Entrevista de Sara Rosa da Cruz
Entrevistada por Luiza Gallo
São Paulo, 19/02/2022
Projeto: Aquilo que me move: Mobilidade e Diversidade - Arteris
Entrevista número: PCSH_HV1159
Realizado por: Museu da Pessoa
Revisado por Luiza Gallo
P/1 - Vamos lá! Sara, muito obrigada pela presença. Para começar eu gostaria que você se apresentasse dizendo seu nome completo, data e local de nascimento?
R - Meu nome é Sara Rosa da Cruz, eu sou nascida em Itu, interior de São Paulo. Eu tenho 42 anos.
P/1 - E qual é a sua data de nascimento?
R - Dia treze de novembro de 1979.
P/1 - E qual o nome dos seus pais?
R - Meu pai se chamava Aparecido Rosa da Cruz, meu amigão! Minha mãe se chama Terezinha de Souza Cruz.
P/1 - E o que eles faziam e fazem?
R - Minha mãe é aposentada hoje, mas continua trabalhando, viu? Tem 72 anos e continua trabalhando. Ela trabalha na área escolar, ela é inspetora de alunos, faz mais de trinta anos, aposentada e continua trabalhando, como eu disse. Meu pai, infelizmente, o câncer o levou embora, faz oito anos e ele faz falta.
P/1 - E como você descreveria o jeitinho deles?
R - Minha mãe é mais rígida, minha mãe é rígida, brincalhona. Guerreira, guerreira, pensa numa guerreira. Meu pai, meu pai foi tudo, eu sou o que sou por orientação dele, incentivo dele, empurrão dele. Minha primeira habilitação, minha troca de letra, ele estava lá, aqui em Itu e em frente ao estádio municipal. E ele trouxe o futebol feminino para Itu. Ele sempre ficava ali no estádio, então as trocas de letras da minha habilitação, ele sempre estava lá.
P/1 - Você quer contar um pouquinho da história deles para a gente?
R - A minha mãe… meu pai antes de ser evangélico, era alcoólatra, eu não peguei a pior parte, dele! Mas minhas irmãs mais velhas contam que ele batia muito nela, chegava bêbado, não tinha essa atenção, era sempre… como a minha mãe falou, era sempre difícil, tudo era difícil. Eu estou emocionada assim,...
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Entrevistada por Luiza Gallo
São Paulo, 19/02/2022
Projeto: Aquilo que me move: Mobilidade e Diversidade - Arteris
Entrevista número: PCSH_HV1159
Realizado por: Museu da Pessoa
Revisado por Luiza Gallo
P/1 - Vamos lá! Sara, muito obrigada pela presença. Para começar eu gostaria que você se apresentasse dizendo seu nome completo, data e local de nascimento?
R - Meu nome é Sara Rosa da Cruz, eu sou nascida em Itu, interior de São Paulo. Eu tenho 42 anos.
P/1 - E qual é a sua data de nascimento?
R - Dia treze de novembro de 1979.
P/1 - E qual o nome dos seus pais?
R - Meu pai se chamava Aparecido Rosa da Cruz, meu amigão! Minha mãe se chama Terezinha de Souza Cruz.
P/1 - E o que eles faziam e fazem?
R - Minha mãe é aposentada hoje, mas continua trabalhando, viu? Tem 72 anos e continua trabalhando. Ela trabalha na área escolar, ela é inspetora de alunos, faz mais de trinta anos, aposentada e continua trabalhando, como eu disse. Meu pai, infelizmente, o câncer o levou embora, faz oito anos e ele faz falta.
P/1 - E como você descreveria o jeitinho deles?
R - Minha mãe é mais rígida, minha mãe é rígida, brincalhona. Guerreira, guerreira, pensa numa guerreira. Meu pai, meu pai foi tudo, eu sou o que sou por orientação dele, incentivo dele, empurrão dele. Minha primeira habilitação, minha troca de letra, ele estava lá, aqui em Itu e em frente ao estádio municipal. E ele trouxe o futebol feminino para Itu. Ele sempre ficava ali no estádio, então as trocas de letras da minha habilitação, ele sempre estava lá.
P/1 - Você quer contar um pouquinho da história deles para a gente?
R - A minha mãe… meu pai antes de ser evangélico, era alcoólatra, eu não peguei a pior parte, dele! Mas minhas irmãs mais velhas contam que ele batia muito nela, chegava bêbado, não tinha essa atenção, era sempre… como a minha mãe falou, era sempre difícil, tudo era difícil. Eu estou emocionada assim, porque eu sinto falta dele, porque eu peguei a parte melhor dele, as quatro últimas pegaram a parte melhor. Somos sete irmãs, a casa das sete mulheres. E um irmão. E as caçulas curtiram mais o meu pai, então a gente pegou o lado melhor dele, o lado amigo, o lado… o herói. A gente fala… eu sinto falta dele, sinto muita falta, mas tem que ser forte. Tem que se adaptar a tudo, mas ele faz falta, faz falta, porque na minha casa há mais mulheres, o único homem que tinha foi embora, o câncer levou embora. E tem o meu irmão, né? Meu irmão, infelizmente, está pagando por um erro que ele teve, e ele está preso. Então é só mulherada mesmo, infelizmente.
P/1 - E a sua relação com os seus irmãos, como é?
R - Assim, eu amo todas, amo todas, todas, todas, todas. Mas a gente sempre tem um carinho melhor com uma, ou com outra. Eu sempre tive um gênio forte, assim, não gosto de injustiça, então: “Olha, se a Sara ficar sabendo, pelo amor de Deus, da uma segurada”. Sempre… entendeu? “Poxa, que isso?!” É que eles falam que eu tenho a voz da autoridade. Eu tenho a voz forte, eu não gosto de injustiça, então falo mesmo. Então… eu sempre vou falar, é do interior, tá? “Entendeu, entendeu”. E é assim. Tem as minha irmãs, tudo com S, chegou no fim, mudou as duas últimas. É Suely, Silvana, Silmara, Simone, depois vem o Sérgio, Sara, daí terminou com Patrícia e Fernanda, olha que diferença.
(6:21) P/1 - E qual delas você tem mais proximidade?
R - Mais proximidade, eu tenho com a Silmara, que a gente chama ela de “Neném”, é Neném o apelido dela, que a gente leva, Neném. E depois a Patrícia, que o apelido dela é Tita. E tem uma que mora no sítio, a gente pouco se vê, mas é a nossa caçulinha, a caçulinha de 38 anos (risos), é a nossa caçulinha, Fernanda. As outras eu tenho carinho imenso, mas eu sou mais próxima delas. Tem a Simone também, que eu amo muito o filho dela, sempre estava aqui comigo. No decorrer do dia a dia mesmo. A gente não tem assim, tanta proximidade. Todo final de semana estou lá com a minha mãe, eu sugo mesmo, tipo, eu quero para mim enquanto estiver viva, porque depois não adianta fazer nada, eu aprendi isso. E para você ter uma ideia, minha irmã mora, uma das minhas irmãs mora na rua de cima, dá para contar no dedo quantas vezes eu fui na casa dela, depois que eu mudei aqui, muito difícil. Eu não gosto de atrapalhar, entendeu? Esse “entendeu”, eu tento me auto policiar, não consigo. Daí o que acontece, ela me cobra muito: “Vem mais”. Mas é difícil, fim de semana, aquela correria. No final de semana eu me dedico… de sábado principalmente, eu me dedico a minha mãe, isso aí eu tenho uma regra na minha vida, saindo daqui da live, daqui dessa entrevista, estarei lá, é assim a minha vida.
P/1 - E Sara, você conheceu os seus avôs?
R - Eu conheci um avô só, eu queria ter tido… olha, meu avô paterno, para você ter uma ideia, não queria me conhecer mesmo, você acredita? Eu nasci dia 13/11/1979, ele acho que adivinhou que eu ia nascer, morreu dia 12/11/1979, um dia antes. Falei: “Oxi, deixe ele comigo. Um dia nós vamos nos encontrar”. Meu pai conta, meu pai contava: “Quantos anos você tem mesmo, Sara?” Eu falava a data: “É a data que meu pai morreu”. Então ele se lembrava disso. A minha data de nascimento, com a data que o pai dele se foi. Mas eu conheci o meu avô materno, foi o único, é que eu sempre assim, não sei o que eu tenho, Luiza, que eu sou muito simpática, eu gosto de conversar muito pouco, você percebeu que eu converso muito pouco, e os senhores gostam de conversar, gostam. Quando o meu vô faleceu, eu tinha nove anos, mas eu sempre estava lá, esses sete, oito anos, foi marcante, porque eu sempre estava lá. E ele falava muito errado, ele falava, tipo, infantil mesmo. Zinha, zinha era a minha mãe Terezinha, Chaia, era Sara, que sou eu. Ele gostava de pão sovado, era “chovadinho”. E daí o que acontece? Ele gostava de sovadinho, ele falava assim: “Chaia, vamo no cho comprar ‘chovadinho’ com o vô”. Falava: “Vamos!” Eu lembro como se fosse hoje, eu pegava na mão dele… e antigamente não tinha mercado perto, essas coisas, era o bar, o bar mesmo da esquina que se comprava pão, essas coisas. E lá ele falava para mim: “Qual o doce que eu quero?” Você lembra do Chokito, o Chokito era grande, era grande, não era desse tamanho não, me encantava aquela embalagem vermelha, claro, eu escolhia aquele e ele sempre pagava para mim, eu era a neta preferida dele. Hoje a gente tem acesso a balas, pacotes de balas, antes era no saquinho de papel branco, ou mesmo Kraft. Ele enchia ali de bala, ele falava: “Dá um para cada um dos seus irmãos e o resto é seu”. Sempre eu era mais protegida, sempre senti. E ele sempre falava para minha mãe também, ele falava para minha mãe: “Zinha, tem bala aqui.” Ele vinha com aquele saquinho… ele tinha aquele chapéu de palha. E quando ele sentava, ele colocava o chapéu de palha no joelho, então era super marcante, que ele sentava e já colocava o chapéu de palha, ninguém podia mexer no chapéu de palha dele. Antigamente também, a gente era mais educado, vou falar a verdade, a gente era educado pelos olhares, meu pai fazia um olhar meio assim, eu já sabia que eu ia apanhar depois, então a gente era criado pelos olhares. Hoje não, você pode fazer a careta que for e ainda eles perguntam: “O que é isso, que careta é essa?” Mas enfim.
P/1 - Sara, quais os principais costumes da sua família? Quando você era criança, tem alguma comida que te faz recordar essa época? Alguma data comemorativa, algum cheiro?
R - É assim, todos os domingos minha mãe cozinhava, hoje ela já não cozinha mais, porque ela está meio esquecidinha, a minha irmã proibiu ela de chegar perto do fogão. Ela fazia aquelas paneladas de macarrão com frango assado, era essa a comida de domingo, e enchia de neto, enchia de irmãos. Ela adorava cozinhar, ela adorava cozinhar para todos, para todos. Daí chegou uma época que acabou isso, essa essência, não sei te explicar o porquê, não sei, acabou, acabou. Aí chegou a pandemia, e aí acabou tudo mesmo, eu acho que começou se esfriar tudo, essa pandemia em algumas partes boas, para quem trabalha em home[office], hoje home, fica mais com a família, mas para alguns, presencial assim… que a minha família é enorme, enorme, ficou ruim, ficou ruim, mas eu continuo dando abraço, eu fui vacinada três vezes e tá tudo bem.
P/1 - Sara, você sabe a história do seu nascimento?
R - Bom, dizem para mim que eu era aquela… não sei se vocês se lembram, porque vocês são da época, mais novinho. Aquela boneca da estrela, a boneca careca que só tinha um negocinho aqui, diziam que eu era aquela bebê. E tem um tio meu que até hoje eu tenho contato, tenho maior carinho por ele, ele é muito paizão. Ele queria me adotar de tudo que é jeito, porque a minha mãe tinha um monte de filhos também. Tem a parte da família da minha mãe, que são todos estéril, os homens são estéreis e tem umas duas mulheres que não podem ter filhos. A caçula, irmã da minha mãe, tirou tudo, o útero, essas coisas, eu não sei como que fala, mas ela não pode ter filho, porque ela teve um probleminha e tirou. E a maioria dos homens são estéreis, por isso que o meu tio não tem filhos, não pode ter filhos. A maioria dos homens da família da minha mãe, também não tiveram filhos, as mulheres tiveram, só a caçula que teve que tirar, teve aquele probleminha de moça. E com isso, a minha irmã mais velha, a Sueli, a gente chama ela de Fia, a Fia tinha uma bolinha minúscula, a gente dava risada, ela dava risada também, que ela fazia ultrassom, “a bolinha tá ali ainda”, disse que vai se desenvolver. Com o passar do tempo, ela falou assim: “Nossa, pensei que ia desenvolver essa bolinha, a bolinha sumiu”. Ou seja, ela é oca, ela é oca, não pode ter filho, é a única assim, irmã, por enquanto. Porque tem a minha irmã, a Neném, a Silmara, que não tem filho por opção, não casou por opção, mas ela não tem problema nenhum, ela só namorou uma vez na vida, nunca teve contato físico com nenhum homem, ela sempre, sempre virgem, vamos dizer assim. Esse é o probleminha da família, se acatou na minha irmã mais velha, que não pode ter filho, é oca, mas ela adotou. Hoje ela é avó também, de um casal, a Crislaine teve uma superação na vida dela, passou por clínica de química, teve um probleminha também, mas nesse um ano a menina virou guerreira, ela quis aquilo, recuperar o tempo perdido. Hoje tem uma família linda, eu falo para ela andar com certidão de nascimento das crianças, que ela é morena, bem negra, ela é negra e as crianças são brancas, eu falo assim: “Olha, cuidado, senão vão pensar… - eu brinco com ela - vão pensar que não é seu filho”. Não tem nada a ver com ela. Ela dá orgulho sim.
P/1 - Sara, você lembra da casa e do bairro que você passou a sua infância?
R - Sim, com certeza! Tanto que eu tenho desejo no meu coração de comprar lá novamente, um dia. Por causa que a garagem era grande, fazia-se aniversário dos sobrinhos, do filho. E eu cheguei a morar no fundo da casa, no meu primeiro casamento. Era muito bom, bom demais, tirei muitas tampas de dedão correndo, correndo pela casa, em volta da casa assim. Quem nunca tirou a tampa do dedo? fui eu várias vezes, meu Deus do céu. Olha, sabor de bala de coco, cara, uma delícia.
P/1 - E como era, vocês dormiam todas juntas? Tinham quartos separados?
R - Não, parecia um poleiro, porque era beliche para todo lado. Era beliche, até moça, aí foi casando uma, casando outra. Daí, eu sou muito amiga do meu irmão, do meu irmão homem, e ele sempre foi cuidadoso comigo, soltava pipa, eu tinha que ir com ele, eu aprendi a soltar pipa, fubeca, não sei se você conhece fubeca, fubeca são umas bolinhas assim, de gude fala, bolinha de gude, chamava-se fubeca. A lata de leite em pó, leite Ninho, a gente enchia, tinha aquelas fubecona, tinha a rainha. Eu era líder naquilo, ganhava todas, era uma delícia. E o quintal era grande, a gente fazia os buraquinhos, só sei que um dia, até hoje não achei a tal da minha lata, enterrei para ninguém pegar, fui desenterrar, cadê? Até hoje, não encontrei o ladrão.
P/1 - Sara, quando você era pequena você pensava no que você queria ser quando crescesse? Com o que você queria trabalhar?
R - Na minha época, Luiza, era muito diferenciado, a gente não pensava muito em profissão, a gente não pensava em trabalhar, apesar de eu trabalhar com onze anos, com onze anos eu já enceirava, ajudava minha mãe, eu ia toda menininha. Apesar que eu nunca fui assim, eu sempre fui grande, não fui gorda, hoje eu sou gorda, faz 24 anos só, porque depois da minha primeira maternidade não consegui recuperar. Mas assim, eu sempre fui evoluída, porque eu tinha bastante irmãs, e a gente acaba sendo, como que fala, precoce que fala? Pensando mais rápido, agindo mais rápido, amadurecendo mais rápido, é isso. Porque daí o que acontece? Você vê a irmã trabalhando, você quer também. Eu enceirava, antigamente aquela cera vermelha, não existe incolor ou líquida, então eu lembro que no bairro vizinho, a minha irmã arrumou um bico para mim, porque a senhora que era de lá gostava do piso dela vermelho brilhante, e eu tinha que enceirar de quatro. Passando assim, e eu toda feliz, porque eu ia levar o dinheirinho para minha mãe. E vim embora com joelhinho, com a mão toda vermelha, toda feliz. E era assim. Então não tinha esse pensamento: eu vou ser alguma coisa, não, não se alimentava isso na escola também, era tão natural. Ali você aproveitava mais, tinha amarelinha. Para você ter uma ideia, eu comecei a namorar com treze anos, era tão precoce, comecei a namorar, mas namoro antigamente, era namoro inocente. Não era namoro de hoje, é beijinho e abraço. Mas antes de namorar, eu brincava muito na rua, daí minha mãe falava: “Viu, seu namorado vem vindo!” Olha como é hoje, a gente pensa:Nossa…” Eu tomava banho e ia para pracinha namorar, para mim era um namoro. Era muito bom, uma inocência, hoje não, hoje é tudo diferente.
P/1 - Sara, que lembranças você tem da escola?
R - Principalmente dos amigos. Hoje eu vejo, buzino, “oi Sara!” Eu tive apelido de Sarachu, porque sarachu é aquele barulho que faz a moto, se chama sarachu. Então como eu vivia mais com a homarada lá, eu não me identificava mais com amigas mulheres, porque tudo eu era metida, tudo era chata, tudo era eu, tudo era eu. Daí eu aprendi… os homens… - não sei se por causa disso também eu me identifiquei a ser motorista - os homens são mais sensatos, eles não criticam, eles são fofoqueiros também, eles adoram uma fofoca. Mas assim, uma fofoca sem nexo, porque eles não pensam muito não, viu? Mas é uma fofoca, acabou ali já era. Agora a mulher não, alimenta, quer brigar, pronto, acabou. Antigamente não, tudo: “Ai Sara, você vai lá?” “Vou!” Pulava muro, ah minha filha, pulava muro, para você ter uma ideia, pulava muro, os meninos pulavam, eu também pulava, era uma meninona, moleca. E eles me defendiam, eu sempre estava no meio deles, porque eles defendiam, e não tinha essa: “Tá com eles tá querendo ficar”, hoje é ficar, hoje é ficar, lá não.
P/1 - E teve algum professor marcante para você?
R - Sim, sempre! Ele chamava professor Arico, nós chamava ele de Quindo, nossa, ele era muito bonzinho, ele era muito, demais de bonzinho. O câncer também levou ele embora, coitado, infelizmente, mas ele era muito bonzinho. Ele esperava todo mundo conversar, depois parava: “Posso agora? Posso agora?” Ele era muito sensato! Aí também é marcante a primeira série, minha primeira série… hoje é violência, não sei o que do adolescente. Mas sabe aquelas réguas enormes de madeira? De um metro assim, conversasse para você ver, era reguada na cabeça. Porque a minha irmã, que é professora, que está para aposentar, ela falava que antigamente eram educadores, hoje são professores. Hoje eles não podem ser educadores, só professores, por isso que a diferença, porque antigamente a gente aprendia mesmo, porque era obrigado a prestar atenção. Agora aprende se quiser, vai passando de ano como você quiser, há uma grande diferença.
P/1 - Sara, como foi seguindo, você ficou nesse colégio até o final, até se formar no Fundamental II, ou você mudou de escola?
R - Antigamente era de primeira a oitava, primeira a oitava série. Depois da oitava série eu já engravidei. Infelizmente, foi tudo um desastre, não sei se você se lembra a camisinha se chamava Jontex, era péssima, daí veio o Jontex, furou, estouro. Antigamente, também era mais difícil contato físico, essas coisas. Foi um vacilo, mas eu não tenho que reclamar não, o meu primeiro casamento [durou] dez anos, foi onde eu fui obrigada a casar, sem gostar, casei sem gostar, infelizmente. Existia isso sim! Pelo meu pai não, pelo meu pai sempre: “Não, se quiser… onde come dez, come onze”. Mas a minha mãe era mais rígida: “Imagina, mãe solteira, que não sei o quê”. Não existia muito isso. Mas foi bom para eu amadurecer, foi ótimo! Fui passada para trás, fui roubada, foi nessa que me desafiaram, me desafiaram, meu primeiro marido falou que eu não ia ser nada, não ia ser nada! E hoje eu sou motorista igual a ele, buzino ainda pra ele.
P/1 - Como foi esse período para você, se tornar mãe, ainda menina, ter que casar, como você se sentia nesse momento?
R - Então, dando continuidade ao colégio, depois da primeira à oitava série, se fazia primeiro, segundo e terceiro. Eu não tinha como fazer, daí começou aquela aula online, eliminação de matérias, essas coisas. Eu comecei a fazer isso aí, foi que eu terminei, foi que terminei. Quando o Jonathan, meu filho mais velho, já era mocinho, tinha os seus cinco, seis anos, comecei a fazer a faculdade de Publicidade e Propaganda, mas também não terminei, porque daí eu já não tinha paciência, não tinha mais psicológico, casa, família, filho, tudo, não consegui! Daí o que acontece, Luiza, esse período de casamento, quando eu engravidei, eu trabalhava numa firma, com quatorze anos, foi o meu primeiro registro, registro mesmo! Eu trabalhei quatro anos na empresa, que é USE, é de cinto de segurança. Eu era líder, mas só que não pode registar como líder, porque eu era de menor, então tinha tudo isso. Então a liderança já vem daquilo lá, daquela empresa, só que não podia registrar. E quando eu saí… eu lembro que eu peguei as minhas férias e lá na empresa do meu ex-marido, primeiro marido, pegou e falou que ia dar oportunidade para funcionário que já estava lá, para ser motorista. Só que o pai do meu filho, Brandão, ele ganhava muito pouco, ganhava muito pouco. É marcante, porque as minha férias foram tudo para um investimento dele, foi tudo para um investimento dele, onde ele… Aqui em Itu não tinha troca de letras, ele foi Indaiatuba, eu lembro como se fosse hoje, ele foi com um amigo dele, chamado Ficho, que é caminhoneiro também, trocar a letra em Indaiatuba, e os dois pegaram essa oportunidade e trocaram a letra, com as minhas férias. Até hoje ele não me pagou. Daí o que aconteceu Luiza, ele trocou, meu pai incentivou, foi um investimento para melhorar a vida da gente, mas porém, ele é muito… daquelas pessoas muito mentirosa, muito… como eu nunca gostei dele, então eu nunca peguei profundo… assim, mulherengo, nunca me envolvi assim, profundamente, porque eu nunca tive sentimento. Ele sempre foi uma pessoa… nunca deixou faltar nada, ele se formou motorista, meu pai sempre apoiando, meu pai sempre incentivando, meu pai sempre gostava dele, mas eu mesmo não ia, era obrigada. E pensava muito: “Como eu vou fazer?” Como eu iria fazer com um filho, ir embora, eu ia voltar para minha mãe? Não! Daí eu comecei a me estabilizar, para falar: “Basta, chega! Eu vou sozinha daqui por diante”. Para você ter ideia, ele chegou a ficar noivo de uma japonesa, casado comigo. Porque antigamente não tinha muito celular. Não tinha esse celular, não tinha mesmo. Meu primeiro celular foi um Nokia, aquele coloridinho, um tijolinho assim. Mas eu não tinha acesso, e era tudo linha telefônica, telefone dentro da casa. A pessoa ligou lá, pensando que eu era irmã, e falou que era noiva. Mas eu sempre assim, como não tinha sentimento: “Ah tá, vou chamar seu noivo, tá tudo bem”. Ele falava: “Não, não é nada”. E assim, depois que a gente terminou, que eu mandei… cada um foi para sua vida, ele ficou com ela ainda. Ai começaram as mentiras e envolver o meu filho, meu filho queria ver ele, eu trocava ele bonitinho. Ele falou: “Vou pegar meu filho para ver”. Isso dói numa mãe, fia. O pai falar: “Eu vou buscar”, e não vim. Ele trocadinho, todo arrumadinho. Tá bom, não vinha! Aí chegou um certo dia, eu peguei, fluido de uma mãe, fui levar ele lá, era uma cidade perto, aqui é Itu, Cabreúva e Jacaré, uma cidade próxima, não tinha carro, uma amiga minha foi comigo, levei ele até a chácara lá onde eles moravam. E era para passar quinze dias, ele falou que ia pegar ele para morar com ele, não queria devolver o meu filho. Fui na delegacia, porque o Jonathan estudava na escola SESI. E na escola SESI eles tinham aquela mania de belisco, pegar assim, ele vivia… eu brigava com ele, porque ele falava que era uma brincadeira nova, uma coisa assim. E ele falou na delegacia, o pai dele levou ele, falou que eu batia nele. Foi um caos, daí não passou nenhum mês, Luiza, não passou nem um mês, não queriam falar comigo, minha família sabia, mas não queriam falar pra mim, que o pai tinha espancado ele, que ele tinha bebido muito e espancou o meu filho. Foi falar só no outro dia para mim. Eu fiquei muito brava, porque mãe que é mãe pega imediato, não precisava esperar o outro dia. Fui ao conselho tutelar, fui com a polícia buscar o meu filho. Meu filho estava com uma cara enorme, parecia um monstro de tanto roxo assim, inchado, parece que ele tinha apanhado de vários homens, mas era do próprio pai. Mas hoje, hoje, o meu filho vai fazer 24 anos agora, dia dezoito de março, ele é trabalhador, tem a motinha dele, ensinei. Eu criei um filho homem mesmo. Eu sou vovó do João, de oito meses, vai fazer nove meses, o João é uma bença de Deus. Tenho pouco contato por causa do trabalho, mas no final de semana que eu vejo o João, ele é muito difícil. E o Jonathan, meu filho, hoje ele agradece, ele agradece, ele sabe quem criou. Eu sou uma mãe solteira, criei um homem, um homem de verdade, hoje ele agradece: “Mãe obrigada!” Ele agradece por tudo: “Mãe, obrigada por ter me salvado, obrigada por ter me buscado, obrigada por tudo”. Mas ele tinha que passar por esse processo. Ele tinha que passar por esse processo para ele saber quem era o pai dele. Hoje o pai dele tem quase cinquenta anos, não é velho, mas a cabeça dele é de oitenta. O pai dele acho que casou umas seis, sete vezes. Último agora, recentemente, ele casou, foi chifrado publicamente. E hoje a gente conversa, depois de dezessete anos praticamente, ele pediu perdão para mim. Aí ele conheceu que realmente eu era uma mulher de verdade, não uma menina. Mas eu falei assim: “Eu te perdoo, já te perdoei há muito tempo, mas você aí e eu aqui e vamos vivendo assim”, eu só liberei o perdão para ele. E hoje a gente conversa tudo, mas eu falo para ele criar juízo, por mais que ele tenha quase cinquenta anos, mas não tem um pingo de juízo perante mulheres. Mas ele é trabalhador, tudo, nunca deixou faltar nada quando eu era casada com ele, não deixou, mas vida que segue, vida que segue, porque foi através do desafio dele que eu sou o que sou, porque quando eu me separei dele, ele falou para mim que eu não ia ser nada, nada, nada, nada, eu falei que um dia eu ia provar para ele que eu ia ser alguma coisa e esse alguma coisa não dependia de ninguém, depende de mim mesma. E foi isso, hoje eu sou motorista, buzino para ele, hoje eu sou motorista e ele tem orgulho, sabia? Hoje ele fala parabéns, parabéns!
P/1 - Quantos anos você tinha quando vocês terminaram, separaram?
R - Na época Luiza, eu acho que eu tinha uns 25, 24, 25 anos, onde eu tive que batalhar, batalhar mesmo. Eu já não trabalhava na empresa, trabalhava de babá motorizada, eu trabalhava com os donos da Crystal, Itaipava, os Farias, trabalhava com um dos sobrinhos deles, a Ivana, hoje ela tem… eu passo na loja dela, que ela tem uma loja aqui no centro da cidade, minha ex-patroa, L'acqua di Fiori. A Ivana é uma benção, ela me abraça, fala: “Você não muda nada mesmo!” Então eu cuidei dos filhos deles, ela esperou eu estabilizar bem com as crianças, para engravidar de novo da Daniela, que hoje é uma moça, parece que tem dezesseis anos, o menino já está namorando, São uma graça! E através de lá, que ele tinha uma transportadora também, da Crystal, na época era Crystal, hoje é Império, que eles fizeram a sociedade, hoje os irmãos têm a Império, que é a Cervejaria Império. Mas eu nunca perdi o contato, eles sempre torceram por mim, eles me ensinaram a ser igualdade. Por mais que eles tinham dinheiro, eles sempre foram humildes, pé no chão. Eles faziam… Eu nunca usei uniforme de babá, não, porque eles não permitiam, eles não queriam chamar atenção, eles são super show. Para almoçar, eles queriam que eu almoçasse na mesa deles, junto, todo mundo junto, são super dez, não tenho do que reclamar. Eles me ensinaram muito, tinham artistas… eu conheci um monte, eu viajava muito com eles, andava de jatinho para lá e para cá, eles me ensinaram a ser… mostraram para mim igualdade, que não precisa ser mais que ninguém para ter o que tem. E através de lá… eu falei para eles que eu queria ser motorista. Eu estava separando, eles viram a minha dificuldade, eles me ajudaram muito, eles me deram de presente, na época, um PlayStation, era muito caro, eu nunca ia conseguir comprar um PlayStation para o meu filho. E o Anuê pegou e falou assim: “Olha, eu tenho três, eu vou dar um para o seu filho”. Ele pegou e presenteou meu filho, foi o melhor presente da vida do Jonathan, o Jonathan até hoje não esquece. Eu agradeço o Anuê, o Anuê a família Faria, ele não sabe o quanto ele fez uma criança feliz por muitos anos. Eles são dez, muito dez. Eles vão ver a minha história, eles sabem que foram muito importante na minha vida. Eu amo eles, amo, por mais distante que estamos, mas eu nunca esqueci o que eles me ensinaram.
P/1 - Sara, nessa época você tinha morado com o seu filho e seu ex-marido, e aí nesse momento onde você estava, como era sua casa? Como você estava se estabilizando?
R - Então, o Silas foi muito mentiroso, ele trocou a minha casa, de tanto sacrifício, por um carro. Eu era menina, eu assinava tudo, não sabia que tava… eu confiei muito nele. Um dia você está com a sua casa, no outro dia você está pagando aluguel, um pesadelo imenso. Tinha apartamento do CDHU que a gente tinha comprado, ganhado, ele vendeu! Fui assinando uma coisa… minha mãe fala: “Você foi muito boba”. Não é, é que eu confiava tanto, que eu fui assinando uma coisa que eu nem sabia. Quando você está com a pessoa, você confia, você se entrega e confia, mas eu era muito menina, muito boba. Para você ter uma ideia, eu não sabia administrar o meu dinheiro, eu não sabia administrar o meu dinheiro e quem administrava era minha mãe. Era ela de solteiro, ela que tinha o cartão, pra eu comprar uma roupa, na minha época, eu lembro que tinha uma… não sei se existe ainda, uma loja, Tima, minha mãe tinha crediário lá, eu só separava minha roupa: “Ó, minha mãe vai passar aí”. Minha mãe que ia, eu só separava a roupa, ela vinha, ela comprava, ela administrava, ela que pagava, ela que fazia tudo. Daí quando eu casei, quem fazia tudo isso era o meu ex-marido. Então transferiu a confiança, somente. E eu era muito inocente, às vezes eu acho que eu ainda sou muito inocente, mas eu sei administrar, não sou de gastar muito, não sou, eu luto para eu pagar o meu aluguel, minha água, minha luz, minha internet, pronto, acabou.
P/1 - E como foi seguindo? Quanto tempo você trabalhou como babá? E aí como foi seguindo a sua vida?
R - Então, daí o que aconteceu… Aí começa a grande história, eu trabalhei de babá, e eu conheci a Lúcia, a Lúcia é uma benção de Deus, ela que me encaixou como babá, ela sempre se preocupando, e ela falou assim para mim… ela saiu, ela era doméstica, ela saiu, ela foi trabalhar de escolar, na Microtur, Imperial, na época, ela falou assim: “Viu, vai trocar a letra que eu vou te encaixar lá, vou te encaixar lá”. Daí ela pegou e me encaixou lá. Foi na época mais difícil, tinha que se despedir, eles não queriam que eu saísse do emprego, os Farias. Meu ex-patrão, eu falei assim: “Mas eu quero, quero isso!” Mas ele me deu toda a liberdade do mundo, esperei uma babá se estabilizar primeiro para depois sair, não deixei eles na mão, nunca. Então é isso que eles agradecem, que eu nunca deixei eles na mão, esperei tudo certinho para eu sair. A Lúcia foi muito importante, mas para ter a decisão, para eu ter essa decisão que eu queria mesmo ser motorista, foi a Lúcia que alimentou isso na minha mente. E um certo dia, eu pegava ônibus, eu não tinha carro, eu pegava o ônibus perto da casa da minha mãe, a gente sentava, eu, a minha irmã Silmara com a Neném, ela falou assim: “O que você quer ser, para você trabalhar?” Nisso, quem que passa? A Sandrinha, a Sandrinha dirigindo o ônibus da Viação Itu, ela foi a primeira motorista da Viação Itu. Isso só foi para concretizar o sonho, só foi para concretizar, eu olhei assim, eu falei: “Eu quero ser igual a ela, motorista igual ela, eu quero! Se ela pode eu também posso”. Ela falou assim: “Tudo bem”. Daí minha irmã falou assim: “Tudo bem. Então veja quanto que é para trocar a sua letra que a gente vai ver isso”. Daí falei: “Tá bom”. Daí justamente no ônibus… É assim, aqui é cidade de Itu, é centro, tem a cidade nova que é longe, é Itu também, mas é distante, entre Sorocaba e Itu. E eu morava na casa da minha irmã lá. Então eu falei assim: “Sandrinha, tudo bem? “, tal. E começamos a conversar, daí eu falei para ela que eu achava que eu ia ser motorista, ela falou assim: “Venha, venha, que é a melhor coisa que você tem, é ótimo”. “Tá bom!” Até aí tudo bem. Ah, mas foi maravilhoso. E daí no outro dia, minha irmã ligou, isso foi no domingo, na segunda depois do almoço a minha irmã ligou para mim, falou assim: “Viu, passa lá, leva os documentos na auto escola que já está pago lá, era 1.200 reais na época, ela passou o cartão não sei de quantas vezes, ela pagou a minha habilitação, minha irmã. Então foi um incentivo, um presente imenso. E essa minha irmã, Silmara, eu falo que ela deu a vara para todas as irmãs pescar, todas! E ela fala: “Se eu dei a vara, é para pescar!” Tem umas que morreu ali na praia, morreu ali na praia, infelizmente. Porque ela deu oportunidade para todas, e eu agarrei essa oportunidade e fui para frente, fui para frente. E quando eu saí de lá dos Farias, eu falei que já tinha tudo estabilizado, eles sempre se preocupando se estava tudo bem, tudo ótimo, ok, e dei continuidade. E a Lúcia, foi quem alimentou mais ainda e me ajudou a entrar na Imperial, ela falou assim: “Eu vou te encaixar lá”. Daí eu comecei com Kombi, kombi escolar, ia para o sítio, aquela coisa assim e a Kombi escolar, a roda, e em cima… onde a gente senta, é em cima da roda, você pode perceber. Então você sente tudo do ofício, é muito interessante, mas eu amei, amei. As crianças que eu levo, até hoje eu vejo no Face[book], eles me chamam de tia, porque é tudo tia, “tia Sara”. Eles têm o maior carinho. Eu ajudei muito aquelas famílias do sítio, no final do ano eu pedia para os motoristas adotarem uma delas para dar presente, porque criança de sítio é totalmente diferente, eu fiz a diferença, eu sei que eu fiz a diferença, foi bom. E depois de lá, depois da Imperial, fiquei cinco anos, depois da Imperial, eu queria algo diferente, algo totalmente diferente, tipo assim, porque lá era só aquilo que você fazia, eu queria algo maior, só que o dono de lá, ele era vivo, ele era muito preconceituoso, vixe, o que mais tem é preconceituoso: “Mulher não vai pegar o meu ônibus, mulher não vai!” Eu falei assim: “Não, não é possível”. E a Sandrinha tinha passado por lá também, tinha passado por lá, eu acho que foi a mesma coisa que ela pensou e foi para Viação, a Viação deu oportunidade para ela, ela está onde ela está porque ela começou pela oportunidade. Depois de lá, fiquei cinco anos, tudo, fiz a mesma coisa que ela, tem uma transportadora aqui em Itu, onde chama Scalet. Mulher não trabalha, só que eu sou ousada, eu sou ousada, eu sou uma pessoa que eu quero fazer a diferença, eu vou fazer a diferença. E comecei a orar, falei: “Senhor, está nas suas mãos, está nas suas mãos”. Fui pedindo orientação para Deus e fui orando. E lá tinha uma gerente mulher, a Lídia, fui bater um papo com ela, ela falou: “Gostei muito de você, eu vou fazer de tudo para você entrar aqui”. Falei: “Tá bom”. E eu fui pegando no pé: “E aí? E aí?”, “Você pode começar!” A ligação foi no dia seis de setembro de 2017, dia sete de Setembro ia ser feriado, era numa quinta-feira, dia sete, ela falou assim: “Você vai começar na sexta-feira dia oito”, eu lembro como se fosse hoje. Falei assim: “meu Deus, muito obrigada, só tenho que agradecer”. E daí, eu nunca tinha pego um caminhão, eu nunca tive vergonha de perguntar: “Qual é a ré?” Eu nunca tive vergonha, nunca tive vergonha. Mas começaram me dando um caminhão pequeno, igual a carro. "Vamos embora, vamos embora”. Daí depois de uma semana ela falou assim: “Você vai para São Paulo. Você conhece São Paulo?” Falei assim: “Não, eu não conheço, mas eu vou”. Eu falei: “Me dá o melhor ajudante que conheça São Paulo, que eu vou”. Ela falou assim: “Eu vou te dar o melhor mesmo, só tem trinta anos de São Paulo”. Falei assim: “Fechou”. Só que ele não conhece leis de São Paulo, ele só conhece São Paulo, não conhece as leis, também, ajudante não precisa saber, mas um amor de pessoa, ele tem o apelido de Pezão, um amor, um amorzinho de pessoa. Ele que me ensinou tudo de São Paulo, durante três anos, nós trabalhamos um ano e meio juntos, ele me ensinou tudo de São Paulo. Você sabe que São Paulo troca, todo dia é diferente, todo dia muda, mas assim, ele me ensinou, ele me ensinou: “É aqui, é ali. Aqui é ABC, ali é não sei o que”. E foi, encarei, encarei legal. E comecei a pegar o grandão, me deram oportunidade. Daí no ano passado, em março, começou uma gerência nova lá, uma gerência nova, um homem chamado César, ele comentou que ali não era lugar de mulher, e me tirou. Mas essa pedra que ele colocou, foi para eu escalar, porque eu vou mostrar ainda pra ele, que mulher pode sim, mulher pode estar em todo lugar, aonde ela quiser, ela vai. Infelizmente não pega mulher lá, eu fui a única, pelo preconceito. Não pelos donos, os donos ficaram super chateados, porque eu dei o sangue ali, dei o meu suor pela empresa, todo mundo sabe que eu fiz tudo perfeitamente bem. Eles não tem o que reclamar, Marcelo, Amaury, não tem o que reclamar, mas essa gerência nova comentou que ali não era lugar para mulher. Mas eu não preciso mostrar para ele, entendeu? Não preciso mostrar para ele, só preciso mostrar para mim mesmo que eu sou capaz. E bola para frente!
Hoje eu não estou no ramo de motorista porque tentaram matar o meu sonho. Estou dando um tempo, porque eu casei novamente… Vamos lá! Casei novamente, no começo tudo é perfeito, tudo é maravilhoso, tudo é perfeito. Mas infelizmente começou o processo, o caso de terror, onde o pai do meu filho pequenininho… ficamos seis anos juntos. Durante acho que uns dois anos, quatro anos, vivemos bem, depois do quinto ano ele começou a usar muitas drogas, foi um pesadelo da minha vida. Eu não aceito isso, não queria isso para a minha vida. Começou a pandemia em 2020 e não estava vindo multa, não estava vindo multa. E eu estava trabalhando lá na Imperial, na Scalet, desculpa! Ele pegou o meu carro, encheu de multa, passava no sinal vermelho e tal, fazia de propósito, com certeza. Só que não vinha multa de imediato, por causa da pandemia, começou a para tudo. Licenciei o meu carro normalmente em 2020, quando foi 2021… olha, eu pensei que tudo tinha acabado na minha vida, chegou tanta multa que eu fui caçada, fiquei dois anos, sabe? Quase perdi a minha habilitação. Aí começou o pesadelo, eu falei para Deus: “Como eu vou sustentar o meu filho, se era o meu ganha pão, como? Se eu amava fazer aquilo lá, o que eu ia fazer? O meu sonho, meu ganha pão tinha acabado. Acabou com o meu sonho! Eu falei: “Deus, e agora?” Não tinha o que fazer. Fui mandada embora. E agora o que eu faço? Faço bico. Bico pra lá, bico pra cá. E correndo atrás de habilitação. Fiquei dois anos só no bico, porque eu não podia mais, mataram o meu sonho. Mas como Deus é Deus, consegui de novo, fui lá, paguei, refiz tudo de novo, tirei e fui aprovada de novo, estou ativa, voltei! Eu voltei! Eu voltei! Esse pesadelo foi mais uma pedra pra eu subir em cima, olhar para baixo, e falar: “Escalei!” Foi difícil? Foi! Mas eu consegui! Foi difícil Luiza, foi difícil. Você não acredita que existem pessoas tão más assim. Cara, como que a pessoa, mãe do seu filho, quer tanto o seu mal assim. Será que não pensou nenhum minuto no menino? Apesar que nunca, depois que eu me separei ele mal… não paga pensão, já está na justiça, o advogado é um benção. Não vem ver o menino, não liga, mas não é ele que está perdendo, o meu filho está ganhando, tá ganhando inspiração, tá ganhando vida, ganhando tudo. Quem está perdendo é o próprio pai. E eu ensino ele, sabe Luiza? Eu ensino ele: “O dia que você ver o seu pai, não ignore ele, abraça ele e fala que ama ele, ele nunca mais vai dormir na vida dele, porque tudo que ele fez, você vai fazer o contrário. Você vai falar que sentiu falta dele e que ama ele. A melhor resposta é a melhor coisa que você vai fazer na vida, se for possível, se você sentir vontade de chorar no colo dele, você pode chorar, é bom, é bom, você desabafa ali, acabou, pronto!” Aí é o caráter. Essa é um pouco da minha história, Luiza. Eu venci e estou de volta, estou de volta, estou ativa. Foi difícil!
P/1 - Sara, como foi a iniciação de dirigir a Kombi escolar? Como foi esse momento de estar caminhando para o seu sonho? Como foi a sensação?
R - Sensação de vitória, melhor coisa que tem. Eu sempre gostei de trabalhar com crianças, as crianças sempre me abraçaram. Foi incentivo deles mesmo. É gostoso levantar, amar o que você faz, principalmente, você tem que amar o que você faz, porque todos os dias você levantava com ânimo: “Não, tem gente me esperando lá, vamos embora”. E é muito bom, muito bom! Kombi é igual carro, vamos embora! É durinha, mas não tem problema não, vamos embora! Aquele grito, todo mundo que falar igual: “Tia Sara, como foi o seu final de semana?” E um quer falar, o outro quer falar, assim por diante. Muito legal! Foi muito gratificante, foi muito bom, foi uma experiência maravilhosa! Alguns são pais hoje, alguns mudaram de sexualidade, pediram minha opinião. E bola para frente. “É isso mesmo que você quer?” Sempre pedindo opinião, sempre participando da vida deles. É muito top, muito legal. Já pensou, a pessoa pedir opinião da sua sexualidade? “O que você acha? Eu não to sentindo assim”. Eu incentivava: “Se você está se sentindo bem desse jeito, vai em frente, bola para a frente”. Todos eles me respeitam até hoje, nunca tive atrito com nenhum pai. Onde eu vejo os pais: “A tia Sara”. Tem tudo isso, é muito legal! Foi uma experiência maravilhosa, onde eu levei, e levo totalmente para o resto da minha vida.
P/1 - E como foi essa primeira experiência dirigindo um caminhão?
R - Não foi fácil não, não foi fácil! Dá aquele gelo na barriga, aquela sensação quente, frio, dor, você sente tudo. E falar: “Você vai para São Paulo!” Meu Deus, que desafio. Vamos embora senhor, orando, vamos embora senhor, não sei ir, mas dê a luz, esteja aqui comigo, que bora, bora! E foi assim por quatro anos, não tenho o que reclamar.
P/1 - Você ia para outros lugares também, ou era principalmente São Paulo?
R - O principal de tudo é São Paulo, era sempre São Paulo, litoral toda semana eu estava lá, colocando o pezinho na praia, toda semana. Não podia passar sem parar, imagina, você desce lá do interior, não coloca o pé na areia e no mar, é loucura, né? E o lugar mais longe que eu fui, com a Scalet, foi Curitiba e depois foi Minas, Curitiba e Minas, coisa assim, sensacional, não tenho que reclamar. Foi maravilhoso!
P/1 - Qual foi a sua viagem mais marcante?
R - Sabe que eu gosto, Luiza? Eu gosto muito, muito, muito, e me identifico muito, não sei, eu sou evangélica, mas eu acredito assim, é uma sensação que eu já estive lá, já estive em São José dos Campos, uma coisa assim, meu Deus, parece que eu conheço essa cidade. E você fala assim: “Se eu conheço mesmo vai ter isso”, é não é que tem! É uma coisa assim, impressionante. E quando eu via as notas que tinha em São José dos Campos, adorava, sempre adorei! E eu quero ir para passear, quero ir falar, eu quero saber mais da cidade. É muito gratificante, marcou. E eu sempre falo para a minha mãe, falo assim: “Mãe, sabe onde eu estou agora? Estou em São José dos Campos!” Ela falou assim: “Nossa, não sei porque você gosta dessa cidade!” “Nem eu sei, mas eu gosto!” É uma sensação gratificante, linda, maravilhosa, o ar que você respira, “estou em casa”. É muito diferenciado, muito diferenciado. E toda vez que eu ia para o litoral, fazia chamada de vídeo: “Olha mãe, onde eu estou!” Ela fala que era ‘os mar’, o mar é ‘os mar’. “Olha ‘os mar’”. Então ela viajava junto comigo praticamente, né? Onde eu estava já fazia chamada de vídeo: “Olha onde que eu estou, olha que legal”. Muito legal, muito legal!
P/1 - Sara, você se lembra de alguma situação inusitada, engraçada, que você tenha vivido na estrada? Ou bem difícil? Alguma situação marcante para você?
R - Sim, com certeza! Quando você… tipo assim, rede Walmart, tem muita fila, fila de motorista. Lá os gaúchos são interessantes, os gaúchos acham que mata a sua fome, porque eles trazem o arroz, traz não sei o quê, então eles acham que são os melhores de todos. E já tinham falado pra mim, mas eu… sempre só uma observação. E nesse dia eu cheguei de madrugada, tava aquela fila, aqui em Embu das Artes, perto de Embu das Artes, Taboão da Serra. E tem um Walmart ali, a rede Walmart. Tava a fila, os gaúchos sentados ali com o chimarrão, quando eu cheguei, estacionei o caminhão e desci. E estava muito friozinho, e eu na fila, detalhe, única da fila, mulher. E um dos gaúchos fez uma piada, onde eu ignorei, ele falava assim: “É, mas a guria deveria estar dormindo, o que ela está fazendo aqui?” Eu fingi que não era comigo, eu fingi que não era comigo. “Mas e aí guria, o que você está fazendo aqui? O marido que tinha que estar aqui”. Eles falam cantando, eu acho muito bonito eles falarem. Daí eu respondi pra ele assim: “Estou aqui por causa dos seus machismos mesmo, sabia? Porque se vocês fossem tão bons como homens, nenhuma mulher saía de casa para trabalhar”. Acabou ali o assunto, eu pensei que ele ia discutir comigo, acabou o assunto ali. E os homens do lado começaram a dar risada da cara dele, onde todo mundo ficou em silêncio. Isso foi marcante, porque eles são muito machistas, muito: “Eu mando, eu sou…” Eles são assim, é o jeito deles. Esse foi marcante sim!
Outro marcante que é ruim, que eu fui roubada, na estrada tem muito disso, de ser assaltada, mas graças a Deus… Um menininho desse tamanho gente, a minha vontade era dar umas palmadas na bunda, mas não sabia se ele estava armado ou não. Na Lapa de Baixo, parei o caminhãozinho e falei para o ajudante: “Vou te ajudar rapidinho”. Porque era pouca coisa, dava para ele fazer duas vezes, ir e voltar rapidinho, eu dar a volta e pegar ele. Daí o que aconteceu, na hora que eu fui descer o menino veio de encontro, achei normal, ele falou: “Perdeu, senhora!” Eu falei: “Perdeu?” Daí ele colocou a mão na cintura, no que ele colocou eu já falei: tá, tá, leva o celular, vai!” Daí ele já saiu correndo e tá tudo bem. Mas que deu vontade de dar uns tapas na bunda, deu, deu uma vontade. Mas o restante, graças a Deus, Deus me protegeu, só pedi proteção a Deus, não é fácil, não! Não é fácil estar na estrada, mas também não é difícil, é gratificante, é gostoso, cada história que você conhece. Conheci bastante motoristas, hoje tenho contato com os motoristas. E bola para a frente, bola para a frente.
P/1 - Sara, quais são os principais obstáculos de estar na estrada, por ser mulher, estando numa área que é considerada masculina?
R - A maior dificuldade, é banheiro também. Alguns postos se adaptaram, mas tem posto que a gente não consegue parar para usar o banheiro, é muito, muito ruim, higiene péssima. Mas tem alguns postos que já estão se adaptando. E outra, machismo, tem muito preconceito ainda, existe ainda. Mas tem alguns que falam assim: “E ai motô, é isso aí!” Te ajuda, tipo assim: “Ó, tá de parabéns!” São desses que a gente tem que transformar em força, não aqueles que olham para sua cara e falam: “O que está fazendo aí?” Pelo olhar a gente já sente que é negativo. E sabe, eu nunca olhei por isso, nunca olhei por isso. Meu filho… meus filhos são muito orgulhosos do que eu faço, têm orgulho! Meu grandão mesmo, onde eu vou… se ele encontra algum amigo, ele fala assim: “Tá vendo essa baixinha aqui? - porque o meu filho é altão - Essa baixinha aqui, caminhoneira!” Eu falo: “Filho do céu, não precisa falar assim, vai assustar o rapaz”. Você sabe que a gente assusta, né? A gente tem aquele… até mesmo em relacionamento, você acredita nisso? Se você fala que é caminhoneira, a pessoa já: “Nossa!” Tem! Não é preconceito, é assim, que a pessoa fala que você é mais. Não é mais, não dá para explicar o que é. A gente tem aquele ‘apoderamento’, nós somos ‘apoderadas’, a gente vai onde a gente quiser. O homem já não tem esse poder, o homem não consegue fazer isso. E a gente consegue, a gente tem essa liberdade, a gente tem essa coragem, de ir onde a gente quiser, onde a gente quiser. E eu adoro desafio! Para você ter uma ideia, agora estou com a minha habilitação, estou com a minha vitória, graças a Deus, mas antes disso, tem uma pequena pausa, assim, tipo diferenciada na minha vida.
Eu adoro desafios, adoro! Uma empresa onde eu fazia distribuição dos produtos da Scalet… Porque mexe muito com cloro lá, cloro de piscina, essas coisas. Me chamaram para trabalhar, aí o que eu vou fazer lá? “Vendedora de telemarkinting”. Disse: “Fechou!” Fui vendedora também, de telemarketing: “Vai ser fichinha”. Enquanto não vinha a minha habilitação, eu tenho que trabalhar, tenho filho para criar, ponto final. Em menos de quatro dias já fiz uma venda, ficaram de olho: “Poxa, a gente tinha que ter um resultado daqui um mês, não agora”. Já se assustaram! E o Eder me chamou - o Eder é o gerente - e ele é muito positivo, ele é muito para frente. E eu sou a mais experiente, não vou falar a mais velha, a mais experiente da turma, o resto tem assim, vinte, 21, dezenove, vinte, 21. Aí ele pegou e falou assim: “Sara, eu contratei você porque você tem algo de diferente, muito diferente, diferenciada, eu podia contratar alguma pessoa para administração, uma pessoa já profissional na área, mas não, eu quero você, quero você”. Falei assim: “Eu topo o desafio”. Falei: “Vou topar o desafio”. Falei assim: “Você sabe que eu não estou aqui pelo salário, né?” Sempre deixo claro, eu sou muito verdadeira: “Eu não estou aqui pelo salário, porque o salário aqui é muito pouco, não dá pra eu sobreviver, mas se você está dando esse desafio e vai aumentar o meu salário, eu estou topando, eu vou!” Então, eu estou nessa fase de desafio. Eu não sei onde eu vou chegar, Luiza, não sei! Porque lá também tem vans que eu fico de olho também (risos), que viagem! Eu só fico de olho: “Onde você vai? Me leva! Deixa eu dirigir, daqui aqui o volante!” Tipo assim… Eu não sei. Adoro desvendar mapas. As meninas perguntam: “Que região é essa?” Eu vou lá, pá! “É aqui ó, e você sabe que essa cidade…” Ainda conto história da cidade. E ele observa isso: “Você tem conhecimento da estrada, eu não contratei você porque você é esperta em excel”. Eu não sou mesmo, agora dá um volante para mim, da um volante que eu vou.
P/1 - O Sara, como você se sente dirigindo? Qual é a sensação de estar na estrada?
R - Liberdade! Liberdade, respirar, arrotar, peidar sozinha (risos). E muito bom, cara, liberdade! Você colocar a mão para fora, você ter asas sem voar, é muito bom, muito bom mesmo! É tipo assim, eu não sei o que você gosta de fazer, mas assim, quando você faz uma coisa que você ama, não é aquela sensação que você respira assim, nossa, que delicia. É muito bom, E você faz dando risada, rindo. O seu dia passa correndo, porque você adora o que você faz.
P/1 - E o que representou, para você, ser a primeira e a única mulher nessa empresa que você trabalhou?
R - Representou tudo, Luiza, tudo, tudo! ‘Apoderamento’, eu posso! Eu vou, eu posso! Por mais que o novo gerente fale que não pode mulher, eu pude, antes dele vim, eu dava o sangue, o meu suor para a empresa. Essa parte ele não viu, ele não estava aqui. Por que mulher não pode? Mas um dia eu vou questionar ele, eu vou questionar ele e vou falar: “Eu posso”. Porque eu adoro desafio, eu adoro.
P/1 - E como foi para você pegar a sua habilitação de volta, está de volta no mercado que você ama, o que isso representou?
R - Mas uma vitória! Eu consegui, eu consegui de volta, estou aí de novo! Não foi fácil, foi um processo doloroso, muito doloroso, foi difícil, você aceitar a pessoa e não acreditar que existem pessoas ruins, cara! A pessoa que está do seu lado… eu estou de volta! É um choro assim, gratificante, onde eu falo: “Eu consegui de novo”. Eu consegui, se Deus permitiu, e para contar a história mesmo, ninguém vai acabar com o seu sonho, você está aqui de novo. Porque se não daria tudo errado, se não fosse permissão de Deus. Foi para alimentar mais ainda a minha fé, eu estou de volta. Foi doloroso? Foi! Muitas lágrimas, muitas, não foi pouco não, foi um rio, mas Deus viu minhas lágrimas, Deus viu e percebeu que não era assim. Você não é feliz em cima da infelicidade da outra, nunca isso, nunca, nunca! E eu acho que mais vale o caráter, o caráter. Pessoa que não tem caráter, pra mim acabou. Foi difícil? Foi! Mas estou de volta! Estou de volta e vou mostrar para muita gente que mulher é capaz sim, é capaz! Essa é a próxima etapa da minha vida. Estou em um desafio, não sei se é para me dar um respiro pra eu pular e falar: “Estou de volta!” E eu vou conseguir, eu vou conseguir.
P/1 - E para você, o que significa ver outras mulheres caminhoneiras? E a importância desse incentivo, de poder se espelhar em outras mulheres nessa profissão, como a Sandra e como você deve ser para tantas outras. Qual a importância das mulheres nesse ramo, e irem se incentivando?
R - É gratificante, muito gratificante, gratificante de mais. Eu tenho uma amiga, Camila, ela era frentista de posto de gasolina, hoje ela é motorista. Ela sempre perguntava: “Sara, como é? Como faz?” “Filha, vai, vai que você vai gostar”. E hoje ela é motorista de ônibus grande. Da Viação também tem a Patrícia que ela trabalha com sanfonado, de quatro metros e meio. É muito gratificante, muito, você ver motorista mulher buzinar para você, você dar joia, “é isso ai, vamos embora!” É muito gratificante. Estou certa naquilo que estou fazendo, estou totalmente certa, é isso mesmo. Bola para a frente. Ver mais mulheres onde você para, não ser a única, tem mais: “Oi, tudo bem? Que cidade você é? Que legal! É isso ai, vamos embora, vamos pra cima!” Não que a gente esteja procurando igualdade, nunca que a gente vai ser igual a um homem, porque ele tem mais força que a gente, não é isso! Porque eles sempre batem nessa tecla: “Vocês procuram a igualdade, mas em muita coisa vocês são limitadas”. Sim, na força, na força, Mas se eu colocar técnica e agilidade naquilo que você faz, eu faço fichinha, fichinha. Não preciso ter força, às vezes é agilidade, modo de fazer…. Eu faço até melhor que você. E a gente tem aquele tipo 360 graus. A gente é mais cuidadosa. Eu nunca bati um carro na empresa. Só teve uma vez que, eu não sei se foi em Cotia, se eu não me engano, eu tava com um caminhãozinho 3/4, um menor, a moça estava na minha frente, tinha uma distância, bastante distância. Só que na hora… ela não deu seta e virou com tudo assim, e ficou com a traseira. Ela virou, mas parou. O ar não para assim de repente, igual carro, então deu uma… Só isso! Ela ficou nervosa, porque acho que ela tinha recém tirado habilitação, falei assim: “Você pode tirar foto, caso você queira. Quem está errada é a de trás”. Ela falou assim: “Não, eu que peço desculpas, não dei seta, decidi no momento entrar”. E nunca reclamou, nunca ligou, nunca…. Muitos anos. E se ela tiver vendo o vídeo também, peço desculpa, mas não foi erro meu, foi erro dela mesmo, ela também se auto conscientizou, era o erro dela, elas ficaram muito nervosas, ele estava eu acho que com a irmã, a irmã falando pro pai, eu vi que ela ficou muito nervosa naquele dia.
P/1 - Sara como é estar na estrada trabalhando e os filhos… essa distância física, como é isso pra você?
R - É assim Luiza, eu saio na intenção para eles mesmo, para o meu filho, eu preciso sair para trabalhar para sustentar o meu filho, não tenho ajuda do pai, não tenho. Tá na justiça, mas você sabe que a justiça brasileira é uma benção de Deus, né? E eu fico muito triste, porque tá muito parado, por causa da pandemia parou tudo, não dão atenção, eles estão se aproveitando, porque não está prendendo. Eu acho muito, muito, desaforo isso aí, eu acho que deveria dar mais atenção para os menores e idosos. Tudo bem, né? Vamos pular essa parte. Quando eu saio para a estrada é essa a intenção, eu preciso voltar para alimentar os meus filhos, eu preciso voltar, eu preciso voltar. Você sabe que muitas vezes a gente sai, você não sabe se você volta, mas nunca pensei assim, nunca pensei e nunca bati nessa tecla. Eu só bato na tecla, senhor, eu preciso cuidar do meu filho, me leva e me traz com segurança, independente do horário. Às vezes eu cheguei a chegar uma hora aqui e saí às três, só cochilar, trocar de roupa, tomar banho e trabalhar de novo. Essa é a vida de caminhoneiro, mas é gratificante, gratificante mesmo. Muito bom mesmo, uma coisa que você faz rindo, sorrindo, muito bom, eu amo. Por mais que eu esteja tendo um novo desafio, mas eu amo o que eu faço.
P/1 - E como foi se tornar mãe? O que a maternidade representa para você? Apesar dos pais, dos parceiros não serem tão parceiros, mas o que isso representa para você?
R - Amadurecimento! Amadureci bastante. A diferença dos meus dois filhos são dezesseis anos, minto, quinze anos. Então eu tenho duas experiências, mãe nova, mãe jovem, mãe adolescente, que não significava tanto, não que não amava, não, a mãe ama. Hoje eu mais experiente, não vou falar mais velha, mais experiente, mãe, a gente vê com outros olhos, os filhos, a gente exige mais, porque os filhos hoje… Eu to muito preocupada, os filhos hoje são muito dependente de você, não abre um refrigerante, não sabe abrir uma garrafinha de água, não sabe. Poxa, o que vai ser do futuro dessas crianças? Meu filho grandão, até ontem ele falou: “Mãe, você não pode me comparar com ele. Você não pode, você não deve me comparar com ele, porque ele é totalmente outra geração”. Então eu estou me policiando, eu não posso mais comparar, porque às vezes eu falava assim para ele: “Nossa, seu irmão com nove anos já fazia um arroz.” Ele está com oito, então ele é mais diferenciado, mais lento. Então eu tenho que aceitar, eu preciso aceitar isso aí. Mas que eu estou preocupada, estou. Eu estou preocupada com essa nova geração.
P/1 - E Covid, pandemia, como foi esse momento para você? Como impactou sua vida profissionalmente, pessoalmente?
R - Profissionalmente, você sabe que diminui totalmente. O Brasil parou, tudo parou. Foi tudo bem lento. No final de 2020 eu tive Covid, em dezembro, não tive nem natal, nem ano novo, em 2020. Mas assim, não senti nada. Porque na reportagem falava: “Pegou Covid, morre”. Falei assim: “Agora vou morrer, né?” Porque era isso que a gente ouvia, porque ninguém sabia o que era a Covid na realidade, ninguém sabia, todo mundo estava perdido, até os repórteres, tava tudo perdido, ninguém sabe de onde vinha, sabe que era da China. Até hoje ninguém sabe, como combater, o que fazer, e álcool em gel e basta, só isso que falava. Eu acho que peguei no dinheiro de pedágio, porque não tinha aquele sem parar. Eu tenho isso comigo, eu acho que eu peguei do dinheiro do pedágio, é muito sujo. Mas mesmo assim, eu colocava álcool, alguma coisa assim, não sei o que aconteceu que eu peguei Covid. Fiquei muito triste, mas tinha que cumprir com o meu filho, tinha que cumprir com o meu filho. Cumpri, não senti nada, muito pelo contrário, os remédios, coquetéis que eles davam, eram muito fortes, passei até mal, mas passei, graças a Deus, tranquilo. Gosto muito de parque aquático, essas coisas, excursões, adoro! Adoro fazer excursão, eu faço excursões. Mas assim, voltado não para os jovens, voltado para família, porque assim, eu anuncio agora, daqui um mês você paga, no outro mês que a gente vai. Por que? Tem mãe que tem três filhos, ela quer levar todos, ela não quer levar um, ela não vai escolher um, Eu sou muito voltada a isso, sou muito voltada a isso. Eu quero que a mãe, a família se auto renovam juntos, é diferenciado.
P/1 - Sara, quais foram os maiores aprendizados que você tira dessa sua trajetória como caminhoneira e toda trajetória que você ainda virá a construir?
R - É muito bom, sabe? Eu aprendi que não precisa passar por cima de ninguém, o sol nasceu para todos, você tem possibilidade de ser o que você quer. Independente do financeiro ou não, você consegue, você pode, você pode ser o que você quiser. Mas assim… agora tem dificuldade? Têm, claro! Tem preconceito? Tem também! Mas depende da gente, depende muito da gente. Eu sou aquela pessoa que impõe o respeito para ser respeitada. Então tem todas as maneiras de você entrar e sair de todos os lugares.
P/1 - E quais são os seus maiores sonhos?
R - O meu maior sonho, eu já falei para a Sandrinha, vamos viajar juntas ainda. Ela vai me mostrar. E eu vou trocar a letra agora, de novo, a letra E, que eu vou pegar carreta e nós vamos viajar juntas, vamos! Eu falei para ela que eu sou a aluna, ela é a professora.
P/1 - Sara, você gostaria de acrescentar algo mais, contar de alguma passagem da sua vida que eu não tenha perguntado?
R - Eu acho que eu já falei quase tudo, quase não, falei tudo. Você sabe que eu oro por você, por mais que eu não conheça você pessoalmente, oro por você todos os dias depois que eu conversei com você, te conheci, oro por sua vida. Sua trajetória também é linda, eu tenho que contar que você também alimenta esse sonho a todos, você que leva o livro para todos, você que abre e mostra para o mundo, você pode, você pode. Então, agradeço a Deus, a você, você é linda, não por fora também, linda por fora e por dentro. Eu só quero agradecer, Luiza. Você é a porta, onde você abre e mostra o mundo, que existe Sara do interior, a Sara de Itu, que também pensa igual a outra que você vai abrir a porta, que às vezes ela só quer uma posição, só que uma resposta. Eu agradeço a Deus pela sua vida, que é linda, linda, linda.
P/1 - Você é uma querida, eu não aguento. Sara, você gostaria de deixar alguma mensagem para essas moças todas que estão chegando, para não desistirem, enfim…?
R - Sim, claro! Que não desista dos seus sonhos, não há necessidade. Se você ouvir “não”, faz desse não uma pedra você somente levantar nela. É um processo, é dolorido? É! Mas todo processo é a certeza da vitória. E essas mulheres que tem esse sonho, segura e vai! Tudo vai dar certo, independente da idade também, não importa a idade, novinha, experiente, bola para frente. E taca-lê marcha nessa estrada aí.
P/1 - Como foi para você dividir um pouquinho da sua história, lembrar da infância, dividir um pouco sua trajetória aqui com a gente?
R - Eu nunca passei por psicólogo. Me senti assim, gratificante, tirando um pouco daquela dor, deu um alívio. Não é dor, é assim, poxa, tentaram me destruir, eu estou falando que tentaram me destruir. Não é só comigo, acho que acontece com várias pessoas, e essa é a certeza, que vai dar certo. Deu certo comigo, vai dar certo para pessoa. Porque às vezes… hoje eu falo pequeno obstáculo, o sofrimento que eu passei, cara. A pessoa desiste ali, pronto, acabou, não! Pega de volta, bora lá. O tapetão preto aí, taca-lê marcha.
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