Projeto Conte Sua História - CPF - SESC
Depoimento de Sheila Maureen Bisilliat
Entrevistada por Priscila Leonel e Marcia Trezza
São Paulo, 23/01/2019
Código: PSC_HV028
Transcrito por Mariana Wolf
Revisado por Fernanda Regina Ferreira
P/1 – Maureen, eu sou a Priscila, tudo bem? A gente vai conversar um pouco sobre a sua história desde o começo, assim, tentar lembrar um pouco dos seus pais, se você puder falar um pouco para a gente…
R – Só para ter uma ideia da síntese, vocês estimam quanto tempo no total? Porque aí, eu já sei como sintetizar ou não, né?
P/1 – A primeira história que a gente gostaria é saber um pouco das suas raízes, dos seus pais. Você pode falar um pouquinho para a gente?
R – Sim, eu nasci praticamente sem raízes, ou seja, fui ganhando pouco a pouco, até ser essa a razão, talvez, de hoje em dia, a minha busca de raízes aqui, mas para voltar, meu pai tem uma história bastante única porque ele foi filho de imigrante calabrês para a Argentina, tendo nascido lá em 1901. Ele sempre teve desde… Curiosamente, eu ouvi dizer que desde muito jovem, ele teria falado para o irmão mais velho que o educou que ele queria ser diplomata. Ora, coisa praticamente insólita porque para ser diplomata e, especialmente, naquele tempo, você tinha que vir de família de estirpe, uma família tradicional e ele era filho de imigrantes, só que como era um homem muito inteligente, já com 17 anos, ele trabalhou como jornalista num diário que seria o Estadão de lá, “La Nacion”, então trabalhou em “La Nacion” e essa intenção dele que veio desde menino fortificou, porque, aí, como na vida, de vez em quando, você tem uma intenção muito forte, você atrai possibilidades. Então, ele foi visto por um embaixador argentino e foi levado para Pequim, agora Beijing. Pequim naquela época. E ele chegou em Pequim, mais ou menos, em 1919 como sexto secretário da Embaixada e a história do meu pai em Pequim é uma história muito insólita em que, mais ou menos, me diz da generosidade do português, porque, veja bem, meu pai, jovem homem teve um caso com uma mulher americana, casada com um português de Macau, tiveram um filho que foi adotado e fez parte dessa família do português de Macau chamado Jorge de Carvalho. Então, ele voltou e ficou, mais ou menos, nove, dez anos, 1929, voltou… Não, foi enviado para a Inglaterra. Aí, conheceu a minha mãe. A minha mãe, meio irlandesa do sul e inglesa da parte norte da Inglaterra, de onde hoje, aliás, começou o Brexit, New Castle. Ela nasceu em Londres, mas o pai dela ____00:06:17_____, meu avô, que eu nunca realmente conheci, eu só tenho uma foto, eu nos braços dele e eu com dois meses, então eu não conheci ele, mas o mito da história diz o seguinte, que ele... O pai dele era o primeiro ministro religioso do oeste da Irlanda. E o meu avô teria não escapado, mas saído da família e pouco a pouco, ele chegou na Índia e alistou como médico no Indian Army, Exército de lá e ficou na Índia um, dois, três, quarenta anos na Índia. Tem uma história muito interessante lá. Como além do trabalho dele oficial, ele atendia muitas aldeias e depois de 40 anos, ele voltou para a Inglaterra, deve ter sido uma viagem de uns dois meses e um tempo depois, ele recebeu uma carta que também deve ter levado meses dizendo assim: “Esse Buda…”, eu estou um pouco confusa. Uma dessas aldeias, ao saber que ele ia partir da Índia para sempre deu um Buda, assim, grande em agradecimento pelo trato que ele tinha dado nesses anos todos. Bom, então voltou para Inglaterra e meses, para não dizer anos depois, falaram assim: “Embora a gente tenha dado esse Buda, nossa aldeia ficou muito triste sem o Buda”, e deixaram assim, sem dizer mesmo, só sei que ele empacotou o Buda e mandou de volta. Isso é interessante porque faz quatro anos que eu fui convidada pelo Itamaraty para fazer uma exposição no Nepal. Chamava Spirit Papers from Another World, Papeis Sagrados de uma outra Cultura, 15 fotos xinguanas em papel, sem moldura, como eles fazem. E no ano passado, parece que essa exposição foi para Mumbai, isso dá o fecho porque daí, entraram em contato comigo, agora não nos meses a vapor, mas por e-mail e falaram se eu não poderia dar uma mensagem com abertura da exposição xinguana. Então, contei a história do meu avô. Mas tudo bem, tinha raízes, mas eu não conhecia as raízes. E logo, logo com sete anos, eu saí da Inglaterra, meu pai foi enviado para a Dinamarca, depois para Colômbia, voltou para a Argentina e em 1929, no início de 29, foi enviado para Washington D.C., a capital dos Estados Unidos. E explodiu a Guerra no final, setembro, outubro de 1939. Quando há uma guerra, o diplomata não é transferido, portanto, pela primeira vez até então, na minha vida, eu fiquei num lugar mais compreensível para mim, pois minha língua era o inglês e com mais tempo. E com os Estados Unidos não digo que politicamente, mas os Estados Unidos recebem pessoas de fora com uma generosidade muito grande. Isso eu percebi. Entrei na onda e ficamos sete anos. Bom, depois dessa, meus pais se separaram e eu voltei com a minha mãe para a Inglaterra, fui para dois colégios internos que eu acho sempre interessante, porque quando você diz aqui: “Eu fui para internato”, as pessoas: “Ahhh!”, como se estivesse uma punição, mas é muito pelo contrário, primeiro lá, se as mães têm as possibilidades, mandam os filhos como aqui se faziam isso lá pelos 30, 40 e tal e por quê que eu gostava? Porque quando você é, especialmente, filha única aparentemente - não conhecia o meu irmão - te dá uma sociabilidade que agora, com os perigos de criança brincando na rua tira a liberdade e a sociabilização dos jovens. Eu acho um dos grandes problemas que cria problema como criança, como adolescente e como adulto. Então para nós…
P/1 – A gente queria que você contasse um pouquinho de quando você convivia com o seus pais antes deles se separarem, quando você era criança. Como é que era a vida em família?
R – A vida em família que eu me lembro bem foi quando chegamos nos Estados Unidos, porque ali, a gente viveu… Lá não tinha conjuntos, condomínios, não, mas eu vivia num hotel, sempre vivíamos em hotel, mas dentro de uma floresta, na qual as crianças se enturmavam, então eu estava pensando outro dia como para mim, pessoalmente, embora tenha sido uma família bastante tradicional, enfim, mas desde cedo, ou eu procurei ou simplesmente foi dado, ou simplesmente aconteceu, mas eu tinha muita liberdade. Por exemplo, a minha mãe que era uma belíssima pessoa, fisicamente e muito sensível que logo tornou-se artista aqui, muito bem conhecida, Sheila Brannigan, mas o que aconteceu? Os meus pais tinham muitos eventos sociais de noite, então, ela dizia assim: “Eu preparei um negócio, às dez horas você sobe”, até às dez, a gente fazia o diabo, só que como nada era perigo, provavelmente, tinha perigos, mas eram perigos mais pontuais, sabe? Inclusive, durante a Guerra, Washington era ainda uma cidade sulina, Tennessee Williams, depois da era Kennedy, mudou completamente. Tornou-se uma cidade absolutamente moderna e internacional. Então, a gente sempre escutava coisas, isso também é uma coisa interessante para se mencionar. Antes, a gente vivia com segredos, hoje, todo mundo sabe tudo antes da pessoa saber, entende? Os faces aqui, os… Ali, mas antes, os namoros eram sempre segredos e eu sou uma pessoa que acha que essa eliminação do segredo tira um pouco do encanto das coisas. Do outro lado, naturalmente é bom porque esse segredo estava cheio de pode-se e não se pode, mas a gente achava um jeito, sabe? Pra dizer pra vocês, por exemplo, uma dessas escolas internas, a primeira que eu fiz, depois de anos nos Estados Unidos, que era muito diferente da Inglaterra naquela época, era num castelo que tinha ao redor, não sei como se chama, tinham águas que você tinha que entrar, bom, não tinha esse negócio de abrir e fechar, era só de meninas, não eram meninas e meninos, só de meninas e eu acho que eu era muito bem comportada, mas tinham meninas que fugiam e por que fugiam? Porque ao redor desta escola, tinham prisioneiros da Guerra italianos trabalhando como jardineiros, etc., e, naturalmente, as meninas iam… Enfim, o que eu estou dizendo, faziam mil e umas, mas era sempre meio que na escuridão, né?
P/2 – Que idade você tinha, mais ou menos, Maureen, quando você foi para essa escola, a primeira na Inglaterra? Mais ou menos que época?
R – Eu tinha 14 anos. Por aí, é, 14 anos. Depois, o segundo lugar… Porque quando eu escuto a canção nacional da Inglaterra e eu acho, mas no fundo, eu nunca morei, porque questão de meses, um ano. Mas depois da minha escola, que eu consegui passar de escola por uma só razão, naquela época, você podia eliminar Ciências Exatas, não precisava e você entrava em Literatura e Línguas, então eu troquei essa coisa que eu não tinha ideia e… Mas depois foi proibido, então eu entrei com o Inglês, o Espanhol, eu escrevia bem, mesmo pequena, mesmo adolescente e entrava com as Línguas. Então, eu passei de escola. E depois dessa, meu pai… Essa é uma história muito longa, porque o meu pai naquela época já galgou assim… Porque ele era extremamente ótimo diplomata no sentido, mais pleno da palavra, naquela época, ele era ministro pleno e potenciaria na Itália e ele era chefe do primeiro projeto de imigração pós-Guerra da Itália e da Argentina. Ele estava trabalhando, aí passou Evita Peron. Sabe quem é Evita Peron? A mulher do Peron. Uma mulher muito especial, mas quando ele chegou na Europa, jogaram tomates nela, não sei exatamente porque, na Suíça e na Itália, o meu pai, para ele era muito ruim que jogassem tomates porque resultava nesses tomates, ele foi, voltou para a Argentina e tiraram ele da carreira. Isso demorou quase sete anos. Quando ele voltou, sete anos depois, quer dizer… Isso é uma coisa talvez que valha a pena a menção, porque como ele tinha perdido o posto e o salário que viria dele, ele tinha comprado uns quadros antigos, vendia isso e chegava no fim do mês. Eu digo isso, por quê? Mesmo não tendo meios mais, eles conseguiram me enviar para um internato na Suíça. Na Suíça, eu fiquei sete anos, que é muito tempo. Eu considero também uma terceira pátria, digamos. E ali, conheci a pessoa que seria o meu primeiro marido, filho da meia-irmã da Sophia aqui do Carandiru.
P/1 – A gente pode voltar um pouquinho, assim, na história? Eu queria saber mais da sua vida lá no internato. Se você lembra de alguma história boa, algum professor que você gostava? Você falou que fez as disciplinas de Literatura, de Artes…Fala um pouquinho mais pra gente dessa vivência…
R – Eu acho que as pequenas coisas… Eu não me lembro de nada... Ah, uma coisa que esqueci, naquela escola da Suíça, que já eu tinha 17 anos, tendo tido essa falta de raízes e sempre dificuldades prévias para entrar em novos ambientes, eu sempre fui selecionada como a jovem que receberia os novos vindos. Isso eu acho interessante porque já nessa altura, eu já tinha criado uma espécie de… Já tinha me tornado um camaleão, quer dizer, sabia muito bem estar em qualquer ambiente, não só rico ou pobre, como de nacionalidades. Então, isso foi bem utilizado e para mim, também foi bom, porque era uma maneira de tornar útil para mim e para os outros. Só que tinha uma coisa também, como filha de diplomata, a gente era muito mais cigano do que diplomata, mas tinha um certo affair, um certo negócio assim. Mas eu me lembro quando eu estava na escola, nessa escola suíça, depois eu conto um pouco dessa escola, a noite de Natal, onde fazia a ceia, um pouco antes do Natal, porque a gente ia para o Natal para a casa. Nessa ceia, eu estava assim, provavelmente, assim… Então, a professora falou alemão, ele falou: “Agora a gente tá vendo Maureen sem a…”, como se chama essa de segurança, quando você… Como chama uma… Agulha…
P/2 – Um filete, presilha?
R – Não era uma presilha, quando você por exemplo, tinha isso quebrou, você punha um…
P/1 – Alfinete, né?
R – Não, safety pin, não sei falar em…
P/2 – Presilha, alfinete…
R – Nada disso. Você pegava isso e usava para unir duas coisas… É tão…
P/2 – Clips?
R – Não era um clips, o safety pin é…
P/2 – Era fita adesiva, assim, também não?
R – Como se chama agulha? Tem outra coisa…
P/2 – Alfinete.
R – Alfinete de segurança. Então, ele disse: “Agora já vejo a Maureen chique sem o alfinete de segurança”, porque eu tinha uma revolta bem pronunciada, meio inocente contra essa maneira, assim, socialmente correta da diplomacia. Então, eu andava o tempo inteiro com a minha saia com tudo quebrado, assim, e botava esse… Então isso era curioso, porque isso não era uma revolta, mas era uma maneira na qual eu me destacava, não da grande diplomacia, daquelas besteiras meio assim, inúteis. Então, eu acho que sempre era rebelde inocente, que eu nunca fazia coisas tremendamente, assim, né?
P/2 – Maureen, antes dessa escola suíça, quando você mudava de um lugar para outro, ou até na escola na Inglaterra, numa das escolas, tem algum acontecimento, assim, que foi marcante para você? Alguma situação que você podia contar para a gente? Ou das mudanças que você passou em tantos lugares…
R – Quando eu deixei os Estados Unidos, isso já foi em 1945 com a minha mãe, o meu pai e a minha mãe já estavam se separando, nós morávamos em Washington e o barco foi de Louisiana, ou seja, no sul dos Estados Unidos, perto do México. Eu sei que eu chorei no ônibus de Washington até… Por deixar os Estados Unidos. Depois, quando você… O barco… Isso é uma coisa interessante, as viagens de barco, talvez, fossem os momentos mais extraordinários para mim, porque uma viagem de transatlântico levava um mês, às vezes, um pouco mais, dependendo. Eu acho que a gente deixou os Estados Unidos dois ou três meses antes do final total da Guerra. Eu não me lembro… Eu sei que no meio… Ah, tem várias histórias de barco, eles pararam o barco e pintaram de cinza por causa do negócio da Guerra, mas isso me lembra de uma coisa muito interessante. Barco era meu ponto de abertura. Quando sai pela primeira vez com cinco anos para ir para a Dinamarca, o barco ficou preso no gelo, ficamos lá à noite inteira, você não podia fazer xixi, não podia fazer isso, tá, tá, tá, tá… E chegamos em Copenhagen que é a capital da Dinamarca com neve por todos os lados e com jornalistas com flashes, aqueles flashes porque era uma coisa em off, a gente ficou um dia e uma noite presos lá. E aí, nos levaram para um hotel, cuja cama era uma cama que tinha em cima… Então, foi um momento… Uma aventura, não? E os barcos, depois, os barcos… O barco depois era muito romântico, porque eu ficava na proa do barco ouvindo música e tinham todos esses marinheiros assim, bonitíssimos… E era muito curioso, porque não era jamais barco de passageiro, porque na Guerra, não tinha esse… Esses barcos de hoje, Deus me livre, esses hotéis de carga, tanto assim, tinha uma piscina do tamanho dessa, essas piscinas feitas dessa coisa que você tampa caminhão, desse tecido. Então, era muito interessante porque tinha no máximo doze ou treze passageiros, então, imagine, era muito interessante. Que mais de barco que tinham essas coisas todas? De barco… De barco, eu acho que era isso, tanto assim é que a canção da minha época como criança, dessa época era uma famosa cantora que se chama Judy Garland e a grande canção era “Over the Rainbow”, não sei como chama aqui, deve ter a tradução e essa eu estou fazendo o documentário da minha vida, de certas coisas. E queria pôr assim, meio minuto dessa música. A pessoa que tá me ajudando a autorizar as músicas falou: “Maureen, esqueça, porque é desses ícones que você paga dez mil dólares para ter…”, depois eu pus um… Mas era a canção “Over the Rainbow”, então tinha esses momentos…
P/2 – Você se lembra de estar ouvindo essa canção em alguma…
R – Hã?
P/2 – Você lembra de estar ouvindo essa canção em alguma situação, assim, ou dançando?
R – Não, toda essa época era essa canção, tanto assim é que eu queria quase deixar essa canção mas não pude, porque… Porque era a época da Judy Garland, eu era um pouco mais jovem. Mas outra coisa, sempre fui… Aquela época, era a época auge do cinema hollywoodiano clássico. Eu tinha um monte de revistas. O meu pai descobriu contas e contas de pagar das minhas revistas que eu pegava. Então, a gente se agrupava, recortava e era muito curioso, porque era a época de um presidente marcante, aristocrática e socialmente, era a época de Roosevelt que ele fez o que se chamou de New Deal, que foi muito bom para as populações mais carentes. Mas ele foi um homem assim, extraordinária pessoa, com uma família antiquíssima, só que como adolescente, ele tinha tido a paralisia infantil e durante a Guerra, para obter dinheiro para ajudar nas pesquisas contra a paralisia infantil, ele na época do aniversário dele, nos grandes hotéis, talvez seis, criava grandes festas em casa hotel, nas quais iam os top stars, Rita Hayworth, esse tipo de pessoa. E nós, como crianças, a gente esperava lá… Eu me lembro alguém que eu não sei quem era, vocês não vão saber o nome dele, mas ele chamava Walter Pidgeon pôs a mão na minha cabeça, assim… Bom, eu não lavei o cabelo por um mês (risos). Quer dizer, a gente era muito… Já tínhamos um facebook de diferente maneira, né? Nos Estados Unidos, por quê? Agora e mesmo antes da globalização, os Estados Unidos era absolutamente desconhecida a maneira, _____00:35:55______, todas essas coisas, o chiclete, toda maneira, o blue jeans, não sei como chamava isso, mas essa coisa. América era assim, uma coisa para a Europa era totalmente diferente. Então, eu já era uma menina americana, tanto assim que foi um pouco difícil de voltar para a Europa, mas me ajeitei, tudo…
P/1 – Eu queria perguntar… Você falou que conheceu o seu marido lá na escola, teve algum outo amor antes? Teve outro namorado antes dele?
R – É, mas realmente muito de jovem, né? O primeiro marido foi assim. Eu acho que eu conheci ele… Tinha uma grande piscina, eu morava em Zurich, eles falavam suíço-alemão, eu estava nessa vez com a minha mãe que tinha ido para lá, depois eu conto sobre ela, e eu conheci ele lá. Ele era filho de espanhol catalão, mas ele falava suíço, porque tinha estado desde dois anos. Tanto ele quanto eu tínhamos tido dificuldades… O meu pai perdeu a profissão dele, o emprego dele e o pai dele por causa da guerra civil, também. Então, isso nos aproximou e rapidamente, fomos meio que convidados para irmãos para a Espanha, sem nada, mas para conhecer a família, mas é uma coisa interessante, porque isso era o ano de 46, 47, fui com a minha mãe de trem e a gente entrou em Bayonne da França para a Espanha. Interessante, porque era a Espanha de 1939, porque vocês talvez… Provavelmente, não… Mas tinha tido a guerra civil na Espanha e a partir da guerra civil, a Espanha tinha sido completamente fechada aos países externos. Então, a nossa vida, eu e a minha mãe, a gente era visto como pessoas do espaço, quase. Vinha por exemplo, com duas persas assim, mas logo em vez de eu ficar pensando: “Nossa, a gente é mais moderna’, eu fiquei fascinada com as moças tradicionalíssimas espanholas que iam para a costureira fazer os vestidos. Então, eu ia na costureira fazer o vestido, essa coisa toda… E foi talvez, o único ano na minha vida que fiquei mais tradicional do que… Logo, o quê que aconteceu? Voltei para a Suíça, fui para outra escola, a segunda escola, escolas absolutamente extraordinárias, imagina você, Bolsonaro agora foi nisso em Davos, como eles chamam isso?
P/1 – Fórum Mundial.
R – Fórum, Davos. Bom, Davos é em Klosters, Klosters é uma parte da Suíça onde tem uma língua diferente, desconhecida que diz que deve vir de etrusco, chama Romanche. Eu estava na escola em Klosters e inventei de ter que ir ao dentista em Davos, onde tá lá… E subi de trem alpino para Davos, fazia o trabalho de dente e voltava, era uma hora, duas de esqui, então era maravilhoso. Então, a gente sempre achava jeitos de fazer coisas aventurosas. Antes mesmo de vir porque para mim, deixar a Suíça e vir para o Brasil, já tinha começado a ser um trauma. Eu me lembro que a última vez que eu deixei a Espanha, antes de pegar o barco, agora sim, que eram barcos mais simples, linha italiana. E eu estava numas dessas ilhas balnearias que se chama Ibiza. Eu me lembro de estar numa praia, olhando para o horizonte e pensando na liberdade. E cheguei ao Brasil depois de ter investido quase dois anos de noivado, não era proposital, era porque o meu futuro marido veio a ser algo do… Ele foi para os Estados Unidos estudar, mas eu acho que noivado não se deve nunca fazer por quê? O que acontece? Durante o noivado vocês são separados, nós éramos separados, ele nos Estados Unidos e eu na Suíça, cada um vai se modificando de acordo com a vida. Eu me lembro que vim aqui, cheguei justamente para vir aqui, vim de Uber e a gente entrou na Alameda Casa Branca para chegar, finalmente, aqui. E o que veio a ser o meu primeiro marido é uma pessoa extremamente inteligente e de uma generosidade extrema, tinha alugado uma casinha na Alameda Casa Branca. A primeira noite, não sei que diabo que tinha, a gente voltou para casa, tinham roubado a gente. Primeira noite, era pequeno o roubo, mas eu já estava pensando: “Nossa, que coisa…”, então eu já pensava assim: “Mas será que é para casar?”, e sentava no canto, minha mãe dizia: “Mas o quê que você quer fazer?”, eu ficava quieta. Bom, depois assim, de umas semanas assim, ele falou: “Eu vou te enviar para o seu pai”, o meu pai estava na Argentina. Fui para o meu pai, mas morei na casa de quem tinha sido alunos, amigos na minha escola da Suíça, então morei, fiquei nove meses lá. E lá que descobri a pintura.
P/1 – Eu vou retomar a pergunta, então. Você pode contar para a gente o nome dos seus pais e falar um pouquinho mais da sua mãe? O quê que ela fazia?
R – É isso mesmo, porque o meu pai eu já falei. Agora, a minha mãe era uma pessoa belíssima, mas era absolutamente desprovida de qualquer vaidade, sabe? Então, vou contar… Ah bom, isso seria um dia de conversa, mas primeira coisa mais prática, ela na época dela… O sonho dela teria sido ser bailarina, mas naquela época, era difícil. Então, o quê que aconteceu? Casou com o meu pai e como tinha uma graça natural, uma simplicidade natural, mas uma beleza muito marcante e sobretudo, uma falta total de rancor e de ciúmes, porque voltei para o meu irmão. Nesses anos, eu estou voltando aos anos 30 e eu nasci em 31, 30 até a Guerra, cada ano, o meu pai recebia da China um postal de meninos de escola e ela muito assim, intuitiva, ela falava: “Essa aí deve ser filha de Adolfo”, porque era parecida comigo. Mas nunca falou nada. Em 1941, estourou a guerra dos Estados Unidos por causa de Pearl Harbor com os japoneses e tal. De repente, recebo um telefonema de uma pessoa perguntando: “Gostaria de poder falar com o Adolfo”, ali, ela falou: “Ele não está, mas se trata de quem?”. “Pra mim é muito importante porque daqui a dois dias, eu estou saindo na Marinha, estou indo para o Pacífico e eu gostaria de conhecê-lo”, mas sem detalhes. Aí, a minha mãe, assim, muito especial, falou: “Bom, o que eu posso fazer é assim, vá amanhã no Hotel Mayflower…”, que era um hotel chiquérrimo, tradicional lá, “… Se ele puder ir, ele vai, senão, não vai”, então foi curioso, porque ela foi atrás escondida para ver esse encontro. Capítulo um, passaram-se 30 anos, um amigo… Marido da minha melhor amiga com quem me formei, uma artista plástica, conheceu o meu pai que estava na Argentina entre… Bom, teve um encontro com o meu pai e falou assim: “Diga a Maureen como ela está começando a entrar em fotojornalismo, que ela tem um meio-irmão”, então, o Harry me falou isso e esse meio-irmão é chefe de bureau da revista “Time” no Rio de Janeiro. Que engraçado isso. Eu evitei, não sei… Não entrei, até que mais tarde, quando ele já tinha sido transferido para Beirute e uns anos depois, anos 70, eu pensei: “Eu gostaria de encontrar essa pessoa”, e escrevi para a Time Life e falei a história, uns meses depois: “Daqui a pouco você vai ter notícias desse meio-irmão”. E de fato, um domingo, um telefonema dele nos Estados Unidos, eu aqui com o meu marido, ele com a mulher dele no telefone, assim, durante mais de uma hora long distance, deve ter custado uma fortuna e todas as perguntas [sobre] quem foi o nosso pai. Ele tinha o visto uma só vez na vida. Então, no ano 80, eu estava numa festa, num churrasco aí no interior e tinha uma turma de jornalistas daqui e de repente, eu escutei alguém falando o nome do meu irmão. Aí, eu pensei: “Bom, eu não vou dizer que é o meu irmão se ele não for legal”, falei: “Ele é legal?”. “É ótima pessoa”, aí eu falei: “Ah, ele é meu irmão”, mas nunca o conheci. Mas ela era… Isso é para dizer como ela era absolutamente uma pessoa sem rancor e absolutamente sem ciúmes. Uma curiosa personalidade. Ela veio aqui. Quando eu me casei na Argentina… Não, antes de casar, ela me deixou… Não, acho que… Eu não me lembro muito bem, de qualquer jeito, não sei se era antes ou depois do casamento, voltou para a Suíça, onde ela morava e eu acho que a pessoa com a qual eu tive o relacionamento mais denso foi com a minha mãe. Um dia, à noite, antes da viagem dela, eu sei que à noite inteira eu chorei, acordei, estava livre. Aconteceu agora isso, recentemente, com um neto meu que recente, Jacques, eu tenho uma bisneta minha que tem seis meses, entrou em briga com a mãe, complicação, mas ele pela primeira vez na vida, ele se encontrou como pessoa. Então, relacionamentos familiares são muito complicados, mesmo nos relacionamentos mais pacatos, porque quem teve como tema muito isso foi García Lorca porque a mãe latina e a mãe judia… Sabe? Eu acho que o nórdico, de qual, mais ou menos, eu me eduquei… Minha mãe não era fria, mas não tinha esse… Sabe? Então, eu acho que são aventuras mortais, quase, né? Eu acho que todo mundo tem uma guerra interna que tem que vencer para destrinchar e para ficar dono de si mesmo, né? Não rejeitando, não cortando necessariamente o zelo, mas esse processo de liberação não é só família, eu acho que é em muitas áreas. Agora, eu vou entrar num tema, assim, eu acho muito difícil pra mim entrar de coração na luta que eu… Quando você não respeita, mas para mim é muito difícil, eu acho que essa luta do feminismo hoje em dia também é um território muito importante, mas extremamente… Tem que ser muito analisado para ficar… Para obter os direitos de ser sem rejeitar as conexões entre homem e mulher, quer dizer, eu acho que essa linha é muito importante, isso, porque senão, fica irreal. Agora também outra coisa, o que eu leio muito hoje, não muito, mas me aproximei muito de um filósofo que morreu não muito, quanto tempo atrás? Se chama Bauman e ele fala da modernidade liquida. O amor liquido e etc., etc. Ele nos ensina ou detecta que muitas das coisas, mudança da sociedade é uma mudança de sobrevivência para o que está para vir. Por quê? Por exemplo, eu vou fazer 88 anos em fevereiro, bom, qual é um dos grandes problemas? É a previdência, mas não é só aqui, não é Bolsonaro, isso é mundial porque dizem que daqui 25 anos, as pessoas vão viver mais, até 150 anos. Entende? Então, eu me lembro… Eu não vou muito falar disso, mas acho importante porque as coisas hoje, a sociedade, a civilização tá já vendo e achando meios de saber lidar, porque eu me lembro que muitos anos atrás, quando começou esse negócio de computação e tal, ver um pequenininho filme, desse tamanhinho no pequeno computador simples era uma manada desses bichinhos africanos, eu não sei como se chama isso, pequenininho, são uns bichinhos… Não importa muito o nome do bicho, mas de repente, uma pessoa tinha filmado, não centenas, parecia ter milhares desses bichos correndo em alta velocidade até chegar no… E se jogar todos, era um suicídio absolutamente social, todos, né? E o que foi mencionado que é interessante, qual a razão? Não havia razão nenhuma, não tinha assim, a questão de clima, questão de nutrição. Então, eu penei muitas vezes: “A sociedade, a nossa civilização está já procurando meios de antecipar convívios futuros”, entende? Então, por isso que às vezes, eu acho difícil. Quando eu analiso governos, porque só agora que eu estou, mais ou menos, tentando entrar em política um pouco, porque acho necessário entrar porque tem que compreender. Muitas vezes, eu vou de um ponto Brasil, por exemplo, eu faço assim. Claro, não pode só fazer isso, porque então, a pessoa diz: “É só nosso problema, a gente tem que cuidar do nosso”, é, tem que cuidar, mas sabendo que faz parte de um momento mundial.
P/2 – Maureen, aproveitando esse gancho e voltando, porque a gente vai falar de quando você chega no Brasil para cá. Você falou de toda a sua vivência, suas mudanças na época da Guerra, né?
R – É.
P/2 – Você podia contar assim, alguma situação, assim, que faça uma relação com esse período que mostre…
R – Pós-Guerra?
P/2 – Na época, durante. Assim, alguma situação que você viveu. Você falou muito das mudanças, né? Vocês mudavam de lugar para outro, mas dessa situação, dessa época…
R – Aí, é boa a pergunta porque agora, eu vou entrar em outra coisa muito curiosa, né? O fato do meu pai ter sido enviado antes da Guerra foi eu acho que o único, realmente, sentimento de tristeza e culpa da minha mãe. Por quê? Nós éramos, meu pai e eu, a gente não viu Guerra nenhuma pelas circunstâncias. Agora, a minha vó, mãe da minha mãe, que isso é muito interessante, eu vou contar isso depois, era uma mulher muito delicada, ela cantava, mas a mente dela… perdeu a mente, quase. E a minha mãe… eu acho que nunca se liberou um pouco, não falava muito desse ____01:02:19_____ que não foi, mas que acabou sendo, né? Mas ali é interessante, porque talvez um dia, se tiver os meios, vou tentar fazer uma coisa. O meu pai, eu já falei todas as antecedências. A minha mãe, parte dela, o pai dela já falei. A parte da mãe dela é muitíssimo interessante, porque elas são família do norte da Inglaterra, beirando a Escócia. Lugar é New Castle, onde começou pontualmente a Revolução Industrial. Quem foi? Isso eu digo… É uma coisa muito curiosa. Uma das pessoas que diria que seria de uma maneira ampla, que levou essa Revolução foi tanto economicamente, quanto artisticamente, foi uma pessoa que se chamava Lowthian Bell. Bom, essa pessoa deve ter sido, não sei exatamente, mas deve ter sido tio ou tio-avô da minha avó. Então, nós somos… Quando eu fui para a Inglaterra para ver as coisas da mãe quando ela faleceu, a gente viu duas coisas, eu vi, eu estava sozinha, duas coisas que seriam heranças antigas, sabe aquela coisa que eles selavam com cera? Placa? Bom, não tinha nada de dinheiro, mas ali estava escrito: Sheila Brannigan, não, Maureen Brannigan, que é o nome da vó, família tal, tal… um ano e meio atrás, uma amiga minha, sem saber nada e eu menos ainda, me deu um livro que se chamava “Gertrude Bell, Queen of the desert”, “A Rainha do Deserto”. Foi um filme que foi feito dessa mulher. Essa mulher era a primeira mulher era a filha do parente Lowthian Bell, que tinha sido uma das primeiras mulheres que tinha ido na cidade e em 1889, 90, foi sozinha para esses lados do deserto e acabou sendo ela que primeiro, mais tarde, ela fundou com outras duas pessoas, o Museu de Bagdá, levou o Lawrence da Arábia ali e foi uma pessoa absolutamente importante na distribuição territorial de todos os lugares árabes. Bom, ali eu ficava assim… Eu sempre tinha escutado que era família Bell, mas a minha mãe sempre falou porque todo mundo tinha tantas crianças, não tinha mais dinheiro lá, então eu meio que esqueci. Mas eu estou pensando em pegar a minha filha mais velha, a Kyra que mora na Espanha e ir para New Castle, porque a história dessa mulher está toda dentro da biblioteca desse lugar. Porque eu digo: “Nossa, parece que alguma coisinha dessa aventura foi transladado”, quer dizer, ela era alguma coisa, mas esse Lowthian Bell, ele naquela época, a arte inglesa estava muito conectada com artistas marceneiros, eram grandes arquiteturas, tipo de mobília, não era só pinturas, eram cerâmicas, era tudo isso que floresceu a partir daquele lugar e tomou conta. Então, pensei assim: “Eu gostaria de ver, pesquisar um pouco sobre essa família dessa mulher”.
P/1 – Maureen, fala o nome completo da sua mãe e do seu pai.
R – O meu pai… Aconteceu uma coisa horrorosa! Meu pai como eu estou dizendo para vocês, ficou muitos anos numa luta de voltar para… Enfim, sobre Argentina então, e ele acabou sendo o assessor de um presidente argentino que chama Frondizi. E ele era uma pessoa… Ele foi embaixador lá no… Como se chama? Nas Nações Unidas, era um diplomata muito profissional. Só que o quê que aconteceu? Houve várias… A Ditadura Militar argentina junto com Pinochet do Chile… É muito difícil avaliar, mas foi um dos mais tenebrosos, terrível! Terrível! E de repente, apareceu uma pessoa que tinha o mesmo nome do meu pai e o Wikipédia então, antes era o meu pai… E de repente, tem esse homem que morreu, era um cara que… Era uma pessoa militar que fazia parte da Ditadura. Bom, então, tinha uma coisa horrenda, por exemplo, eu me lembro que ele teve crise de consciência e como agora… Agora é delação premiada, mas ele não é delator, ele quis falar esse homem das coisas ruins que faziam e o mesmo nome. A gente ficou horrorizada com esse negócio. Então, por isso foi uma das razões, quase que convençam o meu pai o filme para destacar que ele não era essa pessoa, né? Porque o nome dele foi Adolfo Scilingo. Ele fez o primeiro… Ele assinou a primeira… Como se chama? Tratado da Antártica da Argentina. Tem Brasil, tem Argentina, tem Austrália, tem várias nações que têm essa parte e ele foi que assinou esse… Então, ele era uma pessoa muito séria, muito… Mas então, o nome, eu digo: “Nossa…”, então foi horrível você ter um pai e tem uma outra pessoa que tem o nome. Mas a história dele…
P/1 – E sua mãe, o nome dela?
R – Sheila Brannigan. E ela é conhecida. Segundo Fábio Magalhães, ele acha que ela era a pintura do impressionismo abstrato mais interessante daqui. Ela veio… É uma coisa curiosa. Durante o casamento, ela foi mulher do meu pai e quando me deixou naquela… Que eu falei que eu chorei, chorei, ela voltou para o lugar da Suíça onde a gente tinha morado nas altas montanhas e conheceu uma família de artistas alemães. E ela foi meio que incluída e de uma noite para outra, ela tinha o que os psicanalistas falam, uma explosão em que tornou praticamente do dia para à noite. E veio aqui. O primeiro ano da vida dela, ela ganhou o Prêmio Lerner e ela foi muito amiga do Mário Pedrosa e do Schenberg, do cientista, Mário Schenberg. E ela era muito querida aqui por causa dessa criatividade e um certo desconhecimento da força que ela mostrava com as pessoas, porque ela, realmente, era uma pessoa muito bela, muito tal… Mas tinha uma certa inocência. Eu sei que ela era amiga da Yolanda ___01:14:06___, essas pessoas conhecidas daquela época, da Tomie, que Tomie era mais velha, mas sempre falava da minha mãe. Ela se enturmou aqui, voltou, mas é outra coisa muito especial. Ela morava aqui, eu já era casada, já tinha a Sophia, que aliás, vou voltar para essa parte que eu esqueci. Mas ela morava perto de Pinheiros, tinha uma rua que tinha casinhas absolutamente de pescadores, quase. Era um tipo de uma casinha dessas e viveu de uma maneira muito simples, mas muito prazerosa para ela. Mas de repente, ela pensou assim: “Eu não posso ser um peso para eles”, eles eram eu, o Jacques e a Sophia bebê, “Eu preciso voltar para a Inglaterra”, e ela… A Inglaterra, naquela época, era na época antes da Margaret Thatcher, onde o serviço social era extraordinário! Então, ela recebia lugar para morar ótimo, umas diárias semanais, comida também, médico, dentista e até psicanalista, psicanálises, tudo isso. Então, quando a gente queria enviar alguma coisa para ela, ela falava: “Não, vocês não podem fazer isso porque senão, eu posso perder todo esse esquema oficial”, então ela tinha esse cuidado, ela não queria pesar em cima. Só que a volta para cá era… Sempre teve saudades imensas do Brasil. Eu me lembro que ela já com mais de 70 anos, adorava esses carnavais de rua porque lá tinha… Por causa dos jamaicanos tem um monte de pessoas da raça negra, por exemplo, Bahamas, tudo isso. E ela saía nesse… Sambava muito bem porque dançava muito bem. Então, ela era ela mesma. Era uma pessoa muito… Quando eu eestou falando com alguém de liberdade, eu falei: “Eu acho que de certa maneira curiosa, a gente era mais livre naquela época do que agora”.
P/3 – Maureen, quando que você tem contato com as artes plásticas, que você começa a se envolver com isso?
R – Eu acho que… Eu não tinha absolutamente nenhuma conexão quando criança com artes plásticas, sempre com a palavra… Com cinco anos, eu falei dessa questão da escola, mas com cinco anos, eu me lembro sempre com o lápis na mão, ficava frustrada quando, por exemplo, a minha mãe não podia corrigir uma coisa e tal. Isso foi depois da Casa Branca. A ida para a Argentina foi quando eu descobri que eu estava escrevendo assim, modelo vivo. Aí, eu entrei. Aí, mudou a minha vida. Mudou a minha vida e esse lugar na Argentina tem um lugar paralelo aqui, porque quando voltei e casei depois que casei na Argentina e voltei para cá, esse marido que os dois, eu digo, foram tão generosos que por isso, talvez, o meu conceito de luta é… Porque tive uma outra vivência, ele se chama José Pantão, mas todo mundo chamava ele de Jetao. E ele teimou um pouco que eu voltasse para uma cidade ainda em formação, era 1952. Inclusive, se eu não me engano, a gente chegou no dia da morte de Francisco Alves. E tinha todo no negócio no Anhangabaú e foi no Anhangabaú e Quintino Bocaiuva que tinham os famosos modelos vivos. E essa foi a minha passagem, porque quando eu estudava, tanto nos Estados Unidos eu estudei no The Art Students League, como na França, eu estudava assim, muitas horas durante oito anos com modelo, com pintura e tal, tal. Então a minha primeira seguia isso com a minha amiga e essas fotos que a primeira série de fotos que chama “Pele Preta” e que tem um menino anjo, sabe? Essa foi a ligação direta e no filme que eu estou fazendo que se chama “Equivalências, Aprender Vivendo”, eu mostro… O ano passado, pus um casaco como se fosse de inverno e desci mão para a Prestes Maia e eu contei a história que praticamente, a minha formação de entrar em fotografia foi aqui na Prestes Maia. Era uma pequena homenagem que eu faço para São Paulo. Mas então, o que eu achava interessante é assim, o lado escuro, digamos, de uma certa formação e liberdade foi, mas eu acho que custou pra os filhos, parcialmente sim, parcialmente não, porque, o que aconteceu? Eu, depois de ter entrado essa questão da arte, me separei do Jeton e a Kyra foi para a Espanha com o pai dela. E anos depois, agora a gente é enormemente amiga, mas foi muito, muito duro para ela, porque esse foi o primeiro marido, como naquela época, a separação, o divórcio era quase impraticável e era muito assim, escandaloso e tal, pelo menos mal visto, todo peso caiu dele e ele casou com uma pessoa que é ao contrário total de mim. Então, a minha filha grande, que agora tem 62 anos, Kyra, ela teve… Ela morava com o pai e tinha essa… Mas ela com muito esforço, muito domínio de si e tal, ela fez uma vida muito interessante porque ela sim, teve raízes, mas viajou o mundo por quê? Ela começou… ela chama Kyra Carbonell, ela começou a ser o que se chama tour manager com música quando ela tinha 24 anos, com a Monica ____01:24:40____ naqueles festivais do Rio. E ela ficou entre outras músicas, ela foi o tour manager de Buena Vista Social Club durante 15 anos. Quando eu digo para ela… Ah, que pena que não trouxe, eu vou trazer para vocês, eu falei: “Kyra, por que você no filme…’, ela diz: “Mãe, você não entende”, levava de 16 a 20 pessoas, ia para o Japão, ficava um dia e meio montando o show, ia para Finlândia, voltava para Hamburgo… Então, a vida dela foi isso, uma vida muito interessante e que ela faz… Quando que foi? Acho que no mês de outubro foi, lançou um pequeno livro, interessante de falar com vocês. Se chama… Agora eu não me lembro se é… Alguma coisa da Vó, mas o quê que foi? Cada lugar que ela ia, ela ia para milhares de… Ela comprava um vestidinho ou callas para o futuro neto que ela teria um dia. Uma coleção, desse tamaninho, para um ano e tal. Bom, então finalmente, depois de 15 anos, 30 anos que ela estava com eles, esse grupo muito conhecido, o Buena Vista acabou com a estrutura e ela resolveu fazer um livro. é muito interessante porque é um livro que abre com todas as pequenas roupas, assim, de cada país e ela aponta mais ou menos uns 20 países em que ela fala desse país para a criança. É uma beleza porque ela não é uma coisa de conto de fadas, são coisas reais do país, a maneira… Desse livro eu acho muito importante. Ou seja, ela soube achar uma vida própria dela. Agora, tá num outro momento, agora está com… Voltou… Agora falou: “basta”, porque imagina, começou com 23 anos e tá com 62, continuo. Ia todo mundo.
P/2 – Maureen, você teve a Kyra…
R – A Kyra com o Jeton.
P/2 – Certo. Aí, depois, você… Foi nesse casamento que você vai para a Argentina porque você teve aquela experiência do assalto? Foi nesse casamento, com ele? Só para eu entender. Vocês vieram para o Brasil…
R – Não, fui para a Argentina, voltei e tive a Kyra.
P/2 – Sim, mas foi com esse primeiro marido?
R – Primeiro marido.
P/2 – Que você veio para o Brasil?
R – É, primeiro.
P/2 – Aí, você volta para ficar com o seu pai uma época…
R – É, aí eu volto… Não, aí separei e fui… pensei: “Tenho meu greencard”, e fui embora para os Estados Unidos. Mas imediatamente, encontrei uns amigos fotógrafos que a gente tinha ajudado muito aqui e eles falaram: “Vem com a gente, a gente vai te introduzir para um agente de fotografia”, mas eu não sabia, só tinha um pouco de artes plásticas. Tem uma história muito curiosa ali. Então, fui lá, um dia, ela me liga e diz: “Olha, será…”, eu não estou falando toda a história, senão, é muito complicado, muita coisa. De qualquer jeito, fui ver essa agente, aí me diz assim: “Será que você assumiria fazer uma reportagem sobre…”, estava tendo o grande terremoto no Chile, aí eu fui. Essa é uma história muito curiosa. Eu estava emocionalmente no pior momento da minha vida, estava uma confusão tremenda e fui lá, eu estava fazendo as fotos e pensando: “Nossa, tá mal feito, tá péssimo assim”, sabia fotografar um pouco mais, mas não muito bem. Ali era um terremoto que já tinha sido, do sul do Chile, mas tinha um vulcão que em 1700 tinha enchido de água e tinha feito assim, um dilúvio, destruíram uma cidade inteira e acharam que talvez pudesse acontecer lá. Então, eu fiquei lá com os jornalistas e não peguei no último avião que saiu, mas eu peguei um pequeno pacote lá e pus seis rolos de 35, 36 poses, eu falei: “Por favor, veja se você pode mandar isso para esse endereço”, mas me dizendo assim: “Espero que esse material não chegue, porque não é bom”, eu falando comigo mesma. Bom, aí não houve aquele diluvio e na minha volta para a Argentina, fiz uma passagem para ver o meu pai em Buenos Aires, fui ver a minha filha Kyra que era pequena e voltei… Ah não, não voltei. Fiquei em São Paulo. Bom, mas ali não tinha… Tinha só telegrama e tinha telefone long distance. Ai: “E o trabalho?” “Mas eu enviei” “Não chegou”, ela falou: “Não chegou”, falei: “Bom, eu cheguei”. Isso foi em 1960 ou 61, no início dos anos 90, ela entra em contato, essa agente que ainda é viva, por essa amiga minha que morou em Nova York, falei: “Nossa, aconteceu alguma coisa absolutamente doida”, outro dia, alguém veio e me entregou os filmes, a caixa dos filmes. Trinta anos depois! Aí ela entrou em contato comigo, eu falei: “Você viu?” ”Não, a pena é que estava tudo pó”, mas aí eu pensei… Eu lidava bastante com candomblé, eu fiz um filme, o primeiro filme chama “Yaô”, então fiquei assim… Esse pai de santo sempre dizia pra mim: “Teu santo é muito forte”. Então, essa é, porque eu pensei: “Espero que não chegue”, chegou 30 anos depois, é uma coisa de louco, né? Portanto… Bom… agora, essas questões das religiões são muito curiosas, porque eles põem na lista de perguntas: Religião? Eu comecei assim, com… Isso é interessante, porque o meu pai era automaticamente católico, de família italiana. Mas ele era assim, das poucas vezes que eu via ele na minha vida, a gente andava passeando em Buenos Aires, então, ele falava: “Vem cá, vamos entrar na igreja”, então ele punha a mão assim na água benta e falava assim, dizia: “Por si acaso”, por si acaso existe o Deus, né? Mas a minha mãe converteu-se ao catolicismo por causa do meu pai, mas era um catolicismo muito… Por exemplo, quem ela gostava era Santa Terezinha de Jesus, não aquela de Ávila. Então, para ela era uma santa inocência que cativava as pessoas, também, essa… Mas o quê que aconteceu? Então, não voltei para os Estados Unidos, por quê? Quando eu morava junto com o Jeton, pai da Kyra com a Kyra pequena, morava num apartamento na Rua Itararé, perto da Frei Caneca. Um dia, a gente… Isso nos anos 52, 53.. Por aí, um dia, recebemos um convite de uma jornalista francesa que não sei o porquê nos convidou para uma reunião e lá estava o Jacques e a mulher dele daquela época, Suzane. E eles falavam assim: “A gente tá morando longe, será que vocês conheceriam um lugar mais perto do centro?”, aí o Jeton falou: “Tem um apartamento livre onde a gente está”, e eles vieram e alugaram o apartamento. Ele casado com a Suzane e eu casada com o jeton com a Kyra. Ele com um menino e eu com a Kyra. Aí, o quê que acontece? A gente se separa, eu fui para os Estados Unidos, ele foi para a Espanha como eu já conversei, mas a primeira… Não, antes, o Jeton já tinha ido para a Espanha com a Kyra, eu ia pegar o avião e ele me chamou para tomar café da manhã. Aí, a mulher dele, essa sim era a raiz dos ciúmes, falou: “Lá se vai o seu amor perdido”, mas não tinha nada entre a gente, nada, nada, nada. Então, foi uma intuição curiosa. Porque quando voltei, ia voltar para os Estados Unidos do Chile, para Buenos Aires, para o Rio de janeiro, onde estava a Kyra, eu ia voltar para os Estados Unidos e seguir a minha carreira. Só que reencontrei essa pessoa que estava lá em cima, o Jacques. Aí, a gente se conheceu e tudo veio a nos unir, era todo um negócio. E não voltei para os Estados Unidos e a gente casou. Tudo eram coisas bolivianas que você não pode fazer nada legal dentro daquela… Mas isso é interessante, mas mais ou menos. Eu conto isso, por quê? A família era de uma complexidade tremenda, porque tinha a Kyra que morava com o pai, mas vinha muitas vezes ficar comigo, tinha o Jean Pierre que de um dia pra outro, a Suzane falou: “Olha, está com vocês ele”, recebi ele, recebemos ele assim… E ali, ela tinha tido com o Jacques uma menina que voltou com a mãe, já separada, para a Suíça. Então, era uma família que tinha a Kyra, a Sophia, o Jean Pierre, e a menina Anpaul que voltou conosco também. Era muitíssimo complexo porque era uma época… Primeiro, você tinha várias procedências familiares, era um momento em que você tinha e eu acho que era mais pernicioso naquela época, você tinha venda de maconha a direita, a esquerda das escolas, isso complicava muito, porque era muito caótico. Eu estou falando aí dos anos 60.
P/1 – A Sophia já era adolescente?
R – A Sophia nasceu em 60 e tanto. Mas ela conheceu… Não era o irmão dela, era digamos, o filho do pai dela, que era uma pessoa de uma energia absolutamente quase indomável, entrava em encrencas e a casa era muito complicada, batia na Sophia, uma coisa louca, porque ela era meio que… Ela achava que era… Que a gente dava mais condições para ela do que para os irmãos e ela rejeitava esse posicionamento. Era muito curioso. A Sophia, estou voltando para uma coisa que eu acho importante, eu tenho que ver como exatamente. A Sophia entrou no Carandiru inconscientemente por causa do pai dela, o Jacques, porque ele tinha uma história de guerra muito complexa, mas para as pessoas no Brasil daquela época, você falar da Segunda Guerra Mundial, você tinha que realmente ficar trancado no quarto um ano para você ir explicando, sempre pairava uma espécie de algo não revelado. Eu vou trazer para vocês primeiro o livrinho da Kyra e depois, uma foto que eu acho absolutamente simbólica disto, uma foto maravilhosa que deve ter sido pega espontaneamente. É a Sophia com o cabelo longo na frente, atrás dela, o pai, o Jacques e mais uma outra pessoa assim. Vou trazer, porque ela… Diz ela… Eu não vou contar essas coisas porque ela contou para vocês, mas ela passava e dizia… Mas eu acho que interiormente esse não saber, esse quase que proibido foi um dos elementos que levou ela aí e esse negócio do não dever, de não ter sido… Ela se considerava como se ela usurpasse, como se ela tivesse mais direitos, coisa da cabeça dela, mas então, a história da Sophia é para periferias além, entende? A vida inteira. Mas a história da Sophia é muito singela, porque ali agora está com uma coisa muito interessante, o negócio da laje, ela deve ter contado para vocês. Mas a história dela, como todas as histórias de vida tem as suas raízes no atrás de acontecer o nascimento da pessoa, entende? Então, essa história do não contado, não contado, por quê? Como contar? Então, ficou… Por exemplo, ele faleceu em 90, ela já tinha 30 anos, mas era uma família… O Jean Pierre que era um diabo, era o diabo! Só que uma pessoa incapaz de trair, uma pessoa de uma fidelidade muito grande. Então, por exemplo, Jean Pierre casou nos Estados Unidos com uma moça judia que mexia com cavalos e tiveram um filho. Essas coisas curiosas, primeiro filho tinha cavalo e quase nunca andava a cavalo, que coisa gozada, não? Mas o quê que aconteceu? O Jean Pierre amava, tinha amor, o filho dele que seria o meu afilhado, a adolescência dele foi um caos! É a pessoa mais racionalmente compreensível que eu já vi, então eu tenho uma teoria curiosa que eu digo que não é o behaviorismo, como se… É uma tendência de pensar que como você vive as pessoas ao redor, como você… Como você… Eu acho que a pessoa já leva certas características realmente que fazem parte de uma parte muitíssimo interior, quase você é levado a pensar em vida anterior, mas você pode chegar nisso sem necessariamente pensar em vidas anteriores, que não é impossível de pensar, entende? Porque eu digo, ele era… E agora, estou falando disso, estou falando que ele impossível de trair, quando eu digo traição, não estou falando de coisa romântica… Não, eu estou falando que ele estava quando você precisava. E aí, me leva a uma coisa interessante, características morais diante de hoje. Eu acho absolutamente inconcebível a nomeação… Como eles chamam? Eu esqueci o nome, quando a pessoa recebe que pode sair da prisão, como chama isso?
P/2 – Delação?
R – Delação premiada. Eu acho extraordinário! Na época anterior, militarmente, se você traía, você era morto um dia depois, iam te pôr no muro, quatro, cinco, seis ou dez, e pá! Era o pior dos pecados possíveis.
R - Você me perguntou da Arte…
P/2 – Você tinha uma curiosidade…
R – Ah, faça a questão.
P/1 – Não, não, pode continuar.
R – Eu não sei o nome inteiro de você. Como é o seu nome inteiro?
P/1 – Meu nome inteiro é Priscila Leonel de Medeiros Pereira.
R – Ótimo. Priscila, você me perguntou sobre um pouco da minha trajetória nas artes. Eu falei não, mas depois falei: “É uma pergunta muito boa”, por quê? Durante bem oito anos, eu trabalhei no que eu acho horrível falar artes plásticas, porque se lembra de plástico, artes visuais, ou seja, pintura, desenho e tudo isso com o máximo envolvimento. Mas eu sempre via a tela branca e pensava: “Mas o que vou pôr nessa tela?”, e me via assim, um pouco sozinha a fazer isso. Antes, estava sempre com grupos, mas isso era enquanto eu estudava. Mas depois, a pessoa faz sozinha. Então, eu achava um tedio, não a arte, mas isso do que fazer e essa solidão, essa coisa… Ali, eu tinha começado com o meu primeiro marido que era muito bom fotógrafo amador, fazer fotografia, mas nunca… E com o segundo marido… Como que foi isso? Eu já… Ah é, o segundo marido, quando a Sofia nasceu, eu estava perdida e…
P/2 – Você estava dizendo que o primeiro marido era fotógrafo amador. Você já prestou atenção nisso, mas depois, com o segundo…
R – Então, aí a Sophia nasceu e a gente tinha podido com os preços… Não eram o que são hoje, a gente tinha podido lentamente comprar essa casa, tudo estava bem. Aí, eu vou contar como era esse marido. Então, eu achei… Sabe? Falei: “Ah, você sabe que eu gostaria de fazer uma coisa manual, quem sabe cerâmica”, ele olhou para mim com uma firmeza, o momento que você decide que você talvez chegue a fazer alguma coisa. Então, ele era único, porque ele era uma pessoa que não tolerava histerias. Então, para mim, era muito bom. O quê que aconteceu? Nesses primeiros tempos de casamento, eu estava no segundo casamento e falei: “Nossa, o quê que eu faço?”, aí essa minha amiga tinha estado em um psicanalista ótimo, eu pensei… Cada vez que eu saía, por exemplo, eu já estava tentando fotografar, saía com o flash, cada vez que eu saía com o flash, quebrava o flash, não conseguia fazer nada! Então, eu falei: “Será? Eu podia ir para…”, ele falou não muito interessado: “Sim”, e fui lá. Naturalmente pago por quem? Pago por ele. E aí, era um freudiano. Então, ele vivia com o cheque e eu tinha que preencher o cheque com os dados, invariavelmente, eu fazia errado. Aí, eu falava: “Será que eu tenho algum problema com o dinheiro?”, resposta dele: “Talvez”, e ficou por isso: talvez. Bom, eu me lembro durante o tempo que estava com ele, deitava no sofá e se eu não falava, ele não falava. E as respostas eram assim algumas palavras. Aí um dia, eu cheguei lá, depois de quase um ano, esperei no elevador, falei: “Nossa, que estranho, ninguém tá abrindo”, aí o elevador de lá… “Você não sabe, ele faleceu ontem no Clube Inglês”, onde o meu marido jogava tênis, jogando tênis, ele faleceu. Bom, ali o quê que aconteceu? Naquela época, o cemitério judaico era lá indo para a raposo, só que era pura lama vermelha porque era no início. Tomei o ônibus, chovendo, botas, entrei no cemitério, achei uma coisa que tinha sido recém enterrado, peguei essas flores vermelhas, como chamam essas flores vermelhas que tem na rua, os chás são feitos disso.
P/1 – Hibisco?
R – Hibiscos. Peguei um hibisco e fiz assim, pá! Voltei, nunca mais tive esse problema de incompetência de agir. Então, eu digo, as psicanálises… Eu prefiro… Pra mim, se eu tivesse ido para um junguiano, teria montado… sabe, ficava no papo e tal… Agora o outro não, “Será que eu tenho problema com dinheiro?”. “Talvez”, mas são nesses silêncios e esse tipo de: “Não, eu não vou te dar o mapa da mina”, por isso que eu acho que esse negócio freudiano é muitíssimo importante. E esse segundo marido era uma pessoa muito calorosa, mas tinha uma coisa pragmática também e aí, eu vou… Eu tenho um amigo até hoje que diz: “Todas as pessoas que você ama mesmo são todos técnicos”. “Talvez”, mas por quê? Porque eu busco aquilo que eu faço, mas com dificuldade. Então, o que aconteceu? A ida, como eu falei atrás, o ponto de conexão das artes plásticas com as fotos foi Pele Preta, mas dali, eu não sei como era… Não sei exatamente como foi, mas eu me lembro que um dia, ainda muito… Mas eu acredito que eu tinha um certo talento visível, suponha, porque fui na Editora Abril, naquela época, Quatro Rodas tinha uma parte de ensaio. Eu fiz dois ou três ensaios… Ah não, essa parte de não ter raízes, eu ia sozinha, geralmente, porque eu acho importante ir sozinha porque você vai com pessoas, você não entra no ambiente. Então, eu ia, pegava o ônibus… Pegava ônibus que levava 56 horas de São Paulo para o Maranhão. Então, eram épocas em que eu fotografava sem preocupação de fazer o bem ou o mal, enfim, fazia isso. E com isso, eu acho que tinham pequenos ensaios no interior de Minas e na “Quatro Rodas” tinha um diretor maravilhoso, chamava Maurivan e ele aceitou dois ensaios, aí ele falou: “Será que você se anima fazer uma especial do Rio junto com David ___02:03:03____?”, falei: “Não sei”, mas deu certo. E aí, quando você estava naquela época que era quando começava a Realidade, era uma época maravilhosa, tinha a Claudia, que teve uma expedição maravilhosa a Índia, tinham pessoas maravilhosas que, provavelmente, vocês não conhecem, mas era inteligentíssimo, porque nos dava muitas liberdades e possibilidades. E de lá, ganhei uma Bolsa do Guggenheim nos anos 70, comecei a fazer livros assim, batalhando para ter; porque era raro você ter apoio. Comecei a fazer livros assim.
P/2 – Maureen, mas antes de você ir para essa parte, você começou a realmente fotografar…
R – Ah, sim!
P/2 – Mas como que você foi se expandindo, assim? Como que isso foi acontecendo? Você fez a terapia, a análise, né?
R – Ah, já é…
P/2 – E aí, como que você começa mesmo?
R – Eu diria pela fascinação que eu tinha pelo o que eu via.
P/2 – E começou a fotografar?
R – Ah, é! Inicialmente… Não, tinha inicialmente muito P&B, mas como a revista naquela época, especialmente, entrou muito para a cor, então íamos para as provas e tal. E lá fora, há cinco, seis anos, os anos da realidade, que foram riquíssimos. Então, por que que sai da pintura para a fotografia? E para publicações e para exposições? Levada, de um lado, por isso, o descontentamento de fazer coisas sozinha. Então, o que eu realmente gosto de fazer é trabalhar em grupo, não enorme, não. Por exemplo, Marcos ____02:05:42___ que fez com a gente, montou esse espaço e o espaço que deu esse espaço na Casa do Museu da Casa Brasileira, eu conheço desde 1989, 30 anos. Então, esse que é o prazer da coisa. Então, eu faço exposição, agora eu estou com um negócio do Suassuna que pode ser muito interessante. Mas ele escreveu um livro, enfim, esse é outro… Mas acaba de… O que é assim, a fotografia é quase necessariamente mais aberta ao mundo. Primeiro, que você está fotografando uma coisa viva. Eu digo sempre que se estabelece um olhar bizantino, você… É uma cumplicidade, essa cumplicidade e com a pintura, para mim não tinha, entende? Então, essa cumplicidade que eu gosto. Isso é interessante porque… Por exemplo, esse filme eu estou com a mesma pessoa nos últimos dois meses, oito anos fazendo o quê? É que ninguém sabe e eu também não tinha percebido que desde os anos… O primeiro filme que eu fiz foi nos anos 60 Yaô, saído de ____02:07:44____ aqui para Cultura, Fundação Anchieta, aqui. Então, a minha vida de vídeo e de cinema é mais volumosa do que de fotos, mas eu tinha esquecido disso por causa dos anos de memorial, que a gente fez o memorial, que era mais uma vez museu. Nós montamos, o Jacques, o Antônio Marcos, um arquiteto nosso amigo, sócio e eu, a gente montou o pavilhão da criatividade que tudo está quase destruído. Ótimo chegar nesse ponto. O problema para todo mundo que vai entrar nesse negócio, não é montar, montar você acha apoio, você acha interesse porque reflete na pessoa que está te apoiando, a empresa. Agora, preservar, esqueça! Não só preservar. O memorial… Eu estou absolutamente furiosa hoje por quê? Se fosse só a destruição de uma ideia do Darcy Ribeiro, ontem eu recebi a mensagem de um moço que entrou comigo em 1989, quer dizer, o primeiro ano, está lá com o salário mínimo, pouco, pouco, tá há 30 anos, um menino assim, plano de Deus, como se diz, maravilhoso que fazia vídeo aqui, que ajudava ali… Entra um presidente temporário porque o outro não chegou ainda que me diz que é uma pessoa que estava na área de esportes, o quê que ele faz? Demite essa pessoa, põe no jornal oficial, não fala para porra nenhuma, ninguém e o cara tá sem nada, assim. Então, essas coisas que me revoltam. É uma revolta muito grande. Esse negócio do Museu Nacional é mal falado também, porque tudo bem, está certo, não tinha verba, mas será que você minimamente não tem que saber de ter água e bombeiros? Então, não é assim: “A gente não tinha verba”, tá, mas então se não tem verba, sai de lá, mas pelo menos tenha um conjunto de bombeiros e água. Então, essas coisas me põem realmente fora de mim. É interessante isso. Agora, tira o cara! Nem toma conhecimento para a gente, eu estou fora, mas podia… Não, querido por todos. Ele disse que é presidente do memorial, vai sair, graças a Deus. Então, você vê esse desrespeito a certas áreas, o brasileiro não tem desrespeito, mas pessoas em áreas, são pessoas que não deveriam estar nessas áreas. Foi ótimo ter a ocasião de por isso para o Museu da Pessoa porque está até aqui na minha cabeça. São as pessoas que vão lá para serem alguém que não são, terem ótimos salários e que deixam a história de um país… Não falei bastante, mas foi ótimo, porque realmente é assim. Mas o lado bom, o que aqui está é o resultado de toda uma história que aqui eu vou fazer muito, muito, assim, sintético, já que a Sophia e virá o André, importantíssimo ter mais uma entrevista com vocês…
P/2 – Maureen, mas se você puder contar e detalhadamente porque é a sua parte, entendeu? É a sua forma…
R – Aqui?
P/2 – Sim.
R – A minha parte é fácil. Como eu falei, uma das razões para a entrada da Sophia foi isso e eu pouco a pouco, o pai dela, imediatamente, eu acho que ele deu absoluta de uma resistência. Ela disse que eu fiquei assim, assim, eu não me lembro disso, mas ela disse. Mas pouco a pouco, eu não sei como, eu estou falando dos anos 80, eu disse que eu ia lá ver ou ela me convidou, eu não sei como foi, mas quando entrei no Carandiru, não saí. Mas minha parte, eu sempre disse, quando falam do projeto, primeiro, dela no teatro do presídio e agora na TV porque ela conversou, eu documentei, a minha parte é documentação desse projeto. Por exemplo, como isso tornou-se possível entre as diretrizes, entre os presos. Isso é a Sophia, o primeiro grupo dela com Eda Tassara, eu acho que a Sophia começou, depois veio a Inês de Castro, depois veio o Renato Primo Comi, depois a Eda e eu só digo uma coisa que é esquisita, porque eu me envolvi no trabalho foi assim… Porque essas coisas não era uma vez por mês, eu me lembro que tinha mês que era todos os dias da semana, de segunda a sexta. Quando eu saía na rua, quando eu saía no portão, o mundo por algumas horas me parecia plano. Então, era uma mesmice. Eu não vou entrar muito nisso, porque ela que sabe, mas quem se dispunha para como fazer isso com primeiro a Sophia e a turma dela no início, depois sozinha que ela ficou muito tempo sozinha e depois, com o João e eu, todos que quisessem era porque queriam participar. Então, esse querer participar e o ter tempo, isso que é a diferença na rua. Como a gente era uma ponte verbal e emotivamente também com a rua, o tempo era assim, ali para ser usado porque era ilimitado e tinha no Carandiru, uma que nunca mais vai ser visto em prisões mundiais, de um lado era o inferno na terra e outro, uma liberdade absolutamente inacreditável que está visto no trabalho que eles fazem, nos vídeos e uma das razões em que primeiro, isso foi montado, foi o resultado de todo esse trabalho, foi o resultado do último trabalho, os últimos anos do Carandiru. Só que isso foi possível inicialmente por causa do Museu da Casa Brasileira, que tinha… Como se chama a nossa amiga?
P/3 – Mirian?
R – Mirian Lerner. E tem aquele moço maravilhoso, também.
P/3 – Jean Carlos…
R – Essas duas, bom, então eram pessoas que lutaram anos para poder fazer porque é meio curioso você entrar com a prisão como ter sido Casa Brasileira. Mas a introdução é muito boa que ela escreveu para esse livrinho que a gente fez e tudo isso veio custeado por eles, uma exposição que era para um mês, ficou três.
P/2 – Custeado por quem, Maureen?
R – Custeado por quem? Pelo próprio Museu. Agora, eles lutaram para terem oficial, eles receberam do… Eu acho, eu não me lembro se do governo ou se prefeitura, eu acho que do governo…
P/3 – Governo do Estado. Uma organização social.
R – Governo, exatamente, foi generoso, tal, tal, tal… E o quê que aconteceu? Tornar essa exposição… Eu fiz com o Albertine e isso foi tudinho dimensionado para uma casa pseudo colonial na Faria Lima, portanto, eram vários quartos, salas e tal dimensionadas para isso. Só que aí, por que eu gosto? Eu respeito uma pessoa que é artista, mas que tem um espírito técnico? Aqui, ele já sabia, porque isso iria ser feito, mas não vingou anos atrás por amigos que não tinham verba e morreu por aí, mas ele já tinha as dimensões limítrofes daqui. Quando eu digo que tudo isso veio do Museu Brasileiro, que ficou assim, que a Cecília guardou num lugar muito bem guardado, olha, todas as fotos e os textos, não falta um. Todas entraram aqui. Todas! Isso é incrível. Aí, eu acho muito importante, agora estava num momento fabuloso. Agora porque eu vou falar de você, eu vou falar de você, por que o quê que acontece? Espaços para ganhar… É um espaço que pertence a uma escola. Difícil achar um jeito de visitação corriqueira de museu. E aí, que eu fiquei absolutamente encantada. Através desse trabalho de você e nesse momento, da Nádia e deve ter outra pessoa que eu não estou mencionando…
P/2 – Maureen, desculpe cortar, fala o nome para ficar registado. O nome de quem é que você tá falando, da…
R – Essas pessoas, eles que sabem mais.
P/2 – Não, você falou: “Cecília”… Mas fala…
R – Cecilia Machado.
P/2 – E Nádia?
R – E Nádia… Eu não me lembro…
P/2 – Sim, mas pelo menos o nome delas, é isso que eu tô pedindo.
R – Então, porque é muito difícil. Isso aqui, mais ou menos, flutuou um tempo não só por causa de verba, mas por causa de como se ter um museu nativo num espaço de escola? Entende? Já foi uma coisa boa da escola da… Como chama? Ela também.
P/3 – Laura Laganá.
R – Laura, que no início da coisa, há anos, concordou, teve visão. Agora, a visão dela não é… Ela que tem que pôr a coisa funcionando, cada etapa é cada etapa. Então, o que aconteceu? Aí, começou com as pessoas… Começou como a Cecília vai me dizer, como o lugar de formação de museologia e essas pessoas, pessoas que faziam uns anos, depois iam fazer a vida deles e depois, acabaram o curso, mas eles já davam um pouco de vida, já era aquele amor, aquele negócio que eu brincava sempre, eu ia sempre sem luvas, qualquer coisa, então, eu falei: “Nossa, parece que você tá guardada” (risos), mas eu aprecio isso, porque eles guardavam, tem umas coisas absolutamente irrisória que deveriam estar por aqui. E era certo, porque as coisas em museu podem ter o segredo de uma mina, entende? Mas aí, um certo momento chegou a isso, só que era uma vez ou outra, uma… Só que com isso, eu não sei, a Nádia, eu acho e você tinham uma turma… Não sei como você fala, depois é você que tem que falar, mas começaram a haver pequenos grupos adolescentes, um pouco mais, para falar, por exemplo, primeiro final de semana, na abertura no parque da Juventude, eu acho que estava lá filmando, criança, pá, pá, pá… “Ah tia, não eu sei isso que o meu tio tava aqui, o meu pai tava aqui…”, então era assim, uma intimidade espacial com o negócio. Então aqui, deve ter gente que tem coisas familiares e gente que não. Então, isso começou… E outro dia, eu acho que faz duas ou três semanas, mas foi assim, uma coisa extraordinária. Recebo um e-mail: “Porque se você sabia… “, ele não falou muito, mas falou o nome de uma pessoa que chama Claudinho da Cidade, esse Claudinho é um poeta extraordinário. Eu falei: “Eu venho”. Aí, foi tudo gravado e foi uma maravilha, mas digo isso, por quê? Essa… Acho que chama Valdir, como que chama ele?
P/3 – Vanderlei.
R – Vanderlei. Quando a gente abriu o livro que a gente fez, ele escreveu esse texto e tal, tal… E gravei ele uns sei minutos dizendo como eles tinham… Ele e não sei quem mais, mas eles tinham conseguido fazer uma ONG. Isso mundialmente é incrível! Sendo que o Claudinho da Cidade vem aqui, faz não sei quando e como monitorias e que por causa de um estudante monitor, faz também apresentações mensais ou não, na Casa das Rosas. Então, eu falei… Como eu vi a Sofia durante muito tempo, ela não querer mais saber do trabalho na prisão porque era só… Mas agora, eu vi que a partir da abertura, agora ela… Voltou de novo. E ela fala: “O Claudinho…”, então agora, ela está ficando de bem com uma época da vida que ela tinha… Porque é complicadíssimo você trabalhar em áreas sociais se você não é social. Porque chega uma hora em que todo mundo: “Ah, tá aproveitando da gente…”, mas no fundo, quando abriu à noite que ela veio, ela, o João Wainer, e eu, ela estava… Ela recuperou uma parte essencial da vida dela. Anos, entende? Então, eu acho para mim seria tudo que eu teria que dizer, a não ser questões, porque a gente fez uma volta muito grande. Agora, questões, pode.
P/2 – Maureen, de quem não acompanhou toda a história, para você contar, você ia e documentava todo o trabalho que a… E aí, como que vocês foram reunindo esses objetos? Como foi esse processo? Quem que fez isso?
R – Quer dizer… Bem, reunião de objetos, você tem uma certa frustração, porque por exemplo, aquela virgem, só Deus sabe como foi! Ela é deste tamanho. Então, a gente, por exemplo, futebol com monarcas, as pessoas… A gente sabia, eles só foram nos últimos tempos para o Carandiru. Eu só queria mencionar uma pessoa muito importante nisso, o Dráuzio Varela, por quê? Porque todo mundo, obviamente, sabe da trajetória dele de prisões, na saúde e tal, mas ele tem a mesma coisa, nós temos ele gravado, ele tem a mesma coisa do ímã desde… Do imã que nos atrai. Então, eu acho interessante e, naturalmente, casou extraordinariamente porque ele faz enormemente importante, mas para ele é importante. Então, essas coisas felizes, né?
P/2 – Maureen, a gente vai fazer outras perguntas, mas só relativo ainda a essa história que chegou aqui no Centro Memória.
R – Ah, as peças!
P/2 – Mas antes das peças, você falou em imã, né? Que é algo que atrai. Você tem assim, alguma coisa que realmente…
R – Não, o que aqui… O que eu tenho aqui é a totalidade do que foi possível ter resgatado. Só que aqui, a diretoria do serviço de vigilância é muito interessante. Mas o que eu tenho quase obsessão é poder ter um pequeno fundo, grande fundo, não sei, para instalar aqui uma parte pequena dos vídeos sobre temas, por exemplo, temas como escola, cozinha, esporte ou emoções, solidão… Então, a primeira parte, sem contar a parte da Sofia, talentos do teatro no presídio que tem dois vídeos inteiros que mostram o processo, isso já tá feito, mas poder fazer com que as edições sejam finalizadas que é uma coisa relativamente... Muito foi feito que a gente mesmo, todo mundo participando sem projeto, mas foi feito, mas uma parte muito importante que é que eu acho que só anjo pode fazer isso, né, esse negócio de tabulações, porque grande parte do que você faz num presídio, você não vai botar num face e você nem vai pôr aqui para todos os visitantes. Então, aqui você tem três cubículos e o do meio seria para pesquisadores que viriam com uma marca daqui. Esse negócio, eu acho que seria feito sobre entre 50 e 70 horas de vídeo. Isso é delirante, tipo bibliotecária, porque você… Tem que ter uma pessoa especializada que veja em toda edição onde aparece por exemplo alimentação, mas não é tão simples, não é só botar a panela no fogo, onde é, onde não é alimentação porque vem outras coisas, prioridades. Então, essa foi aprovada o ano passado pelo MEC na totalidade e tem mais um ano para ver isso. Porque o que falta aqui que eu acho que será extremamente enriquecedor para por exemplo, para a Nádia, para a Cecilia e sobretudo, a Claudia, as pessoas que vêm e para os pesquisadores, seria poder fazer com que esses arquivos sejam daqui a aqui, porque é aqui que deve estar se veio daqui. Então, uma vez que acaba esse filme que eu falei de equivalências e mesmo antes, perceber que firma poderia fazer isso, porque é o que falta, porque o resto… Tem sim, tem duas coisas, uma é pôr aquele portão que foi um absoluto milagre e o outro é fazer que a cela seja mais realista, porque celas não tem assim… Foi feita uma cela, porque aqui eu acho que era perto da solitária, mas também era como se diz? Não o hospital, como se chama?
P/1 – A enfermaria.
R – A enfermaria.
P/2 – Maureen, só voltando, depois elas têm outras perguntas. Vocês estão habituadas, né, já sabem bem a história, mas para a gente também deixar registrada, como que você foi buscando os objetos? Ou não foi você? Como que ia… Como que reuniu todo o acervo?
R – Quem ia mais… Quem era menos era o Giovanni, mas não vinha sempre. Então, mas todo mundo… Se a gente visse, por exemplo… Isto foi feito nos últimos tempos, mesmo, porque aqui está não faz parte de outros projetos da Sophia, faz parte desses últimos anos que ela estava lá. Então, foi… Essa pessoa tem todo… O que é muito interessante de se ter isso é que nós temos filmado a pessoa que fez isso. Ele é uma pessoa que fazia as beliches e mostra a prensa que era para fazer cigarro… Então, falta não sobre as peças, mas falta a agenda da casca do ovo, não? Que seria isso. Algumas coisas para serem vistas com pequenos… Como se chama?
P/1 – Tablets.
R – Mostra uma saída, mostra uma entrada e mais, eu acho que para finalizar isso, já que trabalhava muito tempo, o ano inteiro, isso até foi o filho da Sophia que trabalhou comigo, o Jacques na parte de formação de pequenas edições. Então, eu gostaria… Para mim seria o projeto, porque aí a história está feita. Falta isso.
P/2 – Quer perguntar?
P/1 – Então, eu vou fazer a pergunta dos meninos.
R – No final, eles não falaram nada.
P/1 – Eles falaram para mim e eu vou falar pra você. Ficou uma vontade de saber como é que foi a sua relação com as pessoas que estavam aqui quando você frequentava, enquanto você documentava…
R – No Carandiru?
P/1 – No Carandiru, isso, como é que foi a sua experiência?
R – Mesma coisa que com eles, né? Eu acho que… Claro, com a minha idade, quando você tem cabelos brancos e a minha idade, tem uma coisa muito legal, que eu completava o esquema…
P/2 – Como assim, completava o esquema?
R – Quer dizer, o grupo era… Eu acho que quando a gente vinha… Não é acho, eu sei que quando a gente vinha, porque o primeiro teatro no presídio, o processo de fazer teatro, o processo que era importante. Aqui não, aqui era o contato real com pessoas realmente interessadas, não só curiosas, sabe? Nossa, tem lá um, me lembro dele, uma pessoa de uma sensibilidade tremenda. O que pode definir é o interesse das pessoas que vêm e a realização dessa ONG agora, eu acho que é um pulo imenso isso.
P/2 – Maureen, teve alguma relação, alguma pessoa, alguma história que você viveu aqui que foi marcante? Tudo foi marcante, a gente sabe, mas momentos assim, acontecimentos…
R – Deixa-me lembrar. Porque você…
P/2 – Que ilustram, sabe?
R – Eu acho que cada pessoa que vinha, vinha porque queria ver. Agora…
P/2 – Não, de quem estava aqui…
P/1 – Os moradores do Carandiru.
R – Sim, mas as pessoas que vinham a nós para participar, então, por exemplo, se a gente olha bem fundo na vida da gente, a gente não retrata absolutamente, sabe? A gente borda em cima. Automaticamente, o tempo mexe, a pessoa mexe também consigo mesma, então… Tinham pessoas curiosas, tinham personalidades que eu não me lembro… Gozado como eu esqueci agora, que gritava… Quem é aquele? Como chamava ele? Gritava: “Aleluia”, de repente, ele ia perto da janela e gritava: “Aleluia”, certas religiosidades curiosas, mas é muita, muita gente.
P/1 – Como é que essas pessoas chegavam até vocês? Vocês explicaram para elas do projeto? Tinha um projeto e aí, elas…
R – Ah, isso é uma pergunta muito… A Sophia deve ter falado fatalmente nisso…
P/1 – Ela não falou muito nisso.
R – Levou uns meses para ela e o André Caramante poderem fazer esse trabalho. Não só pela diretoria, mas pelas empresas. Eu prefiro porque agora eu acho que rapidamente vou ligar para ela, eu acho que a Sophia deve estar… Eu acho que agora é muito importante o Caramante vir, porque o Caramante vai vir e vai dizer em que etapa de crime por exemplo… Ele vai contar uma coisa muito interessante…
P/2 – Maureen, de qualquer forma, quando a gente pergunta para você é pra você falar da sua percepção, entendeu?
R – Eu acho que… Eu tenho a impressão, mas eu não gosto muito de falar disso porque eu não sei exatamente, mas foi um momento, esse momento da Sophia e o Caramante, João e eu, foi um momento em que convinha as grandes facções de criar um ambiente harmonioso. Então, não foram momentos antes que aí, eu não vou nem relatar porque ele vai, mesmo. Então, foi o momento em que foi possível, Caramante e Sophia ficaram pelo menos uns dois meses com o ____02:43:20___ que vocês já sabem eu não vou explicar o que era, para poder ter a liberdade. Tinha liberdade.
P/2 – Maureen, quando você começa a fazer o trabalho com a fotografia, que você começa a trabalhar em revistas, aí a gente já pulou para esse trabalho aqui do Centro Memória Carandiru. Então, se você puder escolher o que você quiser contar desse período, sabe? De algum trabalho significativo que você acha importante contar.
R – O quê que acontece? Daqui a três meses vai sair esse filme que se chama Equivalências, Aprender Vivendo, as pessoas me dizem: “É um documentário auto documentado?”. “É sobre o que eu faço, porque o que eu faço é o que eu sou”, porque a minha vida como começa, como vai é como um rio que, mais ou menos, tudo fica sendo a mesma coisa. Por isso, que detalhar mais ou menos é difícil porque todo mundo aqui tem a ver talvez com intuição, talvez, a pessoa tem que… Eu estava lendo uma coisa ontem que me deu essa noção da importância da intuição. Inclusive, acaba dizendo uma coisa assim, nesse filme. As partes emotivas são todas feitas pela Sophia. Outro dia, a gente estava fazendo o corte final do filme, aí ela estava ali… Eu falei para ela: “Você faz essas coisas assim”, ela diz: “É, eu faço mal feito… Mas eu sempre busco a essência…”, então, eu acho que são várias maneiras de captar, mas eu também acho que nada se repete e a pessoa que quer trabalhar em qualquer questão de documentação, visualização sonora, tem que ter olhos através da cabeça, sabe? Porque as coisas “incaptáveis” são as melhores, né, mas muitas vezes, ficam “incaptáveis”, né? E aí, as pessoas falam: “Se são ‘incaptáveis’ é para ser que sejam”.
P/2 – É, por isso que a gente queria que você… Contasse algo assim dessa fase, do jeito que você foi contando das fases anteriores. Situações.
R – É, mais ou menos, uma coisa fica lançado e vai criando assim, ondas e depois vai e volta, mas eu achei muito interessante, justamente a Sophia falou, ela esteve comigo lá, eu falei: “Vou fazer umas duas horas”. “Vai fazer mais” “Acho que vou estar aqui de volta lá pelas quatro horas” (risos). Agora a gente tem que ver o momento que o Caramante tem um momento, porque ele vai completar a história, é muito importante.
P/2 – A gente já tá indo para o final, tem uma pergunta aqui que os meninos estão sugerindo e uma nossa aqui pra já ir concluindo, Maureen. Eles perguntam desse trabalho que você fez no Carandiru, se impactou em você? O quê que te impactou enquanto pessoa? Eles perguntam isso para você. Teve alguma coisa que mexeu com você nesse trabalho?
R – Sempre a mesma coisa, é essa… Mesmo que a gente não seja formal, a fala, geralmente, é formal, tem a ver com o que estamos fazendo, então eu ia chamar e acho que se vocês quisessem um título sobre este trabalho, veio de uma grande amiga minha que foi uma pessoa que acompanhou e ajudou a formular o teatro do presídio, ___02:49:14____, que ela é da parte de Psicologia do Trabalho da USP. Ela tem uma Bolsa, rara coisa, mas tem uma Bolsa, mas ela veio com uma frase que eu deveria ter feito o livro, mas vai ser agora: “A necessidade de narrar”. Então, para mim seria o título dessa parte e eu acho que explicita completamente o que nós recebemos e o que nós para eles fomos: a necessidade de narrar. Fora que tem pouco tempo para isso, pouco tempo. E aí você vê a criatividade… Outra coisa, por exemplo, eu chamei essas coisas todas de “A Arquitetura da Sobrevivência”. Essa é outra frase que é isso, fazer do que você tem uma transformação. E lá é óbvio. E acontece, às vezes, tão pouco que a pessoa vai sempre na loja, compra isso… Pra mim, eu fico sempre um pouco atacada com o consumismo, eu não gosto, nunca gostei. Isso é curioso porque isso aqui é pesado, isso é para fazer… Essa peça aqui é para fazer ginástica, essa aqui deve ser muito pesada, mas essa que é feita com aquele plástico, como que chama agora?
P/1 – PET.
R – PET, esse é inocente, mas eles põem em cada um areia, se não movediça, pelo menos, bem úmida e aí, é bem… Então, você tem essas coisas. Lâmpadas, ah, tem coisas… Tem uma lâmpada, um abajur muito bom.
P/2 – Mas acho que é isso, né, Maureen.
R – Um monte de coisas…
P/2 – Maureen, tem alguma coisa… A gente tá terminando, tem alguma pergunta que a gente não fez que você gostaria de contar?
R – Acho que não!
P/1 – Eu tenho uma pergunta. Por quê que vocês vieram para o Brasil?
R – Absolutamente prático, para casar. Porque você lembra que eu vim aqui porque esse pai da Kyra, meu primeiro marido foi enviado para cá pela profissão dele, então eu vim.
P/1 – Ah, entendi.
R – Saí e voltei. Entende? E por que fiquei? Também tinha uma coisa a ver com o casamento porque aí, casei pela segunda vez, pelo menos, juntamos lá pela segunda vez e aí fiquei porque entrei no trabalho, né? Eu sempre brinquei: o momento em que eu possa fazer trabalhos sozinha ou com gente já era… Porque eu acho que para mim, uma base da existência, né?
P/2 – Você teve vontade de voltar?
R – Para quê?
P/2 – Para os Estados Unidos ou para a Europa?
R – Não, não, não. Eu gosto, por exemplo, tenho a brincadeira, as pessoas dizem: “Onde você gostaria de morar se não fosse aqui?” Imediatamente, obviamente, eu digo: “Nova York”, porque eu acho que é uma cidade generosa, interessante, eu me dou bem e eles se dão bem comigo, mas uma outra coisa curiosa, as pessoas dizem: “La Paz”, Bolívia. Eu gosto muito da Bolívia, conheci… Eu acho que de visita, fora o Brasil é o lugar que mais… Eu fui durante os anos 70, umas oito vezes. Mas não é Santa Cruz de La Sierra, não, é os altos, altiplanos, altos. Eu gosto dos altiplanos, eu gosto talvez por causa da Suíça, pela paisagem, as cholas são mulheres muito fortes, têm tradições assim muito atraentes. Eu gosto.
P/2 – E daqui, se você pudesse…
R – Ah, eu gosto do Rio de Janeiro, muito. Estava no Rio agora. Eu gosto muito do Rio. Você escuta sempre… Mas é curioso, isso eu tenho vantagem de dizer, a gente tem costume quando as pessoas falam que você é de São Paulo, geralmente… “São Paulo”, mas eu não estou de acordo. Eu acho… Eu tenho muita gratidão por São Paulo, eu acho uma cidade muito interessante. Agora, o Rio é interessante e mais belo, é uma cidade física, corporal, o Rio de Janeiro. Então você, mesmo que trabalhe, você tem esse respiro de uma cidade… Mas eu me dou bem em São Paulo. E uma das razões que inclui Prestes Maia, nunca tinha voltado lá, faz anos, mas quando comecei a falar com o editor do meu trabalho, ele disse: “Mas a gente deveria ir lá para apontar”, que foi um pouco, quase os inícios, o quase aprender a andar foi em São Paulo e foi na Prestes Maia. Mas foi assim um pouco, né? Então é assim.
P/2 – A pergunta que a gente faz no final é como que foi para você fazer essa entrevista, como você se sentiu fazendo essa entrevista… Contando a sua história pra gente, como que foi esse momento?
R – Eu achei muito interessante, eu sou muito gulosa, né? Então, eu vou dizer: “Esse material aqui pra mim vai ser interessante” (risos). Eu acho que são trocas, né?
P/2 – Teve alguma diferença, Maureen, das outras entrevistas, até do que você tá trabalhando…
R – Com outras pessoas?
P/2 – Aqui, hoje. Teve alguma coisa de diferente?
R – Não, mas eu não tive muita aqui. Não teve muitas. Eu não me lembro de ter tido muitas entrevistas aqui…
P/2 – Não. Assim, desse momento.
R – Como assim?
P/2 – Assim, eu perguntei como foi para você fazer essa entrevista com a gente. Aí, depois eu perguntei… Você falou: “Eu sou gulosa, eu quero…”, mas aí eu perguntei: “Essa entrevista teve alguma coisa de diferente das que você já realizou, contando sobre você, sobre…?”.
R – Eu acho que foi muitíssimo bom. Tem duas que eu acho que foram muito boas, recentes. Esta pela extensão de tempo, pelas pessoas que vocês já têm isso como uma estratégia de coleção de memórias para que isso vai fazer parte. E a outra coisa que foi muito, muito boa, eu acho… Eu não me lembro se o ano passado ou faz dois anos, a HBO fez uma série com dez pessoas, cinco filmes com duas pessoas em cada. E o título, começou nos Estados Unidos, chama “Aging” que quer dizer envelhecer. E eu acho que tem um título melhor, eles botaram outro título, não me lembro, mas isso foi uma pessoa, praticamente, que entrevistou. Foram muitas horas, sete, oito… Mas foi essa… E eu vi a minha filha, quando recebeu essa… Que mora na Espanha, a Kyra, ela achou muito interessante porque foi mais revelador, intimamente. Então, ela achou que eles tinham captado, que tinham ido além do que você faz. Então, eu acho que essas duas coisas… Eu acho bom. Estou curiosa para saber o que vai resultar… Vocês põem assim mesmo…?
P/2 – A transcrição na íntegra.
R – É bom a transcrição na íntegra.
P/2 – O vídeo, aí, eu explico depois para você como que nós vamos fazer.
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