P/1 – Natália, eu vou te pedir para repetir o seu nome inteiro, sua data de nascimento e o local que você nasceu.
R – Natália Rodrigues Alves Rocha de Barros. Eu nasci em Santos, em novembro de 1963, na Santa Casa de Misericórdia de Santos.
P/1 – Que dia? Dia 23?
R – Dia 19 de novembro.
P/1 – Qual é o nome dos seus pais?
R – Meu pai se chamava Francisco Carlos Rocha de Barros e minha mãe Luiza Helena Rodrigues Alves. Na época Rocha de Barros, depois ela se separou, tirou esse final.
P/1 – Sua mãe ainda é viva?
R – É viva.
P/1 – E qual é a origem deles?
R – Meu pai era do interior de São Paulo, Presidente Prudente. E minha mãe é de Santos também.
P/1 – E como que eles se conheceram?
R – Interessante, porque meu pai veio estudar em São Paulo, Direito, e ia muito a Santos, né? Santos e São Paulo sempre tiveram uma frequência muito grande, e nessa época bastante. Minha mãe era uma mulher muito bonita, meu pai também, e ele a conheceu falando. Naquela época ela devia ter uns quatorze, quinze anos, ela fazia recital de poesia, que é uma coisa que quase não tem mais, mas que nessa época tinha bastante, a pessoa se apresentava lendo poemas, que nem a gente faz um roteiro de show, fazia lendo poemas mesmo. Escolhia, tinha a ordem que você ia falar e ela fazia isso muito bem. Logo ele ficou encantado por aquela pessoa, só que ela era uma pessoa mais de família, mais classe média, e ele era um cara do interior que não ia saber muito bem quem era. Ele teve que dar certa batalhada para conseguir chegar perto dela.
P/1 – E ele era bem mais velho, não?
R – Não, eles tinham uma diferença... quatro, cinco anos de diferença. Mas eram os estilos que eram muito diferentes. Ele tinha dezoito, ela quatorze ele dezoito, já tava morando sozinho em São Paulo, na casa de tio, assim, mas sem pai e mãe. Então ele conta que ele tinha que pular o muro do clube para...
Continuar leituraP/1 – Natália, eu vou te pedir para repetir o seu nome inteiro, sua data de nascimento e o local que você nasceu.
R – Natália Rodrigues Alves Rocha de Barros. Eu nasci em Santos, em novembro de 1963, na Santa Casa de Misericórdia de Santos.
P/1 – Que dia? Dia 23?
R – Dia 19 de novembro.
P/1 – Qual é o nome dos seus pais?
R – Meu pai se chamava Francisco Carlos Rocha de Barros e minha mãe Luiza Helena Rodrigues Alves. Na época Rocha de Barros, depois ela se separou, tirou esse final.
P/1 – Sua mãe ainda é viva?
R – É viva.
P/1 – E qual é a origem deles?
R – Meu pai era do interior de São Paulo, Presidente Prudente. E minha mãe é de Santos também.
P/1 – E como que eles se conheceram?
R – Interessante, porque meu pai veio estudar em São Paulo, Direito, e ia muito a Santos, né? Santos e São Paulo sempre tiveram uma frequência muito grande, e nessa época bastante. Minha mãe era uma mulher muito bonita, meu pai também, e ele a conheceu falando. Naquela época ela devia ter uns quatorze, quinze anos, ela fazia recital de poesia, que é uma coisa que quase não tem mais, mas que nessa época tinha bastante, a pessoa se apresentava lendo poemas, que nem a gente faz um roteiro de show, fazia lendo poemas mesmo. Escolhia, tinha a ordem que você ia falar e ela fazia isso muito bem. Logo ele ficou encantado por aquela pessoa, só que ela era uma pessoa mais de família, mais classe média, e ele era um cara do interior que não ia saber muito bem quem era. Ele teve que dar certa batalhada para conseguir chegar perto dela.
P/1 – E ele era bem mais velho, não?
R – Não, eles tinham uma diferença... quatro, cinco anos de diferença. Mas eram os estilos que eram muito diferentes. Ele tinha dezoito, ela quatorze ele dezoito, já tava morando sozinho em São Paulo, na casa de tio, assim, mas sem pai e mãe. Então ele conta que ele tinha que pular o muro do clube para poder entrar, para encontrar com ela. Tinha uma coisa de poder aquisitivo diferente. A minha mãe não era rica, mas tinha uma grana e morava com a família, né? Ele era mais... Tinha que se virar.
P/1 – E aí depois de um tempo... Ela casou bem jovem?
R – Ela casou bem jovem, acho que com dezenove anos, vinte. Casou jovem, eles tiveram quatro filhos, eu sou a mais velha. E viveram muitos anos juntos, viveram vinte e cinco anos juntos, depois que eles se separaram.
P/1 – E como que era a tua casa de infância, com três irmãos?
R – No começo a gente morava num apartamento que era perto da praia, no Boqueirão, que é um bairro super bacana em Santos, super bonito, bem arborizado. Essa primeira infância eu lembro um pouco da casa, eu era muito pequena, mas me lembro muito assim, da garagem, da convivência com os vizinhos, que também eram pessoas de escola. A gente tinha uma coisa muito de rua, de calçada, de amigo de calçada, então isso era uma coisa muito frequente. Mas logo depois eles compraram uma casa que era deles e que a gente morou e depois reformou essa casa, que era uma casona grande, bacana, super cheia de eventos, de gente, de amigos... Era uma casa muito frequentada.
P/1 – O que eles faziam? Seu pai é advogado...
R – Meu pai é advogado, depois virou juiz, mas ele pintava, ele compunha.
P/1 – Ah, entendi.
R – Minha mãe se formou como psicóloga. Depois de muito tempo, a gente tava estudando, eu e meus irmãos, a gente tava estudando ginásio, colegial, ela começou a estudar já mais velha e se formou depois como psicóloga.
P/1 – Entendi.
R – Mas era uma casa... A gente tinha muito sarau em casa, eram organizados música, poesia, que era um hobby para eles, que depois eu desenvolvi como uma profissão, minha irmã também, a Taciana também é cantora. Enfim, mas era uma coisa que não era esse o objetivo, a gente tinha uma coisa que era uma coisa de convívio, então tinha muita música, tinha muito evento em casa, muita festa com pessoas tocando e cantando ao vivo. Isso era uma... Dava uma vida, né?
P/1 – E você era pequena ainda?
R – Era pequena. Às vezes até a gente não podia ficar, não tinha idade ainda de ficar naquelas festas. Era aquela coisa anos 60, 70. Muita festa, muita bossa nova, muito uísque com gelo. (risos)
P/1 – E as crianças davam uma roubadinha.
R - E a gente podia... Às vezes dava uma roubadinha, aquela coisa de ficar bem escondidinho na escada enrolando para poder participar. Não era sempre que a gente podia ficar, era uma festa de adultos, que a gente tentava driblar um pouquinho.
P/1 – E depois mais tarde, com quantos anos você entrou na escola?
R – Então, nessa época também não tinha muito essa coisa de jardim da infância, né? Eu tenho uma irmã que tem dois anos a menos que eu, um ano e três meses na verdade, a gente tem uma diferença pequena de idade, então a minha mãe me colocou na escola, eu devia ter uns três, quatro anos, que era uma coisa rara na época, não tinha tanta gente que ia estudar pequeno. Mas eu fui uma semana para a escola, ela ficou com dó da minha irmã, que eu não tava lá para brincar com ela, e me tirou. Então eu fui para escola depois com seis, sete anos. Com sete. Eu já sabendo ler e escrever, que aprendi com a vó, em casa. A gente tinha uma coisa de...
P/1 – Sua avó morava com vocês?
R – Não. Não morava com a gente, mas ficava muito com a gente pros meus pais saírem, para conviver. Ela tinha sido professora no interior, então acho que ela já vinha com esse dom aí. Então, quando eu fui para escola eu fui com sete. Era uma pessoinha já e já sabia ler e escrever. Já sabia porque a gente tinha... Não era uma coisa com educação formal, era uma educação informal, mas ela acontecia realmente.
P/1 – E aí você foi a primeira, que você era a mais velha, e como que você ia para a escola? Sua mãe te levava?
R – A gente morava a duas quadras de uma escola. Eu estudei numa escola que chama Stella Maris, que é uma escola que existe ainda em Santos, que na época era uma escola só de mulheres. Depois, no colegial, abriram para homens e para mulheres. Foi a escola que a minha mãe estudou, então tem uma coisa também de uma sequência assim, né? A gente ia a pé, porque era duas quadras, muito fácil, muito perto, às vezes ia de bicicleta, quando era maior um pouco. Saía naqueles últimos cinco minutos correndo só o suficiente para conseguir chegar a tempo. Aliás, a gente fazia tudo muito a pé e de bicicleta. Apesar de ter carro, dos meus pais terem carro, era muito fácil a locomoção, isso é uma coisa muito agradável, uma lembrança muito constituinte no jeito de se comportar. Porque a gente era muito independente, com treze, quatorze anos, fazia muita coisa sozinha.
P/1 – E como que era a tua vida social? Vocês iam à praia? Você andava com as pessoas da escola? Como era?
R – Sim. A praia durante a semana muito pouco, né? A praia fazia muito parte de estar no meio dos caminhos. Você vai para uma aula, vai encontrar alguém, você usava a orla da praia, e os jardins de Santos são lindos, super tranquilos de andar, era uma coisa muito gostosa. Mas muito fim de semana sempre praia, e Santos tinha uma coisa muito engraçada, ainda tem, que é a coisa das barracas que estão na praia, que são ligadas às profissões. Então tem a barraca dos advogados, a barraca dos engenheiros, a barraca dos dentistas... São meio uns clubes, que isso vai funcionando. A gente ficava na barraca dos advogados, então eu conhecia todo mundo, ficava aquela barraca, os adultos no sol, as crianças na sombra, ocupando aquele espaço enorme. Aí tinha pastel, guaraná, não sei o quê. Ficava o dia inteiro na praia, a gente passava o dia todo na praia, sábado e domingo, muito, porque tinha esse conforto de ter esse lugar cheio de gente...
P/1 – E vocês conviviam com essas pessoas que eram os amigos dos seus pais e as crianças?
R - A gente convivia com essas pessoas, é, com as crianças. Bastante.
P/1 – E depois mais tarde, na adolescência, como é que foi? Você continuou nessa escola?
R – Continuei na escola...
P/1 – Ah, é. Você falou que ficou até o colegial.
R – É. Eu fiz o colegial cada ano numa escola, por umas questões até de escolha. Mas eu fiquei bastante nessa escola, tenho até hoje amigas e amigos dessa época. Eu tenho amigas de quando eu tinha sete anos de idade, que de alguma maneira eu conservei assim, que eram pessoas que eu convivo desde o pré, primeiro ano, e algumas pessoas eu mantive um contato. Na adolescência já mudou, porque aí não é uma questão só de escola, era uma questão de... Como tem essa coisa da praia, a gente também tinha essa facilidade de não precisar conviver só com pessoas nem só do mesmo meio social econômico. É um espaço mais democrático uma praia, porque você encontra gente com mais grana, com menos grana, mais estudado, menos estudado, então é um espaço onde também você vai criando uma amizade um pouco mais aberta. É bem interessante, né?
P/1 – Então era lá que você conhecia também as outras pessoas?
R – Sim. Claro que a gente ia à praia com os amigos, mas assim, isso é aberto, né? Na adolescência a gente era muito festeiro e a nossa casa era muito aberta para isso.
P/1 – Continuou sempre...
R – Continuou. Meus pais foram, eram muito festeiros e a gente também. Eu, a Taciana, que é minha irmã, o Francisco é meu irmão, e a Simone, que é minha irmã, tem quatorze anos a menos que eu, que na verdade é outra relação nessa época... Mas em casa tinha piano, teve uma época bateria na sala, tinha uma época que tiveram dois pianos. Então tiveram vários começos de banda, gente ensaiando.
P/1 – Vocês faziam escola de música, alguma coisa?
R – Fazia uma escola num lugar que ainda existe, que se chama Lavignac [Conservatório Musical], que é um lugar muito bacana. Na época eu gostava, mas não tinha noção de quão moderno é. Hoje eu entendo o nível de modernidade que tinha aquela escola de música, porque, primeiro, você não ia para aprender um instrumento, você ia para ouvir música, treinar o ouvido, pensar música espacialmente enquanto as coisas eram faladas, você cantava e falava junto. Tocava xilofone, flauta, tudo muito simples, mas de uma maneira onde as coisas se ligavam muito. A palavra, o canto, a música, não tinha as formações, era uma escola de origem alemã como teoria, mas muito aberta assim, tinha esse conceito espacial junto com a música que era muito... Hoje eu vejo, eu falo: “Nossa, cada coisa que a gente fazia”. Na época você fazia brincando, né?
P/1 – Você era bem pequena?
R – Quando eu fazia aula de música?
P/1 – É.
R – Sim.
P/1 – Desde pequena.
R – De uns nove, dez anos, sim.
P/1 – E aí você continuou essa formação...
R – É. Antes disso tinha uma coisa, aquela coisa, você fazia piano e balé, era uma coisa que, por incrível que pareça, não sou tão velha assim, mas era uma coisa que fazia parte de uma formação, era engraçado.
P/1 – De menina, né?
R – O balé, balé mesmo. Balé, sapatilha, não sei o quê. E piano também. A gente teve essa formação, bem de leve, porque nunca foi muito... Deu certo por pouco tempo essa formação tão tradicional. Mas assim, então de alguma maneira também desperta, você se organiza para aquilo, é muito legal também. Mas aos poucos foram entrando outras linguagens. Meu pai, apesar de ser advogado, curtia muito a arte, ele pintava, a gente tinha aula de pintura em casa, com professor em casa. Então assim, faziam os filhos, os amigos, era uma aula... A gente pintou o muro de casa antes da reforma, era muito divertido. Então a arte fazia muito parte do cotidiano, sem ter essa intenção, não era uma intenção que a gente fosse virar artista, muito pelo contrário.
P/1 – Ah, não tinha essa intenção?
R – Não, não tinha.
P/1 – Mas o treinamento eles deram.
R – Eles deram o treinamento, mas eles não imaginaram que a gente assim... Ainda não era...
P/1 – Assim, como ele era advogado e tinha um interesse pelas artes ele achou que...
R – Sim, sim. Ainda não era uma coisa que era considerada profissional, que você ia conseguir sobreviver. A grande preocupação sempre foi esta. Você vai ser artista e vai ganhar dinheiro como? E na verdade nós somos quatro filhos, eu e minha irmã fomos para essa área e...
P/1 – Os outros dois não?
R – Os outros dois não. Meu irmão é oceanógrafo e a Simone é advogada. Ufa!
P/1 – Entendi. E aí essa adolescência, então, foi permeada por... Então tinha a escola e tinham todas as atividades artísticas também, que você sempre fez, né?
R – Sim, sim.
P/1 – E durante esse ensino médio você já tinha na cabeça que você ia seguir alguma coisa relacionada às artes?
R – Acho que sim, acho que sim.
P/1 – Naquele momento, sei lá, que...
R – Acho que eu pensava, imaginava, que eu ia trabalhar com teatro ou com música, já tinha uma coisa muito forte por aí. E também tinha uma formação de dança, que uma pessoa dava aula aqui depois... É uma professora, inclusive, da EAD aqui de São Paulo, que é a Yolanda Amadei, que eu fazia uma vez por semana. Eu tive muita sorte nisso, porque eu tive uma formação do que estava disponível, depois eu descobri que o que estava disponível era excelente. Anos depois eu falei: “Gente, eu tive aula com essas pessoas e...”.
P/1 – Lá em Santos ainda, né?
R – Isso, em Santos. Ela dava aula na Aliança Francesa lá e a gente fazia uma vez por semana, que era uma aula de consciência corporal, que eu tinha uns treze, quatorze anos, tudo sem saber exatamente... A gente fazia uma aula para ter consciência, para ter saúde, não sei o quê, e de repente você vai percebendo que tudo isso tava ligado com conceitos muito bacanas. Mas eu comecei a fazer Psicologia, teve uma fase...
P/1 – Lá em Santos ainda?
R – Não, não. Eu vim para São Paulo. Quando você perguntou de formação.
P/1 – Daí, por exemplo, você acabou o ensino médio e continuou lá em Santos ou você veio para São Paulo?
R – Eu fique até o final do colegial lá. Já vinha para São Paulo bastante, para fazer alguns cursos e também para assistir show. Porque tinha muita coisa bacana, aqui é muito perto e era muito divertido vir com os amigos. Com dezoito anos alguém que já sabia dirigir era considerado responsável, então a gente vinha muito, era muito frequente essa ida e vinda. Até os dezoito eu fiquei em Santos, mas quando eu vim resolver fazer faculdade também resolvi mudar de cidade, queria vir para cá.
P/1 – Aí você se mudou. Você falou para mim que aos dezenove anos você veio.
R – É, aos dezenove.
P/1 – E quando você vinha para curtir a cidade, o que você vinha fazer aqui? Shows? E aonde você ia?
R – Muito show. Basicamente...
P/1 – Que espaço você frequentava?
R – Espaços grandes. A gente tinha alguns shows. Eu me lembro de a gente ver show no Municipal, mas show de música popular brasileira, algumas coisas. Teve muito Gil, Novos Baianos, Caetano, essa geração antes da minha eu vi tudo. A gente gostava de... Festival de jazz eu me lembro que eu fui em vários, que tinha no Anhembi, que era demais, a gente ficava a madrugada inteira, tinha shows de gente do mundo todo. Eu me lembro que até três da manhã, todo mundo deitado nas escadarias, você dormia um pouco, assistia um pouco, era uma coisa que você passava a noite ali, era muito legal. Isso eu vi bastante também. Ah, de tudo, viu? De música brasileira... Principalmente de música brasileira e jazz assim, bossa nova. Depois que eu comecei a gostar de rock, um tempo depois, assim. Comecei por aí.
P/1 – Aí, bom, você decidiu vir para São Paulo e como você se organizou? Você veio sozinha?
R – Olha, na verdade eu queria sair de Santos, porque como eu já tava querendo trabalhar com música e com teatro e como eu morei a minha vida inteira lá, até os dezenove, eu sentia que a cidade era meio que um território muito conhecido. Todo mundo me conhecia, era um lugar onde todo mundo sabia quem era meu pai, quem era minha mãe, de onde eu era, e tudo tinha muito significado. E aos dezenove anos isso não era muito interessante. Eu queria fazer uma coisa nova, queria sair um pouco da barra da saia, então eu vim para São Paulo, a princípio para fazer Psicologia, que eu entrei na PUC, aí fiz um ano, já gostando de todo esse lado artístico, mas achando que eu precisava ter uma formação em alguma coisa mais tradicional. Então eu achava que Psicologia era mais tradicional, vim para cá, morei um ano com meu pai.
P/1 – Que seus pais já tinham se separado.
R – Já tinham se separado. Meu pai veio para São Paulo primeiro.
P/1 – Ah, entendi.
R – Aí a gente morou um ano junto, enquanto eu tava fazendo a faculdade, morava ali perto da PUC. Aí quando eu resolvi não mais fazer a faculdade, que eu terminei o ano, concluí as matérias, gostava, mas eu percebi que eu não ia trabalhar com isso. Já tava começando a cantar em uns bares no Bixiga, na época que era um lugar meio Vila Madalena, o que a Vila Madalena é hoje, o que a baixa Augusta é hoje também, na época o Bixiga era. E tinha muita gente tocando.
P/1 – Onde você cantava?
R – Tinha Café Piu-Piu, tinha... Como chamava? Daqui a pouco eu lembro o nome.
P/1 – Tinha um que chamava Aurora, não tinha?
R – Tinha, mas eu não me lembro de cantar lá. Tinham bares pequenos... E aí logo que começou essa história de faculdade com cantar à noite eu comecei a perceber que gostava de Psicologia de algumas coisas teóricas, mas que não me sentia uma psicóloga. Então falei: “Bom, preciso decidir”. Aí parei com a faculdade, voltei para Santos um ano para ver como eu ia me organizar, foi uma fase muito divertida, uma fase intermediária, difícil de escolha, mas muito divertida, interessante. Quando eu voltei para São Paulo de novo já vim morar com uns amigos. Morei numa casa com mais cinco pessoas, uma república.
P/1 – É? E onde ficava?
R – Na Rua Apinajés, em Perdizes. Aqui pertinho.
P/1 – Ahã.
R – E aí foi uma época muito efervescente porque com essas pessoas eu já montei um grupo de teatro que chamava XPTO, que existe até hoje. Mas eu tinha dezenove, vinte anos, montamos esse trabalho em casa, a gente ensaiava na sala de casa.
P/1 – Com essas pessoas que você vivia.
R – Algumas pessoas, a maioria das pessoas já dali e tinha um amigo de fora, mas a gente montou em casa, no salão de casa. E deu muito certo, fizemos um monte... Representamos o Brasil num festival no exterior, ganhamos um monte de prêmio, aconteceu um monte de coisa, de um negócio que a gente tinha feito no fundo do quintal. Então foi muito legal.
P/1 – Você fazia o que? Você atuava?
R – Eu atuava. Era um grupo que eram três pessoas na época. O XPTO existe ainda, tá super atuante, há vinte anos faz coisas. Na época era eu, o Oswaldo Gabrielli, que atualmente é o diretor do XPTO, e o André Gordon. Eram três pessoas em cena e um músico...
P/1 – E o André Gordon, que depois foi trabalhar com você também... É o mesmo?
R – No Luni. É.
P/1 – E vocês faziam um pouco de tudo, como era?
R – A gente fazia de tudo. Era um grupo super pequeno de pesquisa de linguagem. Na verdade ele é um grupo de teatro, mas não trabalhava com palavra na época, era só música, bonecos, objetos, então era muito ligado a artes plásticas. A gente manipulava coisas, tinha som, tinha uma história, mas não tinha palavra. O primeiro trabalho que a gente fez era baseado no Buster Keaton, que era uma historinha de vinte minutos, que eram três bonecos, a ruiva que eu fazia, o vilão e o Buster Keaton, que eram com bonecos que a gente manipulava. Eu nunca tinha mexido com boneco, a primeira vez que eu peguei um boneco fizemos uma cena, já fomos encadeando aquela cena, já virou espetáculo.
P/1 – Quem teve a ideia então de mexer com os bonecos?
R – O Oswaldo Gabrielli, que já trabalhava, dava aulas de teatro de bonecos, e morava comigo nessa casa.
P/1 – Ele que desenvolveu essa parte? Essa escolha pelo boneco e que...
R – Sim, sim. Essa parte de boneco foi com ele. Isso entrou junto com as outras habilidades que cada um tinha.
P/1 – E vocês que produziam também os bonecos, o cenário?
R – A gente que produzia. A gente fazia tudo junto, tudo, cenário, bonecos, música, transportava... Tudo. Era um microgrupo e a gente... Foi uma época muito legal, porque...
P/1 – Que ano foi isso, Natália, mais ou menos?
R – 94, acho. E assim, isso me abriu muitas portas, porque eu tinha acabado de vir morar... Uma segunda vinda para mim para São Paulo, a primeira familiar, morando com meu pai, tentando Psicologia, que foi rápida. Nessa segunda era uma coisa de grupo, você viver numa maneira comunitária, com mais cinco pessoas, produzindo, todo mundo produzindo muito nessa casa. E esse trabalho gerou um monte de coisa, a gente foi para a Iugoslávia, fomos para a Espanha, participamos de um monte de festival, e era muito jovem e ao mesmo tempo fazendo, tendo o luxo de fazer uma coisa que a gente tinha inventado, então isso foi muito bacana.
P/1 – E nessa época seu trabalho era esse? Você vivia disso e...
R – Vivia disso, vivia disso.
P/1 – E a música voltou quando?
R – A música foi muito junto. Enquanto eu tava com o XPTO numa dessas viagens...
P/1 – Porque o Luni é mais ou menos por aí também, né?
R – Mais ou menos, uns dois anos depois. Teve uma fase que eu fiz as duas coisas: XPTO, que era de teatro, e o Luni, que era um grupo de música que a gente montou logo na sequência. Que também eu saí dessa casa, fui morar com outras pessoas, com o Fernando Figueiredo e com o André Gordon, e nessa segunda casa a gente montou o Luni também, teve essa característica de montar em casa, ensaiar em casa, dividir tudo.
P/1 – Mas era enorme o Luni, tinha...
R - É, o Luni eram oito pessoas.
P/1 – Era grande. Bom, para a época não era nem tão grande, porque tinha uma característica desses grupões assim, mas era bastante gente.
R – É. Talvez, assim, muito forte, porque eram oito pessoas sem ninguém sendo líder. Então acho que tinha essa diferença, no Luni eram oito pessoas onde cada um tinha seus solos, onde o trabalho em grupo era muito importante. Não tinha... É uma característica um pouco dos anos 80, alguns grupos eram assim. E a gente, como tinha esse lado teatral muito forte também, trabalhava com a Marisa Orth também, que é uma atriz, Theo Wernek, que era artista plástico na época.
P/1 – Ah, o Theo era artista?
R – Era.
P/1 – Eu não me lembro disso.
R – Era artista plástico, ele é formado em artes plásticas.
P/1 – Ah, eu não sabia.
R – O Luni, inicialmente a intenção, apesar de ser uma banda de música, a gente não procurava as pessoas exatamente porque eram bons músicos, mas porque tinham boas ideias e porque a gente queria fazer coisas junto. Tinham algumas pessoas que eram bons músicos, mas não eram... A gente foi aprendendo junto e a nossa ideia não era uma coisa de virtuosismo musical, era uma coisa de ideia mesmo, de pensar junto e...
P/1 – Mas vocês tinham vozes lindas.
R – A gente treinou muito, cada um tentou melhorar muito o seu...
P/1 – As mulheres eram muito boas de vocal.
R – Todo mundo cantava, a gente ensaiava bastante, então isso compensou algumas coisas.
P/1 – E o Luni ficou uma coisa mais... Como eu vou dizer? É uma coisa muito de São Paulo ou ele extrapolou? Uma hora ele extrapola?
R – Olha, eu acho que como a ideia tem muito a cara de São Paulo, porque essa coisa performática, de mistura de linguagens, a gente trabalhava com vídeo junto, com figurino, era uma coisa muito paulistana. Mas a gente fez muito show fora, o Luni teve um... Era uma banda alternativa, mas com muito sucesso, a gente fez muito show.
P/1 – É. Depois vocês conseguiram entrar mais pesado na mídia.
R - Fizemos música de novela, “Que Rei Sou Eu?, e fizemos muito show, muito show pelo...
P/1 – E como eram esses espaços na época do Luni? Que o Luni surge junto com várias outras iniciativas. Os espaços culturais da cidade, como era a cena?
R – Tinha o Val Improviso, que era um lugar central, que era um lugar muito interessante, de muita coisa de performance alternativa.
P/1 – Aonde era, Natália?
R – Bixiga ali, aquele meiozinho ali. E teve um lugar que acho que foi muito importante para todo mundo que começou nos anos 80, 90, foi o Off, que era na Rua Romilda Margarida Gabriel. É isso, que era administrado pelo Celso Curi, era um espaço minúsculo, onde cabia no total oitenta pessoas e acontecia coisas assim, cinco espetáculos na mesma noite, no que dividia um camarim minúsculo, você esbarrava, você conhecia as pessoas porque você esbarrava nelas. Esbarrava no camarim na pessoa que entrava. Era minúsculo. Então assim, a gente fez muito show lá, teve a oportunidade de experimentar, acho que isso é uma coisa que foi muito importante. Até acho que foi uma coisa que faz falta alguém falar sobre isso, esse espaço que aconteceu nessa época, porque era pequenininho. Então falavam: “Nossa, o Luni está fazendo sucesso. Está lotando, é fila”. Eram setenta pessoas do lado de fora, era lotado, era uma coisa. E saía na mídia: “Lotação esgotada, não sei o quê”.
P/1 – Vocês tinham espaço na mídia, bastante?
R – Tinha um super espaço, mas o lugar era minúsculo. Se você fosse ver atualmente seria um absurdo isso, porque era uma coisa completamente...
P/1 – Todo pintado de preto com as arquibancadinhas, né?
R – Todo pintado de preto. Aliás, a gente deu o nome por causa do Celso, porque a gente ia começar a fazer show lá e já existia o grupo, a gente já tinha feito show no Madame Satã, que era outra casa, mas não tinha nome, para você ver como a coisa podia ser...
P/1 – Ah, vocês não tinham um nome quando vocês se apresentaram?
R – O primeiro show... A gente fez uns dois, três shows sem ter nome a banda.
P/1 – Aí punham o nome de vocês: “Vai tocar fulano, fulano”?
R – Como isso era possível não me pergunte. “Vão tocar tais pessoas” e as pessoas iam e tudo. Aí o Celso, quando convidou a gente para fazer uma temporada no Off, ele falou: “Gente, precisa pôr um nome nessa banda”. Eu me lembro de a gente se reunir todo mundo no chão assim e fazer um pré-(____?).
P/1 – E quem escolheu? Foi uma coisa coletiva?
R – Acho que foi o Fernando que sugeriu.
P/1 – Foi o Fernando?
R – A gente tinha uma ideia de Lua, não sei o quê, mas Luni é um nome inventado, é um nome que não existe, remete à Lua, lunático, mas é um nome que não existe. A gente inventou assim, chegou nele meio "grupalmente", sendo que o Fernando deu essa ideia. Então era muito divertido, porque tinha essa coisa: “Pô, se você apresentar, precisa pôr um nome nessa banda”. Então isso acontecia, era muito bacana. E era um espaço onde assim, teve a gente, Heartbreakers, Mulheres Negras, tinha um pessoal de dança misturado, tiveram vários atores que começaram ali... Você tinha espaço para ter uma coisa, sei lá, você produzia um negócio de vinte minutos e se apresentava. E tinha público e tinha gente gerando, interessado, artista interessado, que já fazia dobradinhas, enfim, inventava coisa junto. Era muito legal.
P/1 – Ele durou...
R – Não sei quantos anos, mas bastante. Vou chutar cinco anos, mas não sei direito. Durou um bom tempo e acho que foi muito importante na formação de várias pessoas dessa época assim.
P/1 – Vocês não chegaram a pegar o [Teatro] Lira [Paulistana], né?
R – Não. A gente é um pouquinho posterior ao Lira.
P/1 – O Lira acho que já tinha fechado.
R – Assisti muita coisa no Lira, mas a gente é uma geração um pouquinho depois dessa coisa, Itamar [Assumpção], Rumo.
P/1 – Sim.
R – Um pouquinho depois.
P/1 – E depois do Luni? O Luni também durou quanto tempo?
R – A gente ficou uns cinco, seis anos. Fizemos muita coisa, fizemos clipes, toda essa trajetória.
P/1 – E o XPTO você continuava lá.
R – Eu fiz os três primeiros trabalhos do XPTO e depois, como acabei optando profissionalmente por cantar, na verdade minha opção pelo Luni foi para trabalhar como cantora mesmo, que é...
P/1 – Que foi a primeira coisa que você começou a fazer mesmo. Que você falou que começou cantando mesmo.
R – É. Então eu sempre misturei muita linguagem, tanto o Luni como o XPTO são grupos que esbarram em outras linguagens. Isso eu acho que é uma característica minha até da história que eu falei, de formação inicial, que eu vejo que na minha trajetória isso influenciou. Você perguntou depois do Luni, é isso?
P/1 – Não. Então, aí você continuou com o XPTO durante um tempo, o Luni, o Luni durou um tempo, e depois? Você...
R – Do Luni eu comecei a trabalhar no Fanzine, que era um programa da TV Cultura, primeiro apresentado pelo Marcelo Rubens Paiva. E tinha a banda Fanzine, da qual eu fazia parte, era eu e o Maurício Pereira nos vocais e uma banda grande dirigida pelo Fernando Salem. O Fanzine durou três anos, era ao vivo de segunda à sexta, então era um trabalho bastante puxado, porque TV ao vivo é uma experiência muito legal, onde se erra muito, muito, mas também você é obrigada a improvisar bastante, porque é “um, dois e já”, valeu, “estejam prontos ou não, bora lá” e o circo tem que funcionar.
P/1 – Quem formou a banda, foi o Fernando?
R – Fernando Salem.
P/1 – Ele que foi chamando as pessoas? Porque também era uma banda grande.
R – Ele foi chamando as pessoas. Eram também oito no total, eram oito. E ali eu comecei a fazer umas matérias também, de comportamento, entrevistar pessoas na plateia, depois comecei a fazer uma matéria sobre moda e uma sobre comportamento, que eram fora do programa. Então teve esse trabalho também, que começou a ser uma coisa mais de atriz, que eu não tenho formação de atriz, não me sinto uma atriz no sentido tradicional da palavra, mas trabalhei um pouquinho na TV com isso. Uma coisa foi puxando a outra, do Fanzine eu fui para o Telecurso, que ainda tá no ar, fazendo também matérias de entrevista, peguei todas as entrevistas do Telecurso.
P/1 – Aí foi o pessoal da Cultura que te viu lá na banda e aí te chamou?
R – É. Como na banda eu também comecei a fazer essas matérias, eles me chamaram para fazer.
P/1 – Porque teve um tempo que foi o Marcelo e depois...
R – O Zeca Camargo.
P/1 – O Zeca Camargo.
R – Foram também acho que uns três anos, o último ano foi o Zeca Camargo.
P/1 – E você ficou até o fim na banda Fanzine?
R – Fiquei até o fim. Fiquei até o fim na banda e no final fazendo um pouco mais de matéria do que na banda.
P/1 – Aí também assim, era isso que você conseguia fazer da tua vida também, porque era de segunda à sexta.
R – Eu trabalhei com arte, eu trabalho com arte todo esse tempo de uma maneira bastante... O Fanzine foi uma época que foi emprego, era considerado um emprego.
P/1 – É, porque todo dia, né?
R – Porque a gente tinha um salário fixo, era uma novidade ali para todo mundo, todos os músicos ali. E depois o Telecurso também, porque o Telecurso a gente... Eu trabalhei quase todos os dias no Telecurso, era muito puxado de gravação, era quase cinco vezes por semana. Era bastante coisa assim.
P/1 – Aí o Luni já tinha terminado?
R – Sim, o Luni sim.
P/1 – E você ainda não tinha outra... Fora a banda Fanzine. Porque a banda Fanzine não chegou a se apresentar fora daquele espaço, né? Ela não criou vida própria.
R - Não, não. Nessa época do Fanzine eu montei um trabalho pessoal meu, que era uma banda que eu fazia que chamava Os Argonautas, que eu fazia alguns shows. Aí já é uma coisa de Funarte, Crowne Plaza, teatros pequenos assim, que foi uma coisa que eu comecei a desenvolver um trabalho já com uma carreira solo.
P/1 – Que era você e quem?
R – A Lelena Anhaia no baixo, a Simone Soul na bateria, o Binho, que tocava também comigo no Luni. Eram amigos assim, que a gente montou esse trabalho, mas já era uma coisa que era com meu nome coordenando ali a história.
P/1 – Então, agora deixa só eu cortar um pouquinho, mudar de assunto, depois a gente retoma daí. E os amores? Que daí a gente passou, você veio de Santos, eu me esqueci de perguntar. E o primeiro namorado, essas coisas?
R – O primeiro namorado? Bom, o primeiro namorado... Na verdade, o primeiro namorado eu tive aos quatorze anos, mas na verdade o segundo namorado foi bem mais interessante, porque era por quem eu estava apaixonada, foi o segundo namorado. Mas ele começou, tradicionalmente, a gostar da minha melhor amiga, aí tava aquela coisa que todo mundo já tinha namorado, já tinha beijado e você naquela coisa; “Bom, o que eu faço?”. Aí tinha um menino ali simpático, eu não tava apaixonada por ele, mas enfim, tava lá, né? Vendo a minha amiga ali com o amor da minha vida na época, eu topei namorá-lo, com o Jorge, que tinha até o irmão gêmeo, mas foi muito rápido tudo, porque o (Pig?), que era o cara que eu tava apaixonada, se separou, ficou livre e aí eu...
P/1 – Aí você largou...
R – Aí comecei a namorá-lo. Aí a gente namorou um tempinho, namoro de pegar de bicicleta na saída da escola, ir junto para casa, voltar junto. Era tranquilo, divertido. Agora...
P/1 – Nesse tempo todo você não foi casada? Em toda essa história que você me contou?
R – Do Luni, XPTO e tudo?
P/1 – Quando você veio para cá, daí não sei quê.
R – Não. Eu sempre tive namorados...
P/1 – Você teve namorado, mas morava com as pessoas nessas repúblicas e...
R – Nessa república era bem aberta a situação. Tinha um namorado, mas assim, não era uma coisa... Realmente era uma situação bastante aberta, a gente era muito jovem e não tinha essa coisa de só namorar você, realmente. Corta esse pedaço. (risos)
P/1 – Não, acho que é retrato de uma época.
R – É retrato de uma época. E era uma coisa assim, bastante solta se for pensar, num certo sentido.
P/1 – Esse coletivo se estendia.
R – Estendia-se. Eu tinha muita sorte de trabalhar muito com as pessoas com que eu me envolvi sempre.
P/1 – Sim.
R – Então tinha essa coisa que você tá trabalhando junto, não tinha essa característica: “Você tem que ficar junto porque você está casada, não sei quê”. Eu já morava com as pessoas, a gente trabalhava, então isso dava uma soltura. Eu acho que era uma época que isso era mais comum mesmo.
P/1 – Então vamos voltar, sei lá. Então você tava no Os Argonautas, daí você manteve esse trabalho solo por um tempo também. E depois, como foi desenvolvendo? O que foi acontecendo na tua vida profissional?
R – Então, Os Argonautas foi junto com a história da banda Fanzine, que daí derivou no Telecurso e no final do Telecurso eu fiquei grávida, que eu estava já... Casei-me.
P/1 – Ah, tá.
R – Casei juntei, né? Porque eu nunca fui casada oficialmente. Eu tive dois relacionamentos mais longos, o primeiro com um mímico espanhol que chama Zambo, que trabalhou comigo no XPTO, que nesses festivais que a gente foi para a Espanha a gente se conheceu e também foi muito rápida a história. Ficamos juntos muito rapidamente, mas durou cinco anos essa história. Ele veio para o Brasil, trabalhamos juntos, não sei quê, depois a gente se separou e me... Eu estou há vinte anos junto com Arthur Kohl, que é um ator. E aos vinte e oito, quando a gente começou a ficar junto, eu tava ainda no Fanzine, logo um tempo depois eu fiquei grávida. E quando eu fiquei grávida eu resolvi dar uma mudança, dar uma mudada na minha vida, eu tive que parar de trabalhar no Telecurso, tava no final já da história, mas eu trabalhei até os cinco, seis meses. Aí eu já tava ficando barriguda, não dava mais para ficar pegando Kombi, indo para cima e para baixo, entrevistando gente no centro. Era um trabalho muito de área externa que eu fazia, era entrevista externa, então no final da gravidez já não dava mais para fazer. Aí eu saquei que eu ia entrar de cabeça nessa história de ser mãe. E a gente...
[troca de fita]
R – Eu tava falando da gravidez...
P/1 – Isso mesmo.
R – Que é uma mudança mesmo.
P/1 – Que aí você largou o Telecurso. Você largou o telecurso porque você estava barriguda e já não tinha essa...
R – É, então...
P/1 – Esse tipo de trabalho já não era compatível com essa vida.
R – Foi caminhando assim. Na verdade eu resolvi ficar grávida, foi uma decisão. Eu acho que eu sempre achei que eu ia ser mãe, mas a questão profissional foi muito importante, foi me levando a muitos caminhos e teve uma hora que eu falei: “Não, agora eu to afim de ter filho”. Então a minha primeira filha eu tive aos trinta e três anos.
P/1 – Ela chama?
R – Dalva.
P/1 – Dalva.
R – E a segunda aos trinta e cinco, que é a Catarina. Foi bem pertinho uma da outra, mas nessa época a gente tinha um sítio que a gente construiu, eu e o Arthur.
P/1 – Você continuou morando na cidade?
R – Eu continuei morando na cidade, mas eu tinha esse sítio que a gente tava construindo, que na verdade era uma coisa dele, que a hora que a gente ficou junto começou a virar uma coisa nossa. É um lugar muito especial, porque é um lugar todo feito a mão. Quando eu digo construiu, o Arthur construiu mesmo, pregou, martelou, serrou. É totalmente de material alternativo, que foi coletado, ganhado, algum pouco comprado também, mas muito arranjado e é um lugar que tem muito a nossa cara. É uma instalação onde a gente vive junto, junto e dentro. É uma coisa que não teve uma coisa de...
P/1 – Moram vocês dois e as suas filhas?
R – E as duas meninas. E aí quando eu fiquei grávida eu vi aquele lugar, vi que eu falei: “Nossa, eu vou fazer uma economia financeira”. Porque a gente até nesse momento tinha um apartamento em São Paulo, ficava indo e vindo, não sei o quê. Eu falei: “Eu preciso ter um espaço só...”.
P/1 – Vocês tinham um espaço já nesse sítio, que era uma casa que vocês já usavam?
R – Esse sítio já é usado desde quando não tem casa. Era aquele sítio que ia lá para fazer churrasco, punha um telhadinho, já dormia alguém dentro. Então assim, em obras ele já é usado, sempre foi usado. Mas assim, eu mudei para lá no final da minha gravidez, que eu falei: “Não, agora eu quero ter um lugar só e esse lugar vai ser aqui”.
P/1 – Mas a casa tava em construção também.
R – É. Já tinha uma partezona funcionando, já tinha quarto, banheiro, cozinha. Já era uma casa nessa época.
P/1 – E aí vocês todo fim de semana...
R – A gente ficava indo e vindo todo fim de semana. Aí nessa história do final dessa gravidez eu resolvi mudar para lá, achei que ia combinar a história de ser mãe num lugar mais assim, ia combinar também eu poder baixar financeiramente meus custos e trabalhar menos, já que eu queria ficar, curtir mesmo, ter bebê e curtir essa história assim, ficar de grude.
P/1 – Tá.
R – Foi engraçado porque a hora que eu me vi ali, morando naquela chácara com a primeira filha e logo na sequência com a segunda, é um lugar muito... Com uma vegetação muito importante, muito presente. Minha casa é toda aberta para o lado de fora, cheia de janela e tem muitos pássaros. Aquela coisa de interior de São Paulo. Eu moro há quarenta minutos daqui. Hoje eu cheguei em trinta e cinco minutos de casa até aqui.
P/1 – Nossa, que luxo.
R – Mas num lugar onde é estrada de terra, onde a água é do poço, tenho pomar, tenho horta. Eu fui morar lá, eu não sou exatamente uma pessoa... Não tinha isso. Vim de Santos, meu contato com área externa era jardim da praia, mar e jardim de casa. Aí eu fiquei ali com as meninas, aquela coisa de bebê, que você fica muito em silêncio com bebê, eles não falam, né? Então você fica... Ouvi muita música.
P/1 – Porque teu marido vinha trabalhar.
R – Ele trabalhava muito aqui. Viajava muito também, nessa época ele tava fazendo umas coisas de cinema, e eu resolvi estudar jardinagem e paisagismo. Falei: “Tô querendo...”. Eu sempre gostei muito de estudar por conta própria, aí comecei a ler revista, livro e ver aquele monte de coisa em volta, disponível, aquela natureza incrível. E me formei como paisagista, fiz um monte de curso, desenho, projeto, implanto jardim. Achei que era uma alternativa profissional, que nessa mudança toda que eu tive, achei: “Poxa”. E foi engraçado, que eu fiz um segundo trajeto na minha vida conhecendo um monte de gente que não conhecia nada dessa toda história que eu contei para você. Tem um monte de gente que não me conhecia, foi muito curioso fazer isso aos trinta e poucos anos assim, começar do zero em outro lugar. Eu fiz o primeiro curso...
P/1 – Que aí você trabalhava mais com pessoas lá da região mesmo.
R – É. Na verdade eu trabalhei logo também, para vários amigos aqui dessa área, que eu tava entrando com um elemento novo, paisagismo num lugar que quase ninguém convivia muito com essa... Mas eu estudei aqui no Manequinho Lopes, que é no Ibirapuera.
P/1 – Ah, no Viveiro.
R – Que é um lugar maravilhoso em São Paulo, você parece que tá em outro planeta, você entra ali naquelas casinhas no meio de São Paulo, no centro ali no Ibirapuera, parece que você tá no interior da cidade.
P/1 – Você já tinha as meninas?
R – Já tinha as meninas.
P/1 – Aí como você fazia? Você as trazia com você?
R – E vinha, dava de mamar, vinha correndo, trazia uma comigo, vai se virando, né? Vinha para fazer curso e voltava. Eu não parei de fazer as outras coisas, mas naturalmente as coisas foram mudando. Eu trabalho muito com locução, esse tempo todo eu fiz locuções, fiz coisas que eram fáceis de eu fazer. Fiz alguns shows pontuados, participei de uns shows com o Guto Lacaz na época, que eu levava minha filha, ficava no camarim com a babá, eu ia me virando. Mas a ideia do paisagismo não foi tipo: “Puxa, preciso ter uma profissão”. E foi muito engraçado, porque depois eu fui fazer uma visita guiada no Carandiru, que depois virou a Praça da Juventude, fui fazer uma visita com as pessoas que implantaram o jardim lá, e conversando com várias pessoas, eu tava ao lado de uma advogada, ela falou: “Não, eu vim fazer esse curso porque para mim é um hobby. Falei: “Nossa, como são as perspectivas. Eu vim fazer esse curso porque isso para mim parece uma coisa profissional”. Para mim, isso aqui parece uma coisa: “Ah, vou fazer algo, vou fazer uma coisa”.
P/1 – “É muito mais formatado do que aquilo que eu faço”.
R – Mas é muito relativo. E na verdade depois você vê que o paisagismo também tem um lado artístico muito forte. Mas não só, tem uma coisa de botânica, de engenharia florestal, que é muito interessante também, que é outro lado assim.
P/1 – E daí assim, você continuou tocando isso, e quando você retoma os seus projetos lá de trás?
R - Um bom tempo a história do paisagismo foi me tomando, as portas foram se abrindo, porque no meu círculo de amizades ninguém conhecia muito paisagista. Então eu entrei bem ali, uma novidade fácil, e logo eu fui contratada por pessoas que eu conhecia também, desde Santos, trabalhei três anos no Anhembi, no Palácio das Convenções. Porque na época era o governo da Marta como prefeita, era 450 anos de São Paulo, então tava aquele “festerê”, uma injeção de ânimo e de grana para algumas coisas, contrataram-me para cuidar do jardim do Anhembi, que é enorme, e implantar um projeto, que quando eu cheguei logo depois eu descobri, que era um projeto do Burle Marx, que nunca tinha sido implantado.
P/1 – Que é qual?
R – O projeto para lá. Dos lagos, do Elis Regina, do Teatro Elis Regina, da frente do teatro e do pavilhão, tem aquele pavilhão de exposições que tem os lagos.
P/1 – Sim.
R – Que atualmente estão aqui, estão funcionando, mas quando eu cheguei lá tava... Era um jardim que tinha parte espacial.
P/1 – É, nessa época eles deram uma retomada no Anhembi como um todo. Ativaram aquele hotel.
R – É que estava tudo largado, nunca tinha sido implantado esse projeto do Burle Marx. Então foi uma honra, porque o meu primeiro trabalho contratada como paisagista eu fiquei três anos para implantar um projeto do Burle Marx.
P/1 – Eles te deram o projeto, o projeto já existia e falaram...
R – Existia no papel.
P/1 – No papel e falaram: “Você tem que...”.
R – Aí eu tive que fazer uma análise do que era possível daquele projeto que tinha sido feito há muitos anos para inauguração do Anhembi, o que era possível ser implantado. Porque algumas coisas da arquitetura estavam um pouco diferentes.
P/1 – Ah, eu não sabia essa história. Que legal.
R – Foi demais. Porque aí eu fui de cabeça nisso, estudei toda a obra que eu pude do Burle Marx, fui para o Rio de Janeiro, fotografei tudo que eu vi dele. Virei um... Falei: “Nossa, deram um tesouro na mão”. Porque me deram os projetos originais, para eu coordenar uma equipe de trinta jardineiros, e a gente implantou uma boa parte desse projeto.
P/1 – E esses jardineiros você que formou também ou eles já existiam?
R – Eram lá do Anhembi. Não, Eram de lá. Eu entrei como consultora, era uma coisa que era deles e que eu fazia uma consultoria. E a gente fez toda a fachada e essa parte dos lagos. E aquela coisa do Burle Marx, né? Que a gente ia chegando com as coisas, aquele monte de mato, aquela coisa, falava: “Gente”. Todo mundo acostumado com aquela coisa Campos do Jordão, tudo bonitinho, e chegava aquele monte de coisas: “Vocês vão plantar isso?”. Falava: “Vamos. Nós vamos plantar isso, porque é isso, a ideia é essa”. Foi muito bacana. Foi um trabalho muito legal. E isso as meninas eram bem pequenas, então esse foi meu primeiro trabalho mais longevo assim, como paisagista, que foi um trabalho superinteressante. Aí no final, depois disso, eu fui retomando coisas de música, fui voltando para aquele meu primeiro movimento.
P/1 – Porque de vez em quando tem umas retomadas também, né? Teve apresentação desses grupos? Vocês se reúnem novamente?
R – Sim, sim. Eu desenvolvo um trabalho pessoal recente que chama Caligrafias, que é um trabalho meu. Eu escrevo muito, eu tenho um trabalho como poeta, acabei de ganhar um prêmio na ProAC para publicar um livro, que vou publicar o ano que vem. Então as coisas agora... Aquela coisa da espiral, as voltas de um outro ponto. É muito interessante, que você vai...
P/1 – No Luni você era letrista também, né?
R – Sim, sim. No Luni a gente assinava tudo como um grupo, porque às vezes era muito difícil distinguir.
P/1 – Saber quem fez exatamente o quê.
R – Mas muitas letras são minhas, muitas são minhas e do Fernando, naquela época eu já compunha bastante coisa.
P/1 – Porque o Fernando Salem também tem essa coisa mais...
R – Na verdade Fernando Figueiredo, que era do Luni.
P/1 – Ah tá.
R – O Salem era do Fanzine. Fernando Figueiredo, que é DJ também.
P/1 – Bom, então assim, conta um pouco, você tava falando essa coisa dos 450 anos, depois retomou, de vez em quando acontecem essas coisas mais pontuais, e hoje em dia, aquilo que eu te perguntei, profissão? Você se vê mais... Você se vê como tudo isso?
R – Então, quando eu vou para um hotel e perguntam: “Que profissão você tem?”, eu ponho “Paisagista”. Eu acho melhor do que por cantora. Não to afim de ficar falando porquê eu sou cantora, onde que eu canto. Então assim, tem esse lado B que é muito útil.
P/1 – Entendi.
R – Mas assim, eu trabalho com as coisas misturadas, sempre foi assim e continua sendo. Então atualmente eu faço paisagismo, eu faço locuções, eu faço direção de show. Tem alguns infantis que estão em cartaz que eu dirigi, o “Pequeno Cidadão” eu fiz a direção cênica; tem um espetáculo que vai estrear a semana que vem, que eu também estou fazendo a direção cênica. Trabalho com música... Lá no meu íntimo acho que talvez a coisa que eu mais esteja gostando de fazer, atualmente, seja escrever, que é só minicontos e poesias. Agora, isso é um projeto de vida muito pessoal e pouco rentável originalmente. Claro que pode virar coisas rentáveis, associadas a muitas coisas, então por isso que acho que também eu resolvi várias coisas, para a coisa andar. Às vezes as pessoas me perguntam: “O que você é?”. Eu falo: “Uma brasileira”. A gente tem que fazer um monte de coisa, dependendo das opções que você faz. As coisas, elas... E o ter que fazer esse monte de coisa acaba que é útil para mim, porque na verdade eu sou uma... Uma característica muito forte para mim como poeta atualmente é a coisa de ter trabalhado como paisagismo. Eu escrevo muito sobre coisas que tem a ver com natureza, coisas cíclicas, com terra, porque eu estudei isso, então isso se transformou numa maneira também de eu me expressar artisticamente, isso virou um recurso. Então essas alimentações variadas, de fazer um monte de coisa, acaba que combina também com meu temperamento e me enriquece numa maneira de linguagem, acho que como pessoa mesmo. Para mim acho que foi importante isso.
P/1 – Entendi.
R – Às vezes você abre o... Acho que isso combina comigo, eu gosto dessa coisa renascentista, de você fazer um monte de coisas ao mesmo tempo e uma coisa ser ligada com a outra.
P/1 – Ou artista assim, né?
R – Acho interessante. Eu acho que o fato de eu ter virado paisagista foi um pouco pontual, foi porque eu tava morando numa chácara e o que eu tinha em volta era aquilo. Ainda brinco com o Arthur: “Ainda bem que nós não fomos trabalhar numa fábrica da Cosipa”, morar numa fábrica, senão talvez eu estivesse estudando engenharia química. Acho que alguma coisa eu ia estudar. E o que eu tinha disponível naquele momento era isso. E ainda bem que foi isso, aquela coisa por acaso não sendo por acaso. Muito bom.
P/1 – Então assim, o seu cotidiano atual ainda é você se dividindo entre essas várias atividades.
R – Sim, sim. Divido-me entre essas atividades.
P/1 – Você tá fazendo hoje...
R – Atualmente eu to fazendo dois projetos de paisagismo, essa direção desse trabalho infantil que vai estrear, que é com a Vange Milliet e com o Paulinho Lepetit, é um projeto infantil que chama Gangorra, que vai estrear no Itaú Cultural.
P/1 – Que é o quê? É um show?
R – Um show para criança, para criança. São só músicas para criança. Na verdade eu to fazendo a direção cênica, a música eles que fizeram a direção. Então assim, tem ensaio, tem os projetos que eu to fazendo, eu to implantando jardim, e tem o meu trabalho, que é com o Tuco Freire e com Alê Prade, que é um trabalho, um trio que é de poesia e música. Esse é um trabalho...
P/1 – Que foi esse show que você fez aqui na Crisantempo?
R – Fiz há pouco tempo na Crisantempo e que o meu interesse agora, esse final de ano e o começo do ano que vem, é focar nisso junto com o livro que eu tô querendo lançar, que vai ter o mesmo nome do show, é uma coisa que vai ser... Na verdade assim, é um trabalho de música que tem poesia sendo falada também no meio, as letras são todas minhas. Então é uma coisa focada muito no escrever. O cenário é uma maquininha de escrever, é uma pessoa escrevendo.
P/1 – E essas parcerias com essas pessoas que foram acumulando na sua vida, você ainda tem contato, você ainda produz junto... Ah é, você falou da Vange, do...
R – Sim, sim. Tem muita gente que, desde o XPTO... Tem o Beto Firmino, que já compunha naquela época e que a gente compõe até hoje juntos, a Marisa Orth, que era do Luni, depois eu fiz a direção do show dela, que chama Romance Volume II, eu trabalhei como diretora para o trabalho dela, que na verdade eram parcerias que tinham muita amizade junto, só foi enriquecer, trabalhar com quem você tem afinidades, isso foi... Até hoje tá muito vivo assim, muito aberto. Claro que tem gente que você vai... São Paulo é curioso nisso, São Paulo é capaz de você ficar cinco anos sem ver alguém morando na mesma cidade, no mesmo bairro. É uma cidade engraçada. Mas assim, esses vínculos de trabalho profissional determinam muito os caminhos.
P/1 – E seus sonhos hoje quais são?
R – Olha, eu acho um luxo poder viver da própria arte, isso sempre foi um sonho e tá muito claro para mim isso. E eu sei que isso é uma decisão que implica em abdicar de algumas coisas, algumas coisas objetivas de você ter seu cotidiano organizado, às vezes é muito confuso, às vezes é muito mutável, às vezes tá de um jeito, às vezes tá de outro, você tá com grana, tá sem grana, tá atrás de projeto. Mas assim, eu me sinto muito feliz de poder escrever a minha história, eu me sinto. Olho a casa que eu moro, falo: “Puxa, que demais ter inventado um negócio”. Acho que é um privilégio poder viver da invenção e acho que meu sonho é poder viver disso cada vez mais.
P/1 – Continuar então vivendo do que você cria.
R – Cada vez mais fortalecer isso. Ser grande dentro disso, amadurecer dentro disso, aprender. Porque eu fui criança, jovem, não sei quê, você vai se virando, né? A maturidade e a velhice são outras questões que entram que eu também vou ter que aprender a me estruturar dentro disso. E acho que o sonho é poder continuar vivendo disso, poder... Eu acho a vida muito preciosa de verdade e me sinto muito feliz de poder ver isso perto e colaborar com isso.
P/1 – Entendi. E como foi contar sua história?
R – É um prazer, né? Não sei, eu fui falando tão intimamente, é isso mesmo?
P/1 – Sim.
R – Não falei de nenhum bairro de São Paulo, gente. Não falei do Brás.
P/1 – Sim, cada um escolhe o que vai contar, né?
R – Até fiquei pensando quando você fala: “Puxa, que lugar que eu ia falar de Santos?”. Mas acho que Santos é a praia, negócio que pega mesmo como formação de estrutura assim, de personalidade, a questão da vida na praia, no mar e na praia.
P/1 – A sua vida tava muito ligada... O referencial era a praia?
R – Acho que sim, acho que sim.
P/1 – Não Centro, ou não sei quê.
R – E outra coisa é a liberdade de você ter locomoção, como adolescente você poder ir e vir com tranquilidade, que é uma coisa que é uma questão muito séria agora.
P/1 – Como é isso para suas filhas, por exemplo? Porque elas moram num lugar...
R – Então, a gente vai ter que aprender a fazer isso, porque lá é “ok” onde elas moram, mas ao mesmo tempo é tudo longe, porque são de estâncias, são sítios, então elas não tem...
P/1 – Como elas conseguem tocar uma vida social?
R – É muito ligada à escola.
P/1 – Que é lá?
R – Que é lá e que a escola permite algumas tardes onde as pessoas possam ter horários livres dentro da escola, as crianças ficam na escola mesmo que não seja para aprender nada, assim. Então é um momento de convívio.
P/1 – Então é onde eles conseguem conviver.
R – A gente anda de carro para caramba para lá e para cá. E agora a questão vai ser essa.
P/1 – E várias pessoas têm a mesma situação que você, moram lá e...
R – Sim, isso é uma característica de lá.
P/1 – Em lugares...
R – Isso é uma característica difícil, porque assim, essa coisa de metrô e ônibus é muito longe, não tem. Mas assim, meus planos... Eu acho que é muito importante essa independência de locomoção, como eu tive esse privilégio de ter e acho que é importante para elas. Agora é ensinar ônibus e metrô, aprender a se virar sozinha, porque é prazer você ir para uma festa sozinha com amiga e voltar sozinha, acho que isso é imbatível. Você estudar, encontrar alguém, tomar um café, andar na calçada sem estar com pai e mãe olhando para você. Isso é uma experiência que a gente tem que pensar sobre isso, que acho que tá muito constituinte de o jeito que as pessoas vão ser, você poder olhar a cidade, andar pela cidade se virando.
P/1 – É, sei lá, eu acho.
R – Eu acho que é muito importante. Agora essa é a questão, vamos ter que aprender, elas estão com doze e quatorze, então tá bem nesse momento.
P/1 – Tá bom. Obrigada, Natália.
R – Imagina.
P/1 – Obrigada, viu?
R – Imagina.
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