Projeto Diversidade e Inclusão no Mercado Financeiro Banco Pan
Entrevista de Carlos Eduardo Santana da Silva
Entrevistado por Bruna Oliveira
São Paulo, 18 de agosto de 2022
Entrevista n.º: PCSH_HV1228
Realizada por Museu da Pessoa
Transcrita por Selma Paiva
Revisada por Bruna Ghirardello de Oliveira
P/1 – Carlos, para começar, eu gostaria que você dissesse seu nome completo, a data e o local do seu nascimento.
R – Eu sou Carlos Eduardo Santana da Silva, nasci em 26 de julho de 1982, em São Bernardo do Campo, São Paulo.
P/1 – E qual é o nome dos seus pais?
R – Sou filho de Edebrando da Silva e de Eugênia Santana Garcia.
P/1 – E o que eles faziam?
R – Os dois trabalhavam em uma montadora de automóveis, meu pai eu não sei muito bem o que ele fazia, mas a minha mãe era secretária da diretoria.
P/1 – E como você os descreveria?
R – Eu descrevo, talvez, minha mãe como uma heroína, meu pai não tenho muitas lembranças, porque ele faleceu quando eu tinha oito anos, mas acho que eu descrevo muito minha mãe como uma heroína e como uma mãe e um pai também.
P/1 – Você conhece a história dos seus avós?
R – Sei que meus avós por parte de mãe, meu avô veio da Espanha para cá em momento de guerra e a minha mãe conta muito mais da parte da família do meu avô, mas a história da família da minha avó eu não sei. Por parte do meu pai, a história da minha avó é que ela é filha de italianos e do meu avô é que ele é filho de indígenas.
P/1 – E pensando na sua infância, tem alguma comida, algum sabor, cheiro, alguma data comemorativa, que lembra essa época?
R – Eu acho que tem... o local específico que era a rua da minha casa, que me traz muitas lembranças, hoje já não é a casa onde minha mãe mora, mas é próximo onde ela ainda reside, que é uma infância muito livre. Então, eu brincava muito na rua, eu tinha muitos amigos na vizinhança e até hoje, quando eu passo ali perto, isso vem muito na minha...
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Entrevista de Carlos Eduardo Santana da Silva
Entrevistado por Bruna Oliveira
São Paulo, 18 de agosto de 2022
Entrevista n.º: PCSH_HV1228
Realizada por Museu da Pessoa
Transcrita por Selma Paiva
Revisada por Bruna Ghirardello de Oliveira
P/1 – Carlos, para começar, eu gostaria que você dissesse seu nome completo, a data e o local do seu nascimento.
R – Eu sou Carlos Eduardo Santana da Silva, nasci em 26 de julho de 1982, em São Bernardo do Campo, São Paulo.
P/1 – E qual é o nome dos seus pais?
R – Sou filho de Edebrando da Silva e de Eugênia Santana Garcia.
P/1 – E o que eles faziam?
R – Os dois trabalhavam em uma montadora de automóveis, meu pai eu não sei muito bem o que ele fazia, mas a minha mãe era secretária da diretoria.
P/1 – E como você os descreveria?
R – Eu descrevo, talvez, minha mãe como uma heroína, meu pai não tenho muitas lembranças, porque ele faleceu quando eu tinha oito anos, mas acho que eu descrevo muito minha mãe como uma heroína e como uma mãe e um pai também.
P/1 – Você conhece a história dos seus avós?
R – Sei que meus avós por parte de mãe, meu avô veio da Espanha para cá em momento de guerra e a minha mãe conta muito mais da parte da família do meu avô, mas a história da família da minha avó eu não sei. Por parte do meu pai, a história da minha avó é que ela é filha de italianos e do meu avô é que ele é filho de indígenas.
P/1 – E pensando na sua infância, tem alguma comida, algum sabor, cheiro, alguma data comemorativa, que lembra essa época?
R – Eu acho que tem... o local específico que era a rua da minha casa, que me traz muitas lembranças, hoje já não é a casa onde minha mãe mora, mas é próximo onde ela ainda reside, que é uma infância muito livre. Então, eu brincava muito na rua, eu tinha muitos amigos na vizinhança e até hoje, quando eu passo ali perto, isso vem muito na minha memória, uma infância muito livre e de muita interação com outras pessoas e muito segura.
P/1 – E você tem irmãos?
R – Eu tenho uma irmã.
P/1 – E como é que é o nome dela? E como é a relação de vocês?
R – Ela chama Juliane, tem um ano e meio a mais que eu, nossa relação é muito boa, somos muito cúmplices, ela me deu uma afilhada de presente para a vida, que é a Laís, que tem quatro anos hoje. E acho que, assim, a minha família completa sou eu, minha mãe e minha irmã, principalmente. Então, a nossa relação é muito próxima e muito transparente também.
P/1 – E você sabe a história do porquê você chama Carlos Eduardo? E também sobre o dia do seu nascimento?
R – Eu sei que a escolha do nome foi do meu pai, a minha mãe queria que eu chamasse Davi ou Daniel, algo assim e eu acho que meu pai preferia o nome de Carlos e minha mãe complementou com Eduardo, que hoje é o meu nome preferido. E eu nasci em uma segunda-feira, de parto marcado, por coincidência dia de Santa Ana, apesar de eu não ser religioso, mas é o sobrenome que eu ganhei da parte da minha mãe. Então, é uma coincidência ter nascido no dia da santa que eu carrego o nome também e eu não fui um parto esperado, na verdade, mas eu fui... a minha mãe teve três partos que... três gravidezes que ela perdeu antes do parto e aí, assim que ela estava ali com a minha irmã já com menos de um ano, ela descobriu que estava grávida de mim e eu vim por último de todos.
P/1 – Edu, me conta como era a casa que você passou a infância.
R – Eu lembro mais da casa, porque até os quatro anos eu morei em São Bernardo, essa casa eu não lembro muito, lembro mais da outra casa que a gente morou por mais de trinta anos, era uma casa que meus pais tinham comprado para, basicamente, destruir e construir outra em cima. Então, eles já tinham planta, já tinham material de construção e pouco tempo antes do meu pai falecer, eles se separaram, se divorciaram. Então, a gente acabou ficando na casa, porque minha mãe já não tinha muito dinheiro para seguir com a reforma, depois da enfermidade do meu pai, do divórcio. Então, era uma casa que tinha uma sala, uma cozinha, um banheiro e tinha um quarto onde eu dormi por bastante tempo, onde eu dividia esse quarto com meu avô, que veio morar uma parte da vida dele lá em casa, e onde eu também dividi esse quarto com um tio, irmão da minha mãe, que também veio morar uma parte da vida dele lá em casa e no outro quarto dormia a minha mãe e a minha irmã. Por muito tempo elas dormiram na cama de casal, eu acho que não foi uma boa fase para minha mãe, até que ela conseguiu comprar duas camas de solteiro, mas ainda assim elas dividiram o quarto, até que minha irmã saiu de casa e se casou. E aí tinha um quintal grande, onde eu e minha irmã brincávamos bastante, tinha uma garagem, tinha uma lavanderia externa, onde a minha mãe montou uma mesinha e ela passou a ‘fazer pé e mão’ das amigas dela, para ter uma renda extra e foi basicamente a renda junto com a pensão do meu pai, que criou a gente. E ali eu tive cachorro, tive tartaruga, tive galinha, passaram bastante animais ali naquela casa e foi assim que eu cresci nela.
P/1 – E qual é a primeira lembrança que você tem desse lugar?
R – Não sei, eu acho que é uma mistura de boas lembranças, com lembranças não tão boas, eu acho que, para mim, era uma casa que a minha mãe tinha planos ali e que, no final, serviu para a gente crescer. Os planos que ela tinha não se concretizaram. Eu acho que eu tenho muito melhores lembranças sobre o apartamento que minha mãe vive hoje, que tem muito mais sentido para ela, do jeito que ela gostaria, do que da casa exatamente onde eu cresci.
P/1 – E como era o bairro naquela época, você lembra?
R – Eu acho que ele está bem parecido hoje, era um bairro... a rua onde eu morava e as ruas mais próximas eram basicamente de casas, tinha um prédio só de três andares ali, muito próximo. Ele continua dessa maneira, é um bairro bem residencial. Uma rua que era uma descidinha, então quando a gente jogava bola, a gente tinha que correr um pouco, quando a bola escapava um pouco da gente. E eu acho que era uma rua que tinha um movimento, mas não tinha tanto movimento. Então, às vezes, a gente colocava uma rede de vôlei, brincava de vôlei no meio da rua, levantava a rede para os carros passarem. O único problema eu acho que era quando a bola ia para a casa da vizinha, que ela não gostava que a gente tocasse a campainha para pedir e, às vezes, ela não atendia a gente. (risos) A gente teve que pular o muro, algumas vezes. Mas era um bairro tranquilo, em geral.
P/1 – Eu ia perguntar se vocês perdiam a bola, quando ia para a casa dela. (risos)
R – Perdíamos, perdíamos algumas vezes. Ela ameaçou a, inclusive, furar a bola e eu lembro que em algum momento a minha mãe conversou com ela e explicou: “São crianças” e aí ela ficou um pouco mais boazinha com a gente.
P/1 – E quais eram suas brincadeiras favoritas, nessa época? O que você gostava de fazer? E você brincava com outras crianças ou era mais sozinho? Como era?
P/1 – Era uma mistura dos dois. Eu, quando estava brincando na rua, brincava com bastante crianças também, então ou a gente jogava algum tipo de jogo com bola, era taco, que eu acho que nem todo mundo vai conhecer, mas eram duas garrafinhas, uma de cada lado, aí você tinha que, com um pedaço de madeira e uma bolinha de tênis, tentar derrubar a garrafinha. A gente jogava vôlei, eu andava muito de patins, andava de bicicleta, ou ficava - um pouquinho já mais para pré-adolescente - ali na rua, conversando mesmo, já falando sobre a vida, já não brincava tanto. Em casa eu gostava bastante de brincar de lego. Então, eu tinha uma caixinha vermelha, que minha mãe tinha me dado com muito esforço, no Natal, foi o presente que até hoje eu lembro, foi o que eu mais gostei de ter ganhado e eu ficava montando casinha de lego o tempo todo ali, mais sozinho, mais introspectivo. Um pouco antes eu lembro de brincar muito de carrinho, quando era pequeno, gostava muito de brincar de carrinho.
P/1 – E quando você era mais novo, né? Pensando na sua infância, você tinha sonho de ter alguma profissão, nessa época ou você queria ser só criança? Como é que é? (risos)
R – Ah, eu acho que desde cedo a gente é muito questionado sobre o que que a gente vai ser quando crescer. Então, eu não sei se poderia chamar de sonho ou já de uma pressão que a gente recebe dos adultos, mas eu, quando eu ia ao banco, a uma agência bancária, com a minha mãe, eu via aquelas pessoas atrás do balcão e eu pensava: “Ah, será que um dia eu vou trabalhar em um banco?” Já tenho mais de dez anos trabalhando em banco, mas não em uma agência bancária, nunca numa agência bancária. (risos) Mas eu acho que tive a fase do bombeiro, eu tive a fase do veterinário. E aí, quanto mais eu crescia, mais eu admirava a profissão de jornalista, aí foi quando eu me aproximei um pouco mais da Comunicação Social e aí, com medo de não ter emprego ou ganhar pouco, eu desisti de ser jornalista e acabei fazendo Relações Públicas, mas quando pequeno eu acho que era o sonho de qualquer criança, aquela coisa mais básica que você tem, alguns já vão para dons artísticos ou já sabem que querem ser médicos e acabam se tornando médicos, mas eu era mais do senso comum infantil, nesse sentido.
P/1 – E onde você estudou, quando você era pequeno?
R – Bom, a minha primeira série foi num colégio particular e meus pais ainda eram casados. Aí, já no segundo ano foi quando logo que meu pai faleceu, aí minha mãe passou a gente pra um colégio estadual, que chamava Yolanda Ascêncio, onde eu estudei até a oitava série, logo em seguida eu fui para um colégio municipal de São Caetano, que era o Alcina, colégio mais tradicional, público também. Mas bem tradicional, que tinha ensino técnico, na época. Então, eu fui fazer o meu colegial técnico, hoje ensino médio, na época era colegial, eu fazia colegial técnico em Processamento de Dados, fiz Programação ali, achei que ia seguir nessa carreira mais técnica e logo em seguida eu ingressei na faculdade, na Universidade Metodista, para fazer o curso de bacharel de Relações Públicas. E mais pra frente eu acabei fazendo uma especialização master em Customer Experience, na ESPM, que foi o último estudo que eu tive, mais recentemente.
P/1 – Voltando um pouco, ainda antes de falar da faculdade, ainda na escola primária: tem algum professor ou alguma matéria que você gostasse mais? Algum professor que te traga alguma lembrança positiva?
R – Eu acho que professor, exatamente, não, eu lembro de uma professora no colegial que, se a gente insistisse um pouco para ela não dar aula e jogar stop com a gente, ela fazia pelo menos uns dez, quinze minutos e isso aí a classe toda adorava. Tive alguns professores bem marcantes, de personalidade, em si, mas eu acho que o que me vem mais à memória, porque eu era um aluno que gostava muito mais de Exatas, das Ciências Exatas, de Matemática, principalmente e ia muito mal em Português. E aí, no final, acabei migrando para a Comunicação Social. Ou seja, eu tive uma reviravolta do que eu gostava ali quando pequeno, para quando eu cresci. Em vez de ir para Exatas, eu fui para Humanas, mas na época, eu tinha notas muito melhores em Matemática, do que em Português.
P/1 – E você passou a juventude na mesma escola? Como é que foi e como é que eram as amizades, naquela época?
R – A minha juventude eu lembro mais no colegial, que foi quando eu mudei de escola. Eu acho que até a oitava série eu me sentia muito mais criança ainda e aí eu me identifiquei mais adolescente quando eu fui para o colegial, para o ensino médio e foi uma mudança de escola. Então, ali eu conheci muito mais pessoas, pessoas que eu tenho contato até hoje, era um grupo muito misturado, de meninos e meninas, até o primeiro ano era um grupo mais fechado entre a gente. Já no segundo ano, a gente começou a conhecer pessoas de anos anteriores que a gente. Então, o grupo foi se formando muito mais do que as pessoas ali da sala de aula. Eu lembro que até o segundo ano eu estudei de manhã, então acabavam as aulas e a gente ficava lá, jogando na quadra, jogando vôlei principalmente, tinha dias que eu ficava até cinco, seis horas da tarde. Já no terceiro ano eu fui para a noite, que foi quando eu comecei a trabalhar, para ajudar em casa e aí já não tinha mais isso, era uma relação um pouco mais distante, pelo cansaço do dia, mas algumas pessoas também me acompanharam ali, nesse movimento de ir estudar à noite. Então, eu lembro até hoje que a Cris, uma amiga minha, eu estudei... a gente conseguiu estudar do segundo ano do ensino fundamental até o terceiro ano do ensino médio, na mesma sala. Então, a gente se conhece já desde 1990, eu falo: “Você é a pessoa que, tirando a minha família, eu conheço de mais longa data”. (risos)
P/1 – E o que mudou? Qual foi a principal mudança, para você, da infância para a adolescência?
R – Eu acho que a principal mudança é o senso de responsabilidade. Então, foi um momento em que eu perdi a infantilidade, no sentido de brincar, de não ter esse senso de responsabilidade e comecei a entender um pouco mais que eu estava crescendo, que eu tinha que buscar ali um sentido para a vida, o que eu ia fazer, como que eu iria me tornar um adulto. Até que, já ali, ainda no terceiro ano, eu comecei a trabalhar, começou a ajudar nas despesas da casa, então isso se torna muito mais forte para mim e já começo a pensar em que tipo de formação eu vou ter, de que maneira que eu ia fazer uma faculdade. Então, resumindo, é o senso de responsabilidade mesmo.
P/1 – Por que você escolheu essa matéria para cursar, no ensino técnico?
R – Não sei, Bruna, de verdade não sei, acho que eu tinha um computador que um amigo da minha mãe tinha doado para a gente, era um 486 na época, não era nem um Pentium ainda, era bem antigão. E eu aprendi a mexer no computador com aquela máquina que a gente tinha em casa. Então, a ‘mexer’ no sentido de, às vezes, formatar o computador, fazer manutenção, desmontar o computador, trocar placas do computador e eu acho que, nesse sentido, quando eu vi a possibilidade de fazer Processamento de Dados, era o que eu tinha mais afinidade na época, eu acho que a escolha foi muito por afinidade, sobre aquilo que estava já fazendo, naquele momento. E com certeza um pouco de influência da minha mãe.
P/1 – E como você começou a trabalhar? Como é que foi esse primeiro trabalho? Onde era e como foi a experiência?
R – Bom, era lá em São Caetano também, foi uma amiga da minha mãe que indicou para um amigo dela, eu fui auxiliar de escritório, era uma empresa, uma estamparia que fazia ferragens para vidro e eu ajudava em tudo, ajudava emitir nota, a arquivar as coisas, atender telefone. Logo, um ano depois, veio outra opção, por essa mesma amiga da minha mãe e eu acabei indo para essa opção, onde conheci um chefe muito bacana, uma pessoa muito próxima. Então, ele ajudava, dava orientações até mesmo de carreira, foi uma pessoa que me marcou bastante. Eu lembro que meio-dia ele ia almoçar na casa dele, mas a gente escutava ali, à época, na Jovem Pan, abertura do programa Pânico, porque eu gostava e ele também e a gente escutava junto, até terminar a abertura e ele ia, era uma rotina, mas foi muito mais por indicação e, nesse sentido, ali, como auxiliar administrativo, eu fiquei mais ou menos dois anos e meio.
P/1 – E você lembra o que você fez com o primeiro salário?
R – Olha, uns 80%, 90% eu devo ter dado na mão da minha mãe com certeza, mas não foi nem porque ela exigiu ou pediu, mas acho que, pelo fato de que eu poderia colaborar, para que a gente tivesse um dia a dia melhor. Eu até hoje acho que a minha mãe merece muito, que ela tenha tudo o que ela sonhou ter. Então, eu acho que, desde que eu comecei a trabalhar, de alguma maneira tento recompensar um pouco do que faltou para ela ali, enquanto ela estava criando eu e minha irmã.
P/1 – E como que foi, me conta um pouco sobre a escolha de Comunicação? Como é que foi esse período, na faculdade?
R – Perfeito. Comunicação Social era uma admiração que eu tinha pela função de jornalista, eu lia muito já, eu gostava de ler muito a Folha de São Paulo. Então, lia principalmente os cadernos editoriais, gostava muito de saber sobre política. Então, não só o jornalismo televisivo, mas também principalmente o escrito e eu tinha muita admiração por isso, mas eu não sabia da existência do curso de Relações Públicas, muito menos sabia o que fazia e olhando as faculdades que eu gostaria ou poderia entrar e me formar, eu estava no site da Metodista e vi sobre o curso e vi que fazia muito mais sentido, porque eu pensei que talvez a minha profissão seria muito mais dentro de uma organização e Relações Públicas traria para mim a afinidade que eu tinha, o interesse que eu tinha naquele assunto, junto com a possibilidade de trabalhar dentro de organizações maiores e foi realmente o que aconteceu. Então, durante a faculdade, o curso era metade de manhã e metade à noite, nunca entendi o porquê eles fizeram isso, mas calhou porque, na época, eu trabalhava em central de atendimento, eu trabalhei seis anos como atendente. Então, eu trabalhava seis horas, conseguia sair da faculdade ali, no período do almoço, ir direto para trabalhar essas seis horas, durante esses dois primeiros anos. E aí, quando eu passei para a noite, eu também migrei para a área de Marketing, dentro da própria empresa que eu estava. Foi legal porque eu comecei não como estagiário, mas como já assistente, a trabalhar o assunto que eu estava estudando. Então, eu acho que foi uma sintonia aí da vida, nesse momento, de que eu consegui tanto ir para a noite para estudar, como trabalhar dentro da própria área que eu estava estudando.
P/1 – E como você conciliava a rotina de estudos e trabalho, nessa época?
R – Não sei, Bruna, fazia mágica, eu acho que era a mágica, eu lembro que na época não tinha carro. Eu morava em São Caetano, estudava em São Bernardo e trabalhava em São Paulo, na Paulista, na região da Paulista. Então, era um pouco complicado, porque saía bem cedinho, na época, a linha verde [do metrô] não tinha tantas estações assim. Eu tinha que ir até o Brás de trem, fazer três baldeações para chegar na Paulista, trabalhava ali o dia inteiro, saía correndo para pegar um ônibus que passasse ali na Anchieta e chegava ali, próximo das onze e meia, para não pegar dois ônibus, porque não tinha dinheiro também, eu caminhava até São Caetano para pegar um ônibus ali, que era municipal e dali chegava próximo da meia-noite, meia-noite e meia em casa, minha mãe já estava dormindo, minha cachorrinha Gigi acordava, porque sabia que eu tinha chegado, aí tinha que abrir a porta, colocá-la de novo para dormir. Era uma rotina boa, eu acho que foi uma época boa, porque ainda era mais jovem, então eu tinha mais energia para fazer esse tipo de coisa e o meu objetivo principal era me formar ali, na universidade e trazer esse orgulho para minha mãe eu ia ser o primeiro, minha irmã ainda não... ela tinha começado a estudar, mas parou. Então, eu tinha um objetivo muito forte ali, não só de dar esse orgulho, mas também de crescimento pessoal e profissional. Então, eu acho que depositei energia ali, em cima dos objetivos que eu tinha, na época.
P/1 – E na graduação tinha alguma matéria que você gostava mais? Qual era a área que despertava mais o seu interesse, dentro da graduação?
R – Ah, a matéria que mais me despertou o interesse foi Texto Jornalístico, claramente porque era exatamente aquilo que eu pensava em me formar. Eu tinha um professor que era muito formal dando aula, mas que ele trazia contextos ali muito interessantes à discussão. Uma das coisas que eu mais gostei no meu curso, no geral, é que meus professores desafiavam muito a gente a pensar, muito mais do que a ler algo ou a escrever algo, o desafio ali é que a gente construísse um senso crítico apurado e eu acho que esse foi um dos professores que mais trouxe isso no dia a dia das aulas, em cima de uma matéria que eu gostava muito.
P/1 – E você entrou na faculdade logo depois que você saiu da escola ou teve um tempo assim, só trabalhando? Como que foi?
R – Teve um bom tempo, Bruna, na verdade eu saí ali do colegial um ano depois, eu entrei numa faculdade de Sistemas de Informação e aí eu desisti, falei: “Não é o que eu quero”, estava fazendo Processamento de Dados, já tinha dito que não era o que eu queria. Logo depois eu tentei mais uma vez, fui fazer um Tecnólogo de Redes, fiquei três meses, aí foi quando eu tomei a decisão, eu falei: “Não vou mais insistir na carreira de Exatas, não vou insistir nessa carreira de Informática, não é o que eu quero”. E aí eu acho que, entre concluir o ensino médio e iniciar a faculdade, foram entre quatro e cinco anos, foi quando eu realmente ingressei na faculdade de Relações Públicas, porque foi quando eu tive dinheiro para isso, basicamente. Durante esse período foi mais trabalhar e juntar um pouco mais de dinheiro, ter uma estabilidade um pouco melhor financeiramente, para poder ingressar no curso e ir até o fim.
P/1 – E como foi o momento da formatura?
R – Ah, foi incrível. Eu já sabia que eu não ia conseguir fazer a formatura, por uma questão financeira. Então, eu entrei no comitê de formatura, porque aí a gente criaria a festa e eu lembro até hoje, até tem foto na casa da minha mãe, do dia da formatura, eu lembro... três coisas que eu lembro: que ela estava muito feliz e eu estava muito feliz com aquele dia, com aquele momento, lembro que ela estava muito bonita, ela se preparou muito porque não só para mim, mas para toda a minha família eu estava dizendo que eu podia realizar alguma coisa. Porque, no final, eu fiz tudo aquilo sozinho, eu paguei sozinho a minha faculdade, eu fui por mim mesmo atrás daquilo, eu pegava o próprio ônibus, ninguém me levou até lá, ninguém me trouxe de lá. Então, eu acho que, no final, foi a primeira realização pessoal na vida adulta que eu tive. Então, foi um momento de muito orgulho para mim e de muito aprendizado.
P/1 – E pensando logo depois desse momento na faculdade, você já estava trabalhando, eu queria que você, pensando em toda essa trajetória, até chegar no seu emprego atual, que você pensasse assim e citasse quais foram os três principais momentos da sua trajetória. Quais foram os empregos que mais te marcaram?
R – Bacana. Eu acho que o primeiro momento mais marcante foi quando eu entro para a área de atendimento ao cliente, por telefone. Então, eu trabalhei em algumas empresas, em diferentes escopos, então fui... fiz suporte técnico de internet, na época internet discada; depois fiz cotação de seguro, para corretora de seguros; trabalhei em SAC, então atendimento de dúvidas gerais e tudo isso levou seis anos e foi o dinheiro que me ajudou a pagar a minha faculdade. Então, uma vez ali formado, eu acho que quando eu vou trabalhar com comunicação e marketing, é o segundo momento mais marcante, porque aí eu entro exatamente no mundo ao qual eu me prestei a estudar e conhecer e foi um período bacana, porque eu consegui aplicar muitas das coisas que eu tinha aprendido e trabalhei próximo a pessoas que conheciam muito também. Ali eu aprendi bastante. E o terceiro momento foi quando eu dou uma virada total na carreira, que é para trabalhar com produtos digitais, isso já entrando no mundo bancário, onde basicamente eu não saí mais, tive uma leve saída ali, rapidamente, mas voltei e é onde estou até hoje. Então, eu acho que é o período mais longo que eu tenho, trabalhando em um determinado assunto e é onde eu me encontrei mais, é o lugar onde eu gosto mais de trabalhar, gosto do que eu faço. Então, eu acho que esse, dos três marcantes, é o mais marcante possível.
P/1 – Edu, e para além da sua vida profissional, nesse momento de graduação, saindo da graduação e começando a trabalhar, como é que está a sua vida pessoal, nesse momento? O que você fazia para se divertir, nessa época?
R – É uma época muito longa. Então, quando mais jovem, ali, eu conseguia conciliar estudo com um pouco mais de diversão, ali no final de semana. Quando eu comecei a chegar mais próximo do meu ano de formação ali, fazendo o TCC, a minha vida foi destinada um ano a fazer o TCC, que foi um projeto de seiscentas páginas, que eu tive que fazer em grupo. Então, ali a vida pessoal foi meio que deixada de lado. Depois, já formado, eu consigo voltar um pouco mais a sair com os amigos, a frequentar a casa de amigos também, era o que eu mais fazia ali. Então, ou ia para uma balada no final de semana ou estava na casa de um amigo assistindo um filme, jogando alguma coisa e isso foi por muito tempo, até que eu tive o primeiro namoro. Então, aí começa próximo dos trinta, eu já tinha passado dos trinta anos. Então, ‘curti’ bastante os vinte anos, vinte e poucos, vinte e muitos anos, depois começou um pouco mais essa questão de namoro, aí vem casamento, aí vem separação, aí vem outras experiências de vida, que foi a questão de morar fora, morar e trabalhar fora, mas eu acho que durante todo esse período foi sempre muito rodeado de amigos, de bons amigos, ou em um bar, ou em um churrasco, alguma coisa que fosse uma confraternização entre a gente e também junto com a família, junto com a minha mãe e com a minha irmã sempre, viajando bastante, eu gosto muito de viajar. Então, eu acho que, em resumo, a vida pessoal sempre foi movimentada, de alguma maneira.
P/1 – Eu fiquei curiosa, me conta essa experiência de ter morado fora, como foi?
R – Bacana. Eu lembro que, quando eu trabalhava em uma seguradora e conheci a Adriana, uma amiga minha e ela saiu dali, aí ela foi trabalhar no Banco Itaú, na época e eu já não estava trabalhando mais na seguradora, estava em uma agência de design e ela mandou um e-mail para o pessoal que trabalhou com ela na seguradora e falou: “Olha, o Itaú está contratando, é vaga para Analista de Usabilidades, se vocês conhecerem alguém, inclusive eles estão capacitando, porque não tem muito profissional no mercado com esse conhecimento, se vocês conhecerem alguém que tem um perfil, vocês me avisam” e eu respondi o e-mail pra ela: “Tem eu!” E assim eu entrei no Itaú. Sete anos depois, essa mesma amiga foi morar na Colômbia, porque ela tinha o desejo de voltar a morar lá, ela já tinha morado com os pais dela e ela realmente conseguiu voltar para lá, vive lá até hoje e ela veio visitar os pais no Brasil, ela falou: “Eu vou passar no banco aí, no Itaú, me fala onde você está trabalhando, que eu quero te ver”. E, enfim, a gente se encontrou, eu vi que ela tinha sido promovida, eu falei: “Ah, Dri, você foi promovida para quê?” E ela: “Agora eu sou gerente de canais digitais” e eu falei: “Não tem uma vaga lá pra mim, de coordenador, no Itaú Colômbia?” e ela falou: “Se você falar para mim que muda para lá, eu não tenho a vaga, mas eu arranjo a vaga, porque eu preciso exatamente de alguém que eu conheça, que conheça do processo, que conheça do Itaú Brasil, para fazer essa interação”. E três meses depois eu estava me mudando para a Colômbia, para Bogotá, para trabalhar no Itaú Colômbia, como coordenador de canais digitais, lá eu passei um ano, esperava passar dois, mas quando eu estava próximo de completar um ano, uma ex-chefe minha tinha ido para a Argentina, trabalhar lá e ela falou: “Ah, você não quer vir trabalhar comigo?” e eu falei: “Ai, Carol, quem sabe daqui um ano? Eu queria passar dois anos aqui na Colômbia”. E ela acabou me colocando em contato com a pessoa do RH, eu fiz a entrevista, ‘chutei’ um salário um pouco mais alto, para falar: “Ah, acho que eles não vão fazer a oferta agora”, acabaram fazendo, aí eu falei: “Ah, então, agora não tem como recusar”. E aí fui para a Argentina, um ano depois veio a pandemia. Então, eu fiz uma malinha com cinco camisetas, duas bermudas, quatro garrafas de vinho e falei: “Bom, vou passar quinze dias na casa da minha mãe, a quarentena acaba e eu volto para minha casa”. E aí acabou que todo mundo sabe o que aconteceu. Quase dois anos ali de pandemia, ainda seguimos na pandemia, mais controlada, mas ainda seguimos e foi quando eu resolvi voltar a trabalhar no Brasil. Então, consegui passar em um processo seletivo, me desliguei da empresa lá na Argentina, um ano depois e aí voltei para cá e aqui estou, definitivamente.
P/1 – E como que foi conhecer, entrar em contato com outras culturas?
R – É maravilhoso, porque você descobre um outro mundo, outra forma de lidar com as coisas. Então, uma característica que eu lembro, por exemplo, muito mais da Colômbia, eu acho que tem uma semelhança, às vezes, com a cultura brasileira, tanto colombiana como Argentina, mas tem as suas peculiaridades. Então, eu lembro que dezembro, na Colômbia, é muito barulhento, as pessoas fazem muita festa, antes mesmo do Natal. Então, é como se preparassem já, para o Natal, você vai passeando na rua, você vai ouvindo as festas nos apartamentos. Tem o Dia das Velas, que eles acendem velas. Então, é muito legal, porque todo mundo vai para a rua, vai para um parque, acender velas. E aí você vai descobrindo essa tradição, que não é sua não, mas que, aos seus olhos, parecem muito interessantes e, ao mesmo tempo, eu acho que tem uma troca, uma recepção muito legal, eu acho que todos os povos ou a maioria dos povos adoram receber um estrangeiro e mostrar a própria cultura, o jeito, o que se come, o que se bebe. Mas tem também a distância das suas raízes, isso é o que traz um pouco mais a dor de morar fora, a dor da distância dos amigos, da família, da comida que você gosta. Então, tem o seu ônus e bônus, mas eu acho que, no final, é muito positivo poder vivenciar essa experiência.
P/1 – E pensando na primeira oportunidade que você teve, de ingressar no mercado financeiro, essa escolha foi, assim, consciente ou você foi sendo levado pro mercado financeiro, de alguma forma? Como que foi?
R – Eu entrei no mercado financeiro quando eu trabalhei na Allianz Seguradora e ali eu entrei no próprio call center, fazendo cotação de seguro, como terceiro e acabei sendo efetivado, me apaixonei pelo mercado de seguros e foi onde eu saí do call center e fui para Marketing. Então, eu acho que o que me manteve - não foi nem a questão de como eu cheguei - foi muito mais o meu crescimento profissional dentro dessa área e as pessoas às quais eu conheci, o meu relacionamento, que foi quem me levou para o Itaú, a própria Adriana que me levou para Colômbia, foi a que levou para o Itaú, me indicando lá. Então, eu acho que, como eu cheguei ali no mercado financeiro eu não sei exatamente, mas a minha permanência nele eu sei que é primeiro pela paixão pelo conhecimento e por ter conhecido pessoas e ter criado esse relacionamento com pessoas que também estão nesse mercado.
P/1 – E como começa o seu ingresso no Banco Pan e como é o seu trabalho lá, hoje?
R – Bacana. O meu ingresso no Banco Pan foi quando eu acabei saindo um pouco ali do mercado financeiro, eu fui trabalhar em uma empresa mais próxima do agronegócio, era um marketplace para o agronegócio. E eu não estava mais contente com a decisão e queria voltar para a área financeira e eu estava participando de alguns processos seletivos. Então, estava inclusive com uma possibilidade de voltar a trabalhar com outros países, mais remotamente, porque a gente estava na pandemia, mas poderia, por exemplo, me mudar novamente ou para o México ou para a Colômbia, que eram os outros dois países que eu trabalharia mais diretamente. Mas também por indicação de uma ex-chefe minha, eu conheci a Duda, que é minha chefe hoje, ela não tinha vaga, mas ela falou: “Ah, eu vou entrevistá-lo, vou conhecê-lo” e acho que a conversa foi tão boa, a gente gostou tanto da conversa, que ela foi atrás da vaga, eu tive que meio que ‘cozinhar’ a outra proposta que eu tinha para trabalhar, mas eu acho que deu tanto match aquela conversa, que eu acabei optando pelo Banco Pan, onde eu acho que tem uma cultura que eu gosto muito de trabalho, diferente de ‘casas antigas’ - a gente fala ‘casas antigas’ lá - onde a gente consegue dar mais velocidade àquilo que a gente quer fazer, trabalhar com mais transparência entre as pessoas. Então, eu acho que o motivo de eu ter chegado ali foi uma simples indicação e que resultou em uma conversa muito boa e acho que o motivo de eu ficar, principalmente porque gosto da cultura do lugar e gosto das pessoas com quem eu trabalho.
P/1 – Edu, me conta como são as iniciativas de diversidade e inclusão, dentro da empresa que você trabalha? Elas existem? Como elas funcionam, você sabe?
R – Bacana! No Banco Pan a gente tem grupos de afinidades. Então, a gente tem grupos de afinidade de empoderamento feminino, de pessoas pretas, de pessoas com deficiência e um grupo de afinidade para pessoas LGBTQIA+, ao qual eu participo, e por que eu participo, né? Uma vez a gente teve um bate-papo mensal com o presidente e a diretora de RH e do jurídico estava comentando sobre esses grupos de afinidade e, em determinado momento, ela utilizou o termo “opção sexual”. Aí, depois desse bate-papo, a gente tem um happy hour de todo mundo ali, para bater mais papo mais individual e eu fui conversar com ela, eu falei: “Ah, legal, eu não sabia que tinha esses grupos de afinidades e tudo mais, mas eu queria te fazer uma correção, a gente não diz: ‘opção sexual’, a gente diz: ‘orientação sexual’. Mesmo porque, se fosse uma opção, eu não optaria por ser gay, né? Não porque eu não sou feliz assim, mas porque é muito difícil ser, a sociedade não aceita, tem todo um problema ali, uma problemática inserida, que seria muito mais fácil eu optar por ser hetero e eu acho que, justamente por isso, a gente diz que é uma ‘orientação’, porque isso nasce com a gente”. E aí ficamos mais de meia hora falando sobre o assunto e no dia seguinte veio uma pessoa ali da estrutura dela, de RH, perguntando se eu não queria entrar e participar do grupo porque ela mesmo tinha me indicado e aí até hoje eu participo ali, tem ações específicas. Então, a gente teve aí o Mês do Orgulho, em junho, onde a gente trouxe pessoas referência para conversar com a empresa, a gente está se estruturando para passar entre as áreas, para explicar o que esse grupo faz, para tentar facilitar o ingresso de pessoas que contemplem a diversidade em todas as áreas do banco, ter mais representatividade, ter mais equidade. O grupo basicamente trabalha sobre todos esses fatores. Com muito apoio da comunicação interna, muito apoio de Recursos Humanos e eu acho que o principal ali é que o grupo existe para garantir um ambiente seguro para as pessoas. Então, o grupo do Orgulho, para garantir um ambiente seguro para quem é LGBTQIA+; um grupo de pessoas pretas, para garantir um ambiente seguro para essas pessoas. Ou seja, são grupos que pensam numa minoria que, de alguma maneira, precisa de um apoio dentro de empresas. Porque a gente sabe que, até pouco tempo atrás, essa cultura não era assim do jeito que é, a discussão não vinha à mesa e eu acho que a melhor forma de a gente manter essa evolução que tivemos, é manter as discussões sobre como a gente deveria atuar e como a gente deveria se comportar, para que as minorias tenham cada vez mais equidade. Então, eu acho que a principal ação do Banco Pan em relação a isso é: financiar e manter esse grupo de discussões, para que a gente possa trazer propostas e colocá-las em prática no dia a dia da empresa.
P/1 – Edu, e pensando na sua trajetória profissional, em algum momento... você pode ficar à vontade se não quiser responder também, mas você já sofreu algum tipo de discriminação ou preconceito?
R – É... não sei se eu... é que é uma linha muito tênue, Bruna, a gente dizer se foi preconceito ou não, se foi discriminação. Eu sou um homem cis, branco, homossexual, mas eu não tenho tantos trejeitos de homossexual e nem sei se deveria dizer ou falar sobre isso, porque não sei se a gente precisa ter trejeito. Mas a comparação que a sociedade faz comigo é que eu não pareço ser um homem gay, isso eu já ouvi muitas vezes e isso é ofensivo para mim, porque eu não preciso parecer ninguém, eu preciso parecer comigo mesmo, a minha orientação sexual não define o que eu sou, ela define quem eu vou amar, com quem eu vou ter relações, mas não quem eu sou, a forma como é o Carlos Eduardo. Então, eu lembro de um fato de que a gente estava numa reunião no Banco Itaú e duas pessoas, dois homens que estavam ao meu lado, da equipe mesmo e um era preto e o outro era descendente de coreano e por um momento eles estavam conversando ali e eles falaram assim: “Ah, deixa de ‘viadagem’!” e tudo bem. No dia seguinte a gente estava numa mesma reunião, na mesma configuração de cadeiras e mesa e os dois vieram me pedir desculpa pelo comentário que eles fizeram, eu falei: “Olha, gente, não sei exatamente se me ofendeu ou não, mas me espanta muito que uma pessoa preta, que pode sofrer com o racismo e um descendente de coreano, que pode sofrer com xenofobia, não tenha cuidado com as palavras, não tenha cuidado com as pessoas, porque aqui, se a gente reduzir essa sala a três, a gente está talvez falando de três minorias! Não vocês como homens héteros, mas em outras condições que vocês têm da vida. Então, eu acho que o cuidado com a palavra, o cuidado com o outro é muito importante. Se a gente acha que vai ofender, é melhor a gente se calar!” Claro, eu acho que já devo ter sentido algum preconceito, de alguém ter um olhar diferente ou achar ou saber que alguém está comentando alguma coisa sobre, mas a gente tenta evitar, um pouco. Recentemente eu estava comentando que, às vezes, até militar cansa, a gente tem que militar, mas, às vezes, cansa, cansa de ter que ficar explicando para as pessoas o que é, como é, o que se deve falar, o que que não se deve perguntar. Eu tive um almoço de equipe na Argentina, inclusive, que um dos meus pares me perguntou: “Ah, mas quando que você ‘se descobriu’? Como é que foi?” e eu respondi para ele e ele falou assim: “Você se incomoda com esse tipo de pergunta?” e eu falei: “Augustin, não é que me incomoda, quantas vezes você respondeu esse tipo de pergunta? Alguém já te perguntou quando você ‘se descobriu’ heterossexual? Como é que foi? Você já esteve com um homem, para saber se realmente você é heterossexual? Então, tem perguntas que talvez não deveriam nem ser feitas, antes mesmo dessa que você está me perguntando se eu me incomodo, porque não é sobre se incomodar, é sobre o tipo de pergunta que a gente deveria estar parando de fazer ou comentário que a gente deveria parar de fazer: ‘Ai, que desperdício! Ai, se fosse hetero!’”. A semana passada mesmo, uma par minha, lá no banco, falou: “Se você fosse hetero, certeza, eu te ‘pegava’”. Eu não sei, foi um elogio isso? Não dá para saber. Então, eu acho que a discriminação também pode acontecer em coisas muito leves, que deixam mais dúvidas do que esse sentimento de ódio, às vezes. A gente odeia, às vezes, ser discriminado. Eu já tive que correr na rua, porque eu estava com um ‘ficante’ meu e os caras pararam de carro e começaram a vir atrás da gente. Qual foi o meu sentimento, depois do medo? Ódio! E a gente, às vezes, acaba alimentando o ódio, em cima do ódio de outras pessoas. Então, é ruim, né? Eu acho que a gente precisa parar e pensar muitas vezes sobre as nossas atitudes, as nossas falas, para que o mundo seja melhor para todo mundo.
P/1 – Edu, cada experiência é singular, mas eu ouvi, assim, de outras pessoas LGBT, que elas omitiram, em algum momento, que elas eram LGBTQIA+ no ambiente de trabalho e daí eu queria saber se, para você, você sempre falou sobre isso no ambiente de trabalho ou se tinha alguma barreira, se você sentia que você não podia ser completamente você, no ambiente de trabalho?
R – Bruna, tem uma frase que eu não vou falá-la certamente, tá, mas é um post que eu sempre revisito, que é: “As crianças homossexuais crescem sendo outra pessoa, elas crescem atuando como outra pessoa e quando elas realmente se tornam adultas, elas precisam entender e escolher quem realmente elas querem ser, se é aquilo que elas estavam atuando ou aquilo que elas sempre quiseram ser e nunca conseguiram”. Então, eu acho que, talvez, para todo mundo que você perguntar se algum dia teve que esconder a própria sexualidade, a resposta vai ser sim! Por medo, por insegurança, eu já tive... no começo eu contava muito para os meus amigos mais próximos e eu já tive uma pessoa, um colega de trabalho que, quando descobriu que eu era gay, deixou de falar comigo e era pessoa assim que a gente saía para o bar, fazia happy hour e tal, não era amigo, mas era um colega e, realmente, quando ele soube, ele parou de falar comigo. Ao mesmo tempo que eu tive outras, outros amigos, que se tornaram mais amigos ainda quando eles ficaram sabendo, se aproximaram mais. Então, é uma... é algo complicado, por quê? Porque quando você está falando do seu ambiente profissional, é onde você passa a maior parte do tempo do seu dia, primeiramente. A gente trabalha porque depende do dinheiro para sobreviver. Então, eu preciso manter aquele trabalho. E depois porque eu também tenho uma carreira ou um interesse profissional, de crescimento. Por muitos momentos eu pensei... ainda no Itaú, tá? Eu já tinha mais de trinta anos e não me abria completamente sobre isso e eu pensava: “Se eu me abrir, eu posso chegar ali, num momento, em que as pessoas duvidem da minha capacidade, por conta da minha orientação sexual”. Então, eu não me abria muito para chefes, para quem eu contava, eu falava: “Olha, gente, mas não fica comentando com ninguém e tal, eu sou mais reservado em relação a isso”. Até que, com um pouco mais de idade, maturidade, eu fui entendendo que eu tinha que ser mais eu, porque eu ia ser mais feliz dessa maneira, né? E aí hoje em dia é mais fácil essa abertura, no grupo de afinidade eu hoje estou como sponsor. Então, eu sou uma das pessoas que ajuda o grupo a existir e a permanecer. Então, uma vez que eu tenho um cargo de gerente e estou acima de muitas outras pessoas ali, que estão no grupo, eu faço questão de dizer que não é a orientação sexual delas ou a identidade de gênero ou o que for, que vai fazer com que elas tenham cargo X, Y, Z, é a capacidade que elas têm. E a capacidade é muito melhor quando você é você mesmo porque, se você está num ambiente de trabalho e tem que atuar como outra pessoa, no fim do dia você está mais cansado e um pouco mais infeliz. Agora, se você consegue ser você mesmo em todos os momentos da sua vida, ainda que você esteja cansado no fim do dia, você está mais pleno com você mesmo, você está mais satisfeito, você está mais livre, mais realizado. Então, é super importante que as pessoas consigam ser elas mesmas, para que toda a criatividade, todo o conhecimento, toda a capacidade dela, venha da forma mais transparente e mais orgânica possível.
P/1 – E o que você acha que é necessário para outras pessoas LGBTQIA+ alcançarem cargos de gerência, de liderança, assim como você conseguiu?
R – Eu entendo que tem muito contexto inserido, tá, Bruna? Puts, a facilidade de eu ser um homem branco, por exemplo, me ajudou, o privilégio de eu ser um homem branco me ajudou a chegar num cargo que eu tenho hoje. Talvez, se eu tivesse nascido um homem preto e homossexual, eu não sei se eu estaria no cargo que eu estou hoje, é um pouco mais difícil. Não sei se tem fórmula mágica. Onde estão as pessoas transexuais, no ambiente de trabalho corporativo? É difícil você encontrá-las ali, é um ambiente muito hostil para elas ainda, é um ambiente onde existe um banheiro masculino e outro feminino, onde uma mulher trans poderá fazer as suas necessidades? E um homem trans? Será que ele vai ser bem aceito ali? Será que as pessoas vão discutir se um homem trans deveria estar utilizando o banheiro masculino e uma mulher trans deveria estar utilizando o banheiro feminino? E uma pessoa não binária, em que banheiro que ela se encaixa? Ou ela vai ter que utilizar o da própria casa? Eu acho que vai muito além de estar em um posto de gestão, vai além de um ambiente seguro, vai além de dar possibilidade para que as pessoas se profissionalizem, dar possibilidade que uma travesti saia de uma vida marginalizada, porque foi a sociedade que a colocou ali. Tenho certeza de que se a gente for na rua e perguntar para uma travesti que está se prostituindo se ela gosta do que ela está fazendo, talvez ela não saiba responder metade das perguntas que você fez para mim aqui, porque ela caiu ali, porque a sociedade a colocou ali. Então, eu acho que a população LGBTQIA+ tem que fazer um esforço maior, para que a sociedade não a coloque no lugar onde a sociedade gostaria que ela estivesse e eu tive que fazer esse esforço em determinado momento da minha vida, em determinados momentos, quando eu resolvi ser eu mesmo e pensei: “A empresa tem que me aceitar, eu preciso chegar e eu quero chegar e eu vou chegar no cargo de gerente, sendo eu mesmo e isso não tem nada a ver com a minha orientação sexual, eu posso colaborar muito sobre isso”. Às vezes, eu brinco com a Duda, eu falo: “Aí, eu sou a sua cota de ‘viado’, né?” É uma brincadeira que, às vezes, é até uma defesa que a gente faz com a gente mesmo. É claro que não é uma verdade isso, mas eu sou o único gestor gay dela, sou o único gestor LGBTQIA+ de toda a diretoria onde eu estou inserido. Eu acho que a gente precisaria pensar o porquê, né? Se questionar o porquê. O mercado financeiro é um mercado machista, ele é um mercado machista. Se a gente olhar para a economia como um todo, se a gente pensar nos ministros da economia, por exemplo, sempre foram homens brancos, hetero, cis. Se a gente olhar para a diretoria de bancos de seguradoras, presidências, a maioria a gente vai ver homens brancos, hetero, cis. Então, é um ambiente hostil para LGBTQIA+, para pessoas pretas, para mulheres. Então, eu não sei se tem fórmula mágica, eu acho que tem resistência, eu acho que tem que militar, apesar de que eu falei que cansa, mas tem que fazer, tem que dar o exemplo, é bom que eu chegue ali e talvez fale: “Ah, eu sou da cota gay da tua equipe”. Eu gosto de reafirmar que eu sou um homem gay, eu gosto, porque eu acho que, de alguma maneira, é como se fosse uma gotinha de água no oceano, mas é uma gotinha de água e eu estou colaborando para que a gente tenha um espaço dentro da sociedade. E que esse espaço é nosso, ele tem que existir, eu pago imposto como todas as outras pessoas, talvez mais do que algumas pessoas, mas isso me dá o direito de viver e sobreviver sendo quem eu sou.
P/1 – Edu, e para você, qual é a importância da diversidade, da equidade e da inclusão, dentro do mercado financeiro?
R – Pensar diferente, Bruna. Se a gente colocar só homens, só mulheres, só pessoas brancas, só pessoas pretas, numa sala, para pensar sobre alguma coisa, o resultado vai ser muito igual. No momento em que a gente mistura, traz vivências diferentes. A gente é um país continental, a gente é um país de diferenças religiosas, diferenças culturais, diferentes formações, realidades financeiras. Então, a partir do momento que a gente mistura todas essas pessoas, para criar alguma coisa ou para desenvolver uma empresa, desenvolver um produto, a gente traz uma inovação muito mais facilmente, se não a gente teria produtos totalmente iguais no mercado, sabe? Que não se diferem, são inatingíveis para determinada parte da população. Então, eu acho que o principal de a gente garantir essa diversidade e eu estou falando diversidade no geral, não só LGBTQIA+, mas em todos os sentidos, a gente garante que o pensamento diferente, o pensamento construtivo, a diferença de ideias e de pensamentos esteja inserida no processo, no dia a dia.
P/1 – Edu, qual foi o momento mais desafiador da sua trajetória profissional?
R – Eu acho que foi quando eu me mudei para a Colômbia, que foi quando eu assumi o meu primeiro cargo oficialmente de gestor de pessoas, a minha gerente estava saindo de licença-maternidade e não conseguiram contratar o gerente sênior, que seria o chefe dela, a nossa diretora foi transferida para o Chile e eu fiquei respondendo diretamente para o presidente do banco, num país que era novo para mim, numa língua que não é nativa, com uma equipe de doze pessoas diretas, mas oitenta pessoas no total e para construir basicamente uma operação de banco digital nova. Eu achei que eu não ia dar conta, de verdade, eu achei que era muita coisa para mim, mas depois de um ano eu fiquei muito satisfeito com o resultado do meu trabalho, ali eu acho que foi um desafio muito grande, mas também uma prova muito grande da minha capacidade para mim mesmo. Então, para mim foi o momento mais marcante que eu tive, profissionalmente falando.
P/1 – E os maiores aprendizados dessa trajetória?
R – Eu acho que um dos maiores aprendizados da minha vida profissional é entender o ser humano, principalmente quando eu me tornei gestor de equipe, eu comecei a pensar como que eu seria o gestor que eu gostaria de ter e eu entendi que entender o lado humano das pessoas, ter a máxima transparência possível que a gente pode ter com o outro, ajuda muito. Então, a gente está saindo aí de um processo de lockdown, de pandemia, as pessoas não estão bem, elas estão muito ansiosas, elas estão se readaptando à vida, que elas tiveram que ‘cortar’, por um determinado momento e se a gente não entende isso, a gente não está sabendo viver em sociedade, por mais que seja trabalho, a gente está se questionando muitas vezes: como é que eu faço para ter um mundo melhor? O que eu vou fazer para as crianças que estão vindo agora? O que eu vou deixar, como mundo melhor? Então, de novo: eu acho que a gotinha de água no oceano sempre colabora e eu acho que um dos maiores aprendizados e algo que eu carrego muito e que eu continuo aprendendo, é como lidar com o humano que está do outro lado da tela ou do teu lado direito ou esquerdo da mesa e entender que, apesar de ter um trabalho, apesar de ter objetivos, apesar de ter uma estratégia corporativa, tem uma vida pessoal inserida nesse contexto e ela é muito diferente da minha e ela não está clara no contexto. Então: quais cuidados que eu tenho que ter, para que a gente tenha um equilíbrio ali entre o que a empresa espera, mas entre o que a pessoa precisa, também.
P/1 – E como é o seu dia a dia, hoje?
R – Bom, eu acordo, eu tenho que desgrudar o Lucas de mim, porque ele dorme abraçado a noite inteira, me ajeito, na maioria das vezes eu vou trabalhar presencialmente. Então, eu vou de carro e trabalho ali na Avenida Paulista, hoje é uma exceção, eu estou em casa e esqueci inclusive que eu tinha a entrevista, (risos) eu ia trabalhar presencialmente, mas foi até melhor, para organizar a luz e tudo mais. E aí nem toda a minha equipe está presencial, então eu tenho muita interação com eles também via videochamada, mas, eu acho que, no geral, reunião a gente tem sempre, muita reunião, tomada de decisões, discussões ali. Tem o cafezinho, onde a gente também toma decisão, onde a gente troca muita informação. E em geral é definir a estratégia de para onde a gente vai facilitar, para que a equipe consiga alcançar os objetivos e fazer o jogo político do dia a dia de uma organização. Então, convencer um, ser convencido pelo outro e achar os caminhos ali, durante o percurso, celebrando as conquistas, às vezes, machucado pelas não conquistas, tem dias bons e dias ruins, vamos dizer assim, nunca é um dia igual ao outro.
P/1 – E o que você gosta de fazer, nas suas horas de lazer?
R – Gosto muito de andar de bicicleta, recentemente roubaram a minha, mas eu ganhei uma nova, de aniversário, ainda preciso colocar o restante das coisinhas ali, iluminação, mas eu acho que esse final de semana eu volto a andar, de domingo eu ando cerca de quarenta quilômetros aqui em São Paulo mesmo, bem gostoso, vou eu e o Lucas. Eu gosto de lavar o meu carro, as pessoas até estranham, falam: “Mas você lava todo fim de semana?” “Lavo”. A não ser que a represa esteja muito baixa e eu economizo um pouco de água, mas eu adoro lavar o meu carro, é como se fosse uma terapia para mim, eu gosto muito de dirigir, adoro dirigir. E ir para um bar com os amigos, pelo menos uma vez por semana eu faço um happy hour com meu par, o Samuel, lá do Banco Pan, a gente conversa bastante. Então, é um happy hour daqueles que: “Ah, vamos sair e beber?” “Vamos, mas só duas”. Aí vai, bebe quatro e aí volta para casa. E final de semana ou se eu não estou viajando, eu estou com algum amigo ou com a minha mãe e com a minha irmã, ou aqui em casa, ou na casa da minha irmã, enfim, algo mais íntimo, digamos assim, mas dificilmente estou parado, a não ser que seja aquele fim de semana que eu viro para o Lucas e falo: “Não vamos fazer nada esse fim de semana? Estamos cansados” e aí a gente fica ali no sofá, assistindo série e só relaxando, mesmo.
P/1 – E quem é o Lucas?
R – O Lucas é o meu namorado, a gente mora junto, a gente está há nove meses junto, mas eu costumo dizer que, desde que o Lucas apareceu na minha vida, ele já mora comigo, foi muito orgânico isso. Então, na época eu dividia a casa com uma amiga, foi quando eu voltei da Argentina, não tinha onde ficar lá na casa da minha mãe, eu falei: “Eu não estou aguentando!”, aí eu fui dividir uma casa com uma amiga minha e recentemente eu me mudei e aí a gente tomou a decisão de morar junto e estamos até hoje, está aqui embaixo inclusive, trabalhando, o Lucas.
P/1 – E como a pandemia impactou a sua vida, assim, em geral? Como foi esse momento?
R – Bruna, eu não fiz ainda esse momento de introspecção sobre a pandemia, tá? Eu acho que o impacto foi eu ter que voltar da Argentina para cá, por três, quatro meses eu deixei todas as minhas coisas, todas as minhas roupas lá e morava na casa da minha mãe e a única coisa que eu fazia era ir ao mercado para ela, minha mãe já acabou de fazer 76 anos. Então, ela já tem uma idade mais avançada, mas é superativa também. E depois tive uma mudança de casa, agora eu tive outra, mudanças de emprego, eu acho que no profissional a vida não parou e acho que foi o mais importante para a gente se manter ali, durante essa pandemia. Eu acho que deve ter sido mais difícil para quem perdeu o emprego e teve que lidar com isso também. Na vida pessoal, eu olhando hoje, eu falo: “Hoje, eu consigo sair, estou vacinado, já tomei a quarta dose, não estamos imunes, mas estamos aí protegidos”, para quem se vacinou. Então, eu acho que teve uma retomada que me faz esquecer um pouco aquele um ano, mas se eu posso te dizer o que me ajudou a passar desse um ano, quase um ano e meio de lockdown, foi estar presente com a minha mãe, poder ajudá-la de alguma maneira, protegê-la principalmente, até que ela tomou a vacina. E o contato, a tecnologia ajudando a gente no contato com as pessoas, o contato com os amigos, sem perder ali essa proximidade, mesmo que não física, mas sem perder a proximidade do dia a dia com as pessoas.
P/1 – E quais são as coisas mais importantes para você, hoje?
R – Hoje minha mãe; minha irmã, Laís; Lucas. Pessoas. Eu acho que coisas não, mas pessoas, meu cachorro Bartolomeu, é um vira-lata caramelo, eu achei que ele ia ficar pequenininho, mas ele é porte médio, tem trinta quilos, late para caramba, mas é quem recebe a gente em casa, quando a gente chega, com rabo abanando, pede carinho, enfim. E eu acho que minha profissão, eu gosto do que eu faço, gosto do trabalho, gosto de estar com as pessoas. Então, para mim isso é muito importante, eu valorizo muito o que eu faço hoje.
P/1 – E quais são os seus sonhos?
R – Ai, boa pergunta! Isso depois, vai ficando mais velho, não vai tendo muitos mais sonhos, não. Eu, o meu sonho mais próximo agora é sair de férias mês que vem, quero viajar, uma viagem programada, vou eu o Lucas e minha mãe. Eu acho que ainda tenho muita vontade de conhecer a Bolívia e o Peru. Então, são dois sonhos que eu tenho ainda, de conhecer o deserto de sal na Bolívia e explorar um pouco mais Machu Picchu também, no Peru, Lago Titicaca, eu gosto muito da América Latina. Também gostaria de voltar para Argentina mais vezes, pra ver o pessoal que eu conheço lá e conhecer mais o país, era um plano que eu tinha, eu já tinha viagem comprada para alguns lugares e tive que desistir, por conta da pandemia. Então, foi um sonho aí, ‘cortado’, mas que ainda pode ser realizado. E eu acho que ver minha afilhada crescendo bem, com o caráter, com saúde e que, principalmente, ela não faça mal a ninguém, sabe? Eu acho que esse é um sonho que eu tenho em relação ao futuro, meu e da minha família como um todo. Não sei se ainda meus planos que eu tinha, de adotar uma criança, vão se concretizar, eu acho que talvez um pouquinho mais para frente, fazer uma adoção tardia de um adolescente, dar uma oportunidade para alguém, dar um pouco de amor para essa pessoa, acolher uma pessoa dentro da minha casa, eu acho que pode ser um sonho que eu concretize um pouco mais para frente. No curto período são esses que eu te comentei.
P/1 – Edu, e qual é o legado que você deixa para o futuro?
R – Nem sei se eu deixo algum legado, Bruna. Eu acho que, além dessa entrevista que vai ficar pro Museu, não sei, eu acho que talvez eu deixe, nas pessoas com qual eu interagi, algum ensinamento de ser mais humano, de ter mais força para ser quem é, de ter mais personalidade, de poder dizer aquilo que está pensando, de uma maneira respeitosa, que não ofenda, mas que também traga seu posicionamento. Então, se hoje eu sou um gerente de produtos digitais dentro de um banco e posso me assumir gay, talvez o legado seja para algumas pessoas que eu até desconheça, sabe? Que eu nunca tenha interagido tanto, mas que ela entenda que ela pode ser, também, algo a mais.
P/1 – A gente já está terminando, tenho só mais duas perguntas, a primeira delas é que eu gostaria de saber se você tem algo a acrescentar, alguma coisa que eu não tenha perguntado e, se não, deixar alguma mensagem para a gente.
R – Tá. Não, eu acho que não tenho nada a acrescentar, a mensagem que eu gostaria de deixar é que não existe um espaço certo ou o lugar certo para que a gente exista, todos os lugares são de existência e todos os lugares deveriam ser de liberdade e de equidade e de tranquilidade, digamos assim, as pessoas deveriam estar seguras onde elas estão, mas nem sempre isso é possível. Então, a gente tem que sempre buscar com que essa possibilidade exista, que ela seja mais real pra gente e não só pra gente, a gente tem que fazer as coisas pensando nos outros também porque, se a gente pensar só na gente, é muito egoísmo e a gente vive numa sociedade e, se eu me torno egoísta, talvez eu esteja alimentando aquilo que deixa o local da minha existência um pouco mais inseguro. Então, quando eu penso no outro, quando eu tenho atitudes, quando eu ajo também pelo outro, não só por mim, eu estou deixando alguma coisa a mais. Então, eu acho que a mensagem que eu deixo aqui, principalmente pensando no motivo da entrevista, como que é trabalhar em um lugar no mercado financeiro sendo um homem homossexual, é que a gente ocupe cada vez mais espaços e não só no mercado financeiro, aonde a gente quiser estar, onde as pessoas pretas quiserem estar, onde as mulheres empoderadas quiserem estar, onde as pessoas com algum tipo de deficiência queiram estar e onde o público LGBTQIA+ queira estar, da maneira como é, da maneira como querem estar, eu acho que isso é o mais importante. Isso deveria ser um sonho para essas pessoas. Que mundo que eu quero para mim e o que eu vou fazer, para que ele seja o mais próximo daquilo que eu quero. Eu acho que uma mensagem um pouco mais provocativa, que a gente sempre pense, ao entrar em um ambiente desconhecido pela primeira vez, que marca que eu vou deixar ali quando eu sair dele. É isso.
P/1 – Como foi o contar a sua história hoje e visitar a sua trajetória?
R – Eu acho que quase uma terapia. A gente, enquanto vai falando, vai se escutando mais, vai entendendo mais, responder perguntas que talvez a gente nunca faria para a gente mesmo. Então, é bem interessante. A gente tem que tomar um cuidado para não ser soberbo, para não parecer que é o ‘dono da verdade’. E porque realmente a gente não é, a gente está num constante aprendizado. Eu, às vezes... desde que eu fui convidado pra essa entrevista, eu me pergunto: “Por que eu deveria estar nela? O que eu fiz, para estar nela? O que me leva a essa entrevista? O que, de importante, eu realizei?” Então, para mim talvez eu saia com mais dúvidas do que certezas, da entrevista. Puts, estou deixando uma mensagem, estou deixando um registro, o que mais que eu posso fazer, além disso? Então, eu acho que esse é o sentimento que eu tenho e que eu vou continuar tendo no final dela, dessa entrevista.
[Fim da Entrevista]
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