Projeto: Ernst & Young - Mulheres na Tecnologia
Entrevista de Denise Marconi
Entrevistada por Lucas Torigoe
São Paulo, 25 de junho de 2023
Código da entrevista: MTS_HV004
Revisada por Grazielle Pellicel
(00:35) P1 - A gente começa com uma pergunta sempre muito difícil, que é o seu nome completo, local e data de nascimento.
R - Bom, Denise Salgado Marconi, eu nasci em Piracicaba, no dia 31 de dezembro de 1970. E é isso!
(01:00) P1 - Me conta então como foi o dia do seu nascimento, segundo seus pais.
R - Foi bem tranquilo! Eu sou a segunda filha, tenho dois irmãos, uma irmã mais velha e um irmão mais novo. Então, eu só a segunda. Foi uma gestação bem tranquila, minha mãe conta. E eu nasci na madrugada do dia trinta para o dia 31, então segundo os meus pais foi o Réveillon mais feliz da vida deles. Foi no hospital, mas com o meu nascimento. Então, é uma data bastante curiosa para fazer aniversário.
(01:38) P1 - Estava marcado para ser esse dia?
R - Não, foi parto normal. Enfim, mais ou menos nessa época, mas não estava marcado para esse dia. Tanto que o médico estava viajando, o médico da minha mãe. E aí foi um outro médico que acabou fazendo o parto. Mas foi parto normal, enfim, foi bem tranquilo pelo que ela me contou.
(02:02) P1 - Conta um pouquinho da sua mãe. Qual é o nome dela?
R - Minha mãe, o nome dela é Sônia Maria Godinho Salgado, ela também é nascida em Piracicaba. Os pais dela são de origem portuguesa. Então o meu avô paterno é de uma família antiga de Piracicaba, os Teixeiras Mendes. Pelo lado de mãe é Salgado, porque eram portugueses mesmo, imigrantes de Portugal. E a minha avó materna, é de Bragança Paulista, também de família portuguesa, família Godinho. E de Bragança Paulista, até onde eu tenho família até hoje que vive em Bragança. Então, é uma família bem portuguesa mesmo, de tradições, principalmente o meu avô que falava muito da família, que contava muitas histórias da família...
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Entrevista de Denise Marconi
Entrevistada por Lucas Torigoe
São Paulo, 25 de junho de 2023
Código da entrevista: MTS_HV004
Revisada por Grazielle Pellicel
(00:35) P1 - A gente começa com uma pergunta sempre muito difícil, que é o seu nome completo, local e data de nascimento.
R - Bom, Denise Salgado Marconi, eu nasci em Piracicaba, no dia 31 de dezembro de 1970. E é isso!
(01:00) P1 - Me conta então como foi o dia do seu nascimento, segundo seus pais.
R - Foi bem tranquilo! Eu sou a segunda filha, tenho dois irmãos, uma irmã mais velha e um irmão mais novo. Então, eu só a segunda. Foi uma gestação bem tranquila, minha mãe conta. E eu nasci na madrugada do dia trinta para o dia 31, então segundo os meus pais foi o Réveillon mais feliz da vida deles. Foi no hospital, mas com o meu nascimento. Então, é uma data bastante curiosa para fazer aniversário.
(01:38) P1 - Estava marcado para ser esse dia?
R - Não, foi parto normal. Enfim, mais ou menos nessa época, mas não estava marcado para esse dia. Tanto que o médico estava viajando, o médico da minha mãe. E aí foi um outro médico que acabou fazendo o parto. Mas foi parto normal, enfim, foi bem tranquilo pelo que ela me contou.
(02:02) P1 - Conta um pouquinho da sua mãe. Qual é o nome dela?
R - Minha mãe, o nome dela é Sônia Maria Godinho Salgado, ela também é nascida em Piracicaba. Os pais dela são de origem portuguesa. Então o meu avô paterno é de uma família antiga de Piracicaba, os Teixeiras Mendes. Pelo lado de mãe é Salgado, porque eram portugueses mesmo, imigrantes de Portugal. E a minha avó materna, é de Bragança Paulista, também de família portuguesa, família Godinho. E de Bragança Paulista, até onde eu tenho família até hoje que vive em Bragança. Então, é uma família bem portuguesa mesmo, de tradições, principalmente o meu avô que falava muito da família, que contava muitas histórias da família dele, dos dois lados. O pai do meu avô foi militar em Portugal, veio meio que fugido na época da Revolução do Porto. E tem muita história que eu ouvia da família. E minha mãe hoje, ela é psicóloga, trabalha… ela se formou em 1980, fez faculdade depois que teve os filhos. E enfim, tem consultório. Hoje ela tem 79 anos, trabalha e adora o que faz. Sempre foi para mim uma referência muito forte, assim, até de mulher, de mulher que trabalha, mulher que buscou uma carreira, inclusive, depois de ter filhos. Então, enfim, acho que esse é um pouquinho da história da minha mãe.
(03:49) P1 - Me conta uma coisa, quem contava essas histórias para você?
R - Muito meu avô, o pai da minha mãe. Ele era um grande contador de histórias, gostava de contar histórias. Assim, ele chegava em casa, você podia ficar a tarde inteira ouvindo ele contando as histórias da família. Tanto do lado da mãe dele, quanto do pai. E a gente adorava escutar, eu sempre gostei muito de escutar essas histórias de família, eu acho muito bacana,quando a gente escuta história de família, até para entender de onde a gente veio, tudo que os nossos antepassados passaram. Do lado do meu pai também, são imigrantes italianos, então também tem histórias aí muito diferentes. E acho que o meu avô era o grande contador de histórias da família, com quem a gente, como eu falei, passava as tardes ouvindo ele contando essas histórias.
(04:44) P1 - Dessas teria alguma que ele contava mais?
R - Eu sou de Piracicaba, em Piracicaba existe uma faculdade de agronomia da USP (Universidade de São Paulo), a Esalq, que é uma faculdade bastante famosa e que tem muita ligação com a minha família. Então, meu avô, na verdade o meu bisavô, o pai dele foi um dos primeiros professores dessa faculdade, o avô dele era muito amigo do Luiz de Queiroz, a Esalq é a Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz. E o avô dele era muito amigo do Luiz de Queiroz. E aí eu tenho vários primos, meu pai foi professor lá também. E vários primos que estudaram. Então o meu avô contava muitas histórias disso, de como é que era toda essa vivência do avô dele, do Antônio de Teixeira Mendes, junto com o Luiz de Queiroz, toda história da Esalq. Então, acho que isso me marcou muito, tanto que eu tenho um amor muito grande, apesar de eu não ter feito agronomia, eu tenho um amor muito grande por essa faculdade. E eu brinco que talvez uma das minhas frustrações foi não gostar de agronomia, porque tem tanta história da minha família atrelada a isso, à história da Esalq, que talvez seria legal se eu tivesse feito. Mas, enfim, não gostava de agronomia, fui fazer outra coisa. E estou muito feliz também naquilo que eu escolhi.
(06:06) P1 - Conta um pouco da parte do seu pai?
R - Meu pai chama Arari Marconi, é um nome também diferente, Arari, e ele veio de uma família de imigrantes italianos. Então, os avós dele são imigrantes italianos, vieram, enfim, toda aquela história do Brasil, dos imigrantes italianos, do começo do século passado. Meus avós já nasceram em Piracicaba também, são todos de Piracicaba, eles se estabeleceram em Piracicaba. E a minha avó era uma grande avó italiana, que cozinhava muito bem, que tinha aquele acolhimento da família. Então, eu cresci também do lado do meu pai, com muito dessa questão dos Italianos, da cultura italiana. E isso é muito bacana, porque acho que são duas referências diferentes, a cultura portuguesa, a cultura italiana. E meu pai, ele é formado em Agronomia, ele estudou na Esalq. Quando ele se formou foi convidado a lecionar lá e ficou. Então, ele também estudou lá e foi professor, fez toda a carreira dele Universitária dentro da Esalq. Então, mestrado, doutorado, livre docência, até chegar a ser professor titular, que é o grau maior aí dentro da universidade. E se aposentou lá! Se aposentou com setenta anos. Enfim, teve uma história nessa área de pesquisa, nessa área de ensino, que também é muito bacana. Então, eu tenho pai professor universitário e mãe psicóloga.
(07:40) P1 - E você sabe como eles se conheceram?
R - Num carnaval! Piracicaba era uma cidade… Hoje tem quatrocentos mil habitantes, mas há sessenta anos atrás, era uma cidade menor. E minha mãe era da cidade e tinha os alunos da faculdade, em sua grande maioria homens. E eles se conheceram no carnaval e eles também moravam perto, então também se viam nos footings, como chamava isso na cidade do interior, que fica as pessoas andando na praça [pra paquerar]. E eles começaram a namorar no carnaval. Então, isso também é muito bacana e uma história bacana de como eles se conheceram, começaram a namorar. E enfim, aí casaram e tiveram os três filhos, que somos nós três.
(08:30) P1 - E você nasceu. Quais são suas primeiras memórias?
R - Lembro de eu na escola, na pré-escola, eu fui para escola acho que com três ou quatro anos, era uma escola que chamava Cigarrinha, que ainda existe em Piracicaba. Só que na época era numa chácara, então, assim eu lembro bastante de eu na escola, eu indo para escola. Eu lembro de eu brincando na Esalq, porque é um grande parque da cidade, na verdade, então finais de semana a gente sempre ia para lá brincar, ver as vaquinhas, ver os gansos, os patos, enfim. E eu lembro disso, devia ter, sei lá, três, quatro anos. Então as minhas primeiras memórias são dessa faixa etária de três, quatro anos, principalmente na escola e na Esalq, de brincar, estar brincando na Esalq.
(09:26) P1 - E vocês moravam tudo na mesma casa?
R - Sim! A gente sempre morou. Na verdade, assim, meus pais quando casaram foram morar num apartamento, mas [quando] eu tinha um ano de idade eles mudaram para uma casa. Então, eu sempre… A minha lembrança de crescer é nessa casa.
(9:44) P1 - E onde é essa casa? Se você pudesse descrever para a gente.
R - Era uma casa térrea, ela ficava na Avenida Duque de Caxias, no bairro Cidade Jardim, Jardim Europa, lá em Piracicaba, que é relativamente perto da Esalq. E era uma casa acho que normal, de classe média, uma casa térrea, três quartos, uma sala. O que era legal na minha casa, é que eram dois terrenos, então um terreno era casa e outro terreno era quintal, então a gente tinha um quintal muito grande, que tinha tanque de areia, a gente fazia, transformava esse quintal, era gramado, em campo de futebol, em quadra de vôlei. Então, era um lugar que a gente brincava muito e que a gente trazia os amigos também para brincar bastante, então eu tenho muitas memórias boas dessa área. Aí, depois, quando a gente cresceu, a gente já era adolescente, meus pais reformaram a casa e transformaram esse terreno numa piscina, que também foi muito gostoso. Era uma outra fase da vida. Então era uma casa muito gostosa e era uma casa muito alegre. A minha mãe sempre gostou muito de receber, sempre gostou muito da gente levar os amigos, então a gente tinha muitos amigos ali do bairro, amigos da rua e a gente tinha muito [eles] em casa. Então, assim, eu tenho essa lembrança de ser uma casa alegre, de ser uma casa onde a gente sempre teve muita liberdade de brincar, a gente escrevia nas paredes, isso até, sei lá, uns dez anos de idade talvez, meus pais deixavam a gente rabiscar, desenhar na parede. Então, assim, era uma casa muito gostosa, tenho boas lembranças da minha casa em Piracicaba.
(11:23) P1 - Você foi estudar em que escola depois?
R - Então, eu estudei nessa pré-escola, na Cigarrinha, depois eu fui estudar numa escola que chamava Assunção, uma escola de freiras religiosas, que eu também tenho ótimas lembranças dessa escola. Como a gente tinha muitos amigos no bairro, a maioria dos amigos desse bairro, das amigas estudavam nesse colégio, então era meio os amigos, as amigas da escola com do bairro. E foi uma época muito gostosa! Eu estudei lá até o terceiro ano primário. Eu lembro muito de uma professora, da tia Vera, que foi a professora da primeira série, que marcou. E é engraçado, eu pensando um pouquinho nas professoras, a tia Vera foi uma que me marcou, da primeira série, acho que pelo acolhimento, a gente aprendendo a escrever e ela era muito generosa, muito querida. E aí, depois, eu fui para o Dom Bosco, na terceira série. Na verdade, chegou nesse colégio uma diretora nova, que não foi muito bem, fez várias coisas que desagradaram muito, na época, os pais e as próprias crianças e muita gente saiu do colégio. Aí a gente saiu também e foi para o colégio Dom Bosco, que era um colégio de padres. Também religioso, mas de padres. E aí lá eu fiquei até me formar, como a gente chamava na época, [no] terceiro colegial.
(12:54) P1 - Nessa época, a sua mãe é que ficava mais em casa, é isso?
R - Minha mãe começou a fazer faculdade, eu tinha uns cinco para seis anos, então, assim, eu lembro também da minha mãe estudando, minha irmã tinha sete, minha irmã é dois anos mais velha e o meu irmão um ano e meio mais novo, então eu tinha uns seis anos, minha mãe começou a fazer faculdade. Então, eu lembro muito dela na faculdade, estudando, saía da aula para buscar a gente em algum lugar. E aí, logo depois, quando ela se formou, ela já foi trabalhar em consultório, numa clínica, que inclusive é a clínica dela que está aí até hoje. Então, eu lembro menos da minha mãe em casa, porque eu era mais nova, quando ela estava mais nesse papel de dona de casa, depois eu já lembro dela na época da faculdade.
(13:52) P1 - E na sua adolescência, você acha que mudou alguma coisa em relação a quando você era menor?
R - Eu acho que foi tranquilo, eu acho que fui uma adolescente muito tranquila. E eu escuto isso dos meus pais também, de não dar trabalho. E tem uma coisa que é legal na minha família, é o esporte, a gente sempre foi muito ligado ao esporte, nós três. Meu pai jogou basquete no XV, lá em Piracicaba. Na época, o XV de Piracicaba era um time forte. Então, meu pai teve muita essa questão, trouxe para a gente essa questão do esporte. Então, eu como toda menina fiz balé um período, que eu gostava também, e aí quando eu tinha onze para quinze anos, eu tive que escolher entre o balé e o vôlei e eu escolhi o vôlei, então eu saí do balé e fui jogar vôlei. E no clube, o vôlei, naquela época, eles estavam começando a investir muito nesse tema de ter esportes mais, não profissionais, porque a gente era criança, mas assim, federação, de federar, de participar de campeonatos. Então, eu fui jogar vôlei e nesse time de vôlei. E aí isso foi até a minha adolescência, primeiro e segundo colegial. A gente tinha muita essa vivência do esporte, então eu acho que isso foi muito bacana na minha formação, até o tema resiliência, trabalhar em grupo, esse conceito de colaboração, que eu tenho muito hoje na minha vida profissional, eu acho que vem muito do esporte. E o colégio também que eu tava, o Dom Bosco, também estimulava muito o esporte, então tinha Olimpíadas, tinha uma semana que o colégio parava, dividia o colégio inteiro em quatro times e fazia como uma olimpíada mesmo, do colégio. E aí, no colégio, eu jogava handebol, basquete, vôlei, então o esporte sempre foi muito presente na minha adolescência. E talvez por isso, e também, sei lá, pela minha característica, eu tive uma adolescência tranquila, nesse sentido, porque a gente tinha o foco muito grande no vôlei, nesse primeiro momento, e depois com outros esportes dentro do próprio colégio. E no vôlei a gente, na época, participou dos primeiros joguinhos abertos do Interior, quem é do interior sabe que os jogos abertos do interior é um grande evento esportivo que tem no interior de São Paulo. E na época teve o primeiro joguinhos aberto, foi em Americana, a gente foi campeã desses joguinhos, depois a gente foi federada, foi campeã do interior, disputou [o campeonato] paulista. Então, acho, que de novo, assim, foi uma época muito focada no esporte, dentro da minha adolescência. Eu acho que talvez por isso, foi uma adolescência talvez mais tranquila do que as pessoas normalmente falam quando são adolescentes.
(16:41) P1 - Durante esse período, você já pensava em fazer alguma coisa? Te incentivaram a isso ou aquilo?
R - Eu sempre gostei muito de matemática no colégio, sempre, então, assim, na minha cabeça eu ia ser engenheira, não sabia ainda direito qual engenharia, mas por eu gostar muito de matemática, de física, de química, eu achava que eu ia ser engenheira quando crescesse. E aí, ao longo da minha… principalmente do colegial, eu tive um professor que também me marcou muito, foi o Miguel, que era um professor de história, onde eu aprendi a entender história, não decorar como a gente fazia. E aí passei também a gostar muito da matéria história. Então, as duas matérias que eu mais gostava eram matemática e história. Então, quando eu fui prestar vestibular, na verdade, o primeiro vestibular que eu prestei foi de engenharia, eu não passei, eu queria fazer uma escola pública, uma faculdade pública. Mas eu ainda estava um pouco confusa, eu gostava tanto de história, será que é engenharia mesmo que eu quero? E aí eu fui fazer uma orientação vocacional e deu economia. Aí eu acabei fazendo o curso de Economia na faculdade.
(17:56) P1 - Isso com dezoito anos?
R - É, exatamente, com dezoito anos. Que aí eu fiz um ano de cursinho, aí prestei de novo vestibular, e aí eu passei na Unesp, em Araraquara, e fui fazer esse curso de Ciências Econômicas.
(18:12) P1 - Teve que se mudar?
R - Sim! Então, com dezoito anos eu me mudei, fui estudar em Araraquara. E foi uma experiência maravilhosa, eu acho que… eu sempre falei isso para os meus filhos, que no final os dois foram fazer faculdade no interior. Que estudar no interior de São Paulo, não só de São Paulo, mas estudar no interior, fora de uma grande capital, é uma experiência muito rica, muito rica assim, de aprendizado, de crescimento, de você morar sozinho. Eu morava em república, com mais três amigas. De saber conviver, diferente de você morar na sua casa com seus irmãos e morar numa república com pessoas que você nunca viu na vida. Então, acho que esse aprendizado de morar numa república, de estudar no interior e ter que se virar, literalmente, e numa época que não tinha um monte de facilidades que nós temos hoje, então, não tinha celular, a gente ligava para casa dos pais do orelhão da esquina, tinha lá o dinheirinho que era dado para a gente, não tinha toda essa facilidade que a gente tem hoje, cartão de crédito para todo mundo. Então, foi uma experiência muito boa. E eu fiz uma turma de faculdade que também era muito legal, porque todo mundo vem de fora quando você vai estudar no interior, pouquíssima gente é daquela cidade, a grande maioria vem de fora. Então, você meio que forma uma família mesmo, todo mundo de fora, todo mundo tem que se ajudar, todo mundo tem que fazer amigo. E eu passei esses quatro anos em Araraquara, estudando no curso lá. E foi uma época muito gostosa de faculdade. E eu tenho amigos dessa época que são amigos para a vida toda, eu brinco que as meninas da república são irmãs de coração, que a gente… enfim, nós nos mudamos para São Paulo, a gente trouxe a república para São Paulo e somos amigas até hoje, muito amigas até hoje.
(20:07) P1 - Vocês eram três?
R - Isso! Nós morávamos em quatro, uma era de Bauru, a outra de Pederneira e a terceira de São Paulo. Então, quando a gente estava no último ano de faculdade, naquela coisa: “E agora, eu vou voltar para Piracicaba? Vou voltar para Bauru?”. A gente conversando muito: “Gente, por que a gente não vai para São Paulo?”. E também, lógico, tinha todos os programas de trainees que a gente estava prestando. Mas aí a gente até mudou para São Paulo, eu ainda não estava empregada e nem uma outra delas estava empregada, só tinha uma que tinha passado no programa de trainee. Mas a gente: “gente, vamos para São Paulo, vamos tentar a vida em São Paulo!”. E aí, a gente se mudou para cá, a gente trouxe a república. A que morava em São Paulo voltou para casa dela e nós três viemos morar juntos aqui de novo.
(21:03) P1 - Como foi a faculdade para você? Quais matérias você mais gostou?
R - Bom, a faculdade foi muito bacana, até por eu gostar de matemática, eu gostava bastante das matérias que eram ligadas a matemática, microeconomia, estatística, gostava também de macroeconomia. E foi uma época, assim, muito bacana, de professoras também muito bacanas. E o campus da Unesp, lá em Araraquara, é um campus gostoso, é um campus grande, no meio do bosque, então, assim, a convivência ali, tanto com os outros alunos, quanto com os professores, era muito gostosa, muito rica! A gente tinha um professor, que era o João Furtado, que foi o nosso paraninfo, que foi meu orientador também, na monografia. E que acho que foi um grande professor para a gente, não só para mim, mas acho que para turma toda, que marcou muito a turma toda, pela forma com que ele dava aula, pela forma com que ele se preocupava com os alunos, pela forma com que eles estimulava os alunos, estimulava a pensar, o raciocínio crítico. Acho que isso é muito na faculdade, quando a gente está na faculdade esse estimular o pensamento crítico é uma das coisas talvez mais ricas que a gente tem na faculdade. E esse é um professor que fazia muito isso, tanto que tem alguns colegas, alguns amigos da faculdade, que seguiram a vida acadêmica, talvez muito influenciados por ele. E acho que de novo um pouco, eu gostava muito dessas matérias ligadas a matemática. E até hoje eu gosto muito, apesar de não ter ido para o campo da economia. Depois que eu me formei, eu caí na tecnologia. É uma coisa que eu gosto até hoje, eu gosto de ler muito livro de história, livros ligados a pensamento econômico, então é uma coisa que eu trago, apesar de eu não estar exercendo essa profissão, é uma coisa que eu trago ainda muito dessa época da faculdade.
(23:18) P1 - Era um período bem conturbado do Brasil.
R - Era! Eu entrei em março de 90, final de fevereiro de 90. Eu acho que eu tinha, sei lá, duas semanas, três semanas de curso de economia, veio o Plano Collor. Então, assim, foi um auê na época. Então, ter vivido isso dentro do curso de economia foi muito bacana também, porque foi um plano muito agressivo, muito agressivo, todos nós sabemos das consequências e tudo que aconteceu na época. Mas estar vivendo isso dentro de um curso de economia como bicho, como caloura na faculdade, então foi muito legal, porque várias reuniões, vários workshops, vários simpósios, muita discussão em cima disso. E o Brasil já vinha de outros planos, Plano Cruzado, Plano não sei o quê, e aí o plano Collor, que acho que foi talvez aí o mais agressivo de todos eles para a população, enfim, tudo que aconteceu. E estar vivendo isso ali dentro desse curso, na época, foi muito bacana.
(24:30) P1 - E quando você vem para São Paulo, você foi morar aonde aqui?
R - Então, eu vim para São Paulo, eu morava perto da Paulista, ali com essas duas amigas. A gente queria morar num lugar que fosse perto de metrô, a gente não tinha carro. E foi curioso, porque eu tinha… eu tinha, não, eu tenho família em São Paulo. A família da minha mãe, da minha avó materna, de Bragança, eu tenho parentes que ficaram em Bragança, mas muitos parentes que vieram para São Paulo. Então, durante a minha infância, adolescência, eu vinha muito para São Paulo. É até engraçado, eu lembro que quando inaugurou o metrô era um evento, era um passeio conhecer o metrô. Então, assim, São Paulo para mim não era uma cidade estranha, por um lado, mas por outro, era uma cidade que assustava muito, porque [tinha] muito trânsito, muita gente. Eu era de Piracicaba, estudei em Araraquara, então foi um pouco assustador no começo, [quando] vim para São Paulo, mas as poucos a gente vai se acostumando, vai se acostumando com o ônibus cheio, vai se acostumando com o metrô lotado, vai se acostumando com todas as coisas não tão boas, mas também com muita coisa boa. Eu acho que São Paulo é uma cidade que tem muita coisa para oferecer, para quem gosta de cinema, para quem gosta de teatro, para quem gosta de comer, para quem gosta de passear, então, aos poucos, eu fui me apaixonando por São Paulo, tanto que hoje eu não me vejo mais morando no interior, para mim São Paulo é a minha cidade. Então, acho que foi um tempo de adaptação, de se adaptar desse medo da cidade grande para se apaixonar pela cidade grande.
(26:15) P1 - Você era bem jovem nessa época.
R - Sim.
(26:20) P1 - Saiam muito? Como que era?
R - Saía! Nessa época eu tinha 23, eu era a mais velha na verdade. A Fabiana, a Erica e a Valéria, que são as três, elas eram mais novas. E a gente saía meio descobrindo São Paulo. Então, eu entrei num programa de trainee no Banco Real, a Fabiana entrou num programa de trainee em outro banco, a Érica no outro banco, então a gente também começou a fazer amizades aqui em São Paulo, que acho que é outra coisa, você vir para São Paulo também sem conhecer ninguém, tem também um período de adaptação. E a gente começou a fazer amizades. Então, eu tinha minha turma de trainee, a Érica tinha a dela, a Fabiana tinha a dela e a gente meio que começou a fazer essas amizades, e aí a gente saía. Tinha um bar, até que fechou, um bar na Vila Madalena chamado Bom Motivo, que a gente ia muito, que era um bar de música ao vivo, que era muito bacana na época. Então, a gente começou também a descobrir esses lugares em São Paulo que a gente gostava de frequentar. E a gente vinha muito aqui para Vila Madalena, então, assim, é engraçado, que [a gente] morava na Paulista, ali perto da Paulista, na São Carlos do Pinhal, depois eu morei na Luís Coelho, sempre aqui na zona oeste, então meio que eu formei a minha vida na zona oeste de São Paulo.
(27:36) P1 - Foi descendo?
R - É, exatamente, fui descendo: Pinheiros, Pompéia e Vila Romana, que é onde eu estou hoje. E aí acho que é isso, a gente foi conhecendo pessoas, foi conhecendo lugares e foi formando mais ou menos onde a gente, eu quis se estabelecer na cidade grande.
(27:58) P1 - Como é que foi ser trainee? O que você fazia? Como é que foi os seus primeiros dias?
R - Então, eu entrei como trainee no Banco Real, assim, não conhecia nada. Na verdade, na faculdade, eu fiz estágio na faculdade, iniciação científica. Era um programa, participei de um programa que chamava Pets, que era da Capes (Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), era um programa da Capes de iniciação científica, a gente fazia projetos, apresentava.
(28:25) P1 - A partir daí que você falou que era mais dinâmico?
R - Exato!
(28:28) P1 - E você entrou nessa consultoria específica?
R - Exatamente! Eu entrei nessa consultoria, na época chamava Pricewaterhouse, depois virou PwC (PricewaterhouseCoopers). E também, nessa turma de trainee, acho que é uma coisa legal também de comentar, a gente também tinha várias pessoas de fora de São Paulo, então a gente também formou ali um grupo muito bacana de amizade nessa turma. E aí eu fui trabalhar, quando eu entrei, a gente via muito consultoria de reengenharia de processos, era muito que se falava na época, reengenharia de processos. Eu era economista, pensei: “Vou entrar na área de reengenharia de processos”. E não! Eu entrei na área de Tecnologia. Então, a ‘Price’ estava na época montando, tinha acabado de comprar uma empresa e estava meio que montando uma área de implementação de pacotes e eu caí nessa área. E foi muito legal, porque para mim era uma coisa totalmente nova, eu não conhecia nada de Tecnologia. Quando eu me formei [era] quando o Windows estava começando. Então, assim, a minha monografia eu fiz em DOS… em DOS, não, em Word Pro, nem lembro como chamava, Lotus 1-2-3, Word Pro. Não tinha Windows na faculdade. E eu entrei como trainee e fui trabalhar em tecnologia. Eu não sabia nem mexer, eu pegava o mouse, tipo: “O que que eu faço com isso?”. Eu lembro do consultor mais sênior: “Denise imprime!”. E aí eu clicava quinhentas vezes, [ele]: “O que você está fazendo? Não para de sair coisas!”. Então, assim, eu não sabia nada de Tecnologia e caí nessa área de implementação. Na época, era um software financeiro, e aí eu fiz treinamentos… porque eu fui aprender uma coisa totalmente nova, e quando a gente fala de implementação de sistema, na época desse pacote financeiro, você não entregava PowerPoint, você não entregava. Não que seja errado entregar PowerPoint, mas você entregava transformação mesmo, você botava um sistema para funcionar, você ensinava as pessoas a mexer no sistema novo. Tinha uma transformação. E eu me encantei com isso, falei: “Não, esquece reengenharia de processo, é com isso que eu quero seguir. Eu quero ir para essa área de Tecnologia”. Isso foi [em] 1995, que é quando eu entrei nessa consultoria, cai nessa área, e daí comecei a minha carreira em tecnologia.
(30:54) P1 - Nessa época, as pessoas entendiam a importância da tecnologia, de implementação, ou era difícil convencer?
R - Era mais difícil do que hoje. Eu acho que hoje a tecnologia tem tudo, a gente vê, o nosso celular, a nossa vida hoje está no nosso celular. Então, hoje, você falar de tecnologia é muito natural, todo mundo entende o que é tecnologia. Quando a gente está falando de trinta anos atrás, quase trinta anos atrás… para você ter uma ideia, quando eu entrei nessa consultoria, a gente não tinha notebook, só os sócios tinham notebook, a gente trabalhava com computador no cliente. Então, a tecnologia era uma coisa muito distante das pessoas, mesmo dentro das empresas, não era todo mundo que tinha computador. Tinha muita coisa ainda em papel, muita coisa manual. Então você implementava um sistema, muitas vezes as pessoas começavam a mexer no computador naquele momento, então, além de você treinar na ferramenta, você tinha que treinar a pessoa a usar o computador. Que é o que eu comentei que aconteceu comigo, eu não sabia usar mouse. Então tinha muito esse processo da transformação das pessoas entenderem porquê elas tinham que usar um computador. Então, acho que esse processo, na época, era bem diferente do que é hoje, hoje todo mundo tem um computador, todo mundo que trabalha nas empresas tem o computador, tem o notebook, tem um celular, tem um tablet, então a tecnologia ela já é muito mais dentro da nossa vida do que era quase trinta anos atrás. Então, a gente tinha esse desafio adicional, até que a gente chama de gestão da mudança, de fazer as pessoas entenderem a nova forma de trabalhar, incluindo trabalhar com tecnologia.
(32:36) P1 - Na época eles tinham, até pouco tempo atrás, as escolas que ensinavam…
R - …a mexer com computador! Porque você ia para uma linha de produção… por exemplo, eu trabalhei com esse software financeiro e depois eu fui trabalhar com SAP, dois anos depois, nessa época, 1995, SAP estava chegando no Brasil e eu comecei a trabalhar com SAP em 1997. Então, muitas empresas ali na linha de produção, não tinham computador, era tudo manual, então você tinha que ensinar as pessoas a trabalhar. Então é uma mudança cultural muito grande, que de novo, hoje, talvez… a gente tem outros desafios hoje, mas esse talvez seja um pouco mais fácil.
(33:18) P1 - E, na época, quem tinha essas maiores experiências, era banco?
R - Não, não. Eu fui trabalhar muito com empresa de consumer products, que a gente chama, empresas de consumo, então, enfim… eu não sei se eu posso falar nome de cliente aqui…
(33:37) P1 - Se você falar, a gente pode cortar depois.
R - Então, eu fui trabalhar, o meu primeiro projeto SAP foi na (nome retirado), então foi um projeto muito bacana. E acho que aí tem um ponto que é legal da minha trajetória, que em 1997, não só a PwC, mas todas as empresas de consultoria, estavam mandando seus funcionários fazer o curso de SAP no exterior. Então, eu fui para os Estados Unidos, eu fiz academia, que a gente chamava, de Finanças, que era o modo de FCO, nos Estados Unidos, na Filadélfia. E depois eu fiquei mais cinco meses na Califórnia, em San José, num projeto. Então, isso para mim foi muito marcante na minha carreira, porque, primeiro do lado pessoal, eu já morava com meu atual marido, na época era namorado, então teve um desafio pessoal grande, de ficar longe esse tempo todo, sem WhatsApp, de novo, sem todas as facilidades que a gente tem hoje. E do lado profissional, de morar fora. Então, também, 1997, de novo, assim, era outra época em termos de facilidades. E morar nos Estados Unidos, numa cultura diferente, eu fui trabalhar numa empresa, fui trabalhar na Hyundai Eletronics, num projeto lá, também com gente da Coreia, gente da China, gente dos Estados Unidos. Essa diversidade multicultural, viver num país estrangeiro, entender também todas as fortalezas que o brasileiro tem. A gente tem muita essa coisa, sei lá, que o americano, o europeu, é melhor, entre aspas, do que a gente. Você vê que não é, o brasileiro tem muita coisa boa, tanto que muitos brasileiros se dão muito bem lá fora quando vão trabalhar. Então, acho que toda essa experiência de multicultura, de entender um brasileiro trabalhando fora, foi uma experiência muito marcante para mim, na minha vida. Foram seis meses de muito aprendizado, de muito aprendizado, de muito conhecimento. Eu morei com uma Argentina lá também, então também foi muito bacana. Não só essa interação com americanos, mas também com argentinos. Eu tive amigos argentinos lá, então foi muito marcante. Foi começo da minha carreira: eu entrei na consultoria em 1995; em 1997, eu tive essa experiência e acho que a partir daí muita coisa mudou também em termos de crescimento profissional.
(36:06) P1 - Essa academia, do que se tratava a formação?
R - Era uma formação no sistema mesmo, no sistema SAP. O sistema SAP é um sistema de gestão integrada, então tinha diversos modos: financeiro, compras, suprimentos, logística, manufatura. E eu me foquei, até pela minha formação de economista, no modo financeiro, que a gente chamava, que era o FCO, que é o finance control. E era um curso… eram cinco semanas de muito estudo. No final, tinha uma prova, então, assim, a gente estudava para caramba, porque tinha muita gente que não passava na prova. Então, assim, tinha aquela tensão [de] “vou passar na prova”. Então, foram cinco semanas de muito estudo mesmo, de estudo dos módulos: como faz o pagamento, como faz uma contabilização, como faz… de entender, por ser um sistema integrado, ele tem muitas amarrações. A gente chamava de academia, mas é um curso, é um curso de formação e certificação. E foi muito legal também, também na Filadélfia, estudando com gente do mundo inteiro, porque a maioria dos cursos eram dados nos Estados Unidos, naquela época, então tinha gente do mundo inteiro, da Europa, da Suíça, da Argentina, do México, da Ásia. Então, foram cinco semanas também muito legais, nesse sentido de conviver com pessoas muito diferentes da gente. Então, era um curso de formação mesmo.
(37:38) P1 - Você voltou para implementar?
R - Isso! Exato! Eu voltei, fui para um projeto, que era um projeto que já estava em andamento, projeto da Ferry. E aí na sequência eu fui para esse projeto da Saint-Gobain, que na época foi um projeto muito bacana, porque foram vários… a Saint-Gobain é um grupo, e a gente vendeu na época projetos em várias empresas, em paralelo. Então, foi uma época também, de muita gente aprendendo junto. Então, era um sistema novo no Brasil, como eu comentei, a SAP tinha chegado no Brasil em 1995, então também foi uma época de muito aprendizado e colaboração. Eu acho que isso também é uma coisa marcante na minha carreira, e isso é marcante na consultoria. A gente sempre fala que a consultoria é feita muito de colaboração, de team working, de trabalhar em grupo. E naquela época tinham diversos projetos acontecendo, todo mundo meio que aprendendo junto, então, assim, tinha muita colaboração, a gente fazia muito grupo de estudo, muita: “O que que você está fazendo nesse projeto aqui? Nesse outro? Ah, Fulano, tive esse problema, como é que você resolveu aqui?”. Da mesma forma: “Denise, como é que você resolveu tal coisa?”. Então, foi uma época de muita aprendizado. E a gente brinca, essa turma, desse período, também é uma turma que ficou muito amiga, a gente brinca que [é] nos perrengues que os laços se fortalecem. E é uma turma que ficou muito amiga também, dessa época, porque foi muito aprendizado e muito conhecimento que a gente adquiriu junto, em colaboração, então foi um período bem bacana.
(39:15) P1 - Tem um ‘q’ de pioneirismo aí?
R - Tem, tem, total, total! Porque também as empresas não tinham esse conceito de trabalhar integrada, então, sei lá, o pessoal fazia uma compra, aí mandava um papelzinho lá para a área de contas a pagar, e aí a pessoa de contas a pagar mandava… Então, assim, esse conceito de integração, não existia! Então, teve muito também esse tema de mudança cultural, de entender que a hora que você faz uma compra, isso vai impactar lá na contabilidade no final do processo. Então, todo esse trabalho de mudança cultural, de integração, de pioneirismo mesmo, de como as empresas passaram a se organizar, foi muito forte nessa época. Eu falo muito do SAP, mas também teve a Oracon, tinha o mesmo conceito, que depois eu trabalhei também com Oracon, mas tinha muito de pioneirismo e do tipo de projeto, acho que até então, eram projetos pequenos, então a gente implementava um projeto de contas a pagar, a gente implementava um projeto de manufatura. Quando chegou o SAP, a gente começou a implantar projetos da empresa toda. Então, assim, projetos que eram de dez, quinze pessoas, passaram a ser projetos de duzentas pessoas. Então, aumentou muito o nível de complexidade também dos projetos de tecnologia. Então, acho que também teve todo esse conhecimento e toda essa experiência que a gente começou a adquirir nessa época.
(40:42) P1 - Em paralelo, a questão de gênero apareceu para você nesse mundo, ou não?
R - Aparecia, mas eu acho que eu não tinha consciência. É interessante isso, porque naquela época, se hoje a gente tem poucas mulheres no mundo da tecnologia, imagina quase trinta anos atrás, pouquíssimas mulheres. E essa questão de gênero, a gente não prestava muita atenção, a gente não tinha muita consciência disso. Então, ouvia piadas machistas, era cortada em reunião, mas a gente não tinha muita consciência. Eu acho que eu passei a ter consciência, a prestar atenção e ter mais consciência disso, lá por 2003, 2004. Enfim, falando um pouquinho da história, eu estava na consultoria da PwC, ela foi vendida para IBM, em 2002, e eu fui para IBM nesse período. E acho que ali a gente começou a ter cursos sobre isso, então eu fiz um curso de mulheres na época, para mulheres, que eu achava, inclusive, que era bobagem. Curso para mulher. Tanto que assim, a primeira vez que eu fui convidada, eu não fui; a segunda, eu não fui; até que chegou uma hora, o meu líder me chamou, falou: “Denise, você tem que ir! Você é banco de talentos, você tem que participar!”, e eu fui! E aquilo mudou, mudou completamente a forma de eu enxergar esse tema de gênero. Eu acho que ali eu tive consciência e comecei a prestar atenção numa série de coisas que a gente não se dava conta. E aí, de novo, era uma época que tinha pouquíssimas mulheres na tecnologia. Hoje tem pouca, naquela época tinha menos ainda. Então, acho que isso foi um aprendizado e foi uma evolução de como a gente trata algumas coisas, não aceitar algumas coisas, tentar mudar outras coisas, que é o que a gente vem trabalhando aí nos últimos, sei lá, vinte anos. Pelo menos, eu venho trabalhando aí nos últimos vinte anos.
(42:52) P1 - Então, foi um momento que lembrou de coisas que aconteceram e percebeu diariamente.
R - É, por exemplo, ser cortado em reunião, era uma coisa que acontecia muito. Acontece até hoje! Quantas vezes a mulher é cortada em reunião, principalmente no mundo da tecnologia, onde você entra numa sala e você é a única mulher, ainda acontece muito isso, de você ir para uma reunião e ter vinte pessoas na sala e você ser a única, ou é você e mais uma. E aí uma coisa curiosa que eu aprendi nesse curso que eu tive de comunicação, a mulher nunca pode sentar na ponta, ela tem que sentar no meio, porque se você entra numa sala que tem vinte pessoas e você senta na ponta, é mais fácil ainda de te cortarem e depois disso, toda reunião eu sento no meio. Então, assim, esse tipo de coisa, de você falar uma coisa, o que a gente chama de mansplaining, você fala uma coisa, as pessoas não prestam atenção, aí um homem fala a mesma coisa: “Ah, nossa, que ideia maravilhosa!”. Então, isso acontece muito ainda, no mercado. E uma vez que você começa a ter consciência disso, e a entender o que está acontecendo, você também começa a se posicionar de uma forma diferente. Então, hoje eu já não deixo as pessoas me cortarem, como eu deixava a vinte anos atrás, hoje eu não deixo acontecer um mansplaining, como eu deixava acontecer há vinte anos atrás, mas porque eu tenho consciência. Inclusive, como é que eu também ajudo outras mulheres ou outras mulheres me ajudam. A hora que você tem a consciência de que isso acontece numa sala, você vê alguém fazendo isso com uma mulher, na mesma hora, se você percebe, você vai lá e resgata o tema, você ajuda também a não deixar mais isso acontecer. Então acho que esse tipo de conscientização, que para mim aconteceu há uns vinte anos atrás, foi um marco, um divisor de águas nesse tema de gênero. Até então, eu achava bobagem, eu achava que não tinha. Porque assim, até tema de assédio, que a gente fala muito hoje, a gente não achava que era. Então uma hora que você começa a perceber, fala: "Não, aquilo era assédio". Mas, enfim, você precisa ter consciência disso para poder começar a tratar e para poder começar a questionar e a se posicionar de forma diferente com relação a esses temas.
(45:24) P1 - Você acha que isso te impediu de subir na carreira, retardou algum processo?
R - Eu acho que no meu caso, não. Sendo bem sincera, acho que não! Acho que eu também sempre foi muito assertiva, algumas vezes me chamavam de mandona. Mas eu sempre fui muito assertiva, eu sempre fui muito focada na carreira, [com] o que [é] que eu tenho que fazer para o meu próximo passo. Então, acho que no meu caso, não, mas eu vi outras mulheres que sim. Inclusive, mulheres que desistiram da profissão, a gente viu muito isso, eu vi muito isso ao longo da vida, por ‘N’ razões, mulheres que estão indo bem, que estão no momento super bom de carreira e desiste por ‘N’ razões. Então, acho que no meu caso, na minha carreira, eu entendo que não, mas eu vi isso acontecer muito com outras mulheres ao longo da carreira delas.
(46:26) P1 - Você entrou na IBM e teve esse curso. Por que você acha que nesse momento teve esse curso? Foi só na IBM, ou outras empresas também fizeram isso?
R - Eu acho que fizeram isso, talvez em paralelo, ou depois. A IBM tem uma questão, assim, de diversidade já há muito tempo, então a gente tá falando isso em 2003, 2004. Então, a IBM, tanto nos Estados Unidos, como sede, sempre teve muita questão de diversidade, então tinha muitos treinamentos de diversidade, tinha grupos de afinidade. Acho que coisas que outras empresas fizeram depois, eu vejo que a IBM era um pouco pioneira nisso, na época. Então, isso em 2003, como eu comentei, 2004, a gente já tinha grupos de afinidade. Então, hoje é muito comum ter grupos de afinidade, todas as empresas têm. Será que em 2003, 2004, as empresas tinham? Eu não via muito, então acho que a IBM tinha muito isso na pauta, já naquela época, então por isso tinha cursos para mulheres, tinha programas de aceleração de carreira de mulheres, tinha benefícios para casais homoafetivos, coisa que a gente não via. De novo, isso hoje é muito atual, lá atrás, há quase vinte anos atrás, não era! Então, acho que a IBM teve um pouco esse pioneirismo, pelo menos a minha leitura do que eu vi no mercado. E tinha esse tema de gênero, então tinha curso de mulheres, para mulheres. Eu lembro que quando a Virginia Rometty era presidente da IBM, que foi a primeira mulher presidente da IBM, veio para o Brasil, tinha toda uma pauta de gênero, então ela quis falar com as executivas mulheres. E que foi uma reunião muito bacana, discutir com ela, ver que a presidente global de uma empresa de tecnologia tá querendo falar coisas executivas no Brasil. Então, acho que a IBM tinha muito isso. Eu saí da IBM em 2011, não sei como está hoje, mas na época que eu estive lá, isso era uma pauta bastante forte. É lógico que, assim, tem a questão da empresa puxando da pauta e tem a questão das pessoas, o quanto você, né, o walk the talk, o quanto as pessoas tiram do discurso para a prática, mas era uma pauta bastante forte.
(49:00) P1 - Na IBM, você viu alguma _______
R - Quando eu fui para a IBM, quando a PwC foi comprada, a divisão de consultoria, eu já era uma gerente sênior. Vamos pensar… então, eu já era gerente de projetos, eu trabalhava com SAP, depois eu fui trabalhar com Oracon, então, naquele momento eu já gerenciava projetos, projetos grandes de implementação, tanto de SAP, quanto de Oracon. E eu continuei a minha carreira lá e em 2004, eu fui, que acho que é um outro ponto marcante da minha carreira, eu fui para um projeto internacional, era na época o maior projeto de implementação de SAP, do mundo, e eu assumi uma função América. E também foi muito bacana, de novo, a questão da experiência multicultural. Então era um projeto onde tinha, a gente falava inglês o dia inteiro, com sotaque das mais variáveis possíveis. Então, tinha canadense, americano, mexicano, indiano, suíço, francês. Então, assim, era uma diversidade cultural, uma diversidade de formas de trabalhar, formas de pensar. [É] diferente você trabalhar com um americano e você trabalhar com um suiço, é diferente você trabalhar como um mexicano e com um indiano. E era um projeto que tinha tudo isso junto, então foi uma época de muito, muito aprendizado. Como eu tive quando eu fui fazer a academia de SAP, em 1997, também foi uma experiência que me marcou muito e que eu cresci muito com essa experiência multicultural. Porque não é só implementar o sistema, a gente fala que o sistema e a parte mais fácil, o difícil são as pessoas, o difícil é você fazer a mudança cultural e você saber aprender com diferentes culturas. E esse projeto trouxe muito isso. E aí eu fiquei, enfim, fiz esse projeto na IBM, depois eu assumi uma posição, eu saí desse projeto, eu assumi uma posição na América Latina, que também foi muito enriquecedora em termos de conhecimento e de conhecer outras áreas também de tecnologia. Eu acho que até o meu crescimento em tecnologia, porque até então eu trabalhava mais com implementação desses sistemas e eu passei a olhar outras áreas. Então, eu comecei a trabalhar com a área de software, com a área de hardware. Então, foi um período, foram dois anos que eu fiquei nesse papel América Latina, eu liderava aliança com SAP, que para a IBM era uma aliança muito importante e que transitava em todas as áreas da IBM. E foi um período muito enriquecedor, de conhecer todos os países da América Latina: eu ia para o México, eu ia para Argentina, muita discussão com a Colômbia, na época, com a Venezuela. Enfim, foi um período muito rico, de conhecer e de trabalhar com outras culturas e de conhecer outras tecnologias.
(52:07) P1 - Você tem alguma história, alguma pessoa que te marcou nessa passagem?
R - Não, porque assim, nos Estados Unidos, por exemplo, quando eu fui fazer o curso, a academia lá, e depois eu fui trabalhar nesse projeto na Califórnia, em San José, e tinha, enfim, gente da Coreia, americano, tinha gente da China. E uma coisa que eu achei bastante curioso, o brasileiro ele se vira muito. O brasileiro [é] assim: a gente tem essa característica, uma coisa, que… por exemplo, naquele projeto tinha, sei lá, cinco pessoas para fazer, aqui no Brasil a gente fazia com duas. Então, a gente tem essa característica de saber se virar. E quando eu cheguei lá, eu fui muito bem avaliada e eu ouvi muito isso: “Nossa, Denise, como você é criativa”. E assim, para mim era uma coisa normal, mas eles achavam aquilo super. Por isso, porque a gente tem muito essa característica, então isso para mim me marcou, nesse sentido de falar: o brasileiro é muito bom! E, de novo, a gente vê isso olhando [a] quantidade de histórias de brasileiros de sucesso que fizeram carreira fora do Brasil. Então, isso para mim marcou um pouco, de quebrar um pouco essa coisa de que: "Ah, estrangeiro é muito melhor do que a gente!". Não é! Todo mundo tem as suas qualidades, mas aquilo para mim foi meio marcante, de escutar que a gente que é brasileiro também é muito bom. Então, acho que isso para mim foi uma coisa marcante nessa época. Eu acho que o tema desse projeto global que eu fiz, também foi de entender essa questão da cultura. Às vezes você fala uma coisa de uma forma, o brasileiro também tem essa coisa de não ser tão direto e o americano é mais direto, o Alemão é muito direto e você entender que aquilo não é pessoal, que é a cultura. Então, acho que esse aprendizado também, de trabalhar com diferentes culturas e entendendo o que para cada cultura é uma característica. Isso que eu falo do aprendizado multicultural, de você entender que na hora que um alemão te fala uma coisa, assim, direta, ele não está te agredindo, ele realmente é assertivo, ele é direto. E a gente, não o brasileiro, mas o Latino de forma geral, tem um pouco a questão de querer ficar tendo cuidado de não parecer agressivo, quando, ás vezes, tudo bem você ser direto! Então, acho que toda essa experiência, principalmente nesse processo desse projeto global, eu acho que isso foi muito rico de entender essas diferentes culturas e aprender a trabalhar com essas diferentes culturas.
(55:02) P1 - Você saiu da IBM em 2011?
R - É, 2011. E aí eu voltei para PwC. Naquele momento as consultorias, que a gente chama de Big Four, então PwC, a EY, Kpmg, elas estavam recriando as suas consultorias de tecnologia, que elas tinham de desfeito anos antes, como foi o caso da PwC. E aí eu fui convidada para assumir uma área dentro da PwC, que era a área, que a gente chama de Enterprising Applications, que era para desenvolver a área de implementação. E eu entendi que naquele momento já tava… era um momento de fechar um ciclo na IBM. Acho que fiz muita coisa bacana lá, acho que foi uma história, um aprendizado enorme, dentro de uma corporation, de uma empresa global, e que tava na hora de abrir um novo capítulo, um novo ciclo. E aí eu aceitei o convite e fui para a PwC. E lá eu fui como diretora; dois anos depois, eu me tornei sócia, liderando essa área, liderando a área de applications, aí eu fui assumindo outras coisas. Então, era principalmente implantações de SAP, de Oracon, depois X-force, depois a parte de gestão de projetos, que a gente chamava de PPM (Product portfolio and program management). Mas sempre ligada a implementações, sempre ligada a projetos de transformação habilitados por tecnologia. Como a gente fala, porque a implementação, na verdade, é um projeto de transformação na empresa, que é a tecnologia que habilita toda essa transformação. E eu fiquei na PwC até 2019, então, quando eu tive o convite para ir para a EY assumir essa área que eu tô hoje, que é technology transformation solution delivery. Isso foi [em] fevereiro de 2019.
(56:54) P1 - Então é recente?
R - Recente, recente! Quatro anos e pouquinho. Eu entrei na EY, dia 15 de fevereiro de 2019. Um ano antes da pandemia. Exatamente!
(00:57:11) P1 - Vamos falar então um pouquinho da EY. _____ empresa de consultoria no geral.
R - Sim! Exato! A gente hoje… A gente tem uma área de consultoria de tecnologia muito forte. E até quando eu cheguei, que foi começo de 2019, a EY tava num movimento de investimento na consultoria de tecnologia, entendendo que a consultoria de tecnologia era um grande alavancador de crescimento. E hoje, enfim, a gente tem um time bastante grande e a gente atua em diversas áreas. Eu cuido especificamente do que a gente chama de technology transformation, que é toda parte do officer, do CIO (Chief Information Officer): estratégia de TI, jornada cloud, governança de TI. E também da área de solution delivery, que é a parte de implementação, aí muito focada em SAP, e (ServiceNow?), que é uma outra plataforma aí que tem crescido muito no mercado. E, além disso, eu lidero o movimento de diversidade, que é o Women in Tech, que é um movimento que a gente tem, um movimento global que a gente trouxe para o Brasil em 2020 e que tem aí como um propósito fazer com que meninas e mulheres entrem, permaneçam e prosperem no mundo da tecnologia.
(58:33) P1 - Me fala um pouquinho sobre a pandemia. Quando você entrou já teve a pandemia?
R - Um ano depois, um ano depois. Eu entrei em fevereiro de 2019 e a pandemia foi em março de 2020. Eu acho que foi um período muito difícil para todo mundo. Lucas, assim, em diversas questões, nas questões pessoais, nas questões profissionais. Principalmente a gente que trabalha com implementação de soluções, e a gente fazia muito projeto presencial e a gente tinha um pouco esse paradigma, que tinha que estar as trezentas pessoas na mesma sala fazendo um projeto. E do dia para noite isso mudou. Então, aquele início da pandemia, acho que foi um momento muito angustiante para todo mundo, no sentido pessoal, enfim, muita gente morrendo, acho que tudo isso que a gente passou. Mas no sentido profissional, do que que ia acontecer? Como é que a gente se reinventa? Em duas semanas, a gente teve que se reinventar e colocar… por exemplo, eu tinha um projeto bastante grande na época, [de] colocar duzentas, 250 pessoas em casa e fazer com que elas trabalhassem bem, juntas, de forma remota, numa coisa que a gente nunca imaginou fazer. Fora, a gente trabalha com consultoria, então o que que os clientes vão fazer? Será que eles vão parar os projetos? Será que eles vão continuar? Então, tinha muito esse receio do que [é] que os clientes também fariam naquele momento. Enfim, acho que, de novo, acho que foi um processo de aprendizado muito forte, que a gente teve ali, da gente virar rapidamente. Acho que a gente virou rapidamente, os clientes viraram rapidamente. Tanto que hoje, a gente tem cliente que não quer que a gente vá mas fisicamente, agora é tudo remoto. E é engraçado isso, tem cliente que quer, tem cliente que não quer, tem cliente que é híbrido. Mas a gente teve ali um período… e voltando ao tema da pandemia, ninguém imaginava o que ia acontecer. Quando a gente botou todo mundo em casa, dia 18 de março, a gente achava que isso ia durar dois meses, tanto que nos projetos a gente vai fazer esses planos: “Ah não, vamos considerar que a gente volta em julho! Vamos considerar que a gente volta em setembro! Em novembro!”. Até que chegou uma hora: “A gente não sabe quando a gente vai voltar, esquece! A gente vai trabalhar remoto e vamos ver o que vai acontecer e quando a gente vai poder voltar e se vai voltar e como vai voltar?”. Que acho que [é] até um processo que também que a gente passou, que aprender a trabalhar híbrido, que acho que da mesma forma que a gente teve que aprendeu a trabalhar totalmente remoto, a gente passou por um processo e acho que tá passando ainda, de entender como é que a gente trabalha híbrido. Então, quando a gente vai presencial e faz uma reunião onde metade tá presencial e metade tá remota, ainda tem questões. Óbvio que aí entra muito da tecnologia para ter formas de fazer isso de uma forma que funcione, mas é um processo também de aprendizado. A gente vê quando vai trabalhar presencial, começa uma reunião, já atrasando cinco, dez minutos, que no remoto não existe, no remoto duas horas tá todo mundo no call, dá duas e dois você já está atrasado. Então, enfim, acho que é um processo também de aprendizado. Mas voltando ao tema da pandemia, eu acho que a gente aprendeu muito, principalmente em tecnologia, a gente fala muito disso, que a gente andou trinta anos em três meses, em várias áreas: em banco, a gente ficou sem agência… a gente já fazia muita coisa pelo aplicativo, pelo computador, [mas] de repente a gente teve que fazer tudo! O e-commerce, que explodiu, o e-commerce explodiu, porque a gente só comprava de forma remota. A educação, a educação no nível mais baixo, criança de quatro, cinco anos, tendo aula de forma remota. A gente já tinha EAD, já tinha, mas era ainda muito pequeno, perto do que virou. Então, acho que foi muito aprendizado e a tecnologia ali foi fundamental para a gente conseguir passar por esse processo. Se a gente não tivesse as ferramentas de tecnologia que a gente teve e que a gente potencializou, seria muito mais difícil o processo.
(1:03:11) P1 - Você foi direcionando ele o ano presencialmente?
R - Não, não! Já entrou remoto! Porque, na verdade, o que aconteceu? Eu fui para os Estados Unidos numa reunião, ainda estava presencial e a EY estava lançando o programa globalmente, isso foi final de 2019. E aí eu voltei, chamei o time, chamei alguns gerente sênior, sócios, tal: “Gente, tá acontecendo isso globalmente, vamos trazer isso para o Brasil”. Não para o Brasil, para a região, porque eu lidero América Sul: "Vamos trazer isso para região? Vamos trazer!". A gente começou a discutir isso com o nosso time global. Isso foi no começo de 2020, então, assim, foi janeiro, fevereiro, a gente ainda discutindo, entendendo que era o programa, como é que a gente trazia, aí veio a pandemia. Então, na verdade, a gente trouxe o programa mesmo, a gente já estava de forma remota. Mas aí acho que teve uma coisa muito bacana, assim, de engajamento, acho que o time que se engajou no programa, se engajou de uma forma muito rápida e muito forte, talvez até pela pandemia também, a gente em casa, a gente trabalhando remoto, é um tema de um propósito muito grande, para gente que é mulher, então acho que rapidamente a gente conseguiu montar um time, montar uma estrutura, muita confiança, muita autonomia. E a gente rapidamente conseguiu, como eu brinco com as meninas, botar o bloco na rua, fazer coisas, trazer iniciativas, criar iniciativas. E acho que uma das primeiras que a gente fez foi o programa de trainees. A gente tem um programa de trainees para mulheres na tecnologia, porque a gente viu, quando a gente olha as consultorias como um todo, é igual a entrada de trainees. Quando a gente faz o recorte da consultoria de tecnologia, não, era 75% homem, 25% mulheres. A gente falou: "Gente, vamos atacar isso aqui, porque a gente tem que começar na base. Se a base já começa desigual, e a gente vai perdendo mulheres ao longo do caminho, então vamos começar as nossas principais iniciativas na base", e a gente montou um programa de trainees para mulheres. Então, por exemplo, a gente buscava muito em curso de tecnologia, a gente sabe que tem menos mulheres em cursos de tecnologia, ainda tem menos mulheres [na área de] tecnologia. Então, assim, a gente já sabe disso, então não vamos buscar só em curso de tecnologia. Eu sou formada em economia, eu tenho mulheres no meu time que são advogadas, que são engenheiras, que são psicólogas. "Vamos abrir", então a gente abriu a chamada. A chamada é: se você é mulher, independente do seu curso, da sua formação, [se] você gosta de tecnologia, vem para a EY que a gente vai te formar. E deu muito certo! A gente faz dinâmicas específicas para mulheres, a gente treinou os entrevistados, os entrevistadores, porque tem muitos de viés inconsciente. Quando a gente fala de diversidade como um todo, a gente tem muito viés inconsciente, então a gente treinou os entrevistadores, para quebrar esses viés. Então, é um programa… hoje a gente já está no terceiro ano, que está rodando super bem. Na primeira turma, a gente já conseguiu equalizar 46% [e] 54%. E que está acontecendo... é lógico que, assim, é um trabalho de formiguinha, a gente fica em cima, as dinâmicas, como é que estão as dinâmicas, olha o backline. E aí a gente também busca abrir para outras diversidades, então, raça, Lgbtqi+, perceber como é que a gente também vai aumentando isso e fazendo outras ações afirmativas, para a diversidade. Mas voltando ao Women in Tech, acho que esse programa de trainee e também outras iniciativas que a gente tem de mentoria, mentoria com meninas em idade escolar, que a gente vê muito isso, né, as meninas elas são desencorajadas a seguir carreiras de Ctem, que a gente chama, que é Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática. Então, como é que a gente faz com que essas meninas queiram seguir essas carreiras? Então a gente tem muito trabalho com ONGs, muito trabalho nessa área de educação, a gente tem trabalho com clientes, de fazer mentorias para grupos de Tecnologia dentro dos nossos clientes. Então, enfim, acho que tem… a gente pode ficar aqui o dia inteiro falando de Women in Tech, que tem muita iniciativa que a gente tem feito com esse propósito, fazer com que mulheres e meninas entre, permaneçam e prosperem no mundo da tecnologia.
(01:08:02) P1 - Há como fazer alguma coisa, alguma ação com as mulheres que saíram?
R - Também, também! É uma outra coisa: como é que a gente traz de volta? A gente tem também esse programa de como eu trago de volta mulheres que saíram, que por alguma razão desistiram naquele momento da carreira, mas que a gente pode trazer de volta. Então, também tem! Que a gente chama de experientes. Como é que a gente busca, até mulheres que saíram da própria EY, que saíram da EY em algum momento, e que a gente chama de bumerangue, que a gente quer trazer de volta. Esse é um tema. O outro tema é essa questão de… eu faço mentoria fora da EY, eu participo também de um grupo que chama Ser Mulher em Tech, onde a gente faz mentoria de mulheres em várias faixas etárias, inclusive mulheres em transição de carreira, que por alguma razão tinham também uma outra carreira e que querem migrar para a tecnologia, porque a gente tem muita demanda em Tecnologia, a gente vê isso, estudos que falam que o Brasil, até 2025, vai ter oitocentas mil vagas, quase um milhão de vagas abertas em tecnologia. Então, por que não também trazer mulheres experientes, não é só na base, mas mulheres que estavam em algum momento fazendo alguma outra carreira e que querem migrar? Então, isso vale para trainee, isso vale para mulheres experientes, isso vale para mulheres que já são da tecnologia, que saíram em algum momento, que a gente também tem aí o propósito de conseguir com que elas voltem para suas carreiras.
(01:09:41) P1 - Qual que é o panorama das mulheres na tecnologia hoje?
R - Acho que essa é uma pergunta interessante, porque tem várias coisas, eu acho que tem o tema da formação, então, às vezes, por ser formado em um outro curso, acha que não pode trabalhar em tecnologia, e pode! Que é um pouco o que a gente quebrou no programa de trainee. Eu entendo que tem o tema de você dentro das organizações a gente quebrar esses viés inconsciente, para ter um ambiente mais acolhedor pra mulher. E a gente tem feito muito isso, até na EY, a gente tem um curso de viés inconsciente, que trabalha isso a gente. A gente tem o tema e talvez um pouco mais pessoal, das mulheres também entenderem que o papel delas é onde elas quiserem, que ela tem que ter suporte, estrutura para isso. Então, a gente vê muito ainda, infelizmente, os homens não entendem isso e as mulheres acabam não também se posicionando de uma forma mais assertiva nesse tema. E acho que assim, tem muito também de como a gente cria os nossos filhos, eu sempre falo isso, tudo começa como a gente cria os nossos filhos. E eu falo isso muito quando a gente tá falando de diversidade, a gente fala muito das ações dentro da empresa e as empresas têm feito muitas ações, isso não só a EY, acho que diversas empresas têm feito muitas ações nesse tema de diversidade, nesse tema de gênero, nesse tema de quebrar viés inconsciente, no tema de ter programas de aceleração de carreira de mulheres, programa de coaching, programa de mentoria. A gente tem feito muito isso no mercado. Mas acho que esse tema de como nós criamos os nossos filhos, desde pequeno, onde a gente não dá só panelinha e boneca para menina e por que não dá também um conjunto de robótica, por que não dá um capacete de astronauta, isso faz muita diferença na criação das meninas. As meninas têm que entender desde cedo que elas podem ocupar qualquer lugar, que elas podem ser o que elas quiserem. A gente fala muito isso: lugar de mulher é onde ela quiser. Mas se a gente não cria os meninos e as meninas dessa forma, é mais difícil a gente trabalhar isso ao longo do tempo. Então, eu sempre falo isso, como a gente está criando os nossos filhos! Eu escuto muito isso, eu escutei muito isso ao longo da vida, até de amigas: “Ah, não, mas em casa é tudo igual, o meu filho também lava louça, meu filho também arruma a cama.” Não é disso que a gente está falando, não é só disso, lógico que isso é importante também, porque eu venho de uma geração que quem lavava louça em casa era eu e minha irmã, meu irmão não lava a louça. Então, é importante? Lógico que é! Mas a forma que a gente cria, que a gente estimula as meninas também a serem corajosas, a serem empreendedoras, a serem inovadoras, e não só os meninos, como era antigamente, é muito importante para a gente ter uma sociedade realmente igualitária, e de novo, não só em gênero, acho que em tudo. E eu tenho muita esperança nessa geração que tá vindo, nessas gerações mais novas. Eu tenho uma filha, tenho um filho e eu vejo que eles têm uma cabeça muito diferente, eles não toleram uma série de coisas que a gente sempre tolerou. Então, por isso que eu falo, eu tenho muita esperança nessa geração que já está sendo criada de uma forma diferente e que cada vez mais eu bato nessa tecla: como é que a gente cria os nossos filhos? Só dessa forma a gente vai ter uma sociedade mais diversa, mais igual, mais equidade e oportunidade para todo mundo.
(01:13:39) P1 - A maternidade…
R - Entra, acho que entra, assim, eu sou casada desde 1999, casada no papel, mas a gente mora junto desde 1996. E eu tenho dois filhos, o Felipe, de 23 anos, e a Mariana, de vinte. E eu tenho uma carreira de sucesso, eu sou mãe, sou casada, tenho um casamento feliz, meus filhos, eu entendo que eles estão bem, os dois estão na faculdade, meu filho está se formando, agora começou a trabalhar. Então, assim, gente, dá para ser mãe, esposa, executiva, dá! Dá! Tudo é como você vai balanceando as coisas também na sua vida. E, às vezes, eu vejo muito isso: tem mulheres… eu falo muito isso para mulheres que, enfim, eu converso, que a gente trabalha, a gente não precisa ser 100% em tudo, você não precisa ser 100% mãe, 100% executiva, não! Tem dia que você vai ser 80% executiva, 20% mãe, tem dia que você vai ser 50% mãe, 30% esposa, 20% executiva. Isso que é o balanceamento. Acho que a hora que a gente entende que você tem que ter um balanceamento na sua vida, as coisas ficam mais fáceis. E uma outra coisa que eu acho que eu aprendi com a minha mãe [durante] a vida inteira: não interessa a quantidade de tempo que você passa com seus filhos, interessa a qualidade de tempo. Então, se você tem uma hora do seu dia para passar com seus filhos, aquela uma hora é deles, então você tem que estar dedicada a eles naquela hora. É muito melhor isso do que você passar quinze horas mal humorada, infeliz, triste. Então, assim, se você, como mãe, como pai, está feliz, seus filhos vão estar felizes. E eu tenho muito isso na cabeça, eu sempre tive muito isso na cabeça. E uma outra coisa que eu sempre tive muito, eu sempre falo muito também para as mulheres, é esse tema da culpa. A mulher, no geral, tem muita questão da culpa, até porque escuta isso a vida inteira; quando você tem filho e coloca seu filho na escola com seis meses de idade, a primeira coisa que as pessoas falam, é isso: “Você tem coragem de colocar o seu filho num berçário?”. Eu tenho! Gente, eu tenho, eu trabalho, eu gosto do meu trabalho, ele vai estar num berçário muito bem cuidado, com pessoas que são experientes e que entendem de educação, porque eu estou colocando numa boa escola. Então, não só tenho, como acho que para ele vai ser ótimo. Então, assim, esse negócio da culpa, isso para mim é uma coisa muito importante, eu nunca tive culpa, nunca, assim, eu sempre saí para trabalhar feliz, sempre deixei os meus filhos na escola felizes, eles sempre ficaram felizes na escola. Eu lembro de botar eles pequenininhos, sair correndo e abraçar a professora. Então, assim, esse tema da culpa, a gente precisa se desapegar disso, as mulheres precisam se desapegar disso. É lógico, de novo, é um processo, porque a gente escuta isso a vida inteira, as mulheres escutam isso a vida inteira, eu escutei isso a vida inteira. E eu nunca, assim, entrava por um ouvido e sai pelo outro, porque, para mim, eu sempre tive isso, essa importância da qualidade do tempo que eu passo, passava, quando eles eram pequenos e agora mais adultos, mas com a qualidade de tempo que eu passo com eles. Então, de novo, se você está feliz no que você faz, seus filhos também vão estar felizes. É muito melhor você ter pais felizes do que pais que estão infelizes, enfim, que têm uma vida ruim, entre aspas, um pouco isso.
(01:17:28) P1 - Queria perguntar para você se você tem alguma mulher, algumas mulheres que passaram pelo processo que conseguiram mudar suas vidas? Desde a pessoa que estava no começo, como a mulher mais experiente de volta?
R - Eu acho que no programa de trainees, a gente tem muitas histórias de meninas que entraram no programa [e] que estão performando muito bem, que vieram de outras formações e que falam muito isso, que gostam de tecnologia, mas que ouviam que aquilo não era lugar para elas. Então, a gente tem até alguns vídeos que a gente faz com essas meninas e quanto é emocionante ouvir isso, de que depois que entrou no programa, que foi treinada, que está performando super bem, entender que tudo isso que elas ouviam, de que tecnologia não era lugar para elas, era falso! Que, na verdade, era lugar para elas e que elas estão muito felizes ali. Então, acho que ouvir isso é muito gratificante. E principalmente dessas meninas que estão começando, que você olha e fala, elas podiam ter tido um outro caminho, um caminho de tanto escutar que aquilo não era para elas, elas desistirem e fazer uma coisa que não é o que elas queriam fazer. Então, a gente tem várias histórias dessas, várias. E eu acho que no tema das experientes, é também histórias de mulheres, que como você comentou, que num determinado momento desistiram, eu falo desistiram entre aspas, fizeram uma pausa, vamos pensar, nas suas carreiras e que conseguiram retomar e que voltaram, e que conseguiram retomar a carreira de onde pararam e que estão hoje bem, e que estão performando bem, tão felizes. Mas eu acho que, assim, esse tema, principalmente da volta, ela é mais difícil, dependendo da quantidade de tempo que você ficou fora do mercado. Então, assim, eu já tive amigas que depois de vinte anos resolveram voltar para o mercado, mas que no mercado de tecnologia não conseguiram se encaixar, mas foi fazer outra coisa. De tecnologia que eu falo, na parte mais técnica. Mas foi trabalhar com gestão de projetos, que é uma coisa que você talvez você não precise tanto do conhecimento do (meet e byte?) e que toda experiência que você teve na vida, inclusive como mãe. A gente brinca que ser mãe é uma grande gestão de projetos, uma grande gerência de projetos. Fez com que ela conseguisse retomar a carreira numa área de ___, de gestão de projetos e conseguisse retomar muito bem. Então, acho que a gente tem histórias de sucesso para contar e acho que cada vez mais a gente tem que buscar essas histórias, tem que incentivar essas histórias, tem que buscar essas histórias, tem que propagar essas histórias, até para mostrar para as mulheres: "Olha quanta coisa você consegue fazer, olha quantas possibilidades as mulheres têm", basta a gente conseguir criar os ambientes para que elas se desenvolvam e fazer com que elas queiram vir.
(01:20:55) P1 - Como é que é ser mãe? Como é que foi o nascimento deles? Como é que você conheceu seu marido?
R - Então, eu conheci o meu marido no programa de trainee no Banco Real, lá no começo, [em] 1994. Ali a gente começou a namorar e, enfim, dois anos depois a gente foi morar junto, em 1996, e a gente casou oficialmente, vamos pensar assim, no papel, em 1999. Então, a gente tá junto aí há quase trinta anos. Meu marido é uma pessoa sensacional, ele é super encorajador, sempre apoiou toda a minha carreira. E acho que vice-versa, isso que eu falo. A gente tem um relacionamento de muito companheirismo, muito companheirismo, a hora que eu preciso ele está lá do meu lado, a hora que ele precisa eu tô do lado dele. Então, eu acho que esse tipo também de relacionamento, de companheirismo, de cumplicidade, de entender que nós dois juntos somos pais e mãe, que nós dois juntos temos uma série de obrigações, faz uma diferença enorme também, quando a gente fala das nossas trajetórias. Eu tenho o Felipe e a Mariana, o Felipe nasceu em 2000, a Mariana, em 2002. Eu estava no meio da minha carreira, acho que uma coisa muito emblemática do nascimento do Felipe, é que eu fui promovida na minha licença maternidade, acho que para mim isso na época foi muito bacana, ainda mais em 2000. Eu saí de licença maternidade grávida, sai de licença maternidade, no momento das promoções e eu fui promovida a gerente na época. As duas gravidez, tanto a do Felipe, quanto da Mariana foram muito tranquilas, eu trabalhei até o último minuto. Felipe, a trabalhar até sexta, ele nasceu na quinta, Mariana eu trabalhei até sexta, ela nasceu na segunda. Então, assim, foram gravidez muito, muito tranquilas. E, de novo, eu escutava muito isso também no final: “Mas você vai trabalhar?”, "Vou, gente. Tô bem", gravidez não é doença, gravidez é o estado, você tá gerando alguém. Então, tanto a do Felipe, quanto a da Mariana, foram muito tranquilas, eu consegui trabalhar até o final. Mas acho que é uma coisa importante: na época do Felipe a licença maternidade era de - do Felipe e da Mariana - quatro meses. Na época dele, eu consegui tirar duas férias, então eu consegui ficar seis meses. E na época da Mariana também. Na época da Mariana, na verdade, foram três meses, três férias, [porque] naquela época a gente podia acumular férias, hoje não pode mais, naquela época a gente podia. Então eu fiquei seis meses na licença do Felipe e sete meses na licença da Mariana. E nesses períodos, aquilo que eu comentei antes, eu fui 100% mãe, 100%, eu desliguei o computador. Assim, eu lembro que quando eu tava de licença do Felipe, na época, até o gerente me ligou: “Denise, tem um projeto, não sei o que, você não consegue voltar antes?”, "Não, eu não consigo!". Esse período eu sou mãe, são seis meses que eu sou mãe, exclusivamente. E foram, as licenças maternidade foram muito gostosas, eu amamentei os dois até oito meses. Acho que eu consegui ter um período com eles muito bacana nesse início de vida, e aí depois os dois foram para o berçário, escolinha etc e tal. Hoje a Mariana faz engenharia de produção na Ufscar (Universidade Federal De São Carlos). E o Felipe engenharia de alimentos na USP (Universidade de São Paulo). O Felipe está se formando, tá fazendo estágio, começou uma nova fase da vida, de trabalhar, que é muito legal. E eu falo sempre isso para todas as mulheres: acho que todas as fases da maternidade para mim foram muito gostosas, eles pequenininhos, depois indo para escola, crescendo, sendo adolescente, entrando na faculdade. E muito legal, os dois foram estudar no interior, o Felipe foi estudar em Pirassununga, a Mariana em São Carlos, curtindo essa vida. E uma coisa que eu sempre falava para minha mãe, é que a única certeza que eu tinha na vida é que eu ia ser mãe. Eu lembro de eu com quinze, dezesseis anos, falando isso para minha mãe: "Mãe, não sei se eu vou casar, mas mãe eu vou ser", então eu sempre tive muito essa certeza da maternidade na minha vida. E é o que eu falo: eu acho que, no final, eu consegui sempre equilibrar maternidade, casamento, carreira, balanceando, entendendo que tem momentos que você é mais isso ou mais aquilo, tendo a disciplina. Eu sou uma pessoa muito disciplinada nesse aspecto: eu saio de férias, eu saio de férias. Eu brinco com o pessoal, eu falo: "Gente, a empresa não vai parar porque eu estou saindo de férias, tenho plena consciência disso". Então, esse processo de você ser permitir desligar do trabalho, conseguir descansar, consegui fazer as coisas… eu lembro que a minha filha dançava balé quando ela era pequena e no dia da apresentação de balé dela, eu era 100% mãe, porque tinha que arrumar o cabelo, tinha que levar no teatro, tinha… e todo mundo que trabalhava comigo já sabia: é o dia da apresentação da filha da Denise, desliga o celular. Pode cair o mundo, aquele dia é dedicado a ela. Então, assim, ter essa consciência e conseguir fazer, equilibrar tudo isso… lógico que é um processo, é uma evolução, a gente ao longo da vida vai… eu fiz tudo isso de caso pensado? Não! A gente vai fazendo como a gente acha que é a melhor forma. Então, assim, acho que, resumindo, ser mãe, para mim, talvez [seja] a coisa que eu mais gosto na vida. Tem sido uma jornada muito bacana, muito bonita. Muito orgulho que eu tenho de ser mãe.
(01:26:46) P1 - ____ sua mãe _______
R - Acho que sim! Acho que a minha mãe sempre foi uma referência muito forte, até disso, de uma mulher que foi criada numa família tradicional, para ser dona de casa. E gente, nada errado em ser dona de casa, desde que a mulher decida por isso. Mas ela foi criada dessa forma, e aí, em determinado momento, depois que nós três nascemos, meu irmão tinha uns quatro anos, ela resolveu estudar. Então, assim, ela resolveu estudar, ela fez o curso de psicologia lá em Piracicaba, na Unimep. E eu lembro muito - comentei - dela estudando, vai para cá, vai para lá e leva a gente no balé, volta pra aula e meu pai pega na escola. Meu pai também sempre foi muito companheiro dela nesse sentido, na época da faculdade e depois de começar a trabalhar. E lógico que, assim, a hora que ela começou a trabalhar, também teve uma série de desafios, inclusive no casamento, [até] o meu pai entender que agora ela estava trabalhando. Mas a minha mãe sempre foi muito guerreira nesse aspecto, de que: "Não, eu quero ter a minha profissão, eu quero ter meu consultório". E ela hoje é uma psicóloga bastante reconhecida lá em Piracicaba e trabalha até hoje. E ela gosta do que ela faz. Então, acho que isso também, de você ter um exemplo de uma mãe que trabalha, que gosta, que ama o que faz, eu acho que, para mim, isso também foi muito importante ao longo da minha formação. E de entender isso: "Olha, não interessa a quantidade," - como eu comentei de tempo - "interessa a qualidade de tempo que eu passo com os meus filhos", que era muito o que eu vivia dentro da minha casa. Minha mãe também trabalhava bastante, até porque as pessoas querem ser atendidas no começo da manhã, no final da tarde. Então, assim, tem de trabalhar até tarde, quando você é profissional liberal. Eu vivi muito isso, mas quando ela estava com a gente, ela estava com a gente. Então, acho que sim, tem muito do exemplo que eu tive com a minha mãe dentro de casa.
(01:28:43) P1 - [Gostaria de] saber se tem alguma pergunta que eu não fiz, se você quer falar de alguma coisa?
R - Falamos tanta coisa, viu? Não sei. Acho que falamos de tudo! Da minha época de esportes, que acho que foi super importante na minha vida, ter trabalhado fora, dos meus filhos, da minha família. Bom, não sei se você vai me perguntar, se eu tenho algum hobby. Isso é uma coisa que eu não falei. Eu adoro viajar, eu adoro viajar! Quando as pessoas perguntam: "Denise, qual que é o seu grande hobby?", é viajar. Eu brinco que eu trabalho para isso. Eu volto de uma viagem planejando a outra, eu e meu marido, ele também! E é engraçado, porque os meus pais gostavam muito de viajar também. E meu pai gostava muito de viajar de carro, então quando a gente era criança, ele comprou um Galaxy, e a gente andou o Brasil inteiro com esse Galaxy, fomos para Fortaleza, fomos para a Argentina, fomos para Buenos Aires, fomos para o Espírito Santo, fomos para Minas. Então, assim, viajar para mim é uma coisa que eu sempre tive muito na minha infância e que é uma coisa que eu levo. Eu adoro conhecer lugares novos, pessoas novas! Talvez até isso que a gente falou da experiência multicultural, acho que tem também um pouco a ver com isso, de gostar de conhecer lugares novos. Então, assim, eu volto de uma viagem já olhando outra. E eu gosto muito de show também, adoro show, meus amigos falam: "Denise, você vive em show". Vivo em show! Adoro! Esse final de semana eu tava no Festival Turá, que foi maravilhoso. Que mais… gosto de vinho. A gente tem um hobby de vinho também, eu e meu marido, a gente tem confrarias, eu tenho duas confrarias de mulheres, que é muito legal também, esse encontro das mulheres para beber, para conversar, e o vinho tem muito a ver também com viagem, com história, então, acho que outra coisa que eu gosto bastante. E gosto de ler também, principalmente livros de histórias, livros de biografias. Esses últimos anos, eu li muitos livros de biografia de mulheres: Malala, Melinda Gates, Michelle Obama, enfim… Tabata Amaral. Um monte! Várias, várias. Que acho que também são muito enriquecedoras, até como aprendizado, para a gente entender também o que essas mulheres, que são mais famosas, entre aspas, também como que elas cresceram, quais as dificuldades, quais os desafios. E eu gosto muito de ler biografia. Agora eu tô no clube do livro. Enfim, acho que tem bastante coisa.
(01:31:45) P1 - Tem algum plano para o futuro próximo?
R - Eu acho que o que eu espero é que a gente tenha um mundo realmente mais igualitário, um mundo mais diverso [e] eu espero que a gente um dia pare de falar desse assunto. Eu acho que a gente vai ter um mundo mais diverso e igualitário a hora que a gente parar de falar dessas pautas. A gente fala muito disso, porque a gente ainda tá numa jornada, ainda tá num caminho. Acho que a gente hoje está muito melhor do que a gente estava vinte anos atrás, mas a gente ainda tem muito para fazer, tem muito para percorrer. Eu espero e acho que muito desse trabalho do Women in Tech que eu faço, da mentoria Women in Tech - eu participo de outros grupos de diversidade -, tem a ver com isso. Lógico que eu espero e planejo continuar a minha carreira no mundo da tecnologia e crescendo e fazendo coisas novas, inovadoras, porque a tecnologia tem muito isso. Hoje, a tecnologia está na palma da nossa mão e amanhã… enfim, inteligência artificial, a gente tem falado tanto disso nos últimos anos, últimos meses principalmente, com o ChatGPT. Mas eu espero continuar crescendo no tema da minha carreira, mas também nesse tema de trabalhar diversidades, programas de diversidade, que eu acho que isso é uma coisa que hoje está muito forte na minha vida e que eu tenho expectativa aí de continuar. E, de novo, que um dia a gente não precise mais falar disso, porque aí a gente vai ter atingido o mundo que a gente espera.
(01:33:29) P1 - Como é que foi para você contar um pouco da sua história para a gente hoje?
R - Foi ótimo! Adorei, adorei! É difícil a gente falar da gente, é bem difícil! Então, eu acho que foi fluindo, fui falando, fui falando, fui contando. Acho que foi muito bom, muito bom!
(01:33:48) P1 - A gente achou muito bom também, agradece muito por sua presença aqui. Foi um prazer!
R - Não, foi muito bacana! Obrigada pelo convite também! Adorei estar aqui, adorei estar contando a minha história. E espero que isso possa também inspirar, enfim, encorajar outras mulheres nesse nosso mundo da tecnologia.
(01:34:18) P1 - Obrigada!
R - Obrigada!
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