Memória dos Brasileiros/ Módulo Maués / Saberes e Fazeres
Entrevistado por André Machado
Depoimento de Samuel Lopes
Entrevista MB Maués HV014
Maués, 24/01/2007
Realização Museu da Pessoa
Transcrito por Ana Lúcia Queiroz
Revisado por Thiago Majolo
P/1 – Samuel boa tarde, para começar eu gostaria que você dissesse para a gente o seu nome completo, a data e o local de nascimento.
R – Meu nome completo é Samuel Lopes, nascido no dia 26 de junho de 62, na aldeia indígena Nossa Senhora de Nazaré, do Rio Marau, do município de Maués.
P/1 – É do município de Maués?
R – Município de Maués.
P/1 – O senhor então nasceu na aldeia indígena. O senhor é Sateré Mawé?
R – Sim.
P/1 – E os seus pais, também são Saterés Mawés?
R – A minha mãe ela é indígena mesmo da etnia Sateré Mawé, e meu pai entrou muito jovem na área, ele era branco.
P/1 – Seu pai era de onde?
R – Era, não sei de onde era, mas era daqui dessa região, daqui da cidade de Maués.
P/1 – E que seus pais faziam?
R – Meu pai trabalhava em agricultura, plantar guaraná, plantar mandioca. O ramo dele é agricultura.
P/1 – Qual era o nome deles?
R – Meu pai é Manoel Nunes Guimarães e da minha mãe, Santina Batista.
P/1 – E quantos irmãos o senhor teve?
R – Nós somos oito.
P/1 – E todos continuam na área indígena?
R – Todos. Só eu que estou aqui na cidade, prestando serviço aqui ao povo, né. Atendendo aos parentes que vem da área a procura de documentos. E eu sempre procurei ajudar eles, né, questão de aposentadoria, salário maternidade, e outros trabalhos a gente sempre acompanha os parentes que vem da área. E a gente tá coordenando a casa de apoio, a casa do índio, de apoio, né, aonde as pessoas vem resolver seus problemas, vem vender seus produtos, a gente está coordenando essa casa do índio.
P/1 – Queria que você falasse um pouquinho antes, sobre a sua infância. Como que era essa região que o senhor nasceu?
R – Quando eu, há 20 anos, há 30 anos atrás – porque eu já tô com 44 agora – eu, quando eu tava com os oito anos tinha pouca aldeia, bem pouca mesmo. Tinha mais ou menos umas três comunidades. Na época a saúde do índio – a saúde e educação – era muito difícil ainda, né. Ninguém tinha médico, ninguém tinha um agente de saúde, comunicação, transporte; isso era difícil. E aí a gente tinha muita dificuldade mesmo prá ter melhor condição de educação e saúde mesmo. O que se usava mais era medicina caseira, sempre tinha o curador Pajé, sempre, que dava uma força assim, pro povo. Então era difícil, na minha infância porque não tinha aquele desenvolvimento, as autoridades, principalmente o poder público municipal, governo do estado, na época era. Primeiro porque não tinha eleitores, a única instituição que dava assistência mais um pouco era a FUNAI (Fundação Nacional do Índio), a FUNAI que dava assistência, mas não dava prá atender mesmo assim, de acordo com as necessidades, principalmente educação. Porque se na época que a FUNAI entrou, em 67 mais ou menos, se a FUNAI se preocupasse mesmo com a educação do índio, nós já teríamos índios formados, índios doutores e engenheiros. Só que a FUNAI não se preocupou com essa área de educação para o índio. E nem saúde. Então na época eram difíceis as coisas. Produtos também, artesanatos indígenas não tinha valor, o que tinha valor era produtos da mata, da selva, como pau rosa, sova, breu, castanha. Tinha que ir pro mato, e farinha não tinha quase valor. Guaraná também – já trabalhava com guaraná o povo – mas não tinha aquele valor como hoje. Hoje melhorou bastante. Então na época as coisas eram, aposentadoria, não existia; professor não tinha, bem pouco, alguns mesmo; aí em saúde e aí as coisas eram difícil mesmo, difícil prá sobreviver.
P/1 – E o senhor já percebia isso desde criança, que era difícil?
R – Sim, desde quando eu me entendi assim.
P/1 – De que forma que o senhor percebia que tava difícil, desde criança?
R – Porque a gente mora dentro da área, a gente já tava vivendo mesmo a realidade dos parentes, né, que não tinha prá quem pedir, pedir de vereador, de prefeito, ninguém sabia nem prá onde ficava a cidade, na época. Era difícil índio vir aqui prá cidade, muito difícil mesmo. Não é como hoje, hoje todo dia tem índio aqui prá resolver os problemas; na época não porque não tinha transporte. Era difícil, tinha que trabalhar tinha que ir pro mato buscar produto para poder comprar uma barrinha de sabão, uma coisa assim.
P/1 – Como que o índio é tratado hoje aqui em Maués?
R – Hoje até que o índio sempre não tá assim muito esquecido, mas também a gente não tá de braços cruzados esperando acontecer as coisas; nós já temos, mais ou menos, quatro, cinco organizações, e através dessas organizações a gente reivindica ás autoridades, aí, ao poder público.
P/1 – Você podia dizer que organizações são essas?
R – Temos a associação das mulheres, que ela é uma das representantes.
P/1 – Ela quem?
R – Edineusa Niquiris Lopes.
P/1 – É sua mulher?
R – É. Presidente da Associação das Mulheres Indígenas Sateré Maués do rio Marau, Uriti, Urupadi e Manjuru, do município de Maués; ela é a presidente. Ela tem a comissão dela, é que no momento só ela que tá aí: tem a Perpétua, dona Perpétua, que é vice; tem a Silvia, que é tesoureira; tem a secretária, Angelita; então tem a comissão delas. Ai tem a Associação dos Professores, que o presidente é Euzébio; aí vem a Associação dos Agentes de Saúde, o presidente é o Marcos, Marcos Santana Paixão; aí vem a Associação das Lideranças Indígenas, que é a o presidente é o Alencar, Francisco Assis Alencar, ele é o presidente. Aí nós temos o Conselho Geral da Tribo Sateré Maué, CGTSM, que abrange os dois rios, Andirá e Marau, porque Marau só divide os rios, né, mas a tribo é só uma, o CGSTM, agora foi recente eleito o Derly, não é, antes era o Badias. Então tem o conselho geral, né, que tá acima das organizações.
P/1 – O conselho geral é a maior instância?
R – É a maior. É o COIAB, que é o Conselho Geral das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira, que está acima mesmo da. Então, através dessas organizações que a gente fica lutando hoje.
P/1 – Mas os Saterés tem várias organizações, né? Por que ele tem várias organizações? Cada uma reivindica uma coisa específica?
R – Aqui no Marau, nessa área indígena do município de Maués a gente luta junto. Se for saúde vamos lutar, só na área da saúde mesmo; se for educação, educação. Algum recurso que tá por aí, algum projeto, então a gente luta junto. Então é assim, não é um prá cá um prá li, assim, a gente não se divide não. Aí temos também um vereador na Câmara, né, que foi eleito pelo povo, para representar os Sateré na Câmara.
P/1 – Qual o nome dele?
R – Ivanildo Vicente, ele é o representante do povo na Câmara Municipal. Então assim, hoje. Então tivemos, apesar da dificuldade “nós avancemos” um pouco, né? As comunidades também têm um sistema de comunicação, toda as comunidades – rádio-amador; transporte prá caso de emergência, agentes de saúde contratados, técnicos de enfermagem. Temos quatro pólos de saúde, pólo Nova Esperança, pólo Vila Nova, pólo Nova Aldeia e pólo Santa Maria. Quatro pólos, nesses pólos “tá os técnico” de enfermagem que “cuida” dos pacientes. Então na saúde não tá 100% mas uns 60%, melhorou um pouco. A gente não fica só esperando. A gente vai, a gente reivindica, critica, denuncia se for preciso e; na área de educação também, a gente está avançando aos poucos. Apesar das dificuldades temos vários professores aí já cursando o nível superior, tem outra turma aí de professores também, que já estão terminando o ensino médio, já vão pro superior, e tem uma base de cento e tantos alunos aqui, dentro da sede do município, já a maioria concluindo o ensino fundamental, outros concluindo o ensino médio, temos só três ainda, no momento, na OEA, na universidade, três indígenas, aqui dentro da sede do município.
P/1 – São quantos?
R – Três, um é o Jafet Pereira Niquiris, ele é da área de matemática; ai temos o Sergio dos Santos; e este ano vai entrar mais um, que é o meu filho, o Romero Niquiris Lopes, ele passou no vestibular e vai prá OEA. Então nós temos três, três estudantes. E aí a gente está, apesar de tudo, a gente tá avançando um pouco, né, mas a gente quer avançar mais.
P/1 – Deixa eu perguntar pro senhor ainda, sobre a sua infância. Quando o senhor era criança como era a casa que o senhor morava?
R – A casa? De palha mesmo, de palha e chão batido. O piso como eles chamam é terra batida mesmo, e dormia na rede mesmo.
P/1 – Era uma casa prá cada família?
R – Não. É sim, uma casa prá cada família; que a gente não, quando era criança meus pais que cuidavam da gente, não tinha coisa de trabalhar.
P/1 – E do que o senhor brincava quando era criança?
R – Na minha época esse negócio de esportes era um pouco difícil, mas já existia. O que eu gostava muito era de flechar.
P/1 – Mas o senhor flechava o quê?
R – Eu flechava tudo, até galinha.
P/1 – Até galinha?
R – Até galinha eu flechava. A gente reunia grupos de meninos só de um tamanho assim, a gente saia nas capoeiras, flechando lagarto, flechando pássaro e, quando não, a gente ia pro rio; aí a gente só ia flechando uns peixes pequenos assim, e quando chegar, a gente chama cambada. Eu com o irmão dela mesmo, Luiz, Luiz Niquiris.
P/1 – Mas tinha aquela fileira de quê?
R – De peixinhos. Prá gente comer mesmo.
P/1 – Então o senhor conhece a sua mulher desde criança?
R – Sim, quando eu cheguei na comunidade dela eu já tinha uns oito anos, só que ela é mais velha do que eu, ela já tinha uns treze, já.
P/1 – E já começou a namorar aí.
R – Não! Esse negócio de namoro na minha época, hoje que a coisa mudou, não sei se é a televisão que ensina muito, né, na época não existia essas coisas não.
P/1 – Como é que era?
R – Na minha época não existia a televisão, não existia. Hoje não, vem um molequinho, ele beija, ele faz todo, e o pai tem que ir embora senão ele vai ouvir todinho o que. E na minha época não era assim. Quando se conversava na frente de uma moça, na frente dos pais? Hum!
P/1 – Então o senhor estava contando prá gente que na época do senhor não tinha essa coisa de namorar, que era diferente. Como é que era então?
R – Na época existia o namoro, né, mas sei que existia namoro na época, o pessoal namorava mesmo. Hoje que nem mais existe esse negócio de namoro, quando a gente vê uma moça com um rapaz, quando a gente vê às vezes já tá é grávida. É. Não sei como que aprenderam tanta coisa.
P/1 – Mas moça de quantos anos?
R – Às vezes novinha, doze anos, treze anos, assim, e na minha época era muito difícil ver isso. Era muito difícil, a moça ficava aí, ia ficar todo tempo inteiro só, mas hoje não, fica mocinha já tá arrumando um marido, quando não arruma fica nesse instante por aí, e assim vai.
P/1 – E as pessoas só tinham filhos depois que casavam, mesmo?
R – É, na época acho que os pais mais velhos, os indígenas mais velhos, eles tinham uma regra mesmo, e os filhos obedeciam mesmo. Ela foi criada assim e eu também, né, os pais dela, se eles dissessem assim, “você não vai prá tal festa”, eles não iam mesmo. Hoje não, quando o pai nem pensa e o filho já foi, nem diz prá aonde vai quando chega; eu não sei por quê. Na época não existia a escola, a educação, mas existia uma educação assim “mais melhor”, eu acho, de respeito mesmo; hoje os filhos não tão nem aí prá pai.
P/1 – E o senhor estudou?
R – Estudei sim, fui até a quarta série do ensino fundamental, cidade já, com 31 anos vim, porque na minha época não tinha oportunidade de estudar, mais era trabalho mesmo, que na época era difícil, né, tinha que trabalhar para ajudar o pai. Aí eu inda estudei um pouco aqui na sede do município, eu cheguei a concluir o primeiro grau só, aí não deu mais e, foi o tempo que eu já tinha meus filhos já: em 95 comecei a matricular os três filhos. Então aí tinha que dar essa oportunidade prá eles, porque eu não tive; e até hoje estão estudando aí. A minha filha mais velha já é professora, a Sonia Niquiris Lopes, ela já é professora.
P/1 – Da onde vem esse nome, Niquiris?
R – Niquiris? É, falaram que na época tinha uns Niquiris que andaram prá área aí. Na época não existia FUNAI, não tinha ninguém que proibisse branco nenhum de entrar a área, daí tiveram filho.
P/1 – E é importante este controle, dos brancos entrarem na área?
R – Porque tem muitas pessoas que vão prá ajudar, né, agora tem muitas pessoas que vão prá explorar, prá enganar por isso que foi criada essa
P/1 – O senhor mesmo já viu esse tipo de exploração?
R – Principalmente, não é toda, principalmente comerciantes que muitas vezes querem vender muito caro ali, as coisas, mercadoria, aí a FUNAI tem que se envolver um pouco ali prá não deixar explorar demais lá; por isso tem essa burocracia de branco entrar prá área. Agora tem muita gente que dá boas idéias prá ajudar, um projeto bom, então não tem como a gente impedir essas pessoas que querem ajudar, principalmente educação e saúde.
P/1 – O senhor pode falar de alguma dessas pessoas que vão lá e ajudam, o senhor viu, que o senhor acha que é bom, que é interessante? Pessoas que foram prá lá e ajudaram.
R – Se eu posso citar alguns nomes? É, tem uma entidade não governamental, que chama Ameríndia, que cuidou uns ou quatro anos da saúde dos índios, né, então na época que começou a melhorar, né, é uma entidade não governamental da França, em parceira com a FUNASA, fizeram um trabalho bom na área da saúde. Aí, depois, isso é o que eu me lembro. E FUNASA também, dentro das possibilidades, tá fazendo um trabalho de sistema de abastecimento de água nas comunidades. E a FUNAI, o papel da FUNAI agora só é mais de fiscalizar agora, fiscalizar as terras indígenas; questão de aposentadoria ela ainda encaminha para o INSS, mas o papel mais é só de fiscalizar.
P/1 – Agora o senhor falava, queria que o senhor falasse um pouco mais: o índio quando ele sai, o Sateré, quando ele sai da tribo e ele vem prá cidade, ele vem prá Maués, ele vai prá Manaus, ele sofre muito preconceito?
R – Sofre.
P/1 – O senhor já chegou a viver isso?
R –Ih! Já.
P/1 – O senhor podia contar prá gente como isso acontece?
R – Primeira coisa a gente chega aqui a gente não conhece ninguém, principalmente no colégio, começa no colégio, aí muitas vezes a gente por não saber, não conhecer os direitos da gente, a gente não tem como se defender, aí a gente é discriminado, falam que o índio é isso, é aquilo, o índio é sujo, o índio é preguiçoso, o índio não sei o quê, a gente fica ali sem poder se defender, por não conhecer as leis que defendem os direitos da gente. Então a gente sofre um bocado de problemas aqui, com vários estudantes sempre eles reclamam prá mim, né? Aí como a gente já conhece um pouco as regras, o Estatuto do índio na Constituição Federal, a gente mostra, a gente dá prá ele, “oh, tem essa lei aqui”, se alguém discriminar por aí vocês tem todo o direito de se defender e abrir até um processo contra o pessoal aí”.
P/1 – Quem discrimina? Aluno, professor?
R – Aluno, é aluno mesmo, aluno que vê que a pessoa é índia, eles querem rebaixar, diz que índio serve só prá caçar, só prá estar lá no mato. Mas não é não. O que a gente quer também é uma oportunidade, que o índio também é capaz, que a gente tem, a gente pode competir com qualquer um. A gente não serve só prá estar no mato lá,não, o que a gente não tem é oportunidade, mas a hora que a gente – qualquer jovem aí tem condições de sentar na frente de um computador aí e fazer tudo. Como agora tem aqui cento e tantos estudantes aí, muitos já sabem mexer com a internet aí, vários estudantes; só que os nossos pais não tem condições de comprar um computador. Então a gente é capaz, sim, o índio não serve prá tá lá no mato só, e tem condições de competir com o branco. O que falta prá nós é uma oportunidade, é isso.
P/1 – E esse preconceito que o senhor disse acontece sono colégio ou na faculdade também? Por que alguns índios já fazem faculdade.
R – Sim três, no momento três, não dois, vai entrar três agora, em 2007. Até aí eles não me falaram nada ainda, né, não me falaram nada da universidade. Acho que lá não, até que ainda não teve problema.
P/1 – Aí o senhor morou na aldeia indígena até quantos anos?
R – Eu vim com 31 anos de lá, 30 anos prá bem dizer.
P/1 – E por que você resolveu vir para Maués?
R – Na época a minha mulher adoeceu bastante, e na época as coisas era um pouco difícil, carente, lá não tinha remédio, não tinha nada. Aí em vim em 93 prá tratamento de saúde dela; dessa época, quando eu cheguei na casa do índio, aqui, em 93, a casa estava abandonada, não tinha ninguém prá cuidar da casa, aí eu fiquei aí, aí um pessoal da FNS, na época, Fundação Nacional da Saúde, falou prá mim se eu queria ficar aí prá cuidar da casa, cuidar dos pacientes, fazer alimentação; por que quem fornecia alimentação era a Fundação, alimentação e medicamento, tudo era a Fundação, em 93 isso. Aí eu fiquei, 93, fiquei assim, voluntário, sem ganhar nada. Só tinha direito à comida, eu e meus filhos. Eu fiquei prestando serviço aí três anos, não, quatro anos sem ganhar nada, só com direito na comida mesmo; a gente vivia de artesanato assim, vendendo prá cá e prá li, e minha mãe que dava ma força, que ela já era aposentada. Então eu fiquei aí.
P/1 – Então a casa do índio, quando o senhor veio, era do Ministério da Saúde, é isso?
R – Isso.
P/1 – E qual o objetivo dessa casa do índio na época?
R – Era, é que no momento ninguém tinha, assim, era prá cuidar dos pacientes ali. Cuidar dos pacientes e acompanhantes.
P/1 – Quando o senhor virou funcionário mesmo, com salário, na casa do indio?
R – 96, já contratado pelo município, pela prefeitura.
P/1 – Aí a casa do índio deixou de ser do Ministério da Saúde?
R – É, não, por causa que aí, esse aí nem sei como posso te explicar: o terreno é da paróquia, Diocese de Parintins, e aí esse terreno foi doado para os indígenas, prá fazer casa prá os índios “quando vim” da aldeia morar ali, então no momento que a gente pensou em ter uma casa de saúde do índio e não tinha outro local, aí foi construída aí, pela Fundação. Teve uma denúncia que fez, que a casa do índio estava caindo. Ai depois dessa denúncia que foi feita, essa casa aí que funcionou uns oito anos, a saúde do índio aí. Aí depois disso foi feito um projeto mesmo para construção de uma casa de saúde do índio, pela FUNASA, que tá lá na estrada. Lá é uma unidade, mesmo, uma casa de saúde mesmo. Aí ficou essa aí por causa do trânsito, tem “as pessoa” que vem resolver problema, vender produto, aquela coisa, e eu fiquei até hoje aí. Mas o meu objetivo mesmo, eu vim a procura de melhores condições de educação mesmo, pros filhos, que aquela oportunidade que eu não tive, eu tô querendo dá prá eles. Então a minha idéia é essa.
P/1 – Bom, o senhor plantou guaraná na época da. Então o senhor sabe bastante de guaraná.
R – Desde os treze anos que trabalho com guaraná.
P/1 – Os índios geralmente dizem que o guaraná aqui de Maués é bem diferente do dos Saterés Maués.
R – Ah, sim, esse é a torração, né, que o guaraná é o mesmo, o guaraná é o mesmo, não tem esse negócio, é que nem farinha, quem não souber farinha sai uma amarela, outra roxa, mas é a mesma mandioca. Assim que a gente vê, é a torração, né, porque os indígenas lá têm uma quantidade certa prá torrar, tem aquela – é tipo uma ciência – já muitas vezes o branco, a pessoa que colhe bastante, ele quer logo torrar um bocado de uma vez só, aí não torra bem, quando não torra bem queima e fica aquela, e já muda a cor do guaraná. E prá lá não, é torrado assim com cuidado mesmo. Então aí é que tá a diferença do guaraná que diz que é melhor, é a torração, né, a quantidade. Eles têm um limite certo, eles tão naquele sistema antigo que a torração é feita com muito cuidado mesmo.
P/1 – E o senhor acha que o guaraná é mesmo melhor?
R –Em termos de sabor é melhor.Você pode tomar um de lá e um daqui, você sente a diferença mesmo.
P/1 – E como estimulante, também é diferente?
R – Não, eu não sei não. Não posso nem lhe dizer.
P/1 – Então diz pra mim quais que são os passos pra ter um guaraná de primeira qualidade?
R – Do índio ou aqui do branco?
P/1 – Do índio.
R – É adotar aquele sistema antigo mesmo. Colher o guaraná, porque os indígenas mesmo eles colhiam o guaraná no campo, no guaranazal, traziam, eles não deixavam ficar maduro, colhiam bem verdes mesmo, traziam, colocavam na casa, já iam logo descascando, no mesmo dia.
P/1 – Não esperavam abrir?
R – Não, já iam descascando ali, e no outro dia eles colocavam num pouco de água lá, no mesmo dia, e no outro dia já estão torrando, não passava aqueles tantos dias. E aí quando iam torrar escaldavam bem, é uma escaldação que o guaraná fica que nem uma tapioca. Aí eles começam a colocar uma água assim, aí para, né, aí quando escalda todo, que já todo escaldado, eles vão amassando os baguinhos que já estão escaldados. Quando vê que tá, aí eles começam a retirar o fogo, né, aí fica lá o guaraná, a noite toda, vão tirar no outro dia, aí o guaraná tá bem torrado mesmo. Eles não tiram na hora não. Então esse é o sistema mesmo.
P/1 – Mas, por exemplo, existe uma época certa prá plantar guaraná?
R – Acho que meu pai sempre ele gostava de plantar em fevereiro, mas muita gente sempre fala que dezembro, né, dezembro já começa a chover, janeiro, fevereiro, até março, abril; maio começa o verão, né. Muita gente planta em dezembro o guaraná, mas o papai gostava de plantar em fevereiro, nós gostávamos de plantar em fevereiro.
P/1 – Tem plantar na época chuvosa?
R – É.
P/1 – Por quê?
R – Porque a gente vai arrancar no mato, a gente arranca assim aí já fere a raiz, se for no verão o fruto do guaraná já sai meio arranhado, aí se for um verão forte não vai resistir. Então tem que ser numa época de chuva, porque aí o guaraná tá ali e aí com a chuva ele resiste. Porque na hora que arranca, lá no mato, a raiz muitas vezes arrebenta, né, e aí o sol pode secar, e na época da chuva não, é mais fácil ela resistir e não morrer.
P/1 – E existe um terreno melhor prá plantar guaraná? Tipo de terra.
R – O papai sempre dizia que o melhor terreno era barro, barro amarelo. Porque existe aquela terra também que é só quase areia, não é muito bom, o guaraná não dura muito. Mas o melhor é o barro mesmo, o barro amarelo. Tem guaranazal aí, que é um setor chamado sobradinho, acho que esse guaranazal tem prá mais de 50 anos lá. Está lá, seis hectares, eu também não entendi, resistir aquele guaranazal! E tá dando muita fruta lá. Acho que tem mais de 50 anos aquele guaranazal! Sobradinho é o nome do sítio, dentro da área mesmo. Muito antigo.
P/1 – Mas geralmente um guaranazal dura tanto tempo assim?
R – Acho que dura, dura porque aquele eu nem me entendia e já era guaranazal lá. Já estou com 44 anos!
P/1 – E ele continua firme.
R – Já morreu vários pés, mas continua bastante ainda. E tá dando muita fruta. Por isso que eu digo, guaraná que chega há uns 50 anos.
P/1 –E vocês plantavam sempre por muda? Ou também plantava por semente?
R – Não, a gente ia sempre, como a gente chama do mato? Que a gente arranca lá?
P/1 – Floresta?
R – É, sempre a gente ia lá no mato, arrancava lá, eu pelo menos nunca plantei da muda, que vai aqui na cidade. Sempre é da floresta mesmo.
P/1 – E você precisa deixar um espaço entre uma árvore e outra?
R – Nós plantávamos seis metros de distância um prá outro, seis por seis.
P/1 – Mas como é que vocês sabiam? Vocês mediam mesmo?
R – A gente tinha um metro, a gente media uma vara, né, lá a gente coloca a vara, lá, lá tinha seis metros, cavava, assim que a gente fazia.
P/1 – E vocês chegaram a usar algum tipo de adubo?
R – Prá adubar? Não.
P/1 – Nem orgânico?
R – Nada, nada. A própria terra que a gente puxava lá.
P/1 – Depois que você planta o guaraná, quanto tempo demora prá ele dar os frutos?
R – Quando o guaranazal ele é bem mesmo que não vai pro mato, que a gente cuida bem mesmo, de três anos já começa a florear, né, de três anos. Da floresta, né, agora daqui do que vai, daqui da cidade não sei, essas mudas não.
P/1 – E qual que o melhor período pra colher?
R – Sempre a gente, mês de julho começa a florear, no outono mais ou menos. Outubro, porque novembro é a festa do guaraná.
P/1 – Você disse que vocês não esperavam ele abrir. Como é que vocês sabiam que estava no ponto de colher?
R – Porque está amarelo, mas ainda não abriu, né, os cachos estão todos amarelos, já sabe que tá maduro já. Aí vai lá e tira. E já o sistema do branco não, ele deixa o guaraná lá abrir, aí só apanha o que está aberto, aquele cacho não apanha. E eles não deixam abrir não, quando vê que está maduro, vão apanhando mesmo.
P/1 – E quem colhe o guaraná? São todos homens ou as mulheres participam também?
R – Homens, mulheres, crianças, moleques. Porque tem guaraná que às vezes sobe né, onde não dá pro pai, e o filho vai lá em cima e tira. É assim, todos participam, todos trabalham, né?
P/1 – Não existe uma tarefa que só o homem faz, uma tarefa que só a mulher faz?
R – O que o homem faz é quando vai pilar. Quando vai manipular para fazer o bastão.
P/1 – Como que é esse processo?
R – Aí tem que pilar num pilão. Pilão é uma madeira que cava buraco, coloca o guaraná, meio quilo, né, meio quilo prá um quilo, aí é só prá quem tem força mesmo. Prá pilar, prá transformar aquele guaraná em bastão, só prá quem tem força, moleque assim não pila não. Tem que ser de 15 anos prá cima, uma pessoa que já tenha força mesmo.
P/1 – Aí fica batendo, coloca uma coisa no guaraná ou só fica batendo?
R – Com água, a gente vai medindo. Eu ainda me lembro bem quando eu pilava. Guaraná bom amassa dez colher, meio quilo, são “aqueles bastão”, que o guaraná do índio mesmo, que na minha época a gente fazia bastão de meio quilo, né, que era do índio. Hoje não, aqui o sistema do branco tem aquele bastão pequeno, 250 gramas a gente não fazia daqueles não. A gente fazia meio quilo ou então um quilo. Esse que era do indígena mesmo, né, e aí o máximo que eu pilava em um dia, que eu já pilei onze quilos, mais de onze não passei, não. Das seis às cinco horas.
P/1 – Quanto tempo fica naquele processo de ficar batendo?
R – É uma base de uns 30 minutos, ali, é uma marreta, é marreta que chama que a gente chama, né, tem por aqui. Marretas pesadas, mais de cinco quilos, uma marreta, o dia inteiro tá ali, quando eu tinha dezesseis, dezoito anos, hoje acho que não pilo nem um quilo mais. É assim, então esse é um trabalho que só os homens podem fazer, as mulheres não tem mais força, as mulheres podem até pilar, aquelas bolinhas que são só prá beber, só prá ralar, mas prá vender e prá comercializar só os homens. A única coisa que ela pode também ajudar é quando o bastão está feito, lavar o bastão, ela vai ter que lavar, lava um por um, que já é prá ir lá pro fumeiro. Lá onde vai ficar embaixo de uns fogos aí. Chama-se fumeiro, fica aí mais de 30 dias, 90 dias, prá poder corar.
P/1 – Fica 90 dias?
R – Sim, até mais às vezes, conforme o tamanho. De um quilo leva muito tempo, queima muita lenha, aí o guaraná fica corado, aí não estraga. Ela fica anos e anos, mas está como um vidro, qualquer baquezinho ele quebra.
P/1 – E depois como é que vocês tomam o guaraná? Como é que fazem para o bastão chegar na bebida e como é que chama essa bebida?
R – A gente quebra um pedaço e de lá a mulher começa a ralar numa pedra.
P/1 – É sempre uma mulher?
R – É, mulher que rala, a gente chama de sapó.
P/1 – Chama de sapó? –
R – Vamos tomar sapó é o mesmo que dizer, vamos tomar guaraná. Aí se reúne aquela turma, procura uma cuia, a maior que tiver. Aí dá prá um, passa prá outro, até aí de novo, tem que tomar duas vezes. Aí se passar de duas tem que tomar quatro vezes. Tem que ser par.
P/1 – Por quê?
R – É porque tem uma buzã, que se você tomar só uma vez aí o filho dele que nascer só sai com uma orelha, aí tem que tomar duas vezes, prá sair duas orelhas.
P/1 – E todo mundo acredita nisso?
R – Todos, tem um sistema aí, tem uma buzã aí, tipo uma tradição.
P/1 – Chamou de buzão, o que é um buzão?
R – É, sei não. É uma tradição, né, aí se passar de três tem que inteirar quatro.
P/1 – Se não nasce com três orelhas, é isso?
R –Tem que ser par, não pode ser ímpar. É assim a tradição.
P/1 – E vocês tomam muitas vezes o sapó por dia?
R – Não, no máximo duas vezes, aí é assim, a gente toma duas vezes. Ás vezes a gente para, ás vezes no momento que você vai parar chega mais gente, lá começa de novo. E assim vai, é assim que vai.
P/1 – Eu queria que você dissesse prá gente um pouco qual a importância do guaraná na cultura do Sateré Maué.
R – Importância porque é um produto que é o único produto que a gente ainda pode, valorizar ele no sentido de comprar; comprar assim, humm, comprar alguns objetos, algumas coisas de necessidade, através do guaraná, do produto guaraná. Porque não tem outro produto melhor do que o guaraná. Então é muito importante o guaraná.
P/1 – Mas você acha que prá cultura de vocês também tem importância?
R – Tem sim.
P/1 – Por que?
R – Porque dizem que, segundo a lenda, o guaraná nasceu da índia, do índio. O guaraná foi, segundo a lenda, que desde o início nasceu do menino que foi morto; e aí em todas as reuniões, trabalho, seja onde for, teria que ter o guaraná mesmo, ali. Porque o guaraná é que, segundo o pessoal fala, os mais velhos, é que quem toma o guaraná bem grosso, bem mesmo, ele tem mais idéias prá administrar sua comunidade, seu povo. Ele dá idéia, dá mais conhecimento, né, então esse é a coisa do guaraná.
P/1 – E o senhor podia contar prá gente a lenda?
R – A lenda do guaraná?
P/1 – isso.
R – Isso aí eu não sei contar não. Não sei bem contar não.
P/1 – Mas quem contava isso para o senhor?
R – Os professores, eles estão mais por dentro disso. Os professores que estão aí. Eu não, na minha época eu não prestei bem atenção nessas lendas, mitos.
P/1 – Os mais velhos não tinham costume de contar para os mais novos?
R – Eles contavam, mas a gente não prestava atenção, pensava que não ia valer nada aquilo. E hoje a gente muitas vezes a gente não sabe.
P/1 – O senhor lembra de alguma das histórias que seus pais, avós, contavam?
R – Não. Não me lembro não. Nem a do guaraná, nada.
P/1 – O que é o Porantin?
R – ¬¬¬É uma espada, só que ali tem um significado lá, que a pessoa vai explicando assim, o que acontecia. É tipo um livro de profecias, só que eu não sei explicar, não. Essa nova geração, eu que sou o mais velho, já não sei.
P/1 – E você gostaria que seus filhos soubessem essas coisas? Ou você acha que não é importante?
R – Não, é importante, e aí eu nem sei mesmo o que a gente pode fazer prá resgatar esse conhecimento, né?
P/1 – Você acha que eles se interessam por isso?
R – Interessa sim. Futuramente, né, agora no momento não, mas futuramente eles podem ser entrevistados, fazer pergunta e não vão saber responder. Eles têm escolaridade, mas não estão estudando a parte da cultura indígena. Muito importante.
P/1 – Como é a questão das religiões lá na aldeia? Os índios mantêm a coisa do pajé ou as pessoas já tem outras religiões?
R – Tem outras religiões, tem várias religiões, tem a católica, tem batista, a adventista, a metodista. Mas os indígenas, a maioria eles tem aquela crença no pajé, e a gente não vai contra porque ninguém pode ir contra a crença dos parentes, né, porque é eles que decidem, se está acreditando no pajé então, isso aí tá garantido na Constituição e não pode ir contra. Aí, por exemplo, muitos parentes que vinham da área, chega aqui doente, aí ele quer primeiro ir no pajé, aí tem que levar ele lá, porque senão levar no pajé não vai adiantar ele tomar remédio, que ele não vai ficar bom não. Ele quer ir primeiro no pajé, aí ele vai no pajé, aí sim pode levar prá tomar remédio, aí fica bom. É uma crença, então tem muita gente que crê no pajé. Agora tem muita gente que já segue as religiões, tem muita.
P/1 – E você que religião é? Ou você não tem nenhuma?
R – Tenho, tenho. Eu sou adventista.
P/1 – Como é que você se tornou adventista?
R – Adventista é uma doutrina também que o mandamento maior é amar o próximo, e é uma coisa meio difícil, mas se a pessoa aceitou e tem que seguir aquilo. Os dez mandamentos, né; não pode guardar nove, tem que ser os dez. E aí a gente tá na adventista de sétimo dia, né, então sábado que a gente não trabalha, a gente procura tirar aquele dia prá descansar assim do trabalho material, né, agora a gente pode fazer trabalho espiritual, ajudar uma pessoa quando a gente puder, dar uma comida, levar um paciente, lá, esses trabalhos a gente pode fazer, somos adventistas.
P/1 – Mas como você se tornou adventista, tinha uma igreja lá na aldeia?
R – Tinha, uma igreja.
P/1 – E quem era o responsável pela igreja? Era um índio também?
R – Era um índio, era o professor Aristides.
P/1 – Aristides é seu parente?
R – É, meu cunhado, irmão dela. Ele era adventista. Os pais dele aceitaram, os avós deles, já vem de avó pro pai e neto. E aí tá a família toda aí. Aí viram que era bom, né, é assim.
P/1 – Como o senhor toma guaraná?
R – Eu tomo ralado na pedra e puro. Ninguém toma com açúcar, não. Ela pega e rala de manhã, umas quatro vezes. “É só nos dois”, né, os meus meninos, que já foram criados aqui na cidade, não adotam mais esse sistema, eles já querem o café com leite, pão e manteiga. Nós ainda estamos naquele sistema, guaraná ralado na pedra mesmo, bastão né, a gente toma, mesmo sistema da área, da tribo mesmo.
P/1 – Você podia contar detalhes, você come quanto de guaraná, quanto de água, como é que é? Ou você não toma com água, toma com outra coisa?
R – Com água mesmo. Põe uma base de dois copos de água, pode ser na cuia mesmo, porque aí é conforme a quantidade de gente, né, se tiver mais gente vai aumentando, se tiver mais, enche a cuia. Como “é só nós dois”, no máximo uns dois copos.
P/1 – Que benefícios o senhor acha que isso trouxe para o senhor?
R – O efeito que passa prá mim é que quando eu tomo guaraná, é que prá mim eu tenho muito sono, né, aí dá uma disposição prá trabalhar mesmo. Se não tiver guaraná, só vivo com sono. É porque não sei, o sistema aqui da cidade não é como o do interior, porque no interior você, sete horas, seis e meia, você já tá dormindo. Porque lá não tem nada, não tem barulho, não tem nada; e aqui, quando você dorme mais cedo, você vai dormir meia noite, onze horas, e você só vive com sono. Então é isso que é o problema. Aí tem que ter o guaraná, se não tiver eu vou passar o dia todo dormindo.
P/1 – Tem gente que toma guaraná como remédio?
R – Que eu saiba só quando está doente. Inclusive eu sou um que prá desinteria, diarréia, eu só uso guaraná mesmo.
P/1 – E toma do mesmo jeito que toma todo dia ou é um jeito diferente?
R – É diferente, é como remédio mesmo. Rala bem grosso mesmo, um copo mais ou menos, aí espreme assim uns quatro limão ali, um pouquinho de sal, né, aí um pouquinho de tapioca, a goma que chama, né. Pode dar, é só o que eu dou pros meus filhos, eu não procuro Diasec nem Emosec, nada. E para vários parentes eu já fiz, que vem da área, que vai para o médico, esperar resultado de exame, não sei o quê, prá ver se é ameba não sei o quê. E eu vou dando logo, aí quando sai o resultado do exame já tá curado. Então prá desinteria e diarréia é muito bom guaraná: guaraná ralado com limão, tapioca e um pouquinho de sal, um copo mais ou menos, mas é bem grosso, ralado na pedra. Muito bom.
P/1 – E tomar guaraná pode fazer mal?
R – Olha só, prá muita gente faz mal. Porque tem muita gente que não tem costume, tem muitos parentes às vezes, da área, que eles não tem costume de beber guaraná. Aí se ele tomar mais ele fica tremendo, nervoso; prá muitos parentes se ele tomar bastante guaraná já dói a cabeça; para muitos parentes quando toma guaraná passa a dor de cabeça. É assim. Prá mim até agora não tá fazendo nada não, a única coisa é que tira o sono, de dia, né, agora de noite tem que dormir mesmo.
P/1 – Agora a gente também tá conversando com o pessoal, perguntando sobre “causos”, sobre histórias aqui da região. Aí eu gostaria de saber se o senhor tem alguma história que o senhor sabe, que todo mundo fala assim, “é história, não acredito muito”, mas o senhor acha que é verdade. O senhor tem uma crença que diz, “não, acho que essa história é verdade”. Apesar de todo mundo falar, “não, isso é história que o povo conta”. Tem alguma assim?
R – Não entendi bem.
P/1 – Tem algumas histórias que o pessoal conta e fala assim: então, é isso, aconteceu tal e tal coisa; mas assim algumas pessoas falam, não acreditam: “ah, isso aí é história, história de pescador, isso aí é história, tá inventando história”, mas o senhor acredita mesmo. Uma história que todo mundo conhece, algumas pessoas acreditam, mas o senhor acredita, o senhor acha que. Por exemplo, a lenda do guaraná, algumas pessoas acham que é só uma história, outras pessoas por exemplo acham que não, que o guaraná surgiu assim. Existe alguma história assim, que o senhor gostaria de contar?
R – Eu sou que nem São Tomé, só acredito naquilo que eu vejo, né. Falam que é lenda de guaraná, eu não sei se porque eu já estou mais no sistema da civilização, né, mas eu, negócio de lenda prá mim, eu não acredito não. Que nasceu do menino, que nasceu não sei de quê, eu só sei dizer que o guaraná eu acho que surgiu lá da floresta, foi tirado de lá com certeza prá plantar, que não nasceu do índio que morreu, não. Eu não acredito não. Eu na acredito nessa história de lenda. São várias lendas, lenda da mandioca, lenda da água, lenda não sei o quê. Tem muita lenda aí.
P/1 – Tem alguma que o senhor saiba contar?
R – Não, eu não sei contar nenhuma. Eu só sei que falam, tem lenda do guaraná, lenda da mandioca, lenda do curumi, lenda não sei de quê. Mas eu não sei contar e não acredito ainda.
P/1 – Por fim eu queria que o senhor dissesse prá gente o que o senhor achou de contar a história da sua vida aqui. Foi bom, ruim?
R – Ah, achei bom porque pelo menos eu falei um pouco da dificuldade que eu enfrentei prá chegar até onde eu estou. Porque na minha época as coisas, não eram assim, não caia nada do céu, tinha que correr atrás mesmo, trabalhar pesado mesmo.E eu não tinha com quem falar dessa dificuldade, não tinha prá quem contar. Então hoje eu tô aqui informando da minha infância, da minha juventude, como era, que eu não tive aquela oportunidade, como hoje tantos programas sociais que tem aí para o jovem, né. Momento de lazer, tanta coisa que tem aí. Na minha época não existia essas coisas, mais era trabalho mesmo, tinha que trabalhar mesmo, todo dia. Então eu achei bom prá contar da minha história, da minha história mesmo, porque se eu não for contar outro não vai contar. Porque se eu disser que eu passei bem, tudo mentira que na minha época não dava prá passar bem, não. Então foi bom.
P/1 – Então Samuel, então eu agradeço muito a sua entrevista.
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