Entrevista de Sandra Regina Conceição
Entrevista por Luiza Gallo
São Paulo, 10/02/2022
Projeto: Aquilo que me move: mobilidade e diversidade - Arteris
Entrevista número: PCSH_HV1155
Realizado por: Museu da Pessoa
Revisado por Luiza Gallo
P/1 - Sandra, primeiro eu quero agradecer demais pela sua disponibilidade, por estar aqui com a gente. E para começar eu gostaria que você se apresentasse dizendo seu nome completo, data e local de nascimento?
R - Bom, o meu nome é Sandra Regina Conceição, tenho 50 anos, nasci no dia 05/01/1972 em São Roque, estado de São Paulo.
P/1 - E qual o nome dos seus pais?
R - Maria Mercedes Conceição e Edson Cláudio Paula Leite Conceição.
P/1 - E o que eles faziam? Pode falar!
R - Eu falei o nome do meu pai errado, porque o nome do meu padrasto, porque ele que cuidou da gente. Eu falei o nome do meu pai.
P/1 - Ah tá, e qual é o nome do seu padrasto?
R - José Cláudio do Amaral.
P/1 - E ele que cuidou de vocês?
R - Foi! Eu tinha nove anos e a minha irmã tinha oito. Eu sou gêmea com um menino, aí ele cuidou da gente a partir dos nove anos de idade, eu com nove e minha irmã com oito. E estamos aqui até hoje.
P/1 - Ele continua casado com a sua mãe?
R - Continua.
P/1 - E como você descreveria o seu padrasto?
R - Pra mim... no começo foi difícil para eu aceitar, porque eu sou uma pessoa muito ciumenta, demais, eu tenho ciúmes até das minhas amizades. Mas no começo foi difícil, foi difícil demais, eu ficava muito no pé da minha mãe, mas depois a gente vai acostumando, aí ela tinha que viver a vida dela também, então hoje nós convivemos assim, ótimo, bem para caramba. E eu agradeço muito a ele, pelo que ele fez pela gente, faz pela gente, tanto para mim quanto para minha irmã. Aquele apoio, aquela força, porque para ele é ele, não é ninguém, se a gente precisa, tem que ser ele, não tem que ficar pedindo para os outros, tem que pedir para ele, então a gente é bem protegido,...
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Entrevista por Luiza Gallo
São Paulo, 10/02/2022
Projeto: Aquilo que me move: mobilidade e diversidade - Arteris
Entrevista número: PCSH_HV1155
Realizado por: Museu da Pessoa
Revisado por Luiza Gallo
P/1 - Sandra, primeiro eu quero agradecer demais pela sua disponibilidade, por estar aqui com a gente. E para começar eu gostaria que você se apresentasse dizendo seu nome completo, data e local de nascimento?
R - Bom, o meu nome é Sandra Regina Conceição, tenho 50 anos, nasci no dia 05/01/1972 em São Roque, estado de São Paulo.
P/1 - E qual o nome dos seus pais?
R - Maria Mercedes Conceição e Edson Cláudio Paula Leite Conceição.
P/1 - E o que eles faziam? Pode falar!
R - Eu falei o nome do meu pai errado, porque o nome do meu padrasto, porque ele que cuidou da gente. Eu falei o nome do meu pai.
P/1 - Ah tá, e qual é o nome do seu padrasto?
R - José Cláudio do Amaral.
P/1 - E ele que cuidou de vocês?
R - Foi! Eu tinha nove anos e a minha irmã tinha oito. Eu sou gêmea com um menino, aí ele cuidou da gente a partir dos nove anos de idade, eu com nove e minha irmã com oito. E estamos aqui até hoje.
P/1 - Ele continua casado com a sua mãe?
R - Continua.
P/1 - E como você descreveria o seu padrasto?
R - Pra mim... no começo foi difícil para eu aceitar, porque eu sou uma pessoa muito ciumenta, demais, eu tenho ciúmes até das minhas amizades. Mas no começo foi difícil, foi difícil demais, eu ficava muito no pé da minha mãe, mas depois a gente vai acostumando, aí ela tinha que viver a vida dela também, então hoje nós convivemos assim, ótimo, bem para caramba. E eu agradeço muito a ele, pelo que ele fez pela gente, faz pela gente, tanto para mim quanto para minha irmã. Aquele apoio, aquela força, porque para ele é ele, não é ninguém, se a gente precisa, tem que ser ele, não tem que ficar pedindo para os outros, tem que pedir para ele, então a gente é bem protegido, através dele, é um paizão mesmo.
P/1 - E você conviveu um pouco com seu pai?
R – Não, não. Eu considero assim, ele é pai de sangue mesmo, mas ele na vida dele lá e eu na minha. Mas nada de desejar mal, nada, pelo contrário, quero mais que ele cresça com a família, e assim vai, como a minha mãe cresceu e a gente está aqui até hoje.
P/1 - E como é a sua relação com a sua mãe e com o seu padrasto?
R - Bem, bem, não é ruim e não é bem, é que nem a gente fala, a gente fala para ela, se ela está bem, se ela está feliz, a gente está feliz também. A única coisa que a gente não quer é que ela sofra, ela já sofre muito, então a gente não admite isso. Mas a partir do momento que ela está bem, a gente está bem também.
P/1 - E você tem mais dois irmãos?
R – Não, agora tenho só a minha irmã. Eu era gêmea com o menino, aí ele faleceu com dezoito anos, de acidente de bicicleta. Os meus pais tinham feito o aniversário da gente dia cinco de janeiro, aí dia vinte de fevereiro ele sofreu acidente e dia 21 ele faleceu, de fevereiro.
P/1 - E Sandra como foi para você até a juventude ser gêmea?
R – Cara, ele era muito ciumento, ele não deixava a gente brincar de jeito nenhum e a minha irmã era mais assim... Eu gosto mais de coisa de menino, jogar futebol, taco, pipa, brincava com os meninos. A minha irmã já era mais delicada. Mas só que o meu irmão pegava muito no pé da gente, hoje ele faz muita falta, bastante, faz 32 anos que ele faleceu, então faz muita falta para mim. Sabe aquele irmão protetor? Na nossa juventude, na adolescência, quando ele fez dezoito anos... se ele ainda estivesse vivo hoje, eu acho que a gente tava um pouquinho melhorzinha até, não tinha feito tanta burrada na vida assim, entre aspas. Mas é um irmão que faz muita falta para mim, para minha irmã e para minha mãe também. Na perda dele, a minha mãe foi muito forte na época, meu padrasto deu maior força para minha mãe. Foi aí um dos momentos que meu pai foi ver, depois que ele faleceu, é isso aí. E eu agradeço o meu pai, meu padrasto até hoje, pela força que ele dá para gente, de ser companheiro, amigo e de estar em cima, por mais que eu tenha cinquenta anos, sabe aquela criança protegida, quer proteger, quer guardar, por ele, ele colocava na caixinha assim, ninguém pegava, ninguém tocava, ninguém pegava. Mas por outro lado ele dá maior força para gente, no que a gente for fazer ele só aconselha, até hoje, ele só aconselha, faz isso, isso, isso, é que nem se fosse uma adolescente, como se fosse adolescente, feito uma criança, vamos falar assim, mas é um padrasto muito protetor, ele e a minha mãe.
P/1 - E Sandra você conheceu seus avós?
R - Quem criou a gente também, até os nove anos foi os meus avós. A minha vida… hoje eu agradeço muito a minha mãe, minha mãe é uma mulher muito guerreira, muito batalhadora, então eu admiro muito a minha mãe, demais da conta. Então eu estou aqui hoje através dela, através do meu ex-marido, através de mim, aquela força de vontade, sabe quando você quer alguma coisa? Quer correr atrás, eu vou lá, eu vou lá e vou conseguir, esse foi sempre o meu objetivo na vida. Eu tenho comigo na minha vida: ou é um não ou é um sim que eu vou levar, então vamos tentar se é não ou se é o sim. E a minha mãe é uma guerreira e tanto e os meus avós, as minhas tias, que cuidaram da gente para ela trabalhar, para trazer o sustento para nós. Hoje os meus avós são falecidos, minha avó foi a última a falecer agora, vai fazer três anos, por aí, tanto é que a gente chamava ela de mãe, nem de avó, e os meus tios, às vezes nem chamava de tio, era de nome, por consideração como se fosse irmão. Mas a gente nunca deixou de respeitar eles, nunca, jamais. Eu sou a sobrinha mais velha, a prima mais velha, então a gente tem que dar o exemplo para quem vem vindo atrás, que é o caso dos meus filhos, é isso.
P/1 - E como era essa relação com seus avós, o que vocês gostavam de fazer juntos?
R - Era muito bom. Meu avô, na época tinha carnaval de clube... desculpa, eu falo neles assim… É que eles são tudo para mim, sabe? Família é a base de tudo, então nessa parte eu sou muito sentimental, família para mim é a base mesmo. Era um protetor, minha vó, meu vô protetor e minha vó, meu vô, nunca quiseram nada da parte da família dos meus pais, nunca. Ele falou assim: “Não, quem vai criar agora sou eu, eu vou criar”. Não quis... É assim, sabe? E realmente, foi mesmo, eu fui conhecer a minha avó da parte do meu pai quando eu tinha uns doze anos, mas assim, uma avó também muito querida, Mas os meus avós da parte da minha mãe, eu só tenho que agradecer o que eles fizeram para mim, para minha irmã e para o meu irmão. E as minhas tias também, minhas tias e os meus tios, que eu tenho respeito e admiração por eles do fundo do coração e gratidão, por estar aqui hoje falando, se expressando e por estar onde estou hoje, por apoio deles, que me apoia demais, a família toda, é isso, gratidão sempre.
P/1 – Sandra, quando você era pequenininha você lembra de costumes da sua família, tinha alguma comida que vocês costumavam cozinhar, ou cheiro?
R - Sim!
P/1 - O que é?
R - A gente gostava muito de polenta, polenta com feijão. A minha avó tinha uma horta no quintal, minha mãe que contava, minha avó também, que eu e o meu irmão ia lá, a couve era maior que a gente, aí eu ia lá comia a couve com bichinho, com tudo, e sentava. Nossa, eu era arteira que só, eu era arteira, minha mãe fala que eu era arteira demais, meu irmão era mais calmo, mais pacato. Era comida, bainho… a gente morava em sítio, ia tomar banho no laguinho, era tudo de bom. Tinha o costume de chupar o dedo, com um cobertorzinho, enfia assim no nariz, etiquetas de blusa, dobrava assim, fazia, para falar a verdade eu parei com isso eu tinha uns 35 anos, ainda chupava dedo e pegava a etiqueta da blusa e fazia assim ainda, foi com 34 que eu parei de vez mesmo.
P/1 - E você sabe da história do seu nascimento?
R - O que eu sei, quando eu nasci, eu e o meu irmão… eu sou cinco minutos mais velha que o meu irmão, eu fui apressada, nasci primeiro que ele, ele foi o segundo, lógico. Foi placenta diferente, ele era loirinho de olho azul, nada a ver comigo, puxou ao pai do meu pai, lá, é isso. A gente ficou dois anos com meu pai, até os dois anos de idade, e depois a gente foi embora. Aí a minha irmã nasceu, depois de um ano e cinco dias minha irmã nasceu, ela é de 73, eu sou de 72, ela [é do] dia dez de janeiro, eu sou dia cinco de janeiro. Aí minha irmã nasceu, aí não deu certo com meu pai, fomos morar com os meus avós, até os nove anos de idade.
P/1 - E quando eu falo sobre casa de infância, qual é a casa que te lembra?
R - O sítio.
P/1 - Como era?
R - Era simples, simples, simples demais, era simples e ao mesmo tempo confortável. Do sítio a gente veio morar para a cidade, fazia amizade, meus avós não tinha problema com ninguém, aonde a gente ia, a gente fazia amizade, todo mundo recebia a gente de braços abertos. Nossa, meu vô era bem conhecido na cidade, ele é mineiro, então ele era bem conhecido, meus avós são bem conhecidos na cidade. E aonde a gente ia, não podia mexer com a gente, porque tanto os meus tios, como eles, aquela proteção mesmo, demais da conta. Casinha simples, simples, simples, humilde, simples.
P/1 - E qual foi a cidade que você cresceu?
R - Iperó, São Paulo, interior de São Paulo.
P/1 - E como era o seu bairro, o que vocês gostavam de fazer, de brincar?
R - Nessa época aí a gente estava no sítio, depois veio para a cidade. Na cidade, a casa da minha avó, até hoje lá tem uma linha de trem, nessa época eu comecei a brincar de boneca, antigamente tinha aquelas ovelhinhas colorida, a minha mãe colocava a gente para tirar foto, rapaz, eu era tão feinha, tem feinha, dá até vergonha da minha foto de antigamente. Aí a minha irmã, tudo, aqueles carrinhos de bebê, de palhinha. Antigamente tinha, a minha mãe enchia a gente de boneca, eu e a minha irmã, e o meu irmão atrás, mas eu era muito espoleta, minha mãe fala para mim que eu era muito espoleta.
P/1 - Você lembra de alguma arte que você fez na infância?
R - A casa da minha avó era aqui e a linha do trem era aqui, aí a gente ia lá e colocava pedra no trilho do trem, dizia que o trem ia cair, a gente ia lá e colocava pedra na linha do trilho. Ai meu Deus do céu, é isso aí. O mais invocado era isso aí mesmo, de colocar pedra. E quando o trem matava os gados lá, no interior aqui, na época, atrás aí, a gente ia lá, ia família tudo pegar carne, ai meu Deus. As minhas tias e os meus tios trabalhavam na lavoura. Na minha infância, o que eu lembro é isso daí, e eu tenho o maior orgulho disso, é daí que eu levo até hoje, que passa para os meus filhos, tento passar para eles. E é que nem eu falo hoje comigo, “você sendo humilde, você vai onde você quiser, não tem porta nenhuma que fecha para você, para sua humildade. E sendo simples, sem passar por ninguém, sem pisar em ninguém”. E tô aí, graças a Deus, agradeço a Deus onde estou hoje, e a família que eu tenho e os filhos que eu tenho também.
P/1 - E Sandra, quando você era pequena, o que você pensava, o que você queria fazer quando crescesse?
R - Na minha infância mesmo, até o momento, nada assim. Eu fui pensar mesmo depois dos doze anos, que eu queria ser alguém na vida. Batalhar para ter o melhor para mim e para minha mãe, para minha irmã, para o meu irmão, correr atrás dos meus objetivos, que eu corro até hoje. Nas minhas profissões que eu conheço como gente, foi tudo… a maioria dos meus serviços foi tudo “serviço de homem”. E não sou menos mulher por isso, com certeza, é isso, correndo atrás do meu objetivo para estar onde estou hoje. Eu comecei a trabalhar aos nove anos de idade, meu primeiro serviço foi de olhar criança. Hoje esse menino é enfermeiro, a mãe dele trabalha no hospital. Nossa, é um homão, eu vejo assim, de onde eu fui lá atrás para onde eu estou hoje, é orgulho para mim ver ele, a profissão que ele exerce hoje. E onde eu estou hoje, eu vim lá de trás até aqui. Meu primeiro serviço foi cuidar de criança e limpar a casa, com nove anos de idade, do lado da minha casa lá em Itu, aí a gente já veio morar para Itu, a gente já veio com meu pai, meu padrasto, já trouxe a gente para Itu, foi aí que nós começamos a viver a vida longe dos meus avós, no caso.
P/1 - E como foi essa época para você, de já começar a trabalhar tão novinha?
R - Foi assim, a educação da minha mãe, dos meus avós, que nem eles falam assim: “quando a gente quer alguma coisa, a gente tem que correr atrás”. E aí foi isso, eu não me arrependo, pelo contrário, eu acho que a mocidade de hoje, as crianças de hoje, deveriam ser como era antigamente, eu acho que eles dariam mais valor aos pais que tem, com certeza. Eu não acho ruim não, pelo contrário, nem eu, nem a minha irmã… tanto é que na época, quando a gente veio morar para Itu, que a minha mãe veio com a gente, meu padrasto veio, a gente tinha que fazer as coisas para a gente sair, para ter o direito de sair. O meu pai levava a gente, o meu pai que eu falo, meu padrasto, levava a gente no clube, ele deixava a gente ir para o clube e ele ia buscar a gente. Nossa, mas era engraçado demais (risos), aí lasqueira!
P/1 - E qual a sua lembrança da escola, do período da escola?
R – Sapeca, não gostava de estudar não, eu não gostava não! Eu queria trabalhar, trabalhar era meu ponto forte, agora estudar eu não gostava não, matava aula, colocava minha irmã em rolo para ela cobrir as minhas artes, nossa Senhora, minha irmã sofreu, hein! Minha irmã, coitada da minha irmã, ai meu Deus! Meu padrasto, chegava na hora de nós ir para escola, cadê a gente? E eu aprontando! Saía, matava aula, ia jogar fliperama, ia paquerar, aprontei muito, Deus me livre! E minha irmã do meu lado, porque ela não podia chegar primeiro que eu. Mas foi engraçado, sofri um pouquinho, meu pai ó, e nós lá, em mim no caso, e nela também, sem merecer, a maioria das vezes. Mas foi bom, foi divertido, foi um passado muito bom, lembranças boas, amizades gostosas que eu tenho com algumas pessoas até hoje, porque você vai crescendo, vai tendo idade, vai mudando de cidade, vai se separando de todo mundo. Mas quando a gente se vê assim, é risada aqui, é conversa dali: “Você lembra disso?” “Aquele dia não sei o quê...”. Teve uma vez na escola lá, não é que eu sou briguenta, eu não gosto de levar desaforo para casa, não gosto, nunca gostei, nunca, se é para resolver eu resolvo na hora. Aí tinha um menino lá que arrumou confusão comigo na escola, eu peguei uma pedra e corri atrás dele lá na escola. Esses dias, esse tempo atrás aí a gente se encontrou, e a gente lembrou ele, e a gente conversou sobre isso. Daí ele conversando comigo, eu falei assim: “Rapaz, você me deixou brava, nervosa, você quer que eu faça o quê, queria que eu ficasse de braços cruzados? Você mexeu comigo, quer que eu fique quieta, não é assim não moço”. E até hoje Luiza, eu não levo desaforo para casa, não levo! Se é para resolver eu quero resolver na hora e não fico de hein, hein também não. Eu também não sou de leva-e-traz também não, eu sou uma pessoa assim, eu sou uma mulher assim, não é que ela é justa. Eu não sou uma mulher de duas caras, eu não sou! Eu sou a Sandra, aquela Sandra que você tá conhecendo é aquela Sandra que eu sou. É pulso firme, determinada! Eu quero ser o que eu quero para mim. Mostrar o que eu quero para mim, sem pisar em ninguém, mas também não quero que ninguém pise em mim.
P/1 - E da juventude, quais são as suas lembranças? Como você se divertia, como era essa paquera que você contou, como era esse momento?
R - (risos) Foi legal também, tem um moço, que eu trabalhava na Elettromec, eu era assim, não era de... quando eu gosto de alguém, é de coração, gostava de ficar com aquela pessoa de coração, não ficar só por ficar, eu não era assim. Mas a gente zoava muito. Tem um moço... eu trabalhava na Elettromec, a gente trabalhou, primeiro foi minha mãe que entrou na Elettromec, depois entrou na minha irmã, depois entrou... Eu tive o privilégio de trabalhar com as duas na mesma empresa que eu, em 98, primeiro serviço meu, a minha mãe colocou eu e a minha irmã lá, nós três trabalhamos juntas, foi muito legal, muito, muito, muito legal mesmo. E nessa época a gente estava lá na Elettromec e a outra firma era vizinha, então a gente saía do almoço, ia lá mandar ficha na outra firma, nessa época era assim, não era como é hoje: “Não, não, beleza, vem amanhã”. A gente foi na hora do almoço, a gente foi lá na Nikol levar currículo, aí a Nikol chamou a gente, a gente pediu a conta da Elettromec e foi trabalhar na Nikol. E lá nessa firma tinha almoço, que ele gostava muito de mim. E eu nem tchum, mas esse moço fez um piseiro, minha filha. Depois de muitos anos eu vi ele lá no Face, ele me chamou no Face, hoje ele é casado. Mas tem uma música do Legião Urbana, como é o nome da música? queria ter guardado, é um caderno assim, a letra, é uma folha, esqueci. Ele me chamou faz muito tempo, a gente conversou no Face, e apareceu essa música no Tik Tok, aí eu lembrei, ele subiu no ônibus, ele queria, porque queria namorar comigo, e eu não, não não. Ai menina, foi engraçado, e hoje em dia ele é casado, muito bem casado, uma amizade, a gente não conversa muito, porque passado é passado, e cada um fez a vida, e ele me respeita, eu respeito ele também. Uma delas, que eu me lembro muito, foi essa daí, de paquera foi essa daí que me marcou demais. Ele foi no meu bairro, eu subi dentro do circular, ele foi dentro do circular, circular não, do ônibus da empresa, entrou dentro do ônibus querendo falar comigo e eu falava: “Não, não, não”. Na época eu tinha o quê? Dezenove anos, nessa faixa aí dezoito para dezenove. Isso que eu me recordo mais, porque foi engraçado.
P/1 - Sandra, me conta uma coisa, você começou a trabalhar com nove anos cuidando de criança, né? E cuidando da casa. E depois você entrou nesse Elettromec…
R - Elettromec, com dezoito anos.
P/1 - O que você fazia lá?
R - Eu era auxiliar de expedição.
P/1 - E como funcionava o seu trabalho?
R - Que nem, no caso, as pessoas lá dentro da produção faziam produção, passava por mim, para eu despachar o produto para fora, essa era a minha função. Vinha de dentro, para mim, o produto e mandava para fora.
P/1 - Mas era uma empresa de ônibus?
R – Não, não, era cerâmica. Ela era cerâmica, mas era assim, era cerâmica, mas ela não mexia com cerâmica... cabinhos de fio, uma coisa assim. Mas não era de tijolo, essas coisas. Era negócio de eletrônico, tipo assim, era que nem a Nikol, chicote.
P/1 - E quando você mudou de empresa para Nikol, o que você fazia, como era o seu trabalho?
R - Eu mexia… Operadora de máquina, eu ficava no interruptor, aqueles setor de tomada de fogão, eu ficava ali. Ali naquela firma eu tenho uma amiga, ela fala que a gente é irmã de sangue, irmã de alma, a Tânia. Eu me lembro assim... uma parceira excelente. Hoje ela está tratando de um câncer, faz muito tempo, e se Deus quiser ela vai se recuperar, que aquela dali é guerreira também, muito guerreira, demais, é um exemplo para gente que vive reclamando da vida aqui fora, demais, ela é um exemplo para mim, essa minha amiga Tânia. Teve uma época que ela estava lá... ela era operadora também, a gente ficava assim na máquina e fazia assim com o pé, e colocava terminais assim. Ela dormindo Luiza, fechava o olho assim... Virava a noite na balada, que nem nóis sabe? Mas ela vivia mais na balada. Dormiu assim, daí eu jogava água assim: “Acorda mulher, vai pegar a mão aí na frente ó”. Isso aí na Nikol, esse fato do moço e a Tânia, que é uma grande amiga.
P/1 - E quanto tempo você ficou nessa empresa?
R – Não, foi pouco, porque que nem eu falei, nessa época, nossa, a gente tava aqui, depois tava ali, depois tava lá, ficava assim, desse jeito. Então era mais fácil para a gente, pra ficar pulando, pulando em serviço assim, até nos encaixar.
P/1 - E depois desse trabalho, para onde você foi?
R - Aí depois da Nikol, aí foi o meu primeiro serviço de motorista, que foi na Imperial, Imperial Transportes, foi lá que começou o meu primeiro serviço como motorista.
P/1 - E como surgiu seu interesse por dirigir caminhão? Quais foram os motivos que te levaram a seguir essa área?
R – Bom, eu adoro dirigir, eu amo dirigir na verdade, é um hobby para mim que não tem explicação. Eu comecei na Imperial trabalhando com Kombi, que lá na Imperial é escolar, então eu comecei com uma Kombi, fazendo linha escolar, aí depois dirige Van, lá dentro. Só não tive oportunidade de ônibus, que na época eles não deixavam, quando eu trabalhava lá. Aí eu trabalhei uns três anos, que lá é assim, você trabalha um ano, você é mandada embora, depois no outro ano, se você foi boa motorista, boa funcionária, renova você de novo. Então eu fiquei três anos e meio assim, aí depois que eu fui para carro grande mesmo, com caminhão, fazendo Mercosul na TransRebeca, nessa época aí eu estava com 26 anos, primeiro serviço de motorista de caminhão.
P/1 - Antes do caminhão, queria saber como foi esse período dirigindo Kombi, Vans, se você lembra de alguma história dessa época?
R – Sim, sim, foi muito bom! Foi muito bom, você trabalhava com adolescente, pessoal do sítio, então eu me identifico muito com pessoas, eu gosto de conversar, gosto de falar, gosto de fazer amizades. E eu sou assim, muito cautelosa. O que eu não quero para mim, não quero para ninguém, então os pais gostavam. Quando chovia era dureza, a gente ia buscar as crianças na escola, no sítio, com chuva, ai meu Deus do céu, era Kombi que deslizava para lá e para cá. E a gente falava assim: "Fica em casa, porque você vai para escola, uma chuva dessas, porque você não fica em casa assistindo", "Ô meu Deus do céu, o que você vai fazer lá na escola com esse tempo de chuva?" E os meninos, enchia a Kombi, todo mundo via. E o pessoal da cidade não ia, mas o pessoal do sítio ia. Eu duvido, eu duvido uma motorista de Kombi, homem ou mulher, falasse assim: "Eu queria trazer todo mundo na chuva". Mentira, mentira! Pode ser chuva, calor, porque a gente entregava o pessoal na cidade e as últimas ia para o sítio, então a gente voltava muito tarde, você queria ir embora logo. Mas assim, foi muito legal, foi divertido, foi uma experiência... tanto é que eu trabalhei três anos, depois eu trabalho mais dois anos, voltei de novo, trabalhei mais dois anos e meio. E é uma firma que me deu oportunidade ali, ali foi o início da minha carreira, não posso reclamar, por mais que seja um veículo de porte pequeno, mas foi ali que eu comecei. Então eu agradeço muito a Dona Lúcia, o Seu Wagner, que hoje ele é falecido, o Júnior que é o filho deles, eu agradeço muito a oportunidade que eles me deram. E confiaram no meu serviço, foi dali... tanto os pais, os professores, os próprios alunos também, a gente brincava muito, se divertia muito, fazia muita zueira, era comédia, comédia atrás de comédia, era uma comédia que só. Mas eu agradeço muito a isso também.
P/1 - E tinha outras mulheres que dirigiam, ou era só você?
R - Não, tinha, tinha! Tinha sim, que eu me lembre ali… ah, foi a Ritinha, a Ritinha começou, foi a primeira. Eu quero dizer assim, ela era de mais idade que eu na época, ela foi a primeira, ela foi a primeira, eu fui a segunda. E aí foi puxando, uma a outra. E a Ritinha saiu, ela parou com serviço faz uns três anos, nessa faixa, na área de trabalhar com Kombi. Ela entrou na Kombi e ficou, ela não foi para frente, ela ficou ali, ela amava o serviço dela, ela amava. Tanto é que ela tem dois filhos especiais, e desses filhos especiais, quem dá aula para eles é minha prima, hoje, na APAE. Então foi muito legal, e tá sendo muito legal, a história que eu vivo hoje, da onde eu vim, tem família minha que dá aula para pessoal que eu trabalhava, que eu fazia puxar aluno, e hoje ela dá aula para eles. E essa Ritinha que incentivou a gente a vim trabalhar com Kombi também. E se eu não me engano faz uns três anos que ela não está mais na área, hoje ela se diverte, passeia com marido, sempre cuidou dos filhos dela, e é isso daí. Só gratidão também a ela, de ter conhecido, e sendo ela a primeira motorista da empresa, ter puxado a gente. E tem colegas que hoje estão até lá, entrou mais gente. Hoje tem mulher dirigindo ônibus lá, antigamente a gente não podia, a gente batalhava, nem micro a gente podia dirigir. E hoje tem mulher na empresa que dirige ônibus, do porte grande, é condutora de veículo, de ônibus de porte grande. Então quer dizer, a firma foi abrindo a mente, tava vendo que mulher está crescendo na área, que mulher... tem homem cuidadoso, e tem mulher também que é cuidadosa. Então a firma está dando espaço para isso. E hoje tem mulher trabalhando lá, de ônibus, eu fico com muito orgulho de ter mulher lá na empresa, trabalhando. Eu não tive, lá, mas eu tive em outros lugares. Mas hoje eu fico feliz dela ter abrido a mente para colocar mulher trabalhando em ônibus.
P/1 - Era isso que eu queria saber, como você se sente por ter aberto essas portas para essas outras mulheres?
R – Feliz, feliz, satisfeita, não é porque eu não tive que eu jamais vou menosprezar, que deu chance para elas, não, pelo contrário, eu fiquei feliz, dela ter aberto, ter tido mente aberta para recolher mulher. E hoje está lá dirigindo ônibus grande, fazendo firma e é isso aí.
P/1 - E Sandra, nessa época você já namorava, era casada?
R – Não, era não, daí eu fui para TrasRebeca... não, eu era casada, estava casada sim, eu casei [quando eu] tinha vinte anos, nem lembro quando casei. Meu filho foi em 92, eu casei em 92, meu filho tem trinta anos, o mais velho. Eu namorei três meses. Isso, eu estava no Imperial, tava mesmo, tava na Imperial. Da Imperial eu trabalhei no transporte de carreta, é isso mesmo.
P/1 - E como você mudou… como foi essa mudança de trabalho para você? Começar a dirigir caminhão, como surgiu esse interesse?
R – Foi assim... como eu disse, eu trabalhava na Kombi, da Kombi eu queria mais, eu queria sempre mais, eu quero sempre mais para mim, sempre mais, então eu nunca tive o menos para mim, a palavra "menos" para mim nunca existiu, para mim é sempre mais e mais. É que nem eu disse, ou você leva um não, ou você leva um sim. E lá na cidade tem uma empresa só de ônibus, na cidade. Então a Imperial me abriu o espaço. Da Imperial eu fui para a Rebeca, trabalhar de caminhão, que eu queria mais, eu gostei da condução, eu estava batalhando para dirigir o ônibus ou o micro lá, não consegui. Mas mesmo assim não me desanimou, pelo contrário, só me deu aquela autoestima de crescer, aí eu fui para o caminhão na TransRebeca, aí eu fazia Mercosul, fiquei uns quatro meses ali, aí não deu para mim, porque foi a primeira vez que eu saí de casa, sai fora de casa, tinha data para sair, mas não tinha data para voltar. Aí já tinha os meus dois filhos, larguei os meus dois filhos com a minha ex sogra, aí no dia que eu voltei, sabe aqueles filhos abandonados, sem pai, sem mãe? O meu ex-marido foi viajar comigo, na época, o meu ex-marido é carreteiro, então eu fui viajar com ele. Então ele... na minha profissão, eu até esqueci de falar isso, ele me deu apoio demais, isso eu não tenho o que falar dele, jamais. Eu gostava, eu amo a minha profissão, amo dirigir, corro atrás dos meus, só que ele foi fundamental, ele me apoiou na profissão, ele me apoiou na carta para eu tirar. Eu viajava com ele, ainda na época que eu ia, eu estava grávida do meu filho do meio, eu fui com barrigão grande assim, era final do ano, e a gente ia para Pernambuco, ele trabalhava na Elma Chips, na época. Aí a gente viajava bastante, eu fui viajar com ele cinco vezes, aí teve uma vez que ele me deixou dirigir, uma vez só, porque eu não tinha nem carta ainda. Eu parecia... eu não via nada do lado, dura no volante assim, e fui embora, eu falei: "Eu só vou na reta, só". Ele sabia que eu gostava de dirigir, aí foi ele que me ajudou. Eu agradeço muito a ele nessa parte aí, que ele... E hoje a gente não vive mais junto, hoje ele tem orgulho de mim, quando ele me ver a gente conversa, quando há possibilidade de conversar, ele fala para mim... Ele sempre me apoiou, mesmo separados ele sempre me apoiou. Tiveram as brigas, que são bárbaras, mas isso não vem ao caso, eu acho que você tem que tirar coisas boas. De tudo que eu passei, logo que eu casei, logo que eu me separei, eu olho para trás assim, tudo que eu passei eu só tiro coisas boas hoje, minha mente é diferente, meu pensamento é diferente, hoje, a respeito dele. Mas eu agradeço muito a ele por ter dado essa força para mim. E até hoje ele se sente orgulhoso de mim, de estar dirigindo, hoje ele não dirige mais, e hoje quem dirige sou eu. E ele tem maior orgulho, tenho certeza que ele tem maior orgulho de mim, hoje. A gente não está junto, mas eu tenho certeza que ele tem orgulho de mim hoje, pelo jeito que ele fala comigo às vezes, quando dá para conversar.
P/1 - E como foi esse dia, a primeira vez que você dirigiu na estrada?
R - Eu vou te mandar o vídeo, você vai ver… eu vou te mandar a foto. Eu fiz um vídeo recentemente aí, dessa primeira firma que eu entrei, até hoje onde eu estou, do meu primeiro transporte, até hoje onde eu estou. Na primeira vez que eu dirigi foi um cargo, um carguinho e tinha um travesseiro, eu não alcançava o pé no acelerador, nem no freio. Aí eu puxava o banco para frente e mesmo assim não alcançava, aí eu peguei um travesseiro e coloquei atrás, eu vou te mandar a foto, é a coisa mais engraçada. E era a primeira mulher que entrou ali para fazer o Mercosul na TransRebeca. A TransRebeca, ela é bem conhecida, ali é uma firma, na época... não é desmerecendo não, pelo contrário, onde que eu tô hoje é através dela, para quem era a profissional na época é pegar ou largar o caminhão, tanto é que hoje ela mudou de nome, é a mesma empresa só que mudou a razão social. É uma empresa boa para você pegar experiência. Você fazendo Mercosul, você trabalhando seis meses, você entra em qualquer empresa, aliás, eu não vejo isso também não, eu tenho comigo assim, você sendo uma boa profissional, seja no que for, não é serviço que falta à você.
Aí eu fui fazer Mercosul, fui embora, levei o meu ex-marido comigo na época, que eu fui viajar com ele fazendo os Estados do Brasil para cá. Eu fui para fora, consegui o meu primeiro serviço para fora, ele me apoiou na época, fui levar ele comigo. Eu vou falar uma coisa para você, deu vontade de jogar esse homem fora do banco, sabe quando você tá dirigindo aqui, olha assim, da vontade de apertar o botãozinho aqui e falar assim: "Vai, cai fora!" Ele sabe disso, ele sabe disso, mas deu vontade Luiza, deu vontade de jogar ele para fora. Ele ficou tanto no meu ouvido, que ele é um motorista assim, ele é um profissional de mão cheia, de mão cheia ele é, ele entra em qualquer serviço, faz o serviço dele, não tenho que falar dele no profissional, não tenho. Ele é uma pessoa bem exigente, ele exigiu muito de mim no começo, eu nunca tinha pegado num caminhão antes, ele queria que eu fizesse média, ele queria que eu fizesse... "Faz isso, olha isso, olha aquilo, vai aqui, vai ali, ai meu Deus!" A minha viagem eu fui chorando e voltei chorando, eu fui fazer minha viagem chorando e voltei chorando, verdade! Mas que deu vontade de apertar o botão aqui e fazer assim vup, fica aí, fica aí, a vontade era essa.
P/1 - E como eram essas viagens longas, sair do país, como foi?
R - Foi uma experiência maravilhosa, foi muito bom! Quando eu entrei ali para a Argentina, eu não conhecia nada, nada, nada, nada, infelizmente nada. Eu fui uma vez sozinha, a segunda viagem ele foi comigo, aí eu não conhecia nada, nada. A primeira viagem que eu fui só, sem ele, eu fui para Argentina, lá para dentro lá, eu fazia só Argentina ali. Aí passando ali na Argentina, os homens me pararam, me parou, queriam me multar. Mas só que como eu não sabia, aí tinha os meninos da transportadora, que eu viajei com eles junto, como eu não sabia, a gente viajava junto. Aí paramos, fiquei sentadinha lá, e os meninos já conheciam a rotina ali, e o guarda queria porque queria dinheiro, porque era eu que estava dirigindo, na época. Aí os meninos falaram. Resultado, ele liberou, não multou nada, liberou, não sei porque razão ele parou também, não sei. Aí fomos seguir viagem, lá dentro Luiza, lá foi muito engraçado. Teve um lugar lá, eu não me lembro o nome agora, eu fiquei em quatro cidades ali dentro, que eu rodei ali dentro, muito daora, muito legal. Teve um lugar ali dentro que parecia que era São Paulo, de tão movimentada que era, eu me senti assim… Um monte de carro, trânsito lascado, à noite. Ali que eu me senti, sabe a Sandra poderosa? A Sandra com força, com garra mesmo! "Se eu consegui passar aqui, agora passo em qualquer lugar", tipo assim? Ali que foi o foco mesmo da minha vida. Aí quando eu cheguei lá na Aduana, eu peguei falei para os meninos: "nossa, cara do céu, eu fui em tal lugar, parecia que eu estava em São Paulo, um trânsito lascado, se eu consegui passar ali, eu vou em qualquer canto agora, agora ninguém me segura mais". Eu sou muito persistente, muito persistente. Aí beleza, aí teve um lugar lá que eu não podia descarregar meu caminhão, que a gente levava pneu, transportava pneu e voltava com qualquer coisa, o nosso forte era subir com pneu. Aí teve um depósito lá que eles não deixavam eu entrar, “mas porquê?". Eu não poderia descarregar meu caminhão, mulher não entrava lá na firma para descarregar. Eu liguei na firma, a firma ligou lá, mostrei crachá, mostrei tudo, não deixaram eu descarregar. Foi o outro colega que descarregou meu caminhão, por eles não deixarem eu descarregar, por eu ser mulher, na época.
P/1 - E como você se sentiu?
R - Eu me senti assim, como eu não tinha a cabeça que eu tenho hoje, tipo assim, na época eu me senti: “Tá bom, não quer deixar, beleza”. Mas só que você vai convivendo, convivendo, você vai lembrando... aconteceu só nessa empresa, lá dentro, nas outras foram normais. Aí o colega ainda, que levou o meu caminhão, falou assim: "Viu, mas ela é a motorista". Mas não adiantou. Daí eu peguei, como eu falei, a empresa ligou. “Poxa, mas eu sou a motorista, eu tenho que descarregar meu caminhão, não é ele que tem que descarregar o meu caminhão, ele não está vendo que eu estou com o uniforme, estou com crachá, que estou com tudo, é errado ele fazer isso daí”. Mas beleza, para evitar confusão, evitar transtorno, ele pegou e descarregou o meu caminhão. Mas isso daí foi só essa empresa, e sabe quando você é desmerecida na área, que nem eu disse, eu sou uma pessoa muito persistente, eu tenho comigo que eu vou conseguir, eu vou conseguir. Sabe quando uma pessoa é negativa contigo? E ali que você vai tendo mais impulso, mas firmeza, mais objetivo do que você quer? É o que acontece comigo. Ao contrário, o que fazem comigo, parece que é o motor que me move, que tipo assim, eu vou mostrar que eu sou capaz, que eu tenho capacidade, que eu sou capaz daquilo onde eu estou, seja em qualquer situação. É isso que me move, é isso que me move, o desafio, o que me move é o desafio, o desafio de mostrar porque minha mãe me colocou no mundo, para que escolher aquela profissão, aquela função para eu fazer. É o desafio que me move.
P/1 - E depois dessa empresa, como continuou a sua trajetória no caminhão?
R - Aí depois dessa daí eu voltei para o ônibus de novo, eu voltei para o ônibus, sai fora, não por esse motivo, pelo contrário, que nem eu falei. Como eu fazia Mercosul, eu ficava muito tempo fora de casa, então eu não estava naquela época de mexer com caminhão ainda, eu achei que ainda não era o momento para mim, meu filho caçula tinha dez anos, na época. Aí eu voltei para o ônibus na Imperial, a Imperial me recolheu de novo, trabalhei uns dois anos e meio ali. Aí depois eu fui fazer Viação Itu, fui trabalhar com urbano, circular. Aí trabalhei no circular, ali foi o "top". E ali começou com a Miriam, a primeira mulher - que eu dei o nome para você - não sei se ela fez entrevista contigo. Ela foi a primeira mulher a trabalhar no ônibus, lá na cidade nossa, em Itu, aí entrou eu, aí veio vindo as meninas, a firma abriu espaço, a Miriam entrou, e a firma foi abrindo espaço para entrar mais mulheres. Olha, trabalhar com urbano, eu amo trabalhar com urbano, eu amo, amo demais, eu gosto de amizade, eu gosto de fazer amizades. Aí depois trabalhei no urbano, ali mesmo na empresa, aí tinha articulado, sanfonado e a gente não trabalhava com sanfonada. Aí quem foi trabalhar? Eu! A primeira motorista a trabalhar no sanfonado, porque eu era persistente, eu sou persistente, quando eu quero eu quero. Aí foi lá, deu oportunidade para eu trabalhar no sanfonado, o articulado lá, nossa, foi maior festa, aquela filmagem, filmou tudo, eu trabalhando. Foi lá filmar, a rádio da cidade foi filmar tudo, eu me senti, nossa senhora, um balãozinho. A primeira mulher motorista. Aí Luiza, ninguém segurou mais eu, ninguém segura mais eu, nem marido, nem filho, nem família, o que eu queria eu corria atrás, marido dando apoio, filho dando apoio, família dando apoio. Aí eu fui tudo, filmou tudo, eu no ônibus articulado. Aí beleza. Aí veio a Miriam, a Miriam entrou no articulado. A Mirian começou primeiro no convencional, eu a segunda, aí eu comecei no articulado a primeira, e a Miriam veio a segunda. Aí vieram as meninas. Hoje tem a Patrícia, só ela trabalha no articulado hoje lá, das meninas do articulado ficou só ela. Mas tem mais mulher lá hoje, tem bastante mulher lá hoje. Tinha mais, agora tem menos, por causa da crise também. E ali na Viação, foi ali que eu comecei a trabalhar com carro grande, ser condutora de veículo grande, ali que eu comecei de verdade mesmo com transporte de veículo grande, condutora de veículo grande. Trabalhei no ônibus, no circular urbano, trabalhei quatro anos na empresa ali, se eu não me engano quatro anos trabalhei na empresa. Aí eu comecei no convencional, a primeira motorista mulher foi uma amiga minha, Mirian, trabalha no convencional, aí depois fui eu a segunda, e assim foi vindo, trazendo mais mulheres para empresa. Aí tem um articulado na firma, só que a gente não dirigia articulado, aí quem foi articulado? Eu, a primeira, a primeira mulher de articulado na cidade, ô meu Deus! Que orgulho que eu tive! Aquela sensação gostosa, aquela sensação de tudo que você está fazendo, você está conquistando, tudo que você está batalhando, você está conquistando. Essa é a sensação que eu tenho, que levo comigo até hoje. Posso estar aqui, posso estar amanhã, é esse ai meu objetivo, de conquistas, de ser focada naquilo que eu quero. Aí foi dirigir o articulado, sanfonado, foi filmado tudo na época que eu comecei a dirigir o sanfonado pela cidade, pela cidade de Itu, foi muito legal isso daí. Você vê que você tem o merecimento, é um orgulho para você, é um prazer que dá para você crescer mais, cada vez mais de buscar mais os seus objetivos. Mas enfim, eu lembro assim do articulado, eu trabalhava de segunda a sábado no articulado, e de domingo eu trabalhava no convencional, que era pouca gente na cidade, que rodava na cidade, então era um carro pequeno. Tem um amigo, o Diego, ele é menor que eu. Os meninos falavam assim pra mim: "Cadê, cadê a motorista, cadê a motorista do articulado, cadê?" Tiravam o maior sarro de mim, porque eu sou pequenininha (risos). "Cadê, onde está a menina do articulado? Cadê a motorista?" Tiravam o sarro de mim, mas sabe aquele sarro gostoso? De entusiasmo, de ajudar você. Porque tem colega que quer ver você bem, quer ver você crescer, tem colega que quer ver você crescer. E aqueles que não querem são minorias, é ali que você tem que provar para você mesmo que você pode, não provar para ele, não provar para ninguém, mas para você mesmo. A pessoa que desmotiva você... eu penso assim comigo, é a pessoa, ou ela quer ser igual a você, ou ela não tem capacidade de ser o que você é. Então é naquela hora que você tem que mostrar que você é capaz, que você consegue. Aí foi tudo, beleza. Aí o Dieguinho, Dieguinho era meu cobrador, hoje ele é motorista de articulada, mais pequenininho que eu hoje. Aí a gente foi fazer a rodovia 75 e a 79, entrava na cidade. Aí teve uma época, isso daí eu nunca esqueço, tem dois fatos que eu não esqueço da minha época de articulado, o Dieguinho, estava tendo jogo do Corinthians, e eu sou corinthiana e ele também era. Pensa num cobrador zoeira, o Diego, a gente ficava com fone de ouvido, era final de semana, aí o Diego falava assim: "Gol!" Aí ficava todo mundo assim... batia na caixa de cobrador e todo mundo pulava, era zoeira demais ele. E hoje ele trabalha no ônibus hoje, de cobrador, ele foi promovido para ônibus, faz um tempinho já que ele está no ônibus. É que nem eu falo para você Luiza, se você tem foco, se você tem objetivo, cara, não deixe ninguém estragar o seu objetivo, o seu foco, vai atrás, vai atrás que você consegue, você só não vai conseguir... Mas pelo menos você tentou, você foi, você buscou. E por mais que aquela empresa feche a porta para você, porque não foi fácil para gente da cidade aqui, Itu, porque era a única empresa de ônibus que tinha ali. Então a gente sempre estava correndo atrás, correndo atrás e a gente conseguiu o nosso objetivo. Eu penso assim, você corre atrás, não desanima por fato do não que você levou naquela porta, você levou naquela, mas você não sabe a outra como vai te receber, como ela vai te abrir, ele vai te escutar, alguém vai te escutar, alguém vai abrir a porta para você, é assim que eu levo. E teve uma vez na Viação, no articulado, era de tarde, finalzinho de tarde, duas moças, adolescente assim. Falou assim: "Nunca andei com uma motorista mulher". Era horário de pico, as meninas subiram no ônibus, duas meninas subiram e falaram assim: "Nunca andei com uma motorista de ônibus”. Aí eu olhei para o meu cobrador assim, olhei para ela assim, ai eu falei assim: "Oi! Você está reclamando à toa, vem vindo um monte de macho aí atrás, dirigindo aí, é só você descer e pegar eles, simples, simples, só isso só!" A colega dela, falou assim: "Tá vendo, não precisava escutar isso daí!”. Só que ela não desceu não, ela ficou, ficou, passou a catraca lá e ficou. Teve uma época… o articulado… é muita gente no ônibus, a gente sempre trocava de cobrador, eu sempre me dei bem com os compradores, com todo mundo na verdade. Aí eu olhei no retrovisor assim. O articulado é bem baixo assim, olhei no retrovisor, só mãozinha erguida, eu pensei: “Nossa, que responsabilidade que a gente carrega nas costas, é muita responsabilidade”. Assim na minha mente. Aí cheguei no terminal do meu bairro, eu perguntei para o cobrador assim: "Ou parceiro, quanto que veio aí dentro?” Ele falou: “140 pessoas”. Sabe quando você para e pensa assim: “Puta que pariu, que responsabilidade”. É uma profissão que você é criticada, brigam por nada com você, Tá certo que tem hora que dá estresse, dá estresse, apesar que esse negócio de estresse para mim não existe não. Eu acho que eu sou muito zoeira, então para mim... eu vejo pelos meus parceiros da época. É muita responsabilidade, demais, eu acho que deveria ver mais a área de motorista assim, principalmente no ônibus, ver mais, sei lá, independente de quem que a gente… a gente fala, é isso aí. Sabe quando cai a ficha assim, você transportando tudo aquilo ali, um monte de gente, ser humano, gente que vai embora para casa ver os seus familiares, aquele risco que você não pode cometer, um deslize sequer você leva a vida de pessoas embora, foi aí que foi crescendo mais em mim de ir mais para frente, sempre para frente. Aí depois dessa Viação, a Viação me mandou embora na época, depois de quatro anos, alegando uma coisa que eu não fiz. Mas beleza, eu só tenho que agradecer a ela, demais da conta. Aí fui para a São João, em Sorocaba, fui trabalhar na São João em Sorocaba, com fretado, fretamento de firma. Aí eu fiquei lá na São João dois anos, se não me engano dois anos fiquei na São João, aí eu puxava a linha da Tecsis, aquela paraeólica, fechou a firma na época, aí mandaram a gente embora, fiquei desempregada. Aí bateu o desespero em mim, porque eu não podia ficar parada, eu gosto de trabalhar. Aí a Patrícia, a Mirian, que trabalhava na Viação Itu, entrou no tanque da cidade, da nossa cidade lá, Itulog, o nome na época. Lá tinha três, Vanderleia e um bitrem, ela entrou, a primeira mulher que entrou lá. Aí eu estava desempregada, só que a gente não tinha muita amizade, ela arrumou serviço para Patrícia que trabalha na Viação Itu hoje, sempre trabalhou, na verdade, a Patrícia. Só que a Patrícia não quis, aí a Patrícia me indicou para Mirian, só que eu não tinha amizade com a Mirian, a gente não se bicava muito, a gente trabalhava na mesma firma, na Viação. Aí a Patrícia me indicou para Mirian, aí a Mirian me chamou, falou se eu queria. “Beleza, eu quero!” Aí foi lá conversar com meu ex-patrão, esqueci o nome dele agora, uma pessoa maravilhosa, maravilhosa. Ele pegou e falou assim para mim… me chamou: “Sandra, você quer trabalhar com caminhão? Só que só tem bitrem. Você topa?” Pelo telefone. Aí eu falei assim: “Demorou!” Falei para ele. Nunca tinha pegado um bitrem na vida. Eu tô triste de não ter lembrado o nome dele, eu não lembro o nome dele agora. Aí ele pegou, “não, demorou”! Aí fui lá fazer teste, aí fui lá fazer entrevista com ele. Aí fui para Ribeirão Preto pegar a carreta, buscar a carreta, ele tinha comprado o bitrem lá em Ribeirão Preto. Aí fizemos o teste no pátio, vazia. “E aí, tá beleza?” “Beleza!” Não tinha experiência de nada mesmo. Entrei lá na TransRebeca, fiquei quatro meses, mas não tinha experiência de nada. Peguei a carreta, mandou carregar ali mesmo, na Delta Ribeirão, aí fui carregar na Delta Ribeirão. Moça do céu, eu fui descer aquela Santa Rita de Passa Quatro ali, eu só não morri porque foi Deus que segurou eu, na época. A gente no tanque não pode trabalhar de short, de chinelo, não pode, tem que trabalhar de calça, equipada. E ali trabalhava à vontade, eu trabalhava de short, de vestido, chinelo, descalço. Eu lembro, eu estava com um short azul, sabe quando você está indo assim, você vê, vai sobrar só um fiozinho do azul do seu short, eu tava me vendo assim lá embaixo, porque ela faz assim ó, ela é que nem um tobogã. E nada Luiza, da carreta segurar. Mas isso daí eu era inexperiente, eu não tinha experiência. Ela estava carregada, ela estava com 58 kg, total bruto, e eu estava segurando o caminhão no cavalo, e eu não deixava ir para o conta-giros. O conta-giros você tem o verde, o amarelo e o vermelho, o conta-giros tem que chegar até o finalzinho do amarelo para o caminhão segurar, para ele segurar. Então você vai reduzindo a marcha e vai deixando ele no conta-giros, para o caminhão segurar, para você não ficar colocando o pé. E na época eu não tinha noção, eu não entendia de nada, e eu só no pé, no pé. Menina do céu, era retentor estourado, era fumaça pegando no caminhão, nos pneus lá atrás, e eu: “Senhor da glória me segura, pelo amor de Deus”. Eu clamando a Deus para me segurar ali. E tava "fumaciando" as rodas. E eu conheci uma pessoa, um amigo, nessa época era final do ano e ele estava trabalhando com caminhão pequenininho, e ele estava com ajudante, e eles querendo ir embora que era final do ano. Aí ele viu que eu estava desesperada "fumaciando" o caminhão, ele do lado. “Você é louca? Você quer morrer, você não ama essa vida? Para esse caminhão!”. E eu comigo: “Eu estou querendo parar, mas não estou conseguindo”. Eu só sei que eu passei a primeira, a primeira de tobogã assim, veio na segunda, na segunda eu acho que Deus falou assim: “Não filha, não é sua vez agora não, eu vou segurar você”. Tipo assim na minha mente. Aí do nada o caminhão segurou, no que ele segurou eu joguei para acostamento, eu joguei no acostamento, tremendo, tremendo, nervosa que eu tava, medo de morrer que eu tava aquele dia, morrer queimada, morrer, eu estava com medo de morrer aquele dia ali. Aí eu parei o caminhão no acostamento, aí ele parou na minha frente, nossa, mas esse moço veio me xingando, mas bravo, “larga essa porcaria ai, vamos embora comigo”. Isso era... aconteceu umas nove e meia da manhã. Eu fui sair dali era umas três horas da tarde, eu tremia. Aí liguei, acionamos o Gabriel, meu ex-patrão, gente boa para caramba, Gabriel o nome dele. Aí eu acionei o Gabriel, aí o Gabriel acionou onde a gente comprou o caminhão, veio o mecânico, veio tudo. Só que, tipo assim, na época… Esse moço veio, queria descer o caminhão, tirar o caminhão, terminar de descer o caminhão, eu falei assim: “Não, se eu não vou, não é você quem vai”, “eu não quero morrer, eu vou deixar você morrer. Não, deixa o caminhão aqui mesmo!” Aí ele acionou o meu patrão lá, aí o meu patrão resolveu aqui. Aí acionei o Gabriel, o Gabriel chamou o cara lá de Ribeirão, que a gente comprou o caminhão dele lá, aí ele mexeu, desceu com caminhão tudo. Resumindo, arrumou o caminhão, mas foi um sufoco, um sufoco, que eu vou falar para você, eu nunca vou esquecer na vida. E depois desse dia, eu fiquei com medo de descer a serra, de curvas, eu fiquei com medo, tipo assim, eu tô aqui reta, vai fazer uma curva, eu ficava assim, como se eu quisesse ver ela, onde ela tá, onde ela ia terminar. Eu peguei um medo, que eu chegava a chorar, porque eu não conseguia, eu não conseguia, eu não conseguia soltar o caminhão, do trauma que eu peguei. Beleza, esse Gabriel aí... eu e a Mirian fizemos uma amizade tão gostosa, quando a gente trabalhava na Viação a gente não tinha… eu fui ter amizade com ela nessa empresa que ela me indicou, e foi através da Patrícia que eu comecei de verdade na minha área de profissão, e agradeço muito a ela também de ter dado essa vaga para mim.
Aí fechou, a Miriam saiu primeiro que eu da Itulog, era só nós duas de mulher, aí eu fui a última funcionária a sair da empresa, fechei a porta. Não tinha como carregar, aí o Gabriel falou assim: “Sandra, sobe o eixo e desce para Itu”. Aí na hora que ele falou isso, eu falei: “Nossa, judiação, acabou a Itulog”, tipo assim na minha mente. E realmente fechou, ela fechou.
Aí depois daí eu fui para câmara fria, na Colt, Trabalhei na Colt. E na itulog, o Gabriel fazia de tudo para gente, a gente era de Itu e trabalhava aqui em Paulínia, a gente deixava o caminhão aqui, ele pagava o Uber para gente, para a gente ir embora, ele reembolsava para gente. Para você ver, quando a gente é valorizada, cara, o seu ego... você se dedica mais a fazer aquilo que está fazendo. Está te reconhecendo, está fazendo por você. Aí beleza, isso aí eu agradeço muito a ele, muito, muito, mesmo. E acabou, fechou a Itulog. Aí eu fui para câmara fria, na Colt, aí Colt tem um salário e tem mais uma comissão, e eu não gostei de trabalhar com comissão, eu fui para Brasília, primeira carga minha. Ali também eu conheci lugares que eu não conheci na Itulog. Na itulog eu conheci bastante lugares também, mas na Colt conheci mais lugares ainda. Aí eu fui para Brasília, essa carga eu fui carregar lá no Parque Novo Mundo, puxava chocolate, puxava não, transportava chocolate. Aí transportava chocolate. Fui lá para Brasília, fiquei uma semana lá, eu carreguei dia doze, a minha carga para descarregar era dia trinta, aí não aceitaram, aí voltei aqui para Cordeirópolis, na Nestlé, mais uma semana ali. Aí eu falei para o meu gestor assim... E eu e o gestor não se dava. Aí eu peguei e falei para ele assim: “Daqui eu vou para garagem, não quero mais, morreu, para mim já deu!” “Mas Sandra”. “Não, não quero, já deu! Daqui eu vou para garagem.” E ali na Colt, eu era a única mulher também, na Colt, me abraçaram na Colt. Cara, não tinha lugar para mim, arrumaram. Não tenho o que falar da Colt nessa parte, não tenho, não tenho. Aí voltei para Colt, aí ele falou: “Mas por quê você vai vim?” “Você fala porque ainda, blá, blá....” Voltei para a Colt, cheguei lá no Marcão. Marcão é o chefe do transporte, ele falou assim: “Sandra, vai para casa, pega sete dias, depois de uma semana você volta”. Eles não queriam me deixar sair, na época. “Tá bom, eu vou, eu vou, mas eu vou voltar e vou pedir as contas, não dá para mim, para mim já deu”. “Vai, vai, vai, vai, vai descansar”. Eu fui descansar, fiquei uma semana em casa. Aí voltei lá para RH: “Tô saindo fora, não quero mais”. Aí o RH conversou comigo, tudo! “Não, não quero mais não, para mim já deu, do jeito que eu entrei eu quero sair, porque a gente sabe o dia de amanhã eu quero tá com a cabeça erguida, hoje eu não quero ficar, mas vai que amanhã eu estou aqui batendo de novo na porta, eu quero sair de bem com todo mundo”. Foi dureza para dar a minhas contas, mas deram (risos). Aí deram minha conta, aí eu fui trabalhar na Carline, lá em Itu, puxando cerveja da Heineken. Aí beleza, aí entrei lá, era a única mulher também lá na Carline, única mulher. Entrei. Eu fiz uma provinha lá, ô Luiza, até hoje, se eu pudesse pegar essa provinha, colocar num quadro, eu colocaria, mas pena que fica com eles, a provinha. Eu fiz a provinha, eu passei com nove e meio nessa prova, eu não entendia de nada, leiga de tudo. Eu queria estar na área, mas eu era leiga de tudo, de mecânica, de tudo, eu não vou dizer para você que eu não sei, hoje eu sei alguma coisa, mas no começo eu era leiga. Aí eu fiz a provinha lá para passar no teste, o senhor Jefferson falou assim para mim: “Parabéns, tirou nove e meio, foram poucas pessoas que tiraram nove e meio”. Nossa, aquilo ali me encheu, me deixou no balão total. Eu assim comigo: “Puta que pariu, eu sou foda mesmo - desse jeito - eu sou foda”. Falando comigo mesmo: “Tá vendo? Quando quer, quer, quando não quer, não adianta, eu sou foda mesmo”. Aí foi ali, puxei cerveja, eu fazia tanto na Itulog, como na Colt, como na Carline, eu fazia São Paulo, Santa Catarina, Brasília, Rio de Janeiro. Rio de Janeiro eu fui conhecer, a primeira vez que eu desci para o Rio de Janeiro foi na Carline, a Colt, primeira vez que eu desci para o Rio, foi na Colt. Aí Carline eu conheci mais lugares, fui à Santa Catarina ali, Paraná. E a Carline, a gente tinha que trabalhar em dupla, comecei sozinha, aí depois fui trabalhar tudo... Tinha um amigo, ele faleceu hoje, foi uma perda muito grande, demais da conta, não só ele, tem os outros amigos que eu converso até hoje também, não estão mais lá, mas tem alguns que estão. A gente, mulher, eu tiro por mim… eu falo por mim, você sendo motorista mulher, você tem que mostrar que você tem capacidade, e você tem que mostrar que você deve o respeito. Você deve mostrar que você deve o respeito, para ninguém te diminuir, você tem que se dar o respeito, para você receber o respeito, para ninguém deixar de te diminuir. E minha profissão hoje, eu tenho isso comigo, para me respeitarem, para me darem respeito, para me respeitarem, para ninguém me diminuir. E lá na Carline, eu ligava para o escritório: “Eu quero tal carga, tem tal carga? Eu quero ir para tal lugar”. Eu adorava ir para Cachoeirinha, eu gosto de viagem longa. E onde a gente vai assim, até hoje, eu sou muito bem recebida, Graças a Deus, não tenho que falar. E eu gostava muito de viagem longa, demais, eu gosto de viagem longa, porque você trabalha no seu ritmo, você não tem aquela correria. E aí, esse grande amigo que nós perdemos era zoeira demais, tem filmagem dele com a gente, filmando eu na estrada, eu filmando ele, não só aqui, como em qualquer empresa que eu trabalhei, filmagem que tem. Eu agradeço muito a ele, porque ele foi uma pessoa que deu muita força na época ali, sabe quando os outros vem falar alguma coisa? Ele já entrava no meio, ele se mostrava assim: “Não é porque ela é mulher que vai fazer isso e aquilo outro, vai tirar sarro”. Mas tem bastante gente ali que me apoiou bastante, até o próprio pessoal de dentro mesmo, de dentro da Carline. Não tenho do que reclamar, muito pelo contrário, só tenho a agradecer também, a ela também, que foi um lugar que eu conheci novas cidades também. E teve uma época que eu vim de Cachoeirinha, e eu fazia ali o Rio Grande do Sul, Santa Catarina. E eu queria parar na beira das praias, e a gente passa na beira das praias, só que eu não sabia onde eu parava o caminhão. E tem lugares que eu viajava, nos outros serviços eu parava para tirar foto - eu adoro tirar foto, foto é comigo - e eu achava aquele local bonito assim, eu tirava, e postava, tipo assim, uma recordação da minha vida, amanhã, ou depois, vai saber quem é a Sandra, como ela começou, até para os meus filhos mesmo. E voltando, eu queria parar ali em Ilhabela, na praia. Aí eu falei: “Amigo, eu estou em tal lugar, eu quero parar, quero descer e quero ir para praia. “Não Sandrinha, você vai parar no km 91”. “Beleza, valeu!” Não era que era 91 mesmo? Parei lá, fui lá para praia, eu e outro colega. Pena que esse dia estava chovendo, mas a gente foi mesmo assim, tiramos foto, entramos na água, mesmo chovendo eu queria ir. E ele foi, hoje ele também não trabalha mais lá, é outro colega também, pessoa muito dez. Aí depois dessa daí eu voltei para o tanque novamente, e eu gostava de trabalhar lá, e lá era dedicado. Você trabalhar dedicado... você dedicado para a empresa, você passa na frente de todo mundo, você não fica esperando. Então a gente subia, a gente descia vazio, às vezes. É muito bom ali na Carline, muito bom mesmo o serviço, eu só saí de lá por causa do salário, se o salário fosse bom mesmo, eu não tinha saído não.
Mas enfim, um amigo que me colocou aqui dentro, na Spajari, o Grilo, Wagner o nome dele, o apelido dele é Grilo. Ele falou para mim… Eu estava procurando serviço aqui, querendo voltar para o tanque de novo, porque o tanque é um serviço muito bom, muito gostoso para nós, que eu falo para mim mulher, muito bom, é um serviço que não é pesado, você praticamente não coloca a mão em nada. Tem hora que eu estou com unha pintada, tem hora que cai uma unha, mas a gente resolve, tem uma caixinha minha aqui de acessório, de esmalte, de unha, a gente cola de volta (risos). Aí o meu amigo Wagner - o apelido dele é Grilo - me indicou aqui, falou que era para eu conversar com o Paulinho, aí eu peguei e vim aqui entregar o currículo. Daí ele falou assim: “Você foi falar com o Paulinho?” “Não, não fui!” “Mas ele está querendo falar contigo, não sei o quê”. “Não, beleza, eu vou”. Aí fui embora para Itu, trabalhar. Aí depois de dois dias, eu acho, se eu não me engano uma semana, eu falei com a Juliana, a Juliana me ligou, falou assim: “Sandra, a gente tá querendo conversar com você”. Falei assim: “Olha, eu estou aqui em Cachoeirinha, estou voltando, assim que eu chegar posso procurar vocês?”. “Não, pode, sem problemas!” Terminei minha viagem, vim aqui conversei com a Juliana, resumindo, ela me contratou, ela falou assim: “Olha, pode pedir a conta lá na firma, pode fazer os seus trinta dias, que a gente vai esperar você”. “Beleza!” Aí fiz os trinta dias na Carline, agradeci eles lá e entrei na Spajari. Vai fazer dois anos que eu estou aqui, agora em abril, dois anos. Mas através do Grilo, ele me indicou aqui, porque aqui na firma a maioria é indicação. Aí eu conversei com o Paulinho estagiário, ele, a Juliana, e se eu não me engano o Wagner, o Magaiver. Joguei a real para eles, aí aceitaram de boa, aí estou aqui até hoje. Faço meu serviço como qualquer um... tive desavenças, numa base aqui, que o bicho pegou. O menino tirando uma comigo assim. Só por causa de um trava-quedas. O trava-quedas é assim, quando você coloca o trava-quedas é para você carregar o caminhão, para você descarregar não precisa, só que nesse dia eu ia carregar e a descarregar, aí eu coloquei o trava-quedas, aí o colega lá em cima começou: “Papapapapa”. Aquele falatório, aquela zueira comigo, aí eu colocando. Aí eu peguei na raiva, falei assim... lotado estava aqui, pleno sábado: “Ó, mas que caraio, tá invocando comigo por causa de um trava-quedas, mas que caraio, hein!” Dentro da base, beleza. Aí eles pararam um pouquinho, daqui a pouco voltaram de novo, coloquei o caminhão para descarregar, aí eu falei assim: “Eu vou ver o que eu vou carregar”, aí eu fui lá para ver o que que eu ia carregar, daí o cara lá falou assim: “Não Sandra, você não vai carregar, você ia carregar, mas você vai carregar só na segunda”. “Beleza!” Aí eu voltei, tirei o trava-quedas, aí começou de novo, tirando sarro de mim, e eu já esquentada. Aí eu subi na plataforma assim, e ele: “Pa pa pa”. Ah minha filha, aí eu não aguentei não, aí o pau torou mesmo. Aí eu comecei a falar, eu tava de máscara, e parece que eles não estavam me escutando, abaixei a máscara assim, e falei assim: “Mas que caraio, vocês me respeitem, porque hoje é comigo, amanhã pode ser com qualquer uma aqui dentro, então a gente deve o respeito, se eles são motoristas, se eles são profissionais, eu também sou, eu sou mulher e eu sou motorista, eu exijo respeito. Eu quero respeito com a minha pessoa, eu não saí da minha casa para ficar tirando chacota de mim, eu não saio da minha casa para eu ficar passeando”. Ah minha filha, eu desabei, soltei tudo ali dentro. Minha filha, eu sei que o barco fechou ali dentro. E o encarregado deles estava do meu lado e eu não sabia que era encarregado deles. E eu falei assim: “E eu vou falar com seu supervisor agora”. Desci a escada, fui lá onde eu fui esperar minha vez. “O que está acontecendo Sandra?” “Aqueles dois ali ó, quem é o responsável daqueles dois lá em cima?” “Não, não, mas o que tá acontecendo?”. “Isso, isso e isso!” Aí um deles veio... veio com papelzinho na mão assim, e eu na janelinha falando com o cara lá. Aí ele passou, aí ele voltou. Ele falou assim: “Já falou, deixa eu falar”. “Pode falar então”. Minha filha, eu nem deixei ele falar. Ele falou assim para mim: “É que…” “Não, você fala a verdade, fale a verdade, fale o que você falou, fala como você falou e honra o que você tem no vão das suas pernas”. Foi um pega para capar mesmo. Menina, acho que chamaram ele, os dois vieram comigo, tava descarregando lá, veio pedir desculpa. “Desculpa!” “Não, não vou falar nada para vocês. Eu só falo uma coisa para vocês, vocês mexeram com a mulher errada, vocês mexeram com a mulher errada, com a pessoa errada, então vocês pensem antes de falar, pense antes de criticar, pensa antes de falar ofensa para gente, porque isso foi comigo hoje, se eu abaixo a cabeça, entra outra motorista aí, vocês vão fazer a mesma coisa, então a gente quer o respeito, o mínimo que eu quero é respeito. Se eu estou aqui é porque eu estou trabalhando, eu sou profissional como qualquer um aqui dentro, então me respeite, e se coloque no seu lugar que eu me coloco no meu lugar.”
P/1 - Ô Sandra, quais são os maiores desafios trabalhando nessa área, para você?
R - Olha, no começo é difícil, não é fácil. Tem homem que… “O lugar dela é na cozinha, é em casa”. Tem homem que é assim! Tem homem que te apoia, ele te cresce, sua autoestima, te ergue, mas tem homem que você vê, pelo olhar, pelo jeito que te trata. Na minha função tem homem que eu não sei o que está [fazendo] aqui, era para estar em casa. E é aí que você não pode abaixar a cabeça. É nessa hora que você não pode. Você passa desafio, tem lugar que não cabe você e você tem que ficar. Tem lugar que tem banheiro só para homem, você tem que tomar banho naquele banheiro. Para mim Luiza, eu nunca deixei ninguém me deixar para baixo, quando querem me colocar para baixo, parece que eu subo dois degraus a mais, acima, para ser mais que eles.. não é para ser mais que eles, para ver que eu estou aqui, não de brincadeira, que é a profissão que eu escolhi, que a profissão que eu amo, que tem que me dar o respeito. A partir do momento que eu me dou o respeito, tem que me respeitar. Me colocava para baixo, eu subia dois degraus acima. Tem desafios? Tem! Claro que tem! E hoje, para mim, tem desafio ainda, mas só que hoje, não é que é bem menos, é que nem eu acabei de falar, você não pode abaixar a cabeça, se abaixar a cabeça, aí vai montar mesmo. E tem lugares para tomar banho assim, aqui tem um banheiro, um exemplo, aqui tem banheiro feminino e masculino, onde eu estou. Vamos supor que tem um banheiro, só um, “Ô amigão, dá para você dar uma olhadinha na porta para mim!” Pronto, tem colega que fala gracinha, piada, mas você tem que saber lidar com a situação, porque tipo assim, você não pode xingar, você não pode maltratar, porque você depende deles para te ajudar. Então você tem que ter um controle da situação, você tem que mostrar ponta firme, mas ao mesmo tempo você tem que ser cautelosa no que você fala, certas coisas. E nessa parte aí eu não tenho do que reclamar também não, os meninos olham para mim. Tem um lugar que tem só um banheiro, “Olha pra mim?!”. Tanto lá em Manguinhos, lá em Manguinhos é só de homem, nunca vi uma mulher ali, eu particularmente, eu passo ali, eu nunca vi mulher, parece que só eu vou ali, naquele lugar. Mas eu nunca tive esse tipo de situação. Mas é constrangedor quando um profissional igual a você te coloca para baixo, é muito ruim, é muito ruim isso daí. Então você tem que parar, na hora assim, tem hora que você nem pensa, você já vai, eu já falo, quando vai ver eu já falei, eu já disse, já foi mesmo, eu só não abaixo a cabeça. Tem um colega na firma aqui... dois fatores aconteceram comigo e eu falei, eu falei assim: “Você tem que dar o respeito, porque a gente está aqui para trabalhar, eu não estou aqui para brincar, eu não saio da minha casa... por mais que os meus filhos sejam todos grandes, eu não saio de lá porque eu não quero ficar com a minha família, não, eu estou aqui porque eu amo a minha profissão, eu não gosto da minha profissão, eu amo, eu sou apaixonada pelo que eu faço, pela minha profissão, e é aqui que eu tiro o sustento dela, que eu cuido dos meus filhos, que eu me cuido”. Eu sou vaidosa, muito vaidosa, então eu gosto demais da minha profissão, eu amo demais a minha profissão. E sabendo que eu sou a única mulher aqui na empresa, não é porque eu sou a única mulher na empresa que eu me sinto cheia, não é isso! Porque ela me deu essa oportunidade e eu espero que ela dê oportunidade para as outras colegas que estão vindo atrás também. Na verdade aonde quer que eu esteja, na profissão de condutora de veículo, eu quero que venha mais. Eu não quero ser assim, sou só eu na empresa, não é isso que eu quero para mim, eu quero que venham mais e mais, para a gente conquistar o que nós estamos conquistando aqui fora. E para ter o respeito merecido como os meninos têm. Para ter o mesmo salário que os meninos têm, para nós também, não é porque a gente trabalha na mesma função. Tem lugar que a gente ganha menos que o homem, não é assim. Eu acho que a gente não é menos profissional que eles, se eu estou onde eu estou é sinal que a empresa confia no meu serviço, ela confia no meu trabalho. E se eu não fosse uma boa funcionária, se eu não fosse uma boa representante para o nome que eu carrego da empresa, eu não estaria aqui. Então eu acho que eles têm que respeitar a gente, em geral.
P/1 - E Sandra, a gente está caminhando para o fim… Eu queria saber quais foram os maiores aprendizados que você tira dessa sua trajetória profissional?
R - Meu maior aprendizado, cara… eu olho para trás e vejo o quanto eu batalhei para estar onde eu estou hoje, o quanto eu batalhei, lá, desde nova, adolescente, juventude, depois de casada, depois de separada, de tanto obstáculo que eu passei, passo, às vezes, até hoje. Tem coisas que você passa que chateia você, mas você está ali firme e forte, mostrando para que eu vim, o que eu vim fazer. O aprendizado foi muito grande, está sendo muito grande, muito grande mesmo. Eu não sei qual o jeito de falar para você, é isso que eu me vejo… eu olho lá atrás para ver onde que eu estou hoje, às vezes eu fico deitada na cama aqui, às vezes eu fico pensando: “Puta que pariu, você é foda mesmo”. Se eu fosse de cabeça, mente pequena, mente fraca, eu não estaria onde eu estou hoje. Eu agradeço muito a Spajari, de ter me contratado, deu estar desempenhando a minha função, da melhor forma possível. Aonde eu vou, onde entrego os meus produtos, eu tenho certeza, onde eu carrego, descarregou, só vão falar bem de mim, e é isso que eu quero para mim, porque afinal de contas eu nem disse que eu tenho três filhos, o Endrio, o Cauã e o Renan. O Endrio tem trinta anos, o Cauã tem 26, e o Ranan tem 24. E eles são as pessoas que dão maior força para mim. Minha mãe, minha família, sabe quando você tem coisas que você pensa assim: “Nossa mãe…” Que nem dia do meu aniversário, dia de comemoração: “Eu tenho maior orgulho da senhora, a senhora é orgulho para mim”. E os meus filhos, não é falando não, Luiza, a educação que eu tive, com a minha família, eu passei para os meus filhos. Então os meus filhos... do jeito que eu trato a minha família, minha mãe, meus filhos me tratam igual, é um respeito com qualquer um. É que nem eu falo para eles, você tendo humildade, responsabilidade e não pisando em ninguém, é uma porta que se abre. E você sendo profissional, é um lugar que não fecha a porta para você nunca. Eu sempre levo comigo, a humildade é tudo para mim, é tudo para mim, e não adianta nada você dar uma rasteira num colega seu, e você subir, sabendo que o tombo vai ser pior que você subiu três degraus ai. E assim que eu vivo a vida, é assim que eu tenho minha vida, e estamos aí, para o que der e vier.
P/1 – Sandra, o que representa, qual a importância de você dirigir um caminhão, lutar pelo seu espaço, saber que você é capaz, e abrir tantas portas para outras mulheres, como você se sente?
R - Eu me sinto muito orgulhosa, muito orgulhosa, demais da conta. Eu quero passar assim para as meninas, que elas podem também, do jeito que eu consegui, da minha história de vida, de lá desde criança até onde eu estou, você consegue. Vai vir pessoas negativas, mas só que você não tem que colocar na cabeça isso, você tem que provar para você mesmo que você consegue, que você consegue estar onde você quiser. A mulher pode estar onde ela quiser, fazer o que ela quiser da vida. E é isso que eu vejo para elas, e eu torço muito para as meninas, até senhoras. Tem um grupo de mulheres caminhoneiros aí, que tá com cinquenta… recentemente aí, tem uma mulher de cinquenta anos se não me engano, 55, tirando a carta “E”. Aí, como ela vai fazer? Quer dizer, a mulher está crescendo, ela tem a possibilidade de crescer. Eu só penso assim comigo, Luiza, você dando respeito e sendo respeitada, e fazendo o seu profissional. Você sendo profissional, é uma porta que nunca vai se fechar, pelo contrário, ela vai só se abrir, mas você dando o respeito, você sendo profissional. Não estou julgando nada aqui. Eu só queria, eu vou falar de coração… a mulher motorista, a carreteira, a condutora de veículos de porte grande, ela tem que se respeitar, ela tem que se colocar no lugar, por quê? Para não deixar a empresa ter uma visão diferente. Nós temos que conquistar, nós estamos conquistando nosso espaço, mas tem chão ainda, tem chão ainda. E é nesse quesito aí que tem que melhorar um pouquinho, na minha opinião. Não estou falando que você não pode vestir um short curto, você pode fazer o que quiser, cada um sabe o que se passa na sua vida, mas se dê o respeito. Para a empresa, que está aí na nossa frente, falar: “Nossa, tem uma mulher, vamos contratá-la, vamos dar uma oportunidade para ela”. Porque eu garanto para você, você sabe disso, que tem muita mulher querendo ser caminhoneira. Tem coisas que a gente vê aí na rede social que atrapalha um pouquinho, atrapalha um pouquinho nessa área. Então é isso que eu falo, vamos se respeitar mais, vamos dar a mão uma para outra, vamos puxar essa mulherada aí para conquistar o espaço dela também, porque não é fácil, não é fácil, é difícil. Você tem essa oportunidade, esse prazer de estar no volante, num carro grande e você olhar para os retrovisor assim e ver, que nem diz um amigo, um rabo de um jacaré lá atrás de você, você transportando o mundo nas costas. As pessoas vêem você assim, onde você para, tem uns que olha assim: “Puta que pariu, é uma mulher!” É o maior orgulho para você, da pessoa ver que é uma condutora de veículo de transporte grande, manobrando um trem. Cara, eu tenho o maior orgulho de ver as meninas transportando nove eixos de baú, e olha que eu dirigi baú. E o baú para mim, na minha opinião, ele é um veículo leve demais, na minha opinião ele é mais fácil de tombar, na minha opinião. E eu vejo as meninas do nove eixos de baú, transportando, sabe quando você olha assim: “Puta, aquela ali é foda”. É assim que eu me vejo, através das outras motoristas, tanto de baú, como de graneleiro. O graneleiro é outro também, o graneleiro, ainda mais quando são duas grades, você tem que puxar corda, amarrar lona, e eu admiro muito elas também, de fazer essa profissão. É que nem eu falei, a minha área, eu não coloco praticamente a mão em nada, praticamente a mão em nada. Se eu coloco, eu não vou fazer aquele esforço igual elas fazem, principalmente as do graneleiro, a graneleira e a caçambeira, e eu tiro muito chapéu para elas. É um orgulho de ver elas, elas me incentivam mais ainda, a crescer. E eu vou falar uma coisa para você, eu só estou trabalhando de motorista, de condutora, porque eu amo e porque eu vi uma menina, se eu não me engano, na época ela tinha 22 anos, na época. Eu vi ela dirigindo uma cegonha na minha cidade. Eu sei que ela estava dirigindo uma cegonha, foi ali que essa moça me incentivou, eu não vi ela, eu não vi ela de frente, eu só vi ela descendo da cegonha, e foi ali. Eu já dirigia o ônibus, e foi dali que ela me incentivou a estar onde eu estou, eu não conheço essa pessoa, não conheço, não sei quem é. Mas foi ela que me incentivou na época, foi ela que... sabe? Tipo assim: Vai mulher, vai que você consegue! Foi dali que eu estou onde eu estou hoje. E eu não sei quem é essa pessoa, queria muito conhecer, mas não tem como conhecer ela, na época, não sei quem que é. Mas eu agradeço muito a ela, por ter visto ela, e ter me engajado onde eu estou hoje, só tenho que agradecer a Deus por tudo que ele me faz, já me tirou de muito sufoco. Deus está do meu lado 24 horas, isso não tem o que falar, e ele sempre me tirou de coisas ruins, coisas que poderiam acontecer comigo na estrada, Tipo assim, eu estou andando, eu parei aqui, o problema aconteceu aqui, quer dizer, não aconteceu comigo na estrada, aconteceu comigo no posto, numa base. Então eu tenho sempre que agradecer a Deus, e eu tenho fé em Deus, muita fé em Deus na minha vida, Deus está acima de tudo para mim, tudo, na hora de dormir, na hora de levantar, tudo que eu vou fazer, eu sempre agradeço a ele, a Deus, por tudo na minha vida. E eu agradeço, que nem eu falei, a firma que eu estou hoje, só tenho agradecer e vamos ver até onde eu vou, se Deus quiser, eu quero aposentar, parar, falta mais ou menos uns cinco, seis anos para eu parar e eu torço para as meninas que estão vindo, as meninas, as mulheres, tirando letra. Ontem mesmo eu vi uma mulher, não sei se tirou letra “E”. Então quer dizer, a mulherada está querendo engajar no ramo, de uma tal maneira que não é como era antigamente. Então é nessa parte que a gente tem que abraçar, ser unidas, não desmerecendo, tipo assim, eu dirijo um nove eixos, eu dirijo um caminhãozinho, não é isso não! Hoje ela está ali, mas amanhã está em outro canto, está com uma carreta maior. Eu conheci uma menina lá no pica-pau, no posto pica-pau de Limeira, ela estava com um caminhãozinho truquinho, pequenininho, e eu parei do lado dela, tava ela e uma outra mulher, aí eu fui para o banheiro, ela foi também. Daí ela pegou e falou assim: “É você que está dirigindo aquele de cem?” Cara, a mulher humilde, sabe o que é humilde? Humilde demais, ela falou assim... “não, sou eu sim, eu que tô dirigindo sim”. “Eu estou dirigindo um caminhãozinho que está do seu lado lá”. Eu estava puxando leite na época. Aí ela falou assim, Luiza, “eu que estou dirigindo caminhãozinho que está do teu lado, estava puxando leite.” “Legal cara, é isso aí mesmo, é assim mesmo que a gente começa, a gente tem que começar de baixo, para a gente crescer na vida”. Mas foi um papo assim, uma amizade, uma conversa super daora. Fora as amizades que a gente fez na estrada com carreteira. Cara, resumindo, é muito gostoso essa minha profissão, é apaixonante, e eu amo demais a minha profissão, e dou muito valor a ela, pode ter certeza disso, pode ter certeza que eu dou muito valor. E eu quero que os meus filhos me vejam, tipo assim, porque esse mundo é pequeno demais, aí você fala assim... eu penso comigo, os meus filhos estão em algum canto: “A Sandra, a Sandrinha, papappa....” Eu quero que escute bem de mim, não quero que escute balela de mim. Então eu tenho três filhos homens, eu quero respeito.
P/1 – Sandra, eu quero te agradecer demais. E queria saber como foi para você ser dividido um pouquinho da sua história com a gente, ter relembrado de alguns momentos importantes, como foi para você?
R - Pra mim foi uma honra. Eu já tinha recebido um convite desse, na própria empresa mesmo, a Juliana me falou para eu fazer um vídeo, só que eu não tive coragem de fazer. Eu agradeço muito, de coração, eu tenho maior orgulho de mim, demais, agradeço as pessoas que me ajudaram a estar onde eu estou, e agradeço a dar um apoio moral para as meninas que eu sempre tento ajudá-las, da melhor maneira possível. Não sou melhor que ninguém, jamais, não estou aqui para ser melhor que ninguém, pelo contrário, se eu puder ajudar, eu vou ajudar, com certeza, com certeza, não quero ser melhor que ninguém, ninguém é melhor que ninguém. Ninguém sabe de nada, ninguém sabe tudo, todo mundo está na vida para aprender um pouquinho de cada coisa. E essa vida nossa aqui é uma vida, ao mesmo tempo boa, gostosa, ao mesmo tempo ruim, porque que nem eu falei, você tem os obstáculos, muito obstáculo na frente, mas são os obstáculos que você pode superar, que você pode passar por eles da melhor forma possível, sem agredir ninguém, sem xingar ninguém. Nessa profissão nossa aqui, ela é uma arma engatilhada, então você tem que ter cautela, responsabilidade. Eu falo assim comigo: “Tá bom para você? Ou você sai do serviço, faça aquilo que você ama, faça aquilo que você gosta, não faça aquilo por dinheiro, não faça aquilo porque você vai receber um dinheiro, faz aquilo com prazer”. Satisfatório para você, porque ao mesmo tempo que você trabalha, você se diverte. É o meu caso, eu trabalho e estou me divertindo ao mesmo tempo. E eu agradeço a Deus por tudo, tudo, tudo, na minha vida, eu sou muito grata por tudo na minha vida, tudo, tudo, no começo, meio e fim, até onde eu estou hoje, na verdade. E só espero que eu cresça cada vez mais, se você tem um objetivo você vai longe, e se você tem uma autoestima você vai mais longe ainda, se você se amar... Primeiro você se ama, para depois alguém amar você, se você se ama, não tem ninguém que não vai amar você, não tem ninguém que vai atrapalhar você. E quanto ao profissional, batalha, eu só quero que as meninas corram atrás, não desanime e se alguém falar que não, fala para você mesmo que você consegue, consegue e consegue mesmo. E mostra para que sua mãe colocou você no mundo, para que você veio ao mundo, é isso que eu tenho comigo, é desse jeito. E um beijão para todo mundo, um abração para todo mundo, e é isso.
P/1 - Sandra, muito, muito, obrigada. Que a sua caminhada continue sendo linda e sendo exemplo para muitas mulheres, não só caminhoneiras. E eu quero te agradecer demais, em nome do Museu, em meu nome. Muito gostoso passar esse tempo com você. Vamos nos falando... já soube que você é da fotografia, então quero suas fotos, se você quiser disponibilizar algumas para gente, para a gente conseguir ver um pouquinho mais. E te agradeço, a gente vai conversando, assim que tiver tudo pronto a gente te envia.
R - Eu só queria falar uma coisinha no final, Luiza, que nem eu já falei, eu queria agradecer muitos meus filhos. Que meus filhos são tudo para mim, é através deles que eu me engajo, eu me fortaleço, para ser a mãe que eu sou, a mulher que eu sou, a profissional que eu sou. Eu só tenho agradecer os meus filhos, pelo apoio que eles dão para mim, é isso.
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