Entrevista de Adão Barbosa Jesus
Entrevistado por Luiza Gallo e Bruna Oliveira
São Paulo, 21/09/2021
Projeto Comunidade Zaki Narchi - Instituto Center Norte
Entrevista número: PCSH_HV1040
Realizado por: Museu da Pessoa
Revisado por Luiza Gallo
P/1 – ‘Seu’ Adão, pra começar, eu gostaria que você se apresentasse, dizendo seu nome completo, data e local de nascimento.
R – Meu nome é Adão Barbosa Jesus, sou da cidade de Araçuaí, Minas Gerais.
P/1 – E sua data de nascimento?
R – Quinze de agosto de 1944.
P/1 – E quais os nomes dos seus pais?
R – Meu pai chamava José Rodrigo Barbosa; minha mãe, Maria Barbosa.
P/1 – E o que eles faziam?
R – Trabalhavam na roça. Tinham o sítio deles lá na roça e trabalhavam lá.
P/1 – E como era o dia a dia, você lembra?
R – O dia a dia eu era pequeno, não sabia não. Mas eu já caía matando no jogo, ia pro centro da cidade jogar com dez anos, doze anos de idade. Depois minha tia me pegou e me levou pra Frei Inocêncio, Minas Gerais também, longe. Fiquei lá uns tempos e aí a minha mãe foi me buscar. Aí voltei pra cá, pra cidade. Aí depois eu parti pra cá, pra São Paulo.
P/1 – E como você descreveria seus pais?
R – Boa gente. Sabe aquele pessoal do interior. Sempre tem aquela paciência, aquela fala mineira mesmo. “Oh, moço, vem tomar um cafezinho”. Agora não, ficou minha irmã tomando conta da fazenda lá e eu fui lá com minha família passear, minha mulher todo dia levantava, já vinha o leite na mão pra ela, leite quentinho, ela nem fervia, que era leite de vaca. Não fervia, não, só tomava. Uma pinguinha mineira. Eu não bebo nada, mas ela gostava da pinga mineira.
P/1 – E, ‘seu’ Adão, você sabe como seus pais se conheceram?
R – Não, aí eu não era nascido (risos).
P/1 – E você tem irmãos?
R – Tenho.
P/1 – E quais são os nomes deles?
R – Maria de Fátima, Zé Nunes, Jorge e Sebastião.
P/1 – E você está em...
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Entrevistado por Luiza Gallo e Bruna Oliveira
São Paulo, 21/09/2021
Projeto Comunidade Zaki Narchi - Instituto Center Norte
Entrevista número: PCSH_HV1040
Realizado por: Museu da Pessoa
Revisado por Luiza Gallo
P/1 – ‘Seu’ Adão, pra começar, eu gostaria que você se apresentasse, dizendo seu nome completo, data e local de nascimento.
R – Meu nome é Adão Barbosa Jesus, sou da cidade de Araçuaí, Minas Gerais.
P/1 – E sua data de nascimento?
R – Quinze de agosto de 1944.
P/1 – E quais os nomes dos seus pais?
R – Meu pai chamava José Rodrigo Barbosa; minha mãe, Maria Barbosa.
P/1 – E o que eles faziam?
R – Trabalhavam na roça. Tinham o sítio deles lá na roça e trabalhavam lá.
P/1 – E como era o dia a dia, você lembra?
R – O dia a dia eu era pequeno, não sabia não. Mas eu já caía matando no jogo, ia pro centro da cidade jogar com dez anos, doze anos de idade. Depois minha tia me pegou e me levou pra Frei Inocêncio, Minas Gerais também, longe. Fiquei lá uns tempos e aí a minha mãe foi me buscar. Aí voltei pra cá, pra cidade. Aí depois eu parti pra cá, pra São Paulo.
P/1 – E como você descreveria seus pais?
R – Boa gente. Sabe aquele pessoal do interior. Sempre tem aquela paciência, aquela fala mineira mesmo. “Oh, moço, vem tomar um cafezinho”. Agora não, ficou minha irmã tomando conta da fazenda lá e eu fui lá com minha família passear, minha mulher todo dia levantava, já vinha o leite na mão pra ela, leite quentinho, ela nem fervia, que era leite de vaca. Não fervia, não, só tomava. Uma pinguinha mineira. Eu não bebo nada, mas ela gostava da pinga mineira.
P/1 – E, ‘seu’ Adão, você sabe como seus pais se conheceram?
R – Não, aí eu não era nascido (risos).
P/1 – E você tem irmãos?
R – Tenho.
P/1 – E quais são os nomes deles?
R – Maria de Fátima, Zé Nunes, Jorge e Sebastião.
P/1 – E você está em qual escala?
R – Dos mais velhos.
P/1 – E como era sua relação com eles?
R – Boa, né? Irmão, assim, não briga. Eu também não ficava lá muito na roça, não. Meu negócio era ir pra cidade, jogar bola.
P/1 – E me conta uma coisa: você chegou a conhecer seus avós?
R – Conheci, conheci minha avó.
P/1 – Materna ou paterna?
R – Avó materna, mesmo.
P/1 – E como ela era?
R – Boa pessoa, né?
P/1 – E tinha alguma coisa que vocês gostavam de fazer juntos?
R – Não, porque eu não ficava sempre na roça, eu ficava mais na cidade, jogando.
P/1 – E na sua infância, você lembra de algum costume familiar? Alguma comida, algum cheiro?
R – Sabe que mineiro gosta sempre de uma polenta com galinha caipira. Só isso.
P/1 – E quem fazia?
R – Minha mãe.
P/1 – E datas comemorativas?
R – Hein?
P/1 - Vocês tinham datas comemorativas?
R – Todo lugar tem, né?
P/1 – E o que vocês comemoravam?
R – Comemorava aniversário, comemorava São João, as fogueiras que eram bacanas lá. Tinham uns forrozinhos, mas eu sempre, quase não estava lá. Aí veio um time de fora me pegar, me levou para Itaobim, fiquei jogando lá em Itaobim. Depois voltei e fui disputar campeonato lá na minha terra. Naquela época me deram uma bicicleta pra jogar num time e eu fui jogar. Aí vinha time da Bahia me pegar, pra jogar e eu ia.
P/1 – E, ‘seu’ Adão, quando você começou a jogar, você lembra?
R – Lembro, eu estava com nove anos de idade.
P/1 – E como foi?
R – Ah, comecei naquela de pá, pá. O time do Corinthians passou lá e me viu jogando: “Aquele moleque dá certo lá em São Paulo”. Falou pro meu irmão e meu irmão não me deixou ir de jeito nenhum (risos). Falou: “Não, não te conheço, como você vai levar meu irmão?”
P/1 – E aí?
R – Aí eu falei: “Não tem jeito, não vou não”.
P/1 – E como você se sentia, jogando?
R – Bem. Jogava bola que não era brincadeira. Pergunta pro Gugu, pra você ver, o motorista que trouxe nós.
P/2 – E onde o senhor jogava? O campinho, como que era?
R – Campinho? Campão! (risos) Campo gramado, um estádio mesmo. Não tinha esse negócio.
P/2 – Mas lá no começo, onde era?
R – No começo era em tudo quanto é lugar: era campinho, era campão, era o que viesse, nós topávamos. Descalço, de chuteira. Mas jogávamos com aquele kichute preto, que tinham aquelas travinhas debaixo, nós estávamos aí, mandava ver.
P/1 – E o que o senhor mais gostava de fazer, na infância?
R – Na infância era só isso mesmo, jogar bola. Eu era louco por uma bola, mandava e eu fazia até o nome do pai.
P/1 – E seus amigos?
R – Meus amigos jogavam também, mas sempre, quando eu chego lá, eles falam: “Olha aí, o melhor jogador aqui de Araçuaí foi esse aí. Esse aí vinha gente de fora buscá-lo”. Mas fazer o que, né? Deixei passar a juventude. Se eu aproveito e vou pra um time bom.
P/1 – E você lembra da casa onde você passou a infância?
R – Lembro.
P/1 – Como era?
R – Boa, casa simples, mas sempre boa.
P/1 – E como era a disposição da casa?
R – Grande, minha mãe criava muito filho dos outros. Ela criava vinte crianças dos outros, cresciam lá e iam embora pros outros lugares, pra trabalhar. Minha mãe foi... até hoje o pessoal lá lembra dela, os que estão vivos.
P/1 – E o bairro da sua infância, como era?
R – Na cidade mesmo, Araçuaí. Itaobim também era muito boa cidade. Araçuaí era uma estrada que vai pra Bahia.
P/2 – E era asfaltado, lá? Já tinha asfalto?
R – Já tinha asfalto, tinha a Ponte de Jequitinhonha, né? Jequitinhonha passa perto.
P/2 – E era grande, a cidade?
R – Grande.
P/1 – E nessa época você pensava no que você queria ser, quando crescesse?
R – Sempre jogador de bola. Terminava de fazer pão e ia pro campo.
P/1 - Você fazia pão?
R – Eu era padeiro, vinte anos de padeiro.
P/1 – Mas com quantos anos você começou?
R – Comecei, sei lá, acho que com uns quinze anos comecei, de ajudante. Aí fui padeiro, trabalhei demais em padaria. Fiz pão, tudo quanto é tipo de pão. Era pão Provence, era pão... tudo, tudo. Pão de Natal, na época de Natal fazia jacaré, desenhava um jacaré desse tamanho, assim.
P/1 – Mas você começou a fazer pão aqui em São Paulo?
R – Não, foi lá em Minas.
P/1 – Foi em Minas, ainda?
R – Aqui em São Paulo eu fui só lá no Cruzeiro do Sul, lá em cima, ajudar uma padaria que estava faltando padeiro e eu fui lá, trabalhava no posto e à noite eu ia lá pra padaria. Novo, né? Moleque, rapaz novo, ainda aguentava a frente. Fazia muito pão lá.
P/2 – E quem ensinou o senhor a fazer pão?
R – Minha inteligência, né? Via os outros fazer e falei: “Espera aí”. Desenhava o jacaré, paravam pra ver. Desenhava direitinho. Fazia pão de massa rica. Massa rica era de Natal.
P/1 – E, ‘seu’ Adão, você se lembra da escola?
R – Comecei na roça, né? Naquelas escolinhas, na roça.
P/1 – Como que era?
R – Era uma escola simples, né? Professora boa, ensinava direitinho, mas eu falei: “Vou embora, vou sumir daqui, dessa terra”. Aí fui viver a vida fora. Fiquei muito tempo sem ir lá.
P/1 – E por que você queria sumir de lá?
R – Pra jogar bola, porque era sempre bola, bola…
P/1 – E como foi sair de lá, de fato?
R - Não senti falta, não, porque tinha muito amigo, né? As pessoas andavam passando a mão na cabeça do Adãozinho, que eles me chamavam lá, aí eu falei: “Ah, tá bom”.
P/2 – E pra onde o senhor foi?
R – Fui pra Itaobim, joguei muitos anos lá em Itaobim. Depois fui pra Teófilo Otoni, jogava no Frimusa. Aí depois eu voltei pra Itaobim e comecei disputando campeonato lá, fomos campeão, aí veio um time da Bahia me pegar.
P/1 – ‘Seu’ Adão, o senhor estava falando do período na Bahia, como foi, jogando?
R – Foi bem, porque eles iam, me buscavam, eu jogava e eles me traziam. Era importante. Eles traziam de volta e eu ficava no meu time, Liberdade. Aí, depois, quando eles precisavam, eu ia de novo e sempre jogando bola.
P/1 – E onde vocês dormiam?
R – Tinha república pra gente dormir.
P/1 – E tinha farra?
R – Depois que terminava tinha, naquela época (risos).
P/1 – E como era?
R – Sempre a gente arrumava uma namoradinha lá e pronto, acabou, era só namorar e o resto era alegria.
P/1 – E como foi vir pra São Paulo?
R – Vir pra São Paulo foi bom, eu vim embora, cheguei aqui, comecei a trabalhar, trabalhava na Lusitana, que tinha uma Lusitana aí, nós fomos montar até uns interfones lá. Depois eu fui pro posto e não saí mais.
P/1 – Quantos anos o senhor tinha?
R – Tinha vinte e poucos anos.
P/1 – E como foi a viagem, você lembra?
R – A viagem de quê?
P/1 – De vinda pra São Paulo.
R – Foi boa. Eu cheguei e já tinha lugar, estavam me esperando já e eu fiquei lá numa pensão mais meus parentes lá e foi só.
P/1 – Mas o senhor veio sozinho?
R – Vim mais um amigo meu, mas ele morreu. Chegou aqui e ‘bateu as botas’.
P/1 – E onde você foi morar, assim que você chegou aqui?
R – Fui morar numa pensão, que eu falei.
P/1 – E onde que era?
R – Lá na Voluntários da Pátria.
P/1 – E como era, lá?
R – Boa, pensão boa. Aí, depois eu fui pro posto. O patrão me deu uma casinha lá dentro do posto e falou: “Você vai morar aqui”. Pelo menos à noite você olha e de dia você trabalha. Eu falei: “Tá bom!” Um português. Aí fiquei muitos anos trabalhando com esse português. Só com esse português eu fiquei vinte anos.
P/1 – E o que você fazia, com ele?
R – Eu recebia os carros, manobrava os carros, botava no aspirador, pra aspirar e no lavador e quando estava limpo, eu levava pra frente, era assim.
P/2- E, nessa época, o senhor continuava jogando futebol, ou tinha parado?
R – Continuava. Até me levou naquela época pra Portuguesa de Desportos lá, pra treinar, porque naquela época não tinha muitos jogadores: “Vamos lá, pra você treinar lá”. Aí, eu fui treinar na Portuguesa, menina e o finado Enéas, jogador da Portuguesa, falou: “Porque você não vem jogar aqui na Portuguesa, rapaz, você é bobo?” Eu falei: “Não, eu tenho meus compromissos”. Tenho foto lá em casa, de todo jeito.
P/2 – E que compromisso era?
R – Trabalhar, né? No posto, eu não podia largar o posto, que a responsabilidade era grande demais. O português viajava e deixava eu tomando conta. Aí tinha fregueses demais. Nós lavávamos uns 120 carros por dia, moça. Sexta-feira e sábado, era demais o serviço.
P/1 – E depois do posto?
R – Depois do posto é bola (risos). Eh, meu Deus!
P/2 – E o senhor já era casado, nessa época?
R – Não, solteiro.
P/1 – E aqui em São Paulo, você voltou a estudar ou não?
R – Não, só trabalho.
P/1 – E depois desse trabalho no posto?
R – Aí eu fui trabalhar na Inova, uma firma de limpar a rua, mas o posto eu trabalhei muitos anos.
P/1 – E o que você achava de lá?
R – De que, do posto? Bom! Patrão confiava em mim. Aí, depois, passou muitos anos, eu mudei pra Zaki Narchi. Não tinha barraco, estava uns pedacinhos de barraco caindo, aí eu cheguei, metemos bronca e fomos fazendo barraco, barraco, barraco, até completar setecentas famílias. Quando completou setecentas famílias, aí o Maluf passou lá e falou: “Adão, eu tô candidato. Se eu for eleito a prefeito, eu vou fazer moradia pra vocês aqui”. E eu falei: “Promessa é dívida, hein?” Aí ele construiu pra nós lá. Chegou, construiu, mandou até um telegrama me chamando pra ir lá pra cidade, está aqui o telegrama, acho que trouxe junto comigo, pra assinar lá, pra aprovar as moradias. O primeiro barraco foi lá.
P/1 – E como foi essa época? Você lembra a primeira vez que você foi lá na comunidade?
R – Lembro, já fui pra ficar.
P/1 – E o que você achou de lá, quando você viu?
R – Boa! Pra mim, o que viesse era lucro. Cheguei e já chamei a turma: “Vamos fazer barraco aqui, aí nós ganhamos a moradia”. Aí, Deus ajudou, que Maluf se candidatou…
P/2 – E como era o barraco? Como era construído?
R – Menina, meu barraco não era pequeno não, era grande. Mas tinha gente lá, coitados, era sofrimento mesmo. Uma vez, morreu uma criança lá, na primeira vez que pegou fogo lá. A mãe e o marido saíram e deixou a criança dentro de casa sozinha e pegou fogo no barraco e a criança morreu. Foi a maior tristeza do mundo.
P/1 – E vocês se ajudavam?
R – Ajudavam. Fazia aquela coleta, ‘vaquinha’, pra poder ajudar o pessoal a montar os barracos. Madeiras tinham muitas jogadas lá. O caminhão passava e jogava aquelas madeiras lá e nós ajudávamos as crianças.
P/1 – E como o senhor começou a se envolver na comunidade?
R – Assim: trabalhando, lutando. Aí quando recebi o telegrama do Maluf me chamando, falei: “Vou lá ver o que é”. Baixei pra lá. Ninguém ia mais eu não, só ia mesmo era Deus. Poucos me ajudavam. Só tinha um cara que era presidente, na época, o Wilson, aí só eu que saía com ele, eu era fiscal, nessa época. Só eu que saía com ele. Aí, nós íamos lá, resolvíamos os problemas. Aí o Wilson foi embora, largou e cheguei tomando conta, sozinho e Deus. Aí comecei, aí nós lutando, lutando, lutando pra sair moradia. Aí Maluf me chamou - o telegrama está aqui, vou te mostrar depois - aí eu fui. Fui lá, cheguei lá e ele falou: “Está aprovado lá”. Aí, eu... como é que chama o colega, o ajudante dele, o secretário dele, passou a caneta e falou: “Toma, Adão, a primeira moradia que vai sair é a sua”. Aí começou a fazer o alojamento lá em cima, perto do Carrefour, naquele espaço vazio ali, aí fez moradia pra nós lá e eu fui tomar conta lá em cima também. Porque lá embaixo já estava começando, estava quase pronto. Fazia vinte apartamentos e mudava vinte pessoas. Aí vinha vinte pra cá, pra cima, saíam vinte da favela. Era assim, um vai e vem. Aí eu fui tomar conta lá em cima, deixei tudo em ordem, aí nós mudamos. Mudamos e pronto, foi só alegria.
P/1 – Como foi?
R – Foi alegria demais, gente. Subia e entrava naqueles apartamentozinhos ali. Eita, que beleza! Graças a Deus, saímos da favela. E saímos da favela e agradeço a Deus, muito, pelo conforto que ele deu a nós agora e vamos prosperar, cada vez melhor.
P/1 – E você estava sozinho, nessa época?
R – Não, nessa época já tinha um rabo de foguete (risos). Um rabo de saia, pra me acompanhar. Com ela eu tenho seis filhos.
P/1 – Qual é o nome dela?
R – Maria Dione Ferreira.
P/1 – E como vocês se conheceram?
R – Sei lá, fui num aniversário lá onde ela morava, na pensão lá embaixo, na Voluntários, cheguei lá e ela já tinha namorado. Cheguei e olhei assim e falei: “Espera aí, eu vou pegar essa morena, cor de urubu sem pena, pode deixar” (risos). Conversei com ela e ela falou: “É nós, vou largar esse namorado aí, que ele não tem futuro, não”. Aí eu comecei e pronto, aí juntamos os panos e aí fomos tomar conta de um posto, lá na Santa Izabel. Mas não era Santa Izabel de fora, não, é uma que tem aí na cidade mesmo. Aí, fui pro posto trabalhar e levei ela pra lá, falei: “Vamos embora!” Levei pra lá e continuei a trabalhar. Aí o português vendeu o posto lá pra outra pessoa e eu falei: “Vou ficar aqui mesmo”. Gostei, aí fiquei. Aí voltei pra cidade de novo. Fui lá pra Eduardo Prado, sabe onde? Lá na Santa Cecília. Aí cheguei lá e fiquei lá tomando conta de posto, aí lá eu fiquei. Aí falei: “Agora é minha última vez”. Fiquei lá muito tempo. Aí depois falei: “Vamos embora”. Voltei pra favela de novo. Era favela ainda. Aí, chego em casa: “Adão, você é bom pra tomar conta de posto, né? Você é bom manobrista”. Eu falei: “Vixe” “Vamos tomar conta do meu posto lá, que eu tô sem ninguém”. Eu falei: “Vamos, ué”. Aí, cheguei e fui tomar conta de posto lá, na Doutor Zuquim. Vocês conhecem? Vocês não conhecem nada pra lá? (risos).
P/1 – E por que vocês voltaram pra lá?
R – Pra onde?
P/1 – Pra comunidade.
R – Eu morava lá, uai.
P/1 – Ah, você trabalhava…
R – Eu tinha meu barraco lá.
P/1 – Ah, entendi.
R – Aí fui embora. Depois eu falei: “Sabe de uma coisa? Vou arrumar outra firma pra trabalhar”. Aí fui pra essa firma, fiquei seis anos e sete meses trabalhando. Aí chegou a época de aposentar e eu falei: “Agora está do jeito que eu gosto”. Aí me aposentei. A bola me deixou isso aqui, pra operar o joelho.
P/1 – Você operou?
R – Vou operar. Operei uma vez e tenho que operar outra.
P/2 – ‘Seu’ Adão, voltando um pouquinho, quando que foi... você lembra a época que o senhor foi pra Zaki Narchi a primeira vez, pra construir lá?
R – Barraco pra nós construirmos foi em 1977, parece, não tinha nem a ponte do outro lado.
P/2 – E já tinha a associação, naquela época?
R – Não, fomos nós que arrebentamos tudo lá e começamos a fazer barracos, fincava uma madeira e fazia só um barraco e dormia num quarto só, por enquanto. Aí depois dividia. Pra fazer rápido, que às vezes podia chegar… inclusive o pessoal do shopping, Otto Baumgart lá, queria impedir nós fazermos lá. Eu tenho até, acho que não trouxe não, um papel mostrando: “Quem mora no Cingapura é dono do seu apartamento”. Esqueci de trazer.
P/2 – E quem organizava as coisas lá? Quem que dividia?
R – Nós, fazíamos tudo num padrão, pra poder caber todo mundo. Aí começamos. Graças a Deus está tudo pronto lá, todo mundo morando em paz. Uns venderam, porque tem o olho maior que a barriga, acharam que, se vendesse, estava melhor do que está. Tem gente que vendeu e voltou de novo, procurando.
P/1 – E como era época, quais eram os desafios?
R – É, menina, eu sofri igual gente grande. Esqueci de falar: eu tinha uma barraca de pastel, vendia pastel de manhã, pra mais tarde nós subirmos lá pra Secretaria de Habitação, pagar passagem. Foi duro, ia pra lá e conversava com a secretária, com todo mundo lá e, vixe, meu Deus do céu, era um sacrifício, com a secretária da habitação. Ainda bem que tinha uma secretária da habitação lá que era mineira, a Maria Tereza. Acho que tenho o papel dela aqui.
P/2 – Pra conseguir a moradia, você ia?
R – É. Eu ia. Todo mundo lá me considera pra caramba.
P/2 – O senhor quer mostrar agora ou a gente pode ver depois?
R – Deixa eu mostrar. Pode abrir e olhar, você vai ver só coisa boa aí.
P/1 – ‘Seu’ Adão, como foi fazer parte das transformações da comunidade?
R – Quem?
P/1 – Você, você estava transformando a vida das pessoas.
R – Ah, eu sou braço direito lá.
P/1 – E como era se envolver e fazer as pessoas se envolverem?
R – Batalhava todo mundo junto só lá, porque pra sair era Deus e eu, pra resolver problema lá. E nós sempre trabalhando, trabalhando, trabalhando e quando acontecia uma coisa, mandava _________ esse aí: “Leva pro ‘seu’ Adão”. Aí tem foto.
P/1 – Eu queria saber melhor como foi esse período de construção, de envolver as pessoas?
R – Lá foi o seguinte: nós fizemos os barracos, setecentos barracos, setecentas famílias, aí o Maluf já sabia lá quantos barracos tinham, tinham que mandar pra lá as cópias, né? Sabia quantos barracos tinham, quantas pessoas tinham, setecentas famílias. Aí pronto, fez as moradias, nós entramos pra dentro, Deus ajudou a estar todo mundo em paz. Os ‘zóião’, os olhos grandes venderam os deles e foram embora, agora estão arrependidos. Morreu um bocado de gente também, porque a pessoa não está pra semente. Mas enquanto está vivo, está aí, eu estou aí. Levanta aqui, cai ali, levanta ali e eu tô sossegado, enquanto Deus quiser. Quando Deus não quiser mais, ele fala: “Vem, meu filho”.
P/1 - E, ‘seu’ Adão, o senhor lembra como foi montar a associação?
R – Não, foi fácil. Foi só os caras escolherem o pessoal e falaram: “O Adão vai ser o presidente”. Aí pronto. E a voz do povo é a voz de Deus, né? Aí comecei, pá, pá, pá, fiquei vinte anos num sofrimento danado. Que tudo era eu que tinha que correr atrás.
P/2 – E tinha quem ajudasse?
R – Tinha alguns que tinham boa vontade de ir. Alguns estavam trabalhando: “É, ‘seu’ Adão, não dá pra ir, não”. Aí eu falava: “Tá bom, não dá pra ir, eu vou fazer o quê? Vou sozinho, na companhia de Deus”.
P/1 – ‘Seu’ Adão, quais eram as atividades que você fazia, como presidente da associação?
R – Tudo que você pensar, tinha. Era doação que vinha pra nós. Inclusive, o delegado lá do DEIC [Departamento Estadual de Investigações Criminais], quando os presos faziam greve e não queriam comer, eles mandavam tudo pra nós, pro Centro Comunitário e eu dividia com as pessoas da favela.
P/1 – Que outras coisas aconteciam lá?
R – Comida, cesta básica. Vinha caminhão cheio de cesta básica, pra fornecer pra gente.
P/1 – E você que articulava tudo?
R – Era.
P/1 – E como era isso, pro senhor?
R – Mas tinha os membros da associação, eu deixava tomando conta, fazia as entregas das cestas básicas, pronto.
P/1 – E por que vocês montaram a associação?
R – Porque tinha muita gente que não tinha lugar pra morar. Eu não, não estava nem aí, porque o lugar em que eu trabalhava tinha moradia. Mas eu falei: “Tô sofrendo, tô trabalhando aqui, eu tenho que fazer o meu apartamento aqui também”. Aí fiz.
P/2 – E de que ano a que ano o senhor foi presidente?
R – Nossa Senhora, desde 1980, até - 1980, 1990 - 1996, 1997, por aí. Muitos anos. Em 1993 foi o começo, né? Aí fizemos o Centro Comunitário de alvenaria, tudo bonitinho, pra receber as pessoas. Aí vinha o pessoal da prefeitura, nos ajudavam. Faziam as reuniões no Centro Comunitário. Você vê, os melhores apartamentos foram lá. Tem esse aqui da Freguesia do Ó, que passamos em frente dele, tem Parque Novo Mundo, Benfica - temos tudo lá os papéis - Parque Novo Mundo, Imigrantes. Tem um bocado de apartamento que o Maluf fez.
P/2 – E como era o entorno da comunidade?
R – Bom, não era ruim, não. No lugar tem sempre uma pessoa que complica a gente, mas não tinha problema não, todo mundo era… quando não tratava bem, encostava lá: “Ó, vai respeitar a comunidade, hein, meu. Não é assim, não”. Aí: “Tá bom!” Mas era um pessoal tudo unido.
P/2 – E quando teve o primeiro incêndio, foi quando?
R – A data eu não lembro mais não, foi em 1980, por aí. Mais ou menos 1980.
P/2 – E aquele grande, que o senhor mostrou pra mim no começo, foi em 1996, o senhor ainda estava na associação?
R – Em 1996? Estava, fiquei muito tempo lá.
P/2 – E como era depois dos incêndios, que o fogo passava?
R – Não, passou uma vez só. Aí construímos de novo, pegamos a madeira e construímos de novo, que era de madeira ainda. Construímos e deixamos tudo em dia pro marido e a mulher, porque a menininha, filha deles, morreu no incêndio. O pessoal a culpou, mas não sei pra onde ela tinha ido, ela e o marido.
P/1 – E como foi se tornar pai, Adão?
R – Foi bom demais. Minha filha mais velha tem 39 anos, os dois gêmeos têm 38 e tem o outro, que tem trinta e pouco, o Reginaldo, a Daiana e essa aí, a Nanda. Seis, três homens e três mulheres.
P/1 – E você lembra da sensação que foi ter o primeiro filho?
R – Eu lembro que eu tinha ido pro serviço, no posto. Minha mulher foi lá pro Hospital Santa Cecília, ganhou a criança lá e veio embora.
P/1 – E seus filhos cresceram lá na comunidade?
R – Cresceram tudo lá.
P/1 – E como era? Vocês conversavam, você tinha alguma preocupação?
R – Meus dois gêmeos são crentes, evangélicos.
P/1 – E vocês conversavam?
R – Trocava ideia, mas naquela época não tinha esse negócio de dar boa vida pra menino estar na rua bagunçando, não. Era de castigo. Vai estudar e seu pai trabalha pra cuidar de vocês. Por isso que hoje, graças a Deus, meus filhos tudo respeitam os outros. Nenhum foi criado no meio da confusão, não. Depois a minha filha mais velha, a Daiana, começou a desandar, eu falei: “Aqui em casa não entra, se você for desandar, você pode ‘cascar’ fora”. Ela procurou o destino dela, foi ‘cascar’ fora, se danou detrás das grades.
P/1 – O que é se danar, ‘seu’ Adão? O que é isso, pra você?
R – É uma palavra, caçar um lugarzinho que não nos atrapalha. Comigo era assim, não tinha esse negócio de estar dando boa vida, não.
P/2 – E quais foram as principais transformações que o senhor viu acontecer na Zaki Narchi?
R – Ixe, menina! (risos) É duro ali, nossa, meu Deus do céu! Ali foi muita coisa boa e ruim. Sabe que todo lugar tem isso. Não adianta você querer falar que esse lugar é bom, bom. Bom pra quem sabe viver, pra quem sabe respeitar os outros, pra quem anda no caminho certo. Aí é bom. Mas pras pessoas que não sabem viver, minha filha, só quebram a cara. E como eu estava falando com vocês: era um atropelo de gente ali, minha filha, passavam carros a cento e vinte por hora. Aí nós corremos atrás da lombada lá no Detran e falamos: “Se vocês não colocarem lombada lá, nós vamos fechar a avenida”. Aí eles vieram, arrumaram, fizeram lombada direitinho pra gente. É tão fácil, né? Rapidinho faz. Aí pronto, aí melhorou, que o cara chega e para na lombada, pra passar, dá tempo da pessoa atravessar o asfalto. Agora lá está tudo bem, graças a Deus.
P/2 – Tinha muito atropelamento antes da lombada?
R – Tinha. Só de atropelo lá morreu um, dois, três, acho que quatro pessoas.
P/2 – E era o pessoal lá da Zaki Narchi?
R – Da comunidade mesmo.
P/2 – E como era a relação de vocês com o Poder Público? Eles respeitavam?
R – Respeitavam, naquela época ninguém procurava confusão com ninguém, todo mundo numa boa. Hoje você vê que o tempo mudou, mudou tudo, ninguém respeita ninguém, está assim. Moleque novo não respeita os mais velhos: “Qual é, tio?” Aquela piadinha. Mas se você ver o que nós passamos, minha filha!
P/1 – Quer contar um pouquinho?
R – Não, faz a pergunta, que eu respondo.
P/1 – Queria saber quais foram essas dificuldades.
R – Naquela época todo mundo passava um pouquinho de dificuldade, porque o pessoal não tinha muita coisa, aí vinha doação pra nós. O japonês que morreu lá na Vila Carrão, todo ano ele trazia ovo de Páscoa pras crianças. Todo ano, eram dois mil, três mil, quatro mil ovos de Páscoa. Depois que ele morreu não veio mais, porque ficou só a mulher dele, mas ele sempre estava lado a lado com a gente, lá na comunidade. Ela se candidatou pra deputada federal, ele se candidatou pra vereador, aí deu câncer e morreu.
P/1 – E, ‘seu’ Adão, como era, pra você, trabalhar em comunidade, junto de outras pessoas?
R – Não era ruim, não. Sabendo domar o povo, é a mesma coisa que domar um animal (risos). Você chega, conversa direitinho, faz reunião, fala com o povo, o povo responde, trata a gente bem. Graças a Deus lá, por que eles me chamam pra vir? Porque o presidente lá agora não tem tempo, trabalha, lá quem toma conta mais são as mulheres. Mas lá está bom agora também, sempre tem cesta básica, ajuda, o presidente é boa pessoa, não é ruim, não. Ele ajuda muito também.
P/1 – E quais são as diferenças daquela época pra hoje?
R - Ah, hoje nós estamos no céu, graças a Deus. Naquela época era um favelão doido lá, que você morava dentro, a luz não era tão boa igual é agora. Porque agora está legal, naquela época eram uns postes, televisão eram aquelas televisõezinhas coloridas, mas eram dessas antigas, de válvula. A vida, eu vou te contar, minha filha. Se for pensar bem…
P/2 – E, ‘seu’ Adão, lá na Zaki Narchi o senhor ensinava os meninos a jogar futebol?
R – Eu jogava, joguei junto com o Gugu, [por] muito tempo. Esse que veio trazer nós.
P/1 – E como era dar aula pros jovens?
R – Bola? Não, nós não dávamos aula pra ninguém, a gente ia jogar nossa bola. Eu joguei pra caramba, moça, se eu contar os times que joguei aqui… meu time era o Boa Esperança.
P/2 – E essa medalha aí, do que é?
R – Bola, graças a Deus!
P/2 – Quando o senhor ganhou?
R – Faz tempo, tem mais lá.
P/1 – Que time era?
R – Troféu tem bastante, acho que você deve ter visto de relance algum troféu lá, troféu tem bastante.
P/1 – Com que time você ganhou?
R – Boa Esperança.
P/1 – Boa Esperança, que legal!
R – O nome da favela.
P/1 – E, pensando em todo esse tempo que você está na comunidade, que momento foi o mais marcante, pra você?
R – Mais marcante foi na entrega dos apartamentos, nós agradecemos muito a Deus e ao Paulo Maluf, que Deus o abençoe, que ele está cai aqui, levanta ali e a onça atrás, mas está bom (risos).
P/1 – Foi um momento importante, né?
R – Foi um momento importante, menina. Quando eu fui lá, que ele assinou lá, aprovando a moradia, a Doutora Maria Tereza também foi boa, a secretária dele. Ela fez, ainda sabendo que eu era mineiro.
P/1 – E que outros trabalhos o senhor fez?
R – Na comunidade? Corri atrás de muita coisa, moça. Moradia, eu sempre estava junto com os caras, construindo. Vocês viram os livros, acho que nem na Secretaria da Habitação não tem esse livro, mas diretamente, "toma Adão".
P/2 – E o alojamento, como era?
R – O alojamento era de primeira qualidade, tinha luz, água, tudo encanado. Banheiro separado dos homens e das mulheres, muito bom, muito bom!
P/2 – E servia pra que, o alojamento?
R – Pra morar.
P/2 – Mas era provisório?
R – Provisório. Era assim: mudava vinte pessoas pro alojamento, desciam vinte pessoas. Mudavam vinte pra cá, desciam mais vinte. Era assim. Vinham tudo pronto, pra levar a mudança.
P/1 – E nessa época _______ com o quê?
R – Com a comunidade.
P/1 – E fora da comunidade?
R – Não podia trabalhar, não.
P/2 – Não dava tempo?
R – Não dava, não. Minha vida era um dilema.
P/1 – Um dilema? E sua esposa ficava com seus filhos?
R – Era, mas nós morávamos todos juntos no alojamento. Sempre rodando por lá, olhando como é que estava um barraco, como é que estava outro, como é que estava a pessoa. Às vezes o marido brigava com a mulher lá e queria enforcar a mulher e tinha três caras que me ajudavam a correr atrás do prejuízo, nós chegávamos lá e botávamos a mulher pra bater no homem. Não tinha disso não: “Mete o cacete nele”. E ela metia o cacete pra cima. É certo um homem bate numa mulher? A mulher aguenta um homem, por acaso?
P/2 – E como é que foi, quando sua esposa morreu?
R – Eu já tinha largado já, já tinha vindo embora pra São Paulo. Morreu lá em Minas mesmo, na cidade de nome Caratinga.
P/2 – Essa foi a primeira, então? Aí depois o senhor veio pra cá e casou com a mãe dos seus filhos?
R – Casei não, juntei (risos).
P/2 – Juntou com a mãe dos seus filhos?
R – Foi (risos).
P/2 – E como era o nome dela?
R – Maria Dione Ferreira. Mais uma pergunta?
P/1 – (risos) O que mais, ‘seu’ Adão? Eu queria saber como era sua relação com as pessoas lá, você tinha muitos amigos?
R – Boa, graças a Deus, muito boa!
P/1 – Muito boa? E tem algum amigo muito marcante?
R – Tem, mas já morreu, né?
P/1 – Ah, tudo bem!
R – Tem muita gente amiga minha lá. Tem os que Deus levou, eram amigos mesmo, amigos de fechar mesmo. Tem o Davi lá também, tem gente que veio de fora e me considera, graças a Deus. Tem gente que chega me procurando ainda: “Ô, ‘seu’ Adão, como é que eu faço isso aqui?” Procuram endereço, que eu tenho o nome de todo mundo lá dos prédios que mudou, está todo mundo à vista, tudo lá. Aí eu chego e explico direitinho qual o apartamento, qual o bloco.
P/2 – O senhor foi catalogando tudo?
R – É fácil, porque você tem a lista. Só pegar e olhar.
P/1 – ‘Seu’ Adão e como a pandemia impactou a comunidade?
R – Nossa, Deus, menina! Vou te falar: como é que pode, meu Deus? Eu falei que essa pandemia não é do mundo aqui embaixo. Esse pessoal vai ver lua, mexer com coisas de Deus. E Deus disse: “Quando o homem souber mais do que eu, eu vou...”. E está vendo o exemplo que está dando. Não, não é daqui, não, isso aí. Isso é doença que veio lá do outro mundo, que sobe pra lá, pra escarafunchar a terra lá e traz essas doenças pra cá.
P/2 – E como foi lá, na Zaki Narchi?
R – Lá morreu um bocado de gente também. Em todo canto, morreu gente, em todo lugar.
P/1 – E como a pandemia impactou a sua vida?
R – Eu sempre andava na regra certa, quando falou: "use a máscara", eu estava sempre de máscara. Sempre eu tenho minha máscara lá, passo um pouquinho de álcool nela, pra lavar. E pronto, tô aí. Evitar é melhor do que curar, né?
P/1 – E, ‘seu’ Adão, o que representa pra você morar na Zaki Narchi?
R – Representa tudo. Representa um agradecimento muito à Deus e ao Paulo Maluf, que ele e a ajuda de Deus, montou a moradia pra nós, lá. Aí fez o nosso e começou os outros. O nosso é o primeiro bloco. O primeiro. Pode olhar, pra você ver, eu tenho a lista lá, primeiro bloco feito foi lá, primeiro apartamento do Cingapura.
P/1 – E qual foi a importância da comunidade, na sua história?
R – A comunidade foi boa, moça. Todo mundo respeitava naquela época, todo mundo respeitava a gente. Tudo que ia fazer perguntava: “Oh, ‘seu’ Adão, vai pra onde?” “Tô indo pra tal lugar. Vou lá, resolver os problemas”. Ia lá, acho que tenho um papel aqui que mostra que eu saí de lá e não foi ninguém comigo, eu fui sozinho conversar com a secretária lá, Maria Tereza. Cata o papel aí. Se eu não esqueci lá, acho que tá aí.
P/2 – ‘Seu’ Adão, e como é o seu dia a dia hoje, o que o senhor faz?
R – Eu sou aposentado, graças a Deus. Dia a dia é só sossego. Enquanto eu não operar esse joelho, eu não posso andar muito, pra forçar. Eu vim mesmo, que é pra atender vocês aqui. Sempre assim, as meninas foram lá, andamos - aquela época podia, sossegado - a favela, rodamos, mostrei pra elas como é que era, como é que não era. A Lilian e a Paula.
P/2 – Você diz do livrinho?
R – É, pode olhar aí, pra você ver que está tudo certinho.
P/2 – E quando foi que elas fizeram, o senhor lembra?
R – Ixe, meu Deus do céu, muitos anos atrás.
P/2 – Depois a gente pode ver, a gente dá uma olhada.
R – Pode ver. Tem a data.
P/1 – E, ‘seu’ Adão, quais são as coisas mais importantes pra você, hoje?
R – Importante é ter minha moradia, com a graça de Deus, sossegado. Família tudo boa, meninos tudo bem-criados, graças a Deus. E levando a vida. Tem um menino aí que é muito boa pessoa, o Gugu, jogava junto com a gente.
P/2 – E quais são os seus sonhos?
R – Meu sonho já passou. Agora é só viver e esperar até o dia que Deus fala: “Vem, meu filho, vem embora. Você já viveu demais”. E é só.
P/1 – E, ‘seu’ Adão, você gostaria de contar alguma outra história, falar sobre algum momento da sua vida importante, ou deixar alguma mensagem?
R – Não. A minha vida foi essa que eu falei: sempre lutando pelo povo, que é importante. Nunca você deve falar assim: “Eu sou eu, adquiri um coco, só”. Eu não, eu ajudo os outros, sempre tô batalhando pelas pessoas. A pessoa chega reclamando e eu tô ajudando, porque meu norte foi esse, meu destino é esse: ajudar quem precisa. Estão meus filhos aí, eles falam: “Pai, mas o senhor quer ajudar todo mundo?” Eu falo: “Não é assim, não, meu filho. Você sabe como é, a vida…”. Você vê, todo mundo tem moradia, meus filhos, nenhum tem. Porque eu sempre os corrigi, eu dizia: “Ó, você não tem moradia, mas não vai invadir o que não é seu, não”. Porque antigamente chegavam, invadiam um barraco lá e botavam a pessoa pra correr, né? Eu falei: “Não, nada disso!” Fica na sua, um dia Deus te dá.
P/2 – E o que o senhor achou de ter contado sua história hoje, aqui?
R – Excelente, boa coisa. Muitos anos que eu não faço uma entrevista. Olha quanto tempo essas meninas foram lá. Naquela época eu era mais jovem, né? Tinha mais…
P/1 – Vamos ver suas fotos, então? Ver o livro?
R – O livro, pode ver. Você quer o livro dos apartamentos primeiro, né?
P/1 – A gente pode, talvez, parar. Não sei. A gente para de gravar e aí senta e escreve o roteiro.
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