Programa Conte Sua História - Vivências LGBTQIAPN+
Entrevista de Moisés Zeferino da Silva Filho
Entrevistado por Bruna Oliveira
São Paulo, 01/09/2023
Entrevista n.º: PCSH_HV1411
Realizada por Museu da Pessoa
Revisada por Bruna Oliveira
P/1 – Moisés, para começar, eu queria que você dissesse seu nome completo, a data e o local do seu nascimento?
R – Meu nome é Moisés Zeferino da Silva Filho, tenho 62 anos, nasci na cidade de Barreiros, no estado de Pernambuco.
P/1 – Em que data você nasceu?
R – 12 de outubro de 1960.
P/1 – E te contaram como foi o dia do seu nascimento?
R – A minha mãe, sim. Ela falou que passou três dias para que eu chegasse a nascer. E no dia do meu nascimento, foi chamado a parteira para colaborar no parto, eu atravessei a barriga da minha mãe. Então, quando eu vim nascer foi 3 horas depois, preto, o corpo totalmente preto e sem respirar. A parteira teve que bater bastante, entendeu! Para eu respirar, então eu já nasci tomando pancadas.
P/1 – E como é o nome da sua mãe?
R – Marlene Maria da Silva.
P/1 – E como era a sua relação com ela, na infância?
R – Conflituosa, porque era assim, aos 9 anos de idade, as pessoas me tratavam como gay. Eu não sabia o que era ser gay, entendeu! Porque na verdade a palavra gay no nordeste, na época não existia, a palavra era frango, então falava que era um franguinho, entendeu! E eu não entendia nada disso! Daí então já começou os bullying, preconceito, entendeu! E eu fui crescendo, convivendo com isso. Aí aos 13 anos, eu tive o meu primeiro relacionamento, com um rapaz que era muito amigo, eu tinha 13, ele tinha 11. A gente na verdade não sabia o que estava fazendo. Mas era assim, um relacionamento de muito amor, muito carinho, muita amizade, entendeu! E durou até os meus 18 anos.
P/1 – E como era o nome do seu pai e sua relação com ele?
R – Meu pai se chamava Moisés também. Moisés Zeferino da Silva. Eu não tinha uma boa aproximação com ele, porque ele não era um pai presente, ele na época era uma pessoa muito mulherengo e deixou a nossa família passando necessidade financeira para assumir uma outra família. Assumiu uma senhora que ela era uma pessoa do meio da prostituição e deu o nome para ela. Eu achei que isso pra ele, o tipo do comportamento dele referente a nossa família, eu achei uma coisa legal que ele deu o nome para uma mulher, uma mulher que na época, entendeu! Enfrentava certamente preconceito, por ser uma mulher diferente das outras, eu achei muito legal! Mas o que eu não achei legal é que ele abandonou a nossa família. Então, tem alguns conflitos assim, em termos de eu ir atrás da nossa pensão. Ele deixou a minha mãe com dois filhos, eu e o meu irmão, aí no decorrer dos anos, minha mãe ganhou oito filhos. E ela também ganhou oito filhos.
P/1 – E como é o nome dos seus irmãos e sua relação com eles?
R – O meu irmão de sangue… A minha irmã mais nova, com o nome de Zeneide, alias, Zuleide, a gente tinha uma boa relação como amigo, entendeu! Aí depois quando ela ficou de maior, teve uns problemas, que ela começou a me acusar de eu estar saindo com o marido dela, onde na verdade eu nunca fiz isso. Porque o marido dela era uma pessoa muito simpática, me tratava muito bem, ele era uma pessoa que não tinha preconceito, então isso incomodou ela e foi assim que o nosso relacionamento acabou. Com o passar dos anos, foi que voltou a se tornar novamente, hoje nós somos ‘de boa’. Mas ela foi uma pessoa que me deu muito apoio na minha vida de gay. Quando eu me assumi diante da minha mãe, porque não tinha como eu não me assumir diante da minha mãe, porque a minha mãe me flagrou, numa cena junto com o meu namorado da época. Então não tinha como não me assumir diante da minha mãe. Aí minha mãe pegou, falou que ia mandar eu vim morar com o meu pai, porque ela não me aguentava mais, que eu tinha feito uma coisa muito estúpida. Aí eu peguei, como todos adolescentes, tava com 14 anos na época, dramático. Então eu fiz o meu drama, comecei a chorar, falei que não ia de maneira alguma morar com o meu pai. Com isso minha mãe ficou de boa e eu levei uma vida normal com a minha mãe, entre aspas, porque ela sempre cobrava para eu ser uma pessoa diferente, as diferenças que ela falava, assim, queria criar um filho para ter família, para constituir família, entendeu! E eu fazia o inverso, eu era uma pessoa que eu ficava com um e com outro na época, isso ela ficava muito P da vida. Quando foi um dia, ela pegou, me deu uma surra, me jogou no chão, subiu em cima de mim como tivesse subindo em cima de uma animal e tome cintada. E falava assim pra mim, “Moisés, enquanto você não mudar, eu vou te matar de pancada.” “Problema seu!” Aí naquele momento eu todo machucado. Dias depois eu nem liguei, ia fazer a mesma coisa, porque eu tinha um comportamento que até eu mesmo estranhava, parecia uma pessoa no cio frequentemente, ficava com um, com outro, com um, com outro. Então era uma pessoa assim. Então com isso as pessoas foram se afastando de mim, os meus amigos… eu não tinha mais amigos, eram colegas. As mães, na época, proibiam dos filhos se aproximarem de mim, porque para elas os filhos iam viram homossexual igual a mim. Porque na época da ditadura, entendeu! E chegou um momento que também os meninos ficavam atrás de mim o tempo todo. A maioria das vezes eu não queria, aí eu tomava pancada, apanhava mesmo, no meio da rua. Teve uma época que eu fui pegar umas compras da mulher que me adotou, que eu era uma pessoa de vida financeira muito precária mesmo, aí de tanto eu passar necessidade, eu fui morar com essa família, essa família cuidou muito bem de mim. Nesse dia que eu fui pegar as compras, numa loja de magazine, no meio da caminho eu comecei a brincar, uma moleque chegou perto de mim, me chamando de frango, que eu transava com um, que eu transava com outro, eu calado. E de repente ele pegou e me deu um tapa na cara, me atraquei com ele, meti a porrada, mas eu tive desvantagem, que subiu aquele monte de moleque em cima de mim, todo mundo me espancando, aí um senhorzinho pegou me socorreu, as molecadas de cima de mim e eu lá todo machucado. E com isso aí eu consegui enfrentar a vida com mais firmeza, não deixava ninguém me xingar, me humilhar, eu enfrentava as pessoas de boa. Aí quando foi depois, quando eu comecei a atingir a maioridade, tava quase próximo da maior idade, eu resolvi vim embora para São Paulo, porque eu queria mudar a minha vida sexual, a minha vida financeira, achava eu que ia mudar a vida sexual, porque é uma vez gay, sempre gay. Aí vim aqui para São Paulo, aí vim em pau de arara, era um caminhão que era do amigo do meu pai, que ele comprava boi em Minas Gerais. Aí ele me trouxe até a Bahia, eu vinha dormindo na carroceria do caminhão com uma lona e abaixo dessa lona tinha cocô de boi, eu dormia ali, ali a noite inteira, um frio estarrecedor. Aí ele me trouxe até Vitória da Conquista, me deu um apoio muito grande, pagava minha alimentação no meio do caminho. E pegou pagou para uma pessoa me colocar dentro do ônibus até eu partir. Porque eu era uma pessoa assim, apesar dos meus 18 anos e alguns meses, era uma pessoa muito bobinha, garoto do interior. Então, ele ficou com medo de eu me perder. Aí eu vim aqui para São Paulo. A minha família falava que morava no Aeroporto de Congonhas. Nossa, Aeroporto de Congonhas, vou morar num lugar legal. Aí fui parar numa favela chamada Favela do Buraco Quente, que hoje existe nesse local um grande atacadista, eu não posso falar para não fazer propaganda. Aí na época que eu fui morar nessa favela eu fui confundido com um traficante procurado pela polícia e foi muito humilhante pra mim a polícia mandou tirar a roupa, eu só fiquei de cueca, aquele monte de gente ao redor, todo mundo fazendo aqueles comentários maldosos, outros não, com dó. No meio dessa gente teve uma menina que falou que me conhecia, que eu morava ali a pouco tempo, aí o policial pegou, tirou uma foto para discutir se era a mesma pessoa que eles estavam procurando, um falava que era diferente, outro falava que não era. E com isso chegaram à conclusão que teriam que me dispensar. Me dispensaram e eu fiquei muito trêmulo, não conseguia tirar os pés do chão, aí essa moça pegou, me levou até a casa do meu tio. Aí fiquei com muito medo, aí resolvi sair de lá, fiquei alguns meses, mais ou menos uns dois meses lá, fui morar em Jardim Campinas. Chegando no Jardim Campinas, conheci um jovem, que na época ele tinha 17 anos, eu tava com 18 anos e foi o meu primeiro caso de amor aqui.
P/1 – Antes de você contar o seu primeiro caso de amor aqui. Eu queria retomar um pouquinho ainda na infância, mas aí depois a gente vai para frente de novo. Queria saber se você conheceu seus avós?
R – Conheci sim! A minha avó paterna, se chamava Maria da Glória, era uma afrodescendente, uma negra muito bonita. Ela me acolhia sempre, quando eu aprontava eu sempre corria para casa dela, era uma pessoa que eu amava muito, ela me amava muito, mas a gente vivia um relacionamento entre tapas e beijos, a gente brigava muito. E com o passar dos anos, que meu pai veio morar aqui, junto com a amante e com os filhos dela. Ela adoeceu e eu que tomava conta dela, junto com a minha mãe, eu dormia lá e minha mãe fazer alguma alimentação para ela. E de repente minha avó falou que ia falecer, porque o povo daquela geração parece que sabia o dia que ia morrer, quando falava que ia morrer, terminava morrendo mesmo. A gente não sabia porque, mas isso acontecia, uma coisa assim tipicamente nordestina, das pessoas nordestina. Então, eu falei assim para ela: mas você não vai morrer agora não, porque o meu pai tem que vim, meu pai vai vim. Ela falou assim: eu sei que seu pai vai vim, quando seu pai vai vim, Deus vai me levar. E ficou alguns meses, parcialmente uns 3 meses, aí conseguiram localizar minha tia que tinha sumido, que tinha tido atrito com a minha avó na época. E depois entraram em contato com o meu pai e naquela semana que meu pai chegou, ela partiu. E no enterro dela, eu fiquei muito chocado, porque as pessoas na época usavam de tirar fotos de defunto e me chamaram para tirar foto ali, eu fiquei meio com medo. Aí tiraram as fotos, aí no dia do funeral dela, juntaram as pessoas que eram evangélicas, que ela era evangélica também, para cantar um louvor, chamado “Mais perto quero estar”. Eu achava tudo estranho, como você vai homenagear uma pessoa que morreu. Aí eu passei anos e anos com raiva, quando eu ouvia esse louvor, ficava irado, porque eu sempre lembrava dela. Mas assim, eu tive uma relação muito legal com ela, ela foi uma pessoa que me acolheu muito.
P/1 – Eu queria saber se na época que você teve mais percepção sobre a sua orientação sexual, se tinha outros meninos, na época, que você via, outras pessoas LGBT na época?
R – Sim, tinha! Porque assim, eu tive um relacionamento com um garoto que era gay, bem menininha mesmo, entendeu! Pra mim logo no início foi legal, depois eu passei a me interessar com garotos de perfil diferente, mas masculinizado, que catasse menina, que eu achava maior barato isso. Eu nunca catava, mas eles cantavam eu não ligava. Então, assim da minha geração eram poucos os gays. E eu sempre fui uma pessoa de não ter muita amizade com gays, mais com meninos, até hoje eu tenho mais amizade com casais e com garotos de 17, 20, 25 anos, eu tenho uma mente jovem, apesar da idade, 62, mas eu tenho uma mente muito jovem.
P/1 – Eu queria saber se quando você pensa na sua infância, se tem algum cheiro, alguma comida, alguma data comemorativa que lembra essa época para você?
R - A comida, a comida da minha avó, quando eu ia para lá, nossa, eu nem queria sair mais da casa dela, que além dela ser uma pessoa muito cheia de amor e aconchegante, ela fazia uma comida muito gostosa. O cheiro, um perfume, Lancaster, que era o perfume da época, que falavam que era perfume de puta.
P/1 – Vamos um pouco para frente, pensando um pouco nas suas lembranças da infância, de brincadeira, como que era, quais brincadeiras você brincava? Você brincava sozinho, na rua?
R – Eu sendo um garoto gay, o gay da época, as mães sempre afastavam as molecadas da minha pessoa, mas quanto mais afastava, mas eu me aproximava. E eu fazia questão de aproveitar a minha infância de menino, eu brincava de pega-pega, esconde-esconde, banho de rio. E muita das vezes, a maior parte da minha infância, eu saia de casa 10 horas da manhã para tomar banho de rio e só chegava 5 e pouco da tarde, mas eu dava um intervalo, corria para casa da minha vó para comer alguma coisa, ou então para a casa do amiguinho. Banho de mar, que eu amo o mar, demais, demais. E gostava muito de ler e de escrever. Só que na época o que eu escrevia, eu escrevia e jogava fora, escrevia e jogava fora. Eu tinha na minha mente, que um dia eu ia ser um ator ou um escritor, mas nunca tive oportunidade. E o tempo foi passando, aí eu fui estudando, aos 17 anos perdi o interesse dos estudos, todo ano tinha 7ª série para mim, durante 3 anos reprovado em matemática, que eu nunca me relacionei bem com os números. Foi uma infância que eu aproveitei muito, mas foi uma infância sofrida, que eu sofria já o preconceito, eu saí de casa porque não aguentei mais passar fome, que teve uma situação que me marcou muito, porque eu era uma criança que eu brincava demais, demais. Eu acho que as brincadeiras de infância para mim era o meu refúgio, para eu me tornar uma criança alegre e feliz, porque eu apesar do sofrimento, mas eu me sentia feliz como criança. Então, o que aconteceu, houve uma cena que a minha mãe foi me chamar para almoçar e na hora que ela sempre me chamava, eu sempre falava não, porque eu só queria ficar brincando, sempre não, então acho que os nossos atritos era mais por causa disso, porque eu sempre questionava. “Moisés vem almoçar.” Depois eu vou, depois eu vou!” Aí quando eu decidir ir, ela foi colocar o almoço, olha a cena, um prato esmaltado branco, com um pouco de caldo de feijão, mais caldo do que feijão, aí eu falei para ela assim: cadê o arroz? “Não tem arroz!” “Cadê a farinha?” “Não tem farinha!” Aí eu peguei bati com a mão no prato assim, virei o prato assim, “eu não quero mais essa porra! Eu não vim para o mundo para passar fome, eu não quero passar fome nunca mais na minha vida!” Aí o que acontece, sai chorando, a minha mãe ficou chorando, eu fiquei morrendo de dó dela, mas foi uma coisa assim automática. Aí no decorrer dos meses, eu frequentando a escola pública, porque escola pública era uma escola que funcionava muito bem na época, não existia separação social, tanto faz eu estudar com o filho da pessoa mais rica da cidade, como o filho do melhor político, todo mundo estudava junto. E eu peguei amizade com um garoto de classe A, que era o sobrinho do prefeito e ele ficava me observando, perguntando para mim o porquê de eu não trazer lanche para escola. Eu falava: é porque não tem! “Mas você não tem por que?” “Porque eu sou pobre, não tem como eu trazer lanche.” Aí ele pegou e falou: “Nossa, mas como que você mora? Eu falei onde eu morava, como eu morava, aí ele pegou e falou assim: então, de hoje em diante vou deixar o meu lanche para você. Aí todos os dias ele trazia o lanche e levava o dinheiro para comer na lanchonete. E com isso ele falou, acho que ele se comoveu, falou para os pais dele sobre a minha vida. Aí a mãe dele me convidou para almoçar lá na casa dela, aí ela falou que antes de eu almoçar eu comunicasse para minha mãe, eu peguei comuniquei para minha mãe, aí minha mãe falou, assim: mas você vai para casa dessa gente, povo rico, eles não vão tratar você bem. “Eu vou sim, eu quero almoçar lá sim!” Aí eu peguei e fui, quando eu cheguei lá, fiquei fascinado, com um ambiente totalmente diferente, uma casa muito bem decorada, aqueles móveis rústicos, a pessoa que me recebeu, que foi a dona da casa, chamava-se Dalva, uma pessoa maravilhosa. E era uma família de políticos, políticos tradicionais do Nordeste, chamado Tenório Cavalcante, que inclusive esse Tenório Cavalcante fez um filme no Rio de Janeiro, um filme com o sobrenome dessa família. Então foi essa família que me deu apoio, me deu carinho, me deu educação. Confesso que eu não aproveitei bem, porque eles queriam pagar a faculdade pra mim de agronomia, eu não quis. Mas lá eu trabalhava muito, só que eu não sabia que eu era uma criança explorada, que fazia serviço escravo, eu abria um portão um pouco mais baixo que esse ambiente que nós estamos, o portão de madeira, para o caminhão entrar, para o caminhão sair, para o carro da família entrar, carro de passeio entrar, eu ajudava a empregada, eu lavava a casa no final de semana, eu era responsável pelas compras de mercado da casa, pelas compras de Magazine. Então eu era uma criança que eu trabalhava só em troca de roupa e comida, quando chegava o Natal, os presentes, as crianças ganhavam presentes, que eram um casal, eu ficava com papel de presente, que eu achava muito bonito, para mim era o meu presente, era aquele papel de presente. Só que tinha uma empregada muito antiga da casa, que ela me observava muito e ela era muito acolhedora, quando era na época da Páscoa, as crianças ganhavam ovos de Páscoa, eu ficava com a embalagem, louco para comer um pedaço de ovo de Páscoa, eles não me davam. Aí às vezes a empregada chegava, falava assim: fulano, dá um pedaço de ovo para o Moisés, coitado! E era assim. Chegava o Natal, não tinha uma roupa boa para vestir. Aí teve um dia que a empregada questionou com a patroa, “olha, tem que comprar uma roupa para ele vestir, o Moisés trabalha tanto, ele merece ter uma roupa.” A patroa comprou a roupa para mim, um corte de tecido, aí pagou ainda para a costureira costurar um roupa para mim, uma roupa para o meu irmão. Então a minha vida era uma vida de sofrimento, mas eu não ficava deprê, brincava e com isso, com o meu jeito de ser, eu conquistei os donos da casa. Então a dona da casa me tinha como se fosse filho. Aos 15 anos de idade, eu não tinha nenhuma certidão de nascimento, eu estudava porque a tia do meu tio, irmã da minha mãe, era a professora da escola, eu estudava por causa dela, ela que pegou o nome e tudo. Não tinha nenhuma certidão de nascimento. O que aconteceu, a dona casa chegou, conversei comigo, junto com o marido, para me adotar judicialmente, eu fiquei hiper feliz, porque eram pessoas muito ricas, a vida de pobreza, miserável mesmo. Aí eu fui falar para minha mãe, minha mãe falou, assim: de maneira alguma. Você tem pai, vou falar com o seu pai para o seu pai te registrar. Quando foi naquele mesmo mês me registraram. Aí eu fiquei com raiva, fiquei irado. Mas isso foi coisa de criança, o meu comportamento naquela época, era normal, tudo na fase de criança, adolescente, adolescente no começo da adolescência não sabe nem como se chama, é uma fase de muita ação. E assim foi indo. Aí quando eu vim aqui para São Paulo foi que aconteceu o que eu te falei, sobre o ambiente que eu vim morar.
P/1 – Você veio morar para cá com quem?
R - Eu vim morar na casa da minha avó, a mãe da minha mãe. Que eram pessoas totalmente preconceituosas que queriam me ver distante, eu vim de surpresa, eu não comuniquei para eles que vinha para cá. Aí na minha partida do Nordeste para cá, a minha mãe falou assim para mim, “meu filho, não vá! Você vai sofrer muito, muito, muito, muito, pelo amor de Deus, não vá! Eu falei: eu vou mudar a minha vida, eu não quero viver mais essa vida, trabalhar para os outros sem ganhar nada, eu quero mudar a minha vida! Aí vim para cá, mas a minha visão era de mudar a minha vida financeira e a minha vida sexual, quando eu cheguei aqui piorei mesmo, eu estava no mundo que eu queria, mas eu não estava percebendo. Aí eu comecei a trabalhar, o meu primeiro emprego aqui foi na casa de um gay, como uma atendente de salão de beleza, de estética corporal e facial e corte de cabelo. Aí depois que eu trabalhei na casa dele, eu fui trabalhar de metalúrgico, na indústria aí. Aí comecei a frequentar as baladas LGBT da época, pode falar os nomes dos Salões? Que hoje não existe mais, alguns deles não existe. Eu comecei a frequentar o Val Show, que era o boom da Avenida Consolação, era de segunda, a segunda na balada, trabalhando. Não me envolvi com drogas. Ia também para uma balada chamada Val Improviso, também ia para uma balada lá na Rua dos Ingleses, chamada Tunnel. Conheci muitos locais de balada, onde eu namorei bastante, dancei bastante, que eu gostava muito de dançar, porque quando eu começo a dançar, tipo aquelas músicas dos anos 80, dance, parece que eu incorporo alguma coisa, danço feito louco. Então eu gostava muito de me divertir. Aí chegou o momento que eu comecei a enfrentar o preconceito dentro da indústria, porque na indústria, hoje não, as pessoas fazem curso de capacitação profissionais, na época não fazia, então era uma época que arrumava emprego com a maior facilidade. Então eu comecei a frequentar problemas de preconceito, as pessoas me tratavam de uma forma, por trás jogava contra minha pessoa. Aí o tempo foi passando, eu fui sendo demitido pelo fato de ser gay. Aí quando foi um dia, eu fui trabalhar numa indústria, num lugar chamado América Brasiliense, na zona sul de São Paulo e lá eu encontrei uma pessoa que eu me envolvi com ela, um cara casado, foi com ele que eu descobri um outro lado sexual que estava adormecido, porque de primeiro, as pessoas falavam assim, do mundo gay falava assim: “você é passivo ou ativo?” Existia muito disso, Hoje fala-se que é relativo, flex. “Ah, passivo!” Eu sempre tive um relacionamento passivo. Aí quando foi o dia que eu me deparei com esse cara, resumidamente, que a história com ele é muito longa. Aí a gente ia passando no corredor da indústria, ele falou assim pra mim: “Moisés, eu preciso muito falar com você!” “O que que é?” Aí ele falou assim para mim: “Não vai falar para ninguém, mas eu te amo demais!” “‘Tá’ louco, você é um homem casado!” Ele começou a chorar, aí eu assumi esse relacionamento com ele. Fui uma pessoa muito feliz com ele. E como eu ainda tava muito novo, na época eu estava com 21 anos e ele tinha 27 anos. E a gente se apaixonou muito, um pelo outro, aí depois quando ele falou assim para mim que queria morar comigo, aí foi o fim da picada. Eu não queria morar com ninguém, eu queria a minha própria liberdade. E ele tinha uma filha, que frequentava a nossa casa, ela me chamava de tio e tudo. E eu olhava para aquela menina e falava assim: eu acho que na época era um preconceito gay para comigo mesmo. Falava assim: “Imagina, essa menina quando crescer, descobri que o pai dela mora com um gay, ela não vai ter um bom relacionamento com o pai, de jeito maneira. Então eu vou sair fora! Aí o que foi que eu fiz, eu arrumei um cara, que ele vivia na rua, marginal, na época…. eu posso falar o nome dele, mas não sobrenome, um cara chamado Walter. E esse cara, ele era assassino de travesti e eu morava na época no Largo Treze de Maio, uma pensão, onde eu tinha um quarto único para mim e no corredor dessa pensão existia muito homossexuais e um dos homossexuais falou assim para mim, “olha, esse cara matou uma amiga minha travesti, ele vai te matar também.” Mas o cara me tratava super bem. Aí eu usei ele para sair fora do cara. Eu era na verdade a bixa louca da época mesmo, porque eu não tinha limites, era uma pessoa sem limites. Aí resultado, quando meu parceiro chegou, que a gente trabalhava junto, quando ele fazia hora extra, ele ficava na indústria e eu vinha para casa. E já que eu sabia que ele ia chegar, aí eu falei para o menino lá para minha casa, aí eu dei o short que era do meu namorado, para ele vestir, o cara estava lá posando na cama lá de boa, quando o meu namorado chegou, falou: “quem que é esse cara?” Aí tava o cara junto com meu irmão, que o meu irmão morava comigo. Aí meu irmão falou, assim: é macho dele! “Moisés, por que que você fez isso comigo?” Aí começou a chorar e foi embora. Aí eu caí no desespero, fui atrás dele, para conversar, para explicar para ele. Explicar aquilo que não tinha explicação nenhuma, porque o errado fui eu. Aí ele falou assim: nunca pensei que você iria fazer isso comigo. E o que aconteceu, eu tentei ir atrás do prejuízo, eu fiquei dois anos e meio atrás desse, o cara não deu a mínima para mim mais. Aí acabou o nosso relacionamento.
P/1 – Esse foi o primeiro relacionamento que você falou que teve aqui?
R - Não, esse daí já foi o segundo. O primeiro foi uma outra pessoa, de 17 anos.
P/1 – Voltando um pouquinho, eu queria saber quando você fala que você queria mudar a sua orientação sexual. O que você queria?
R - Eu achava que a vida que eu levava, de gay, não era legal, não fazia bem, só existia sexo, sexo, sexo. Porque eu percebi assim, que a vida não é só sexo, você tem parentes, você tem amigos, você precisa fazer amizades, você precisa respeitar as pessoas. Eu era um gay de perfil diferente, eu era um gay que eu era agressivo, as pessoa vinham para cima de mim falar um monte, eu enfrentava também as pessoas. Eu não dava valor para amizades e não dava valor para relacionamento a dois. Eu tinha um relacionamento descartável, como se fosse papel higiênico, você usa e joga fora. E com isso eu achei que eu estava fazendo uma coisa que não era legal, então esse mundo não dá para mim. Eu passei a ter nojo das pessoas do mesmo sexo, então tornou-se um problema psicológico, a qual eu sai dessa situação não sei como, porque na época, que eu tinha esse comportamento, eu estava precisando mesmo de um psicólogo, para ter uma orientação dentro daquilo que eu era, dentro dos desejos que eu tinha, para eu descobrir meu próprio eu. Então eu não sabia me relacionar com o meu próprio eu. Então se você agride a sociedade, a sociedade vai te dar o troco.
P/1 – Quando você chegou em São Paulo, qual foi sua primeira impressão?
R – Eu tomei um susto muito grande. Primeiro, quando eu desci do ônibus eu me perdi, ali no aeroporto de Congonhas, eu estava próximo do endereço e não sabia que estava próximo do endereço. Aí eu saí, a rua, existe essa rua até hoje, a rua chama-se Estevão Baião. Aí eu tava numa altura do número, que era tipo como se fosse no meio da rua, aí eu segui em frente, quando eu me deparei com a favela, eu tomei um susto, porque no nordeste na época não existia favela, não existia mesmo, ninguém nem sabia o que que era a favela. E eu me deparo com a favela, nossa, que lugar feio, cheio de buraco, um monte de barraco, não, eu vou morar nesse lugar! Aí eu peguei e voltei, quando eu voltei, cheguei numa padaria, que na época as padarias, quem dominava eram os portugueses aqui, na época. Aí eu cheguei, pedi informação, aí eu fui atendido, eu acho que ele era o dono da padaria, um senhor, falou assim para mim: você é barriga verde. Eu falei, o que é barriga verde? Você chegou do Nordeste, né? Sim, sim! Eu falei, assim: eu gostaria de saber o número desse endereço? É lá embaixo, na favela do buraco quente. Um lugar com esse nome, não era um lugar bom de maneira alguma, Buraco Quente, uma coisa meio de gay. Aí eu falei assim, nossa! Aí eu peguei e fui descendo, mas não tive coragem de seguir, aí por coincidência, eu acho que é assim, muita gente aparece na vida da gente como um anjo. Aí apareceu uma moça, mais ou menos de uns 20 e poucos anos, aí eu pedi informação para ela, ela falou assim, eu conheço essa pessoa, essa pessoa, ela é minha amiga. Que era o nome da minha tia, que chama-se Lenilda, aí ela falou: eu vou para o mercado agora, pro supermercado, se você quiser ficar aí, você fica, se você não quiser, você vai comigo. “Não, eu vou com você!” Aí eu peguei e fui com ela, chegando lá, o mercado na época, eu posso falar o nome porque não existe mais esse mercado, chamava-se Jumbo Eletro, parecia um shopping, tipo shopping Morumbi. Aí eu fiquei assim fascinado, que lugar bonito. Aí com o meu comportamento eu já chamei a atenção do segurança, o segurança chegou perto de mim e falou aasim: o que você está fazendo aí? “Eu estou esperando a minha amiga, uma senhora.” “Que senhora que é?” É uma senhora que foi fazer compras.” Aí ele ficou na cola e tal. Aí depois a senhora fez compras, aí pegou e me levou até o local, aí quando eu cheguei na casa da família da minha mãe, aí todo mundo me recebeu de surpresa “Nossa, o que você veio fazer aqui? Quem te deu o endereço?” Então eu já não fui bem aceito. Aí foi nesse lugar onde eu passei preconceito horrível, com a minha tia, que eu não vou citar o nome dela, que hoje ela mudou de vida, é uma senhora de perfil totalmente diferente. Mas foi ela que me perseguiu muito. Ela ia olhar até no barraco onde eu estava com boy, que não era namorado, era uma pessoa só para curtir, ela ficava olhando, quando eu percebia que ela estava olhando, eu parava de me relacionar com um cara. E com isso a gente teve muitos atritos, a gente saiu na pancada. Aí com o passar do tempo, que eu arrumei o meu segundo namorado, que eu já falei para você que era um homem casado, foi ele que me tirou das garras da minha família, que tentou me dar uma vida boa, mas eu com a minha falta de experiência, que eu era muito jovem, com 21 anos, eu não dei importância a isso, então a minha vida seguiu outro rumo. Aí com o passar do tempo, aí eu morei no Largo Treze, quase dois anos e do Largo 13 eu fui morar num lugar chamado Jardim Campinas, perto de um bairro chamado Grajaú, foi lá que eu tive meu primeiro relacionamento, com um garoto de 17 anos. Que me fez muito feliz, ele.
P/1 – Eu queria saber dessa época, você contou um pouco como foi sua chegada lá na zona sul. Mas aí depois eu queria saber como que você conheceu as baladas no centro? Quem que te apresentou?
R – Foi um gay chamado, Francisco, que eu conheci ele na indústria onde eu trabalhei. E ele era um rapaz muito bonito, muito assediado pelas mulheres. Ele percebeu e começou a falar para um para outro que eu era gay, sem eu nunca ter falado da minha vida para ele. Mas os gays, eles falam muito com as mãos, eles se expressam muito, são homens que é diferente dos outros homens, são delicados. Aí ele falou, assim: você é gay, vou te levar para uma balada, você quer? “Não sei o que que é balada, o que que é isso?” Aí ele falou assim: é um lugar onde as bibas dançam de boa, você quer ir? Falei: tá bom! Aí eu peguei e combinei com ele, fomos para balada, aí me visse aí na balada, era a semana inteira, de segunda a segunda, na balada.
P/1 – E como que era a balada? O que que você dançava?
R – A dança na época, era dance, que na época se chamava discoteca. Era muito da hora, não existe muito esse lance de drogas, as pessoas iam só para se divertir, beijar muito, abraçar, namorar. Era assim.
P/1 – E era lá na Consolação?
R – É na Consolação, NostroMondo, no Val Show, que era Val Show, depois passou a ser NostroMondo. Aí também tinha o Val Improviso e tinha Tunnel, que era uma balada já um pouco diferente, que se chamava-se balada GLS, frequentava mulheres, homens, gays, de boa. Foi ali que o mundo gay começou a tomar um rumo diferente.
P/1 – E quando você morava antes no Largo Treze, indo para as baladas, você percebia uma diferença entre as zonas mais afastadas do Centro e o Centro, em relação ao acolhimento, ou não?
R – Sim! Muito diferente! Porque assim… referente a acolhimento? Era diferente porque praticamente as pessoas falavam a mesma linguagem, porque na rua que eu morava, era uma rua onde a prostituição do Largo Treze rolava, que na época eram umas mulheres belíssimas, que pareciam modelos. Inclusive, eu era muito assediado por elas, mas eu fazia questão de falar que era gay, elas ficavam com raiva, entendeu? Mas o acolhimento era mais, porque de certa forma elas tinham uma compreensão com a gente. Já para o lado da periferia o preconceito era tremendo, eles faziam agressões verbais, falavam: o bichinha, se olhar apanha. Às vezes ficava com a gente e não queria de maneira alguma que alguém ficasse sabendo, a gente tinha que ficar calado. Eram pessoas que eram preconceituosas, não tratava a gente bem, achava que a gente era totalmente diferente. Onde na verdade não existe diferença, o que existe é um coração, um corpo que grita, um corpo que grita por sexo, um corpo que grita por socorro. É assim.
P/1 – E como era no Buraco Quente? Como você se relacionava? Você encontrou outras pessoas para se relacionar?
R – Não, eu não tive relacionamentos, muitos relacionamentos nessa favela, eu tive só com uma pessoa só, que foi um rapaz que era como se fosse um peguete. Só que na época eu já conhecia ele, que era da minha cidade, encontrei ele no mesmo local onde eu estava morando. E nesse relacionamento que eu tive muito rápido, só criou foi problemas, entre eu e minha família, pelo fato da minha família não me aceitar como homossexual. Até hoje eles não aceitam… Eu acho que é assim, ninguém é obrigado a aceitar, tem que compreender a situação, saber que a gente tem uma vida diferente e que a gente somos seres humanos igual a qualquer um, ser humano, tem que respeitar. Então, lá eu não tive relacionamento com ninguém, eu morava num lugar que eu morava sobre a sombra do medo, que era muito violento lá, era o lugar mais violento da Zona Sul, a Favela do Buraco Quente.
P/1 – Depois desse segundo namorado que você teve, você contou um pouco que você foi metalúrgico, aí como foram as suas experiências de trabalho depois?
R – As minhas experiências de trabalho, em termos profissionais, foram muito boas. Era um mundo que eu não conhecia, eu ganhava muito bem, eu ganhava na época três salários mínimos, na época existia o sindicato dos metalúrgicos, que era comandado pelo atual presidente Lula, na época ele lutava muito pelo salário dos metalúrgicos, dos trabalhadores. O que não era legal, era o preconceito, porque era uma classe machista, existiam muitas pessoas do nordeste, de Pernambuco, de Alagoas, tudo quanto é parte do Nordeste, mas o que existia mais na época nas empresas onde eu trabalhei, era mais baianos e mineiros. Então o povo fala que baiano é uma pessoa de mente aberta, na época não era, é agora, mas na época não era, o preconceito era muito grande. Tipo assim, eu tava conversando com um companheiro meu de trabalho, as pessoas já ficavam fazendo críticas destrutivas, falando que a gente transava. E não era assim, já tinha mais moderação quando eu estava no campo de trabalho da metalúrgica, eu procurava não me relacionar com muitas pessoas daquele ambiente, para não misturar as coisas, para eu não ser prejudicado. Mas com o passar do tempo, eu terminei sendo prejudicado por causa do meu segundo relacionamento, com esse senhor casado, na época. Ele foi chamado na direção da empresa, o diretor da empresa falou para ele, assim: você não tem vergonha de manter um relacionamento com um homem? Aí ele falou, assim: não, claro que não! “Mas você é um homem casado.” Ele falou, assim: não tem problema nenhum, eu sou um homem casado, mas eu não sou feliz. E o Moisés é uma pessoa que me respeita e eu quero ficar com ele, agora se vocês quiserem mandar embora um dos dois, que mande a minha pessoa.” “Não, eu não vou mandar!” Aí demorou assim, mais ou menos um ano e alguns meses, quem foi demitido fui eu, por causa do preconceito. Então eu enfrentei muito preconceito. Mas teve uma empresa que uma pessoa me defendeu com unhas e dentes, que foi o chefe da empresa. Eu era uma pessoa muito produtiva nessa metalúrgica, que é uma Metalúrgica que hoje ela foi transferida para Campinas. Tinha um rapaz que era de outro setor, que ele me tratava super bem. Eu que achava que ele me tratava super bem. Mas na minha ausência, ele falava muito da minha pessoa, porque eu era gay, porque ali não era um lugar de gay trabalhar, gay tem que trabalhar em outro lugar diferente daquele. E isso vazou no ouvido do meu chefe. E o meu chefe como era uma pessoa que na época eu achava ele uma pessoa muito moderna, esse eu até faço questão de falar, o nome dele era José. Ele pegou e falou, assim: Moisés você está com uma amizade que não vai te fazer bem quando você souber do que está acontecendo. Eu falei: o que que é? “Você está com amizade com fulano de tal que está falando mal da sua pessoa. Ele falou assim para mim, como que eu admito um gay trabalhando na minha sessão. Eu falei assim para ele… Ele falou que falou para o cara, não importa que eu fosse gay, que a minha vida gay pertencia a mim. E eu era gay da porta da empresa para fora, mas da porta da empresa para dentro, além de eu ser gay, eu era um funcionário igual a qualquer outro profissional. E melhor ainda que você produz muito Moisés, então eu não quero que você fique mais conversando com esse cara, que esse cara ele é um bicho, se afasta dessa gente. Continue fazendo o seu trabalho, o dia que você quiser ir, você vai. Enquanto você estiver trabalhando direito eu só vou te dar apoio. Ele me deu muito apoio. Aí depois, com o passar dos tempos, eu não quis mais trabalhar em ambientes assim. Aí eu procurei outros campos de trabalho, eu procurei empresa de limpeza, que teve uma época que eu trabalhei de líder de setor, numa empresa de limpeza, que prestava serviços para uma empresa de ônibus, de transporte urbano, eu consegui fazer um bom trabalho, lá eu era muito bem tratado, todo mundo sabia que eu era gay e não questionava nada, eu fiz muitas amizades. Aí depois partir para o trabalho de restaurantes, trabalhei na área de restaurantes, faxina, como eu falei. E depois com o passar do tempo, eu fui trabalhar numa empresa de vendas de automóveis, lá perto da USP. E fui discriminado mais uma vez, por ser gay e por ter o nível de escolaridade um pouco mais elevado do que daquelas pessoas daquele ambiente. A encarregada falou assim para mim: o que que você veio fazer aqui? “Vim trabalhar, claro!” Ela falou, assim: você veio foi para tomar a minha vaga de trabalho, você estudou o segundo grau completo, vai trabalhar de faxineiro? Eu falei, assim: não tem nada demais! Para mim é um trabalho normal! Aí eu comecei a sofrer perseguição. Aí também enfrentei as perseguições, aí fui transferido, ao invés de ficar com esse carregada, ela pegou e me transferiu para trabalhar à noite, porque ela não se sentia bem com a minha presença, porque na hora do almoço eu saía, um monte de gente ia ficar junto comigo, mas tudo por curiosidade, para saber quem eu era, se eu era gay, não sei o quê, não sei o quê lá. Essas coisas assim, porque na época as pessoas tinham curiosidade, como se comporta um gay? O que o gay faz? O que o gay não faz? Essas coisas! E eu sempre fui uma pessoa espontânea, eu falava mesmo. Aí foi isso que aconteceu. Aí ela pegou e me transferiu para trabalhar à noite. E à noite eu fazia trabalho de quatro pessoas, sozinho, eu limpava o showroom que cabia 10 carros e mais estacionamento, seis banheiros, trabalhava sozinho, sozinho, sozinho, sozinho. Aí como eu tinha pego amizade com a moça do PABX, que na época PABX, que era a recepção da telefonista. E ela gostava de muito de mim, ela pegou, contou a minha situação para o gerente, o diretor geral. Aí ele pegou e me chamou lá na direção, perguntando para mim se… aliás, fazendo um monte de pergunta, eu respondi, aí ele falou, assim: eu quero promover você a encarregado, para você ficar no lugar dessa pessoa que está pegando no seu pé, porque ela não serve mais para empresa. Aí eu falei, assim: não, não quero! “Por que você não quer?” Eu falei, assim: porque ela tem dois filhos para criar e eu não tenho ninguém, eu sou sozinho, então eu prefiro que me mande embora. “Não acredito no que você está falando.” “Eu não quero!” “Aí eu tirei o aviso prévio, aí depois ele me demitiu e eu fui embora de boa. Aí de lá para cá eu resolvi não trabalhar mais em empresa registrado de maneira alguma, aí a minha vida inteira foi fazer bico, bico, bico. Aí hoje eu estou fazendo freelancer em eventos, montei uma empresa de garçons, de segurança, mas uma empresa autônoma, de segurança, garçons, auxiliares de limpeza, para fazer eventos. Aparece os eventos e eu estou fazendo meu biquinho.
P/1 – Você sempre morou na Zona Sul aqui em São Paulo?
R - Sempre na Zona Sul, eu nunca me interessei em morar em outro bairro, porque na Zona Sul tem de tudo, a zona sul e a região maior do Estado de São Paulo. Na época emprego era muito, nos anos 80 para os anos 90, você saiu de uma empresa hoje, na mesma semana arrumava trabalho. E na zona sul é perto de tudo, eu nunca morei numa periferia muito afastada. Nos anos 80 eu fui morar na zona sul, mas na parte, na divisa de Diadema com São Paulo, então esse lugar tem de tudo, comércio grande, tem shoppings, que eu amo passear em shoppings, acho muito legal. E nas outras regiões, eu só me interessava para conhecer, tinha vez que eu ficava deprimido, quando eu ficava deprimido eu pegava uma mochila, colocava lanche, um livro para ler, pegava o metrô e ficava andando no metrô, de estação em estação, achava muito legal.
P/1 – Como que foi depois desse segundo namoro que você teve, a sua vida pessoal e relacionamentos?
R – Eram relacionamentos descartáveis. Ficava com um, com outro, com um, com o outro, depois desse relacionamento, eu não me prendia a ninguém. Aí depois, com o passar do tempo, eu arrumei um namorado, mas foi anos depois, bem anos depois. Eu comecei a morar nessa vila onde eu moro hoje, arrumei um namorado e esse namorado era mais novo do que eu, gerou muito problemas, com a família dele. Aí depois o irmão dele começou a me dar apoio, eu vivi sete anos com essa pessoa, essa pessoa se envolveu no mundo das drogas, aí o relacionamento já foi fracassando, aí depois não era mais drogas, era bebida, aí eu tirei essa pessoa da minha vida. Aí arrumei uma outra pessoa, da Baixada Santista, que na época eu prestava um serviço social na minha vila, eu era presidente da comunidade, que eu fui escolhido, selecionado para se candidatar a presidente numa reunião.
P/1 – Onde que era?
R - Vila Missionária. Que é o lugar onde eu moro. E nesta reunião, uma das pessoas, ela falou umas palavras de preconceito muito estúpidas, que gay só servia para fazer isso ou aquilo, que não pode falar porque é palavras chulas. Aí eu olhei assim para ele, fiquei de boa. E depois uma terceira pessoa veio falar assim para mim, “você viu o que o fulano falou? Que gay só servia para fazer isso ou aquilo.” Aí eu falei, assim: vou mostrar para ele que gay também sabe fazer outras coisas. Aí o que aconteceu, aí eu participei da eleição a presidente da comunidade e foram 750 pessoas, moradores, para votarem e desses 750, eu tirei 440 votos, que por coincidência é o número da minha casa. Então foi praticamente uns 80% dos eleitores que votaram em mim, que foi no 750, eu tirei 440 votos. E daí eu comecei a fazer um trabalho de pesquisa para conhecer a comunidade, para saber quem era eles, de onde veio, saber o grau de instrução, como eles viviam, quantos pessoas viviam em cada casa. Isso rolou durante dois anos, no terceiro ano eu comecei a trazer benefícios para a comunidade, programa do leite. Que na época o Presidente da República era o presidente Sarney, que eles tinham um programa Federal, chamado programa do leite, que era ticket que dava para as mães, uma cartela de Ticket, que dava para mãe para manter os filhos com leite. E eu consegui 450, cadastrar 450 famílias. Aí depois veio um programa chamado Afrojovem, que eu consegui cadastrar 75 jovens. E no passar do tempo, que eu comecei a fazer esse trabalho, eu comecei a sofrer perseguição, por ser gay novamente, entendeu! E por ser uma pessoa que estava ali sabendo para que veio, que era para fazer um trabalho social. Então eu não admitia diretores da, da direção nossa, assediasse as mulheres. Chegava uma mãe para pegar, para se cadastrar, aí um dos integrantes assediava, eu não gostava, aí falava para não fazer isso, que não era legal, que a mãe não precisava passar por assédio para conseguir um cadastro. E com isso gerou conflitos. Nas campanhas de agasalhos que eram feitas na época, eles não davam os agasalhos para as pessoas que Teriam receber, para as pessoas pobres, que não tinham condições. Então gerou muitos conflitos, mas mesmo assim eu enfrentei. Com isso eu fui reeleito pela segunda vez, aí tive os dois mandatos, cada um quatro anos, oito anos. Aí depois fui primeiro secretário, rolou legal, depois fui o primeiro tesoureiro, não rolou legal, que eu não relaciono bem com os números, não tenho um bom relacionamento com os números, mais uma vez estou falando. Aí depois, referente ao programa do leite, me acusaram de fraudador do programa, porque eu não era louco, fraudar um programa Federal. E mesmo assim, além de eu não ser louco, eu faço questão de ser uma pessoa honesta, pobre, mas honesto, favelado, mas limpinho. Então o que aconteceu, a pessoa que fraudou, foi a pessoa que me acusou que estava fraudando, que ele fez uma ata falsa, como se tivesse tido uma eleição, que já tinha parado meu mandato naquele mês. E fui lá pegar o programa do leite, assinei. E eu tinha uma lista de mães, que era uma lista de espera, que era 150 famílias, a qual eu fiz um termo de responsabilidade para as mães do programa, doarem ticket, de forma espontânea, para aquelas mães que estavam na lista de espera. Estava funcionando e era assinada e poderia provar o que estava sendo feito. Aí o que que aconteceu, essa pessoa usou disso daí, falando que eu tinha fraudado, aí o que aconteceu, aí foi parar na justiça e no dia da entrega, que por coincidência foi no dia do falecimento do Ayrton Senna. Aí o que aconteceu, aí chegou o policial na minha porta, falando assim: você vai entregar o leite hoje, ou você vai querer entregar de forma judicial? Como assim de forma judicial? A ele explicou o que tinha acontecido, que tinha tido uma denúncia, essas coisas assim. Aí eu falei: então eu prefiro entregar de forma judicial, porque eu tenho que provar aquilo que não está acontecendo. Aí tudo bem! Aí quando chegamos na delegacia, foi feito uma acareação, tudo. Aí as mães, foram 450 mães fazer um protesto em favor da minha pessoa. Aí foi descoberto que o cara que acusou, ele que tinha fraudado. Aí depois, com o passar dos meses, eu tomei tiro, de madrugada, o filho desse cara, pegou, apontou a arma para mim, falando que eu era muito folgado, deu um tiro, não pegou o tiro, pegou de raspão, eu senti o calor da bala no ouvido. Aí depois, o que aconteceu? Aí eu conversando com a minha mãe, a mãe sempre dá bons conselhos para os filhos, aí o que acontece, minha mãe falou: olha, se você continuar você vai morrer! É bom você fazer o trabalho? É! Você se sente bem? Que legal! Ajuda muita gente? Muito bom! Então você pode fazer essas coisas sozinho. Aí foi quando… foi um clic, eu resolvi fazer um trabalho com crianças e adolescentes, para fazer brincadeiras de criança, para resgatar as brincadeiras de criança, das crianças que brincavam muito no nordeste, aquelas brincadeiras de roda, atividades esportivas, recreativa. E fiz esse trabalho durante 12 anos. Pra mim fez muito bem.
P/1 – E esse trabalho com as crianças foi na Vila Missionária?
R – Na Vila Missionária. Eu só parei porque eu não tinha patrocínio e na época eu trabalhava registrado e metade do meu salário eu investia nesse trabalho. Foi uma coisa muito boa para mim, para a cabeça das crianças, que as crianças era de idade, eu aceitava no nosso projeto crianças de 2 anos até adolescente de 17 anos, que hoje já estão casados, bem empregados, grande parte deles, tem alguns no exterior, que saíram aqui da própria Vila Missionária, que é uma favela. São pessoas que fez a diferença na minha vida, eles tiveram aquilo que eu não tive muito na minha infância, que foi a atenção de uma pessoa para cuidar deles, porque era uma coisa na própria rua, com a presença dos pais, as mães achavam maravilhoso, porque era dia de sábado, domingo e feriado, quando chegava final de semana as mães tinham como cuidar melhor da casa, fazer as faxinas de final de semana e as criança ali na rua brincando, os adolescentes, essas coisas assim. Tinha gincana nossa também, que a gente juntava latinha para custear um pouco o nosso projeto. Foi assim um trabalho que me fez muito bem. E também conquistei o respeito da sociedade ali local, mesmo sendo gay, eles confiavam em cuidar das próprias crianças, dos próprios adolescentes ali naquela quebrada. Não tive problema nenhum, graças a Deus!
P/1 – O que eu estava pensando, é como você começou com a escrita?
R – Com a escrita… foi diante daquela situação do primeiro boy que eu tive aqui em São Paulo. Eu não posso falar o nome dele, porque ele constituiu uma família, uma pessoa de suma importância para mim. Quando eu vi ele pela primeira vez, eu vi ele num lugar chamado Jardim Campinas, perto do bairro do Grajaú, como eu havia falado. Quando eu vi ele foi na época que eu estava mudando, que foi ele mesmo que me convidou para morar nesse local, que quando eu tive o problema, que eu fui confundido com um traficante procurado pela polícia, na época, o que aconteceu! Ele tinha amizade com o meu tio e ele era uma pessoa de vínculo religioso, evangélico e ele falou assim, “então vamos morar lá em casa.” E eu falei, assim, “não, de maneira nenhuma!” “Vamos sim! Depois eu falo com o seu tio.” E quando foi na semana seguinte, eu estava lá no bairro dele. Ele estava em meio a um construção, que era uma construção da casa da minha avó, dos meus tios. Aí foi quando eu vi ele, eu falei assim: eu quero esse cara na minha vida! Aí o tempo foi passando, tivemos o primeiro relacionamento, desse relacionamento virou caso de amor mesmo. E ele era evangélico, eu não! Aí de tanto estar ali do lado dele, todo tempo, toda hora, eu passei também, eu me converti ao evangelho na época. E chegou uma situação que eu vendo ele pregando ali na igreja a qual a gente frequentavamos, eu ficava constrangido, dele pregar tantas pessoas aceitar o evangelho e a gente tendo um caso. Aí o que aconteceu, o nosso caso foi fracassando. Chegou um momento que tomou o corpo novamente, ficou mais legal. Aí ele resolveu ficar noivo. E nesse noivado, passou alguns meses, ele terminou o noivado. Aí nesse período, ele entrou no exército, aí ele foi junto com um grupo de pessoas, de um bairro lá próximo ao meu bairro, chamado Jardim Miriam, para o Nordeste de Rondônia. Aí lá na atividade deles do exército, morreu um dos caras, ele queria vir embora. Eu falei que não. Antes de ele ir para lá, eu também levei ele no aeroporto, ele também não queria ir, eu falei que ele fosse, para ele ter um futuro melhor, que eu não tinha condições de dar uma vida de regalia para ele. Ele falou, assim: eu vou mas eu volto em 2 anos. Aí no período de dois anos, antes de completar os dois anos, eu fui no nordeste buscar minha mãe e meus irmãos, vieram para cá. Então eu me senti como responsável da minha própria família, quando ele veio, eu falei não para ele. Aí ele falou assim para mim: que veio me buscar, porque ele já estava casado, já tinha constituído já uma família, com um filho. Tinha casado, mas estava separado naquele momento e que precisava da minha presença na vida dele, para a gente ficar juntos. Aí eu achei por bem não ir. Aí ele falou que um ano depois ia vom me buscar. Ele veio novamente. Aí eu falei que não, eu falei assim: é melhor você sair da minha vida, você já tem a sua família, então cada um segue seu rumo. E ele foi embora, não veio mais. Aí anos depois eu procurei ele na rede social, diversas vezes, nada de encontrar, nada de encontrar, aí encontrei! Aí trocamos umas ideias, nada a ver, sobre o nosso passado, aí quando foi no ano seguinte, procurei novamente na rede social, aí ele tinha falecido. Foi assim, o amor da minha vida! Um cara que eu amei demais! Ele me ajudou muito a eu me posicionar bem na vida das pessoas, sendo gay, para conquistar o respeito das pessoas. E foi assim que eu fiz até eu fazer esse trabalho com crianças e adolescentes, foi o que aconteceu. Hoje no meu bairro eu sou uma pessoa muito conhecida, eu conheço mais de 5 mil pessoas no meu bairro, são pessoas que cresceram ali, hoje são netos das pessoas que eu fiz um trabalho, outros são pessoas casadas, constituíram família. E sou uma pessoa muito querida no meu bairro. Claro que eu sou também um pouco odiado, que ninguém agrada todo mundo, mas eu tenho uma boa relação com a maioria das pessoas do meu bairro. Gosto muito do lugar onde eu moro.
P/1 – E você acabou não contando como você começou a escrever…
R – Então, eu comecei a escrever justamente por causa desse rapaz, quando ele foi embora, foi no final dos anos 80, praticamente no final dos anos 80. Não, no começo, foi em 83, em 83. Quando eu levei ele no aeroporto, tava lá todo o grupo do pessoal do exército que ia junto com ele, toda equipe que é junto com ele. E ele não queria ultrapassar a catraca para ir embora, eu falei, assim: não, você vai! Você tem que ir! Meu, depois de toda correria que você fez, você não vai? Você tem que ir! Você tem que pensar no seu futuro. Aí ele me abraçou, ficou chorando, eu fiquei chorando também E aí então, eu voltei! Só que na época eu trabalhava na casa do cabeleireiro que eu te falei, que foi meu primeiro patrão que eu tive, o nome dele chamava, Eduardo Pelerim, era uma pessoa muito boa na minha vida, como ser humano. Então, o que acontece. Eu voltei e naquela noite eu não conseguia dormir, aí eu comecei a escrever um poema. Aí através desse primeiro poema que eu comecei a escrever, aí eu não parei nunca mais de escrever. A maioria dos poemas que eu escrevi foi para ele, sempre colocava o nome dele completo, homenagem a fulano de tal, assim, assim, assim. Aí depois eu comecei a escrever, escrever, escrever. Aí como eu parei de ter contato com ele, ele faleceu. E depois eu comecei a correr atrás para divulgar um pouco o meu trabalho, mas eu não conseguia porque eu não tinha assim, noção de como é difícil escrever um livro. Aí foi quando eu mexendo nas redes sociais, encontrei uma editora, que estava fazendo um concurso, um concurso, mas que para participar desse concurso tinha que pagar um valor X. Aí eu teria que participar de uma antologia, que era um livro de poetas escrito em conjunto. Aí esse livro, eu tenho ele na minha mochila. Esse livro foi divulgado na Bienal do Livro, que é uma das bienais mais importantes do Brasil. Não sei se existe ainda. Existe, né! Aí foi divulgado na Bienal do Livro, foi um sucesso. Mas assim, não serviu para divulgação. Aí depois participei de um outro livro da mesma editora também. O primeiro foi de 250 páginas, esse aí parece que foi de 180 páginas, o último. E através da poesia, eu comecei a desenhar, como eu já tinha falado para você, comecei a desenhar. E essas coisas acontecem num momento que eu estou muito triste, a inspiração vem. Aí da poesia romântica, comecei a fazer poesias com outros temas. E também já montei uma peça de teatro também, na escola também, escrita por mim mesmo. E depois ficou um pouco adormecida, essa situação. Aí depois quando eu conheci a ONG, EternamenteSOU, eles começaram a fazer oficinas online, eu nunca participava das oficinas, achava muito careta. Aí depois que eu comecei a participar das oficinas, de forma presencial. Aí eu comecei a me interessar, aí foi quando eu comecei a participar do curso de teatro e da roda de conversa, acompanhada com psicólogo, onde a gente fala temas diversificados. Foi que eu comecei a me interessar. E foi quando eu comecei a ler as poesias, as pessoas gostaram. E quando foi um dia, se eu não me engano foi dia 26 de agosto. Aí eu apresentei a última poesia, que falava sobre o corpo, a professora de teatro, a professora de teatro, não, o professor de expressão corporal, chamado Guilherme, ele mandou fazer uma poesia para falar sobre o corpo. Aí foi quando eu comecei a fazer a poesia, aí a poesia tem como tema o corpo, aí li, gostaram, aí eu tô aí, para ver se eu consigo apresentar o meu trabalho, que é um trabalho que está arquivado a 40 anos, desde 83. 83 para cá é 40 anos, né? 40 anos. E eu não quero que esse trabalho fique esquecido, ou perca de vista, ou eu morra e ninguém divulgue, eu queria muito apresentar esse trabalho um dia, justamente com os meus desenhos. Os desenhos são um pouco primários, você vai ver, eu vou mandar para você. São um pouco primários os desenhos, mas eu gostaria muito de divulgar o meu trabalho.
P/1 – E quantos poemas você já tem?
R – Olha, a quantidade dá para escrever 5 livros de 200 páginas. Tem muita coisa, muita coisa. Tem poemas que eu me derramo legal.
P/1 – E o que você sente quando você se expressa artisticamente?
R – Eu fico muito emocionado. Na verdade, às vezes, eu acho que não foi nem eu que escrevi, deve ter sido alguma entidade. Porque são poemas assim muito fortes, que eu falo de amor de uma forma muito intensa.
P/1 – Moisés, depois você vai recitar alguns poemas para a gente. Eu queria saber como que você encontrou a EternamenteSOU? Como foi esse encontro?
R – A EternamenteSOU, eu encontrei através de um trabalho social que eu estava fazendo, patrocinado pelo grupo LGBT, chamado família Strong. Tem um rapaz, que ele representa a família Strong, chamado Elvis. Então, a gente já estava fazendo um trabalho de doações de cestas básicas e eu conversando sobre a minha vida pessoal com ele, que eu estava com problema financeiro bem degradante, devido a pandemia. Aí ele falou assim para mim: eu vou te apresentar a uma pessoa, que ela é diretora da EternamenteSOU, que ela faz um trabalho social só com LGBT de 50 anos a 90 anos. Você quer? Eu falei, assim: tá bom! Eu me interesso sim! Aí foi quando ele falou com a pessoa da EternamenteSOU, que na época era o fundador, chamava-se Rogério. E a equipe da EternamenteSOU, foram na minha casa, aí devido à presença dele na minha casa, aí eles se interessaram em reformar a minha casa. Mas encontraram na minha casa um problema, que eu sou acumulador. Aí devido esse problema, me encaminharam para cuidar da saúde mental, para passar no psicólogo, para trabalhar tudo isso, para saber de onde isso veio. Aí foi descoberto que veio da infância, através da psicóloga, que ela cuida muito bem de mim, a Valéria. Aí fizeram vídeos, não essa equipe nova, foi a equipe anterior, a que fundou a EternamenteSOU. Aí fizeram vídeos, fizeram fotos. Então agora eu estou fazendo as sessões com a psicóloga e eles estão decidindo continuar dando uma assistência para mim, mas eles querem que eu tenha qualidade de vida referente a minha moradia. Então está sendo trabalhado tudo isso. No momento que eu cheguei lá, eu cheguei uma pessoa totalmente estragado, que eu estava depressivo, estava com problema financeiro gravíssimo, aí depois eu consegui me cadastrar no projeto social Bolsa Família, consegui frequentar a EternamenteSOU, tendo assistência alimentar e psicológica. E lá é um lugar que eu me sinto muito bem. Lá é um lugar que eu falo que lá é o meu mundo, onde estou com pessoas da minha idade, ou mais idosa que eu, o mais idoso que tem lá tem 83 anos. São pessoas que falam a mesma linguagem que eu. E graças a Deus sou uma pessoa muito querida lá. Sou uma pessoa que recebo, hoje, recebo assistência que eu estou precisando financeiramente. Então lá é um lugar assim que é muito legal. Gosto demais.
P/1 – Você estava contando também que você faz aula do teatro.
R – Sim, faço aula de teatro. Ontem foi um dia muito emocionante, que a gente estava fazendo uma aula com a professora Ester, que é uma senhora trans, que é diretora de teatro, que já faz muitos anos que ela é diretora de teatro. E ela mandou a gente fazer uma apresentação, mandou a gente fazer uma apresentação para fazer a expressão corporal, onde o nosso palco era um banco, de forma horizontal e aquele banco, a gente, cada um de nós teria que explorar aquele banco. Então ficou uma coisa muito legal e foi muito emocionante, como se fosse uma cena de um filme do Charles Chaplin, porque o filme Charlie Chaplin mostrava as cenas, sem fala. E as nossas cenas sem fala e com a expressão corporal. Eu curti demais. Tá no Instagram.
P/1 – E o que você sente quando você está lá? Com outras pessoas também. Você falou que você é super jovem.
R – Sim! Eu brinco bastante, a gente conversa bastante, um desabafa com o outro. Parece que todos têm praticamente a mesma história. O preconceito que todos eles sofreram, parece que um segue o outro, em termos de preconceito que passaram e que passam, porque não se engane, a sociedade não deve se enganar, porque o gay idoso, ele corre o risco de voltar para armário, por falta de amor, por falta de apoio, devido a problemas financeiros. Porque a diferença do gay da periferia, para o gay de classe social de alta renda. A diferença é muito grande, o gay de classe A, ele tem um cuidador para cuidar dele. E o gay da periferia não, o gay da periferia idoso, a maioria deles são muito solitários. Então nunca nem tinha passado pela minha cabeça sobre a solidão gay, LGBT idoso, nunca tinha passado pela minha cabeça sobre a solidão, como vai ser. E lá a gente aprende a ser orientado de forma correta, que a vida não acabou pelo fato de ser um idoso gay. Você tem que lutar muito, enfrentar a realidade e se valorizar como ser humano, eles nos ensinam assim. Desde a direção que faz parte, o Luiz e a Dora e os professores das oficinas, eles deixam a gente muito à vontade. Lá é o lugar onde eu me sinto muito bem, muito bem mesmo.
P/1 – Porque existe uma ideia errada, que a sexualidade acaba, né?
R – É! Não acaba, o que acaba é penetração, porque cheiro, contato, carinho, o amor em si, nunca acaba! Independente que seja de gay ou não, sexo nunca acaba.
P/1 – O que eu queria saber, para você quais foram os momentos mais marcantes desde que você chegou aqui em São Paulo, da sua vida?
R – Os momentos mais marcantes que eu tive, foi o nascimento de uma pessoa que eu acolhi dentro da minha casa, que essa pessoa teve, ganhou uma filha, que tornou-se minha filha do coração. E dessa filha do coração foi chegando mais filhos, mais filhos, mais filhos, hoje são cinco crianças, que tem um pai, que tem uma mãe, mas assim, é como se fosse meus filhos. São pessoas assim como se fossem meus filhos. Foi uma coisa assim muito marcante, que eu acompanhei desde a gravidez, até o nascimento dessas crianças. Principalmente da primeira, que chama-se Micaele, uma princesa, uma pessoa muito importante na minha vida, que mudou muito a minha vida, me tornou uma pessoa mais sensível, mais responsável, que muitas coisas que faz de bom, penso muito nela. Uma pessoa que eu amo demais, é a minha vida, são a minha vida. São essas pessoas que são a minha vida.
P/1 – E você estava falando que você trouxe a sua família para São Paulo. Como foi esse processo?
R - Foi um processo de muito sofrimento, de muito preconceito causado por parte da minha mãe, foram pessoas que me perturbaram demais. Teve momentos bons? Tiveram sim, mas esse grupo de pessoas, se tornaram-se pessoas muito egoístas. Que a gente planejou uma coisa e foi outra, como a primeira coisa foi a seguinte, planejamos que os irmãos quando chegasse aqui, iam se juntar para comprar uma casa, para ter um conforto melhor, para ficarem unidos, a mesma família. E de repente cada um tomou seu rumo e no final das contas a minha mãe ficou sofrendo, porque foi morar numa cidade chamada São Carlos, onde a minha sobrinha falou que ia cuidar dela, mas terminou dando um golpe nela e na minha irmã que tem problema psiquiátrico. Aí resultado, aí com passar dos tempos, a minha irmã que me dava muito apoio, ela teve problemas, que ela foi estuprada pelo próprio marido três vezes e minha mãe nem tchum. Aí eu tive que orientar a minha irmã, para minha irmã enfrentar essa situação de boa e tomar conta da minha mãe e da minha outra irmã, porque não tinha mais condições de viver na cidade de São Carlos, tava passando necessidade financeira. E eu fiz tudo aquilo que um filho pode fazer, cuidar, levando para o médico, marcando consultas, trabalhando, que na firma onde eu trabalhei, que eu já havia falado para você, que eu fui muito alvo de preconceito pelo rapaz que trabalhava no outro setor. Lá as pessoas me davam muitos alimentos após o almoço, sobrava bife, pães, frutas, eu levava para casa, para ajudar no orçamento. Mas infelizmente, cada um tomou seu rumo, hoje a minha mãe está lá no nordeste, junto com as minhas duas irmãs. Porque na verdade as duas são doentes, uma tem problema de coágulo sanguíneo no cérebro e a outra tem problema psiquiátrico e a minha mãe aos 86 anos, é a única que é mais sã, que só tem problema de pressão. Eles moram bem, porque moram no nordeste, é um lugar mais saudável, é bem próxima daquela praia, Porto de Galinhas, que de lá até lá dá 40 minutos de ônibus. Tá perto do meu pai também, que o meu pai apesar dos problemas que ele causou no passado, mas eu amo muito meu pai, faz 32 anos que eu não vejo ele, tenho maior vontade de ir, mas atualmente, financeiramente, não está dando, mas eu tenho que providenciar algo para que eu consiga ir, antes que Deus leve ele. O ano passado eu tentei ir, no mês de maio, aí tive problema de preconceito na rodoviária, fui humilhado, xincalhado, entendeu. Não devolveram o dinheiro da minha passagem, só tive custos e mais custos de viagem, aí terminei fazendo vídeos para postar na redes sociais, para ter um apoio, para processar a empresa, que era uma empresa chamada Gotijo, não consegui! Fui atrás do dinheiro da minha passagem que eu tinha pago, que foi R$ 450,00, não houve reembolso, falaram que eu não tinha direito. Procurei dois advogados, de um certo partido, mas eu não vou citar o nome do partido. Na época da campanha trabalhei, recebi, claro que eu recebi, mas esses advogados não me deram assistência que deveria me dar e ficou elas por elas. Foi uma situação que mexeu muito com meu estado psicológico, porque eu fui humilhado, referente a motorista, o motorista ficou soltando gracinha para mim, excitando as pessoas a dar risada da minha cara, tudo isso eu passei. O processo que daria era por humilhação, constrangimento, assédio moral, defesa do consumidor, porque se eu paguei, se teve algum problema, esse problema teria que ser resolvido pela própria empresa, que na verdade teve. Só que através desse problema que teve, eu corri atrás, como foi orientado, e mesmo assim eu não segui viagem, eles não deixaram eu seguir viagem. Aí quando foi dias depois, eu fui pegar, pedir o reembolso do dinheiro, falaram: você não tem direito! Como? Eu fui pago para ser roubado? Então, lá na EternamenteSOU, eles orientam a gente, quando passar por isso, para a gente correr atrás. Só que nessa época, nesse mês que aconteceu isso comigo, eu não frequentava a EternamenteSOU, eu comecei a frequentar depois, porque se fosse. eu tinha tido assistência, porque lá temos assistência jurídica, psicológica e assistencial em algumas coisas, como alimento, roupas, eles fazem a campanha de doação de roupas. Eles realmente se interessam pelo problema nosso, muito mesmo.
P/1 – Você estava contando que você tem um relacionamento. Você quer me contar como vocês se conheceram?
R – Foi no momento mais difícil da minha vida, que eu tava saindo de um relacionamento, que a pessoa que eu tinha tido um relacionamento com ela, chegou em mim…. Porque eu sempre me relacionei mais com bissexuais. E essa pessoa chegou em mim e falou assim para mim: arrumei o amor da minha vida! Arrumou? Então pode ir embora. E essa pessoa foi. E de repente surgiu essa outra pessoa, uma pessoa que a gente vive até hoje juntos, temos 10 anos que estamos juntos. tivemos muitos atritos, agressões físicas. Que eu não sei, eu visualizo assim, eu posso estar errado, mas parece que há muitas agressões físicas no mundo gay, não sei se é devido a liberdade nossa, que é muito presente. Mas assim, ao menos comigo, existiu esse tipo de situação. Foram três agressões, onde a primeira eu agredi, a segunda fui agredido e me defendi e a última fui agredido, mas não me defendi, eu não quis me defender, fiquei de boa! Eu falei, assim: nossa, não acredito que você fez isso. E ficou por isso mesmo. Eu não liguei! Só que assim, é uma pessoa que eu gosto demais, tem uma importância muito grande na minha vida, ele entrou na minha vida no momento que eu mais precisava de alguém. E hoje a gente está de boa, sem agressão, é uma pessoa que ele mora no espaço dele e eu moro no meu. Já houve algumas vezes que ele queria morar na minha casa, eu não quero, porque eu não tenho assim, aquele jeito assim de cuidar, lavar, passar, cuidar, eu acho que eu tenho um lado muito, meio gay Paraíba. Não sou aquele tipo de cara, de gay, que está fazendo um bico no trabalho, de repente, tenho que ir embora que tem que cuidar do meu boy, eu não sou assim! Eu sou uma pessoa que cuido de outras coisas, pegar, arrumar uma roupa que está ali desarrumada, fazer uma comida. Mas eu também acho que eu não cozinho bem, de maneira alguma também. É o que tem para hoje, tipo assim! Mas é uma pessoa que eu amo demais, demais, gosto muito dele!
P/1 – E como foi a época do Covid para você? Da pandemia, como foi essa época, no geral?
R – Foi cruel! Eu acho que foi cruel para a maioria da parte do universo, do planeta. Eu passei muita necessidade financeira, eu estava a beira de fazer aquela prática lá, de colocar o pano branco na porta como sinal de socorro, estou precisando de um prato de comida. Enfrentei várias vezes a fila da fome. Que o mundo nunca passou por isso, foi uma coisa muito cruel, eu não imaginava que eu ia ser uma daquelas pessoas para estar ali esperando um prato de comida, uma marmitinha. E eu fiquei muito ali na Praça da Sé, ali em frente à Faculdade São Francisco, que aquela entidade, eles fazem um trabalho muito intensificado. Eu fui para filas que tinha 350 pessoas, 600 pessoas. E era muito constrangedor, a gente ser um trabalhador comum e sem a gente menos esperar, tá ali na fila da fome. Mas serviu também para… como se fosse um laboratório, para você se tornar uma pessoa melhor, porque eu tive oportunidade também de mostrar no meu trabalho… Uma pessoa formada em serviços sociais, sendo eu uma pessoa leiga, não sendo formado, eu tive a oportunidade que o Elvis, que ele é um dos presidentes LGBT da Parada Gay, o Elvis, que me doou bastante cesta básica para entregar para minha comunidade, eu fiquei entregando 40 cestas básicas, durante cinco meses, para nossa comunidade lá. Para mim nesse sentido foi bom. Mas é assim, eu vejo assim, que nós brasileiros, dentro de um todo, precisamos muito é de educação e saúde, só assim que esse país vai ser um país futurista, que invista bem na criança, no adolescente. E muitas pessoas, eu sei que muitas pessoas corre atrás disso, protesta contra essa falta de humanidade da maioria dos governantes que passam no poder, tem muitas pessoas que faz esse trabalho, mas não aparece, a mídia não aparece muito, porque coisas boas não interessa muito a mídia, infelizmente. Para mim foi uma coisa assim… Eu também sofri uma rejeição também, a vacina, eu não queria me vacinar de maneira alguma, aí o meu Boy, que ficava… apesar da diferença de idade ser muito grande, ele tem apenas 23 anos, eu tenho 62 anos, ele tem uma cabeça muito boa. Ele aconselhava, “não, mas você tem que tomar vacina, você vai ser contaminado, e aí se você for contaminado, você vai morrer!” Ele me deu muito conselho, aí terminei tomando a primeira dose, segunda dose e agora por último, na falta da terceira e quarta dose, aí eu tomei aquela que cobre, que faz toda a cobertura da vacina, tomei a vacina também para gripe. Mas eu acho que deixou uma lição muito grande para a humanidade, a pandemia, muito mesmo. Ficou aquela situação de quem não gostava de estudar, queria estudar, quem não gostava de ir para igreja, queria ir lá para igreja rezar, quem não gostava de macumba, queria ir lá fazer macumba dele. E daí por diante, que as pessoas elas sentiram a falta do ombro amigo, do calor humano, sentia falta do seu professor, daquele professor chato, daquele professor legal. Então deixou muita lição, a pandemia. Mas a coisa mais cruel para mim é a fome, a fome é muito cruel, muito, muito, muito, muito. Eu nunca aceitei a fome na minha vida, tanto é que eu já contei nesse depoimento sobre a fome da minha infância, é muito ruim. Eu acho que assim, quando a pessoa chega e pede algo de comer para você, você pode ter duas bolachas, dá uma bolacha e fica com uma, mas não deixa aquele ser humano passar fome é muito cruel. Isso me deixa muito emocionado. É triste demais a fome. E Deus me deu uma oportunidade para ser uma pessoa melhor e eu fui parar na periferia, onde existe a miséria de forma degradante mesmo, porque ela é degradante a miséria, entendeu. E o mundo das drogas. Foi com esse povo da periferia que eu aprendi a ser uma pessoa melhor, que eu era assim, muito nariz empinadinho, tipo assim, quando eu arrumei os meus primeiros empregos, tinha dinheiro, eu não gostava nem de juntar dinheiro, para mim dinheiro foi feito para gastar. Hoje eu sinto que dinheiro também foi feito para você ganhar, para você se moderar e guardar para ter um futuro melhor. Porque assim, hoje o que eu vivo eu não culpo ninguém, eu culpo a minha pessoa, que não soube lidar muito com o lado financeiro.
P/1 – Moisés, eu queria saber, para você, refletindo sobre a sua vida, tem muita diferença da época em que você assumiu a sua sexualidade publicamente e hoje em dia? Se tem muita diferença no tratamento das pessoas, em como você vive a sua sexualidade?
R – A diferença que eu vejo, sabe o que que é? E que referente ao preconceito, grande parte das pessoas ainda são camufladas, “ah, nossa! Você é gay, nossa, que legal!” Quando a gente dá as costas, fala um monte, olha um gay velho, não tem vergonha na cara! Eu já ouvi essas palavras diretamente, de mãe falar assim para mim: você não tem vergonha na cara de ser gay? Não! O corpo é meu, eu faço do meu corpo o que eu quiser, porque o meu corpo é meu próprio templo, toca quem eu permito. Pronto, acabou! Existem muitas pessoas preconceituosas ainda, mas tem uma minoria que são pessoas assim muito, que não tem problema com o ser humano, o ser humano é aquilo que ele quer ser. Acho que não é que escolhe, é o desejo da própria carne! Você sente atração, entendeu! É aquilo, é correspondido pela atração, você gosta, a pessoa gosta, pronto, rolou! Mas antigamente era pior sim, porque… Eu não sei se eu já falei nesse depoimento, que eu apanhei da minha própria mãe, eu falei? Então, na época que eu era adolescente, minha mãe começou a me bater, porque eu chegava em casa muito tarde da noite, porque aos 15 anos eu tive um caso com um rapaz de 35 anos. Não é para mim gabar, mas assim, era o homem mais bonito da cidade. E ele era cheio das mulheres, mas ele tinha atração por gay, esse gay era eu, a minha pessoa, porque na época eu era um homem bonito, moreno, cor jambro, a cor do pecado, bronzeado, que eu frequentava as praias direto, tudo quanto é praia, um monte de praias que eu frequentei, praia de Maragogi, que é muito conhecida, São José da Coroa Grande, Praia do Peroba, Antunes. Muitas praias conhecidas do nordeste eu frequentei muito. E eu era uma pessoa muito assediada por esse rapaz. E quando foi um tempo da minha vida, que a gente tava namorando, aí o que acontece, eu chegava em casa de madrugada, entendeu? 15 anos, entendeu? Aliás, aos 14 anos, chegava em casa de madrugada. Minha mãe perguntava onde eu estava? Eu falava: não é da sua conta! Eu era uma pessoa muito rebelde mesmo, “não é da sua conta!” Quando foi um dia ela perguntou, eu falei assim: você quer saber? Eu estava nos braços de um homem bem gostoso! Ela olhou assim para mim e as lágrimas desceram. Eu chorando também. Meu Deus, porque eu falei isso. Mas eu era uma pessoa espontâneo, até hoje sou uma pessoa espontânea. Aí quando foi depois, ela fechou a porta, eu peguei, fui tomar um banho e fui dormir, aí quando eu fui dormir, eu ouvi um barulho de martelo, batendo em algum lugar, alguma dependência da casa. Minha casa era muito, no nordeste se chama quarto, mas não era quarto, era uma casa pequena, uma casa que tem um quarto, sala, cozinha, aí domina como quatro. Aí era casa muito pequena, aí o que acontece, ela tava batendo lá o martelo nas dependências da casa, aí eu nem imaginava o que estava acontecendo. Aí eu ouvi uma voz falando, assim: acorda para apanhar! Eu achando que eu tava sonhando. Aí quando a voz falou novamente, “acorda para apanhar!” Eu já senti a cintada no meu corpo, sai correndo por dentro da casa, querendo fugir, quando eu ia para a janela, a janela tava toda lacrada, com pedaço de madeira e os pregos lacrando a janela, a madeira pregada na janela com prego. Eu ia para a porta, do mesmo jeito, aquele monte de de prego e madeira pregado na porta, nas laterais da porta. Eu não tive escapatória nenhuma. Eu fui para os fundos, para fugir pelos fundos, não conseguia também, porque estava do mesmo jeito. Aí fui para sala, ela me jogou e começou a me chicotear com a cinta, com a fivela da cinta, em cima e pá, pá, pá. E em um certo momento, ela pegou e falou assim pra mim: você vai morrer de tanto apanhar! Enquanto você não virar homem, eu vou te matar! Aí eu falei, assim: problema seu! Agora que eu vou ficar pior! E na verdade, passou apenas, dois dias, ou foi três, fiquei com a primeira pessoa que apareceu na minha vida. Aí eu comecei a fazer uma coisa que eu não recomendo que ninguém faça, me vingar com meu próprio corpo. E isso trouxe muita consequência psicológica, física. Aí foi daí então que eu comecei a ficar com raiva, irado, eu precisava de apoio e não ter apoio. E o tempo foi passando, eu não tinha assim, aquele amor pela minha mãe. Hoje até que eu tenho, tá distante é uma pessoa que já tá idônea, precisa de apoio moral do filho mais velho, que eu sou o mais velho entre 19 irmãos, que o meu pai constituiu família com três mulheres, onde veio 47 sobrinhos, são muitos sobrinhos. Mas é assim, hoje o meu relacionamento com a minha mãe, ela continua distante, mas não tanto assim, distante pela distância por estar distante, mas assim mais próximo, porque eu gosto um pouco mais dela, que ela viveu aqui comigo durante um bom tempo, ajudei naquilo que teria que ajudar. Mas assim, a pessoa que eu gosto de mais, que eu tenho paixão, é o meu pai. E o meu sonho, da minha vida, é ver ele. Que já infartou, teve 5 infartos, 2 derrames, já tá meio baqueado, porque deixa sequelas. Mas assim, eu tenho uma paixão pelo meu pai. E segundo falam, eu sou muito parecido com ele, fisicamente, não nas atitudes sexuais, devido a vida sexual não! Mas assim, na aparência eu sou muito parecido com o meu pai. Tenho irmãos das outras famílias que também faz muito anos que a gente não se vê, 20 e poucos anos. Eu tenho uma irmã, a caçula da segunda família, que quando eu a vi, ela estava com uns 10, 11 anos e hoje está com 50 e poucos anos. São pessoas que se eu ver na rua eu nem reconheço, que dizer, pode até reconhecer por causa da rede social, por causa de fotos, essas coisas assim. Mas são pessoas, assim, que fizeram parte da minha vida e faz parte até hoje. Mas assim, o meu pai, eu tenho uma verdadeira paixão pelo meu pai.
P/1 – E quais são os seus sonhos?
R – Os meus sonhos e de escrever meu próprio livro. É apresentar os meus desenhos, porque a gente vê tantos desenhos assim, que não tem assim, traços profissionais, igual ao meu não tem, que faz sucesso, porque eu não posso fazer? O meu sonho… E outro, um dos meus sonhos também, é abrir uma clínica para trabalhar com pessoas com dependência química e pessoas carentes, pessoas que moram na rua. Que esse povo precisa de muito apoio, principalmente esse povo que vive na Cracolândia de São Paulo, que o poder público não faz nada por ele, trata eles como se fosse bicho, onde ali tem pessoas que tem que ser resgatadas, tem muitas pessoas profissionais de todas as áreas, que precisa de um apoio. Eu gostaria muito de ter uma clínica para trabalhar o lado psicológico, físico dessas pessoas.
P/1 – Moisés, qual é o seu legado para o futuro?
R – Como assim? No meu dia a dia? O que eu penso do meu futuro? Ah, eu penso que eu tenho que ter no futuro uma boa qualidade de vida, enfrentar a vida do jeito que ela é e continuar ajudando muita gente.
P/1 – E o que você deixa para as outras pessoas?
R – Amor, carinho, atenção, que o ser humano precisa muito ser ouvido. Tratar o ser humano como ele é, independente da sua sexualidade. Que o negro seja tratado como negro que ele é, que o gay seja tratado como o gay que ele é. Que os bissexuais, os heteros, sejam tratados como eles são. E acima de tudo respeitar essas pessoas, todo ser humano precisa de respeito, precisa ser respeitado.
P/1 – A gente já tá chegando no fim, só mais 2 perguntas. A primeira delas e se você queria contar alguma coisa que eu não perguntei?
R – Vida financeira, eu já falei. Não! Não, acho que contei muitas coisas da minha vida, muito mesmo, a bagagem tá muito grande. Vai ter que cortar muitas coisa, tá muito longo.
P/1 – Eu queria saber como foi para você contar a sua história hoje?
R – Pra mim na verdade foi uma surpresa muito grande, porque eu não esperava por isso. Eu esperava que as portas um dia iria abrir para mim, para mim divulgar algo que eu tenho guardado, que é as poesias durante 40 anos. Mas assim, eu não esperava que um simples vídeo, com um conteúdo tão curto, ia chamar a atenção de alguém que mora nesse planeta chamado Brasil, não sabia! Eu fiquei assim, muito admirado. E outra, partindo da Mirela, que eu faço questão de falar na Mirela, porque…. Você conheceu pessoalmente, a Mirela é um doce de pessoa. E ela agiu da forma que eu ajo, que a gente não pode fazer promessa a terceiros. Ela falou assim: eu vou ver se eu te dou uma força. E ela chegou duas vezes, três vezes lá. E aí quando foi um dia ela viu eu lendo um poema e achou muito legal, aí falou que ia ver se dava uma força. E eu não esperava que um dia eu poderia participar de um trabalho tão importante, que é o Museu da Pessoa. Eu nem conhecia, eu descobri essa importância ontem, que eu comecei a pesquisar, porque a gente tem que saber para onde a gente está indo. Aí eu comecei a pesquisar e vi, o conteúdo de vocês é muito grande. Da oportunidade de descobrir pessoas, nos 4 cantos desse país chamado Brasil. Achei muito da hora! Gostei muito!
‘Minha tristeza de poeta, meu pensamento está só em você, a saudade é tamanha, estou sentindo muito a sua falta, os braços da solidão me abraçaram, neste momento me sinto como se fosse o anjo da solidão, olho no espelho, o meu olhar é tão triste, já não sinto vontade de sair a lugar algum, ao meu redor nada me interessa, só me resta neste momento as palavras do meu poema triste. Minha tristeza de poeta confunde-se com a minha insônia, deito na cama, não consigo dormir, quando consigo dormir, não quero mais acordar, não suporto a ideia de pensar que vou te perder. Na sua partida, eu senti um aperto no meu coração, eu já sentia saudades, eu já sentia a sua falta, eu já sentia tamanha tristeza. Em nossa despedida o meu abraço, o seu calor, o meu calor era a expressão do meu amor. Adeus amor! Se o destino assim quiser, você irá voltar pra mim. Neste momento fica apenas a lembrança de você. E a expressão do meu poema triste, que expressa o meu verdadeiro amor por você.”
‘Bom dia sol! Bom dia vida! Bom dia sol! Bom dia vida! Bom dia amiga! Não acredito, você acordou de mau humor? O seu dia começou mal? Pare com isso! Todo dia é um bom dia! Quando você acordou, você tentou abrir a janela do seu quarto? Agradeceu a Deus por tudo? Agradeceu pela sua saúde? Olhe para o céu e veja a beleza da vida, olhe na estrada e veja alguém caminhando, crianças brincando, o cachorro latindo, o gato miando. O cachorro se expressa latindo. O gato se expressa miando. E o ser humano se expressa falando, olhando, gesticulando e até mesmo tocando. Sinta o cheiro da brisa, o vento no seu rosto tocando, sinta o cheiro da terra, sinta nesse momento o pulsar do seu coração. Agora basta olhar e sentir a beleza e as maravilhas do criador, porque Deus é vida, porque Deus é amor. O criador deu a própria vida para você viver, criou o céu, a terra, o mar, o sol e as estrelas. A lua, os rios e as cachoeiras. Esta foi a maior obra de arte que alguém já fez, ninguém fará igual. Lembre-se, a nossa vida é uma obra de arte criada pelo criador, basta vivê-la. A vida só é bem vivida quando você ama amar a vida. Ame amar você! Você pode, você deve, você quer, você vai conseguir. Deus ajuda, a gente faz acontecer. Diante do criador somos todos iguais. O nosso dia será sempre um bom dia. Bom dia vida, eu te quero linda, que eu te quero vida!’
P/1 – Muito obrigada Moisés! Que lindo para terminar!
R – Obrigada, vocês!
[Fim da Entrevista]
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