que vocês fazem para que elas ouçam?
R - Através de reuniões. Aí a gente vai e fala: “Olha, as coisas que estamos tomando hoje estão erradas, não são assim; nós temos que fazer... mudar nossa estratégia, pular pra esse...”. Principalmente, é muito cobrado o poder executivo, entendeu? Porque quando não sai uma coisa pra cá, nós vamos pra cima, vai pra cima mesmo. E ele tem que ouvir a gente porque aqui foi um momento de decisão. Agora, o que nós estamos decidindo: é que nós queremos concorrer aqui com o candidato à vice que seja daqui... porque nós somos um povo organizado, a região... não é lícito que nós não temos compromisso com outro partido não. Aqui nós somos de um partido e não temos discussão com outro partido; temos nosso adversário; mas aquilo que se faz, parceria, aliança com outro partido, nós não fizemos não. E o nosso pensamento aqui é diferente do deles de lá; o deles de lá de Belém, de São Paulo, do Rio, tudo, tem tendências; o nosso não tem tendências aqui, tudo é um só pensamento aqui.
P/1 – E qual é o partido? Desculpe perguntar.
R – É o PT - Partido dos Trabalhadores. Eu fui o primeiro a trazer pra cá esse movimento, através de uma carta, quando ainda era comissão lá em São Paulo, quando ainda era comissão lá. Aí já tinha alguém que tinha participado dessa discussão lá e já começava a discussão também em Santarém e aí eles escreveram de lá uma carta através do padre; escreveram uma carta pra mim e eu fui o primeiro a ser petista aqui no município. Eu tenho essa história toda escrita e contada mesmo; um dia alguém vai saber disso aí e vão ver como começou a nossa luta - mas a nossa luta começou dentro do sindicato, da igreja, e dentro do partido. E nós só aceitamos o partido porque tinha a mesma luta da igreja e do sindicato.
P/1 – Eles identificaram o senhor como alguém igual e mandaram uma carta?
R – Sim, é. O padre veio, eles perguntaram lá quem era uma pessoa aqui que abraçava a causa dos mais pobres, dos trabalhadores... e o padre conhecia o meu trabalho, né? Ele disse: “Olha, eu conheço uma pessoa... eu não tô autorizado mas eu vou citar o nome dele e vocês escrevem uma carta pra ele.” Eles escreveram e eu recebi a carta e respondi pra eles e depois de dois anos eles começaram a chegar pra cá, mais ou menos.
P/1 – Fundaram o lugar? Como foi isso?
R – Não, não foi fundado não. Minha casa era bem aqui, uma barraquinha; depois eu fiz uma maiorzinha por cima (risos), e depois foi construída essa aí... mas era aqui. Quando foi uma madrugada, ele chegou aí, um camarada lá de Santarém, e disse que veio pra... aí amanheceu o dia e nós fomos conversar bastante, comecei a apresentar outros companheiros aí. No início foi muito difícil porque nós éramos seis pessoas aqui que fechavam com a ideia, sabe? Naquela época não era Partido dos Trabalhadores - o que a gente pretendia fundar era pra concorrer o partido dos pobres contra o partido dos ricos, entendeu? Porque a gente via o grande poder que os ricos tinham, né? Mas como lá em São Paulo começaram a discutir o Partido dos Trabalhadores e aí, quando já apresentaram uma proposta pra nós, era mais ou menos da nossa luta, aí nós aceitamos.
P/1 – E qual era o outro partido que estava aqui que o senhor falou que era dos ricos? Tinha um partido político ou era só...
R – Sim, principalmente o que imperava aqui eram o PMDB e ARENA. Depois foi extinta a ARENA e ficou PDS, parece. Mas foi muito difícil pra nós porque pra gente começar do nada, entendeu? E a gente falava... quando falava, assim, com um companheiro e vinha uma pessoa dali, a gente já cortava o assunto. E aí, depois começaram as críticas: era partidinho, era partido pequeno, era petezinho, era não sei o quê. Uma vez eu fui pra porrada com um, lá no posto de Juriti (risos), falando aí - hoje ele é meu amigo – eu falei: “Você não conhece o objetivo do partido, você não sabe nem quem são os políticos que estão dentro, tanto do PT como do PMDB... você precisa conhecer seus políticos.” Aí nós fomos pra porrada.
P/1 – Mas chegou a ter violência? Censura?
R – Censura teve muita. Violência mesmo, ainda aconteceram umas duas mas depois a gente parou com isso.
P/1 – Mas Serik, como era a censura?
R – Falavam, criticavam da gente... que isso não ia pra frente, era subversão, era comunismo (risos)... era assim, injuriavam da gente, né. Diziam que isso era partido do cão, do diabo e não sei o quê. E na realidade a gente pensava que era um partido diferente mesmo; mas hoje, com a atualidade que está, eu já não aceito como ele está, entendeu? Porque o meu pensamento era uma outra visão, que eu tinha, dentro do partido.
P/1 – Serik, nessa época mais difícil assim, o senhor pensou em desistir em algum momento da luta?
R – Não, desistir não. Eu já estou metido nisso aqui, vamos pra frente. Nem que a gente vá pra porrada mas... aí perdemos várias eleições, mas depois começamos a ganhar.
P/1 – Em todas essas lutas pessoais e partidárias, assim, o que te trouxe mais alegria nesses momentos todos? O senhor pode contar um pouco?
R – Eu sonhava com uma administração diferente, como eu já disse, e melhor também; porque a gente sonhava com melhoria não só pra um, mas pra todos, entendeu? E nós conseguimos fazer alguma coisa melhorar... não de situação... alguns já melhoraram de situação, mas muitos ainda não. Veja bem, se não fosse o apoio do nosso político, dentro da nossa associação, nós não estávamos no caminho que nós chegamos, que nós estamos agora; principalmente porque o outro administrador, que era do outro partido, do PMDB, ele não congregava conosco; tudo que a gente pedia, ele enrolava e não dava. Mas esse prefeito atual, ele apoiou a nossa luta, é do nosso movimento e uma coisa eu recomendei pra ele: “Não despreze o nosso movimento porque é do nosso movimento que surgem ideias e têm frutos os nossos movimentos.” E ele abraça a nossa causa.
P/1 – E qual é a situação agora? Porque você disse que melhorou bastante. Qual é a diferença dos trabalhadores e tal, para aquele momento - que era anterior - quando você chegou?
R – Hoje nós temos alguma coisa, já conseguimos, através do coletivo, entendeu? É isso que eu me refiro: antes vinham melhorias só para o senhor fulano, senhor cicrano e senhor beltrano. E hoje nós não olhamos a situação de um, mas de todos, entendeu? Eu digo e repito novamente: se não fosse o apoio do nosso executivo aqui nossa associação, o nosso povo ainda continuava no mesmo passo quando era antes. Veja bem; porque nós avançamos bastante no nosso movimento, em receber créditos. Aqui nós já recebemos motor - o meu não, o meu foi comprado a dinheiro - mas já receberam rabeta, já receberam mercadorias aí, já receberam lona - essa aqui também não, essa é da minha filha, ela me deu essa lona. Já receberam um bocado de coisas em benefícios; 2400 reais já vieram do governo federal através do INCRA e da nossa organização, mas porque teve o apoio do prefeito. E todo movimento desse embate com a Alcoa aí, ele sempre disse: “Não, a gente vai dar passagem”, “Vai pra onde? Pra Belém”, “Vai pra onde? Vai pra Brasília” - tem o aval da prefeitura, tem como a gente ajudar.
P/1 – Conta um pouco da Alcoa então. Como foi a chegada? Como foi para o senhor isso? Conta um pouco essa história...
R – Bom, eu já vou atalhar mesmo pra isso porque a história é muito grande; mas eu já vou atalhar aí pra se aproximar e a gente terminar. Olhe, a Alcoa chegou como um ladrão aqui, eu sempre disse pra eles... apesar de que eu tenho muitos amigos lá dentro da Alcoa; não esses que estão administrando, mas os outros, entendeu? Os antigos... como o doutor Igor, o senhor Fred e outras pessoas que vieram antes. E quando eles vieram depois pra cá, eles vieram aqui pra minha casa, vieram assistir jogo aqui, tomamos uma cervejinha aqui. Mas quando eles vieram como Alcoa, eles já não vieram mais; aí só vinham passando aí.
P/1 – O que eles falavam antes? Falavam que era o quê?
R – Não falavam nada, a gente só via passar... a lancha da companhia, a companhia tá fechando aí; “Mas que diabo é isso? Que companhia é essa?”.
P/1 – Mas quando vieram na sua casa, eles falavam que eram o quê? Falavam que eram pessoas...
R – Não, quando eles vinham aqui eles disseram que estavam vendendo a companhia pra Alcoa, né? E que eles estavam aí fazendo um serviço ainda. Tá, muito bem. Mas depois eles foram abandonando, só mandavam recado: “Lembrança pro Serik porque eu não tive tempo e tal...”, tudo bem. Bom, aí eles vieram e quando foi um dia, em 2002 parece, eu sei que foi de setembro em diante... aí nós fizemos uma reunião diária - nós temos uma reunião diária de dois em dois meses - e aí nós decidimos que iríamos convidá-los pra saber qual era o objetivo deles aqui. Aí mandamos um memorando pra eles e eles, no dia da reunião, chegaram lá e lá nós descascamos o pau... o que era o objetivo deles? O que eles estavam fazendo? Por que eles andavam correndo de cima pra baixo? Aí eles foram explicar: “Ah, já era pra gente ter feito uma reunião com vocês mas ninguém teve tempo e não sei o que...”, eu digo: “Mas nós temos o direito; a nossa constituição do Pará, ela diz que nós temos o direito de sermos ouvidos por pessoas que chegam, pra gente saber o quê mesmo que vocês estão querendo de nós aqui, porque vocês não esclareceram.” – isso eu tenho dito muitas vezes. Aí o pessoal que vem perguntar, eu digo pra eles: “Chegaram como um ladrão”. Mas foi só dessa vez; aí eu fui botando pra cima, dizendo que daqui a algum tempo, se eles ficassem ali, ia acontecer como Trombetas, que aconteceu assim, assim... eles não acreditavam, eles falavam: “Quem, quem que conta?”, “Nós temos como saber disso aí porque nós temos encontros em Óbidas e o pessoal que vem de lá vai contando a história pra nós e vocês querem fazer a mesma coisa aqui em Juriti Velho?”. Então foi assim. Mas pra diminuir um pouco, veja bem: as nossas brigas aqui não começaram já, já, não; agora em 2000 não. Passava balsas de madeira aí, jangadas e mais jangadas, tudo passava; e a gente não tinha coragem, ninguém se reunia. Um dia eu cheguei a dizer abertamente pra população: “Nós só vamos ter respeito, eles só vão reconhecer que nós somos macho mesmo, o dia que a gente barrar uma jangada dessas”, o dia que a gente fizer um movimento e partir pra cima e dizer: “Não, daqui vocês não vão.” Aí, quando foi um dia, eles disseram... um cara disse assim: “Pô, tu não é só palavra”, eu falei: “Pois é, tem que fazer alguma coisa”. Pensamos como a gente ia bloquear, né? Até que conseguimos: um dia eles pararam um barco numa jangada que vinha aí e foi um desentendimento desgraçado com uma firma de Belém, com uma firma de Parintins também, de pau rosa; e essa de Belém era outros tipos de madeiras. Então o pessoal se reuniu aí, 170 homens, e pegaram umas jangadas aí... e eu fui ameaçado de morte, eu já passei aqui um bocado de coisa, né? Um cara me chamou pra porrada e disse que tinha um revólver pra me matar, outro madeireiro lá dentro falou: “Sabe, eu tenho um negócio guardado aí pra ti, está na caixa”, muito bem. Então eu já passei um bocado de afrontas aqui, mas não recuei não.
P/1 – Esse pessoal todo, pago você acha que pela empresa?
R – Não, esses eram madeireiros. Depois outro andava me procurando lá em Juriti; um cara chegou me falando, né. E disse que o cara sabia tudo que eu tinha, o que eu possuía, e aí eu disse: “Olha... aí fica difícil, eu não sei quem é, que o cara se manifeste logo”. Mas, graças a Deus, até hoje... depois outro assumiu a frente do movimento aí, dessa associação, aí me esqueceram um pouco. Mas pra gente chegar aí, a gente via que quem mandava mesmo no IBAMA mesmo, naquela época, eram os madeireiros; chegaram a dizer pra nós aí. Eu cheguei a reclamar. Primeiramente, achei uma imprudência, principalmente do mesmo órgão, vamos dizer, o IBAMA. O IBAMA de Santarém, se quisesse nos ajudar ele vinha pra cá; mas quando eles vinham pra cá, os madeireiros já iam pra Belém; quando chegavam as denúncias daqui ou apreensão, tudo, em Belém, eles já estavam em Brasília; vinha ordem de Brasília. Então a gente estava sozinho. E quando foi um dia, numa reunião, eu disse: “Olha, desse jeito que nós estamos trabalhando, nós só estamos perdendo; então a gente tem que correr atrás de outra coisa.” Aí a própria Irmã não acreditou, não sabia do que eu estava falando, né? No final da reunião falaram: “Nós já vamos”, eu digo: “Não, a reunião, por mim, não terminou; nós só estamos discutindo porque pegaram a balsa e a justiça mandou soltar”, “Ah não, espera aí, nós temos que correr atrás de outra coisa”, “O que é?”, “Nós temos que constituir ao menos um advogado”... aí eles ficaram... todo mundo falando: “Mas pra que advogado?”, eu disse: “Nós estávamos fazendo trabalho sem lucro.” Aí apertei, apertei, até que a Irmã falou: “Ah, nós temos a Irmã Fátima, em Santarém, que já trabalha nesse movimento”, “Então vamos atrás dela.” Na outra semana, ela baixou para Santarém e falou com a Irmã Fátima e, não demorou, a Irmã Fátima veio aqui e depois, como ela tinha muita camaradagem lá com o Dito, trouxe Dito e, através do Dito, já veio o Ministério Público; e foi assim por diante. Agora não, nós temos como brigar, estamos com as ferramentas muito boas. Mas por quê? Porque a gente desperta; eu não digo que tenho grande conhecimento, mas sou inteligente, graças a Deus, e fico pensando as estratégias, como nós vamos buscar pra amenizar a situação, entendeu? Até agora, graças a Deus, nós estamos bem acompanhados.
P/1 – Senhor Serik, o senhor disse que esse movimento do senhor está contra a madeireira, com o meio ambiente. A gente conhece um pouco do movimento de luta aqui, de direitos humanos e tal. Eu queria entender essa coisa que você falou... sobre essa coisa da passagem da Alcoa... qual é o movimento de luta contra eles? Existe o movimento ou é mais um acordo? Como funciona isso?
R – Agora já é mais um acordo. Mas tem um movimento que, se eles não cumprirem o acordo, o movimento vai pra lá, entendeu?
P/1 – Qual era a intenção quando começou o movimento? Era parar? Era o quê?
R – Antes nós queríamos que parasse; como eu cheguei a declarar que “Se a Alcoa for embora, nós temos como buscar recursos junto ao Governo Federal; agora, como ela não vai, ela vai ter que deixar alguma coisa”... eu sempre falei. Na minha primeira entrevista, quando o doutor Igor chegou aqui, quando o doutor Stevie chegou aqui também, e falou: “O que é mesmo que vocês querem?”, eu falei: “Não, aí é uma conversa que nós vamos ter que sentar e olhar olho no olho do outro aí e dizer: ‘Nós queremos isso assim, assim, assim...’; vocês vão levando essa riqueza, mas tem que deixar pra nós isso, isso e isso...”. Aí eles não acreditavam no que eu estava falando, ele disse: “Olha Serik, eu vou levar a sua questão para os Estados Unidos”, “Pode levar”. Quando foi um dia, chegou uma coordenadora mundial da Alcoa e veio conversar comigo; ela não entendia o que eu falava e nem eu entendia o que ela falava, mas veio um intérprete e sentamos cara a cara lá: “Nós queremos reunião; vocês vão levar, mas nós queremos sentar na mesa pra negociar; sem negociação, não tem”, “Ah, então nós vamos proceder assim.” Só que o presidente da associação é muito radical, sabe. Muita coisa ele não aceita; já era pra gente estar bem avançado, mas houve um tempo que chegou até a paralisar essas coisas aí, a negociação. Mas hoje já retomaram novamente as negociações; parece que não estão cumprindo, parece que está parado... porque não estão cumprindo os acordos, entendeu?
P/1 – Serik, o que mudou com a chegada da Alcoa, assim, tanto de bom quanto de ruim... o que mudou na cidade assim? Na comunidade?
R – Aqui, nada. O que eles fizeram foi parceria com o município, que é direito de ser cobrado deles, eles têm que deixar alguma coisa. Então eles começaram essa unidade mista ali que é o hospital, mas não terminaram, deixaram mal acabada; o que eles fizeram na comunidade: uns microssistemas nas comunidades e nenhum funcionou. Então eu acho que com a chegada deles não temos... tem, porque tem parceria com a prefeitura; mas o que nós temos é medo, medo nós temos. Porque se de repente arrebentar esse tanque lá de resíduos lá, a água vem toda para o rio... a água que eles começam a tirar do rio também, né? A floresta que vai se acabar, já começaram a acabar; então... pra nós, eu acho que não tem... outro dia veio uma senhora me entrevistar também, eu disse: “Não vejo essas coisas não.” Empregos, que deveria ter. Eu sempre fui... nunca fui radical nessa parte, mas eu explicava para o pessoal: “O que eles falavam? Quatro mil empregos?”; não tem, isso é besteira; “Vocês podem ver a mineração, só tem profissional lá. Tem um braçal lá? Não tem nenhum braçal”; “Eles vão pegar o pessoal aqui pra iniciar um trabalho, enquanto ele ainda é braçal. Mas depois eles vão mecanizar tudinho, o pessoal vai sair.” Tem só dois camaradas daqui da vila trabalhando lá; então não teve melhorias, da parte da Alcoa não.
P/1 – Serik, qual é o seu sonho hoje?
R – O meu sonho agora é que daqui a uns 25 anos, mais ou menos, aqui seja uma cidade que isso não demore tanto; vamos trabalhar na emancipação disso aqui. Eu sou um cara que luto muito, brigo muito, ajudo muito e discuto muito também. A primeira melhoria que nós devemos ter aqui é a vinda do Correio... o que nós estamos precisando? Só da lei específica de criação de distrito... de todos os distritos, tanto desse daqui quanto da Tabatinga quanto do Castanhal. Então meu cunhado pediu pra passar um e-mail pra ele e nós passamos; eu vou mandar o original pra ele agora, pra ver se eles assinam logo; porque, o que vai acontecer aqui? Vamos melhorar de situação, queremos trazer o pagamento dos aposentados pra cá através do Correio. Nós temos propostas... eu apresentei várias propostas pro diretor do Correio e eles acataram à proposta. É uma coisa que... o dinheiro vai circular aqui. Então, enquanto a gente estiver vivo, a gente vai brigando mesmo, vai lutando; queremos emancipar isso aqui, se Deus quiser. Ter o nosso prefeito. Sabemos que o número de funcionários aqui é muito grande, então quando chega pra lá pro município, o executivo morde as cordas lá. Mas é aquilo que eu já disse pra eles: “Se vocês não estão agüentando então ajude a nós, pra nós sairmos, no nosso trabalho, pra sair da situação que nós estamos, emancipando; vamos emancipar; a gente leva a vila a um distrito”... eles já sabem da nossa luta.
P/1 – Serik, eu queria agradecer pela entrevista. Obrigado pelo seu tempo, foi muito gentil.
R – Tá bom, vocês podem esperar que vocês vão ter um amigo e quero que vocês sejam meus amigos também.
P/1 – Obrigado.Recolher
Título: A emancipação de Juriti
Data: 24/04/2010
Local de produção: Brasil / Pará / Juruti Velho
Personagem: Sebastião Soares Serique Entrevistador: Thiago Majolo Transcritor: Rosangela Maria Nunes Henriques Autor: Museu da PessoaO Museu da Pessoa está em constante melhoria de sua plataforma. Caso perceba algum erro nesta página, ou caso sinta falta de alguma informação nesta história, entre em contato conosco através do email atendimento@museudapessoa.org.
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