Entrevista de Vinícius Coimbra da Silva Souza
Entrevistado por Luiza Gallo e Raquel Ribeiro
São Paulo, 08/10/2021
Projeto Reciclagem e Cadeia Produtiva - Tetra Pak
Entrevista número: PCSH_HV1130
Realizado por Museu da Pessoa
Transcrita por Selma Paiva
Revisado por Luiza Gallo
P/1 – Vamos lá?
R – Vamos.
P/1 – Pra começar, eu gostaria que você se apresentasse, dizendo o seu nome completo, data e local de nascimento.
R – Tá. Boa tarde a todos, o meu nome é Vinícius Coimbra da Silva Souza, eu moro em São Paulo, capital e nasci em Ribeirão Preto, no dia doze de junho de 1990.
P/1 – E quais os nomes dos seus pais?
R – Osmar José de Souza e Josiene de Paula Silva.
P/1 – E o que eles fazem?
R – A minha mãe é professora, é formada em História e em Pedagogia, já trabalhou nas duas áreas. Mora em Ribeirão Preto, mas é mineira. E meu pai é mineiro. Meu pai é formado em Educação Física, mas faleceu em 2011, quando eu tinha 21 anos. Então, ele também é professor, mas completamente diferente da área da minha mãe. Minha mãe na História e na Pedagogia e meu pai na Educação Física.
P/1 – E você sabe como eles se conheceram?
R – Ambos são da mesma cidade, lá em Minas Gerais, São Sebastião do Paraíso. É uma cidade perto de Ribeirão, então é bem comum em Ribeirão Preto ter gente dessa cidade.
P/1 – Eles se conheceram na cidade onde nasceram e foram pra Ribeirão?
R – Isso. Eles se conheceram em São Sebastião do Paraíso, ficaram em São Sebastião do Paraíso, tiveram um namoro, não foi pra frente e em Ribeirão Preto eles se reencontraram, num outro momento e aí as coisas fluíram. E quando eu tinha cinco anos, mais ou menos em 1995, nasci em 1990, eles se separaram.
P/1 – E como você os descreveria?
R – Eu não tenho uma relação… eu não tenho memória do meu pai e da minha mãe juntos. Então a visão que eu tenho deles como pai e mãe é uma visão independente dessa coisa da família...
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Entrevistado por Luiza Gallo e Raquel Ribeiro
São Paulo, 08/10/2021
Projeto Reciclagem e Cadeia Produtiva - Tetra Pak
Entrevista número: PCSH_HV1130
Realizado por Museu da Pessoa
Transcrita por Selma Paiva
Revisado por Luiza Gallo
P/1 – Vamos lá?
R – Vamos.
P/1 – Pra começar, eu gostaria que você se apresentasse, dizendo o seu nome completo, data e local de nascimento.
R – Tá. Boa tarde a todos, o meu nome é Vinícius Coimbra da Silva Souza, eu moro em São Paulo, capital e nasci em Ribeirão Preto, no dia doze de junho de 1990.
P/1 – E quais os nomes dos seus pais?
R – Osmar José de Souza e Josiene de Paula Silva.
P/1 – E o que eles fazem?
R – A minha mãe é professora, é formada em História e em Pedagogia, já trabalhou nas duas áreas. Mora em Ribeirão Preto, mas é mineira. E meu pai é mineiro. Meu pai é formado em Educação Física, mas faleceu em 2011, quando eu tinha 21 anos. Então, ele também é professor, mas completamente diferente da área da minha mãe. Minha mãe na História e na Pedagogia e meu pai na Educação Física.
P/1 – E você sabe como eles se conheceram?
R – Ambos são da mesma cidade, lá em Minas Gerais, São Sebastião do Paraíso. É uma cidade perto de Ribeirão, então é bem comum em Ribeirão Preto ter gente dessa cidade.
P/1 – Eles se conheceram na cidade onde nasceram e foram pra Ribeirão?
R – Isso. Eles se conheceram em São Sebastião do Paraíso, ficaram em São Sebastião do Paraíso, tiveram um namoro, não foi pra frente e em Ribeirão Preto eles se reencontraram, num outro momento e aí as coisas fluíram. E quando eu tinha cinco anos, mais ou menos em 1995, nasci em 1990, eles se separaram.
P/1 – E como você os descreveria?
R – Eu não tenho uma relação… eu não tenho memória do meu pai e da minha mãe juntos. Então a visão que eu tenho deles como pai e mãe é uma visão independente dessa coisa da família tradicional, porque eu tinha cinco anos, quatro anos, então eu não lembro deles juntos. Mas eu descreveria meu pai como um pai presente, em todos os sentidos, o que pro Brasil eu sei que já começa a ser um privilégio. E minha mãe também, presente até hoje na minha vida. Meu pai também, de uma outra forma, mas ambos bem presentes na minha vida. Eu sou filho único, então bem presentes.
P/1 – Como é o jeito deles, assim? O que você lembra do seu pai, do jeitinho dele, mesmo, e da sua mãe.
R – Aham. A minha mãe é muito comunicativa. Professora, né? E bem mineira, assim. No sentido de gostar da fartura, gostar de receber as pessoas em casa, bem sociável. Isso também é o que eu mais lembro do meu pai, uma pessoa muito sociável. Uma pessoa de família, também, claro, mas de amigos. Até a família que ele convivia era na dinâmica de amizade, assim. Uma pessoa que gostava de reunir outras pessoas etc. Isso na minha família inteira, que é mineira. Eu sou o primeiro paulista da família, então todo o mundo tem essa casa aberta, de mineiro, de receber todo o mundo.
P/1 – E você lembra de algum costume familiar, seja de comida, um cheiro, algum… ou festas comemorativas?
R – Aham. Eu lembro muito… interior, das festas juninas. Porque na escola é um evento muito grande, a festa junina, até mais que o Carnaval, pelo menos quando eu era… nos anos noventa. Essa coisa de ter a dança, de ter as duplinhas, de ter a roupa típica. É meio do ano, então acho que está bem no meio do ano letivo, ali, em junho. Então eu lembro disso, mas com a escola. Agora, em relação à família, eu lembro de fazer pamonha com o meu avô e com a minha avó paternos. Com meu pai e com a minha mãe, mesmo separados. Eles não conviviam necessariamente todos os dias, não vou romantizar isso, não é isso, também, mas eles se davam super bem. Então, eu nunca fui impedido de conviver com ninguém da minha família, mesmo meu pai e minha mãe sendo separados. Então eu lembro disso, do meu avô e da minha avó paternos, fazendo pamonha comigo.
P/1 – Eu ia te perguntar isso, se você conheceu todos os seus avós, como foi a relação, um pouquinho da história deles?
R – Aham. Eu conheci todos, mas a minha parte paterna foi mais presente na minha vida, pela questão também da ausência, mesmo. A minha avó materna faleceu, eu tinha cinco anos, então era novo. E meu avô materno faleceu, eu tinha uns oito anos. Então meu avô paterno viveu mais tempo e minha avó paterna é viva até hoje, é uma segunda mãe pra mim.
P/1 – Além da pamonha, você lembra de outras atividades que vocês faziam juntos, você e seus avós?
R – Ah, sim. Eu lembro do meu vô, da gente indo muito pra Minas, meu avô tinha muita mania de dar carona pras pessoas e minha avó e minha mãe ficavam bem preocupadas. De novo a questão da separação, mas mesmo meu pai e minha mãe sendo separados, meu vô e minha avó se davam muito bem com a minha mãe, então minha mãe tinha espaço pra dar bronca no meu vô: “Você está levando o Vinícius” - ou outra criança da minha família, algum primo - “Não fica dando carona pras pessoas”. Então, eu lembro dessa coisa, assim. E quando eu era pequeno, até uns dez anos, a minha família tinha um sítio perto de Ribeirão. Eu não tenho muitas memórias concretas, mas eu lembro da sensação de estar no sítio. De animal, eu gosto muito de animal, desde pequeno eu tive essa coisa de ter muito contato com animal, minha família sempre teve muito isso.
P/1 – E, Vinícius, você sabe a história do seu nascimento, seus pais já comentaram sobre, como foi a escolha do nome…
R – Era pra eu ter um nome composto, porque eu acho que… ainda bem que não aconteceu, nada contra, mas era pra eu chamar Marcos Vinícius. Eu acho que o “Marcos” ia ficar a mais e eu acho o “Vinícius” mais legal, mais interessante pra mim, mais condizente, mas tirando essa questão do nome, minha mãe tinha 21 anos, ela estava cursando História, a primeira graduação dela. Meu pai já tinha terminado Educação Física, mas também era recém-formado, então foi um contexto difícil pra eles.
P/1 – E você lembra da casa em que você passou sua infância?
R – Lembro, lembro, lembro. Porque é a casa em que minha avó vive até hoje. Minha avó paterna, que essa é minha segunda mãe. Então é uma concepção de “lar” pra mim, é lá mesmo. Aqui também, em São Paulo, mas quando fala em “lar” eu penso muito lá, também. Sinto que lá até hoje é minha casa também, lá em Ribeirão.
P/1 – Como é a casa?
R – Ah, é uma casa gostosa. Minha família construiu a casa a ‘poucas e duras’, todo o mundo se juntando, a parte paterna da minha família. Meu pai morou lá também, muito tempo. E aí quando eu volto pra Ribeirão Preto, eu fico mais na casa da minha avó, do que na casa da minha mãe. E porque também é uma casa com… tem um quarto só pra mim. Na casa da minha mãe também, mas na casa da minha mãe ela alugou faz uns três anos, então eu não tenho a noção de lugar como criança. Agora, essa outra casa, eu morei a minha vida inteira nela, a da minha avó. Então é essa casa que eu tenho essa saudade da infância, essa coisa do cuidado, que as avós têm quando criam junto e quando minha mãe e meu pai trabalhavam, era minha avó que estava ali.
P/1 – Como era o dia a dia? Você ficava mais com a sua avó, você ia pra escola, voltava pra casa dela? Como era?
R – Eu ia pra escola de manhã, depois à tarde eu ficava com ela. E aí eu tinha todos os meus amigos vizinhos ali, porque é um bairro residencial, então tem pessoas… tem um em específico, um vizinho meu, que eu tenho contato com ele até hoje. Ele mora no Paraná. E até hoje a gente conversa, sempre, assim. Geralmente, uma vez por ano a gente acaba se encontrando, lá em Ribeirão. Então eu fiz umas amizades fortes ali, nessa casa em que eu cresci. Tenho amigos da rua até hoje.
P/1 – E como era a vida em Ribeirão, assim? Como era o bairro, a vizinhança? O que você gostava de fazer na infância, o que gostava de brincar?
R – Aham. Era uma vida bem tranquila, porque eu ia pra escola de manhã, à tarde eu tinha pra fazer tarefa e brincar. Então era uma vida privilegiada. Mais do que nunca, hoje eu tenho essa consciência. E eu lembro muito da sensação de não poder me preocupar com nada. Por mais que seja clichê, a gente fala muito isso da infância, eu lembro muito dessa sensação, também. E tinha uma amoreira, a uns três quarteirões pra baixo e às vezes a gente ia lá com sacolinha de supermercado, subia lá e pegava, eu e esse meu vizinho que eu tenho amizade até hoje (risos), junto com a minha avó ou não. E a gente sempre pegava amora lá, pra depois fazer uns sucos que não davam certo, que ficavam aguado, ou comia a amora mesmo e ficava tudo roxo. Eu lembro disso também. Lembro de brincar muito. Essa rua tem um impedimento de acesso de carro, então era uma rua muito tranquila, pra gente brincar de tudo: jogar bola, fazer tudo que a gente quisesse, assim. A rua era bem tranquila.
P/1 – Você brincava mais na rua do que dentro de casa?
R – Ficava muito. Eu ficava muito na rua, à tarde. Porque era uma rua tranquila. Assim, revezando entre a minha casa e a casa dos meus amigos, pra ir no banheiro, pra beber água, pra comer alguma coisa, jogar jogo e tals, mas essa coisa mesmo, de entrar na casa dos amigos sem nem… não avisar que está indo lá. Simplesmente tocar a campainha e entrar. A gente fazia muito isso. Então eu tenho na memória essa liberdade gostosa das tardes depois da escola.
P/1 – E nessa época você pensava o que você queria ser quando crescesse, com o que você gostaria de trabalhar?
R – (risos) Nessa época eu pensei no clichê de ser astronauta, todo mundo já pensou. Eu pensei em… não sei de onde eu tirei isso, de ser presidente da República. É, que louco, tinha uma época que eu falava isso brincando, mas eu acreditava, assim. Eu lembro de acreditar. E biólogo. Eu gostava muito da ideia de trabalhar com animais e tals. Mas depois eu vi que a Biológica não era pra mim como conteúdo, sabe? Biológica não rolava como faculdade, eu digo. E aí fui fazer Geografia. Fiz Geografia, depois, na Unesp de Rio Claro.
P/1 – E dentro de casa, sem contar o sítio da sua família, você tinha animais?
R – Tinha, tinha. O sítio, quando eu tinha uns seis anos, já deixou de existir. Então, foi bem na primeira infância, por isso que eu não lembro muito. Mas eu sempre tive cachorro em casa. Meu avô tinha codorna, uma época ele tinha codorna. Mineiro, né? Mas não matava a codorna, era pra ter os ovinhos. Aí tinha lá umas oito, dez codornas. E cachorro e gato, sempre, sempre tive, sempre tive. Tanto que hoje tenho uma gatinha aqui no apartamento.
P/1 – E me fala uma coisa, qual é sua primeira lembrança da escola?
R – Minha primeira lembrança da escola? Olha, eu não… assim, a minha lembrança mais forte, não é necessariamente minha primeira, mas é a primeira que vem: eu lembro que, na segunda série, no segundo ano do fundamental, eu tinha uma professora… naquela época a gente falava “tia”. As crianças falavam tudo “tia”, a “Tia Angélica”. E ela tocava violão. Nossa, foi muito marcante pra mim, como ela… na hora que voltava do intervalo ela tocava violão, de manhã ela tocava violão e no final da aula, pra gente ir embora, então ela tocava violão três vezes por dia. Era muito gostoso esse momento, eu lembro muito disso, que eu tinha uma conexão bem mágica com ela.
P/1 – Como foi esse primeiro período da escola? Você tem boas lembranças, ou um pouco mais…
R – Tenho, tenho. Tenho boas lembranças. Eu gostava muito do colégio que eu estudava, era um colégio só de duas turmas por ano, então era um colégio pequeno, tinha essa coisa da intimidade, todo o mundo se conhecia. Não lembro de sofrer bullying nessa época. Faz parte, infelizmente, não tô… mas, assim, provavelmente teve algum contexto, mas não me lembro no fundamental I, assim, quando eu era mais criancinha. E era uma escola que não era um prédio, era uma escola aberta e aí cada série era uma sala, assim, uma casinha e então você andava por partes abertas. Tanto que, quando chovia, era um caos. Mas a gente… Então tinha muito essa coisa do “aberto”. Era uma escola com muita árvore. Era bem gostoso. Eu lembro muito disso.
P/1 – Então, você continuou nessa escola até o…
R – Até o nono ano. Estudei nela todo o período, do pré ao nono ano. Estudei nela todo o período, então tive uma relação muito, muito de intimidade com a escola. Só não continuei lá porque no colegial já não tinha, aí eu fui pra fazer colegial em outro lugar. Mas nossa, eu amava, eu amava essa primeira escola. Eu falo pra minha mãe que essa escola me transformou num ser humano. Eles eram bem humanistas. Era uma escola católica, mas não era uma escola reacionária, de maneira alguma, então… pro contexto, pelo menos, que eu estava ali. Então era bem gostoso. E eu lembro das cigarras, também. A gente pegava as cigarras e punha na camiseta a casquinha das cigarras, quando eu era criança. Tinha muita cigarra e a gente punha as casquinhas na roupa, no uniforme (risos). Eu lembro disso.
P/1 – E como você ia pra escola?
R – Ou minha mãe me levava, ou eu ia de van. Eu não lembro a época, exatamente, que isso mudou, mas minha mãe me levava de manhã, antes de ir pro trabalho ou eu ia de van.
P/1 – E era longinho da sua casa?
R – Não. Era um… não dava pra ir a pé, mas eram dez minutos de carro. Era bem tranquilo. Bem perto.
P/1 – E colegial? Como foi essa mudança de escola?
R – É, aí eu fui pra uma escola que eu gostei, que foi muito importante pro conteúdo, mas que já eram dez salas por ano. Um prédio que parecia uma cadeia. (risos) De verdade. Assim, era bem cuidado, mas eu digo a arquitetura, mesmo. Era um “caixotão” e tinha um pátio lá embaixo e era tudo circular, todo o mundo se via, era um… então, foi com poucas árvores, muito concreto, muita sombra, ar-condicionado, uma coisa que não tinha na outra escola. Então, o completo oposto, eu era só mais um número. Então, eu criei relações ali que eu levo até hoje comigo, alguns amigos que dá pra contar na mão, mas que eu continuo muito próximo, até hoje. Gostei muito dos professores. Mas ali eu já tive uma relação mais… gostava, sim, mas eu sofri bullying, por ser um adolescente Lgbtqia+, Lgbtq, enfim. E não foi algo muito traumatizante, não foi algo que me fez nem chegar perto de sair da escola, não foi isso, mas quando eu lembro da escola, eu também lembro desses momentos, já, de colegial. Desse bullying etc.
P/1 – Nessas situações, você fazia alguma coisa específica?
R – Geralmente os professores, que bom, interviam. Geralmente eram situações mais coletivas. Eu nunca sofri uma violência física na escola, nem sobre isso, nem sobre outros contextos quaisquer, mas eu lembro de uma certa sensação de impunidade, mesmo os professores conversando. Eu acho que hoje, se eu fosse um dos professores, ou mesmo se meu filho passasse por isso, teria um pouco mais de conversa sobre a situação, expandiria pra família. Aquilo não extrapolava da escola, no geral. Mas, sim, a situação era resolvida, sim. Também não vou dizer que não. A situação era resolvida, minimamente.
P/1 – E a juventude, como você se divertia?
R – Quando eu tinha uns dezessete anos eu já comecei a sair mais, de encontrar amigos, de me deixarem dormir na casa de amigos, de amigas. E principalmente desse colegial, que eram pessoas que eu já convivia de segunda-feira a sexta-feira e eram pessoas que eu tinha confiança, de ficar realmente junto. E aí eu comecei a ter uma vida noturna, pré-dezoito anos, assumo, já (risos). Comecei a ter uma vidinha noturna, (risos) minimamente.
P/1 – E essa época de formação, de se formar na escola e começar a pensar no vestibular, como foi esse período? Você pensava em sair da cidade ou continuar lá?
R – É muito louco como a escola muda, né? Eu fiz o primeiro e segundo colegial nessa escola que eu comentei e aí o terceiro é na mesma escola, na mesma instituição, mas era um prédio no Centro, com os mesmos professores do cursinho. Então já era uma dinâmica pré-vestibular, mesmo sendo terceiro colegial. Não era aquela coisa adolescente, não tinha muito mais espaço para bullying. Eu já tinha professores Lgbtqia+, tinha menos espaço pro preconceito. Eu sentia isso acho que coletivamente e eu também. Eu já me aceitava, já me portava socialmente como uma pessoa Lgbtq no terceiro colegial. Então, isso, pra mim, facilitou muito. Facilitou muito. E aí era no Centro. Então a gente saía para almoçar, se eu tinha aula de inglês à tarde. Essa coisa do privilégio de um terceiro colegial de escola particular. Então, a gente tinha inglês e redação à tarde, de manhã as aulas regulares, eu passava muito tempo ali no Centro. Eu comecei a pegar ônibus pra ir pra escola. Então isso trouxe uma independência pra mim, me trouxe mais autonomia. Foi um momento bem mais legal da minha vida. Bem mais legal que o primeiro e o segundo colegial. Aí eu não passei no vestibular. Quase passei na USP aqui de São Paulo. Chamava “vaga remanescente” na época, você se inscrevia e aí eles poderiam ou não te chamar. Havia uma chance de me chamarem, porque o curso rodava vaga, mas a minha família achou que não, eu estava fazendo dezoito anos, ainda. E aí eu fiz um ano de cursinho nesse mesmo lugar, nesse mesmo colégio. Foi uma delícia. E aí, de fato, eu fui pra outra cidade. Mas respondendo à sua pergunta, quando eu fui pro Centro, estudar, é como se eu já estivesse conhecendo outra cidade, porque eu comecei a viver a cidade de uma outra forma. Comecei a viver com mais independência, ir sozinho, de fato, pros lugares. Então já mudou completamente minha relação com a cidade, no terceiro colegial e no cursinho. E o curso que eu queria não tinha em Ribeirão Preto, então era natural que, se eu passasse no curso, eu ia morar fora, seja aqui em São Paulo, ou em Uberlândia, ou em Rio Claro, onde eu acabei ficando. Fiz Unesp lá em Rio Claro.
P/1 – Você falou do processo de se aceitar. Isso foi um processo mesmo que você viveu?
R – Sim. É sempre um processo, pra gente, porque cada um, cada um, mas a minha interpretação é que ninguém escolhe a sua orientação sexual. Nada contra quem usa o termo “opção”, mas a minha vivência não é em cima disso, não vou desmerecer as outras, mas eu não optei. Não optaria por algo que talvez, muito provavelmente, me faria sofrer lá na frente. Então pra mim não foi uma escolha. Então, quando você se aceita, você se respeita, naturalmente, depois que você se aceita, você se afirma. Acho que é um processo. A afirmação, a força interna vem por último. Primeiro você digere aquela situação, se aceita, vê que aquilo não é um problema, que aquilo veio com você, você nasceu assim e depois as coisas fluem mais naturalmente. Então, sim, foi um processo pra mim. Foi um processo.
P/1 – E escolher o curso, como que… quais foram os motivos que te levaram a escolher Geografia, e por que Geografia?
R – Eu gostava muito, no terceiro colegial e no cursinho, dos meus dois professores de Geografia. Um deles, inclusive, era formado na Unesp de Rio Claro, onde eu acabei fazendo. Era de longe as aulas que eu tinha mais prazer, eu gostava muito. E eu gostava sempre muito do assunto da geopolítica, pensei em fazer também Relações Internacionais, mas assim, nem cheguei perto de fazer, mas por um momento isso foi cogitado como curso. Então eu sempre gostava desse lado. E minha mãe trabalhou com educação, meu pai era vivo ainda, meu pai trabalhava com educação, também. Então foi um caminho mais natural pra mim, fazer Geografia. Eu me interessava muito pela disciplina, porque tinha tanto a parte de geopolítica, que eu gostava muito, quanto a parte ambiental, que vem lá de quando eu era criança e queria fazer Biologia, mas eu acabei não fazendo Biológica, então juntava um pouco dos dois. Na Unesp os professores falavam e eu concordo lá com os professores da graduação de Geografia, que nosso curso era bipolar, porque ele tinha um foco muito grande na área ambiental, geologia, química do solo, climatologia, hidrogeografia, questões realmente da lógica da natureza, mas também tinha um foco muito grande na licenciatura, nas ciências sociais, na antropologia, na história, na geopolítica, na urbanização, na parte humana da Geografia. Então, era um curso bem bipolar.
P/1 – E o período de ter passado no vestibular, como foi? Você se lembra da sensação, de ter que mudar de cidade, todas essas transformações?
R – Eu lembro. Eu lembro dessa sensação, de saber que eu ia começar num lugar e aí, sim, eu não tinha a minha família ali. Tinha o apoio, lógico. Só de eu passar numa faculdade pública já pressupõe um privilégio anterior, muito provavelmente. Mas digo assim, na cidade. Não teria a minha família, não teria os meus amigos, porque nenhum amigo meu próximo do colégio, meus vizinhos, passaram na mesma faculdade que eu. Então foi realmente um recomeço, assim. Até mais do que quando eu vim pra São Paulo, nesse sentido de não conhecer ninguém, de… eu nunca tinha posto o pé em Rio Claro e aí eu fui pra lá pra morar. São Paulo, antes de eu vir morar aqui, eu já tinha vindo passear, já passei uns dias e tal. Já tinha uma familiaridade com São Paulo. Rio Claro, não. Eu caí lá de paraquedas. E lá fiquei cinco anos. Fiz o curso lá.
P/1 – Mas como foi esse primeiro momento de chegar de paraquedas e… aos poucos foi se sentindo à vontade?
R – É, num primeiro momento, como eu não tinha nenhum contato, a minha família decidiu me pôr numa pensão estudantil, a quarteirões da escola… da faculdade. Eu falo até “escola” porque é isso mesmo, Freud explica, porque é uma dinâmica bem, né, nossa! (risos) E aí, depois de três meses eu fui pra uma república e as coisas fluíram mais condizentes com o momento, mas foi bom, foi bom, porque também deu tempo pra eu escolher com quem eu ia morar, minimamente, onde eu ia morar. Eu entendi o bairro. Então, foi meio… pra mim foi meio estranho, foi meio infantilizado eu ir pra uma… mas a minha família estava preocupada. Então em vez de eu ir pra uma ‘kit’, também seria muito mais caro, eu fui pra uma pensão e lá eu fiquei três meses pra me encontrar, em Rio Claro.
P/1 – Teve algum professor marcante, nessa época? Que foi marcante.
R – Ah, com certeza, com certeza, com certeza. Eu tive uma professora de Didática muito marcante. Muito marcante. Que tinha muita didática (risos). Mas marcante também como ser humano, mesmo, não só como professora. Fora também, dos contextos. Quando a gente a encontrava para conversar sobre qualquer assunto, era sempre muito horizontal a relação dela com a gente. Não tinha uma relação de autoridade. Mas, além dela, eu tive também uma professora de História Econômica que eu gostei muito. E era a primeira vez que ela dava aula para uma sala, numa universidade, então foi muito bom pra ela. A gente meio que aprendeu juntos, foi gostoso. Acho que o fato dela ser professora pela primeira vez numa sala de faculdade, numa sala de aula de graduação, na verdade foi algo bom, porque ela estava… foi refrescante tê-la ali, vamos dizer assim. E um outro professor, também, que ensinava pra gente o desenvolvimento territorial do Brasil, do estado de São Paulo, envolvendo tudo: História, Economia, Geologia, era tudo ao mesmo tempo. Então, como era uma matéria muito interdisciplinar, eu ficava muito impressionado, como ele conseguia abranger várias frentes de uma vez só, que essa é a graça da Geografia: é você olhar para uma cidade e você ver o potencial econômico dela, o potencial social, o potencial ambiental. Você vê o espaço em diferentes perspectivas: economicamente, urbanisticamente, ambientalmente, socialmente, historicamente. Aí você faz um compilado, ali. E ele conseguia fazer isso bem geógrafo, mesmo. Isso era bem legal.
P/1 – O que mudou na sua vida, nesse momento?
R – Quando eu fiz Geografia, quando eu fiz a graduação? Olha, acho que foi na hora que fechou esse processo humanizador que a educação teve comigo. Eu acho que eu me tornei um cidadão mais consciente e acho que eu tive mais… acho não, com certeza eu tive uma noção melhor do que me cerca como estrutura política, estrutura social. Acho que abrangeu muito a minha visão de mundo. Muito, muito mesmo.
P/1 – Quais eram as suas expectativas de carreira, nesse momento? Isso era uma questão, assim?
R – Eu sou uma pessoa muito ansiosa. Então muito ansioso pensa muito no futuro, mas eu acho que aí eu me afogo na minha ansiedade e talvez eu fique mais no presente. O que é meio estranho, porque o ansioso geralmente não vive o presente. Então eu não cheguei a projetar muitas vezes, a minha carreira ali, fora o que eu faria depois, no sentido… pra mim, eu queria construir isso de uma forma mais natural. Mas logicamente a minha ideia era trabalhar com educação, porque eu estava fazendo uma graduação de Geografia, então era isso que eu pressupunha ali. Mas eu não tinha sonhos, por exemplo: “Ai, eu vou pra tal cidade, trabalhar naquele colégio”. Não, não. O que eu tinha era a perspectiva de… mesmo que eu voltasse pra Ribeirão, continuasse com a independência que eu conquistei ali na vida universitária. Então continuasse morando sozinho etc, enfim.
P/1 – Você fez algum estágio, alguma IC?
R – Fiz. É obrigatório a gente fazer estágio. Que bom, porque é uma graduação, uma licenciatura. Uma graduação, não. É uma graduação em licenciatura, uma licenciatura. Então a gente fez estágio na escola pública lá de Rio Claro, numa escola estadual e numa municipal, o que eu acho super legítimo, porque eu estou usando a estrutura pública, então o mínimo que eu deveria era estar ali aprendendo, porque também seria muito presunçoso dizer que eu estou “retornando”, eu ainda estava ali num momento de aprendizado. Mas aprender in loco, aprender com o que é concreto, real, sair um pouco da bolha do academicismo, que é muito importante, mas que às vezes fica só, muito, na teoria. E a Unesp falava muito isso, do tripé de uma universidade pública, que é pesquisa, ensino e eu não lembro exatamente o termo que eles usam pro terceiro, falei super bem “tripé” e não sei o terceiro, exatamente o termo, mas é pesquisa, ensino e o retorno pra sociedade, que as pesquisas também envolvem, claro. E eu sentia um pouco isso, que naquele momento eu estava ali, minimamente devolvendo o que a sociedade, o que o Estado estava investindo em mim, porque é uma universidade estadual, uma universidade pública. E eu acho até que… eu sou super a favor, até hoje, de que, na verdade, as pessoas que fazem cursos públicos são funções que podem somar na sociedade, todas podem, mas que têm essa função já no Estado, no Poder Público. Não que as pessoas ganhassem um emprego sem prestar concurso público, não é isso, mas que elas tivessem até mais obrigação de trabalhar ali e ter mais experiência, porque eu acho que isso também ajudaria muito na experiência depois, pra continuar no Poder Público, aí de fato com cargos, com concursos, ou até pra área privada. Eu acho que seria muito interessante. Que é o que os médicos fazem também, dependendo do curso. Os professores. Eu acho que todas as profissões deveriam ter isso. Você deveria ir lá e trabalhar durante a graduação, real oficial, mesmo. Acho que isso faz uma diferença bem grande.
P/1 – Você se lembra de alguma história marcante nessa escola?
R – Olha, eu lembro de que a gente pegou uma sala que era problemática. Ela era uma sala à tarde e ela era a única sala à tarde daquela turma de quarto ano, a gente começou com o quarto ano do fundamental - quinto ano, perdão - II, uma turma de quinto ano do fundamental II. E era uma turma à tarde, porque eram alunos que não davam certo nas outras salas. Eu acho isso inacreditável hoje, mais do que nunca. Como assim você cria uma sala com os alunos problema? Acho que, assim, você poderia estar bem-intencionado, mas muitas vezes é mais um processo excludente do que um recorte, ali, pedagógico, que vai fomentar uma educação diferenciada, mais potencializadora. Eu acho que nem tinha essa proposta, pelo que eu me lembre. Era literalmente uma contingência de problema, pegar aqueles alunos, aí eu fiquei meio assim. Foi com essa sala que nós caímos. Os estágios eram em dupla, então era eu e uma outra graduanda, uma outra, juntos. E hoje ela é mãe, a Priscila, mas eu já a via muito de um jeito muito matriarcal. Num lado bom, dessa coisa da mãe, assim. Então ela abraçou os alunos ali, e aí, juntos, a gente foi, foi bem interessante. E nesse estágio a professora de Geografia permanecia na sala. Então, na verdade, quem ditava a regra era ela, se ela dava a aula e a gente só acompanhava ou se ela realmente abria o espaço. E ela foi muito profissional. Ela abriu o espaço completamente, então a aula era nossa e ela nos ajudava. Essa professora, hoje mais do que nunca, eu vejo que ela conduziu a situação do estágio de forma bem legal. Então ela permitia que nós déssemos a aula, mesmo. E aí ela que, na verdade, era, ali, o auxílio com os alunos. Foi bem legal. Foi bem legal. No final das contas a situação se reverteu como algo bem interessante. E aí a gente trouxe essa justificativa pro professor, porque foram dois anos de estágio e na teoria cada semestre a gente fazia com uma sala diferente, pra você também pegar dinâmicas diferentes. E aí a gente pediu pra continuar no outro semestre com aquela mesma sala. Porque na hora que a gente tinha, ali, criado um vínculo, na hora em que a gente tinha minimamente revertido a situação, a gente ia embora? E aí a gente ficou mais um semestre com eles. Ficamos com eles todo o ano letivo. Foi bem legal.
P/1 – Você se lembra de algum aluno?
R – Eu lembro de alunos. Lembro, porque a sala também era pequena, era uma sala menor. Então eu me lembro do nome de alguns alunos, lembro da sensação sim, até começar a entender: “Ah, esse aluno aqui está com essa dificuldade, não porque ele é simplesmente distraído”. Tinha um aluno que a gente falou com o professor, tinha até esquecido, me veio agora, com o nosso professor, da Unesp e ele fez uma ponte para esse aluno fazer um teste na Unicamp e foi comprovado o laudo de dislexia dele. Então, na verdade, a dificuldade dele de aprendizagem era por uma dislexia não identificada em laudo. E nós não tínhamos na Unesp, ali, no curso de Pedagogia, ou não tínhamos, por exemplo, Psicologia, uma estrutura ali para diagnosticá-lo. Não sei o porquê, isso não era uma questão que não me envolvia, mas aí o professor fez uma ponte com a Unicamp e esse aluno foi pra Unicamp com tudo pago, fazer esse teste, esse processo, pra ter o laudo concreto dele de dislexia, pra ajudá-lo nas futuras escolas que ele estudaria etc. Então isso foi bem marcante.
P/1 – E trabalho de conclusão de curso, você teve algum?
R – Sim, a gente teve o trabalho de conclusão de curso desses estágios, que aí é sempre uma loucura. Eu tenho uma dificuldade enorme - sou geminiano - com coisa organizacional, então essa coisa de Abnt, fora o que a gente estava acostumado, mas é bem diferente quando você faz um TCC. Trabalho de faculdade tem burocracia, mas TCC é num outro nível. Mas no final das contas eu tinha menos matérias, então fluiu naturalmente, fazer o trabalho. Não foi um grande trauma.
P/1 – E, Vinícius, não sei se você fica à vontade para comentar, mas você perdeu seu pai nessa época da faculdade?
R – Isso. Eu perdi meu pai quando tinha vinte e um anos, eu estava fazendo Unesp em Rio Claro, Geografia. E, quando você perde um familiar muito próximo, você tem direito a fazer mais um ano sem a… na USP e Unesp a gente usa o termo “jubilar”. Que é você perder a sua graduação, perder o direito ao curso, porque você ficou três anos sem fazer nada. Poxa, tem uma estrutura do Estado, ali, pagando a tua graduação. Por que você aceitou esse curso? Poderia ter alguém no seu lugar que estaria, agora, concluindo o curso. Então, eu tive um ano a mais, que não foi necessário, não é isso, mas até isso a universidade oferecia, essa ajuda mínima, de mais tempo. Foi um processo difícil, mas no final das contas eu estar em outra cidade foi melhor pra mim, porque eu fiquei distante do luto da minha família. Eu vivi o luto da minha família, claro, tem que viver, faz parte, mas eu passava muito mais tempo em Rio Claro, mesmo após o falecimento do meu pai. Então, isso, na verdade, foi bom. Foi bom. Porque quem estava no meu entorno, não estava de luto também. Então isso me fez reerguer mais fácil do que outras pessoas da minha família, também.
P/1 – E o período de conclusão de curso, de sair da faculdade? Tem que encarar sem ter uma obrigatoriedade de estudo, são as suas escolhas, a partir de então, como foi?
R – Aham. Logo no primeiro momento eu não tive emprego na minha área. Eu gosto muito de fotografia, nunca fiz graduação, não é isso, mas eu fiz uns cursos de fotografia e aí eu trabalhei numa agência de fotografia, numa agência de publicidade lá em Ribeirão Preto, sou de lá. Voltei pra casa da minha família e fiquei um ano e pouco trabalhando nesse lugar. Usei a fotografia para fazer uma ponte com São Paulo, vim fazer um curso aqui em São Paulo, mas assumo já, com a intenção de ser uma justificativa para eu vir pra São Paulo. Vamos voltar no assunto de eu ser um jovem Lgbtqi. Ribeirão Preto é uma cidade em que eu posso viver a minha sexualidade e eu tenho uma relação super… no processo da graduação, isso foi acontecendo naturalmente com a minha família, então em nenhum momento é uma fuga das relações familiares. Não é isso. Mas eu via São Paulo como uma cidade muito mais diversa, como uma cidade em que eu tinha muito espaço pra isso, até profissionalmente, para ser eu mesmo, mas sou bairrista. Não quer dizer que em Ribeirão Preto eu não tenha esse espaço. Pra interior é uma cidade até tudo bem, eu tenho esse espaço, sim. Me vejo morando lá novamente, sem nenhum problema. Mas aí eu tinha essa vontade de vir pra cá, também por esse motivo pessoal. Usei a fotografia para fazer um curso aqui, aí fiquei na casa de uma amiga que fez Geografia na Unesp. Uma amiga minha, que morava aqui perto da Santa Cecília. Fiquei na casa dela dois meses e aí já pra achar lugar pra morar, as coisas foram fluindo.
P/1 – Qual foi a sua primeira impressão de São Paulo? Você se lembra?
R – Olha, a minha primeira impressão de São Paulo é quando eu passava em São Paulo antes do Rodoanel, pra ir pra praia. Não lembro nem se precisava, mas eu lembro desses momentos. E aí era uma impressão de uma cidade… aquela má sorte. Você vem naquele dia nublado e feio e na Marginal Tietê, então era meio de um monstro (risos). Mas depois, quando eu era não pré-adolescente, jovem, mesmo, já, no momento ali da faculdade, pré-faculdade, nossa, eu amava vir pra cá, porque eu comecei a ter amigos aqui, então eu saía, comecei a viver a vida noturna de São Paulo, quando eu já tinha uns dezoito, dezenove anos e estava nesse primeiro ano de faculdade e foi bem legal. Então eu comecei a ver São Paulo de forma mais romantizada. Numa forma de um lugar em que eu poderia vir e me divertir, assim. Era de uma forma bem romantizada que eu via a cidade. Mudou completamente, de uma coisa feia, suja, para uma cidade que tinha várias potencialidades pra mim.
P/1 – O que mais chamou a sua atenção, quando você se estabilizou aqui?
R – O fato de que muitas pessoas, em alguns contextos, mais da metade das pessoas que eu conviva não eram daqui e eu achava isso muito legal, muito interessante. E eu, estranhamente, comecei a entender. Muita gente fala que paulistano é mal-educado, que ele não fala com os outros, que ele não dá oi, bom dia. Eu não sei, assim. Na minha percepção, não, as pessoas são só respeitosamente mais reservadas. Toda vez que eu precisei de uma informação, mesmo depois que eu já tinha a sensação de lar aqui, que eu já moro aqui, que eu me sinto pertencente à cidade, as vezes que eu precisei conversar com alguém… eu acho que pessoas mal-educadas existem em qualquer lugar, lógico, mas eu não vejo isso como algo cultural do paulistano ou de quem vem morar aqui, da gente, ou melhor, do paulistano, ser frio, ser seco. Não vejo dessa forma. Acho que a gente é prático. E eu gosto disso. Acho isso bem legal, assim. Acabei me adaptando bem à cidade.
P/1 – E depois do curso de fotografia, como desenrolou sua vida? Você conseguiu um trabalho?
R – Sim, eu comecei a trabalhar num colégio que é especializado em EJA, mas é um colégio bem pequeno e aulas particulares à tarde, ali no Baixo Pinheiros, perto da região do metrô da Faria Lima. E eu já morava aqui, na região da Santa Cecília, então de metrô eu chegava em 25 minutos. Podia estar chovendo, podia ter greve de ônibus… claro que teve momentos em que o metrô me impediu de ir, greve do próprio metrô. Mas, assim, um transporte, pra escala de São Paulo, pra sair daqui do Centro e chegar na Faria Lima em 25 minutos, no horário de pico, eu sabia que eu nunca ia conseguir fazer isso com um carro, se eu tivesse, de ônibus. Então foi bem tranquilo pra mim, foi um momento bem motivador pra mim. Ganhava pouco nessa escola, bem pouco, mas foi minha primeira experiência depois do estágio, presencial, ali, com educação, experiência concreta com educação. E lá eu conheci minha coordenadora. Lá eu conheci a Roseli Barbosa, que era coordenadora pedagógica desse colégio. E também por discordar um pouco da ______ dos professores ali, de todos os contextos que tinham, a gente tinha vontade de buscar novos horizontes. E ela já tinha essa ONG Espaço Urbano e aí as coisas foram fluindo naturalmente.
P/1 – Quando e como essas questões ambientais começaram a fazer parte da sua vida?
R – As questões ambientais começaram a fazer parte da minha vida não como consciência social, mas quando eu era pequeno, por gostar muito de animal, por gostar muito de ver National Geographic, por querer ser biólogo, por ter esse fascínio pela natureza. Eu acho que isso é um passo importante pra uma criança, para ela começar depois, futuramente, da forma dela, a preservar a natureza, conforme o crescimento dela, profissional etc. Então eu considero esse um primeiro momento, depois a própria graduação, o curso de Geografia. Tem muitas perspectivas ambientais que a gente aprende ali, muitas, muitas questões ambientais. E depois, também, quando eu comecei a trabalhar na ONG Espaço Urbano que, naturalmente, o maior foco da ONG são projetos voltados pra área ambiental. Então, acho que é esse caminhar.
P/1 – Como foi a experiência de começar a trabalhar na Espaço Urbano?
R – Foi bem gostoso. Foi bem gradual. Eu fui trabalhando aos poucos, pontualmente, em alguns projetos. E o mais interessante é que parte do que eu fazia na escola que eu trabalhava, hoje eu também faço, só que com muito mais autonomia, num processo muito mais humanizado, nessa ONG que a gente trabalha. Porque eu também tenho… continuo tendo alunos, à tarde, cuidando de projetos de manhã, agora, que é o diferencial. Nessa escola eu não cuidava de projetos, só dava aula. Então, é como se eu tivesse pegado o lado bom do meu outro emprego e colocado numa instituição melhor. A gente acaba tendo mais autonomia. Empreender não é fácil, mas a gente tem mais liberdade, eu tenho mais estrutura pra… apesar de ser uma… não é uma escola regular, eu sinto hoje que eu tenho muito mais estrutura. O nosso processo de iniciativa é muito mais horizontal, então tem lideranças, mas são lideranças, não são chefes. Então, pra mim foi ótimo, assim. Acho que era um espaço ideal pra eu trabalhar com meio ambiente, porque quando você trabalha com meio ambiente, você vai contra a correnteza, em todos os contextos. Por mais que fale na televisão que é importante, que é legal, na hora do “vamos ver”, quem assina o cheque não está nem aí pra isso. Então é como se você lutasse contra a correnteza, quando você trabalha com meio ambiente, assim. Porque hoje, você trazer questões ambientais, ainda não deixa de ser algo meio antissistema, porque o sistema, naturalmente, é degradante pra natureza. Faz parte da lógica dele, ele é destrutivo pra natureza. Então, você tem que ser um pouco… dar umas braçadas, porque você está contra a água. Contra a correnteza, mesmo, como eu falei antes.
P/1 – Quais são as suas atividades? Como funciona o seu trabalho na ONG?
R – Nesse momento eu trabalho com o Projeto Recicla Cidades… deixa eu fazer só um intervalo, na verdade: eu posso falar nome de empresa, tudo tranquilo, né? Tá, então vou responder de novo. Nesse momento, a gente trabalha com o Projeto Recicla Cidades. Além dos meus alunos, além dos projetos educacionais que a gente tem, o ambiental que eu trabalho é o Recicla Cidades, que pressupõe construir ou ampliar uma rede de coleta seletiva em doze cidades da região do Alto Tietê, em parceria com o Condemat, que é essa instituição que administra, em parceria com o governo do estado e também com a Tetra Pak. Então a ONG Espaço Urbano cuida dessa parte, de melhorar a vida, a condição de trabalho dos cooperados da cooperativa de reciclagem e também aumentar o volume de material de resíduo coletado, porque isso logicamente aumenta a renda dos cooperados.
P/1 – Na prática, como funciona?
R – E aí eu cuido da parte educacional desse projeto, que é pra falar com as escolas municipais, às vezes estaduais também, dessas cidades e encaminhar atividades, sugestões, porque eu não posso impor uma sugestão, (risos) claro que não, para uma escola pública. Então, encaminhar atividades, geralmente a gente encaminha cerca de vinte atividades, que podem ser escolhidas, uma ou mais atividades, para serem desenvolvidas com as escolas, para já fomentar a consciência ambiental, a questão de conteúdos do meio de sustentabilidade e ensinar o básico, mesmo. Ensinar fisicamente como pegar o lixo e colocar no lixo reciclável, tornar isso como algo cotidiano, sabe? Desmistificar um pouco. A gente acha que, às vezes, pra cuidar do meio ambiente você precisa ser um super-herói. Se todo o mundo, todas as cidades, todas as pessoas reciclassem os seus resíduos, isso já faria uma grande diferença, mas um comentário pessoal, eu já vi isso na internet e peguei pra mim mesmo, também: “Só reciclagem, sem consciência social, é jardinagem”. Por isso é muito importante também a melhoria da condição de trabalho dos cooperados da companhia, das cooperativas de reciclagem. Eles usarem máscara quando necessário, luva, eles terem ali um processo de alongamento antes, se eles passarem o dia inteiro fazendo movimentos repetitivos. Então, o projeto também pressupõe isso, em outros momentos. O projeto abrange muito mais do que o educacional, que eu trabalho mais. Então, apesar de eu não trabalhar com todo o projeto, eu concordo com tudo o que o projeto propõe. Então, eu acho isso muito legal. Fico orgulhoso do projeto como um todo. E, como eu falei, trabalhar com o meio ambiente é você ir contra a correnteza, também na esfera das pessoas que você está conversando. Então, às vezes, nas cidades, a gente tem grandes pontes, profissionais que nos ajudam, que abrem portas e às vezes tem profissionais ali que constroem muros, então você tem que… às vezes o maior desafio ali são as pessoas no caminho, não necessariamente a execução do projeto, entende? As outras pessoas são decisivas para o projeto dar certo na cidade ou não. A minha coordenadora, Rose, sempre fala que cada cidade é um projeto. E realmente, assim, cada cidade é um mundo. É nessa hora que a gente percebe como a administração pública é muito importante. Porque tem cidades em que tudo flui muito bem e tem cidades que às vezes demanda muito mais esforço, ali, pra gente fazer coisas muito mais primordiais, coisas mais básicas, ainda, às vezes a estruturação de uma lógica de reciclagem, de coleta de reciclados, que é um passo anterior, um direito que toda cidade deveria ter. Está na Constituição a preservação do meio ambiente. Então, às vezes você tem que lutar pelo mínimo. Eu percebo isso um pouco no meio ambiente, que às vezes você tem que fomentar o mínimo. Fomentar o básico, assim.
P/1 – Tem alguma atividade que você queira, que você possa falar, que vocês oferecem, indicam pra essas crianças?
R – Ah, você diz como atividade escolar, né? A gente propõe muitas coisas, porque a gente trabalha com fundamental I, II e ensino médio, então existe ali um leque muito diferente. Então, no ensino médio a gente, geralmente, propõe algo bem mais “quadradinho”. Não estou criticando o que a gente propõe, de maneira alguma, mas algo mais regular, mesmo, pro aluno pesquisar, pra ele aprofundar ali, sobre como, realmente, quimicamente, o lixo fica sujo. Então, a gente propõe, às vezes, atividades de interpretação de texto, um contexto mais aprofundado, ou mesmo de química, como que o sabão, como que o descarte errado do esgoto, o lixo no rio pode afetar o rio quimicamente, biologicamente. Com o fundamental I e II, a gente trabalha de forma mais lúdica, porque o mais importante ali é que a consciência venha de uma forma mais orgânica. Eu não vou conseguir explicar pro aluno quais são as metas globais da ONU de meio ambiente, entende? Ou o que a Tetra Pak vai fazer com a caixinha UHT que é reciclada, por exemplo, que é um dos focos do projeto Recicla Cidades. Então, como esse resíduo vai virar renda, como que esse resíduo vai virar outro material, sem contaminar o meio ambiente, sem virar lixo, infelizmente. Não dá pra eu trabalhar isso com ele de forma tão aprofundada, então eu trabalho de outras formas, de formas mais lúdicas, com as crianças. Então, com desenhos, com visitas à nascente do rio, com “n”... aí a gente volta: depende do espaço que a cidade vai dar para mim, de como trabalhar com essas crianças. Se vai ser algo mais básico ou se realmente vai ser algo mais abrangente, mais interdisciplinar.
P/1 – Tem alguma história que tenha te marcado? De alguma viagem ou de algum contato com os alunos ou até com as pessoas do meio, assim, outros… seus parceiros.
R – Uma que me marca muito e que é recente, está acontecendo, então eu não vou falar no passado, é que a gente vai provavelmente desenvolver uma exposição no museu de uma das cidades que a gente está trabalhando com as escolas, com parte das atividades desenvolvidas pela cidade. E isso eu acho bem interessante, porque os alunos vão ver o conteúdo deles no museu da cidade. Se não me engano, é o único museu da cidade. Então, vai ter toda uma mágica ali pra eles, o que eles fizeram em sala, vai estar no museu. Isso pra gente pode ser só mais um evento, às vezes, mas pra uma criança que está ali, vendo seu próprio… sua própria tarefa, vamos dizer assim, sua própria arte, ali, sendo exposta, acho isso bem legal. Eu acho que fecha bem esse processo de conscientização ambiental, porque ela valoriza a natureza, se tudo der certo, no processo, ela aprende mais sobre reciclagem etc desde pequena, então ela naturaliza o fato de encaminhar o resíduo de forma correta, daquilo ali não virar um problema ambiental. É uma coisa que hoje, pra mim, é natural. Eu tenho duas latas de lixo enormes de reciclado e uma pequenininha de orgânico, então todos os dias eu percebo o quanto que eu produzo muito mais resíduos que geram renda pras pessoas, do que lixo para contaminação de solo. Então, realmente, assim, quando eu vou em um lugar e não tem reciclagem, me dá uma culpa pessoal, assim. Então, eu acho interessante a criança naturalizar esse processo. É uma coisa que, por exemplo, quando eu era criança, eu não tive esse privilégio. Eu estudava numa escola particular, mesmo tendo ali meus privilégios, eu não reciclava, quando eu tinha nove, dez anos, nos anos noventa pra 2000. E hoje eu acho isso muito interessante, assim. É legal ter essa possibilidade com a educação. E, por fim, valorizar a pessoa também, valorizar o aluno. O aluno está se sentindo… vai se sentir, espero, valorizado, quando ele ver ali a arte dele exposta na cidade etc. Então, eu acho isso bem interessante, assim. E aí a nossa ideia com essa cidade é a gente continuar com um projeto dentro do projeto, então a gente está pensando em, até o final do ano, continuar trabalhando agora só com os professores de artes, conteúdos de fomento da sustentabilidade, da preservação ambiental, com os alunos, de forma mais lúdica ainda, com os professores de artes. A cidade já tem essa política aos professores de artes no segundo semestre, com as aulas presenciais agora, com o retorno das aulas presenciais, eles já trabalham questões ambientais e eles falaram: “Por que não unir o útil ao agradável?” Então, a gente também vai acompanhá-los pedagogicamente nesse processo, ajudando com vídeos, com desenvolvimento de aulas e de conteúdos para essas aulas.
P/2 – Você falou que na década de noventa você… a gente não tinha tantas embalagens e tanto lixo. Você se lembra da sua época de escola, de infância, você falou que quis [fazer] Biologia por uma questão dos animais. A questão do lixo já te chamava a atenção, das embalagens, naquela época já era uma questão pra escola onde você estudou, esse cuidado? E em relação a agora, que transformação você percebe de lixo e embalagem e essa educação ambiental?
R – Olha, eu gosto muito de relacionar a educação ambiental com a política do cigarro. Quando eu era criança, eu ia em muitos lugares fechados e eu saía de lá cheirando a cigarro. É que, assim, já faz um tempo pra gente, então pra gente isso é algo que já foi naturalizado. Hoje eu não me imagino entrando num avião e tendo alguém fumando dentro de um avião, dentro de uma sala de cinema, dentro de uma sala de aula. Voltando à escola, dentro da escola, num lugar fechado. Então, como isso aconteceu? Quando eu era criança, isso podia acontecer. Aconteceu porque teve uma lei ali que foi imposta de verdade, que põe multa de verdade, teve uma mínima fiscalização, então o Poder Público fez a sua parte, a iniciativa privada naturalmente foi reproduzindo aquilo também e aquilo virou uma lógica social. Então, hoje é natural você ir para um lugar aberto e ter o espaço específico do fumante. Então, qual é a relação que eu faço? Que as leis ambientais, principalmente as de reciclagem, de coleta correta do resíduo gerado, também foram sendo naturalizadas, gostaria que tanto quanto o cigarro, a questão de fumar em lugares fechados. Então, quando eu era criança, não, de maneira alguma. Eu não conseguia fazer essa ponte de que aquele lixo ali, se eu o destinasse corretamente… que aquele lixo, sendo deixado corretamente, eu estaria preservando o meio ambiente. Nossa, nem chega perto de ter essa consciência, quem dera! É muito fácil pôr a culpa na escola, pôr a culpa na família. Acho que é uma culpa mais coletiva. Aquilo não era conversado. Não fazia parte, nem do meu ensino. Que eu me lembre, né? Claro que deve ter falado alguma coisa de preservar as árvores, não que eu nunca tive contato com a educação ambiental na minha formação, como aluno. Lógico. Mas eu não lembro de aprender a reciclar, de ir lá e ser estimulado a isso, na minha casa e na minha escola. Já quando estava no terceiro colegial, no cursinho, ainda lá em Ribeirão Preto, era uma escola muito grande, gerava muito lixo, já tinha um espaço específico para a reciclagem, então eu já optava por reciclar. Então, aquilo, pra mim... aí, quando chegava na minha casa e não tinha o espaço da reciclagem, eu já: “Puts, não tem aqui pra reciclar”. Aí já começou a me dar essa ressaca. Então, acho que vem daí. Vem da naturalização da prática. Aquilo tem que ser disseminado na sociedade. Então, se você vai em todos os lugares e todos os lugares vão te olhar estranho quando você pegar um lixo orgânico e jogar no reciclável, você vai parar de fazer isso. E você vai começar a fazer isso naturalmente: pegar o que é comida e jogar na comida, pegar o que é papel, o que você acha que dá pra ser reciclado ou não, tudo bem, mas que está minimamente limpo ali e você colocar um plástico, uma PET, um vidro, no lugar correto. Então não, quando eu era criança, infelizmente, eu não chegava nem perto de ter esse estímulo e muito menos de ter essa consciência da preservação ambiental dessa forma, com os materiais.
P/1 – E ao longo do seu trabalho no Espaço Urbano, teve algum projeto ou alguma viagem que tenha sido muito marcante para você?
R – Perdão, você pode repetir a pergunta pra mim? (risos)
P/1 – Claro. E ao longo… desde a época que você entrou no Espaço Urbano, tem algum projeto que tenha te impactado ou alguma viagem que tenha te marcado muito no Espaço Urbano?
R – Todas as vezes que eu visitei as cidades, quando eu visitei lugares públicos, então a escola, que tem muitas escolas com muita necessidade estrutural, lógico, mas no geral são cidades menores, então as escolas estão minimamente em dia e até a prefeitura, espaços, Secretaria de Meio Ambiente, secretaria educacional, sempre isso não normaliza para mim. É sempre um baque muito grande quando, naquele mesmo dia, eu vou para uma cooperativa. Porque aquelas pessoas são… não são funcionários públicos como cargo, mas elas têm uma função pública importantíssima pra cidade e às vezes eu chego ali e não é necessariamente um lixão, que bom, ainda bem, mas ao mesmo tempo eu sinto uma precariedade ali. Não precisa ter uma sala do Google, com mesa de pingue-pongue. Não é isso. Não é romantizar, não é necessariamente um ambiente corporativo Faria Lima, não é isso. Mas eu digo estrutura, mesmo. Uma boa sala, onde tenha o ‘coffee break’. Uma sala administrativa, que funcione a internet, porque aquilo ali é uma empresa. As pessoas precisam de ter um computador ali, com uma planilha, para administrar a renda daqueles funcionários. Mesmo sendo uma cooperativa, tem que ter uma administração, minimamente. Então, eu sempre tenho esse baque da defasagem, desses dois mundos, assim. A desigualdade no Brasil é muito grande, então quando você a vê no mesmo dia, na mesma tarde, mesmo eu já sabendo que ela existe, na consciência social que ela existe, isso ainda me dá um impacto.
P/1 – E como é trabalhar em diferentes cidades, tendo que lidar com diferentes pessoas, diferentes prefeituras, enfim, os desafios?
R – Quando eu ouço o termo e falo “trabalhar em diferentes cidades”, eu mesmo falo: “Na verdade eu tô só em São Paulo” (risos). Eu visito as cidades, mas da equipe da Espaço Urbano, eu não sou a pessoa que mais visita as cidades, cotidianamente. Então, eu trabalho em home office, in loco, na verdade, em home office ou não, mesmo que eu esteja em outro espaço corporativo, provavelmente vai ser em São Paulo, então eu trabalho online, com esses professores e essas professoras. Eu espero que nos próximos projetos eu já tenha muito mais vivência pessoal, trocas reais, ali, físicas, presenciais, com as equipes, porque pra escola faz muita diferença. Eu sinto que em muitas cidades seria muito interessante, eu fico curioso de saber como que eu teria desenvolvido com essa cidade. Teria me dado trabalho até lá? Teria me dado trabalho, lógico. O home office tem esse lado bom, ele é maravilhoso e em muitas funções é válido ele continuar. Mas em alguns momentos é indispensável a presença ali. Então eu acho que seria… espero que numa próxima oportunidade, com a minha equipe, com a equipe que eu componho, a gente possa fazer muitas coisas presenciais. Mais coisas presenciais, na verdade.
P/1 – E, Vinícius, você sente que existe algum desafio nesse processo de conscientização das pessoas, até na cadeia produtiva, você sente isso?
R – Eu sinto, sim. Sinto. Sinto que, como eu disse antes, usando de novo essa metáfora, é como se você estivesse nadando contra a correnteza. É um dos momentos em que eu mais sinto isso, assim, que você está “antissistema” naquele momento, sabe? (risos) Vejo um pouco dessa forma.
P/1 – E como você acha que eles podem ser superados?
R – Eu acho que… acho, não, acredito que a rede faz muita diferença. Então, uma rede de profissionais, uma rede de pessoas, isso faz muita, muita diferença. Então, a mídia falar sobre isso, o Poder Público fomentar isso, as empresas terem essa consciência, as casas, você na sua escala de cidadão, ter essa consciência, essa prática, aí sim. Aí eu acho que tudo flui mais. Então, tem que ter rede, tudo depende de uma rede. A gente é coletivo, né? Acho que mais do que nunca nessa pandemia agora a gente percebe que as soluções são coletivas. Não adianta nada a gente ter um monte de gente de máscara se eu entro num lugar e tem duas pessoas sem máscara. Já piorou a situação, né? Então, a gente é coletivo. Como animal, mesmo. A gente vive a coletividade. Então, acho que a gente não pode transformar a coletividade num problema. A gente tem que transformar a coletividade numa solução, na verdade.
P/1 – Pensando você como educador ambiental nesses anos, quais foram os maiores aprendizados para você?
R – Olha, os meus maiores aprendizados foram que mudar uma criança, um cidadão, uma família, na escala dos problemas ambientais e globais, do que a gente precisa realmente resolver, é só um grão de areia. Mas dentro do que eu posso fazer, é o que eu consigo alcançar nesse momento. O que a minha graduação, a ONG que eu trabalho me dá acesso de mudar é isso, então que isso seja efetivo. Que isso seja real, sabe? Então, me fez perceber que eu não vou conseguir resolver os problemas do mundo, ninguém vai conseguir, sozinho, resolver os problemas do mundo. Por mais romântico que possa ser essa visão. Na verdade, até “desromantizar” essa visão. Mas, ao mesmo tempo que, se uma escola já começa a inserir a coleta seletiva ali no ambiente dela, são às vezes centenas de crianças ali, levando resíduos e gerando renda para pessoas em situação de vulnerabilidade social, muitas vezes. Então, se aquilo ali se manter sustentável, isso é importante. Então, assim, a gente fala no Espaço Urbano: “Que a sustentabilidade seja sustentável”. Não adianta nada eu vender um modelo para uma escola ou para uma cidade, que depois ela não vai conseguir praticar, quando eu não estiver mais ali, acompanhando aquela escola. Então que aquilo seja sustentável também. Que cuidar do meio ambiente, que fomentar a sustentabilidade seja algo viável, seja algo também sustentável, que a criança consiga fazer aquilo sozinha. Por exemplo: que ela consiga pegar o lixinho na mão dela, depois que ela terminou de tomar o suquinho dela de caixa, na hora do recreio e aí ela pegar esse resíduo - parar de dar o nome desse material de lixo, já também é um bom começo, porque lixo não tem função - e ela destiná-lo para uma cooperativa, gerar renda, enfim. E, naturalmente, preservar o meio ambiente. Sem nenhum heroísmo. Que seja algo natural, do dia a dia dela. Como também espero que, na pandemia, mais do que nunca seja natural a gente lavar as mãos, quando a gente chega em casa. A gente, dependendo de onde a gente foi, deixar o sapato para fora de casa. Então, que seja um protocolo cotidiano para aquela criança, assim como ela escova os dentes, ela separa o lixo. Eu acho que aí, sim, você tem um cidadão que tem uma chance muito maior de, pelo resto da vida dele, aplicar isso. E o mais importante: ele também replicar. Ele também, essa criança chegar em casa e mobilizar a família inteira. Eu até achava que era um processo que não conseguia se transpor tanto do muro da escola, mas quando a gente começou a trabalhar, eu percebi que as crianças… não tem abertura melhor, assim. Não tem chave melhor para eu trazer a temática ambiental para uma família do que a criança.
P/1 – Entendendo a importância dessa ação, né?
R – Isso. Ela insere essa sementinha ali, mínima e tem mais espaço para germinar quando é ela que traz essa sementinha pra família, do que se eu mandasse um vídeo de Youtube, do que se eu falasse que um dia ia ter uma reunião de todos os pais e mães no estádio da escola ou, sabe, no estádio… no campo de futebol da escola, que tem, na quadra. É importante também, mas aquilo… isso é muito pontual. Agora, se eu trabalho com a criança um tempo e ela naturaliza o ato de reciclar, o ato correto da destinação do resíduo, nossa! Isso flui muito mais natural pras famílias depois e para a cidade. Você vai aumentando a escala, né?
P/1 – E como as pessoas podem atuar como agente ambiental, na promoção de separação de resíduos, de coleta seletiva?
R – Olha, eu acho que o caminho, volto a insistir, é a naturalização dos processos. É a gente mostrar que você não precisa, necessariamente, saber o que vai virar o seu resíduo, qual… “Ai, eu não sei separar, isso aqui é plástico ou é papel?” Tudo bem. Separe todos os seus resíduos, que você considera como resíduos recicláveis num espaço e depois a cooperativa está ali pra isso. A cooperativa está ali pra isso. Então, o primeiro passo é a prática. Você realmente começar a praticar, todos os dias você reciclar o seu lixo, você morar num prédio, num condomínio ou numa casa que você tenha acesso. Então, primeiro a sua escala pessoal. Depois, em segundo, se você mora numa região que não tenha coleta seletiva… é muito fácil romantizar esse processo. É muito fácil pra eu falar isso. As pessoas estão preocupadas com emprego. Elas estão preocupadas com comida na mesa. Elas estão preocupadas com outras questões, que são tão importantes quanto. Mas a comida na nossa mesa também está mais cara por causa da falta de preservação do meio ambiente. A gente está passando por seca porque a floresta, que é responsável por mais da metade das chuvas da nossa região, está sendo desmatada. Então se a Amazônia está sendo desmatada, eu não tenho os rios aéreos. Eu tenho o privilégio de ter acesso a esse conteúdo durante a minha graduação, então eu não preciso necessariamente ensinar pra eles qual é a lógica dos rios aéreos que vêm da Amazônia e que preserva. Mas eu preciso mostrar pra eles que, no momento em que a gente preserva a natureza, isso é um fator a mais pra comida dele ali estar mais barata no mercado, por exemplo. Pra não ter falta de água na torneira dele etc. Mesmo que ele não entenda todo o processo, porque eu também não entendo todo o processo, toda a legislação ambiental, isso já é alguma coisa. Mas, assim, eu gosto muito de responsabilizar as questões ambientais numa lógica mais de sistema. Porque, na hora que você vai ver o consumo de água da população… a população, não lembro os dados específicos, mas ela não consome, às vezes, 10% da água e 70% da água é consumida pela indústria e pela agricultura. Claro que a indústria e a agricultura precisam consumir a água, para eu ter um notebook na minha casa, para eu ter internet, para eu ter um ônibus rodando pela cidade, para ter hospital funcionando, então não é um problema as empresas e o agronegócio consumir 70% da água potável, por exemplo, do meu país. A questão é: como você está consumindo? Como isso está sendo feito? Você também está com essa consciência? Ou eu estou pedindo só pra população tomar banho menos tempo? Porque, se eu estou focando a solução ambiental só nesses 30% de consumo, eu vou só enxugar gelo. Então é importante que a gente abrace o todo, nesse sentido. Quando grandes nomes do capital privado se demonstram minimamente preocupados com as questões ambientais, isso também tem que ser celebrado, isso também tem que ser fomentado, isso também tem que ser investido. Acho que é isso. Voltamos na palavra da rede. Se só o Estado fizer a parte dele, não vai acontecer nada. Se só eu e os meus vizinhos fizermos a nossa parte, não vai acontecer nada. Se só as empresas fizerem a parte delas, não vai acontecer nada. Se os três: eu, a minha comunidade, o Estado e a iniciativa privada fizerem a sua parte, acontece muito mais coisa. Todo o mundo sai ganhando. Todo mundo sai ganhando. Então, é isso, assim. É um problema coletivo. Às vezes a gente vê certas lives, certas temáticas sobre meio ambiente como se a gente buscasse culpados. Todo o mundo é culpado. Então, acho que o mais importante é a gente buscar soluções, não culpados, necessariamente. Mas toda vez que a gente fala de meio ambiente, dependendo da esfera política, a gente soa antissistêmico, antissistema. Então, que seja. Então, que a gente conclua que a gente precisa reformular o nosso sistema, para ter uma sociedade mais saudável. Um ambiente mais saudável. Porque, viajando um pouco agora, a minha interpretação é que a gente virou uma espécie que se tornou um problema. A gente se tornou um problema pro planeta, pra lógica da natureza do planeta. Então, poxa, a gente se desenvolveu tanto! É lógico que a gente erra muito nesse processo e vai errar muito mais, mas chegou um momento em que a gente está virando autodestrutivo. É como se o nosso… pra mim, hoje, o maior problema da humanidade é a humanidade. Eu vejo dessa forma (risos). O maior desafio da humanidade é a humanidade. Então, todo o mundo tem que estar envolvido pra resolver isso, pra resolver o problema da natureza. O problema não está na natureza, está na nossa relação com ela. Acho que isso é o que mais importa. A gente tem que reformular isso: a nossa relação com a natureza.
P/1 – Desde o momento em que você começou a trabalhar efetivamente com isso, como educador ambiental, você conseguiu perceber algumas mudanças? Não precisam ser tão grandiosas, mas no seu dia a dia, com as pessoas que você convive, até com você mesmo, nos seus hábitos, você percebe mudanças?
R – Eu não ministro aulas com as crianças que eu me envolvo, com as unidades escolares que eu me envolvo, então infelizmente eu não tenho essa riqueza, que seria trabalhar com as crianças. Nesse momento eu não tenho isso. Mas eu percebo a dinâmica da cooperativa. No empoderamento dos cooperados, quando eles acabam tendo também um curso pra administrar melhor a parte financeira da cooperativa, que não é comigo, mas que eu consigo ver isso in loco. Então, pra mim, o maior feedback que eu tenho é sempre com a cooperativa. E tem que ser mesmo porque, em todo esse processo, é a parte mais vulnerável. É a parte mais marginalizada. E olha que educação tem muito o que resolver. Os professores, em geral, no Brasil, não são bem remunerados, muitas escolas possuem problemas, mas ainda assim o recorte do cooperado de cooperativa… cooperado de cooperativa fica repetitivo, mas dos cooperados de reciclagem é de muito mais vulnerabilidade social. Muito mais vulnerabilidade social. Eles têm muito menos acesso, a soluções, do que uma escola, no geral.
P/1 – Pensando nas cooperativas, quais você acha que são os maiores desafios que elas ainda enfrentam hoje?
R – Eu acho que o desafio do acesso à educação financeira, para que eles tenham uma sustentabilidade como cooperativa ou como empresa, mas né, a gente vive num mundo em que tudo passa por um orçamento financeiro. Tudo, a nossa vida pessoal, a vida do seu filho, você precisa, minimamente, pensar naquilo. O seu lazer, essa é a lógica imposta. Então quando eles não têm essa noção - eu não fiz Economia, também - de administrar de uma forma sustentável, a cooperativa, isso os atrapalha muito, muito, muito. E também a noção de direitos básicos. De que eles têm direito a materiais, pra eles não se machucarem e que isso não é obrigação só deles, que a prefeitura também deve ajudá-los nisso, porque eles estão resolvendo um problema da cidade quando eles coletam o resíduo, deixa de ir pro lixão e virar um problema ambiental. Então, a remuneração ser melhor, entre várias outras questões, assim. Então o empoderamento deles, dos cooperados, é muito importante. Muito, muito, muito importante.
P/1 – Pensando na sua trajetória profissional, qual foi o momento mais marcante?
R – Na minha trajetória profissional, qual foi o meu momento mais marcante? Acho que meu momento mais marcante já foi numa outra frente. Foi na minha frente educacional também, mas quando eu consigo formar um aluno. Quando o aluno consegue concluir um caminhar pedagógico e aí ele pega o diploma dele, seja esse diploma qual for, ou passa numa universidade. Eu acho isso muito, muito legal porque, no mundo daquele aluno, aquilo faz toda a diferença, para ele ter melhores oportunidades no futuro etc. Então, eu não consigo pensar num momento específico, mas um exemplo é uma aluna nossa, que estudava de graça com a gente, ela tinha toda uma questão de vulnerabilidade social, então a gente chegou a pagar para ela ter transporte para nos encontrar, pra fazer cursinho conosco. E ela estudou com a gente durante uns oito meses, nem foi um ano letivo completo e hoje ela faz USP. E ela é a primeira pessoa da família dela - ia falar da cidade - a fazer uma faculdade como um todo, não só uma faculdade pública. E ela consegue fazer uma faculdade pública.
P/1 – Como é o seu dia a dia?
R – Olha, o meu dia a dia, desde março de 2020, meu dia a dia pandêmico, né? Graças às vacinas e à ciência, aos protocolos mínimos, a gente está conseguindo voltar, tô aqui podendo receber vocês, dentro da minha casa, mas o meu dia a dia ainda está no privilégio do home office. Eu continuo muitas vezes no home office. E eu percebo que é um privilégio, porque minha mãe trabalha com educação e ela voltou a trabalhar, faz mais ou menos um mês, presencial. Está vacinada, mas minha mãe é diabética, então ela é grupo de risco. E minha mãe teve covid, não em relação ao trabalho. Só não sentiu cheiro, graças a Deus estava com as duas doses em dia, foi quinze dias depois dela tomar a segunda dose da Corona Vac e ela nem achou que ela estava com covid. Só depois do terceiro dia de uma coceirinha no nariz, ela viu que não sentia cheiro de mais nada. E aí a gente concluiu que era covid, mas aí, pra fechar, claro, ela fez um PCR e obviamente deu positivo. Isso já era no quarto ou quinto dia que saiu o resultado, deu mais uns dois dias, em sete, oito dias ela estava zerada. Nem febre ela teve. Então, para uma mulher com quase sessenta anos, diabética, quinze dias da segunda dose da Corona Vac, poderia também ter ficado até mais gripada. Então, assim, foi ótimo. Fiquei muito feliz que deu tudo certo. Mas, respondendo sua pergunta, eu trabalho dentro de casa, nesse momento, totalmente online, com as escolas e os alunos também que eu estou trabalhando nesse momento, ainda é via EAD. Ainda é por online. Quando eles vão fazer as provas pra certificação, os meus alunos que fazem supletivo, por exemplo, têm que fazer as provas pra pegar o diploma de ensino médio ou fundamental, aí é presencial. As provas são presenciais, mas só as provas. Então, eu ainda tô numa dinâmica de quase todos os dias úteis estar em home office.
P/1 – E, Vinícius, pensando que você é formado em Geografia, esse assunto já era presente na sua graduação…
R – É. Isso.
P/1 – Mas pensando antes da graduação e depois, entrando pra trabalhar nessa área, você mudou a maneira como você enxerga essa questão da reciclagem, da consciência ambiental?
R – Ah, sim. Porque, na minha graduação, eu não aprendi a reciclar. Apesar de ser uma coisa supostamente simples, não era isso o foco da graduação. O foco da graduação era eu falar de questões ambientais numa profundidade que a Academia dá pra gente, que a gente tem que ter ali mesmo, pra ter o diploma. Então, são coisas mais simples, mas na verdade que eu aprendi depois da graduação, aprendi realmente na dinâmica de trabalhar com a Espaço Urbano. De forma mais concreta vi os efeitos de geração de renda da reciclagem, de que na hora que eu tô descendo o lixo reciclável, eu estou gerando renda, também. Então, eu tenho mais um motivo importante para eu separar o resíduo, não só a preservação do meio ambiente, que já é o suficiente. Então, isso, na verdade, é recente, é um aprendizado dos últimos dois anos… dois últimos dois, não, perdão. Dos últimos três, quatro anos, na verdade.
P/1 – E o que você gosta de fazer, nas suas horas de lazer?
R – Olha, eu sou uma pessoa muito sociável, como eu falei do meu pai, da minha mãe e dos meus avós. Filho único sempre busca irmãos nas relações, então eu tenho amigos que eu gosto de ver, e agora, com a melhora dos casos e tals, com a questão do avanço da vacinação, mesmo assim eu sempre prefiro encontrar, no geral, meio que as mesmas pessoas, ultimamente, da família e amigos. Mas é isso: eu gosto de tomar sol, gosto de bater um papo e jogar conversa fora, sou uma pessoa bem sociável. Agora que a gente está podendo voltar a fazer isso, minimamente, está sendo muito prazeroso pra mim. Tô dando muito valor pra esses momentos. E, como eu trabalho online, não tô encontrando pessoas do trabalho. Amigos meus que estão trabalhando presencial já é ao contrário: no final de semana eles querem descansar, porque eles saíram de casa de segunda-feira a sexta-feira. Enquanto eu estava dentro da minha casa de segunda-feira a sexta-feira. Então, chega no sábado, eu falo: “Meu Deus, eu quero ver alguém”. Jamais ir pra uma festa, não é isso, até porque não é condizente agora, literalmente é proibido, mas eu digo: “Eu quero um encontro social”, ali. Não necessariamente quantitativo, não preciso encontrar várias pessoas, mas qualitativo, eu quero conversar com alguém. Eu até comento com os amigos que eu encontro: “Bom, a gente já se encontrou, a gente já está nesse momento de risco, relativo risco, então já que a gente está aqui, vamos ficar… não vamos ficar meia hora. Vamos ficar um tempo juntos, vamos conversar, vamos passar o dia juntos. Deixa eu matar a saudade, né?” Tem gente que eu não vi até hoje, desde que começou o isolamento social, que eu não vi presencial mais, ainda. Então, quando eu vejo essas pessoas, eu quero vê-las direito. Voltei a dar valor pra esses momentos, muito, muito valor pra esses encontros.
P/1 – E a pandemia, como impactou a sua vida?
R – A pandemia…
P/1 – Pensando desde o ano passado.
R – É, a pandemia impactou muito a minha vida, numa escala de tempo em que são várias pandemias dentro de uma. Então, num primeiro momento, eu tive muito medo da morte. Tive muito medo da morte, não em relação a mim, necessariamente, mas em relação à minha avó, que é uma senhora de 85 anos, muito ativa, que ia para a academia de uma universidade perto da casa dela três vezes por semana, pro encontro de idosos, pra malhar mesmo, fazer ginástica mesmo, é uma pessoa muito ativa. Então, esse medo da minha avó falecer pela covid. De conhecer muitas pessoas que faleceram, não necessariamente… tive o privilégio de não ter ninguém do meu núcleo familiar próximo, mas, assim, de ter amigos que perderam familiares que moravam juntos. Então, eu nunca vi uma doença fazer isso com tantas pessoas, ao mesmo tempo. A gente tem muitas doenças que levam as pessoas embora, que estão aí, que não têm cura ainda, mas eu não conhecia, em um mês, quatro, cinco pessoas que aquela doença tinha levado embora. Em alguns momentos, a pandemia chegou nesse nível. Então, isso é bem assustador. Em alguns momentos, era como se eu estivesse em um filme ruim de ficção científica. Uma coisa meio apocalíptica mesmo, assim. Então, foi bem ruim, principalmente no começo. E muita frustração com a forma com que as pessoas lidam com a pandemia também. Fiquei muito frustrado com o desleixo de algumas pessoas, o desrespeito. Todos nós erramos, claro que eu já abri a porta do meu apartamento e quase entrei no elevador sem máscara. Falei: “Meu Deus!” Não tô falando de erros, todo mundo erra. Mas eu digo de desrespeito mesmo, sabe? Então, também tive um pouco de frustração social, com isso. E revolta, também. Tive muita revolta com a forma que a situação foi levada, sabe? Hoje, mais do que nunca, eu vejo que a gente vive numa sociedade que abraça muito a vacinação, comparada a outras sociedades e eu acho isso maravilhoso, a gente está aqui, agora, por causa disso. Os países que estão melhores que nós, estão melhores também por causa da vacinação, por uma vacinação que ocorreu mais cedo que a nossa. E aí, quando você percebe que foi oferecido a gente ser o primeiro a começar uma ampla vacinação, ou no mínimo um dos primeiros e que isso foi recusado, não porque não tinha estrutura, não porque não tinha interesse ou porque a sociedade brasileira não abraçaria esse tipo de proposta. Na verdade, não. Depois que a vacinação começou a caminhar de fato, porque no começo era pra idosos, muito devagarinho, tudo foi… é paralelo: conforme a vacinação sobe, os casos caem, a morte cai, sabe? O medo vai embora, a economia retoma, minimamente. Então, quando você descobre que isso poderia ter acontecido mais cedo e não é mais cedo, “uma semana”. É mais cedo, 2021 ter sido um ano melhor pra gente, já em 2021, isso me causa uma revolta, assim. Me causa uma revolta. Mas aprendizado, também. Todos nós aprendemos, coletivamente, com a pandemia. No sentido político, que eu estava falando agora, no sentido de valorizar os nossos parentes estarem vivos, você ter saúde, ter comida na mesa, seguridade financeira, minimamente. Então, a pandemia deu um outro peso pra essas coisas, que às vezes pra gente pode parecer que todo mundo tem, mas nem todo mundo tem. Cada vez mais, isso é um privilégio. Na minha visão, pelo menos, cada vez mais isso é um privilégio. Então, a pandemia mudou isso pra mim e, apesar de eu ser uma pessoa ansiosa, acho que a pandemia me tornou uma pessoa mais calma. Acho que a pandemia me tornou uma pessoa mais calma. Não menos ansiosa, né? Também já seria demais. Mas eu digo assim: em alguns momentos da pandemia, eu falava pra mim mesmo pra eu viver a lógica da semana porque, se eu fosse viver a lógica do mês, do ano, tudo era muito pior. As perspectivas eram só… não existia uma perspectiva de melhora, em alguns momentos, muito pelo contrário. Então, para não me afogar nesse pessimismo, eu era realista com o que estava acontecendo, com as notícias, eu não fugia da realidade, mas ao mesmo tempo eu tentava viver a lógica da semana: “Ok, foi mais uma semana. Está todo o mundo vivo, todo o mundo bem. Agora vai chegar o final de semana, vou respirar, ou não… (risos) e aí vamos voltar”. Então, eu tentava viver mais a lógica da semana. Isso foi uma coisa que a pandemia me trouxe um pouco, durante um bom tempo. Hoje, agora, não mais. Agora hoje eu tô num… eu já me sinto numa lógica mais anterior a da pandemia. De pensar no mês, de pensar no semestre, de pensar no que eu vou fazer no final do ano, né? Que bom! O “novo normal”, mas ainda tem muito do anterior, também. Então, eu acho que principalmente depois que as pessoas mais idosas da minha família tomaram a vacina, eu acho que fiquei bem mais tranquilo. Bem mais tranquilo. Mas, assim, era no nível de eu encontrar, quando eu ia ver a minha família, eu via a minha avó, eu ver todos eles de máscara, mesmo, assim. Porque, na dúvida, né? Numa época em que ninguém estava vacinado, na dúvida a gente fazia isso.
P/1 – A gente está caminhando para o fim, mas queria te perguntar o que o ato de ensinar, essa troca, ainda mais pensando num tema tão importante socialmente, educação ambiental, representa na sua vida. Pelos seus pais trabalharem com educação também, o que isso representa, qual a importância na sua vida?
R – Olha, eu acho educação talvez o primeiro ou um dos primeiros momentos que pode determinar a vida de uma pessoa. Acho que todo o mundo está hoje num trabalho por ‘n’ motivos, circunstâncias que levam a pessoa a trabalhar naquilo, mas também pela educação. Acho que todas as funções, todos os trabalhos têm sua honra, não é isso, mas isso influencia na profissão que você vai ter, na renda que você vai ter etc. Então, acho que a educação é um divisor de águas na vida de uma pessoa. Infelizmente, geralmente ela legitima a desigualdade social. Na verdade, ela mantém essa lógica porque, enquanto alunos de maior renda em São Paulo conseguem ter, fazer chinês, tem muitas escolas de São Paulo que as crianças estão tendo aula de espanhol, inglês e chinês e tem escolas públicas em que você entra e não tem papel higiênico. Então, eu não estou falando que a criança da escola pública precisava ter chinês, inglês e francês. As diferenças sempre vão existir. As diferenças são da humanidade, elas não são de um sistema econômico, político ou outro. Mas eu acho que existe um limite até para a desigualdade, eu acho que chega um momento em que aquilo ali fica, já, injusto. Acho que uma coisa é a diferença, outra coisa é a injustiça. Então a educação eu acho que tem um papel muito importante para reverter as injustiças sociais. Muito, muito importante.
P/1 – Quais são as coisas, ou momentos, pessoas, mais importantes pra você, hoje?
R – Olha, as pessoas mais importantes pra mim, hoje, são a minha família, o núcleo principal, mesmo. Eu tenho um primo, por exemplo, que é… eu convivo com ele como se fosse um irmão mais velho e hoje ele tem um filho, que é meu afilhado, então esse meu afilhado é muito importante pra mim, no sentido afetivo, lógico. Meus amigos, minha vida social, sejam amigos do trabalho, sejam amigos da faculdade, da infância, da vida social de São Paulo. O meu namorado. Nós começamos a morar juntos na pandemia, então isso cria um outro contexto, também. Nos unimos numa hora de dificuldade e as coisas foram fluindo naturalmente. E acho que é isso, acho que são as pessoas. Acho que o mais importante da minha vida são as pessoas. Acho que eu tenho o privilégio de poder falar que o mais importante da minha vida são as pessoas, porque eu não sou rico, mas eu tenho renda, eu tenho comida na mesa, eu tenho saúde, eu tenho acesso a transporte, a ir e vir, então eu posso ter o privilégio de viver as pessoas da minha vida. “Viver as pessoas da minha vida” é estranho, né, mas conviver com elas. Seja o meu afilhado, meus primos, minha família como um todo, meus amigos, meus companheiros de trabalho e por aí vai.
P/1 – Quais são seus maiores sonhos?
R – Meus maiores sonhos… olha, meu sonho é envelhecer bem. Eu acho que isso é muito desafiador, no mundo de hoje. É caro envelhecer bem. Eu já, cada vez mais, percebo isso. Então, eu tenho… espero… acho que isso… eu deveria fazer mais coisas pra envelhecer bem. Deveria praticar mais atividade física, ainda está na perspectiva só do sonho, acho que eu tenho que começar a pôr na prática, sabe, construir esse sonho, assumo. Mas acho que isso é uma coisa muito importante, a gente ter qualidade de vida. Não tem nada a ver com luxo, não é isso, mas viver bem. Acho que, cada vez mais, isso é muito importante. Isso é um sonho. Pode parecer um sonho meio simples. Eu encaro como um sonho simples, na verdade. Mas eu acho que, ainda assim, é um desafio. É um desafio.
P/1 – Você gostaria de contar alguma coisa que eu não tenha perguntado, alguma passagem, deixar alguma mensagem?
R – Deixa eu pensar. Acho que a mensagem que eu gostaria de passar é um pouco de tudo o que eu falei aqui, um compilado de que, quando você pensa em meio ambiente, num primeiro momento é desmotivador você pensar em soluções, porque a escala dos problemas ambientais é muito grande, mas quando você pensa na escala do que você pode alcançar como indivíduo, isso acaba se tornando mais concreto, mais palpável. Então, sai de uma sensação de desmotivação, para uma sensação de estar motivado, de estar em rede, de ter apoio. Mas, assim, nada do que eu falei aqui da minha experiência com educação ambiental aconteceria comigo sozinho. Eu preciso das escolas das cidades que eu tenho os projetos, que a Espaço Urbano tem os projetos, da equipe da Espaço Urbano, das prefeituras, da Tetra Pak nesse caso, especificamente desse projeto. Então, são muitas pessoas envolvidas, pessoas, muitas eu nem conheço, mas que estão indiretamente envolvidas. Então, acho que o que fica é isso: a rede. Acho que a gente tem que desenvolver redes, para enfrentar os problemas. É sempre muito, muito mais efetivo. Principalmente na perspectiva ambiental.
P/1 – E tem alguma mensagem que você gostaria de deixar, sobre a importância da educação ambiental, da coleta seletiva, da separação?
R – Eu acho que a educação ambiental… não. Eu quero que a educação ambiental seja algo inerente ao desenvolvimento de qualquer cidadão, qualquer país. Acho que isso é essencial, cada vez mais. Cedo ou tarde. Não quero que ela seja só desenvolvida com as crianças. Os adultos estão aí, os idosos estão aí. Eles também… todo tempo é um tempo de aprendizagem, toda idade é uma idade de aprendizagem, então eu digo educação ambiental como um todo, apesar da minha experiência ser com as crianças, no geral. E eu acho que você unir a solução dos problemas ambientais com distribuição de renda, com melhores condições sociais pra quem está envolvido nesses processos, é um potencial muito interessante também, muito importante. Eu acho que tão importante quanto. Tão importante quanto. Então, você combater a desigualdade e também desenvolver ações de sustentabilidade, eu acho que é uma meta bem interessante, que eu quero, espero alcançar futuramente, com quem esteja trabalhando comigo. E hoje eu percebo muito que, em tudo que a gente tem que fazer com educação ambiental, é muito importante que sempre seja muito humanizado o processo, muito, muito humanizado. Porque, se você traz como uma palestrinha de faculdade, aquilo não vai virar realidade para aquela pessoa, sabe? Independente da formação dela ou não, ela pode ter uma formação acadêmica ou não. Acho que primeiro você tem que mudar a perspectiva dela como cidadão, do que ela entende, dentro da escala dela, dentro do entendimento dela. Depois você vai pensar em outras ações, outras perspectivas. Acho que o primeiro passo é a consciência mesmo. E todas as pessoas podem desenvolver consciência ambiental, mesmo quem não teve o privilégio de ter acesso à educação. A pessoa pode, dentro das perspectivas do que a vida ensinou pra ela, que também é um grande aprendizado, também ali se tornar um ator da sustentabilidade. Ela não precisa fazer uma graduação de um curso que tem a ver com a natureza, para ela se tornar uma pessoa que é pró-sustentabilidade, no dia a dia dela. Então, acho que isso é muito importante, que essa é uma lição que fica, assim. Que é como se todas as pessoas tivessem… fossem um quadro branco. A gente precisa ajudá-las a aprender a cuidar do meio ambiente, senão elas não vão cuidar, entende? E a gente também [precisa] aprender a cuidar do meio ambiente, assim como a gente aprende a dirigir as regras do trânsito, a nossa educação financeira, minimamente, também é uma coisa que a gente precisa melhorar, é claro. Então, acho que é isso: cuidar da natureza deveria ser algo inerente do nosso cotidiano, não uma ação de super-herói. Acho… eu quero que um dia você filmar uma ONG cuidando do meio ambiente não seja uma coisa, nossa, inovadora e única! Que seja ali algo especial, porque é, mas que seja algo cotidiano. Que seja algo, realmente, já na dinâmica das cidades, das pessoas.
P/1 – Antes de finalizar, eu queria fazer uma viagem no tempo rapidinho e te perguntar qual é a sua primeira lembrança de vida, da sua vida.
R – Um moletom azul. Que eu tenho fotos deu criança com esse moletom azul, então eu lembro muito desse moletom azul (risos). Era um conjunto, uma calça e um moletom.
P/1 – Vinícius, como foi dividir um pouquinho da sua história com a gente, lembrar do passado, pensar no futuro, nos seus desejos. Como foi?
R – Foi legal, foi interessante. Fiquei sem graça em alguns momentos, mas acho que foi interessante fazer essa retrospectiva. Foi interessante. Enquanto eu conversava, eu visualizei alguns caminhos da minha vida que eu ainda não tinha visualizado assim, dessa forma, como uma consequência da outra, entende? Fazer esse ‘link’, lá, de eu lá na escola, com o colegial, com a minha formação, com a vinda pra São Paulo, todas as minhas perspectivas pessoais envolvidas nisso também. Foi legal, bem legal.
P/1 – Nossa, te agradeço muito. Foi muito gostoso.
R – Que bom! (risos)
P/1 – Obrigada por nos receber na sua casa, no meio dessa pandemia. Mas foi muito gostoso pra mim, te agradeço muito.
R – Agora tô ficando mais sem graça do que na hora que começou, olha que louco, sendo que agora está terminando. Era para ser ao contrário, mas tudo bem (risos).
P/1 – É, muito obrigada por… Você fala muito bem.
R – Ai, obrigado. Eu sou geminiano, então é melhor eu falar a mais, do que a menos. Se eu falar menos acho que eu fico mais travado, demonstro mais meu nervosismo, do que se eu der uma… às vezes eu dou uma afogada nos meus próprios pensamentos, mas eu prefiro vocês terem mais conteúdo, do que menos conteúdo, entendeu? (risos)
P/1 – Obrigada, querido.
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