P/1 - Renata, muito obrigada por vir, topar, pela sua disponibilidade, de verdade.
R - Eu que agradeço.
P/1 - Então queria que você começasse se apresentando, dizendo seu nome completo, data e local de nascimento.
R - Meu nome é Renata Silva Beu, eu nasci dia 23 de maio de 88, nasci em Ribeirão Preto.
P/1 - E quais são os nomes dos seus pais?
R - Meu pai é Laurentino Beu Filho e minha mãe é Irene Silva Beu.
P/1 - Você sabe um pouquinho da história deles? Como eles se conheceram…
R - É uma história um pouco atípica, foge um pouco dos padrões normais. A diferença de idade dos meus pais é um pouco considerável, a diferença da idade dos meus pais é de quarenta anos. Quando eu nasci o meu pai tinha 66 anos. Isso sempre foi um tabu na minha vida, eu sempre lidei muito bem com isso, mas eu sempre tive muitas situações assim de pessoas de fora olharem a situação e falarem… Achar que o meu pai era o pai da minha mãe, que era o meu avô ou os meus irmãos do primeiro casamento do meu pai, eram os meus pais, isso é uma coisa bem comum na minha vida. Mas assim, eu sempre lidei muito bem com isso, sempre achei muito normal, tanto que eu era até meio inocente quando eu era mais nova, porque às vezes eu falava disso muito abertamente e não percebia que as pessoas, às vezes, olhavam assim: “Nossa, mas…”.
P/1 - E como que foi? Conta um pouquinho.
R - Ah, meu pai tinha uma chácara próxima da minha mãe - minha mãe vem de uma família muito simples - e meu pai se divorciou da primeira esposa e acabou conhecendo a minha mãe. Eles ficaram juntos - meu pai faleceu em 2012 - mas foram uns trinta anos juntos, mais ou menos, inclusive nos últimos anos de vida do meu pai, que meu pai teve um AVC, ficou acamado, minha mãe ficou nove anos cuidando do meu pai, nove anos. Até hoje minha mãe é viúva, minha mãe não entrou em outro relacionamento.
P/1 - E você tem irmãos só por parte de pai?
R - Isso, só por parte de pai.
P/1 - E como é a relação?
R - Aí, é muito boa, a gente se dá muito bem agora, a gente se vê sempre, por mais que tenha uma diferença de idade muito grande, meus irmãos hoje têm 68 anos, mais ou menos, a gente se trata que nem irmão mesmo, é muito engraçado. E eles super… Gostam muito da minha mãe também, todo mundo da família reconhece realmente que os dois se amavam mesmo, embora aos olhos do exterior isso causasse um pouco de estranheza.
P/1 - E como é a sua relação com a sua mãe e com o seu pai?
R - Então meu pai… Meu pai faleceu em 2012, eu sinto muita saudade dele, meu pai sempre foi o meu herói, e foi muito interessante porque eu tive os dois em casa, porque meu pai já era aposentado quando eu nasci, então eu tive muito presente o meu pai e minha mãe em casa, isso para mim foi maravilhoso, eu acho que foi uma coisa que me ajudou muito acho que nos estudos, da responsabilidade, de eu sempre estar com eles em casa. Isso foi uma coisa que eu acho que ajudou muito no meu desenvolvimento.
P/1 - E a sua mãe?
R - A minha mãe… Bom, sempre me dei muito bem com ela também, minha mãe é uma pessoa maravilhosa, ela é aquela pessoa com o coração enorme que ajuda todo mundo. Às vezes eu tenho que falar: “Mãe, pelo amor de Deus…” E hoje eu moro eu e ela, eu e minha mãe, e o meu cachorro Chokito.
P/1 - E você lembra da casa da sua infância?
R - Ah, lembro, porque eu nasci só em Ribeirão Preto, mas quando eu tinha uns três anos de idade, mais ou menos, eu me mudei para Itanhaém, Litoral Sul aqui. Inclusive [foi] em Itanhaém que eu passei a maior parte da infância até o final da adolescência, até concluir o ensino fundamental e médio em Itanhaém, então assim eu me considero de Itanhaém, embora eu tenha nascido em Ribeirão Preto. Minha casa é uma casa simples, [fica] num bairro mais distante, é um dos últimos bairros da cidade, então sempre fiquei mais isolada do restante dos amigos, porque tinha que andar uns quinze quilômetros até a minha escola, mas isso é porque… Manias do meu pai, que ele gostava de lugares mais afastados, mais tranquilos, então realmente a minha infância foi muito meu pai e minha mãe, e meus animais de estimação em casa, sempre foi essa a minha dinâmica enquanto eu era criança.
P/1 - E vocês tinham um… O bairro, como era? Vocês tinham uma relação na rua, com vizinhos?
R - Tinha, tinha sim. O bairro, na época, era muito residencial, muito aposentado, porque justamente por ser um bairro mais distante a faixa etária, realmente, era de sessenta anos para mais, tinha uns amigos do meu pai também. Eu era uma criança… Eu brinquei muito na rua, muito na praia, não tinha violência naquela época. Hoje, nesse mesmo bairro, eu já não tenho segurança de sair sozinha, mas na época, no começo da década de noventa, era bem tranquilo, vivia na rua brincando.
P/1 - E essa casa era em Itanhaém.
R - Em Itanhaém.
P/1 - E você tinha uma brincadeira favorita?
R - Bom, pela idade do meu pai, ele não era muito a favor das coisas tecnológicas, então eu aprendi aquelas brincadeiras da época dele, então era bolinha de gude, empinar pipa, pião, quando eu era criança eram essas coisas que eu acabei aprendendo por causa dele.
P/1 - Você lembra de alguma história marcante dessa época?
R - Marcante? Nossa, que difícil. Ele me ensinou a jogar xadrez muito cedo, com seis anos eu já jogava xadrez, daí eu comecei até a ganhar de uns parentes mais velhos, eu já tinha uns dez anos, e o pessoal ficava: “Nossa…”, mas é porque eu tinha muito tempo dedicado para isso, para essas coisas, porque justamente o nosso convívio era bem familiar, só nós três mesmo.
P/1 - E nessa época você pensava com o que você queria trabalhar? O que você queria ser?
R - Ah, eu pensava, mas eu mudei de ideia muitas vezes, tanto que, a gente ainda vai conversar… Eu gosto muito de estudar qualquer coisa, eu sou muito curiosa de tudo. No começo eu falava que queria ser médica da marinha, depois eu quis ser Jornalista, já quis ser Arquiteta, já quis ser muita coisa, e até hoje eu quero, se me deixar… Eu tenho que me controlar.
P/1 - E qual é a sua primeira lembrança da escola?
R - Essa é engraçada, a escola… Nessa época eu morava em Ribeirão Preto, e eu ficava no portão de casa vendo as crianças indo para uma escolinha que tinha a umas duas ruas, e eu ficava querendo indo para escola de qualquer jeito, eu ficava: “Pai, me leva para escola, pai me leva para escola”, de tanto eu insistir ele deixou eu ir à escola, e minha mãe conta que eu entrei correndo e não dei nem tchau pra ela. A minha vida até hoje é isso (risos). Nisso eu tinha três anos de idade.
P/1 - E você tem alguma memória além dessa, da escola? Dessa escola.
R - Aí eu só lembro de uma menina que ficava mostrando a língua para mim, não sei porque, mas eu lembro disso, que eu era pequenininha e ele ficava mostrando a língua para mim.
P/1 - E como foi a mudança de escola? Para outra cidade, com outras pessoas.
R - Eu sempre lidei muito bem com mudanças, sempre, sempre, tanto que pelo meu pai ser aposentado, a gente já morou em Fortaleza, já morou em João Pessoa, porque ele simplesmente decidia, ele falava: “Ah, vamos mudar?” Aí a gente ficava seis meses num lugar, eu sempre… Adorava mudança. Na época que eu morava em Fortaleza, por exemplo, “nossa, você é de São Paulo, fala que nem o pessoal da novela fala”, eu adorava.
P/1 - E como foi essa escola?
R - Em Fortaleza? Bom, lá eu fiquei seis meses. Da minha infância foi um dos momentos mais felizes assim, eu gostava muito de lá, das praias de lá, das pessoas de lá, e era uma escola, se não me engano eram os padres que cuidavam da escola. Daí também tem uma história interessante, porque eu também não sou batizada na igreja católica e a escola por ser católica tinha uma prova de religião, e a prova era: qual o nome do seu padrinho e da sua madrinha? Aí eu: “Professora, eu não tenho”, aí ela: “Como assim você não tem? Você tem sim, você não lembra”, eu falei: “Não, eu não tenho”. E chamaram a minha mãe para conversar na escola, aí ela: “Não, não foi batizada, tal”. Sei lá, quase… Não chegaram a me expulsar, mais (risos), todo mundo ficou chocado: “Como assim você não é batizada?”.
P/1 - E você lembra de algum professor marcante?
R - Ah, eu lembro dessa professora, de uma professora, eu lembro, mas assim, eu tenho um carinho muito grande por eles… Por todos os meus professores. Eu sempre gostei muito de estudar, né?
P/1 - E aí você saiu de Fortaleza…
R - E voltei para Itanhaém. Porque assim a gente sempre essa… Até hoje eu tenho essa casa em Itanhaém, então eu ficava um tempinho fora e voltava para Itanhaém, ficava mais um tempinho fora e voltava para Itanhaém, até que, por volta acho que 98, 99, foi quando eu fiquei em Itanhaém de vez, até me formar no ensino médio.
P/1 - E na escola de Itanhaém como que era?
R - Ah, eu sempre adorei escola, eu me dava bem com todo mundo, com os professores, com os colegas, sempre foi onde eu me sentia bem.
P/1 - Também teve algum professor marcante?
R - Professor marcante… Então, teve um professor de Matemática que me acompanhou até… Da quinta série até o ensino médio, que… Porque assim, a primeira faculdade que eu fiz foi a Faculdade de Direito e na época, ele falou assim: “Nossa, por que você está fazendo Direito, você vai tão bem nas provas de Matemática”, “ah, não sei professor”, e ele: “Não, eu achei que você ia ser engenheira”. Eu acho que eu fiquei com aquilo na cabeça, ele falou isso pra mim eu acho que eu tinha acabado de sair do ensino médio e entrar na Faculdade de Direito. Depois que eu fiz Direito eu acho que eu fiquei os cinco anos pensando na tal da Engenharia, foi quando, depois que eu terminei Direito eu fiz Engenharia. E hoje eu trabalho com Engenharia e sou apaixonada por Engenharia. Ó, se esse professor ouvir - pode falar o nome dele, né? - o Luiz Fernando ó, tá vendo? Você foi responsável por eu ser engenheira hoje.
P/1 - E como foi se formar e sair da escola?
R - Ah, para mim sempre foi tudo muito legal, eu sempre encarei tudo como uma novidade, um desafio e sempre fiquei muito entusiasmada. Quando entrei na faculdade eu gostei, gostei de fazer Direito, também gosto muito da profissão, mas é que eu sentia falta de… Eu via um prédio eu ficava olhando, ficava: “Gente, mas como esse negócio - que eu não fazia a mínima ideia - como sobe, né? Como você faz a matéria-prima virar alguma coisa?” Eu sempre fiquei muito com isso na cabeça, por isso eu acabei fazendo Engenharia, mas para mim, essa questão de faculdade, estudos, sempre… É uma coisa que me movimenta.
P/1 - E como foi a decisão de fazer Direito? Por que?
R - Eu acho que eu pensei mais na questão de concurso público, mais na questão financeira, de ter uma estabilidade, foi mais nesse sentido. O meu pai tinha sido formado em Direito também, então via lá os livros em casa, então foi mais… Eu tinha dezessete anos também quando eu fiz essa escolha, então…
P/1 - E como foi o período da faculdade?
R - Foi muito legal também. Também conheci muita gente, também gostava dos professores, dos meus colegas. A Faculdade de Direito, para mim. foi um pouco mais tranquila, assim, fui uma universitária mais “padrão”, sabe? De sair também com os amigos. Para mim Engenharia já foi mais difícil, tive mais dificuldade para me formar, foi assim no sangue mesmo.
P/1 - E nessa época, ainda na Faculdade de Direito, como você se divertia?
R - Ah, aquela coisa bem de jovem mesmo, de ir para o barzinho depois da aula, ou até mesmo de comer hambúrguer, de sair com as amigas, uma coisa bem de público universitário.
P/1 - E nessa época você trabalhava?
R - Eu sempre fiz estágio, desde dezoito anos, eu nunca parei desde os dezoito, eu fazia um estágio, aí ia para um, ia para outro, daí conhecia, alguém me indicava para outro, e sempre, não parei.
P/1 - Qual foi o seu primeiro estágio?
R - Foi na Justiça Federal.
P/1 - Como foi?
R - Então, na época podia ter estágio voluntário, porque foi antes daquela lei de estágios, então nós… Não tinha remuneração, mas para mim foi uma forma que eu tive de entrar no mercado de trabalho, já que eu tive essa experiência. Daí lá você acaba conhecendo advogado que te chama para o escritório, aí depois eu entrei no Sindicato, fiquei um bom tempinho no Sindicato, daí fui para outro escritória, daí passei num concurso de estagiário para Defensoria Pública de Santos, fiquei na Defensoria, nossa adoro, sou apaixonada pelo trabalho da Defensoria, apaixonada, até que eu me formei.
P/1 - Qual estágio assim… Que momento dessa trajetória foi muito especial, que você curtiu?
R - Ah, todos, todos, todos foram. O Sindicato, as pessoas que eu conheci no Sindicato até hoje, são pessoas muito importantes na minha vida. O trabalho da Defensoria é uma coisa muito importante, a forma como você realmente pode ajudar as pessoas, são pessoas que precisam de um apoio. Às vezes tem casos que a Defensoria… Que nem, eu como estagiária fazia a triagem, eu recebia as pessoas, entendi a problema e verificava se era um caso para essa Defensoria ou se era um caso para encaminhar para outra instituição, dava uma orientação, então eu acho que é muito importante, a pessoa às vezes está numa dificuldade e por mais que nós fossemos novos, “inexperientes”, porque nós éramos estagiários, mas você tava dando direcionamento para aquela pessoa, então é uma responsabilidade muito grande. Também ouvia muitas histórias, é muito Direito de Família, então é uma coisa que envolvia filhos. E eu lembro que tinham histórias que me marcaram assim.
P/1 - Quais?
R - É, deixa eu lembrar… Ah, questão alimentícia, de não conseguir achar o pai, da gente ir lá, ir no Oficial de Justiça, tentar localizar aquela pessoa, entendeu? E a mãe muitas vezes agradecer pela ajuda que nós dávamos, para o filho conseguir ter a pensão, às vezes tinha problema de teste de DNA, que às vezes dava negativo e a pessoa entrava em desespero, era… Mas assim, eu achava que você tinha que ser muito humano, você tinha que lidar com aquela pessoa, ela é um ser humano, eu sempre tentava realmente ajudar e não assim: “Ah, não é caso, não sei”.
P/1 - E durante a faculdade você estava inclinada para ir para qual área?
R - A princípio eu queria ir para concurso público, a Defensoria era uma das minhas opções na época, era uma coisa que eu gostava. Mas como acabou surgindo a oportunidade deu advogar, eu terminei a faculdade e acabei caindo na advocacia, e eu gostei bastante, só que eu sentia que eu queria alguma coisa além daquilo, porque o Direito às vezes é injusto, né? Às vezes você depende de uma decisão de uma pessoa que… É ser humano, está sujeito a ter falhas.
P/1 - E como foi esse momento advogando?
R - Foi bem desafiante, primeiro que eu era muito nova, eu tinha 22 anos, era bem comum… Às vezes os clientes chegavam no escritório e perguntar pela advogada, tipo: “Oi, sou eu”, e eu era… Ainda sou. Eu sou muito certinha, então isso foi complicado, porque às vezes a pessoa… Eu tenho consciência de que eu era muito técnica, no Direito assim, eu fazia conforme estava ali na lei, e às vezes as pessoas não são tão técnicas assim, daí eu já perdi cliente porque um outro advogado falou alguma coisa que eu sabia que tava errada, daí eu falava: “Gente, mas eu sei que estou certa”, entendeu? Daí foi meio complicado, por eu ser nova, por eu ser muito certinha e…
P/1 - E o que fez com que você entendesse que não era isso que você queria?
R - Eu fiquei imaginando - eu tinha 22 anos - eu fiquei imaginando eu daqui vinte anos fazendo a mesma coisa, aí eu falei: “Não, acho que eu quero fazer alguma coisa diferente. Eu quero conhecer alguma coisa além desse mundo que eu já conheço”. Foi essa decisão mesmo da idade, falei: “Não…”. Naquela época… Eu também fiz Direito porque a Faculdade de Direito era mais barata, na época, e também não tinha muito desses programas sociais que existem hoje. Engenharia já era mais caro, mas como eu já advogava eu já tinha um recurso que eu poderia pagar a Faculdade de Engenharia.
P/1 - E você lembra o que você fez com o seu primeiro salário?
R - Eu guardei. Eu sempre guardei o meu salário de estágio, porque depois eu fiz um intercâmbio, foi com esse salário que eu guardei durante muito tempo.
P/1 - E aí quando você entendeu que não era isso, que caminho você foi traçar, que você foi?
R - Daí eu… Eu tomo as decisões, às vezes, eu pouco rápida assim, eu fui, falei: “Não, vou fazer Engenharia”, entrei, e continuei advogando por dois anos. Eu entrei em 2012 na Faculdade de Engenharia, então foi mais um ano e meio advogando e na faculdade, quando eu comecei a trabalhar no Porto, depois em 2013.
P/1 - Durante a faculdade você já foi pro Porto?
R - Sim, eu estava no segundo ano da faculdade.
P/1 - E quando você fez o seu intercâmbio?
R - Foi em 2014, foi durante as minhas férias, já trabalhava na DP World, daí nas minhas primeiras férias eu juntei todo esse dinheirinho que eu tinha juntado e daí fui para Vancouver.
P/1 - E como foi entrar no Porto?
R - Aí, foi maravilhoso, porque foi uma coisa assim… Eu não esperava que fosse acontecer, foi uma união de fatores, e até hoje estou lá, né? É um mundo que consegue suprir a minha necessidade de conhecimento, de desafio, porque é muito dinâmico.
P/1 - E você lembra, você foi atrás, como surgiu a vaga? Como você ficou sabendo?
R - Eu sabia que… Surgiu uma vaga de assistente administrativo, daí como é análise de infraestrutura e eu fazia Engenharia Civil, daí eu mandei o meu currículo e eles se interessaram justamente porque a vaga era administrativa, então tinha o Pacote Office meio que avançado, por conta do próprio Direito, mas eu também estava entrando na área de Engenharia, que é uma área de Engenharia, então… Bom, era uma função administrativa, mas eu tinha conhecimento de Engenharia, então eu acho que eles já pensaram que poderiam me aproveitar conforme eu fosse avançando o curso.
P/1 - E como foi quando você recebeu a informação que você tinha passado?
R - Nossa, eu fiquei muito feliz, fiquei muito feliz. Foi um dos momentos mais felizes da minha vida.
P/1 - E você lembra do primeiro dia?
R - Eu acho que eu lembro, eu lembro. Eu lembro que eu entrei junto… Como eu entrei no início das operações na DP World, na época era Embraport, eu entrei com muitos operadores juntos, acho que eram umas cem pessoas junto comigo, então é aquele monte de gente, e a maioria era na área de operacional, eram poucas mulheres, eram sei lá, cem homens e devia ter umas cinco mulheres.
P/1 - Como era isso para você?
R - Ah, eu tava achando fantástico… Assim, na época eu acho que eu não tinha muito ainda essa visão, essa questão de gênero, tal, mas eu me achava privilegiado por ter conseguido.
P/1 - E como era o seu dia-a-dia? O que você fazia?
R - No começo eu fiquei bem insegura, porque eu era nova, por mais que a parte administrativa, para mim, era tranquila, eu já ficava olhando a parte técnica, tentando aprender, então eu ficava muito perto de pessoas para aprender, eu falava: “Me ensina aí, como funciona?” Então eu sempre ficava ali fazendo o meu trabalho, mas já querendo saber como funcionava algum setor já.
P/1 - E você recebeu alguma promoção? Como você mudou de área?
R - Demorou acho que quase dois anos, foram quase dois anos que eu fiquei nessa parte administrativa, mas eu sempre assim, já querendo aprender como funcionava a parte técnica, aí surgiu uma vaga para técnico de planejamento, daí eu consegui essa realocação de vaga, saí da parte mais administrativa para ficar na área de planejamento do trabalho mesmo de manutenção.
P/1 - Ah, você já foi para a parte de manutenção?
R - Eu já era assistente administrativa da manutenção, eu já era da manutenção, só que eu ficava mais na parte de administrativa da manutenção, que é compras, compra de material, alguns relatórios, por eu ter um conhecimento em Direito eu fazia bastante coisa de garantia de obras, essas coisas, eu fiquei muito nessa área. Aí depois surgiu essa vaga para planejamento de manutenção, que aí já saia dessa área de contratos, essa parte administrativa, que eu ficava mais planejando os serviços que aconteciam no Terminal.
P/1 - Enquanto isso você estava na faculdade?
R - Enquanto isso eu estava na faculdade, por isso que a Faculdade de Engenharia foi puxado.
P/1 - Como era isso? Essa rotina…
R - Foi… Teve uma época que foi terrível, principalmente no final, para eu me formar, que até de noite eu via coisa caindo assim, porque Faculdade de Engenharia assim, você sabe tudo ou você tira zero, não tem… Eram provas que eram dez folhas de cálculo, de você ficar com calo no dedo, cansei de passar a madrugada estudando, domingo, feriado, assim, vida social nessa época é só com o pessoal que estudava comigo, era a vida social ali. Foi terrível assim para mim… Justamente porque eu tinha uma rotina puxada durante o dia, o trabalho era puxado, daí de noite tinha a faculdade, essa parte aí foi… Não tenho muita saudade não (risos).
P/1 - E como foi se formar?
R - Nossa, foi um alívio, um alívio, eu nem acreditei. Teve uma época que eu achei que eu não ia conseguir me formar, que eu falei: “Nossa, gente acho que…”, foi na força do ódio para conseguir.
P/1 - Você teve que fazer TCC?
R - Tive.
P/1 - Sobre o que era? Qual era o tema?
R - Ah, eu peguei um tema do meu trabalho mesmo, que era… Nós temos um problema - que é da região - que o solo deforma, sofre recalque, então uma solução seria você já fazer uma sapata para apoiar os contêineres, e a gente já fez um cálculo de quanto… A gente calculou se fosse fazer, quantas pilhas… Quantos contêineres são empilhados, qual é a força de cada ponta, quantas sapatas, qual a profundidade, a gente realmente simulou tudo isso e fez o cálculo. Eu tirei dez no TCC.
P/1 - O que é uma sapata?
R - É uma fundação, porque qualquer construção que você tenha, você tem que ter um apoio para ela não ficar direto no solo, então isso é um tipo de fundação.
P/1 - E você levou esse trabalho da faculdade para o trabalho?
R - É porque, até teria aplicabilidade, mas nós acabamos achando outras soluções além dessa, então hoje a gente não aplica porque existem outras soluções, mas é uma solução que pode ser melhor estudada, talvez. Até na faculdade a gente comentava isso, pode ser um assunto para uma pós ou mestrado, para tentar melhorar o que foi pensado.
P/1 - E durante essa trajetória trabalhando no Porto, qual foi o momento mais desafiador?
R - Eu acho que foi quando eu realmente fui assumir a função de líder, que aí é lidar diretamente com a equipe. Hoje eu já me dou bem com isso, mas no começo você fica com um pouco… Por questão de ser mulher, de liderar uma equipe de homens, daí no começo foi… Assim, no primeiro impacto dá um pouquinho de insegurança.
P/1 - Como era isso? O que você sentia?
R - Ah, eu tinha a sensação… É que isso não aconteceu, acabou dando tudo certo, mas antes eu tinha uma insegurança de talvez pensarem que eu estaria sendo testada o tempo todo, entendeu? Que estariam me testando, mas não aconteceu. Isso foi uma insegurança que eu tive no primeiro momento. Mas hoje eu tenho um relacionamento muito bom com todo mundo.
P/1 - E como foi esse primeiro dia de trabalho depois que você teve que começar a liderar?
R - É que assim… Eu não sou líder direta, eu faço mais uma gestão de contratos, eu lidero mais uma equipe que é contratada. É que assim eu não lembro bem… A transação foi lenta, não foi do dia para noite, então eu já fui sendo inserida nas rotinas, então quando foi, não foi uma coisa tão brusca que chega ao ponto deu recordar, entendeu? Eu lembro… O que acontece às vezes… Você como líder tem que tomar decisão, tipo, eles chegam com uma dúvida: “E aí Renata, quebro assim ou quebro assado?” Aí nessa hora assim às vezes… No começo eu ficava um pouco insegura de tomar uma decisão errada, mas aí com o tempo eu fui aprendendo que só erra quem faz, quem tenta, então isso foi uma coisa que a experiência foi me mostrando, então hoje eu já não tenho mais insegurança de tomar uma decisão, eu falo: “Eu vou tentar, se der errado…”, claro, eu tento assumir os riscos, para que não aconteça, colocando sempre a saúde, segurança em primeiro lugar, mas você tem que tentar às vezes né? E às vezes pode dar certo, acontece.
P/1 - E você já enfrentou alguma dificuldade por ser mulher?
R - Eu não sei dizer uma dificuldade, mas eu tenho a sensação que nós temos que nos esforçar um pouco mais do que um homem… Acho que assim, um homem, talvez, na minha posição não precisasse se esforçar tanto quanto eu, eu tenho essa sensação.
P/1 - E você tem amigas mulheres no trabalho? Vocês conversam sobre isso?
R - No setor que eu trabalho, eu fui por muito tempo a única mulher… Assim, no Terminal tem mulheres, mas no meu setor de trabalho de manutenção, acho que durante uns quatro anos eu fui a única mulher, daí hoje já temos mais uma, mas a tendência é que isso vá aumentando.
P/1 - E o que significa para você trabalhar numa área considerada historicamente ocupada por homens?
R - É engraçado que eu acho que no começo eu não tinha muito essa consciência, foi com o tempo que eu fui percebendo realmente, principalmente em alguns processos seletivos, você não encontra mulheres, principalmente na área de mecânica, de elétrica, é muito difícil encontrar mulheres. Daí eu comecei a perceber qual era a importância das mulheres verem que é possível você estar naquela área. Eu acho isso muito importante, a questão do exemplo, assim… Eu também não tive isso, nem sabia como era, a vida foi me levando. Mas hoje, toda vez que eu vejo uma moça mais jovem, eu falo: “Não, você pode sim estar na área técnica, você tem capacidade, você não é diferente, não é menos capaz”. Às vezes é falta mesmo dá, sei lá, de um incentivo, ou de conhecimento.
P/1 - E como você acha que pode ser possível trazer mais mulheres para essas áreas?
R - Eu acho que informação é muito importante, e assim, desde a escola, que nem o professor de Matemática falou: “Nossa, achei que você ia ser Engenheira” e foi uma coisa que ficou na minha cabeça. Eu acho que a educação, mostrar realmente, e mostrar pelo exemplo também: “Olha quantas mulheres podem trabalhar e trabalham, podem ter posições de liderança em áreas técnicas”?
P/1 - E como você vê a ascensão dessas mulheres, não só na sua área - não sei se você consegue observar em outras áreas também - mas na empresa em que você trabalha?
R - Eu acho que a tendência é que isso em alguns anos isso não seja mais algo esquisito ou algo… Eu acho que daqui uns anos você não vai precisar mais discutir isso, acho que vai ser algo que já vai estar normal, você já vai ver mulheres em todas as áreas e não vai achar isso uma novidade. Acho que a tendência é realmente é que o futuro a desigualdade diminua.
P/1 - E na sua casa… Você comentou que mora com a sua mãe, né?
R - Isso.
P/1 - Como que é lidar com a casa, com a sua mãe, trabalhar, todas essas...?
R - Ah, eu lido bem com isso, lido bem. Eu tenho um convívio muito bom com a minha mãe, ele é fácil de lidar, ela é muito boazinha.
P/1 - E quais foram as barreiras e dificuldades que você passou até chegar nesse posto de liderança?
R - É que além de… Acho que não é só a questão deu ser mulher, mas, além disso eu sou tímida, então eu acho que esperam… Assim eu acho que um outro conhecimento importante de você saber é onde… Quais são os pontos que você tem que melhorar, e por mais que eu tivesse consciência do meu conhecimento técnico, às vezes eu ficava intimidada em uma reunião eu impor o que eu quero. Então isso é uma coisa que até hoje eu trabalho, essa questão de… Eu não sou uma pessoa assertiva, agressiva, eu não sou, o meu perfil comportamental é outro, então eu acho que eu tenho que adequar a minha função e o meu trabalho de acordo com o meu perfil comportamental, então isso, no começo, me trazia um pouco de segurança, porque eu falava: “Gente…”, é muito comum usar a técnica, não só no trabalho, às vezes está como projeto, alguma coisa que eu estou em uma sala com vinte engenheiros, a média de faixa etária é de cinquenta anos, daí tá todo mundo lá e eu. Isso é comum. Daí no começo você fica um pouco insegura, mas com a experiência e com o tempo você acaba ficando mais confiante também, aí vai melhorando essa questão da insegurança.
P/1 - E nesses primeiros momentos que você ficava mais insegura, por que você acha que você ficava insegura?
R - Ah, eu acho que isso é uma coisa… Não sei se tem uma explicação, mas você se vê menina, nova, a tanto de idade, até também na questão de… Eu estava me formando ainda, terminando a faculdade, aí você se depara com pessoas mais velhas, que tem uma bagagem maior, aquele padrão… Isso no Direito também aconteceu muito, deu também ser advogada, recém-formada, ir para uma audiência com advogado com vinte anos de experiência, aí com promotor, juiz. Talvez na Engenharia eu não tenha estranhado tanto porque eu já passei isso no Direito. No Direito, antes da audiência eu ia para o banheiro, lá tomar uma água, passiflora, porque… Acho que no Direito em senti mais essa questão da insegurança por ser mulher, por ser jovem.
P/1 - Você lembra de alguma história marcante?
R - Assim, eu lembro assim de antes, das primeiras audiências eu ir ao banheiro, de estar nervosa mesmo, mas por sorte assim eu acho que eu nunca tive nenhum problema, eu conseguia desenrolar, porque como eu sempre estudei muito eu já ia com muita certeza do que eu tinha que fazer, então eu não cheguei a ter um problema. Mas assim, a questão da insegurança, porque às vezes eu acho que… Tem pessoas que não são inseguras, tem pessoas que já chegam e… Não, eu tive que trabalhar muito isso.
P/1 - E qual foi o momento mais marcante na sua trajetória profissional, pensando no Direito?
R - No Direito. Teve uma coisa que eu fazia que eu era conciliadora também no Terminal de Justiça, eu gostava quando eu conseguia fazer um acordo, eu via que era bom para ambas as partes, isso foi uma coisa que eu gostava, porque é ruim - quando eu era conciliadora eu falava muito isso - é ruim quando você… Na questão de família, né? Você levar para o Judiciário uma situação que às vezes vocês poderiam resolver entre vocês, você é pai, você é mãe, vocês são filhos, vocês são uma família, e conseguir numa audiência passar essas informações para essas pessoas e eles conseguirem resolver o problema e eu ter consciência que pela parte legal era realmente uma solução boa, era uma coisa que me deixava feliz.
P/1 - E um momento marcante na sua trajetória no Porto, fazendo Engenharia?
R - Ah, eu acho que foi… O primeiro projetinho que eu participei, que eu fiz mais ou menos o desenho, aí eu vi pronto, sabe? Eu falava: “Aí gente, fui eu que fiz”, assim, eu que pensei, bolei, está pronto. Isso é uma coisa que eu amo na Engenharia, você pensar e aquela coisa aparecer assim na forma que você vê, eu acho isso maravilhoso.
P/1 - E qual que era o projeto? Conta um pouquinho.
R - Esse era só um abrigo para armazenar tintas, porque tem que ter a norma, então tem que ser ventilado, as tintas… Os inflamáveis no geral eles têm que ficar separados dos outros produtos para não ter o risco de ter um incêndio, alguma coisa assim. Aí eu bolei mais ou menos a altura dele, como seriam as telhas, daí quando eu vi pronto. Eu só bolei a ideia, quem projetou foi uma empresa de engenharia, mas como a ideia saiu muito parecida com a que eu tinha pensado, eu falei: “Nossa gente…”.
P/1 - E você lembra de outros projetos?
R - Ah, tem vários projetos que a gente acaba fazendo lá, porque a gente pensa a ideia e vai… Hoje já tem muita coisa, muita reforma, tem muitos módulos que a gente constrói com contêiner, que a gente vai pensando na ideia e vai surgindo.
P/1 - Como é o seu dia a dia?
R - Eu gosto bastante do meu dia-a-dia, é bem agitado, porque área de manutenção, às vezes você tem que manter algo que já existe, existe de tudo, desde sistema de água, sistema elétrico, estrutura metálica, pavimento, parede, pia, porta, ar condicionado, é muita coisa, então é heterogêneo, eu acho que isso é uma das coisas que me fascina na manutenção predial, porque você tem que conhecer de tudo, isso é uma coisa que eu gosto de estar sempre… Porque eu sou curiosa. Então às vezes você se vê numa situação que você nunca lidou com aquilo, você fala: “Nossa, eu tenho que arranjar uma solução”, então você tem que estudar, tem que procurar, você tem que procurar alguém que conhece, então eu gosto muito disso. Porque a área realmente é muito dinâmica, eu cuido desde jardinagem até um tratamento de água, ou uma estrutura mais pesada onde os navios param, então…
P/1 - Você pensa em tudo isso?
R - Em tudo, para manter. Eu tenho que manter tudo isso. Trilho do trem, tem que manter tudo, então a mente, né? Trabalhando toda hora. Porque às vezes chega numa situação que você fala: “Esse é inédito, nunca fiz isso, então eu tenho que pensar numa solução para isso”.
P/1 - Mas como… Porque assim eu não sei, preciso que você me conte. Como que é, tem que ter dado algum problema ou vocês já antecipam…
R - É de tudo, tem as duas opções. O certo é antecipar, é o certo. O certo é você pensar no que pode dar problema, fazer uma manutenção preventiva, você analisar: “Ah, essa área está começando a ficar enferrujada, eu tenho que tratar”, “aqui está começando a afundar, eu tenho que arrumar”, o que é equipamento eletrônico, mecânico, fazer a manutenção preventiva para que ele não dê problema, como se fosse um carro, é o mundo ideal, só que na prática existe… Você não consegue, ainda mais na minha área que tem infraestrutura, eu não consigo rastrear 100% das coisas. Às vezes estoura um cano, emergência. Às vezes o cano não está de acordo com o projeto, aí você tem que achar. Você sabe que tem um vazamento e você tem que tentar achar onde está o vazamento num Terminal que é enorme. É bem… Ah, lá nós temos uma cozinha industrial, então você tem a norma da Anvisa que é específica, inflamáveis é uma outra norma, estrutura metálica… Teve aquele problema que nós tivemos lá no rio, o pessoal do Flamengo, que foi em contêiner… Lá que teve aquele incêndio, como é? Lá no Flamengo. Então a norma de bombeiros para estrutura de contêineres ficou muito mais rígida, então você tem que saber, você tem que ter uma noção disso tudo. Claro, não sou só eu, eu tenho toda a minha equipe, tem outros setores, todo mundo compartilha as informações, só que tem que ficar, você tem que tentar rastrear tudo isso, é muita informação mesmo.
P/1 - E como vocês fazem para rastrear? Vocês saem andando?
R - Não, assim, muita coisa já… Eu estou lá a mais de sete anos, então muitas coisas já estão… A gente já tem um sistema que faz gerenciamento, tem muitos planos de manutenção preventiva, que a gente vai analisando, então muitas coisas já estão rodando, só que vai passando o tempo e você vai vendo novas coisas que aparecem, você vai inserindo no sistema e ele vai gerenciando e é essa… E tem uns imprevistos que acontecem também, que assim, às vezes acontece um imprevisto de uma coisa que “nossa, nem pensei nisso”.
P/1 - Sem contar nos imprevistos que são mais urgentes, como vocês classificam as prioridades?
R - Ah, nós temos uns processos internos que mostram os principais ativos, que são os ativos… No caso do Porto é o que tem impacto operacional ou saúde e segurança, são… Então, por exemplo, o que pode parar a operação, onde o navio para, pode parar a operação, a boia que sinaliza o navio, pode parar a operação, a balança rodoviária onde passa o, pode parar a operação. Então a gente faz essa classificação, além disso o que pode parar o Porto, energia elétrica, água, porque sem água você também… Então a gente já tem mapeado quais são os principais ativos e eles têm um grau de classificação, e eles são os que a gente tem que prestar mais atenção, é assim que funciona.
P/1 - E como e se o Coronavírus afetou o seu trabalho?
R - Ah, afetou bastante. Nós tivemos que adequar as instalações para poder… Porque a operação portuária, o Porto é essencial, ele não parou, então nós precisamos adequar as instalações, então os acrílicos - que estou vendo aqui - a gente também teve que pensar em várias soluções, colocar acrílico entre as mesas, não só o setor, mas o setor de pessoas, todo mundo junto. O meu impacto, na questão de infraestrutura, foi nessa parte de adequar as instalações, mas também teve a questão do organizacional de reduzir a quantidade de pessoas nos veículos, nos ônibus, nos barcos, nas travessias, então a gente teve que ir se adaptando para poder manter as operações. Muitas pessoas de home office também, para tentar reduzir o número de pessoas que fiquem próximas.
P/1 - E individualmente, sem pensar no trabalho, como o Coronavírus te afetou?
R - Ah, a situação toda que o mundo está passando, você vê… Não poder ter mais o convívio que você tinha tão próximo com pessoas, os meus irmãos eu não vejo há muito tempo, então eu sinto saudade, sinto falta. Meu irmão de São Paulo sempre vinha para cá, a gente sempre tomava um chopp, eu até estava falando com eles ontem. Daí acho que foi um ano de transformação, acho que para você, talvez, dar mais valor para coisas que antes eram comuns e hoje você vê como faz falta. Daqui para frente eu acho que a gente vai valorizar mais algumas coisas.
P/1 - E o que você gosta de fazer no seu tempo de lazer?
R - Bom, o meu hobby assim, eu sou apaixonada por astrologia, signo, essas coisas, nem sei como eu não falei de signo até agora, demorei muito para falar de signo, mas é uma das… Assim, a minha vida também eu faço baseado no trânsito astrológico, e também… Nossa, sou apaixonada por astrologia. E assim, bate muito gente. Se você não conhece direito, faça o seu mapa astral.
P/1 - Você consegue trazer astrologia para o trabalho?
R - É que a astrologia está presente na minha vida, na minha vida, que nem hoje eu vi o meu trânsito de mercúrio, eu falei: “Não, eu vou lá, vamos ver se o meu mercúrio ta bem aspectado”, e ele tava bem aspectado, então eu vou tranquilo, se não tivesse eu acho que eu ia remarcar. É que assim, astrologia está em tudo, porque pela astrologia você vê todos os movimentos, desde a mente, relacionamento, profissão, então eu não sei, eu não consigo, não existe Renata sem astrologia, não existe.
P/1 - E como começou isso?
R - Foi por acaso, foi em 2014, eu tinha um amigo meu, foi fazer inglês comigo e ele começou a falar comigo assim aleatório, “ah, você já viu como bate?”, aí eu que sou curiosa, fui fazer o quê? Fui entrar no YouTube, ver tudo de astrologia. Quando eu vi a minha descrição, que é gêmeos com ascendente em capricórnio, falei: “Nossa, eu sou essa pessoa aqui, eu sou isso”, daí depois disso eu comecei a estudar, fiz um curso em São Paulo, na época da faculdade, além deu fazer Faculdade de Engenharia, eu ficava na faculdade até meio-dia mais ou menos, aí eu ia para o inglês, das treze as… Eu não sei como eu vivia, e um domingo por mês eu ia estudar astrologia em São Paulo. Por que Renata está solteira aos 32 anos? (Risos).
P/1 - E Renata, como foi o seu intercâmbio?
R - Ah então, eu tive dois intercâmbios que eu fiz. Em 2014 pro Canadá, maravilhoso, maravilhoso, amei, deu tudo muito certo. E em 2015 em fui para a Irlanda. A Irlanda já não foi a mesma coisa, acho que foi tão legal no Canadá, minha host mother, o pessoal que me recebeu lá foi tão… Deu tudo tão certo, eu conheci tantas pessoas legais, pessoas que até hoje são meus amigos. E para a Irlanda foi o contrário, como eu não consigo separar isso da astrologia, porque eu falei: “Eu estava num trânsito astrológico ruim na época que eu fui para a Irlanda, não devia ter ido”.
P/1 - Você já sabia de astrologia?
R - Não, na época eu estava começando. Eu sabia só: “Ah, eu sou gêmeos, tal”, mas assim eu não tinha esse conhecimento de trânsitos e tal, então eu não sabia. Depois, com o tempo, você volta para ver a linha do tempo, “como eu estava em 2014?”, alías em 2015.
P/1 - E por que Canadá, como foi a decisão?
R - Ah, o Canadá é uma coisa que desde que eu era criança, eu não sei. Eu tinha Canadá na minha mente, não sei porque, acho que também a questão financeira, que na época era um pouco mais barato, o dólar canadense na época também não era tão caro, e Vancouver, que foi a cidade que eu fui, é uma cidade que aceita muito bem o estrangeiro, é um clima quente para os padrões canadenses, mas eu fui no verão, peguei trinta graus em Vancouver.
P/1 - E como foi essa experiência?
R - Ah, foi muito legal, foi realmente um divisor para mim, porque foi a minha primeira experiência internacional. Eu fui sozinha também. Também, quando eu cheguei em Vancouver, na minha primeira noite eu entrei em choque, falei: “Gente, to aqui no [Oceano] Pacífico, como eu faço agora se acontecer alguma coisa?” Mas foi só no primeiro e no segundo dia que eu me senti com medo, assim, depois eu fui… Como eu conheci muitas pessoas legais, muitos brasileiros, aí os outros dias foram maravilhosos.
P/1 - Foi a sua primeira viagem internacional?
R - Eu acho que eu tinha ido para a Argentina antes, é tinha ido para a Argentina, mas viagem para fora da América assim, os vizinhos, foi a primeira.
P/1 - Quanto tempo você ficou lá?
R - Eu fiquei um mês.
P/1 - E como foi conhecer uma nova cultura?
R - Ah, são coisas que até hoje eu levo, os orientais. Uma coisa que me marcou na escola… Os japoneses, no meu último dia de aula, eles queriam me abraçar, porque eles não têm essa cultura, para mim abraçar é normal, então eu abraçava os meninos e as meninas vinham: “Não, saí, está errado, você não pode abraçar”, eu falava: “Gente, como assim?” Isso foi uma coisa que me marcou bastante, essa coisa do… Principalmente os coreanos, era muito engraçado, os meninos abraçavam meio durinhos assim, e eu lá abraçando, e as meninas: “Não, está errado”, e queriam tirar foto com a gente. Foi também interessante - uma das primeiras aulas, foi até quando eu fiz amizade com a Lucina, que é a minha amiga até hoje - o tema era sobre educação no seu país, então os coreanos falando que lá o ensino militar é obrigatório por três anos, que os japoneses ajudam a limpar as escolas, como é o uniforme, aí chegou no Brasil (risos), eu e a minha amiga até, todo mundo ficou olhando para nossa cara, tipo: “Nossa, mas…” Quando eu fui para a Irlanda também aconteceu algo parecido, uma coreana falou assim para mim: “Nossa, eu tenho uma amiga brasileira que ela me falou que uma vez ela sofreu um assalto a mão armada, colocaram uma arma na cabeça dela, isso acontece lá?”, eu falei: “Acontece”. Até um rapaz do nosso lado ouviu e falou assim: “Mas por que você vai voltar para lá então?”, aí eu falei: “Gente…”.
P/1 - E como foi a decisão de ir para a Irlanda?
R - Então a Irlanda, a princípio… Eu queria ir para Malta, aí eu não sei porque, eu não lembro, eu resolvi ir para a Irlanda, mas só que só choveu, eu peguei dois dias de sol, e olha lá, era um solzinho mais ou menos, e eu entendia porque o europeu eles valorizam o sol, porque bateu o sol eu fiquei lá no jardim que nem um lagarto, falei: “Eu quero sol” e durou algumas horas e acabou o sol. Se eu não me engano, a Irlanda tem um índice alto de suicídio, dá para entender perfeitamente, porque realmente… Para eu para a escola de manhã, para mim era um sacrifício, porque eu tinha que colocar três blusas. E chovia, o problema era a chuva. O meu primeiro dia na Irlanda foi muito engraçado, eu era a única pessoa da rua com guarda-chuva, porque não dá para usar guarda-chuva lá, porque o vento não deixa. Eu tive que entrar na primeira loja e comprar a primeira capa de chuva, e na época foi cem euros, eu chorei. Eu tinha gastado sei lá quantos por cento do meu dinheiro já, mas eu precisava da capa de chuva, não tinha como você sobreviver. E eu usei a capa de chuva todos os dias que eu estava lá.
P/1 - E qual foi a maior diferença, olhando agora para trás, do seu intercâmbio em Vancouver e na Irlanda?
R - A diferença entre os dois? Então, porque no Canadá eu me senti muito bem recebida e na Irlanda eu já não me senti tão bem recebida. Eu chegando na Irlanda, os motoristas de ônibus já começaram a meio tirar sarro de mim, porque eu acho que eles me perguntaram se eu tinha passe universitário e o meu inglês não é… É intermediário né? Não tinha entendido direito, eu pedi para eles repetirem, eles começaram a rir, já foi o meu primeiro impacto que eu cheguei. Eles não gostam muito de aproximação, e a gente que é brasileiro, eu até tento me condicionar, mas eu lembro que uma professora falou, ela tinha falado assim: “Ah, a gente não gosta de gente muito perto”, ela falou e eu cheguei perto, eu fui tirar uma dúvida e eu encostei nela, ela fez assim, daí eu: “Ah, desculpa”.
P/1 - E como foi a volta pro Brasil?
R - Da Irlanda foi maravilhosa, porque quando eu cheguei no Brasil, eu: “Finalmente cheguei no Brasil”, até no Canadá também foi, porque eu estava com saudade. Eu percebi que eu não moraria em outro país, ah, talvez, numa situação de trabalho pode até ser, mas assim, eu gosto do Brasil, eu me sinto brasileira, eu sinto falta do contato, da comida brasileira, das pessoas, eu acho muito interessante ter uma experiência internacional, mas eu não me vejo morando fora do Brasil.
P/1 - E pensando na pandemia, você sente falta também dessas coisas?
R - Ah, eu sinto bastante, eu sinto. Agora está começando a abrir um pouco a praia, mas no começo foi horrível, foi horrível, você sente falta de tudo, dos amigos, da família, ainda mais eu que vivo circulando, fazendo, fazendo alguma coisa. Ah, os meus cursos, pararam todos os meus cursos, fiquei sem inglês, sem astrologia, to sem academia.
P/1 - E nessa volta, você fez intercambio nas férias do trabalho?
R - Isso, nas férias.
P/1 - E da faculdade… Você ainda estava na faculdade ou não?
R - Sim, tanto que eu fiz em julho.
P/1 - Os dois?
R - Os dois foram em julho para coincidir com as férias da faculdade.
P/1 - E como foi voltar pro trabalho, para rotina, e após faculdade, como foi só trabalhar e não mais estudar todos os dias? Eu sei que você faz um monte de curso…
R - Ah não, mas eu reduzi, é uma das minhas missões. Acho que foi quando eu comecei a voltar mais para mim, fazer terapia, tudo, e aquilo que eu comentei do autoconhecimento, foi quando eu comecei a sair um pouco, fora, e tentar pensar mais na Renata. Eu via aquelas coisas que eu falei de insegurança, foi quando eu comecei a trabalhar mais isso, perceber o que eu precisava fazer para melhorar o meu desempenho, tudo.
P/1 - E quais são os seus maiores aprendizados, que você consegue tirar da sua trajetória profissional?
R - Eu acho que o autoconhecimento é importante, você ter conhecimento das suas potencialidades, dos seus desafios… Qual a área que você tem mais dificuldade. Você tem que saber, acho que se você não souber, você não consegue trabalhar e melhorar. Eu demorei, talvez, de ter consciência da insegurança, até tinha, mas era uma coisa… Ou de eu não ser uma pessoa assertiva, às vezes eu tentava ser, mas eu não sou, então eu tenho que agir de outra forma. Eu acho que você… Não existe uma limitação, você pode fazer o que você quiser, desde que você se proponha a fazer isso e trace uma meta, trace assim: “Quero chegar em tal lugar, o que eu tenho que fazer para isso?”, é possível, você pode fazer qualquer coisa que você quer.
P/1 - E para você, o que é ser uma mulher empreendedora? E queria saber se você se considera uma mulher empreendedora.
R - Na verdade eu nunca tinha parado para pensar nisso, foi por causa de vocês até que eu comecei a pensar nesse termo. Eu acho que hoje sim, eu me considero pela questão de, talvez, não diria ser pioneira porque não, existem muitas mulheres que fizeram muito mais por mim para eu poder entrar na Faculdade de Engenharia, mas ainda é uma área que não é tão aberta, está começando, mas ainda não está tão aberta. O importante… Eu me considero na questão de ser mais um exemplo para as mulheres que estão ao meu redor, que me conhecem, principalmente as mais novas, saberem que é possível entrar no Porto na área técnica.
P/1 - E quais valores pessoais definem a sua trajetória profissional?
R - Eu acho a ética uma coisa muito importante, falei, eu sempre fui muito certinha, desde a Faculdade de Direito, sempre gostei das coisas corretas. Acho que a empatia também, é uma coisa que eu sempre… Onde eu estou, eu tento não pensar só em mim, quem é que está comigo? Desde sempre. Para você também ajudar as pessoas ao seu redor também crescerem.
P/1 - E o que representa o Porto de Santos na sua vida e na sua história?
R - Na questão profissional é… Não só na profissional, o Porto de Santos é o maior Porto da América Latina, desde a questão histórica assim. Eu sinto muito orgulho em poder fazer parte dessa parte histórica passado, presente e futuro, que vvai ser tão importante pro continente.
P/1 - Quais são seus maiores sonhos?
R - Ah, o meu maior sonho é continuar na área de Engenharia, de poder ir crescendo, me desenvolvendo na área, e, consequentemente, a partir do momento que eu cresço, fazer com que outras pessoas também tenham esse crescimento de poder fazer parte disso.
P/1 - Deixa eu te perguntar uma coisa, você gostaria de acrescentar alguma coisa, falar sobre alguma passagem, algum momento da sua história que eu não tenha instigado?
R - Ah, acho que não, não sei, tanta coisa.
P/1 - Você falou sobre relacionamentos, você já teve algum?
R - Ah, já tive alguns namoros, mas nada assim que tivesse dado em casamento, nada assim, namoro normal.
P/1 - Você lembra de algum significativo? Quer falar um pouquinho?
R - Ah, é que assim, nunca foi o meu foco. Assim, tive relacionamentos, mas meu foco… Isso, hoje eu tenho consciência que eu também nunca dei muita importância para relacionamento, eu sempre tive uma vida muito voltada para estudo, trabalho.
P/1 - Tem alguma coisa, algum momento?
R - Não, eu acho que não.
P/1 - E o que você acha da proposta de mulheres empreendedoras, pioneiras, e que trabalham numa área considerada masculina, serem convidadas a contarem a sua história de vida e participarem de um projeto de memória?
R - Eu acho isso muito interessante, porque eu comentei, eu imagino, é o meu sonho, que em alguns anos isso… É importante você ver quem fez o que no passado para você estar fazendo isso hoje, isso é importante. Para eu estar aqui hoje, não só mulheres, mas enfim, a humanidade toda teve que se sacrificar muito para hoje nós termos o conforto que nós temos, e eu achei isso sensacional de vocês, porque os historiadores ou enfim, qualquer pessoa no futuro que queira entender como foi o nosso momento, vocês vão estar com um acervo muito rico. E talvez no futuro, quando não tiver mais essa discussão de igualdade de gênero no Porto - porque eu imagino que isso vá chegar um dia, talvez não hoje, mas eu imagino que vá chegar - vocês vão poder saber que no começo foi assim, que muita gente teve que passar por desafios, tudo, para que no futuro as pessoas possam usufruir disso.
P/1 - Qual é o seu maior desafio no seu dia-a-dia?
R - No meu dia-a-dia o meu desafio? O meu maior desafio sou eu tentar parar de fazer tanta coisa, é o meu desafio, tanto é que a meta depois do Covid, era não Renata, você vai parar os cursos, vai só para academia, pensar em lazer. Minha meta daqui, pelo menos até ano que vem, meu desafio é pensar mais na pessoa, na vida pessoal, porque eu sempre foquei muito nas outras áreas, aí eu preciso balancear o pessoal.
P/1 - E o que você achou de ter participado?
R - Aí, eu adorei. Fiquei muito feliz com o convite, muito honrada de poder fazer parte desse acervo, muito feliz mesmo.
P/1 - Muito obrigada, Renata.
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