Depoimento de Pedro Chuck Cheeman Koapecck
Entrevistado por Gustavo Ribeiro Sanchez
Jaci-Paraná, 23 de junho de 2010
Realização Museu da Pessoa
Entrevista MB_HV126
Transcrito por Karina Medici Barrella
Revisado por Fernanda P. Prado
P/1 – Seu Pedro, pra começar, eu vou pedir pro senhor falar o seu nome completo, o lugar no qual o senhor nasceu e a data.
R – Olha, eu fui criado, nasci nos Estados Unidos na cidade de Merlin, no dia 25 de outubro de 1936. Assim que a guerra começou, em 1939, meu pai veio pro Brasil. Na época, eu tinha de três pra quatro anos. Quando ele chegou no Rio de Janeiro, nós fomos morar em Copacabana, ali nós moramos por 18 anos. Então, antes de eu completar essa idade, eu fui caixeiro de prostituta, que é do Cassino da Urca. Conhece o Rio de Janeiro?
P/1 – Conheço.
R – Conhece o Cassino da Urca? Ainda existe o Cassino da Urca? Era o melhor cassino que tinha no Rio de Janeiro. E eu fui caixeiro... Então, aquelas mulheres chegavam comigo e diziam: “Ei gringo, tu levas isso aqui, vai levar esse recado pra mim.” Eu levava. Naquele tempo, tinha aquelas moedas de 50 centavos, 50 réis, e diziam: “Pega pra ti!” Um dia, eu perguntei, tinha uma mulher solteira chamada Ana Lívia: “Lívia, pra que serve isso daqui?” Meu português já estava bom, eu estava com meus sete, oito anos. Mas eu sei que eu estudava, mas você sabe que ficar debaixo de pai e de mãe não é bom, né?
P/1 – Deixa eu entender. O seu pai era americano.
R – Era americano, veio pra cá no tempo da guerra.
P/1 – Ele veio pra cá pra fugir da guerra, por que ele veio?
R – Fugir da guerra. O único país a favor do Brasil era a Inglaterra, veio pela costa da Inglaterra. Pra passar na Argentina era inimigo, era favor da Alemanha. Argentino era a favor da Alemanha. Quando a guerra estourou mesmo, só Getúlio Vargas mandou matar cinco mil alemães ali. Porque o Rio de Janeiro vivia às escuras, quando davam às cinco horas da tarde, você não via mais nada, estava tudo escuro. Se você tem que ir ao mercado, vai de dia porque a polícia não deixava de jeito nenhum. Então, ela dizia pra mim: “Amiguinho, isso aqui é pra fazer sexo.” Digo: “Que diabos é essa coisa?” A educação naquele tempo era muito rígida, né? Eu ficava assim pensando, fazer sexo... E um dia ela deu com a mão assim pra mim e disse: “Eu vou te dizer pra que serve isso.” Já era camisinha, olha que isso já faz uns 65 anos. Até hoje, a mulher só tem muito filho se quer. Ela abriu a caixa, tirou e disse: “Isso aqui é pra quando o rapazinho está numa posição, coloca assim e faz isso.” Hoje, uma criança dessas, se vê televisão, a televisão mostra. Por mais que você é casado, tenha filho ou filha, e queira botar no regulamento que você foi criado, hoje, você não pode fazer mais isso porque a televisão tira toda a possibilidade do aprendizado. Por quê? Está incutido naquele abraço, naquele beijo que ela viu na televisão, a pessoa com o revólver na mão. Metralhadora na mão, outro com a faca, outro dando drogas pro outro fumar. Isso tira a virtude das pessoas, não tira?
P/1 – E ela o ensinou como usava a camisinha?
R – Ensinou como colocava a camisinha. E já existia a injeção também, e o comprimido. Pra você ver como a coisa já não é tão nova.
P/1 – Deixa eu perguntar da sua infância. O senhor viveu três anos da sua vida nos Estados Unidos. O senhor lembra alguma coisa de lá?
R – Não, nada, nada.
P/1 – Nem a casa? Nem como é que era?
R – Nada, nada, nada. Por isso que eu sempre disse que eu nasci lá e não tive o prazer de conhecer nada porque a guerra não deixou, meu pai veio logo. Ele achou que, fugindo da guerra, partia em busca de uma nova pátria. Então, essa nova pátria é o Brasil, onde eu fui criado e amo essa pátria porque aqui eu fui criado, eu estudei, eu aprendi a viver, aqui foi onde eu fui criando as minhas atitudes, aprender a respeitar os outros, a dignidade dos outros, saber o que era bom ou ruim. Se estou vivo hoje é porque eu tenho três inimigos no corpo que são a língua, os olhos e o nariz, quer dizer, os ouvidos. Se a gente não tiver um controle na língua morre cedo, eu estou vivo porque eu aprendi. Tanto é que quando eu saía pra rua o meu pai dizia: “Já foi lá no mercado comprar o cadeado pra passar na boca?” “Não.” “Pois é bom.” O respeito que os pais tinham de passar o que era bom para os filhos, sabe? Porque se não fosse isso, eu talvez já tivesse morrido. Eu fui um grande fumador, fumava cigarro, bebia. Mas quando eu vi que a bebida ia me prejudicar, o que eu fiz? Tomei uma atitude de não beber mais porque eu sabia que estava colocando a minha vida em risco. Eu larguei de fumar e beber. Se a pessoa souber o que é bebida, o que é o fumar, ele não fuma. Porque só aquela fumaça está transmitindo um veneno pras pessoas.
P/1 – Seu Pedro, o senhor falou do seu pai, de um homem de muito respeito. O que o seu pai fazia nos Estados Unidos? Ele era soldado?
R – Ele era militar.
P/1 – Ele era militar. E ele fugiu pra não ter que ir pra guerra?
R – Pra não ter que ir pra guerra. Porque de todo canto você vê hoje, uma coisa muito simples, que é o futebol e tem aquela guerra. Não viu a França agora como teve aquela guerra danada do treinador expulsar fulano e cicrano? Pior que isso é uma guerra porque quando você é um militar, você assume uma responsabilidade com a sua pátria. Com sua vida não, porque você é um escudo de guerra. Então, você vai assumir com a sua pátria. Você vestiu a sua farda, você está empenhado em defender a sua pátria. Então, o que acontece? Houve a oportunidade dele fugir, ele fugiu. Veio pela costa da Inglaterra. Não foi só ele, não, foram milhares deles que fugiram, até já morreram. Porque não queriam, talvez achavam que uma guerra verdadeira é cruel, e é cruel mesmo. Você vai entrar e não sabe se volta. É a mesma coisa de hoje, se você pensar, analisar o que é a vida hoje, por exemplo, estamos nós três aqui, você tem dinheiro, ele tem, eu tenho dinheiro, nós vamos pra rua, mas a gente não sabe quantos bandidos estão nos olhando, pra depois dar um quebra galho em cima de nós e matar um de nós, pra tomar o dinheiro. É como uma guerra. Chama-se uma guerra, aquela foi de sangue e a de hoje é derramamento de sangue. Por quê? Porque você sai de casa, você não vai pra uma guerra, você vai se divertir, mas o bandido vai de tirar a sua vida por causa do dinheiro que tu tens no bolso. É isso.
P/1 – Seu Pedro, o que o senhor se lembra do seu pai? Como era o seu pai?
R – Meu pai era negro, minha mãe também era. Tanto é que no nosso sangue tem África no meio. Até muitas pessoas dizem, mas por que o mundo tem tanto branco e tanto preto? Mas foi Deus que quis. Se eu sou preto, eu não sei se fui eu que quis ser preto, ou foi a minha mãe que quis ser preta, ou se foi o meu pai. Porque hoje você vê que quase todo mundo hoje tem preto. Por que é? Porque ele parte em busca de uma nova etapa de trabalho no mercado de trabalho, ele se informa, o mercado de trabalho não deu pra ele e ele procura outros países que o abraçam, com o mercado de trabalho. Você vê aqui, em São Paulo, no Rio, está cheio de italiano, alemão, todo mundo está aí. Por quê? Porque aquele mercado de trabalho que ele estudou, se formou em uma faculdade não abriu as portas pra ele, então, ele vai procurar. “Sabe falar espanhol?” “Sei.” “Tem um dolarzinho no bolso?” “Tenho.” “Então, vamos partir pra outro país.” Esse que é o jogo, né?
P/1 – E a mãe do senhor?
R – Também.
P/1 – Ela fazia o quê? Ela era americana? Conta um pouco da mãe do senhor.
R – Ela era doméstica. Naquela época, não tinha tempo pra procurar trabalho, segundo meus pais diziam. Ou você dava o seu jeito com a sua família. Cansei de ver o meu pai comprando, naquele tempo, não sei qual que era, mas não passava de quatro pães. Aqui e acolá, você não podia dar muito a cara na rua. País estando em guerra você não pode transitar como hoje você vê um país livre que nem o Brasil, carro pra tudo quanto é lado. Sai uma guerra, é outra coisa. Todo mundo trata de vir cedo pra casa, trata de fazer seu lanchinho de sábado pra domingo pra passar o final de semana sem dar as caras na rua, porque não sabe quando tem o inimigo. Não vê o que aconteceu nos Estados Unidos, que a turma do Bin Laden não explodiu aquele hotel? Já apareceu outro. Isso é uma coisa que nunca vai ser descoberta, sabe por quê? Porque o mundo evoluiu muito, o capitalismo aumentou muito. O mesmo país capitalista, ao mesmo tempo, tem uma democracia fechada. E assim deve fazer o Brasil, acabar com essa democracia podre que nós temos, que pra nós não vale nada, só abre as portas pra corrupção, pra banditismo. Se hoje, por exemplo, tiver um candidato que disser, eu sou a favor da democracia, eu digo que ele é mentiroso, sabe por quê? Porque ele não vai tratar dos bens dos outros, ele vai tratar dos dele. Você está vendo aí a turma do mensalão o que foi o que eles fizeram. Não é? Roubaram o que quiserem, ainda teve um monte de gente que apoiou. Você se lembra do Fernando Collor de Melo? O que aconteceu? Acho que o povo brasileiro, nós, temos que fazer o seguinte: aprender a votar, valorizar a sua pessoa, ter a sua atitude, votar em quem de fato merece um voto. Não é porque o cara é bonito, é rico, que vai votar nele. Collor de Melo era novo, bonitão, votaram nele, olha aí. E eu acho gozado que, depois que ele foi deposto do Governo, se candidatou a Senador e ganhou. Veja só como a fraqueza do povo, ainda não está bem clara na mente deles, vota no cara só porque é famoso. Ele vai dar alguma coisa pra ele? Não vai, vai querer teu suor, te explorar.
P/1 – Seu Pedro, eu preciso tentar entender mais como era o Rio de Janeiro. Eu vou pedir pro senhor descrever como era a casa de vocês no Rio de Janeiro.
R – No Rio de Janeiro, era uma casa muito simples, como muitas são até hoje, casa de pobre.
P/1 – Como ela era?
R – De início, ela era cercada de papelão, alumínio velho, tábua velha, como é até hoje em muitos morros do Rio que eu conheço. E a pessoa que hoje vier dizer pra mim, Rio é uma cidade maravilhosa é porque as grandes empresas só mostram o lado bom. O Estado de São Paulo é do mesmo jeito, não é? Se hoje Jaci é um monte de lixo, vai pra São Paulo, pro Rio de Janeiro, em qualquer cidade você vê isso, não é isso? Então, as cidades só mostram o lado bom, o lado ruim não mostram pra não desmascarar o prefeito e dizer que o seu prefeito não olhou o lado que estava precisando olhar.
P/1 – Mas conta pra mim, naquele tempo, onde ficava a casa, como é que era o Rio de Janeiro?
R – Naquele tempo, o Rio de Janeiro era mais pra pobre do que pra rico, e continua a ser. Sabe por quê? Porque quem direito a fazer melhores casas no Rio de Janeiro ou em São Paulo é só quem tem dinheiro. Prova é que o país é capitalista. Se você tiver um milhão de reais no banco hoje, é aquilo que você vale. Muitos pobres dizem assim: “O meu Deus, eu queria que o senhor me desse uma sorte e eu acertasse na loteria pra eu fazer uma casa boa.” Essa sorte não chega do lado dele, saber por quê? Porque só vai tratar de fazer filho, não pensa no imprevisto, vem o primeiro filho, o segundo, aí o filho fica chorando com fome, precisa estudo, roupa, tudo isso. Se eu disser uma coisa pra vocês, que o Brasil ainda não está capacitado pra ter democracia. Por quê? Porque não tem educação, a nossa educação está muito frágil, a saúde está muito frágil. Então, pra um país ser democrático, é preciso que ele tenha educação, que a educação em um país democrático se faz com inteligência, com educação. Porque como é que você vai educar o seu filho se você não teve essa educação? Como é que você vai botar um filho no colégio que você não acredita no seu professor? Não sabe se ele está preparado pra ensinar você ou seu filho ou outro qualquer. Se vê aí um bocado de professor, só vai num dia, no outro não vai, reclama de salário, reclama disso, daquilo. Por quê? Por que o governo não cria um projeto pra abraçar esses professores pra ter um bom ensino? Pra dar de fato a educação praquele povo, sendo uma criança dessas e esse horror de crianças que tem por aí, o futuro, o amanhã. Se ele não tiver educação hoje, como é que ele pode achar que o país dele amanhã vai ter uma boa democracia? Não pode, não é isso? Então, nós precisamos de Educação. Com educação, você tanto aprende como passa pros seus filhos, passa pros seus netos e bisnetos e vai passando de geração pra geração. Agora, se você não teve essa educação, você vai passar só ignorância: eu matei fulano de tal, eu furei fulano em tal canto, eu roubei de fulano, eu tive relações com mulher de fulano, isso que vai acontecer. Você passou o que é bom? Você não passou o que é bom, então, isso que a pessoa tem que pensar, democracia se faz com educação.
P/1 – Seu Pedro, eu quero tentar resgatar toda a sua história pra gente chegar à crítica, no presente. Então, vamos tentar recuperar um pouco mais o passado. O senhor me falou já que trabalhou no cassino, falou da sua casa no Rio de Janeiro. Onde ficava a casa? Vocês chegaram dos Estados Unidos e foram direto pra lá, como foi?
R – Meu pai veio de lá, em todo país do mundo hoje se olha, se o país não tiver uma estabilidade na moeda dele, se não for uma moeda boa, ele nunca sai da pobreza. Você vê o país estava embocado, o Brasil não estava embocado? Conseguiu sair. Estados Unidos estavam emborcado, com desemprego, você nunca tem condições de comprar uma casa boa porque o dinheiro não dá.
P/1 – Mas o seu pai chegou aqui e construiu?
R – Chegou do nada, com uma mão na frente e outra atrás. Ele procurou os amigos dele que de fato moravam aqui e que vieram de lá também há muitos anos, e que moravam aqui. Acho que procurou o consulado, né? Pra poder dar o aval pra ele de como poderia permanecer no país.
P/1 – Em que lugar do Rio de Janeiro vocês ficaram?
R – O primeiro lugar que nós moramos foi em Pavãozinho, nós passamos 18 anos lá.
P/1 – E tinha outros imigrantes como o senhor?
R – Tinha, naquela época, o Rio de Janeiro era cheio de imigrantes que vieram fugindo da guerra, era polonês, americano. Porque uma guerra, por exemplo, se amanhã estoura uma guerra aqui, eu sou capaz de pegar uma canoa, botar minha família no barco e ir pra dentro do mato que ninguém vai me achar. Porque nós, quando nascemos, já nascemos um escudo do fracasso, nós somos fracassados desde o nascimento, somos o escudo. Quer dizer, se o país que deve abraçar a gente não tem uma democracia positiva, não tem uma educação positiva, você nunca sai do vermelho.
P/1 – O senhor começou a me contar e eu não vou saber. Lá no Rio de Janeiro vivia um monte de gente junto e como era essa vida lá na comunidade? Vocês estavam bem, todo mundo falava em inglês?
R – Não, não, não, não rolava. O que rolava era só o sinal, aquele que entendia o inglês, entendia. Aquele que não entendia, ficava pra aprender, fazia só o sinal. Quando um tinha um copo de café na mão, o outro fazia o sinal pra ele que queria.
P/1 – E alguma vez aconteceu isso com o senhor? Conta pra gente.
R – Aconteceu. A família era pobre, como eu já falei, as pessoas falavam: “Poxa, mas como vocês vieram dos Estados Unidos pra cá no tempo da guerra?” A guerra não é fácil, a guerra você pode ter atitude, pode ser uma pessoa de uma boa família, mas ela te deixa estressado porque enquanto a guerra não acaba você não tem sossego, você vai sair de casa e não sabe se vai voltar. Por mais que você seja um cara milionário, mas a sua casa pode ser bombardeada a qualquer momento. Você não está vendo o que está acontecendo com a enchente que está dando em Pernambuco, Alagoas, tudo aquilo? Mais de mil pessoas desaparecidas, mais de 40 mortos. Aquela pessoa pensava em desaparecer? Pensava que a casa dele ia abaixo? Não pensava, né? Hoje está tudo pobre. Estava pensando: “Opa, sexta-feira o Brasil joga, se Deus quiser vou fazer um churrasquinho pra assistir.” Já está tudo podre. Não é isso? Essas são as coisas que o ser humano tem que aprender a conviver com o que é bom e com o fracasso.
P/1 – Mas naquela época, por exemplo, coisa simples: o senhor tinha que ir ao mercado, como o senhor fazia?
R – Meus pais.
P/1 – Seus pais que faziam tudo?
R – Meus pais que faziam tudo.
P/1 – E você tinha irmãos?
R – Tenho.
P/1 – Vocês eram em quantos na casa?
R – Dois. Eu tenho um irmão um ano mais velho que eu, Germano o nome dele. Eu acho que ele ainda está em Porto Velho.
P/1 – E vocês viviam todos na mesma casa, o senhor chegou aqui com três anos?
R – Na mesma casinha. Ali era como diz o outro, que estourou a bomba, a família se espatifou pra todo canto e todo mundo vai morar em um canto só (risos). Hoje, eu vejo muita gente dizer assim, tem feijão, tem arroz, tem carne, tem peixe, mas reclama de bucho cheio.
P/1 – Mas me conta de antes, eu preciso saber de antes, hoje a gente vai ver depois. Vamos falar de antes primeiro porque eu preciso saber. Então, o seu pai chegou aqui, ele ia ao mercado, fazia tudo, ele construiu aquela casinha no Pavãozinho, e ele fazia o quê?
R – Meu pai era escultor.
P/1 – Escultor?
R – Escultor. Ele foi indo, foi indo. Eu penso assim que foi através do consulado que abriram brecha pra ele trabalhar. Tanto é que depois de uns anos ele veio pra Amazônia. Eu, ele, o outro irmão e minha mãe.
P/1 – Mas vocês ficaram lá por 18 anos.
R – Dezoito anos, já aprendi alguma coisa, aprendi lá estudando no meio daquela raça. Senão, o que seria de mim hoje? Porque você, por exemplo, viver no mundo de hoje, ou do passado, só de sinal, não funciona. A vida não é sinal, a vida é criativa, você tem que ser criativo e ter atitudes pra manter ela, senão você não mantém.
P/1 – E o senhor via o seu pai trabalhando? As esculturas, como era o trabalho dele?
R – De massa. Esculpia imagens de santo.
P/1 – Tem alguma imagem que ele esculpiu e o senhor lembra?
R – Não. Do meu pai eu não tenho nada porque...
P/1 – Do que o senhor lembra?
R – Há alguns anos, eu tinha um retrato do meu pai e fui pra Venezuela trabalhar em garimpo de diamante lá. E lá, isso em 1970, a gente caiu nas mãos das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farcs). Ficamos presos, éramos em 18 garimpeiros e ficamos nas mãos das Farcs colombiana. Porque as Farcs colombiana não quer podre, só quer rico. Quando caímos nas mãos deles, lá tem o Pico da Neblina, que é Colômbia pra lá, Brasil pra cá e lá tem um contingente de brasileiros, né? Na cabeceira do rio Traíra, tem o rio Piranha também, depois de 20 e poucos dias que nós estivemos lá, resolveram nos mandar embora. A comida era macaxeira pisada com charque, cará misturado com macaxeira, com carne seca, tudo aquilo batido no pirão pra comer.
P/1 – Isso tudo na Venezuela?
R – Colômbia. Eu tive uma vida sofrida.
P/1 – Vamos chegar lá. O seu pai fazia esculturas e sua mãe cuidava de vocês em casa.
R – Doméstica. Porque pra dar de comer pra filho naquele tempo era o seguinte, meu pai tinha medo de roubar, minha mãe tinha medo de ser prostituta, a primeira parte. Porque, quando você quer ter uma atitude de não mexer no que é dos outros, não usar o que é ruim, você tem que procurar o lado bom, não é isso? E foi o que meu pai fez. Se hoje eu não sou bandido, é porque o meu pai nunca me ensinou a ser bandido, sempre me mostrou o meu lado bom. Eu mostro, eu dou meu documento pra qualquer pessoa botar na internet, onde ele quiser, meu nome sempre foi limpo, graças a Deus.
P/1 – E como era a sua relação com o seu pai? Vocês se davam bem?
R – Nos dávamos muito bem, sabe por quê? O meu pai dizia que um ovo, a família sendo unida, come todo mundo.
P/1 – Seu pai que dizia isso pro senhor?
R – É. E é verdade. Porque, por exemplo, chegamos hoje numa panela: “Pôxa, mas só tem três ovos cozidos, nós somos em um monte de homem.” “E como é que está o arroz?” “O arroz está bom, o feijão está bom.” “O que vamos fazer com esses ovos? Vou jogar fora pra não deixar ninguém comer?” “Não, vamos dividir, um pouco de arroz, um pouco de feijão dentro, um pouco de macarrão, esbagaça ele aí dentro e bota duas colheradas pra cada um pra não ter briga. A vida é essa, quer dizer, você não ficou com raiva de mim, nem eu de você.”
P/1 – E era assim na sua casa?
R – Era assim na casa. E hoje, eu conheço muitas favelas no Rio, casas pobres, cercadas de papelão, alumínio velho, tábua velha. Comida básica não tem. Porque da cidade grande, eles só mostram o lado bom, mostra o ruim quando dá tiroteio com bandido.
P/1 – O senhor tinha um irmão mais velho, como era? Vocês brincavam?
R – Eu e mais meu irmão era o seguinte: o meu pai sempre dizia pra mim e pra ele, o nome dele é Germano: “Meu filho, a nossa família é tão curta aqui e nós temos que fazer o possível para unir pra ver se no futuro ela tem um progresso.” Eu colocava aquilo na cabeça pra pensar o que era isso também. Aí, eu conversando um tempo com o meu irmão, ele ainda não tinha família, eu digo: “Olha, é o seguinte, você vai arrumar uma família?” “Vou.” “Você já fez um bom planejamento pra arrumar família?” “Não.” “Pois faça. Nós vamos conversar sobre esse planejamento. Você procura uma mulher, que essa mulher gosta de você de fato. Nunca procure uma mulher que seja rica pra casar com um homem pobre porque ela serve debaixo dos pés dele.”
P/1 – O seu irmão falou isso pra o senhor?
R – Eu falei pra ele: “Você, antes de se casar, faça o seu planejamento familiar, não encha a casa de filhos porque mais tarde filho só dá dor de cabeça, é problema.” Meu irmão ficou assim, até começou a chorar, eu disse: “Não, por ser mais velho que eu, você vai aprender. Você está vendo esse monte de meninos dando mais trabalho pros pais, na droga, bebendo cachaça, batendo nos outros. Assim será o seu, será o meu se não tiver o planejamento pra educá-los.”
P/1 – E o que o senhor se lembra da infância de vocês?
R – Nós não tivemos infância praticamente porque naquele tempo era lei do cão, sabe? Ou o filho respeitava o pai, o pai respeitava o filho, ou então, não moravam juntos. Por exemplo, aquele tempo nós éramos pequenos e nós tínhamos que nos unir pra vencermos na vida, para eu ser o que eu sou hoje. O que é isso? É estar vivo. Porque só de você estar vivo, tem o direito de conversar, dar uma entrevista, você tem que agradecer muito a Deus por aquilo que você já passou, que o passado não importa muito de lembrar, não, porque dá dor de cabeça às pessoas. Então, o que importa hoje pra nós, no meu ver, é o nosso futuro. Hoje eu estou vivo, e vou rezar pra que amanhã eu esteja vivo de novo, pedir a Jesus Cristo por mais um dia.
P/1 – Quando vocês eram crianças, vocês trabalhavam desde cedo, iam pra escola?
R – Não, nós não trabalhávamos, só trabalhávamos quando chegávamos da escola e íamos ser caixeiro de prostituta.
P/1 – Como e quando o senhor começou a trabalhar no cassino?
R – Quando eu comecei a trabalhar no cassino eu já era um garotão de nove anos, oito pra nove anos. Meu pai dizia assim: “Olha, é bom vocês procurarem trabalhar, senão amanhã nós não temos o suficiente”. Então, pra eu mandar recado pra uma pessoa custava 50 centavos, 500 réis. Eu e o meu irmão tínhamos que nos virar porque ou era se virar ou passava você.
P/1 – E como o senhor conseguiu esse emprego?
R – Através das prostitutas.
P/1 – O senhor foi lá e falou com elas?
R – Eu já vivia lá no meio delas. Todos os morros do Rio de Janeiro, de favela, são cheios de prostitutas. E um ensina o outro: “Olha, a vida é essa, essa e essa.” Eu vendia drogas pros outros, sem saber que era droga.
P/1 – Isso quando criança ainda?
R – Quando criança ainda.
P/1 – E qual foi a primeira prostituta pra qual o senhor começou a trabalhar?
R – A primeira foi a Hilda, ela que ensinou todo o jogo da malandragem. Tanto é que hoje, quando eu vejo esses meus filhos, eu tenho o Ari, o Cosme, o Damião de homens e tenho a Elisete, a Rosângela e a Elisângela como mulheres. Eu sempre dizia pra eles que família é problema. Não é porque você acha uma mulher bonita que você vai encher a casa de filhos, tem que pensar no imprevisto amanhã, a educação, a roupa, o calçado do filho, alimentação adequada. O meu filho hoje está bonitão, bem vestido, bem calçado porque eu tive a atitude de ser um bom pai.
P/1 – Mas me fala um pouco do trabalho com a prostituta. O senhor já contou a história da camisinha, eu queria que o senhor contasse outras histórias com ela. A primeira vez que o senhor foi trabalhar, como é que foi?
R – Ela dizia pra mim: “Neguinho, é o seguinte...”
P/1 – Ela o chamava de neguinho?
R – Chamava de neguinho. Aquelas prostitutas elas me aprontavam. Tinha noite que elas saíam comigo, que naquele tempo não era proibido, saíam principalmente comigo: “Olha, aquele ali é vereador, aquele ali é deputado, aquele é comerciante, pequeno empresário, alto empresário.” Então, quem tem dinheiro não vai atrás de mulher fracassada. O cara que tem dinheiro frequenta um ambiente como aquele que eu conheci no Rio de Janeiro, o Cassino da Urca. Ali não entra qualquer mulher, só entra mulher bacana.
P/1 – E como era a Hilda? Como ela se vestia?
R – Ela não era gordona não, era cheia de corpo, formosa, bonitona, cabelo comprido.
P/1 – Como ela se vestia?
R – Vestia muito bem, tanto é que ela tinha boa clientela.
P/1 – Descreve pra mim ela, do que o senhor lembra?
R – Ela era da sua cor, mais ou menos. Cabelo liso.
P/1 – Ela usava vestido?
R – Cabelo meio roxo, o rosto meio fino. Mas ela gostava de nós porque como nós vivíamos com nossos pais, nós nunca aprendemos a ser mal criados, dar uma resposta pros outros, esse é o primeiro sinal. Porque é o seguinte, eu criei os meus filhos todinhos, cansei de dizer pra eles que eu não gosto de malcriação, não gosto de ver na porta dos outros porque o mal-entendido existe por todo canto e, às vezes, você conta uma história para uma pessoa dessa beira e ela estica a história, quando chega lá na frente, está a guerra feita. E lá vem problema pra cima de você. Foi dessa maneira que eu aprendi a ser hoje o ser humano que eu sou, foi sofrendo, apanhando. Apanhando da vida, que a vida nos ensina o bom e o ruim.
P/1 – E quando criança, com nove anos, o senhor aprendeu muito. Como foi a primeira vez que o senhor foi ao cassino? O senhor lembra?
R – A vergonha.
P/1 – E como é que é? O senhor chegou, encontrou a Hilda e falou: “Vamos pro cassino?”?
R – A vergonha é porque você não tinha intimidade com aquelas pessoas que se achavam ali dentro, pessoa com paletó, carrão na porta. Você sabia que era um grande empresário, um pequeno empresário, tinha uma empresa. Eram caras bem situados. O que acontece? Você como um menino, não ia chegar assim e dar um recado pra ele como se fosse uma pessoa com que tivesse uma intimidade. Então, você chegava por ali acanhado, até que: “Fulano de tal.” “Foi você?” “Foi.” Metia a mãe no bolso e me dava 500 réis. É.
P/1 – E o senhor dava o cartão delas?
R – Fui indo, fui indo e fiquei conhecendo lá todas as mulheres solteiras e aqueles caras. Batiam na minha cabeça: “E aí, neguinho?”
P/1 – Eu nunca fui a um cassino, como era esse cassino?
R – O cassino da Urca tem uns 250 metros quadrados, aquilo lá era entrada e saída por todo canto. Ele tinha uma cor rosa, luz por todos os cantos.
P/1 – Tinha mesa?
R – Mesa, tudo ali dentro.
P/1 – Tinha música?
R – Música, garçonete, bem preparadinho. Aquelas gravatas bem curtinhas, chamavam “pega calango” (risos).
P/1 – E qual foi a coisa mais diferente que aconteceu lá dentro?
R – A coisa mais diferente que eu achei é você ter vontade de uma mulher e não ter dinheiro pra transar com ela.
P/1 – Isso acontecia?
R – Acontecia. Porque quando você atinge uma certa idade, você está na idade de procurar um ambiente que vai satisfazer a sua necessidade.
P/1 – E era menino que ia?
R – A primeira mulher que eu conheci na vida foi essa Hilda que me arrumou. Eu ficava com uma vergonha, tirava a roupa, ficava todo acanhado. E ela já tinha pago pra ela. Tem uma coisa, é uma fruta que você comeu uma vez, você não esquece mais do gosto dela (risos). É, rapaz, é, tudo isso eu já sofri na minha vida.
P/1 – E a primeira vez que o senhor ficou com uma mulher, foi lá no cassino mesmo?
R – Lá no cassino mesmo.
P/1 – Tinha quarto?
R – Tinha quarto, eu lembro que o Cassino da Urca tinha quarto e tudo. Você vê, Porto Velho, um lugar tão pequeno, o que tem de motel. Eu fui criado dessa maneira. Tanto é que hoje, eu olho pra certas mulheres, que outro dia uma mulher chegou aqui comigo e disse: “Carioca, tu es aposentado, me empresta 20 contos?” “Mas por que eu vou te dar 20 contos?” “Depois eu faço um programa contigo.” Eu digo: “Não, sabe por quê? Porque eu faço programa com você e depois você vai boatar aí que fez o programa comigo pra minha mulher. E minha mulher vai me largar porque eu tenho mulher em casa e fui buscar uma na rua.” (risos).
P/1 – E todo mundo passou a conhecê-lo como neguinho?
R – Todo mundo me conhecia. Por exemplo, você chega aqui, como vocês chegaram ontem e pergunta: “Quem é o carioca?” Todo mundo aqui me conhece, sabe quem sou eu. Agora o meu nome, poucos deles sabem, porque sou mais conhecido por Carioca. E você pode ir em qualquer canto daqui, aquele comerciante que está ali, ele cortou seringa na mesma região que eu cortei. Esse Jamil baixo que tem aqui, trabalhou na mesma região que eu trabalhei, comprou borracha minha. Mas o que é que faz isso? Porque o cara que não tem o saber como eu não tinha, e não tem mesmo, porque a gente vai aprendendo no dia a dia, aprendi com sacrifício na vida. Às vezes, você não quer fazer uma coisa, não sabe ou não quer fazer, mas você chega com humildade para um companheiro, ele ensina e você toma gosto pelo trabalho, porque você achou, além de um companheiro, um pai que deu aquela mãozinha pra você aprender alguma coisa na vida. Porque coisa ruim é você ver um filho com fome, uma mulher com fome, que está com a barata de fora e você não poder comprar uma calcinha pra mulher, comprar uma roupa boa pra mulher. Por quê? Porque a situação não dá, mas se você for um cara humilde, porque não existe coisa melhor no mundo que você carregar a maleta cheia de humildade. Se você não for humilde você não tem nada na vida.
P/1 – E isso tudo o senhor aprendeu de quem?
R – Aprendi, na roda da vida.
P/1 – E sendo humilde, sendo tudo isso, seu pai deixou o senhor trabalhar em um cassino? Ele sabia?
R – Deixava porque meu pai vivia na pobreza, meu pai não era rico.
P/1 – E seu pai não ia junto? O senhor ia sempre sozinho?
R – Não, meu pai dava o jeito dele num canto e nós dávamos por outro. Muita gente diz assim: “Eu vou pros Estados Unidos.” “É, você fala inglês?” “Não.” “Você fala o espanhol?” “Não.” “O que você vai fazer lá?”. Por que hoje nos Estados Unidos tem quatro milhões e pouco de brasileiros lá dentro? Sabe o que é? Moeda forte. Ele pega, ganha, passa um ano lá juntando dinheiro, chega aqui ele vai no Banco Central, transfere em real.
P/1 – Conta uma coisa, seu Pedro, como era Pavãozinho? Do que o senhor lembra?
R – Naquele tempo, não era tão evoluído como é hoje. Naquele tempo, existia pobreza, mas não tanto como existe hoje, o povo migrou muito, o povo do nordeste.
P/1 – O senhor tinha amigos lá?
R – Bom, amigos a gente não pode dizer que tem porque é amigo de manhã e, de tarde, não é mais.
P/1 – Mas o senhor falou da dona Hilda...
R – A nossa intimidade era mais porque, quando estávamos no trabalho sacrificado, como é a vida de quem está no noturno, fazendo aquele papel de ajudante de prostituta, ali você tem que pegar amizade só com os grandes, que com os pequenos você tem pouco tempo porque você não vai dar a sua liberdade pra outro pobre igual a você. Porque você sabe que você não tem nada e ele nada tem pra dar pra você.
P/1 – Então, o senhor não tinha amigos no Pavãozinho?
R – Tinha amigos, mas era o seguinte: “Oi, alô, como está você?” E acabou.
P/1 – Está certo, era conhecido.
R – Era conhecido, não é amigo. Porque o Rio de Janeiro é desse jeito até hoje, eu gosto do Rio de Janeiro, sabe por quê? Porque lá ninguém mexe com a vida dos outros, lá ninguém quer saber se tu és pobre, branco, rico, ninguém quer saber disso, se tu és mafioso ou não. Tu cuidas da tua vida e eu cuido da minha, lá é desse jeito.
P/1 – O senhor começou a falar que não desenvolveu. O senhor chegou a vender drogas sem saber, como é que foi isso? Chegaram pra o senhor e falaram: “Menino...”
R – Chegaram e falaram: “Tu levas esses dois pacotinhos aqui.” Era em caixinha. “Você pega essa caixinha e entrega pra fulano.”
P/1 – Quantos anos o senhor tinha?
R – Eu tinha na base de sete pra oito anos. Eu não sabia o que tinha dentro, eu levava, o cara dava o dinheiro, eu pegava e entregava.
P/1 – Sabia que ele era traficante?
R – Não sabia porque quem falasse sobre quem traficante naquela época, como é hoje, morria. O problema é esse.
P/1 – E vocês corriam perigo na comunidade, tinha tiro?
R – Tinha tiro. E existia do mesmo jeito que é hoje, porque naquele tempo não era tão evoluído e já tinha essas coisas. Hoje, está dobrado, você olha pro outro, não tem esse negócio de estar sentado na porta dos outros, curtindo a vida dos outros, não tem isso mais lá, acabou tudo. Lá é o seguinte, se você tiver um teto pra ir lá debaixo tem, senão você vai pra abrigo, vai morar debaixo da ponte porque ninguém vai dar oportunidade pra você.
P/1 – Dos nove anos pra frente, o senhor trabalhava de noite no cassino?
R – Trabalhava qualquer hora.
P/1 – De dia o senhor estudava? Fazia o quê?
R – Estudava, ia pra escola.
P/1 – E o que o senhor se lembra da escola?
R – A escola, eu me lembro da escola porque sem aquela escola, aqueles professores e a minha vontade, eu não teria aprendido nada.
P/1 – Qual era a escola que o senhor frequentou?
R – A escola municipal.
P/1 – O senhor se lembra de algum professor?
R – De manhã, tinha um professor, a tarde, tinha outro. Cada um tinha uma matéria a ensinar. Quando você tem vontade de aprender e tem uma atitude pra crescer na vida e ser alguma coisa, você tem que aproveitar a oportunidade que lhe dão. Senão, você não é nada.
P/1 – Senhor Pedro, o senhor estava falando agora da escola, que o senhor tinha um professor de manhã, outro à tarde. O que mais o senhor se lembra da escola?
R – Meu pai fazia isso pra de noite nós estarmos preparados pra ganhar nosso troquinho, pra no outro dia ter o pão de cada dia.
P/1 – E chegou a faltar comida na casa de vocês?
R – Não todo dia, mas teve dia que ela estava meio racionada. Era preciso dar os pulos da gente. Porque, numa vida daquela que nós vivemos, nós tínhamos que sair dali, porque não iríamos viver só de migalha, nós tínhamos que sair, porque até hoje a pobreza no Rio de Janeiro é quase esse mesmo tipo. Na Rocinha, não mora só rico, não, 50% é pobre. E pobre que as casas que se meter dentro, dá pra varar do outro lado. Então, como é que ficam aquelas pessoas sem saneamento básico? Sem crédito, muitas vezes, pra comprar, como é que vai viver? Por isso que nós vivemos num país que é cheio de droga. O Rio de Janeiro é o chefão das drogas, São Paulo, também, por quê? Por causa da pobreza, companheiro. Por exemplo, se eu fosse viver aqui de drogas, eu venderia porque eu sei de onde ela vem, sei quem trás e quem vende aqui. Aqui tem 84 bocas de fumo, né?
P/1 – Vamos voltar, o senhor trabalhou no cassino até quando?
R – Até os meus dez anos.
P/1 – Até os dez anos, ficou um ano lá. Lá teve a sua experiência e por que o senhor saiu de lá?
R – Porque eu queria tocar outra vida.
P/1 – E o senhor saiu de lá pra fazer o quê?
R – Porque quando você enjoa de um trabalho, acha que aquele trabalho não está rendendo nada, é claro que você tem que tomar uma atitude e procurar outro meio de vida. Eu lembro que, naquele tempo, a nossa família, a situação que era pro meu pai comprar uma calça pra mim, minha mãe comprar uma camisa pra mim dava trabalho. Embora tivesse apoio, porque meu pai sempre ia ao consulado, saía alguma coisa pra ele, mas meu pai, às vezes, chupava um pouquinho, ele gostava. Eu também era pequeno e não podia dar palpite na vida dele.
P/1 – Você saiu do cassino aos dez anos e foi fazer o que depois?
R – Depois meu pai veio pra Amazônia.
P/1 – Dos dez aos 18 anos o senhor só estudou?
R – Meu pai veio pra Amazônia. Eu estudei, eu era ruim de português, a turma tirava sarro da minha cara: “Fala direito.” Era só na base do sinal, sabe? Falava muito ruim, eu já ia entendendo: “É assim.” É pra fazer isso assim.
P/1 – Mesmo com dez anos o senhor ainda...
R – Era desse jeito porque o mais difícil para eu aprender era o Português, rapaz. Não tem outra, não.
P/1 – E as pessoas sabiam que o senhor era americano?
R – Sabiam pelo sotaque que você tem, até hoje eu ainda falo ruim, no meio deles. Hoje mesmo sacaneaream comigo.
P/1 – E no Rio de Janeiro, o senhor saía? O senhor já era adolescente, sua primeira experiência foi com dez anos.
R – Adolescente daquele tempo não tinha vez, como não tem vez hoje. A metade dos adolescentes do Rio de Janeiro naquela época vivia em estado de pobreza. Por isso que sempre usaram droga, sempre caíram na armadilha da polícia porque não tinha como viver de outra maneira. Por isso que eu digo, o país que nem o Brasil, que é um país capitalista, deve, antes de mais nada, tem que ter educação, porque sem educação, sem saúde, o país nunca acaba com isso. Você vê filho seu, irmão seu no mundo das drogas, que sai daquilo lá que aquilo não é vida.
P/1 – Na casa de vocês, vocês não tiveram problema com drogas?
R – Não, não, não. Olha, eu vim ter conhecimento com drogas depois que eu vim pra Rondônia, tinha uns colegas meus que chutavam: “O que é isso aqui?” “Isso é crack, isso aqui é maconha, isso aqui é cocaína.” Eu fui treinado aqui em Porto Velho, por um advogado, pra passar droga de Guajará-Mirim pra Porto Velho. Daquele tempo eu ganhava bem, 80 mil reais por mês. E eu não quis, sabe por quê? Porque tinha que passar dois meses, ele me treinando no meio dos grandes, pra depois, quando eu vir com a droga de lá, eu colocar na mão deles. Sabe o que ia acontecer comigo? Eles iam me matar e me jogar na água pra não falar pros outros, porque na droga tem isso.
P/1 – E me conta mais, eu preciso saber mais. Dos dez aos 18 anos, o que o senhor fez no Rio de Janeiro?
R – O que mais eu fazia ali dentro, eu sempre procurei ser um cara dono de mim mesmo. Procurar trabalhar pra ter o que é meu. Eu fui evoluindo ali, tendo conhecimento dos outros a trabalhar. Fui ajudante de pedreiro, ajudante de carpinteiro, tudo isso.
P/1 – O senhor ia à praia?
R – Copacabana, eu ia todo dia.
P/1 – E como é que era?
R – Praia é o seguinte, se você não está acostumado a ver mulher de tanga, ou mulher pelada, ou ter um companheiro, companheira pra ter altas ideias, você não vai pra praia. Porque você não aguenta. Botafogo, por exemplo, tem a praia de nudismo, né?
P/1 – Naquela época, já era praia de nudismo?
R – Já tinha isso. Pra Copacabana, cinco quilômetros de praia...
P/1 – As praias eram só praias antes?
R – Eram só praias. É o que ela é hoje, não mudou nada. Então, você ia embaixo de um benjaminzeiro daqueles, sentava com a molecada ali, pra bater papo, olhar perna de mulher, olhar rabo de mulher, ia dar um mergulho. E acabou. Porque a vida só é gostosa quando você tem liberdade pra curti-la.
P/1 – E que outras coisas vocês faziam? Que outra liberdade o senhor tinha?
R – Futebol.
P/1 – Jogava onde?
R – Era pelada de praia. Todo tempo, ia bater uma bolinha e sempre fui flamenguista. A Copa do Mundo de 50, no Maracanã, eu comprava o Jornal do Brasil e botava quase embaixo daqueles carros pra ir assistir a Copa do Mundo. Eu já tinha 14 anos. Comprava o Jornal do Brasil, estendia no cimento e puxava um ronco pra não perder a vaga.
P/1 – E o senhor ia assistir o jogo?
R – Ia assistir o jogo.
P/1 – No Maracanã?
R – Maracanã, na beira dele era cheio de carro, de gente, não era só eu que dormia não, eram muitos. Terminava o jogo e ia dar o meu jeito pra casa.
P/1 – O senhor falou que trabalhou de auxiliar de pedreiro, auxiliar de marceneiro. E tudo o senhor foi aprendendo por conta?
R – Eu ainda conserto, eu tenho três serrotes, tenho tudo isso. Sabe por quê? Eu nunca gostei de depender de ninguém pra viver. Eu sempre gostei de aprender um pouquinho e fiz questão de estar envolvido no meio daqueles que sabiam mais do que eu.
P/1 – E o senhor ia pra Lapa lá no Rio de Janeiro? A Lapa já existia?
R – Já.
P/1 – Vocês iam pra Lapa? Como é que é?
R – A Lapa já existia. As favelas do Rio só mudaram o esquema, mas a queda de samba, de bolero, de tango, de valsa e essas coisas não mudam nada.
P/1 – Já tinha gafieira?
R – Já tinha gafieira.
P/1 – E o senhor dançava?
R – Dançava. Sempre estava dando meus pinotesinhos por lá. Orlando Silva, Dick Farney, Nelson Gonçalves, Carlos Galhardo, Francisco Alves.
P/1 – Isso era o que tocava nos bailes?
R – É.
P/1 – Fala pra gente como era um baile, pra quem nunca fui a um.
R – Eu não te conto muito bem sobre isso porque adolescente daquele tempo não podia ir lá dentro. A gente ficava focando. Eram abraços e beijos pra tudo quanto é canto e vamos fazer o serviço e acabou.
P/1 – E o senhor ficou no Rio de Janeiro até quando?
R – Se eu pudesse, eu não sairia de lá, sabe por quê? Porque quando você tem um país e adota como seu pai e sua mãe, parente seu, você gosta, você tem responsabilidade de zelar por aquilo. Porque é a mesma coisa, se eu crio essas galinhas aqui e plantei esses pés de árvores, é porque eu quero ter o sossego, quero ter sombra na minha vida. Quando eu tenho fome, eu mato minha sede, mato minha fome.
P/1 – Então, o senhor gostava do Rio de Janeiro?
R – Gostava não, gosto.
P/1 – Qual é a coisa que o senhor mais sente falta do Rio de Janeiro? O que o senhor mais gosta?
R – Praia, futebol. Porque o Rio de Janeiro dá liberdade pra todo mundo, quem vai ao Rio de Janeiro quer estar sempre lá. O carioca é bem visto. Agora, o cara chega no Rio de Janeiro, não quer bancar mais que o carioca, não, que ele descara logo. Eu levei um cara daqui, está fazendo um bocado de anos, eu era solteiro naquela época e disse pra ele: “Olha, você vai chegar ao Rio de Janeiro comigo e você não vai olhar praquelas mulheres não, elas estão tudo de tanguinha nas praias. Não vai ficar olhando muito, não.” Porque lá raspa tudinho que chega a ficar azul, né? Biquini aqui, bem arrumadinho. Você não vai ficar passando pano muito, não, que ela vai te chamar de trouxa. Rapaz, descemos Pavãozinho, pegamos a cabeceira da praia e descemos a Avenida Atlântica, cruzamos por trás e caímos na praia. Lá, estavam duas moleconas com guarda-sol, a perna lá em cima, a outra pra acolá, os caras tudo de fora. Ele passou e ficou grilando. Aí, a mulher olhou pra ele e disse: “Você não é daqui, né?” “Não.” “Eu logo vi, porque você está mirado, olhando pra isso daqui, você não passou por isso aqui?” (risos). Ééé rapaz. O Rio de Janeiro ainda é desse jeito. Eu cutuquei o cara: “Não te falei, rapaz.” Porque ali ninguém repara, você passou, vai passando. A não ser que você leve a sua. Mas quando elas querem enfrentar você, ele vai lá, se declara, não tem medo de chegar em cima. Lá, mulher não tem medo de enfrentar homem, né? Lá não tem, não.
P/1 – Agora me fala uma coisa, por que o senhor teve de sair do Rio de Janeiro?
R – À procura de uma vida melhor. Se eu tivesse vivido lá, talvez eu fosse um bandido. Incentivo não falta, não. Eu não queria isso pra mim, esse negócio de ser bandido, pro meu lado. Eu queria sempre o melhor. Porque o sentido melhor do querer é que eu pensava em futuramente arrumar família e eu ia passar o lado bom pra eles, como eu passo. Você só aprende a conviver com o sofrimento quando você é atacado por ele. Se você não sofrer na sua vida, não passou fome, não passou sede, não viveu semi-nu, você não aprende a ter outra atitude. Você não tem coragem de procurar outro meio. Vocês não são profissionais hoje? Porque vocês tiveram atitude pra fazer isso, tiveram a força de vontade de fazer isso, senão vocês não estariam aqui.
P/1 – Qual foi a oportunidade que surgiu? O que aconteceu?
R – Aconteceu que os outros viram o meu sofrimento e eu sempre fui humilde. A única bagagem que eu carrego, eu não fecho a mala nunca, pra mim é humildade. Eu posso estar podre de rico amanhã, eu sou o mesmo de hoje.
P/1 – E o senhor saiu do Rio de Janeiro pra onde?
R – Amazônia.
P/1 – E como foi isso? O senhor foi convidado?
R – Meu pai veio pra Amazônia e nos trouxe.
P/1 – Ele queria vir pra Amazônia?
R – Queria vir pra Amazônia atrás de uma vida melhor, como eu falei no começo. Essa estrada de ferro foi que convocou o povo pra vir pra cá. Tanto é que eu tenho um papel aí, um jornal, que fala sobre isso tudo. Eu conheci, ainda conheço, duas pessoas que trabalham aqui nessa estrada de ferro, que estão morando aí na Fortaleza do Abunã. Estão velhinhos já.
P/1 – E seu pai veio pra trabalhar na ferrovia?
R – Ele veio pra trabalhar aqui...
P/1 – Mas na construção? Veio fazer o quê?
R – Naquele tempo, quando a guerra surgiu, é a tal da coisa. Esses “aregós”, eram chamados de “aregós”.
P/1 – Chamavam de “aregós” por quê?
R – Era gente que vinha do Nordeste pra corte de seringa. “Olha, vocês vão pra Amazônia, lá vocês vão ganhar muito dinheiro.” Meu pai veio muito tarde pra aprender como era a situação. Tanto é que quando o meu pai veio pra cá, você veja bem, essa estrada aqui estava quase toda pronta. Foram os ingleses e alemães que fizeram isso aqui.
P/1 – Seu pai veio em que ano?
R – Meu pai veio de 1935 pra cá.
P/1 – E veio todo mundo junto?
R – Veio todo mundo junto. O que aconteceu? Já veio muito mais tarde pra cá. O que meu pai ia fazer, vivendo numa cidade daquelas? Ele tinha que se virar, como todos nos viramos até hoje. Não tem outro meio.
P/1 – Ele veio pra cá e fazia o quê na ferrovia?
R – Ele era escultor. Era braçal. Como todos os outros que vieram, fazia o que os outros mandavam. Você sabe quantas pessoas morreram aqui nessa estrada de ferro?
P/1 – Quantas pessoas?
R – Morreram mais de três mil pessoas, só aqui. Só esse trecho aqui de Jaci-Paraná a Guajará-Mirim.
P/1 – E o seu pai veio pra trabalhar em Jaci?
R – Veio pra trabalhar aqui nessa estrada.
P/1 – Mas aqui em Jaci ou em Porto Velho?
R – Não, lá em Porto Velho. Porto Velho não tinha porto, como não tem até hoje.
P/1 – E vocês passaram a morar em Porto Velho?
R – Sim. A primeira vez que nós chegamos em Porto Velho, depois de passados todos esses anos, com a abertura de toda essa estrada, em 1959. Dia 26 de maio de 1959, o comandante da polícia militar era o Capitão Buarque.
P/1 – Foi dia 26 de maio que o senhor chegou aqui?
R – É. Eu conheço tudo isso, Esse garimpo do São Lourenço, garimpo do Jucá, o Igarapé Preto, garimpo do Aderinto, tudo isso.
P/1 – E seu pai já veio pra cá contratado?
R – Eu suponho que tenha vindo contratado porque naquele tempo a miséria era grande. Eu acho que ele pegou o barco, eu entendo assim, por causa do soldado da borracha. Só podia ser, porque soldado da borracha é de 1932 pra cá. E eu já estava com meus 12, 13 anos pra vir pra cá. E o meu pai dizia: “Vamos pra Amazônia.” “Fazer o que na Amazônia?” Eu acho que meu pai teve muita atitude em procurar outro meio, e eu acho que quando a pessoa tem coragem de crescer na vida, tem que ter atitude pra isso.
P/1 – E vocês vieram pra cá e passaram a morar onde aqui? Em que lugar de Porto Velho?
R – Lá no quartel da Polícia Militar.
P/1 – Ah, o senhor veio pra morar no quartel?
R – Não tem a subida do Hotel Porto Velho?
P/1 – Tem.
R – Lá atrás, a primeira delegacia que tem, lá adiante tem um quartel da polícia militar. É velho aquilo lá, é chamado de Hotel Candelária.
P/1 – Antes era um hotel, vocês vieram pra ficar em um hotel?
R – Aquilo ali era o hospital da Candelária. Hospital mais velho que tem em Porto Velho é o da Candelária. Essa estrada aqui, a 364, ia até São Candeias, daí, podia botar pé no chão e ir a pé.
P/1 – E pra o senhor que viveu sempre no Rio de Janeiro, como é que foi chegar aqui, tudo tão diferente?
R – A vida é essa, você tem que se acostumar, ao lado bom e ao lado ruim.
P/1 – Mas o que mais te chamou atenção?
R – Dinheiro.
P/1 – E a falta do mar, por exemplo?
R – Não, você tem que controlar isso, a ansiedade, senão você não leva uma vida melhor. Se, por exemplo, você viveu só no Rio de Janeiro, se você tem recursos pra manter sua liberdade, e você comer do bom e do melhor e ter uma vida boa, você não tem. Você tem que procurar outro meio da vida pra manter o seu prazer mais tarde por ali, aonde você quer chegar.
P/1 – E em Porto Velho o senhor trabalhou com o quê?
R – Trabalhei em garimpo.
P/1 – Quando o senhor chegou, o senhor já foi pro garimpo?
R – Não, fui abrir essa estrada.
P/1 – O senhor trabalhou abrindo estrada?
R – Fui abrir essa estrada.
P/1 – Conta pra gente como era isso.
R – O Juscelino Kubistchek queria abrir essa estrada, vindo de Brasília. Então, o que acontecia? Do porto de Manaus pra cá, nós éramos 350 homens que viemos pra cá. Desses 350 homens, a maior parte está plantada dentro desse mato, índio matou, malária matou, cobra comeu, onça comeu. Desse jeito.
P/1 – E vocês iam...
R – Ia todo tempo trabalhando, derrubando pau de motossera, machado. Aqui ainda tem muitos desse tempo. Aqui, no lado do rio Madeira, o Madeirão, do lado de lá, tem bem uns dois ou três poloneses aí dentro, não quero nem sair daí.
P/1 – Na ferrovia, o senhor não chegou a trabalhar?
R – Não.
P/1 – E seu pai trabalhou quanto tempo na ferrovia?
R – Rapaz, eu não tenho a idéia de quanto tempo meu pai trabalhou ali, mas meu pai sempre teve vontade de trabalhar aí porque ele dizia que no dia que ele voltasse ao país dele, ele ia levar alguma coisa pra dizer assim: “Esse aqui, ganhei na Amazônia.” E eu não me lembro se ele arranjou uma coisa pra levar ou não, sei que ele está sepultado no Rio de Janeiro.
P/1 – Ele faleceu aqui?
R – Foi pra lá e morreu.
P/1 – Mas ele morreu por causa de malária, alguma coisa?
R – Não, acho que foi a idade dele, rapaz. Pra você ver, sou mais novo e já estou com 75 anos.
P/1 – O senhor foi embora de casa cedo?
R – Não, porque eu fui ter uma família já estava com uns 30 e poucos anos.
P/1 – O senhor morou com sua família...
R – Só essa família eu tive nessa vida.
P/1 – Sua família lá em Porto Velho, seu pai e sua mãe.
R – Minha mãe foi embora pra lá com ele, estão os dois sepultados lá.
P/1 – Espera, eu preciso entender. O senhor saiu do Rio de Janeiro, a sua família inteira veio pra cá, e ficou em Porto Velho.
R – Passaram um tempo em Porto Velho e, depois, voltaram pro Rio. E eu e meu irmão ficamos aqui.
P/1 – Então, sua mãe e seu pai voltaram...
R – E nós ficamos aqui. Tanto é que estamos morando até hoje aqui, ele e eu arrumamos família aqui.
P/1 – Vocês ficaram e constituíram família?
R – Eu tenho família, como você está vendo, e meu irmão também. Eu disse pro meu irmão: “Meu irmão, é o seguinte. O que você prefere? Você prefere estar aqui com dinheiro no bolso ou ir pro Rio de Janeiro blefado?” “Eu prefiro estar aqui com dinheiro.” “Então, você me acompanha.” A expressão foi essa. Porque não adianta você procurar uma capital grande, Rio de Janeiro, pra blefar lá dentro e entrar no mundo das drogas, no meio dos bandidos, todo dia se mata bandido, né? Porque aqueles bandidos que são jovens e caem no mundo das drogas é porque não querem trabalhar. Acha que a droga é um futuro melhor pra eles, no entanto, no outro dia está morto.
P/1 – E aqui vocês estavam com dinheiro porque trabalharam na estrada?
R – Meu pai foi um cara que sempre trabalhou e ensinou a gente a trabalhar. Eu tive a atitude de não viver às custas dos meus pais. Quando eu tomei gosto pelo trabalho, eu não quis saber mais do dinheiro do meu pai, eu sabia que ele teve o trabalho de nos colocar no mundo, então, nós tínhamos que ser responsáveis por nós mesmos.
P/1 – O seu primeiro trabalho foi abrindo estradas?
R – Foi trabalhando aqui. Quando nós viemos pra Porto Velho, papai saiu do Rio, daí nós viemos pra Belém do Pará e, de Belém do Pará, pra cá. Naquele tempo, não tinha essa estrada aqui, era por lá, pelo Rio Purus, Rio Amazonas. Pegava o Rio Purus até o Estado do Acre. Aqui era do mesmo jeito. Aqui subia, não sei quantos meses pra subir esse rio aqui.
P/1 – E o senhor se candidatou pra trabalhar abrindo estradas?
R – Meu pai era um cara que tinha profissão, mas não queria estar duro de jeito nenhum, ele mexia com tudo. Porque a coisa triste é você querer ganhar dinheiro e não ter oportunidade. Eu sempre fui assim, eu acho que eu puxei meu pai. Eu nunca quis. O pouco que eu adquiri na minha vida foi com o meu suor. Sempre foi assim.
P/1 – Agora me conta um pouco dos seus trabalhos, senhor Pedro. O senhor chegou em Porto Velho, trabalhou abrindo estradas, e qual era a técnica? Vocês ficavam todos os dias cortando? Conta pra gente como é que era?
R – No começo era assim, cada um pegava o seu lote de trabalho. Você pegava um ou dois quilômetros de mato pra derrubar. Você derrubava as laterais e, no centro da estrada, você tinha que arrancar. Passavam dois, três dias, num pau daquele, tinha que tombar, capaz ainda de você roletar de machado.
P/1 – E é só o senhor de corpo e o machado?
R – É, eram três homens ali pra botar pra valer. Borrachudo, carapanã, onça, índio, tudo o que tinha no caminho.
P/1 – O senhor chegou a encontrar índio?
R – Eu vi foi muito, ainda em 1978, eu ajudei a amansar índio aqui dentro.
P/1 – E o senhor ficou trabalhando quantos anos abrindo estrada?
R – Foi questão de um ano e pouco até terminar. Porque era o seguinte, você pegava dois quilômetros, quando terminava, você pulava pra frente. Um dia de viagem pra pegar o outro lá na frente, era assim. Porque mercadoria era carregada no lombo, burro não podia andar porque não iria pular pau. Você carregava ajuda o tal jamaxi, sabe? Jamaxi, botava nas costas e ia embora. Aquele rancho acabava, você tinha que voltar pra pegar aquele armazém estava armado pra cá um pouco e assim se acabou essa estrada. O trecho mais feio que nós passamos foi de Porto Velho a Cuiabá.
P/1 – O que aconteceu nesse trecho?
R – Muita lama, muito buritizal.
P/1 – Buriti é o quê?
R – É uma fruta que tem na Amazônia, no Pará, no Mato Grosso, em Goiás.
P/1 – E depois desse um ano e meio, o senhor foi pra onde?
R – Fiquei aqui.
P/1 – Voltou pra Porto Velho?
R – Voltei pra Porto Velho, fui trabalhar em garimpo.
P/1 – Trabalhou no garimpo depois?
R – Trabalhei no garimpo, Rocha e Costa, São Lourenço, Madeiri.
P/1 – Qual foi o primeiro garimpo que o senhor trabalhou?
R – São Lourenço. Depois fui pro Rocha e Costa?
P/1 – Como era o garimpo de São Lourenço? Alguém o indicou? Como o senhor chegou lá?
R – Cada tipo de garimpo, tem uma especialidade que você tem que procurar trabalhar, pega a norma dele. Por exemplo, na casseterita, você trabalha na caixa e na batéia. No ouro, você trabalhava só na caixa e pega batéia pra apurar como tem essas cuias aí. É cuia de você saber o que vai dar. Se dava uma grama, duas, três gramas.
P/1 – Esse de São Lourenço era casseterita?
R – Casseterita. O Machadinho era de casseterita também. Só o ouro mais fácil pra trabalhar, é o Madeirão aí. Aí tinham 20, 30 mil homens trabalhando dentro.
P/1 – Agora, nesse de casseterita de São Lourenço, vocês juntaram um grupo e foram ou vocês foram contratados por uma empresa?
R – Não, você pega uma frente de serviço de dez por dez, de dez de frente ou mais e você debulhava a cata. Chegava em casa, os caras quebravam, montavam uma caixa e levavam. Dali, você ia secar no sol ou no forno e vendia. Ali você emparedava de novo de pau a pique e ia desdobrar outro, até...
P/1 – Explica pra mim o procedimento, na ordem. O senhor chegava lá, pegava uma área dez por dez e qual era a primeira coisa que vocês faziam?
R – Nós tínhamos que fazer um barraco pra dar segurança a nós.
P/1 – Depois que construiu o barraco?
R – Ia pegar o rancho pra continuarmos o trabalho.
P/1 – O que é o rancho?
R – Era arroz, feijão, carne seca. Nós nunca largávamos um revólver calibre 38 milímetros ou a espingarda. Montava a caixa e trabalhava a semana toda.
P/1 – E como vocês sabiam onde tinha minério?
R – Pelo cascalho.
P/1 – Como é que é?
R – Por exemplo, se aqui fosse um cascalho, você cuiava e sabia que tipo de minério tinha.
P/1 – E era onde tinha água?
R – Nós não podemos trabalhar sem água. Minério nenhum você pode trabalhar sem água. O único minério que você consegue trabalhar sem água é o cristal.
P/1 – Então, vocês trabalhavam na beira do rio?
R – Não, na beira do igarapé. Igarapé de 400 metros de comprimento, mais ou menos, esse negócio.
P/1 – Vocês cavavam?
R – Cavávamos, tinha que cavar.
P/1 – Ah, é isso que eu quero saber! Explica pra mim, depois que instalava o barraco vocês começavam a cavar.
R – É porque tem cascalho que é colado e tem cascalho que você tem que chegar nele com três, quatro, cinco metros de fundura.
P/1 – Vocês cavavam quanto? Uns cinco metros?
R – A maior fundura que eu desmontei até hoje foi de quatro metros.
P/1 – Então, cavava até achar água?
R – Até dar no cascalho.
P/1 – Quando dava no cascalho fazia o quê?
R – Tinha que quebrar aquele cascalho, juntar um grupo de quatro homens, ia ver se tinha a água, tinha que ter um balde pra bater a água. Um ficava batendo a água, enquanto um está quebrando e outro está amontoando pra jogar em cima do terreiro. O terreiro é o lugar como esse daqui pra poder lavar depois.
P/1 – E joga todo aquele cascalho quebrado no terreiro?
R – Depois, aquilo ali é emparedado, pra depois remover aquela terra pra trás.
P/1 – Explica o emparedado que eu não entendi.
R – Emparedado é você colocar essas duas portas, uma colada na outra com três paus, daí você pode jogar terra. E nós cortávamos os galhos desses paus assim, que é a forquilha, pra não deixar ceder.
P/1 – Isso pra manter o buraco aberto?
R – Pra manter ele seguro pra não ceder de jeito nenhum.
P/1 – Agora, a gente já está com o buraco aberto, seguro, tirou todo o material, faz o quê?
R – Aí, devolve a terra pra dentro de novo, já lavou, devolve a outra terra pra dentro.
P/1 – Ah, fecha o buraco de novo?
R – Fecha o buraco com outra terra.
P/1 – E aquele material que tirou o senhor vai fazer o quê?
R – Secar e vender.
P/1 – Mas o senhor tira barro, tira um monte de coisa junto.
R – Na caixa, já sai limpo.
P/1 – Ah, já sai limpo da caixa?
R – Dali, você vai lavar, lavou, sai limpo. Você vai secar, ensacar, vender.
P/1 – E quanto o senhor tirava de um buraco?
R – Depende, depende do cascalho, 300 quilos, 400, uma tonelada, era assim.
P/1 – Em todo lugar que vocês iam, achava sempre cascalho?
R – Sempre cascalho, mas tem uma variedade de largura de cascalho e de produtividade.
P/1 – E quem escolhia o lugar e dizia: “Aqui tem, aqui vamos cavar”.
R – Através de uma cuia dessas, você sabe. Um cascalho daquele, você coloca na cuia e você sabe o que tem nele.
P/1 – Na superfície, já dá pra dizer?
R – Já, porque tem cascalho dessa altura, grosso. Eu quebrei cascalho aqui de quase 80 centímetros.
P/1 – Mas aí a quantidade é menor, né?
R – Porque, às vezes, você pinta em cima e não quer perder, não quer estar com separação de cascalho, você quebra tudo e manda pra lavar. Você tem que aproveitar.
P/1 – E isso foi no de São Lourenço?
R – Trabalhei no São Lourenço, trabalhei aqui.
P/1 – No São Lourenço, o senhor trabalhou na caixa?
R – Caixa e batéia.
P/1 – Essa era a divisão, caixa e batéia?
R – Caixa e batéia. Você tem que trabalhar na sua caixa e na batéia se você quiser, vai do seu profissionalismo, né?
P/1 – Explica pra mim a batéia, seu Pedro.
R – A batéia é uma cuia dessas. Eu tenho uma batéia ali dentro.
P/1 – Depois o senhor me mostra então, era pra poder separar o material?
R – Com aquela batéia, você separa.
P/1 – Quando vocês estavam com a casseterita na mão, vocês vendiam pra quem?
R – Pros patrões, era cheio de patrão lá dentro.
P/1 – Então, eles apareciam lá?
R – Apareciam: “Eu estou pagando tanto pelo preço do quilo.”
P/1 – E eles iam de avião pra lá?
R – Carro. Cruzavam a balsa pro lado de lá, pegavam o caminhão e iam bater lá. São 15 quilômetros da beira do rio até o garimpo. Eu cansei de fazer isso a pé.
P/1 – E o senhor não tinha família nessa época, era solteiro?
R – Não.
P/1 – Depois do São Lourenço, foi pra qual garimpo?
R – Depois do São Lourenço, fui pro Machadinho d´Oeste.
P/1 – Machadinho d´Oeste é casseterita também?
R – É.
P/1 – Onde fica o Machadinho d´Oeste?
R – Você desce o Madeirão, sobe a motor até Machadinho d´Oeste. Hoje, não tem estrada pra lá. De Ariquemes pra lá, são 200 quilômetros.
P/1 – E pra morar, vocês ficavam no rancho que vocês construíram?
R – Ficava ali, porque já trabalhei em garimpo, quando essa mulher trabalhava comigo, no Jaru, a casa era feita de paxiubão. Ela morava de baixo, cavou um buraco de cinco por quatro, em cima era forrado de paxiubão, por causa de bala. Olha, isso tudo é marca, isso aqui com arame farpado, eu correndo com duas balas na mão, e me cortou ainda.
P/1 – Fugindo de...?
R – De bala.
P/1 – E por que eles o perseguiam?
R – Não é que me perseguiam, porque tinha muito homem e muita droga.
P/1 – E vocês brigavam pra ver quem ia...
R – Eles brigavam e a gente não queria estar no meio e tinha que correr fora daquilo, senão, morria. Porque onde tem droga, mulher solteira e bebida, está o satanás solto, não quer saber quem é bom, que não é. É como Jaci-Paraná está hoje, se você fala muito, eles dizem: “Esse cara não é daqui.” Eles matam aqui, cortam, ensacam e jogam no rio. Quer saber de uma coisa? Se amanhã de manhã, se tu não for, vem nessa porta aqui que tu vais ver como é isso aí.
P/1 – Essa violência é porque vinha muito homem pra cá? Na época do minério, já veio muita gente?
R – Vinha muita gente pra cá pra matar, pra roubar, pra vender drogas.
P/1 – Pra ganhar dinheiro...
R – Pra ganhar dinheiro. Hoje, vai de cabeça em uma pessoa que tem 20, 30 contos.
P/1 – E a droga era vendida pros próprios trabalhadores?
R – Era solta, solta. A droga hoje, aqui em Jaci e nesses garimpos, é vendida como mercado que vende mercadoria.
P/1 – Mas eles consomem drogas por diversão? Pra poder trabalhar melhor?
R – Acho que é um vício. Eu acho que uma pessoa que fuma uma droga, não está pensando na vida de um futuro melhor, não. Ele está pensando só em fazer o mal aos outros. É como o cara que diz assim: “Fulano bebeu cachaça e fez bagunça porque ele não soube beber.” Ninguém sabe beber. Se você tomou a latinha de cerveja, já está fora do senso seu. Uma latinha de cerveja me tira o senso. É o mesmo que uma dose de cachaça. Se você tomou uma dose de cachaça, logo em seguida, dali uns dez minutos, você quer outra. Depois de você estar com três ou quatro doses na cabeça, você é o cara, sabe? Você não quer ser o mais fraco, você é o rico, o bonitão, e fica por aí.
P/1 – Seu Pedro, vamos voltar pro garimpo porque pra quem não conhece o garimpo, o senhor está ensinando.
R – Eu conheço sabe o quê? Garimpo de ouro.
P/1 – Então, vamos falar do garimpo de ouro agora. Onde que foi o garimpo de ouro?
R – Aí, no Madeirão. Em abaixo de Porto Velho tem ouro.
P/1 – E o senhor foi sozinho ou foi em grupo?
R – Eu fui só e depois eu formei um grupo e fomos pra lá.
P/1 – O senhor foi só pra lá, quando o senhor descobriu?
R – É o seguinte, no começo, nesses garimpos você não pode andar com mulher. Sabe por quê? Por exemplo, você pega uma corruptela daquela, daquele tempo, você vinha cá. Podia ter mulher ou não, o cara puxava rolo e urinava bem aí. Se a mulher não quisesse ver, virava a cara pro outro lado e saía. Cara que transava com outra bem aí. Aí, nesse meu banco, rapaz, aqui fora, o cara já não veio transar com mulher no meu banco? Na madrugada. Pois o garimpo é desse jeito, nós tocávamos um restaurante lá no garimpo, de sábado pra domingo, o pau quebrava, era tiroteio, era mulher solteira na vara apanhando, os gritos. Sabe quanto custava uma relação naquele tempo? Custava três gramas de ouro.
P/1 – Três gramas de ouro...
R – Hoje, 180 reais.
P/1 – E o senhor foi sozinho pra lá descobrir?
R – Não, o garimpo já estava descoberto, chegou a trabalhar em cima dele 30 mil homens, rapaz.
P/1 – Trinta mil homens!?
R – E a draga, a balsa, o cara trabalhando manual, o motor também tirava. Comprava motor desse novo, acoplava em uma bomba.
P/1 – E eram todos trabalhadores como o senhor, que achavam ouro e vendiam depois?
R – É, vendia na hora. Mal você está lavando, o cara chega: “Quantas gramas tu tens?” “Tanta coisa.” “Eu pago tanto. Pesa.” Aqui tem comprador de ouro no posto. “Quantas gramas tu tens?” “Eu tenho cinco gramas.” Jogavam o dinheiro no seu pé: “Agora, pago tanto.”
P/1 – Agora, explica pra mim, como era o garimpo de ouro, como o senhor me explicou da casseterita, por partes, devagarzinho.
R – O garimpo de ouro é perigoso. É o segundo garimpo mais perigoso que tem. Primeiro é o diamante, o mais fácil. Porque você trabalhando no garimpo de diamante, você bota duas pedras, três pedras de grande valor no bolso, vem embora e ninguém sabe o que você está levando. E o mais sacrificado é o de casseterita, porque você não vai colocar um quilo de casseterita no bolso pra vender lá fora, porque é muito pesado, né? E o cristal é o seguinte, você está trabalhando, o cara joga o dinheiro no seu pé, se você pegar o cristal já é dele, não é mais seu. Então, tem tudo isso pra gente aprender.
P/1 – Qual era a técnica que vocês usavam no de ouro aqui?
R – A técnica era a seguinte: se você fosse o meu sócio, só quem sabia o ouro que eu tinha era você, e eu sabia o ouro que você tinha. Por outro lado, nós pensávamos: “Que dia tu vais sair?” “Tal dia.” Só quem sabia o dia que você iria embora era eu. E você sabia o dia que eu ia. Sabe por quê? Pra ninguém te esperar no meio do caminho, te matar e tomar o seu ouro, era assim. Conheço muitos matadores que eram desse jeito, tudo aqui.
P/1 – O senhor falou que o de casseterita tinha caixa...
R – Tinha caixa e o de ouro também tinha caixa.
P/1 – Então, vocês cavam no rio?
R – Cava com draga, com balsa, manual.
P/1 – O senhor fazia como, seu Pedro?
R – Mergulhava com capacete, a maraca aqui desse lado, botava debaixo aqui com a chupeta, descia até dez metros, 15 metros e lá mandava. Dava dois, três sinais, o cara mandava a força e você só encostava na boca do cascalho e subia. Era por hora, você trabalhava uma, duas horas e dava a vez pro outro. Passava dois dias trabalhando, no outro dia pescava. Aí, vinha o dono da draga e ia pesar o ouro na sua frente, dava a sua parte, a parte do outro.
P/1 – Então, eles emprestavam os equipamentos?
R – Não, equipamento era dado. Eles davam, não sei se 20 ou 40%.
P/1 – E o senhor achou muito ouro?
R – Achei. Peguei muito dinheiro e as prostitutas me deixaram pobre de novo (risos).
P/1 – O senhor gastou no próprio garimpo?
R – Eu trabalhei muito, ainda tenho o cascalho do Jaú aqui. Peguei uma pepita de 90 gramas no Jaú. Eu e mais essa mulher.
P/1 – Noventa gramas era o quê?
R – É um pedacinho desse tamanho.
P/1 – Era uma pedra grande.
R – Era. Amarelinha, desse tamanho.
P/1 – E do garimpo, o senhor foi pra onde?
R – Do garimpo, eu vim pro mato.
P/1 – Veio pro mato?
R – Trabalhar no mato, cortar seringa.
P/1 – Mas já não era época que todo mundo cortava seringa?
R – Era. O trabalho da seringa nunca acabou. Aqui no Jaci, por exemplo, não se tem mais o trabalho de seringa, sabe por quê? Porque o preço caiu e ninguém se atreve a cortar um quilo de borracha por dois reais. Porque o preço da mercadoria não compensa você ir pra lá. Guajará-Mirim está vendendo borracha de várias regiões pra Bolívia, nem o Brasil quer comprar borracha porque não compete, não vale a pena. Por isso que nós vamos reabrir a Bem-te-vi e aí passar pra agricultura familiar, porque aí, o cara é obrigado a trabalhar...
P/1 – Bem-te-vi é a cooperativa?
R – É. O que acontece? O pessoal aqui, não é que eu esteja falando mal porque eu moro aqui na região, mas o povo aqui não gosta muito de dar o duro, não. A deles aqui é o seguinte, eles te matam pra tomar o que é teu. Aqui, rapaz, quem conhece aqui sou eu.
P/1 – Seu Pedro, o senhor falou que terminou o garimpo e foi pra Bolívia tentar...
R – Não, nós fomos pra Colômbia.
P/1 – Pra Colômbia tentar a sorte...
R – Pra Venezuela.
P/1 – Conta essa história pra gente.
R – Quando eu tinha dinheiro e era solteiro, dava pra manter nossas viagens. Eu já levava meu grupo, eu e mais dois, todos tinham dinheiro. Quando chegamos em Roraima, pegamos o barco, fomos pra Caracaraí, de Caracaraí nós fomos pra Roraima. De Roraima, nós fomos ao Consulado pra tirar o passaporte, pelo menos uma licença, eles não dão. Tem que entrar pelo caminho do boi, como eles chamam. Acontece que quando nós estávamos perto do pico, na reserva dos índios Ianomanis, bem no campo de pouso pra poder descer a mercadoria, nós ajudávamos os índios e os índios nos vigiavam. Mas tem aquela coisa, onde tem muita ganância, não dá certo. Esses colegas meus disseram: “Vamos embora deixar isso aqui.” Porque o exército estava bombardeando os campos pra tampar os buracos que nós tínhamos aberto, porque não queria garimpeiros. Eles achavam que nós estávamos assediando os índios.
P/1 – Vocês estavam abrindo o buraco...
R – Um garimpo lá em Roraima. Mas como não deu certo, a turma disse: “Vamos embora pra Colômbia, lá tem uns garimpos bons. Lá você via a pepita de ouro em cima.” Mentira. Fomos cair na mão das Farcs, nos pegaram lá.
P/1 – Então, vocês foram pra Colômbia?
R – Fomos, caímos na mão das Farcs. Lá, você é vigiado dia e noite.
P/1 – Mas eles prenderam? Como foi?
R – Eles achavam que nós estávamos invadindo o que era deles.
P/1 – Vocês estavam a carro, a pé?
R – Que carro? A pé, que carro nada!
P/1 – Era a pé, entrando no mato?
R – A pé, no mato bravo igual aqui. Lá você pega o jamaxi, bota nas costas, 30 quilos de rancho, uma boa botina, um bom 38, uma boa espingarda, e cai no trecho. É só se recomendar a Deus e meter a cara no mundo. Garimpeiro é desse jeito. Quando nós estávamos com três dias lá dentro, caímos nas mãos das Farcs. E não queriam, eles não gostam de pobre, só gostam de políticos ou ricos. Depois que estávamos um bom tempo lá, eles nos mandaram embora. Descemos pela cabeceira do Rio Traíra. O Rio Piranha, embaixo tem um quartel do Exército, aí, vieram deixar nós na Amazônia.
P/1 – E como vocês andavam pela mata? Sem mapa, sem nada?
R – Nós temos pessoas boas de mato. Eu ando em qualquer mata, eu não tenho bússola. Em qualquer mata que eu meter a cara, eu saio, eu não tenho bússola.
P/1 – Isso o senhor aprendeu de prática?
R – Aprendi no mato, mesmo. No Rio Urubu, conhece o Urubu?
P/1 – Não, conta.
R – É na Amazônia, o que vai pra Itacotiara, lá foi que eu passei 11 dias perdido.
P/1 – Sozinho?
R – Sozinho, abrindo aquela estrada. São 200 quilômetros daqui pra Itacoatiara. Lá, eu aprendi também. Passei 11 dias perdidos na beirada do Rio Urubu. Rapaz, se eu for contar a minha vida pra ti, vai ser tempo, já sofri muito nessa Amazônia. Hoje, eu estou quieto porque não posso andar, esse motor está parado um bocado de dias porque não posso mexer com ele, senão, você não me achava aqui...
P/1 – Depois que o senhor voltou das Farcs, foi fazer o quê?
R – Nos mandaram embora. Eu vim pra Porto Velho por Roraima. Fomos lá com o prefeito de Roraima, ele nos arranjou a passagem até Manaus, de tico-tico, e pegamos o motor até aqui, Porto Velho.
P/1 – Então, de Manaus o senhor veio pra Jaci?
R – Pra Porto Velho e, de Porto Velho, vim pra Jaci, daqui o seringal. Naquele tempo, não era proibido caçar gato, matar onça e eu passei um bocado de tempo matando gato, onça.
P/1 – Como é que era isso?
R – Matando no 38 pra vender o couro.
P/1 – Onça?
R – Onça, gato.
P/1 – E como é que caça onça?
R – De noite, de dia, faz o chiqueiro.
P/1 – O que é chiqueiro?
R – Você faz um chiqueiro dessa altura, com banda de açaí, tábua não dá porque no mato não tem tábua pra você tirar. Você mata macaco, sai arrastando ele e põe a isca ali. Ele vem andando, se ele sentir aquilo ali, ele entra no chiqueiro. Quando ele bate dentro do chiqueiro, ela desarma. No outro dia você vai, é só matar e tirar o couro.
P/1 – Ela cai?
R – Cai.
P/1 – O senhor enfrentou uma onça olho-a-olho já?
R – Já, de noite, e matei sozinho. Não preciso de ninguém, não.
P/1 – Matou muita onça?
R – Matei, na base do 38. Mas, naquele tempo, como a gente não sabia sobre meio ambiente, entrava nessas frias, sabe? Eu fiz muito isso. Hoje, eu fico pensando até que ponto o homem pode ser agressivo à natureza, né? Porque quando você conhece o que é a natureza, você não faz um comércio desses, de tirar a vida. Eu passei quatro anos matando onça pra viver, nunca passei de uma roupa, isso não é futuro pra ninguém. E aí, eu fui pra seringa. Já tinha essa mulher...
P/1 – Onde o senhor conheceu a sua mulher?
R – Aqui dentro.
P/1 – Conta essa história.
R – Ela era largada do marido, estava com 20 anos.
P/1 – O marido dela morreu?
R – Não, o marido dela tinha largado ela fazia uns seis meses. Eu não tinha um bigode branco, nada, nada. Passamos a nos gostar. Aí, o meu sogro, esse que morreu, disse: “Você quer aprender a cortar seringa? Vamos embora cortar seringa.”
P/1 – Mas até o senhor conhecer o seu sogro, como foi passar a gostar? Vocês namoraram?
R – Não, é aquela coisa, quando um vai com a cara do outro e está necessitado do prazer, não precisa de muito rodeio não, né? (risos). Não é mesmo? Não precisa, quando a mulher gosta de você, não precisa você rodear ela muito, não. Ela sabe do que você está precisando. Mesma coisa nós, nós sabemos quando a mulher está carente. Porque não vai me dizer que uma mulher não vive carente, ela precisa do homem. Senão, não sente prazer nenhum na vida.
P/1 – Aí, o pai dela conheceu o senhor. Como foi? Ele gostou do senhor de cara?
R – Você conhece, já ouviu falar do Camelo?
P/1 – Não, conta.
R – Aqui dentro é reflorestamento e esse menino trabalhava lá também. Camelo chegou e disse: “Vamos reflorestar uma área aqui?” “Vamos.” Mas o poder e o recurso eram dele, então, ele disse: “Carioca, é o seguinte, nós estamos precisando de você, você mexe com motosserra?” “Mexo.” “Então, nós derrubamos 12 quilômetros de frente por seis de largura”. Reflorestamos todinho, seringa, castanha, ipê, cedro, mogno.
P/1 – Trabalho de reflorestamento, na década de 1970?
R – Tinha madeireira que conseguia recursos pra nós, pegava mercadoria à vontade, motosserra à vontade. Então, chegou a ocasião de termos 20 homens trabalhando ali dentro. Acima de onde eu morei. Aí, eu fui tomando gosto. Trabalho, estou ganhando dinheiro, pra que vou procurar outro meio, né? Eu queria uma mulher do meu lado, já tinha. E fiquei até hoje aí.
P/1 – A gente falou no reflorestamento. Aí, o seu sogro chamou o senhor pra trabalhar na seringa. O seu sogro já trabalhava na seringa?
R – Ele era filho de peruano.
P/1 – E ele veio pro Brasil por quê?
R – O pai dele veio, ele matou uma mulher lá e veio pro Brasil. O pai dele, avô da minha mulher, já morreu. Ele veio pra cá, isso aqui era muito bonito aí dentro, rapaz. Eles tinham gado, banana, laranja...
P/1 – Tinha um sítio aí?
R – Tinha um sítio. Ele trazia de dois, descarga de motor, laranja pra vender aqui.
P/1 – Ah, ele fazia comércio também?
R – Fazia comércio.
P/1 – E ele era militar?
R – Não era nada de militar, ele era seringueiro mesmo, soldado da borracha. Fez os filhos aí, eles nasceram e se criaram.
P/1 – E ele trabalhou com a seringa desde que veio?
R – Desde que nasceu já foi pegando a beira da roupa do pai dele pra cortar seringa.
P/1 – E o senhor já tinha cortado seringa antes?
R – Nunca.
P/1 – Nunca tinha cortado seringa?
R – Não. Mas eu aprendi desde o Acre eu conheci esse índio, tanto é que eu tenho duas facas de seringa, eu trabalhava aqui dentro. Porque se a pessoa perguntar pra mim: “Quais os tipos de seringa que você conhece?” Eu digo: “Eu conheço só três, e só uma produz muito, que é a casca roxa.”
P/1 – Conta pra mim, quais são os tipos de seringa.
R – A casca roxa é a seringueira que mais engrossa e que dá melhor leite, ela tem a casca roxa. A branca dá muito leite, mas se você arrochar a faca nela, cortar o pau, logo depois de um ou dois anos, ela está morta. E a vermelha, que nós chamamos de taúba não dá nada, mal dá pra sujar o fundo da tigela.
P/1 – Esses são os três tipos de seringas que o senhor conhece? E essas seringas já estavam plantadas na Amazônia?
R – Não, não. Nós plantamos seringa no reflorestamento, mas foi catando dos outros, de seringueiro que vendia pro Camelo. Nós cortávamos nativa, ali embaixo eu vou te mostrar, ali tem uma, duas ali, nativas.
P/1 – Agora me conta como era o processo de plantar seringa.
R – O processo de plantar seringa era o mesmo processo de plantar café. Você pegava a semente dela, rachava ela numa pedra, você colocava dali no viveiro. Viveiro de 30 metros coberto com lona preta. E ali você aguava todo dia, quando ela germinava você tinha que ter o canto pra colocar ela, já. Assim foi o café, o cupuaçu, que nós vendemos muito cupu. Você está vendo o meu terreno como é? Isso foi depois que eu vim pra cá, fiz tudo isso aqui.
P/1 – Começou a plantar.
R – Esse aqui já produziu, esse aqui já produziu.
P/1 – E como o senhor aprendeu como plantar cada uma delas?
R – Com eles, tinha técnico pra isso.
P/1 – E tinha três tipos de seringa, e quais eram os tipos de cortes?
R – Quebra-barranco.
P/1 – Explica pra mim cada um.
R – Quebra-barranco, tinha o corte cara de gato. Cara de gato é o seguinte. Vamos dizer que isso daqui seja a madeira, você puxa assim, pra cá, é uma cara de gato. Você a puxa aqui. E o quebra-barranco, a bandeira você só corta de um lado, você mede 25 assim, 25 assim, 25 assim e 25 assim. Daqui, você abre a risca aqui, aqui você embute. É esse que é o negócio. E tem o quebra-barranco que é o quebra costela do gato, você puxa embaixo. Mas isso força muito a seringueira. É melhor você produzir pouco porque amanhã, se você puxar na seringueira, com pouco tempo, ela está morta. Você puxa o leite dela todinho. E você quer ver puxar? Você tempera uma faca dessas no óleo diesel, você puxa. E a gente defumava, defumava com coco.
P/1 – E tem um monte de tipo de faca ou é um tipo só?
R – É um tipo só. Na mesma seringa tem a raspadeira, você raspa ela. Eu tenho duas aí.
P/1 – E depois que raspou era só extrair. Ela começa a jorrar?
R – Na firmeza, quer saber quantas nós temos? Nós temos uma de porta com 180 madeiras, que é do lado esquerdo. Tem do lado direito com 80 madeiras. Tem a defumante que é a do pequi e tem uma de baixo que ela dá 300 e poucas madeiras. Nós estávamos, mais ou menos, às seis horas, na boca da estrada pra cortar, quando era mais ou menos uma duas horas estava fechando o corte. Aí, comia um pouquinho, voltava pra colher o leite.
P/1 – E ficava até que horas?
R – Chegava em casa, despejava no balde e fazia pé de borracha, ia tomar banho e batia a mão na espingarda e, com a lanterna, ia procurar comida, pra estar no pé do serviço no outro dia.
P/1 – Depois que o senhor extraiu a borracha, fazia o quê com ela?
R – Depois que chegávamos com o leite em casa, nós íamos defumar. Defumar é um “bujum” grande assim, esburacado, e lá embaixo tem um buraco. Você faz o fogo lá embaixo, aquela fumaça solta o caroço lá dentro, a fumaça sobe quente e coagula o leite, você dá uma passada na mão pra não ficar muito folgado.
P/1 – E o material fica mais?
R – Fica, dali não tem mais perigo, não. Depois do processo de coagulação, você tira dali, põe na prancha pra bulear. Todo dia o serviço é esse.
P/1 – Depois que buleou é só vender?
R – Não, depois você vai fazer um pé de borracha, com três dias, dependendo da sua estrada, faz cem quilos por semana.
P/1 – Depois que ela coagulou o senhor...
R – Espera ela amadurecer um pouquinho pra ela não quebrar muito porque ela tem água, sabe? Aí o próprio cara que vai comprar sempre dá um desconto de dez por cento, às vezes, ela não dá dez por cento.
P/1 – E pra poder vender?
R – Pesa na balança. Aquelas balanças ladronas de braço, sabe? Que o cara só faltava quebrar o braço pra dar 50 quilos (risos). É, meu irmão, tudo isso eu já sofri nessa Amazônia. E estou feliz da vida, não posso reclamar de nada.
P/1 – E o senhor teve doenças, se machucou, se cortou?
R – Ahh, tive sim. No Rio Onça, eu estava atrás de matar um bicho e a espingarda disparou na minha mão, ó, disparou bem aqui. Isso aqui é chumbo. Eu tenho seis balas de chumbo aqui, passei dois, três meses no hospital.
P/1 – Por causa de tiro?
R – Por causa de tiro. Em casa, o sogro é que ajudava ela, tu vês como é uma vida sofrida.
P/1 – E o seu sogro e sua sogra trabalhavam na seringa?
R – Todo mundo trabalhava na seringa.
P/1 – Mulher também trabalhava na seringa?
R – Tudo, tudo. Menino desse tamanho, quando ficava desse tamanho ia pra estrada juntar coco, cavaco, pra defumar o latex. Ainda hoje, eu tenho uns livros que explicam tudo isso. Vida sofrida.
P/1 – E o senhor disse pra mim que, depois, vocês iam atrás de comida.
R – Chegava essa hora, tomava um banho, comia qualquer coisa, pegava a lanterna e a espingarda, cartucho e caía no mundo, na canoa. Chegava às dez, 11 horas da noite com um ou duas pacas, ia a pelar pra fazer de manhã a comida pra levar pra estrada.
P/1 – E sempre indo pra estrada de manhã e voltando à noite?
R – Quando tinha comida a gente não ia, ia descansar. Quando não tinha o processo era esse. A vida de seringueiro é uma vida sofrida, rapaz. Como todos eles, mas tem muito serviço que é na sombra, né? Hoje é computador, é tudo mais fácil, tem internet. Mas a vida do seringueiro sempre foi sofrida. Eu acho que o seringueiro devia ser bem recompensado. Porque ele produz um produto muito importante para a indústria, que é a borracha, e eu acho que esse homem deveria ser mais valorizado e não é, né?
P/1 – Seu Pedro, um momento o senhor falou pra mim da Cooperativa Bem-te-vi. O que é isso?
R – A Bem-te-vi não é uma cooperativa.
P/1 – O que é a Bem-te-vi?
R – Bem-te-vi é um pássaro. Então, o que acontece, é que quando eu fundei uma que tinha ali, se chamava Associação de Seringueiros e Ribeirinhos de Jaci-Paraná, JSP. Eu fiquei de 1996 a 1998 como presidente dela, depois eu fui a 2000. Eu trouxe uma série de coisas pra eles, mas entrou outro cara como presidente que achou que era dono dela e estragou tudo. E a Cooperativa antes não era fantasma porque o cara está atrás de trabalhar corretamente. E depois, fizeram uma falcatrua aí e ela foi à falência.
P/1 – Mas a cooperativa já existia com o nome de Bem-te-vi?
R – Não, a cooperativa era Coseró, o nome dela. A Bem-te-vi é uma entidade particular, extrativista.
P/1 – A idéia do senhor é criar uma...
R – É essa aqui, olha. Vou mostrar agorinha. É essa aqui, ó. Ela tem Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ).
P/1 – Então é Associação dos Seringueiros e Agroextrativistas da Reserva do Rio Jaci-Paraná. Então aqui é uma reserva? Porque vocês reflorestaram e passou a ser reserva?
R – É reserva.
P/1 – E é reconhecida pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama)?
R – É, tudo, tudo. Está aí o CNPJ, tudo direitinho. Nós vamos ver se esse mês agora dá pra gente levantar. Porque tem um recurso da Canindé, pra gente levantá-la e ter sarrafo pra trabalhar. Porque sem trabalho ninguém pode ter uma vida saudável, né?
P/1 – E como teve a idéia de fazer?
R – Ela já foi fundada, através dessa daqui que o cara deu o cano. Ele não quis nos entregar a ata de fundação e ata de presença. O que aconteceu? Fomos à Porto Velho e compramos duas atas e fundamos essa Bem-te-vi.
P/1 – Mas como o senhor começou a conhecer tudo isso? Saber de ata, de como gerir.
R – É no meio. Se você está num meio social e tem esse empreendimento todinho, lógico que você tem que aprender.
P/1 – Quando foi a primeira vez que o senhor foi trabalhar com o meio social? Foi como presidente lá?
R – Aqui? Em 1996.
P/1 – E o senhor fez curso? O que o senhor fez?
R – Para eu tocar essas coisas é o seguinte: eu já vivia no meio do extrativismo há um certo tempo e os caras me ensinavam, eu conversava com eles: “Olha carioca, tem que trabalhar dessa maneira porque o seringueiro é um homem de grande valor e vocês tem que valorizar essas pessoas.” Pelo contrário, é difícil você trabalhar com o ser humano. Porque olha, assim que nós fundamos essa associação, que é JSP, eu dei motor, eu dei canoa, comprava tecido de pesca pra eles, comprava borracha e ia vender sabe onde? Lá no Jaru, numa empresa que compra borracha, não faliu ainda, não. De lá, trazia o dinheiro: “Está aqui, fulano, teu dinheiro.” Quando terminou o meu mandato, os mesmos seringueiros que tinham votado em mim, que me elegeram, me derrubaram, você vê como é a coisa. Fiquei como vice-presidente. Aí, o cara disse: “Não, Carioca, tem muito motim aqui, tu assumes como presidente de novo.” Foi de 1998 a 2000. Mas 2000, que era pra continuarmos, eu perdi pro Vidal. Tem pessoas que acham que o mundo é deles, fundamos a Bem-te-vi. Não deu certo porque o cara era muito esperto, é corrupto, desviou 80 mil reais...
P/1 – A Bem-te-vi tinha apoio?
R – Tinha apoio da World Wildlife Fund (WWF) e do Ministério do Meio Ambiente. Tanto é que vamos levantar ela agora, tem um recurso de 19 milhões pra gente trabalhar e vamos ver se nós trabalhamos com isso. Porque coisa boa é você trabalhar quando está apoiado, né? Quando você tem apoio pra trabalhar com uma pequena e média empresa, se você não tiver apoio, você não faz nada. Porque o que faz você trabalhar bem é você estar atualizado naquilo, ter o conhecimento daquilo e ter a atitude que de fato você vai ter um bom resultado. Sem recursos, ninguém faz nada.
P/1 – Seu Pedro, eu vou voltar agora um pouco. O senhor veio com 12 anos do Rio de Janeiro e disse que chegou a voltar pro Rio de Janeiro.
R – A vida do Rio de Janeiro é a seguinte: você só vai voltar, quando tiver recursos pra isso.
P/1 – Quando o senhor voltou...
R – Eu só tinha recurso pras minhas despesas, eu fui daqui de ônibus. Eu e minha mulher saímos daqui pra Brasília. Foram quatro dias que nós gastamos pro Rio de Janeiro. Saímos daqui às seis horas da tarde, escurecemos no Vilena, Pimenta, cortamos a noite toda, entramos em Cuiabá, Goiás. No outro dia, chegamos em Brasília, às dez horas da noite. Fomos direto pra rodoviária e pegamos o transporte pra lá. Mas é aquela questão, pouco dinheiro e cidade grande, quem não tem conhecimento fica blefado logo. Tanto que eu conheço Brasília, conheço Mato Grosso, Goiás, tudo. Minha vida... Quanto mais você viaja, mais você participa das coisas. É lógico que você tem que aprender cada vez mais. Não é como aprender em roda de amigos, é você participar e ter o argumento de dizer o que você sente, o que você quer. Isso que você tem que saber, nós todos temos que saber disso. Porque não se cria um patrimônio, sem um bom planejamento, uma atitude viável praquilo.
P/1 – Qual o nome da sua mulher?
R – Rosa Maria Lopes.
P/1 – Quando o senhor teve o seu primeiro filho, como foi ser pai?
R – Olha, ser pai nos trás alegria, só que você não prevê futuro. Se hoje você casa com uma menina, ela te ama e você a ama, mas você não sabe qual é o futuro dali, aquele amor, aquela hora, ou dali a um mês, dois meses, um ano, pode ser acabado de uma hora pra outra. Então, você nunca está preparado pra dizer o sim ou o não. Você está mais preparado pra dizer não.
P/1 – Há quanto tempo o senhor está junto dela?
R – Há mais de 40 anos.
P/1 – Quarenta anos!? Esse sim ou não está durando.
R – É. Sabe por quê? Porque quando a mulher te considera, te respeita, eu acho que você passa a respeitá-la. Porque, quando a mulher, por exemplo, ela gosta do que é meu tudo limpo, tudo organizado, lógico que eu não vou ter nada que dizer contra ela. Porque ciúmes não é gostar, é desconfiança, é você não acreditar que aquela mulher gosta de você. Quando você tem uma mulher que é ciumenta, ela não gosta de você. E a mulher tem isso, se ela gosta de você, ela pode pegar dez cantadas, ela não encontra nenhuma. Porque no dia que ela levar uma cantada e gostar do cara, ela não te conta. Ela não te conta, ela vai transar com o cara e é muito mais gostoso do que com você que é marido (risos).
P/1 – Que tristeza! (risos).
R – É, rapaz! A vida ensina tudo isso pra gente. E se o cara está tentando, por exemplo, aprender a lógica da vida como ela é, ela é desse jeito. É muito diferente de você nascer e se criar no patrimônio do seu pai ou da sua mãe. Você ter sua roupinha lavada, ter tudo ali. Mas diferente daquele lá, de amor paterno ou materno que você tenha ali, ela vai mudar 100%, que você vai passar a ter um amor a uma pessoa, que você não conheceu. Você não viu onde nasceu, como foi criada, como não foi. Você vai passar a ter amizade com aquela pessoa. Você a viu nascer, se criou com ela, você sabe do que ela gosta, do que ela gosta de vestir? Você só vai aprender depois que você se casar com ela, que ela vai dizer: “Olha, eu sou assim, assado.” (risos)
P/1 – Está certo. Seu Pedro, me conta uma coisa, como é que foi o seu primeiro filho? O senhor falou que foi uma alegria, mas como é que foi a criação dele?
R – É aquela coisa, quando você veio ao mundo e achava que estava sozinho ou que você tinha só um irmão e achava que tinha que ter outra pessoa ao seu lado, pra você dizer que é o seu sangue e que você vai amar aquela pessoa como verdadeiro filho. Lógico que o amor que você tem por outras pessoas vai sair pra você empregar naquilo o que é verdadeiramente o seu sangue. Você não pode entregar o seu amor a uma pessoa que não é o seu sangue. Isso acontece muito de você adotar uma criança, mas você nunca adota aquela criança como verdadeiramente seu filho, sempre tem uma diferença. Hoje, se vê muitas pessoas adotarem crianças, mas com interesse em outras coisas, o que é? É a bolsa-família. Se não fosse a bolsa-família, eu tenho pra mim, que essas pessoas não se atreveriam a jogar tanto filho no mundo assim.
P/1 – Seu Pedro, o senhor está aqui em Jaci há quantos anos?
R – Quarenta anos.
P/1 – Então, me conta como era Jaci há 40 anos. Descreve a cidade pra mim.
R – Só prestava dali pra cá.
P/1 – E a estrada?
R – Não tinha estrada.
P/1 – A estrada de ferro Madeira-Mamoré passava?
R – Passava aí, na beira do rio.
P/1 – E tinha uma parada aqui?
R – Tinha, está lá do outro lado.
P/1 – Passava muita gente por aqui.
R – Passava.
P/1 – Transportava muita carga.
R – Transportava. Isso aí era cheio de trem carregado de borracha. Tenho um colega meu que mora lá perto da caixa, há mais ou menos uns 42 anos, assim que ela fechou. Sabe por que ela fechou?
P/1 – Por que ela fechou?
R – Blefo. A produção de borracha caiu, o valor dela também caiu. Hoje, os seringais que ainda estão em movimento estão no Estado do Acre. Mas lá, sabe por que é isso? Porque a Bolívia está bem perto, é só cruzar o rio e está lá. Porque pra você produzir hoje uma borracha aqui, ter quatro, cinco toneladas pra ir vender em Guajará, tem que ver como é que está o preço da borracha lá, se é viável você deixar ela lá, contabilizando o preço do quilo até chegar lá, o combustível que você gasta na ida e na volta, o que vai sobrar? Tanto é que muita gente toma na canela porque não tem um bom planejamento. O mesmo que você fazer uma casa, encher de mercadoria, se você não tem um planejamento, uma consultoria para aquilo... Porque sem uma consultoria ninguém é nada.
P/1 – Então, fora a estrada, tinha muita gente que vivia aqui em Jaci?
R – A vida era essa, como é hoje.
P/1 – Tinha muita gente?
R – Chegava aqui, passava uma semana, no outro dia, estava no barco subindo.
P/1 – Era um lugar de passagem, as pessoas não moravam aqui?
R – É.
P/1 – E tinha muita casa?
R – Tinha.
P/1 – Quarenta anos atrás já tinha gente aqui?
R – Já tinha gente, mas a maior parte era tudo seringueiro.
P/1 – Tudo seringueiro? As pessoas moravam aqui por causa da seringa? Tinha pescador?
R – Tinha pescador, seringueiro, o diabo a quatro.
P/1 – O que mudou de 40 anos pra cá?
R – Mudou porque já abriu uma nova estrada, o povo se conscientizou mais o que significava uma reserva e o que viria hoje está conservado. Sempre foi assim, mas, quando você é pobre e compreende isso, que é pra você preservar a natureza, que você tira, mas daqui há uns meses tem de novo, isso é muito bom. Quando não é, é só destruição. E aquilo não leva a lugar nenhum. Por outro lado, como é que você vai encher sua barriga se aquele produto que você produziu não tem valor? Você tem que optar por outra atuação.
P/1 – Pra poder viver.
R – Pra poder viver. Hoje você veja um mercado desses aí, custa cinco reais um litro de Coca-cola. Por quê? Por que a mercadoria aumentou em Porto Velho? Porque o povo veio de fora pra trabalhar na hidrelétrica.
P/1 – E veio muita gente?
R – Veio. Tem umas 30 mil pessoas aí dentro.
P/1 – E essa quantidade de gente mudou muito a vida da cidade?
R – Mudou porque, por exemplo, se o cara tinha um pequeno comércio, ele aumentou. Hoje está cheio de comércio pra todo canto, mercado pra todo canto, drogaria, farmácia, botecozinho de vender “bebuti” tem demais aí.
P/1 – Isso enquanto está sendo construída a usina?
R – Depois que ela acabar, vai embora tudo. Vai virar o quê? Vai dar roubo, crime. Porque, de sábado, você pode pegar aquela da rodoviária, do lado de cá, está uma camada de macho ali, só dormindo uma cima de lona, em cima de papelão. O que é aquilo? Pegou o dinheiro, em vez de guardar um pouco ou mandar pra família, não, enche a cara na cerveja e acaba pedindo prato de comida pros outros. O jogo é esse.
P/1 – E a construção da barragem muda o que na sua vida?
R – Pra mim, muda muito pouco. Se eu fosse um jovem, eu já saberia que ia dar meus pulos pro outro canto. Mas como eu estou aposentado, eu me considero sossegado.
P/1 – Então, se o senhor fosse jovem, o senhor iria embora?
R – Eu iria embora porque qual é o trabalho que ia ter aqui? Acabou. Primeiro, esse rio aqui vai ser...
P/1 – Qual rio?
R – O Rio Jaci aqui vai alagar até um certo ponto, isso aqui vai alagar.
P/1 – A casa do senhor vai ser alagada?
R – Vai, esse trecho aqui, a gente está morando em um poço. O pedral vem de acolá pra cá. Isso vai se acabar, essa beira de rio aí vai se acabar. Minha sogra mesmo, já foi vendida a parte dela, essa beira de rio todinha vai sair. Por quê? Porque aí você não vai ter meio de vida. Vai pegar o quê? Vai comer o quê? Vai ser muito difícil você pegar uma ponta de terra aqui pra trabalhar, vai ficar que nem o Bandeirantes ali, o Mutum-Paraná ali, o Alto-Jaci, Formoso, Rio Branco. Essa estrada federal e a estadual, a estadual que é nossa e a federal que é dos índios. Hoje, os índios não deixam mais você pescar, nem caçar lá dentro.
P/1 – O senhor teve contato com esses índios?
R – Mas quê! Eu, esse, nós ajudamos a amansar esses índios aí.
P/1 – Como é que é isso de amansar?
R – Amansar é o mesmo que você colocar um cara na cadeia porque ele estuprou uma menina, ele vai apanhar até ele explicar por que ele fez aquilo. Havia necessidade de ele fazer aquilo? É a mesma coisa de você amansar um índio que é bravo, ele não sabe qual é a palavra civilização, ele não sabe. Pra ele, está tudo bom, tanto faz ele vestir ou não vestir uma roupa, porque ele sabe que ele tem um macaco assado, tem um pedaço de porco assado pra ele comer, né? E se não tiver ele vai atrás. Índia pra ele ficar, ele tem e acabou.
P/1 – Isso com todos os índios aqui da região? Vocês tiveram algum problema com eles?
R – Não, não, não, nunca tivemos problemas com eles. O índio nunca amansa, ele tem uma pequena consideração só.
P/1 – Mas ele é violento quando ele está se sentindo ameaçado?
R – Não, o índio é que nem o civilizado. Ele entende das coisas, mas não quer dizer que entende, sabe? Porque ele quer manter a cultura dele, ele não chega a ser civilizado, que seja preto, branco, roxo, amargo, ele não quer saber disso, ele quer manter a cultura dele. Qual é a cultura dele? Comer do jeito que ele quer, vestir do jeito que ele quer, se pintar do jeito que ele quer, dormir do jeito que ele quer.
P/1 – Mas o senhor acha que ele está errado?
R – Ele está certo porque ele nasceu naquilo. O mesmo que nós aqui, o senhor gosta de um tipo de comida, eu gosto de outro tipo, aquele gosta de outro tipo. Vocês se vestem de um jeito e eu me visto de outro. Quer dizer, você está demonstrando a sua cultura e eu estou demonstrando a minha. E aquele mostra a dele. Então, o índio é desse jeito. Eu não sou contra o índio não, que o índio está dentro de sua cultura.
P/1 – E quando vocês tiveram que amansar, foi porque...
R – Veio um diretor da Fundação Nacional do Índio (Funai) e nós tivemos que acompanhar ele. Só que eles já estavam conhecendo bem o nosso trabalho e não mostraram resistência nenhuma pra nós. Mas lá na aldeia mesmo só tiveram dois índios que pegaram o arco pra nos flechar. Foi o Aripã, esse daí conhece, e é o meu amigão hoje. O índio é o seguinte, ele sabe todas as tramóias que a gente pode fazer, mas acontece que, às vezes, a pessoa, um civilizado, cai no caminho do índio, que ele deixou uma espera pra ti e você não entender aquilo e cortar ou quebrar, você está provocando ele pra uma briga, você tem que rodear. A mesma coisa, você deixa um objeto num canto e chega um filho seu, ou um colega seu: “Pô, quem foi que mexeu aqui? Eu deixei aqui, quem foi que mexeu?” Você já não gostou, não foi? Não gostou porque você deixou ali e queria achar ali. A vida do índio é desse jeito, ele tem a cultura dele e merece respeito por isso.
P/1 – Seu Pedro, o senhor já é avô?
R – Já.
P/1 – E como é ser avô? É muito diferente de você ser pai?
R – É a mesma coisa de você ser pai. A alegria é a mesma, porque você sabe que você colocou um ser humano e aquele ser humano colocou outro, né? (risos).
P/1 – E como você interage com seus netos, com sua neta?
R – Eu trato meu neto como trato meus filhos. Porque se você acha que é um pai e não deu bom tratamento pro filho, você não pode dar um bom tratamento pro neto. Porque você vai desgostar o seu neto. E vai desconsiderar ele como filho do seu filho. É isso.
P/1 – A gente está chegando agora no final. Eu queria perguntar, o que você acha que vai ser de Jaci? Você acha que vai alagar tudo, que não vai?
R – Jaci precisa de um bom planejamento, não nosso, das empresas. Nós de um lado, as empresas por outro. Se não nos unirmos para dizermos o que queremos, a empresa não vai olhar o teu lado. Você conhece Tucuruí? Tucuruí nunca indenizou ninguém. Conhece Cachoeira do São Manuel? Indenizou três e os outros ficaram roendo a beirada do rio e não tiveram direito a nada. E esse aqui não vai ser diferente, não. Aquele que botar 25 milímetros de ignorância pra fora, aquele está perdido, e dão se quiser. E se contratar advogado pra mover essas ações judiciais a favor deles é pior porque paga o advogado e ele não te paga. Pronto, a verdade é essa.
P/1 – E o senhor vai fazer o quê daqui pra frente?
R – Daqui pra frente, se eles me indenizarem, eu procuro um outro meio.
P/1 – Se eles não te indenizarem você vai fazer o quê?
R – Eu vou pra casa dos meus filhos que moram em Porto Velho. Eu já estou aposentado, minha comida é sagrada (risos).
P/1 – O senhor tem algum sonho por realizar, alguma coisa que o senhor não fez e quer fazer?
R – O primeiro sonho que eu tive, quando eu me entendi era de ser feliz, e eu sou. Segundo, arranjar uma mulher e ser feliz, eu sou. Terceiro, de ter meus netos e ser feliz, eu tenho meus netos, e sou muito feliz.
P/1 – Então, apesar de todas as intempéries, o senhor chegou lá?
R – A vida empurra a gente pro lado bom e lado ruim, segue aquele que quer. Porque Deus deixa, tem esse caminho, não foi? Céu, inferno e purgatório, qual você segue?
P/1 – Céu, né?
R – Por que você acha que é o céu? Porque tem o protetor, né? Protetor do bem, os outros têm o protetor do mal. Ninguém quer o mal, vou opinar pro lado bom.
P/1 – Agora, a minha última pergunta pro senhor, seu Pedro, pra gente acabar essa novela. Por que o senhor acha que é importante registrar a sua história?
R – Porque ela leva uma cultura mais pra frente, né? Primeiro de tudo, porque você não tinha esse conhecimento lá fora. E se tinha não era viável para uma estrutura que vocês estavam procurando. Porque uma estrutura que você, por exemplo, narra e não tem futuro nenhum, 50% é verdade, 50% é mentira, não vale a pena você elaborar aquilo, não é? Então, é mais fácil você elevar custos pra elaborar uma entrevista viável, que você levar anos pra narrar mentira.
P/1 – E como o senhor se sentiu de lembrar toda a sua história?
R – Super feliz porque quando você está vivo, deve agradecer a Deus e quando você tem um argumento participativo, educativo e tem vista pra olhar seus companheiros ou companheiras que te abraçam e vêem que você é uma pessoa humilde, você tem que abraçar aquilo. A arma do homem é a humildade dele, não tem outro canto.
P/1 – Está certo, seu Pedro carioca, a gente vai encerrar aqui, eu queria te agradecer, foi um prazer enorme.
R – A casa está às ordens aqui.
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