Entrevista de Andréia da Silva
Entrevistada por Luiza Gallo e Bruna Oliveira
São Paulo, 23/08/2021
Projeto Mulheres no Mercado rodo-porto-ferroviário - Rumo Logística
Entrevista número: PCSH_HV1069
Realizado por: Museu da Pessoa
Transcrita por Selma Paiva
Revisado por Luiza Gallo
P/1 - Oba, vamos lá. Andréia, pra começar, eu gostaria que você se apresentasse, dizendo seu nome completo, data e local de nascimento.
R - Oi, me chamo Andréia, Andréia da Silva, tenho 34 anos, nasci no dia 23 de junho de 1987, na cidade de Rondonópolis, Mato Grosso.
P/1 - E quais os nomes dos seus pais?
R - A minha mãe chama Maria José da Silva e meu pai, Joaquim Ferreira da Silva.
P/1 - E com que seus pais trabalhavam?
R - Meu pai trabalhava sempre em fazenda, era capataz. E minha mãe sempre o seguia, depois ela pegou jornada de copeira, doméstica, quando nós viemos pra cidade.
P/1 - E como os descreveria?
R - Olha, os meus pais são bem simples. Lutaram bastante pra criar eu, mais meu irmão. Meu pai já tem outros quatro filhos com outra mulher. Mas a nossa vida, geralmente, foi no campo. Nós voltamos pra cidade em 2005, ficamos pra cá. Mas a maioria da minha infância foi sempre morar na fazenda.
P/1 - E qual o nome do seu irmão?
R - Meu irmão chama Lucas.
P/1 - E como é a relação de vocês?
R - Hoje é boa, mas, quando era criança, era… (risos) a gente brigava bastante. Aí, quando a gente se tornou adolescente, nós ficamos um tempão sem conversar e depois todos nós casamos, cada um, aí nós voltamos a conversar. Mas só que, hoje, a relação nossa é muito boa, graças a Deus!
P/1 - E com seus pais, como é a relação?
R - É boa, graças a Deus. Tento ser a melhor filha, né?
P/1 - E você conheceu os seus avós, você sabe um pouquinho da história deles?
R - Então, a da parte da minha mãe, eu conheci só o meu avô e aí ele faleceu quando eu tinha seis, sete anos, mais ou menos. A mãe da minha mãe faleceu no...
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Entrevistada por Luiza Gallo e Bruna Oliveira
São Paulo, 23/08/2021
Projeto Mulheres no Mercado rodo-porto-ferroviário - Rumo Logística
Entrevista número: PCSH_HV1069
Realizado por: Museu da Pessoa
Transcrita por Selma Paiva
Revisado por Luiza Gallo
P/1 - Oba, vamos lá. Andréia, pra começar, eu gostaria que você se apresentasse, dizendo seu nome completo, data e local de nascimento.
R - Oi, me chamo Andréia, Andréia da Silva, tenho 34 anos, nasci no dia 23 de junho de 1987, na cidade de Rondonópolis, Mato Grosso.
P/1 - E quais os nomes dos seus pais?
R - A minha mãe chama Maria José da Silva e meu pai, Joaquim Ferreira da Silva.
P/1 - E com que seus pais trabalhavam?
R - Meu pai trabalhava sempre em fazenda, era capataz. E minha mãe sempre o seguia, depois ela pegou jornada de copeira, doméstica, quando nós viemos pra cidade.
P/1 - E como os descreveria?
R - Olha, os meus pais são bem simples. Lutaram bastante pra criar eu, mais meu irmão. Meu pai já tem outros quatro filhos com outra mulher. Mas a nossa vida, geralmente, foi no campo. Nós voltamos pra cidade em 2005, ficamos pra cá. Mas a maioria da minha infância foi sempre morar na fazenda.
P/1 - E qual o nome do seu irmão?
R - Meu irmão chama Lucas.
P/1 - E como é a relação de vocês?
R - Hoje é boa, mas, quando era criança, era… (risos) a gente brigava bastante. Aí, quando a gente se tornou adolescente, nós ficamos um tempão sem conversar e depois todos nós casamos, cada um, aí nós voltamos a conversar. Mas só que, hoje, a relação nossa é muito boa, graças a Deus!
P/1 - E com seus pais, como é a relação?
R - É boa, graças a Deus. Tento ser a melhor filha, né?
P/1 - E você conheceu os seus avós, você sabe um pouquinho da história deles?
R - Então, a da parte da minha mãe, eu conheci só o meu avô e aí ele faleceu quando eu tinha seis, sete anos, mais ou menos. A mãe da minha mãe faleceu no parto. E do lado do meu pai eu não conheço ninguém, a não ser esses quatro filhos dele. Mas eu não sei quem é irmã, quem é mãe, quem é pai, não conheço absolutamente ninguém. Ele não fala, ele é reservado. E eu também não… cresci, nunca tive vontade de saber da parte da família dele.
P/1 - Mas você se relaciona com esses outros irmãos?
R - Desses quatro que ele tem, eu só converso com um (risos). Só com um. É um povo meio complicado.
P/1 - E você sabe a história do seu nascimento?
R - Ah, a minha mãe fala que ela vivia morando na fazenda, que ela ajudava o meu pai, que era uma época bem difícil e que, inclusive… eu falei que eu tenho um irmão da minha mãe, é… mas, na verdade, minha mãe teve quatro. Os dois primeiros foram gêmeos, só que morreram. E aí acaba que eu esqueço, que minha mãe teve essas duas gêmeas. Porque faz tanto tempo. Elas foram as primeiras, uma morreu no hospital e outra com sete dias. Aí minha mãe, geralmente, fala muito, assim, só da gravidez dessas gêmeas, que sofreu bastante, que ela, com nove meses, estava tirando leite. Naquela época de frio, era muito lama o curral. A única coisa que ela fala. Mas, assim, a minha e a do meu irmão, ela quase não relata nada.
P/1 - E você sabe, por acaso, a história do seu nome, como que eles escolheram?
R - Então, a minha mãe fala que meu nome era pra ser Marizete, porque… pra combinar com o nome dela, Maria José. E não sei o que aconteceu, que mudou pra Andréia.
P/1 - E me conta da sua infância. Você cresceu no campo?
R - Sim. Eu me recordo [de] pouca coisa, porque, geralmente, eu fiquei mais morando no sítio. A gente era bem afastado dos parentes. E vinha só na cidade pra fazer compra e meu pai era aquele ser que é bem afastado de todo mundo. Então, eu peguei, acho, que mais essa parte dele, de não ter muito contato com família, com parentes, essas coisas assim. Eu vim mesmo quando estava com uns doze anos, que eu vim morar permanente, acho que na cidade. Mas meu pai, era de seis em seis meses, ele vivia morando em uma fazenda, pulando pra um lugar, quando eu achava que nós estávamos lidando bem no lugar, ele já mudava pra outro. Então, a gente não tinha muito contato com outras pessoas.
P/1 - E, antes de ir pra cidade, teve alguma casa que tenha te marcado, que você lembre dela?
R - Então, de todas as fazendas que meu pai morou, teve uma que é… acho que na região do Bananal, que é a que eu mais senti, chorei bastante. Isso foi em 1999. Chorei, chorei, porque eu queria ficar lá, porque lá, pra mim, era, nossa, muito bom lá. Só que, infelizmente, meu pai não parava em lugar nenhum. Tinha que estar acompanhando.
P/1 - E como era esse lugar?
R - Ah, nossa, lá, pra mim, é tipo um paraíso. Lá era supergrande, lá tinha um pasto pra gente correr e tinha vários pés de fruta, a gente… eu vivia em cima, pé de fruta, de seriguela, goiaba, de coco, laranja. E ajudava meu pai também. Na época, eu acho que eu tinha nove pra dez anos. Ajudava meu pai no campo. Na lida lá, ou ia atrás de vaca no pasto, pra retirar leite. Então, eu mesmo que arriava o cavalo. Aí, eu fico me perguntando: “Nossa, eu consegui, hoje eu acho que eu não consigo fazer isso e eu criança conseguia”. É muito estranho, mas era uma época muito gostosa, que eu, até então, estava conversando com meu marido, que eu queria que meus filhos vissem esse campo, essa vida no campo, porque é bem melhor.
P/1 - Qual foi a maior transformação, dessa mudança de campo e cidade? O que você mais sentiu?
R - Ah, pra mim, tudo é novo. Era tudo novo, porque, como a gente, lá, eram poucas visitas e aqui muita gente, carro, então eu me sentia perdida. Olhava, ficava com medo, porque na fazenda, quando a gente recebia visita, nós saíamos correndo. Principalmente eu. Eu saía correndo. Não tinha costume, digamos, aquele bichinho do mato, eu era assim. Então, pra mim, quando cheguei na fazenda, eu fiquei muito perdida... cheguei na cidade, fiquei muito perdida.
P/1 - E você estudou no campo, ou não? Você veio estudar na cidade?
R - Sim. Assim, eu, na verdade, eu fui começar bem tarde meus estudos, devido a isso. Porque era pra eu começar com seis, sete anos. Fui começar a estudar com nove anos, por causa do meu pai ficar com essa mudança de lugar. E aí, engraçado, que tem uma coisa que me marca bastante, é que a minha mãe, uma época, me mandou pra escola, que tinha uma escolinha rural e minha mãe e meu pai, não têm estudo. Então, nunca ensinou pra nós o ABC, não ensinou nada. E aí, me mandaram pra essa escola. Chegando lá, o professor foi fazer um ditado e me entregou uma folha. Eu não sabia nunca, na minha vida, o que era estudar. E aí, ele estava fazendo ditado. O que eu fiz? Eu peguei essa folha - me deu um lápis e uma folha, não tinha caderno, não tinha - picotei a folha todinha, peguei o lápis, ele falando e eu não entendendo o que ele estava falando. E eu, acho que eu tinha uns sete, oito anos, mais ou menos isso, acho que uns oito anos. Picotei a folha todinha, ele falou: “Terminou o ditado”. Recolheu a folha e estava toda picotada. Ele: “O que é isso?” E eu olhava pra cara do homem, não sabia o que ele estava falando. Só que também só foi esse dia, nunca mais voltei pra trás. Aí, nós já mudamos pra outro lugar, que ficou bem longe. Aí depois mudamos pra outro lugar e aí foi onde que tinha ônibus, que passava pra ir pra escola. Foi quando comecei a estudar.
P/1 - E como era sua rotina, na fazenda? Você brincava?
R - Sim, a gente brincava. A gente tinha momentos de lazer, de criança. Eu e meu irmão saíamos pra pescar. Eu falo bem assim: “Meu Deus, hoje eu não tenho coragem de pegar, eu sozinha, mais meu irmão”. Meu irmão é mais novo que eu dois anos. Então, ele tinha sete, eu tinha nove, nessa época. E nós íamos pra beira de rio, sozinhos e muito longe da casa, ainda. E aí a gente andava dentro do rio, pescando aqueles... era um riozinho pequenininho, pouca água, mas mesmo assim, eu falei: “Gente, cadê a minha noção, né?” Porque ali é perigoso ter cobra, jacaré, muita coisa ali. Minha mãe deixava, mas eu… a gente não via perigo, na época. Hoje eu já vejo, hoje eu não deixaria meus filhos fazerem o que eu fazia.
P/1 - E qual a sua primeira lembrança dessa escola, com nove anos?
R - Então, aí, quando eu fui pra escola primeiro, eu fiquei com medo da professora, a professora era muito rígida. Então, era aquela coisa que eu sentava e ficava estátua, assim. Não entendia nada do que ela falava. E ela era muito brava. Mas, assim, ela foi uma pessoa brava que me ensinou. Uma pessoa que teve paciência. Pra quem não sabia nada, nem escrever, nem o nome não sabia.
P/1 - Você lembra o nome dessa professora?
R - Sim, professora Niva. Depois de muitos anos, encontrei com ela, agora esses tempos, tem uns cinco anos que encontrei com ela. E ela disse que lembrou de mim ainda, falei: “Nossa, que legal!”.
P/1 - E que mais, que outras lembranças você tem desse período escolar?
R - Coisas tão simples, que hoje eu fico olhando pra trás, a gente era feliz na época. Tinha… lá era oportunidade de ter convívio com outras pessoas, porque, até então, quando a gente voltava pra casa, meu pai não deixava a gente ter amiguinho na porta de casa e nem levar amiguinho pra lá. Então, lá era o momento que a gente tinha liberdade.
P/1 - E aí, o que vocês faziam? As brincadeiras eram outras?
R - Na época, lá, a escola… eu estudei, a primeira escola que eu estudei foi o Mário de Andrade. Lá a gente tinha o recreio, que a gente poderia correr, brincar de queimada. Eu fico pensando assim, como é, hoje em dia, o famoso recreio, que era a merenda, nossa, a gente aparecia pra merenda (risos). Gente, como pode, né? A merenda, pra nós, era tudo lá, nossa, meu Deus! (risos) E as amiguinhas também. Só que era aquela amizade só na escola, não ia pra casa nenhuma.
P/1 - Você continua, tem algum contato com alguma amiga dessa época, ou não?
R - Não, eu só as tenho, mesmo, em redes sociais, mas a gente não tem… na verdade, assim: eu sou pouco... eu acho que eu, por causa do convívio de muito tempo, tenho pouco envolvimento com pessoas pra virem dentro da minha casa. Hoje mesmo é só serviço, casa, casa e serviço. Quem vem aqui na minha casa é minha mãe, meu pai, meu irmão, só. Assim, porque eu fico… a minha rotina é muito cansativa, então não tenho muito [tempo] pra lazer. O dia que eu tiro pra lazer, pode ter certeza que é pros meus filhos, que eu dou mais prioridade pra eles. Eu posso estar cansada e [se] eles me pedirem: “Vamos soltar uma pipa? Vamos jogar uma bola?” Eu tô morta, eu: “Bora!”.
P/1 - E como foi essa mudança pra cidade? Você lembra como foi a viagem? O que seus pais comentaram com vocês?
R - Na verdade, os meus pais não eram de ficar falando muito com a gente. Eles tomavam a atitude, pronto e acabou. E a gente tinha que seguir. Meu pai é aquele… um cara que é bem ignorante. Sabe pouco. É bem fechadão. Poucas conversas ele tem. E aí, ele pegou, quando eu descobri que nós vínhamos pra cidade, eu entrei em pânico. Chorando, mas escondida, porque não podia chorar na frente deles, senão era surra.
P/1 - E como foi essa chegada na cidade?
R - Então, aí ele pegou, nós viemos para uma casa. Na verdade, não tinha lugar pra nós irmos. Aí, não sei o que aconteceu, arrumaram um terreno pra ele. Aí construíram uma casinha de tábua, nós ficamos lá um bom período, nessa casinha de tábua. Aí passaram-se muitos anos, depois ele fez uma troca por uma casa de tijolo. Aí nós saímos da casinha de tábua, nós fomos morar ali, bem aqui, próximo mesmo de onde eu moro hoje. Aí de lá, ficamos até minha mãe se separar dele. Foi 2004, 2005, porque eu comecei a namorar e minha mãe, assim, o casamento da minha mãe e do meu pai era bem perturbado. Ele tem uma diferença muito grande de idade dela. Ele é bem mais velho que ela e ele tem muito ciúmes dela, tinha muito ciúme dela. Até mesmo do meu irmão, ele sentia ciúmes. E aí, quando eu comecei a namorar, depois de dezoito anos e aí eu namorei mais três anos, aí eu engravidei, aí eu peguei, saí de casa. Aí foi na hora que a minha mãe também… na hora que eu saí, no outro dia, praticamente, minha mãe também saiu da casa. Que ela esperou eu sair de casa, pra ela separar do meu pai.
P/1 - E aí, ainda pequenininha, você continuou, você entrou numa escola?
R - Continuei, porque na fazenda que nós… a última fazenda que eu falei pra você que eu gostei, que passava ônibus, então o ônibus trazia a gente pra cidade. Estudei até a quarta série. Aí, depois da quarta série que eu vim pra cidade.
P/1 - Mas, na cidade, você continuou os estudos?
R - Continuei.
P/1 - E como foi chegar num colégio novo, com outras pessoas, outra realidade? Você sentiu muito?
R - Assim, de início, como eu estou dizendo pra você, eu sempre ficava excluída, sabe? Ficava observando tudo, sem ninguém ali por perto, eu sou uma pessoa difícil pra fazer amizade, parece que eu olho pra todo mundo, falo: “Nossa, ninguém gostou de mim”. Mas é uma coisa da minha cabeça. Assim, não sei, é uma paranoia, alguma coisa assim. Mas eu fiz bastante amizade, mas foi só questão de tempo, mesmo. Terminei meus estudos lá nessa escola, na Escola Daniel Martins de Moura, aqui na região, mesmo, da Vila Operária, onde eu moro. E consegui terminar o terceiro ano lá.
P/1 - E, Andréia, me conta uma coisa: você pensava no que você queria fazer, quando crescesse? Você pensava sobre isso, da profissão?
R - Então, quando eu era pequena, que morava em fazenda, a minha intuição era ser professora. Nossa, eu falava que queria, porque queria ser professora. E aí foi passando uns tempos, essa vontade foi acabando e acabou de vez. E aí, quando chegou já no ensino médio, que eu já estava um bom tempo aqui na cidade, já não sabia o que eu queria, porque nada me agradava. Falava: "Nossa, o que eu vou fazer?” E, assim, sempre gostei de estudar, eu era das alunas bastante empenhada, tirava bastante notas altas. A única nota baixa, assim, foi quando foi entrar no primeiro ano, porque aí vieram umas matérias diferentes, aí deu uma quebradinha, mas eu consegui recuperar minhas notas. E aí até então eu falava que queria ser professora e depois passou certo tempo, eu não sabia mais o que queria, fiquei sem saber o que eu queria, porque nada me agradava. Aí quando eu já estava casada, eu falei assim: “Vou fazer uma faculdade. Pra quê? Nossa, não sei”. Aí, optei pelo menor tempo de estudo (risos) nem foi por: “Ah, eu gosto disso ou daquilo”. Não: “Qual vai ser a menor grade de currículo aí, de escola?” Três anos, tecnólogo. Então falei assim: “Vai ser esse!”. E foi por isso que eu me formei (risos).
P/1 - E antes da faculdade, você já estava namorando, ou foi depois?
R - Foi depois, já estava casada, já tinha até filhos. Eu já tinha minha primeira filha. Que eu estava grávida, eu praticamente... quase tive meu filho na faculdade. Porque as aulas terminaram numa sexta-feira e eu ganhei meu guri numa quarta-feira. Eu ia subir aquelas escadas da faculdade, nossa Senhora, rezava um Pai Nosso e Ave Maria, que meu bucho estava grande, enorme. Estava me sentindo muito obesa. Mas eu fui, terminei, concluí meu semestre todinho.
P/1 - Me conta como conheceu seu marido?
R - Então, a benção do meu marido, né? Eu… a minha mãe tinha um parente dela, uma irmã dela, que abriu um barzinho numa fazenda, no sítio, bem distante da cidade. Aí pra dar ajuda pra ela, nós começamos a ir pra lá. Foi no Dia das Mães, isso foi em 2005, aí eu peguei, fui com a minha mãe e meu irmão pra lá e lá tinha um barzinho, que era da minha tia e, nisso, a filha da minha… a minha prima já tinha um namorado, já era casada, na verdade. Levou um amigo dela, que seria meu marido. Ela chegou… chegando lá, ela falou assim: “Tem uma pessoa ali pra te apresentar”. Eu falei: “Quero não, quero conhecer ninguém, não”. Aí ela insistiu, insistiu, até que me levou. Aí, cheguei lá, olhei pra cara dele assim, ele estava bêbado, bêbado, misericórdia! Olhei assim, falei: “Credo!”. E aí, só que, detalhe, eu não sabia, ele estava recente separado. E eu não sabia, ele estava, acho que afogando as mágoas dele. Aí a menina pegou e falou… eu olhei: “Agorinha eu volto”. Só que aí, nesse “volto”, eu falei: “Meu Deus, quem que é…”, aí falei uma palavrinha lá, que não vou falar aqui, falei: “Você está doida” (risos). Aí ela pegou e contou pra ele, ela pegou e falou o que eu tinha falado, pra ele. Ele pegou e mandou me chamar lá de volta. Aí eu fui lá. Aí ele pegou e me beijou, assim, de uma vez. Falei: “Você está doido?” E, nisso, só foi aquele beijinho ali, depois viemos embora, cada um foi pro seu canto. Passada uma semana, ele pegou meu telefone residencial, da casa da minha mãe, e me ligou. Aí falou, se identificou, quem que era, aí eu: “Ah, sim, conheço”. Ele falou: “A gente pode sair pra conversar?” E aí, nesse… antes disso minha mãe não aceitou, porque todo mundo estava falando que ele era casado, só que ele estava recém separado. E aí todo mundo falou que ele tinha uma filha, tal e a minha mãe falou assim: “Não se envolve”. Porque como minha mãe, quando casou com meu pai, ele já tinha quatro filhos, foi uma situação bem difícil que ela viveu. Aí ela falou assim: “Ah, eu não queria que você também arrumasse um homem que já tenha filho”. E, infelizmente, o destino cruzou, enfim, tive que, realmente, não era pra ser, mas foi.
P/1 - E como você foi se envolvendo?
R - Então, primeiramente, eu saí escondida da minha mãe. Eu já estava com dezoito anos, isso. Eu fico até, assim, reclusa, pra não falar perto da minha filha (risos). Eu saí escondida da minha mãe, porque minha mãe não aceitava. Ele me ligava e a gente marcava pra gente se encontrar numa pracinha. E a gente foi conversando, foi conversando, aí até um ponto, que aí a gente foi conversando, assim, a gente sentava, ficava muitas horas, era muito papo. Eu fico pensando hoje: “Hoje nós somos casados e às vezes não tem falado nem bom dia, às vezes a gente nem conversa direito”, rotina. Falei: “Gente, como, quando a gente namorava, a gente ficava mais de três, quatro horas conversando, tinha assunto até não sei onde?” E hoje… e aí, nessa época lá, ele pegou e me ligou. Eu tô… aí, depois, acho que foi uns dois meses, mais ou menos, ele pegou e falou bem assim: “Ai, eu tô, eu vou voltar com a minha ex-mulher, porque minha mãe está falando pra eu criar a minha filha junto”. Aí eu falei assim pra ele: “Ah, boa sorte, boa sorte pra você. Realmente tem que cuidar da sua menina mesmo, está tão pequenininha”. Esse foi o nosso assunto. Aí, passou-se um tempo, o homem me liga de novo. Aí eu falei e aí eu peguei, em vez de sair fora, né? Não. Aí: “Vamos conversar?”. Eu: “Bora”. Concordei, nem sei porque eu concordei, mas concordei em conversar novamente. Aí, saí de novo com ele, pra ir pra pracinha. E, nisso, foi se envolvendo, foi saindo, foi saindo pra show de Exposul, na época tinha aqui na cidade. ___________, essas coisas assim, até que me casei com o homem.
P/1 - Você casou nova, também? Assim, vocês foram morar juntos?
R - Sim, eu fui morar. Assim, eu comecei a namorar, tinha dezoito anos. O conheci em maio, na época do Dia das Mães. Aí, quando foi em junho, aí ele pegou, voltou com a ex dele, e aí, depois, eu, em julho, que nós começamos a namorar. Em 2005. E aí, fiquei namorando com ele três anos e engravidei, nesse período. Aí foi quando eu descobri que eu estava grávida e eu fui morar junto com ele.
P/1 - E como foi essa descoberta de gravidez?
R - A minha mãe quase me matou, ela só não me chamou de santa (risos). Ela só não me chamou de santa porque, até então, ela achava que não acontecia nada entre a gente, que era um namorinho só pra… ilusão dela. E aí, ela pegou e eu comecei a passar muito mal. Eu era… hoje eu me sinto um pouquinho gordinha, mas eu era muito magrela, tinha 42 quilos, se me perguntavam, eu falava que tinha 45, aumentava uns dois, três. E aí, eu comecei passar muito mal, muito vômito, muito vômito. E aí, não está certo, tudo que eu comia, voltava, nada ficava no estômago. Aí minha mãe falou assim: “Isso não está certo, não está certo”. E eu nem passava pela cabeça que eu estava grávida. E aí, só que, nesse intervalo, quando estava estudando, eu fiquei pensando, falei: “Nossa, eu fiz uma coisa e esqueci do que eu fiz”. Que, na época, estudando o terceiro ano, a gente estava estudando corpo humano e tinha aqueles ciclos de fertilidade e aí, lá, na época que eu estudei, o médico, o professor falou bem assim: “Olha, mulher engravida nesse período tal”. Eu peguei, falei: “Eu vou ver se vai dar certo esse negócio”. Tá, peguei, falei assim: “Tal dia é minha menstruação, tal dia é o ciclo, eu vou fazer isso aqui, nesse dia”. E fiz! Só que o problema, esqueci que eu tinha feito essa tabelinha. E aí eu também não contei nada pra ele. Ele não sabe disso (risos). Nunca contei, na verdade (risos). Eu estou me recordando disso agora. E depois engravidei, eu não sabia, depois de muito tempo: “Nossa, aquele negócio deu certo!”, porque eu esperei a época, pra nascer no mesmo mês do meu aniversário e deu certo. Ela é onze de junho, eu sou 23 de junho. Então, a tabelinha lá, de fertilidade, deu certo. Só que eu esqueci depois. Comecei a passar mal, nem passava pela cabeça. Foi a bendita da tabela que eu fiz, lá.
P/1 - E como foi se tornar mãe, pra você?
R - Olha, de início, assim, igual eu falo pra você: quando eu descobri que eu estava grávida, minha mãe pegou e separou do meu pai, ela pegou e foi embora. Ela pegou e foi acho que pra Rondônia, pra trabalhar. E aí, eu nunca tinha ficado longe da minha mãe, mas nunca mesmo, na minha vida. Mas foi um transtorno, pra mim. Eu fiquei chorando, chorando, chorando, chorando, chorando. Sei que, quando ela voltou - eu estava sem, praticamente, barriga nenhuma, quando ela saiu - eu já estava de cinco a seis meses, já estava enorme, eu já estava bem gorda, já tinha pegado muitos quilos. E, assim, foi uma felicidade, mas esse período que ela ficou muito longe, eu sofri bastante. Mas aí, depois, deu tudo certo, eu tive uma gravidez bem tranquila.
P/1 - E como foi o dia do nascimento, os dias seguintes? Como foi pra você se tornar, mesmo, mãe? Como foi esse pós?
R - Então, nossa, eu não imaginava que eu poderia ser mãe, que eu conseguiria, né? Porque todo mundo falava assim: “Nossa, magrela desse jeito, pra parir, não vai conseguir”. E aí minha mãe vivia falando bem assim pra mim: “Vê se tem parto normal, porque cesariana tem aquela injeção, aquela anestesia, você pode sair de cadeira de rodas". E aquilo me impactou muito. Eu vivi com aquilo na cabeça: “Vou sair na cadeira de rodas, eu quero parto normal”. Só que, como eu engordei demais, a verdade é que uma mulher grávida tem que pegar seis a sete quilos, o normal. Eu peguei 21 quilos. De quarenta e poucos quilos, eu fui pra 63. Eu estava um mundo. E aí comecei a fazer muita caminhada, pra eu ter o parto normal, que eu queria tanto ter esse parto normal. Chegando lá, graças a Deus o meu parto foi tranquilo, deu tudo certo. Depois era tudo novidade, pra eu ser mãe. Nossa, coitadinha. Ela nasceu na época do frio. Era pra colocar duas cobertas, uma coberta, colocava duas, três, porque achava que a guria ficava com muito frio. Assim, excesso, muito, excesso demais, de cuidado.
P/1 - E como foi a decisão de fazer faculdade, como foi começar?
R - Então, eu sempre - o meu marido, quando a gente casou - fiquei dentro de casa. Nunca trabalhei pra fora. Porque, até então, quando eu fui morar com ele, eu já estava grávida, aí eu optei por cuidar dela. Porque eu ficava com muito medo de deixar pra quem cuidar. Minha mãe trabalhava fora, então não tinha, tipo assim: se fosse pra eu trabalhar, eu tinha que pagar X e aí o X que eu ganhava era pouco, então não compensava eu deixar minha filha pra eu sair pra fora, trabalhar. Mas, quando ela fez três anos, eu senti a necessidade de trabalhar, porque eu não estava aguentando, queria ter minhas coisas. Não que ele não me desse, mas era no tempo dele. Então, a gente quer as coisas da gente pra ontem. Mas quando você depende das pessoas, você tem que aguardar. E aí, eu peguei, quando ela já estava com três anos, optei em trabalhar e saí pra trabalhar. A deixei na creche o período integral. Consegui uma creche aqui, que era muito difícil, na época, achar um lugar que deixasse o período integral e comecei a trabalhar. Como ela nunca ficou longe de mim, só consegui trabalhar quatro meses, numa padaria de um supermercado grande, aqui da cidade. Quatro meses só. Essa menina teve febre praticamente nesses quatro meses, tinha tudo. Eu achei que ela já estava com uma doença bem grave, porque eu estava gastando muito com ela, não sabia o que essa menina tinha. E aí depois que eu saí do serviço, a febre também foi embora. Aí eu descobri que era… (risos) eu falei: “Gente!” Até esqueci o que a médica falou. Sentimental, alguma coisa assim, ela estava sentindo a minha falta. Eu falei: “Guria, guria”. Aí, eu optei por ficar mais dentro de casa. Fiquei mais um período dentro de casa.
P/1 - Mas, Andréia, como foi essa sua primeira experiência, trabalhando? Como você se sentia?
R - É bem difícil, Luiza, porque a todo momento eu pensava aqui dentro de casa. Nossa, eu saía de casa e imaginava como essa menina estava. Aí, antes de eu conseguir, eu deixei com a vizinha. Mas, mesmo assim, não sei, a gente não se sente à vontade. E aí ela começou a ter essas febres altas, alta demais, ficar muito ruim. O pensamento todo era aqui, eu não sentia vontade. Igual hoje, eu falo assim: hoje eu saio pro serviço, eu fico tranquila. Antes não, antes eu tinha aquela coisa de ficar muito perturbada, em questão de deixá-la.
P/1 - E aí, como seguiu, você voltou pra ficar com ela em casa e ficou quanto tempo?
R - Então, aí eu não me recordo bem. Aí eu fiquei com ela, aí ela estava acho que com três anos. Acho que eu fiquei mais uns dois anos parada. Aí eu comecei a optar por trabalhar à noite. Por ela. Porque eu falei: “À noite meu marido está em casa e fica. Durante o dia, eu fico com ela e à noite...” Consegui um serviço próximo aqui de casa, na BR, aqui. Trabalhar numa empresa de têxtil. Comecei a trabalhar na produção lá e aí eu fiquei nove meses, nove meses nessa empresa, na Santana Têxtil. Aí, nessa Santana Têxtil, comecei já querer progredir. Ter outra visão. Aí minha mãe conseguiu me avaliar, pra eu tirar minha primeira moto. Nossa, fiquei supercontente. Tirar minha primeira moto, moto zero, a felicidade. Aí, depois disso aí, foi onde que eu comecei, falei assim: “Vou fazer uma faculdade agora”. Porque, nesse período que eu fiquei em casa dois anos, eu queria engravidar. Quando ela estava com três anos, eu queria ter outro menino, outra criança, só que aí não deu certo. Fui ao médico, fiz todos os exames, só que aí não veio. E aí quando eu comecei, voltei ao trabalho e aí comprei minha moto, comecei a fazer faculdade e aí já estava pesado pra mim, faculdade e serviço. Que eu queria que me mudasse de turno lá no serviço, eles não me mudaram. E aí eu peguei, pedi pra eles me mandarem embora. E aí, nesse período que eu pedi pra eles me mandarem embora, estava fazendo um corte na empresa. A empresa estava falindo. Aí mandaram a primeira turma embora, eu falei pro cara lá, que era o líder, assim: “Por que você não me mandou embora? Eu tô querendo mudar de turno, vocês não me mudam”, conversei com ele. Ele falou: “Não tem como mudar, você é uma ótima funcionária, você desempenha bem seu papel, não tem como mandar você embora”. Fiquei nervosa: “Na próxima que tiver facão, pode me mandar embora”. Aí, a primeira parte, o primeiro lote de pessoas que foram mandadas embora, receberam belezinha. A segunda parte, que foi a minha, que me colocaram, já não recebi, porque ela entrou com falência. E aí a gente ficou sem receber. Falei: “Misericórdia!” E aí ficaram o pessoal lá até mais ou menos um ano, até que fechou a empresa de uma vez. Nesse período aí, eu saí em outubro. Então eu estava grávida já e não sabia do meu segundo guri. Eu não sabia. E aí eu comecei, aí, tá, fiquei dentro de casa, que eu fiquei pelo seguro. Quando eu fui descobrir, foi já em janeiro, eu já estava quatro, cinco meses e eu achando que eu estava gordinha, colocando cinta na barriga, fazendo abdominal, nossa! E, até então, meu marido pegou, chamou eu, falou bem assim: "Vamos ali na casa de um amigo meu, que eu tenho que levar um negócio”. Eu peguei e fui. Quando eu cheguei lá veio uma gurizinha, uma benção de uma menininha lá, olhou pra minha cara: “Você está grávida, tia?”. Ai, me deu um ódio, eu olhei pra cara da gurizinha: “Não, minha filha, isso aqui é banha, mesmo”. E aí eu fiquei morrendo de vergonha, porque tinha muita gente lá, muita gente. A guria me falando aquilo, fiquei perturbada com isso. No outro dia cedinho, que eu tenho teste da Qboa, que primeira urina, se der vermelho, você está grávida. Misericórdia, eu peguei, fui fazer isso aí e deu vermelho. Eu: “Mentira, tô grávida! Hamm, misericórdia, e agora?”. No outro dia eu pego, converso com umas primas minhas: “Compra o teste de farmácia”. Aí eu fiz, isso sem contar pro meu marido, né? Fiz o teste de farmácia, deu os dois pontinhos, levei pra minha prima: “E essa resposta, como é esse trem aqui?” Ela: “Você está grávida, doida!” Eu: “Sério?!” E, nisso, já correram, já contaram pro pessoal, meu marido. Aí, quando nós fomos na casa de uma pessoa, assim: “Parabéns, papai!” Ele: “Que diabo é isso, você está grávida?” Eu falei: “Era pra te contar”. Ele: “Os outros da rua já estão sabendo e eu não?” Nossa, fiquei muito sem graça.
P/1 - Andréia, você estava falando da sua segunda gravidez. Como foi contar pro seu marido? (risos)
R - Então, aí eu peguei e não acreditava, em hipótese alguma. Falei: “Meu Deus!” Resumindo: eu fiz esse teste da Qboa, deu positivo, fiz o teste da farmácia, deu positivo. E aí eu fui pra tirar o de sangue, deu positivo. Falei: “Meu Deus do céu!” Aí, tá, falei assim: “Gente, já está com quanto tempo isso?”. O que aconteceu? Eu, quando estava trabalhando, comecei a fazer faculdade, sentia muita cólica, comecei a tomar aquela injeção de três meses. E aí o médico falou assim: “Ó, pode ser que você fique três meses sem menstruar”. Então, na minha cabeça, eu estava sem menstruar por causa da injeção. E já estava vindo a minha benção. E aí, quando… eu não aceitei, gente, eu não aceitei. Falei: “Nossa, eu não posso estar grávida, eu tenho que trabalhar. Então, tipo assim: eu falei muita coisa que Deus, depois, me deu um castigo bem grande. E aí eu peguei, fui fazer o ultrassom, pra ver de quantas semanas. Já estava com duas, três semanas, parece, mais ou menos isso. Já estava já dos três a quatro meses. Falei: “Meu Deus do céu!” Eu ri da minha prima, que ela descobriu com cinco meses a gravidez, falei: “Gente, como pode uma pessoa descobrir a gravidez com cinco meses!?” e falei um monte e aí quase aconteceu a mesma coisa comigo. E aí eu não aceitei, quando eu fui fazer o ultrassom, estava todo mundo feliz lá, a mulher olhou pra minha cara, estava bem fechada, ela falou: “Você está grávida, você não está feliz?” Aí eu respondi bem mal à mulher. Falei: “Gente, inacreditável que eu tô grávida!” E aí ela falou assim: “Está, está grávida, está de tantas semanas”. E aí, o meu marido ficou super alegre, assim, falou assim: “Agora vai vir o meu machinho, né?” Que ele já tem a primeira filha dele. Do primeiro casamento dele. E aí teve a minha. Aí eu falei assim: “Não, vai ser uma menina”. Só que toda vez, quando eu ia falar, eu falava “guri”: “Esse guri não para de mexer, esse guri”, na minha gravidez. E aí era o instinto de mãe, assim, falar. E aí eu fui pra deixar pra fazer, já, pra saber o qual era o sexo, com oito meses. Não, sete meses, que é a morfológica, pra saber. Aí gastava dinheiro só de uma vez. E foi isso, foi por causa de uma menininha, que me chamou de barrigudinha, eu… senão eu acho que ia ganhar o nenê em casa (risos).
P/1 - E, Andréia, como foi esse período, de trabalhar na indústria têxtil? O que você fazia lá?
R- Então, nessa época que eu fui trabalhar na Santana Têxtil, começava às nove horas da noite, até às cinco da manhã. Então, foi uma experiência muito boa, trabalhar em empresa... como fala? Indústria, na verdade. Porque eu trabalhei, os meus primeiros empregos foi eu fazendo mapeamento, pela prefeitura, foi um contrato de dois meses. Aí, depois, teve um período que eu fiquei parada e minha cunhada, que no caso é irmã do meu marido, me arrumou um serviço pra eu trabalhar de operadora de caixa, que foi num shopping. Só que aí, nesse período, eu estava grávida da minha menina e eu não sabia, comecei a passar mal, igual eu falei pra você. E aí, eles pegaram e pediram pra eu pedir a conta, porque eu estava como freelancer. Aí eu peguei e saí. Aí, depois de muito tempo, tive minha filha, fui trabalhar nesse mercado, fiquei só quatro meses. Aí, depois, fiquei mais uns dois anos parada, foi quando eu fui pra Santana Têxtil, trabalhar à noite, pra não deixar a minha filha sozinha ou com outra pessoa. Eu trabalhava das nove às cinco da manhã. Assim, era bem cansativo, mas era gratificante, porque lá tudo era novo, lá tinha que… lá fazia fios de tecido. E aí eu tinha que operar as máquinas, porque aí, conforme a gente colocava o algodão, aí ela ia saindo linha lá em cima. E aí quando quebrava o algodão, a gente arrumava certinho, um robô arrumava… era muito legal, gostei bastante dessa época que eu trabalhei lá. E foi por causa que eu trabalhei nessa empresa, que eu consegui trabalhar, hoje, na Rumo, porque ela falou assim, quando eu entreguei o currículo: “Olha, como você já tem uma experiência de trabalhar em indústria, você mais ou menos já sabe como que funciona, então, é bem melhor pra gente”. Foi onde, graças a Deus, por causa desse lugar, que eu consegui o serviço hoje, na Rumo. Pelo menos foi assim que a mulher falou pra mim, né?
P/1 - E como foi ganhar o seu dinheiro? O que mudou na sua vida, em relação a isso?
R - Olha, é bem gratificante você receber aquele dinheiro assim, eu não era acostumada. Na verdade, meu marido, eu… quando eu trabalhava, nessa época, lá na Santana, eu não ajudava em questão dentro de casa, pagar uma água, pagar uma luz, ou fazer despesa. Nunca fiz isso. Essa experiência de nove meses lá, eu não fiz isso. O que eu fiz? Eu adquiri coisas que faltavam pra mim, tipo roupa, sapato. E a minha tão sonhada CNH, foi meu dinheiro de lá, minha tão sonhada. Foi um período, assim, que às vezes as pessoas me chamam de chata, falam bem assim: “Me leva até ali?”, mas a pessoa está sem capacete. Eu: “Não!” “Ah, mas é rapidão!” “Rapidão nada! Eu demorei tanto tempo pra eu ter minha CNH, eu vou ganhar uma multa por causa… não, não vou!” Então, a pessoa me chama muito de chata, em questão, assim: “Nossa, o que tem?”. Mas, por quê? Eu tenho muito amor naquele pequeno papelzinho. Eu trabalhava das nove às cinco da manhã, fiquei nove dias saindo do serviço e não dormia. Chegava em casa, eu saía às nove horas da noite, chegava cinco horas em casa, tomava banho, tomava um café, meu marido me levava lá na autoescola e, quando era meio-dia, eu estava retornando pra casa, de ônibus. Eu ficava esse período todinho sem dormir. Às vezes, o professor lá, pegava tipo: “Ô, dona, acorda!”, me chamando a atenção. Aquilo ali, pra mim, era uma vergonha, porque os outros, todo mundo prestando atenção e eu estava cochilando, dando os meus cochilos ali, assim, pescando, porque estava com muito sono. Então, esses nove dias, pra mim, foram muito difíceis de eu viver porque saindo do serviço e indo pra autoescola. Mas era um sonho que eu queria, de ter aquele tão sonhado papelzinho. E CNH, que fala assim: “Você pode comprar uma moto, autorizado pela lei”. Porque, andar clandestino, a gente andava. Mas com muito medo. E o meu sonho era conseguir, graças a Deus. É bem engraçado, que hoje eu tenho o quê? Há uns oito, nove anos, essa CNH e só piloto moto, não dirijo carro. E a CNH é A e B, mas é isso aí.
P/1 - E como foi desenrolando sua vida, assim? Você foi pra faculdade, que faculdade você foi cursar?
R - Então, aí, quando eu saí da Santana, que a empresa me mandou embora, que estava tendo corte na empresa, eu comecei minha faculdade em 2013, em julho. Não, em agosto. Comecei minha faculdade em agosto e aí, quando foi em outubro, eu fui desligada da empresa. Aí eu continuei, dessa forma. Aí, como eu falei pra você que eu havia comprado a moto, tive que vender, com apenas quatro meses de uso, tive que vender. Por quê? Eu não estava trabalhando, meu marido falou que não tinha condições de continuar pagando, tive que vender o direito. Aí foi um desespero pra mim. Nossa, mas chorei tanto, em desfazer da minha motinha zero. Mas, infelizmente, teve que acontecer. Aconteceu. E aí eu continuei minha faculdade. Continuei porque eu entrei pelo Prouni... pelo Fies. Aquele programa do governo. Porque, se fosse paga também, mensal, teria que ter desistido. E aí, nesse período aí da faculdade, que é tecnólogo de agronegócio, gestão de agronegócio, consegui me formar e eu tinha aquele sonho de ter a festa. Sabe aquela festa de debutante? Que eu não tive, como eu pulei a fase, não tive aquela festinha de quinze anos, não tive a festa de casamento, aí eu pulei parte, eu falei assim: “Eu quero minha festa da minha formatura. Meu sonho”. Só que eu estava sem trabalhar, do mesmo jeito. Aí eu: “Meu Deus, o que eu faço agora?”. Comecei a fazer evento de rifa na escola. Eu sempre tomei frente assim: “Gente” - chamando as pessoas - “bora, bora!”, todo mundo chamando pessoas. Falei: “Gente, preciso realizar meu sonho, preciso realizar meu sonho”. E aí comecei, nesse período, a fazer uma diária numa pizzaria. Era quarenta reais a diária, das sete até meia-noite. Comecei a juntar esses quarenta reais, pra eu comprar meu vestido. E aí peguei dinheiro emprestado com o marido da minha mãe, ele me emprestou uma boa parte, praticamente a metade. Aí ele falou assim: “Paga quando você arrumar um serviço”. Aí eu: “Tudo bem”. Aí eu já fiquei feliz. Enfim, terminei minha faculdade. Eu estava grávida. Já estava assim, gente, pra explodir! Mas aquela fadiga, de gravidez mesmo. Eu já estava perto para ganhar, mas quando acabou o semestre, um semestre lá, na sexta-feira, numa quarta-feira eu ganhei o nenê. Aí eu peguei licença-maternidade, fiquei um semestre inteiro, praticamente, dentro de casa, fazendo trabalho. E depois tive o meu filho. Aí, quando eu falo pra você assim: “Deus me castigou”. Por quê? Quando eu descobri que eu estava grávida, eu não aceitei assim, porque eu falei: “Nossa, agora que eu descobri que queria trabalhar, que eu consigo trabalhar fora”. Porque eu achava, até então, que eu não conseguia trabalhar pra fora. Eu achei que o meu mundo era aqui dentro de casa. Eu não teria condição, eu mesmo achava que eu não conseguia. E aí, eu falei umas asneiras, falei umas coisas, assim. Quando meu filho nasceu, aí a gravidez foi tranquila, bem melhor, não passei nem tanto mal, igual da minha filha. Porque da minha filha eu descobri porque eu estava vomitando demais. E aí, do meu guri, não, fui descobrir já estava com quatro meses. E aí, quando eu o ganhei, ele veio pra casa, tudo tranquilo, aí um vizinho do lado me coloca fogo num monte de folha ali e aquela fumaça veio tudo pra dentro de casa e ele inalou essa fumaça e eu nem... tranquila. Chegou uma tia minha, veio nos visitar, e ela falou assim: “Olha, ele está gripadinho, leva esse menino ao hospital". Falei: “Não, tia, ele está tranquilo, não está gripado, não”. Ela disse: “Está gripado”. Aí ela ficou brava comigo e falou que era pra eu levar imediatamente. Aí ela ficou super brava comigo, eu falei: “Tudo bem, vou levar, mas eu acredito que ele não tem nada, está tranquilo”. E aí, nós pegamos e levamos. Quando chegou lá perto de casa, falou assim: “Não, tem que ser transferido pro PS infantil”. Nossa, aquilo dali já comecei a ter um transtorno assim: “Mas, pra mim, ele está normal”. Quando chegou lá, isso foi um caos, isso foi em 2014. Ele nasceu dia 25 de julho, quando foi em quatro de agosto, foi onde falou assim: “Seu filho está com bronquiolite, ele vai ficar internado”. E eu: “Meu Deus do céu!”. Meu mundo desabou. Eu comecei a chorar, chorar, desesperada. E nessa época, lá, estava tendo uns médicos de fora, vieram de fora, parece que eram novatos, alguma coisa assim. Resumindo: meu filho ficou lá, acredito que sem necessidade. Mas eu, às vezes, eu paro pra pensar hoje, falo assim: “Eu passei por aquilo pelas coisas que eu falei, acho que na minha gravidez”. Pra eu passar e falar assim: “Não é do seu jeito, Andréia, e sim da vontade de Deus”. Quando eu cheguei lá, teve um erro médico, passou superdosagem pro meu filho e ele veio ter parada, ele veio ter uma parada respiratória. E aí que eu pensei, falei: “Gente!” Meu mundo acabou ali e aí fiquei desesperada, chorando, chorando e aquele gurizinho de trinta dias, quarenta dias, roxo, roxo, ficando roxo e, assim, lá estava tendo uma defasagem, estava chovendo, gotejando, onde que era o box de emergência. Eu: “Meu Deus do céu!”. Até que Deus me mandou um anjo, uma mulher, que era até, inclusive, irmã da minha vizinha. E ela me orientou o que fazer. Ela me explicou, falou assim: “Ó, você procura fulano e conversa, porque senão o seu filho vai morrer aqui, Andréia”. E aí eu fui atrás disso. Aí os médicos realmente falaram assim: “Olha, nós não temos vaga lá pra Santa Casa, porque tem muita gente, tem sete pessoas na frente”. Meu marido pegou, alterado, falou: “Vou procurar meus direitos, vou na procuradoria”. E meu marido ficou bastante alterado, porque nós estávamos vendo nosso filho morrer ali. E aí, quando penso que não, dois minutinhos o médico olhou, voltou, falou assim: “Arruma suas coisas, nós conseguimos uma vaga lá”. Tudo bem, aí, quando ele já colocou, ele estava com oxigênio, pegaram o oxigênio, colocando nele, nós pegamos, fomos transferidos. Quando chegamos lá, nessa Santa Casa, que é bem mais equipado, eu tô lá, trocando o menino, quando eu penso que não, chegou o infectologista, olhou pro menino, olhou assim, falou assim: “Mãe, ele está cianótico!” E eu não sabia o que era cianótico, pra mim, ele estava roxo, mas por causa do ar. Já cataram meu filho, assim. Gente, eu vi tanta gente de branco naquela minha vida, que catou o meu guri e já falou assim, já saíram com ele pra UTI. Ele ficou três dias na UTI. Aí, quando eu cheguei, assim, gente, ele tinha tanto aparelho na cabeça, na perna. Eu fiquei muito desesperada, meu mundo, outra vez caiu. Eu cheguei, perguntei bem assim pra ela: “Meu filho vai morrer?” Aí ela só fez assim, ela não tinha resposta. Meu mundo desabou. E aí esse guri ficou três dias lá, na UTI, mais dez dias internado. Aí nós ficamos uns quatro meses sem poder sair de casa, que ele tinha que tomar a vacina de quatro meses, pra imunizar. Assim, esse foi um período que eu mudei minha visão de vida. Mudei meu jeito de pensar. Porque, gente, eu sofri muito nessa época. 2014 teve uma renovação da Andréia, de amadurecimento, mas em cima do sofrimento. E, nessa época, umas poucas pessoas que ficavam na minha casa, foram lá me visitar. Assim, eu estava precisando muito, muito, muito de um abraço amigo, mas foi poucos que eu ganhei. Eu comecei a ficar mais... aí falei assim: “Gente, na hora que eu mais precisei, eu não recebi um abraço amigo!” Aí foram umas primas minhas, que são as que eu mais tenho contato, foram, ficaram lá, comigo. Foram... minha madrinha e algumas pessoas, mas foi muito pouca, das que viviam na minha casa. Eu comecei a ter um pensamento diferente, falei: “A partir de agora, não quero mais ninguém na minha casa”. Por isso que hoje eu sou um pouco reclusa. Porque na hora que eu mais precisei, ninguém esteve comigo. Quer dizer, ninguém, não posso falar ninguém, não, poucas pessoas E, hoje, assim, devido a minha mudança, minhas atitudes, tiveram muitos comentários feios a meu respeito, mas eu não soube o porquê. Porque, assim, eu passei por dificuldade, meu marido estava trabalhando como autônomo. Então, assim, não é todo dia que tem serviço. Então a gente vive na dificuldade. E assim, a irmã dele, a minha cunhada, nossa, ela ajudou muito, é uma pessoa que eu tenho muita gratidão por ela. Eu não estava tendo condição de comprar uma pomada de quarenta reais, ela saiu de Cuiabá, veio aqui ver meu menino, quando estava na UTI e comprou essa pomada. Eu falei: “Gente do céu, que época difícil!”. Eu não ter dinheiro pra comprar porque, como ele não podia banhar lá, passava só um paninho molhado, ele assou bastante, ficou muito assado. Então eu não tinha condição de comprar essa pomada. Minha cunhada foi um anjo na minha vida, sempre me ajudou, precisou de pagar plano, nós não tínhamos condição, ela e meu sogro pagaram, na época. E foi bem complicado, nesse período de 2014, pra mim.
P/1 - E como seguiram os anos, como que foi desenrolando?
R - Aí, depois ele começou a ter, ele teve... como posso dizer? Sequelas, desse negócio aí. Porque passaram aquele medicamento de fazer inalação, dosagem muito... Ele só tinha quatro quilos, passaram quatro gotas. Então, até esqueci o nome da medicação, mas uma medicação que ele não poderia tomar, eu tenho medo. O médico falou que hoje não faz... tomar na dosagem certa, mas eu não permito que médico deixe, porque eu tenho medo. Nesse intervalo, assim, eu amadureci bastante. Eu fiquei mais dentro de casa, porque não poderia sair. Se uma pessoa estivesse na esquina, espirrando, pegava nele a gripe. A imunidade dele estava muito baixa. E, engraçado, porque a minha gravidez foi muito tranquila, foi muito saudável, eu não entendo. Eu acredito que foi por causa daquela fumaça que ele inalou. E ajudou que o médico ainda passou a dosagem super alta, pra acontecer isso. Nesse intervalo, a gente ficou muito mais dentro de casa, pra ele não ter contato com as pessoas, por causa que ele não tinha vacinado ainda. E aí, teve que ter acompanhamento médico. Nesse período, precisou de plano, nós não tínhamos. O meu sogro pagou, aí ele pagou até certo tempo, depois a minha cunhada entrou, porque era só meu marido que trabalhava, e eu não deixava. Falei assim: “Agora que eu não trabalho mesmo, né?” Porque o menino dessa forma, desse jeito. Quando ele teve oito meses, ele teve uma convulsão. Foi outro período, assim, crítico, crítico, crítico. Porque ele levantava, ele tinha febre. Mas aí, pra mim, estava melhorando. Quando tinha oito meses, eu levantei, ele engatinhou, ele ficava assim, paradinho no sofá, pra eu pegar o pão de queijo. Na hora que eu voltei, o guri estava ficando torto, duro, endurecido. E virou o olho pra cima. Nossa, foi um desespero! Do jeito que nós estávamos, que o Luiz tinha acabado de acordar, eu não tinha escovado os dentes, não tinha penteado o cabelo, estava de pijama, foi assim que eu fui pro médico. Aí nós pegamos, falamos assim: “Não, bora aqui próximo, aqui tem um Corpo de Bombeiro, uma base, bora pra lá”. E nisso, eu peguei o pior chinelo que eu tinha, que estava faltando pedaço do chinelo, gente, eu nem me preocupei nessa hora e fui. Quando chegou na base do bombeiro, ele já tinha voltado ao normal, tinha voltado ao normal. Falou assim: “Olha, mãe, como ele voltou ao normal, você tem que levá-lo pro hospital, porque aqui a gente já faz atendimento só de quem está passando mal, emergência”. Beleza, peguei, cheguei lá no hospital, fomos pro hospital. Chegando lá, eu não falo nem que é médico, eu não sei que aquele cara faz lá. Me atendeu super mal, ele tem um histórico muito ruim. Mas, mesmo assim, a gente não pode escolher quem está no atendimento, no plantão, tem que ser aquele médico. E aí ele pegou, falei assim - eu estava muito abalada, tremendo, trêmula, porque eu nunca tinha visto meu filho daquela forma - pra ele: “Eu acho que é convulsão”. Ele falou assim: “Ó, mãe, você que está falando que é convulsão, eu não vi. Você fica sentada ali, se ele tiver de novo, eu te falo se é convulsão ou não”. E não me orientou nada. Foi um cara muito sem noção. E eu fiquei lá quarenta minutos, voltei, ele: “Ah, já que não deu nada, você está liberada!” E aí eu peguei, nossa, tremendo, tremendo, nunca tive uma situação daquela, eu saí pela porta da frente, o indivíduo saiu pela porta do fundo. Ele estava acabando o plantão dele. E aí, lá no fundo, que ele saiu, estava escrito: “Ressonância”. Meu filho teve que fazer uma ressonância, pra ver porque ele teve convulsão. Eu tô anotando meu número, esse diabo desse homem saiu lá, foi lá na rua, atravessou, falou assim: “Mãe, você está anotando esse número pra quê? Você tem que procurar um neuropediatra pro teu filho”. Acho que Deus me calou naquela hora, que eu só olhei pra cara do homem assim, ó, e não respondi nada. Ele disse: “Tem que procurar, você falou que deu convulsão, tal, tal, você tem que procurar um neuropediatra”. Mas só que isso aí ele deveria fazer o atendimento lá na sala: “Mãe, vou te dar encaminhamento, você tem que procurar um neuro, tal”. Me acalmar é a função de um médico, eu acredito, acalmar a mãe, porque ali está no leito, ali, vendo o sofrimento, tentando socorrer o seu filho. Ele não fez isso, ele falou, foi bem ignorante lá no atendimento. E quando me deu alta, na rua, ele veio com essa conversa. Tranquilo. Aí eu peguei, fui correr atrás de encaminhamento, fui em outro médico, de encaminhamento, expliquei, relatei o que esse homem fez. Quando foi com dois dias, meu filho estava fazendo um ano, no dia do aniversário de um aninho, meu filho passou mal novamente. Outra convulsão. Voltei. Cheguei lá, só que aí já deu uma convulsão bem mais fraca. Não ficou tão assim. Aí eu cheguei, perguntei assim: “Quem é o plantonista?” A mulher da recepção falou assim: “É fulano e fulano”. Aí eu falei: “Eu não quero ser atendida por esse fulano”. Aí ela pegou: “Aqui, mãe, você não escolhe quem que você vai ser atendida”. Ah, essa mulher só falou isso, bati naquele balcão, eu dei a louca, fiquei muito brava. Falei: “Então, vamos ver se esse cidadão hoje me trata que nem uma cachorra, porque hoje eu não estou igual eu estava há dois meses. Ele me tratou super mal, vai ter polícia e eu vou presa com muita felicidade, porque eu vou falar pra esse homem o que me der na telha agora”. E aí falei um monte de coisa. Minha ficha já estava, já tinha umas cinco pessoas na frente. Quando pensa que não, chamou no painel a minha ficha. Aí, assim, eu falei: “Uai, já pulou, a minha ficha”. Aí eu entrei. Quando eu entrei lá, era outro médico. Aí já tinham orientado, falaram que eu tive um bafão lá na frente. Aí, o médico falou assim: “Olha, mãezinha, você está nervosinha?” Aí eu peguei e expliquei a situação pra ele, falei: “Não, não é nervosinha, é que aconteceu isso, isso e isso”. Assim, esse nome, desse médico, eu vou falar, porque ele foi um anjo na minha vida, ele chama Wellington Brito. É um homem, se hoje eu precisar, eu beijo os pés dele, porque ele me tratou super bem, passou medicação pro meu filho, em seis meses ele ficou sem ir, porque eu estava, tipo assim, de três em três dias correndo pro hospital com ele. E esse médico, assim, estava recém formado em pediatria. Na época ele era clínico geral ainda, acho que ele estava na especialização ainda, pra pediatria. Hoje ele já é formado. E ele pegou, me passou uma medicação pro guri, que nós ficamos seis meses sem ir lá. Então, assim, eu tenho esse homem como um anjo na nossa vida. E aí eu fui fazendo acompanhamento médico com ele. Aí arrumou uma doutora, outro tratamento, um amor de pessoa, que eu a amo de paixão, Doutora Luciene ______. Ela falou assim: “Mãe, com quatro anos nós vamos melhorar a imunidade dele, ele vai estar com todas as vacinas, então, ele vai melhorar”. Falei: “Doutora, mas ele tem apenas um ano, três anos sofrendo?” Ela falou assim: “É, mãe, não tem o que fazer”. E realmente foi, com quatro anos ele começou a melhorar, só que até hoje ele faz o uso de medicação controlada. Hoje ele tem sete anos, mas ele faz uso de medicação controlada, devido a isso, desse problema que eu relatei. Assim, foi muito complicado. Hoje a gente já leva... mas ele melhorou foi muito, graças a Deus, hoje é sapeca, é um menino que é abençoado por Deus.
P/1 - Deixa eu te perguntar, como foi voltar a trabalhar, começar a trabalhar e deixar seu filho, seus filhos, como foi a experiência pra você?
R - Então, logo no início, tive um receio. Mas como eu já vi que ele já estava bem melhor e a necessidade… igual eu falei: eu estava, comecei a trabalhar na pizzaria. Aí eu comecei a trabalhar à noite, e ele ficava com o pai dele. Na hora que o pai dele chegava, eu saía às seis horas, pra eu entrar às sete horas no serviço. Fiquei lá um ano e quatro meses, nessa pizzaria. Então ele ficava com o pai dele, pra mim não tinha problema nenhum, porque durante o dia ficava comigo. Então, aí ele já estava bem melhor, ele já não tinha mais aqueles problemas de convulsão. E as febres diminuíram bastante, gripe, essas coisas assim. E aí, nesse período que eu saí da pizzaria, eu fiquei dez meses desempregada. Esses dez meses desempregada, como você está trabalhando, você se acostuma com seu dinheiro, você se acostuma, você começa a comprar suas coisas, tem as suas dívidas, você vai lá, pega o cartão, parcela em dez vezes (risos). E aí, saí da pizzaria, recebi o seguro de quatro meses e fiquei desempregada. Esse período de dez meses foi muito complicado, porque parecia que as portas estavam todas fechadas pra mim, todas, todas. Nossa, eu falei assim: “Gente, eu jurava que não estava tão feio de serviço!” E aí foi, fui tentando, aí, eu não gosto de ficar parada, eu sempre gosto de estudar. Apareceu uma oportunidade de um estudo aqui, na cidade, fazer um seletivo e eu fiquei dentro desses quarenta técnicos em segurança. E aí, era gratuito o curso. Porque não teria como eu fazer um pago. Como era gratuito, peguei e me inscrevi. Só que, nesse período, quase desisti, porque eu não estava tendo nem dinheiro pra gasolina, pra colocar, que era bem longe. E aí, eu deixava o meu guri na creche e ia pro curso, do curso eu passava e o pegava de volta. Aí, às vezes eu levava minha guria pro curso e às vezes eu a deixava em casa, que era maiorzinha, ela ficava… quando o pai dela trabalhava aqui, eu a deixava. E aí, nesse período, eu falei: “Nossa, eu vou desistir desse curso, que eu não tô aguentando mais”. E aí foi quando, lá dentro desse curso, tinha uma mulher que falou assim: “Olha, meu marido trabalha na Rumo e tal dia vai ter uma entrevista lá… entrevista não, vai ser entrega de currículo, lá no hotel”. Aí a sala inteira, praticamente dos vinte alunos, dos quarenta alunos que estavam, uns vinte alunos estavam desempregados. Aí, na hora ela falou: “Então, vamos embora” - fizemos um grupinho - “Levar o currículo lá”. Aí, lá, nesse dia, só foram três pra levar. Aí, eu, a Franciele e acho que a Alcione, que nós fomos. E aí, quando nós chegamos lá, pra entregar esse currículo, lá no hotel, gente, mas vi só homem, só homem. Mas era uma fila extensa mesmo, de homem. Aí olhamos uma pra cara da outra, assim, sabe? E nesse dia que eu fui lá entregar o currículo, eu fui na sorte, na fé, falei assim: “Deus, não deixa que acabe essa gasolina, pelo amor de Deus!” Mas eu fui com aquela vontade de arrumar um serviço, precisando, necessitando. E, quando eu cheguei lá, eu peguei, falei: “Vou ficar na fila. Já que eu vim aqui, vou ficar na fila”. Aí eu perguntei pra menina, falei assim: “Vocês não contratam mulher, porque eu só tô vendo homem, só eu e minha amiga aqui?” Ela: “Não, mas vão contratar, a Rumo vai inserir mulher agora na…”. E aí nós fomos contratadas. Eu falei assim: “Mas não tenho experiência, não!” Ela: “Não, a gente faz… ensina”. Aí eu: “Então, fechou!”. Vim embora, mas sem perspectiva nenhuma, porque eu falei: “Nossa, nunca que aquele tanto de gente... vão me chamar”. E aí, depois disso aí, eu fiz uma entrevista, praticamente era meu, lá no shopping. Aí eu, depois disso aí, deixei o currículo lá, tinha outra entrevista no shopping, pra eu trabalhar de segurança, lá nessa loja. Estava tudo certo, gente, eu não sei, o serviço era meu, não sei o que eu… aí eu acredito que, hoje, eu falo, eu olhando, pesquisar sobre a loja, eu queria o serviço, aí a mulher me perguntou: “Você conhece a loja tal? Me fala sobre, dela”. E eu não soube falar, a mulher... o homem falou assim: “Olha, a vaga é sua, nós não vamos selecionar mais, porque a gente está com muita pressa de selecionar, procurar candidato. Então, praticamente é sua já, faz bonito”. E aí eu fui lá e não soube falar sobre a loja. Nossa Senhora, quando a mulher pegou, falou assim: “Ó, até de tarde, eu te mando uns links pra você mandar os documentos” e ela não mandou, então eu não passei, mas fiquei muito triste. Aí depois, eu falei assim: “Ah, não é pra mim, seja o que Deus quiser, Deus está preparando outra coisa melhor pra mim”. Dito e feito, graças a Deus porque, se tivesse dado certo lá, eu não tinha a oportunidade de hoje estar fazendo o que eu gosto, o que eu amo hoje, estar dentro da locomotiva, tracionando, fazendo carregamento, descarga. Assim, então é tudo no tempo de Deus. Então, graças a Deus, eu comecei, depois disso aí, a pensar assim: “Não fique triste por coisa que dá errado na tua vida, somente agradece”. Por quê? Porque não é teu, é pra outra pessoa. Aí a gente fica muito assim: “Ah, eu queria, porque era pra ser pra mim”. Não era, se fosse pra ser pra você, era pra ser pra você. Porque o serviço estava na minha mão, o homem tinha conversado comigo, já tinha passado por três, era só fazer entrega dos documentos e deu errado bem na hora. Então eu fiquei triste, magoada, mas aí, depois, uma pessoa falou assim: “Não, é tudo no tempo de Deus, quando é pra ser seu, ninguém tira”. Então, hoje, o que eu levo pra minha vida, quando alguma coisa dá errado, que eu, hoje mesmo, falo assim: “Quero alguma coisa”, se der errado, nem dá aquela mágoa, eu falo: “Ah, tudo bem. Então, não é pra ser meu, não é agora, beleza!”
P/1 - E como foi entregar o currículo na Rumo? Como foi o dia que eles te ligaram, eles te chamaram? Como foi isso?
R - Então, aí, quando foi bem o feriado, o telefone tocou, aí a mulher pegou e falou assim: “Desculpa estar incomodando, que é feriado, mas eu tô fazendo entrevista pra Rumo, você deixou um currículo no hotel”. Nossa, na hora eu gritei: "Uhuuuu, que tudo!” Aí, ela ficou assim, falei: “Não tem problema de ser feriado, não. Ai, que tudo!” Aí comecei, aquela alegria, parecia que tinha ganhado na megasena. Aí ela pegou e falou assim: “Você pode…”. Então eu já falei: “Eu posso até a hora que a senhora puder, eu vou na entrevista”. Ela falou assim: “Tá, vamos conversando um pouco, eu vou conversar com você, uma pré-entrevista aqui, por celular e depois a gente termina pelo WhatsApp, pode ser?” Falei: “Pode”. E aí ela pegou, começou a fazer umas perguntas, foi onde ela pegou e falou pra mim que meu currículo tinha [sido] selecionado porque eu já tinha trabalhado na Santana Têxtil, na indústria, que eu já tinha mais noção do que seria trabalhar em indústria. Fiquei supercontente, nossa. Só que aí, ela falou assim: “Detalhe: você só pode, a gente só pode chamar você pra entrevista, se você concordar que pode viajar”. Aí eu nem pensei, concordei, falei: “Concordo”. Não pensei, falei: “Concordo”. E aí ela marcou, foi conversar, fui falar pro meu marido, ele falou assim: “Você não é louca, lógico que você não aceitou?” Falei: “Lógico que eu aceitei”. Aí ele já ficou bicudo. Aí, eu falei assim: “Lógico que eu aceitei” e fui, fui conversando, aí falei assim: “Só que a gente tem que viajar e ficar quarenta dias”. Aí eu achei que era de imediato, assim. Aí ele pegou, falou bem assim pra mim: “Ah, você escolhe, o serviço ou aqui”. Aí eu olhei pra cara dele, falei assim: “Você quer que eu mude hoje, ou amanhã?” Aí ele ficou uns três dias sem conversar comigo, uns três, quatro dias sem conversar comigo, dentro de casa. Aí a mulher tinha marcado... ela falou que ia ficar mandando mensagem pra mim sobre a entrevista. Aí, quando foi num quarto dia, ou quinto dia, mais ou menos, eu não aguentei aquele clima chato aqui em casa. Aí eu falei assim: “Ó, você está realmente decidido que é pra eu ir embora? Porque, se for, eu vou fazer minha mudança hoje” “Ah, eu falei de cabeça quente, que não sei o que, eu volto atrás, ai, não tem lógica você viajar”. Eu falei: “Ah, não tem lógica eu falar não para uma oportunidade de emprego, porque são dez meses esperando, tem umas contas minhas que estão todas aí, atrasadas”, porque ele falou que não tinha condições de me ajudar, ele ajudou uns três meses, desse período de dez meses, ele ajudou três meses a pagar meu cartão, então meu cartão virou uma bola de neve e eu nunca tinha deixado meu nome ir pro Serasa. Então, fiquei muito arrasada com isso. Então não tinha como falar “não”, aceitei. E ela falou que dava treinamento e tudo mais. Aí, quando foi pra mim, ela marcou o dia que era a entrevista na Rumo, não sabia onde que ficava. Eu não tinha noção pra que rumo ia. E eu tinha muito medo de entrar em BR de moto. Falei pra ele me levar, ele falou que não ia me levar, que não tinha tempo, que estava cheio de serviço. E aí eu falei: “Meu Deus, e agora? Eu vou assim, mesmo”. Mais uma vez, olhei o tanque da gasolina, bem baixinho a gasolina: “Meu Deus, Senhor, vai assim mesmo”. Aí passei num posto, coloquei vinte reais, só, de gasolina. Deu nem, nem subiu o negócio lá da gasolina, fez nem… aí, bora, e fui. Peguei BR, filha e fui. Peguei BR e nada de aparecer esse lugar e nada, já comecei, aí chegou até um certo ponto, porque da minha casa até lá, dá uns quarenta e pouco quilômetros. E eu comecei a pegar essa BR, não aparecia lugar nenhum, era só mato e eu não tinha retorno, o retorno era longe e aí era pra eu estar às oito horas lá e eu saí bem cedo. Eu gosto, assim, quando você marca um horário... - hoje aconteceu que a nossa entrevista foi por causa do ser nove horas aí, e aqui, pra mim, são oito ainda. Aí eu esqueci desse detalhe, eu tinha colocado meu relógio pra despertar, enfim. - Eu fui atrás desse lugar, quando cheguei na metade da BR, eu liguei pra mulher, já chorando: “Tô perdida no antigo…”. Ela: “Filha, você está onde, na entrada do aeroporto?” Eu falei: “É”. Ela falou: “Eu só conheço até aí, de lá pra frente eu não conheço”. Eu falei: “Meu Deus, eu preciso, está faltando mais trinta minutos pra chegar lá. E eu não sei onde que é essa Rumo, eu não sei onde que fica”. E foi aquele desespero que bateu e eu comecei a chorar, acelerando essa moto, eu olhava pro tanque, pra ver se não estava acabando a gasolina e foi um desespero. Cheguei lá dois minutinhos atrasada. Aí, tá, quando penso que não, vinha um monte de vans, que era troca de turno. Eu olhei aquele monte de ônibus, falei assim: “Eu vou seguir aqueles carros, aqueles ônibus, está tudo igual, ali”. E fui seguindo, os segui. Aí, quando chegou lá, eles pararam num posto, aí eu peguei, encostei do lado do motorista, o homem até levou um susto, falei: “Moço, onde é que fica a Rumo?” Aí ele: “Moça, é só você virar aquela curvinha ali, bem ali”. Eu, nossa, senti uma felicidade imensa, falei assim: “Limpa essa cara de choro, porque você tem que ir pra entrevista”. Cheguei lá, nossa, tremendo, tremendo e eu, gente, pensando: “Será que eu tô parecendo que tô nervosa, não posso ficar nervosa, essa é minha oportunidade agora, meu Deus, me dá calma”. Inclusive, graças a Deus, a mulher, a recrutadora lá, a mulher que faz entrevista, atrasou cinco minutos. Então, ela não viu que eu cheguei dois minutos atrasada. E aí, tinha quatro mulheres e acho que cinco homens, na entrevista. Fizemos a entrevista, eu tranquilizei. Começou a conversar lá. E aí, quando penso que não, passou, dessas quatro, duas mulheres e eu estava dentro delas. E aí, passando os meninos, aí foi por etapa, sabe? Me chamava, me chamava, aí a gente foi se comunicando entre a gente, falando assim: “Ah, te chamou?” Aí eu falei assim: “Me chamou”. Aí ela: “Ai, até agora não me chamou”. Falei assim: “E agora?” Até um dia que eu fui a única a ir pra lá. Aí eu liguei pra um, liguei pra outro... quer dizer, liguei não, mandei mensagem: “Te chamaram?” “Não” “Ai, mas me chamaram”. Aí, essa pessoa que eu também tenho um enorme carinho, ela que me deu a oportunidade, o senhor Rocha, ele é da Rumo, ele me chamou pra eu conhecer o pátio. Gente do céu! E os outros não. Perguntei, ele falou que não foram, não chamaram pra conhecer o pátio. Mas eu não sei se por causa da minha estatura, pequena, magrelinha, falou assim: “Vamos ver se ela consegue e se realmente é o que ela quer”. Foi lá, me chamou, me mostrou onde que ficava os determinados lugares. Aí, falou assim: “E você, está apta pra, se eu falar que contrato você agora, você vai querer vir, depois que você viu tudo?” Concordei na hora, falei: “Não, lógico que eu quero!”, aquela felicidade. E vim chorando, dessa vez, voltando pela BR, mas de alegria. Numa felicidade que, graças a Deus, acabou meu sofrimento, das minhas preocupações, porque o meu… eu volto a falar assim, voltando um pouquinho atrás: como meu filho sempre passou mal, minha cunhada pagou um plano pra ele, mais meu sogro, ele sempre ia em clínica particular. Até então, a minha filha, um dia, pegou, passou mal, eu a levei pelo SUS e o SUS é aquele modelo. Ela chegou e falou assim... foi onde que partiu meu coração, que caía aos prantos, sozinha, chorando depois. Ela: “Mamãe, porque você leva meu irmãozinho num lugar bonito e traz eu nesse lugar feio aqui?” Aí, depois, eu falei: “Senhor, preciso de um lugar que tenha plano, plano, plano, nem que receba pouco, mas que eu tenha plano, pra eu colocar minha filha”. Assim, graças a Deus, as coisas foram caminhando, foi um pouco doloroso, um pouco árduo, mas foi encaminhando, graças a Deus. Tenho um plano hoje. Tem muita gente que não dá valor. Mas como eu passei por essa situação, eu sou muito grata por ter um plano de saúde, pra que eu possa dar condições pros meus filhos.
P/1 - Andréia, qual era a vaga, qual era o cargo?
R - Então, aí, quando essa vaga que foi ofertada, foi pra operadora de Car Puller. Nem tinha noção o que seria isso. Aí eu falei: “Moça, o que é isso?” Ela: “Ah, é uma máquina que puxa vagões”. E eu achando que era uma máquina pequenininha. Sem noção nenhuma. “Mas nós damos todo o treinamento possível”. E eu: “Ah, que bom, então!”. Chegando lá, é uma máquina, é um suporte, assim, que tem um braço de ferro, que acopla no vagão e você puxa os vagões pra fazer a descarga. Hoje ela quase não é utilizada, porque o pessoal fez treinamento pra manobra e hoje é descarregado na locomotiva. Mas eu fiquei oito meses, uns oito a nove meses, nessa máquina. É bem simples, uns botõezinhos que dá ré, volta pra trás, levanta o braço, desce o braço, assim. Mas foi tudo novo pra mim, entrar naquela ferrovia, aqueles barulhos daqueles trens me assustavam. Hoje não, hoje é um pouco mais tranquilo. Tipo assim: aconteceu certo barulho, você sabe que foi isso que aconteceu. Aconteceu outro barulho, você sabe o que foi. Qualquer coisa, outro tipo. De primeiro, não, levava susto, não sabia o que estava acontecendo, achei que estava explodindo alguma coisa. Mas hoje é bem mais tranquilo. Aquele rádio, PTT, que a gente conversa e se comunica, nunca tinha pegado naquilo. Aí o menino aperta, aí, ficava apertado e começava a rir: “Eu faço o quê?”. Ele: “Fala”. Eu: “Ah, eu tô com vergonha”. Ele: “Fala. O menino precisa te ouvir”. E eu tinha vergonha de falar naquele rádio, PTT. Morria de vergonha, ficava com vergonha, em vez de eu falar, não saía a voz (risos). Foi muito estranho. Ai, Deus!
P/1 - E você lembra do seu primeiro dia de trabalho?
R - Assim, o primeiro dia de trabalho foi mesmo pra conhecer, acompanhar os outros que estavam lá, pra gente só observar, pra gente começar. Mais ou menos acho que uma semana observando, depois que a gente colocou a mão em prática, pra fazer. A gente fazia as coisas, mas com muito medo. Na verdade, até hoje eu tenho medo. Porque é muito procedimento, envolve vidas, essas coisas. Então, a gente tem que fazer à risca os procedimentos. Mas era, lá era bem mais tranquilo. E eu tinha horário fixo. Eu entrava das… saía da minha casa meio-dia e meia e retornava meia-noite e meia, mais ou menos. Porque lá é assim, eu fico oito horas de serviço, mas como é longe, o ônibus tem que ficar recolhendo os funcionários, então, praticamente, eu fico doze horas fora de casa.
P/1 - E como foi essa novidade pro seu marido, pros seus filhos, como foi contar pra sua família o novo trabalho?
R - Então, de início, meu marido não gostou muito. Ele ficou bicudo, porque era inclusão de mulheres. Eu e mais a outra menina éramos as primeiras pra ir à operação. Então, o restante era tudo homem. Então, pra ele, assim, eu vejo que é muito sem graça. Ele fala assim: “Ah”. Porque tem certas pessoas que não têm um domínio… meio pra "frentão". Mas aí, igual eu disse na primeira entrevista minha: “Quem faz te respeitar, é a gente mesmo”. É a gente que dá oportunidade pros outros desrespeitar a gente. Então, pra mim, foi bem tranquilo. Assim, essa questão. Porque as pessoas falam assim: “Nossa, você fala tão grosso, parece macho aqui”. Mas era um mecanismo de defesa, porque você dá uma de coitadinha, de boazinha, pode ser que monta em cima da gente. Mas, pra eu aprender lá, as coisas, todo dia é aprendizado novo, lá. Mas foi, pra mim, gratificante. Tudo, desde o início, comecei no Car Puller lá. Aí, com nove meses, eu tive a oportunidade de ir pra manobra. Aí foi, que era manobra, que era já o serviço de você engatar, desengatar vagão, você andar pra lá. Aí foi onde, nessa época, era pra viajar. E aí eu falei: “Misericórdia!” Aí chegou, enfim, que eu achei que ia viajar de imediato. Passaram-se nove meses, meu marido achou assim: “Não viaja mais, né?” Na cabeça dele. E eu também achei que... tinha até esquecido essa viagem. E aí eu descobri pela menina que ia entrar, falou assim: “Nós vamos segunda-feira”. E ela não trabalhava lá na… eu falei assim: “Como assim, segunda-feira? Hoje é sexta-feira e ninguém me avisou nada”. Aí, eu saí perguntando pros líderes, falou assim: “Andréia, eu não tô sabendo de nada”. Aí peguei, já liguei pro meu marido, falei assim: “Segunda-feira eu acho que eu vou viajar”. Rá! Ele ficou sexta-feira, ele ficou sábado, ele ficou segunda-feira... ele ficou sexta-feira, sábado, domingo, sem conversar comigo. E até então, ele foi, eu falei assim... ele não deu apoio nenhum quando eu fui pra Araraquara. Ele ficou emburrado, ficou emburrado comigo, não me levou na rodoviária. Meu irmão que teve que me levar. Inclusive, assim, porque eu não guardo dinheiro. É um defeito que eu tenho, eu não guardo, nem se você falar assim: “Andréia, me empresta cinco reais” “Ai, eu não tenho”. Aí eu falei assim: “Meu Deus!” Inclusive, tinha uma reserva. Inclusive, eu falei assim: “Nossa, deixei essa reserva por Deus, não sei porquê”. E aí foi onde que me salvou, porque eu tive que viajar e ele não me deu nem um real e nem perguntou quanto eu tinha, se eu tinha um real, pra comer alguma coisa durante a viagem. Ele ficou sem conversar comigo. E eu peguei, falei: “Eu vou”. Nesse “eu vou”, eu estava superforte, muito forte mesmo. “Eu vou, eu vou”. Bem decidida. Só que, a partir do momento que eu coloquei meu pé dentro do ônibus, já estava com tudo, eu olhei pros meus filhos, nossa Senhora! Falei: “Eu vou desistir disso”. Nossa, mas foi um chororô, chororô. Chega dói, assim, contar, sabe? Meus guris aos prantos, chorando, chorando. “Ai, eu vou sim, eu vou, eu vou”. Entrei e falei: “Seja o que Deus quiser”. E aí meus guris começaram a chorar demais. A minha menina é muito apegada, nunca ficamos longe. Quarenta dias, foi uma eternidade assim, foi outro amadurecimento meu também, foi outra coisa que eu tive que me renovar, saber, nossa, é bem difícil explicar. Minha filha já mocinha. Onze anos. E ela chorou: “Mamãe, não vou aguentar, está doendo demais meu coração”. Aquilo ali foi, tipo assim, o fim do mundo, pra eu ouvir aquilo. Mas eu consegui, graças a Deus (choro). Desculpa (risos). E fui. Quando chegou em Araraquara, depois de três dias que o abençoado do meu marido foi me ligar. Depois de três dias: “Ah, está tudo bem?”. Ah, menina, só não chamei o cidadão de santo! Mas falei um monte de coisa pra ele, porque não tinha cabimento. Eu falei: “Eu não vou ligar também pra ele, porque era a hora que eu mais precisava de apoio dele. E, tipo assim, como ele ficou com raiva, eu achei assim: “Gente...”. Até falei pro meu pai, meu pai... eu deixei meu pai responsável pra ficar com meus filhos aqui. Porque como ele trabalha, meu pai ficou responsável por ficar com meus filhos. E aí eu falei assim: “Gente, esse homem vai separar de mim, vai tomar meus filhos”. Eu fiquei só pensando besteira. Mas ele falou que em nenhum momento ele pensou isso, mas eu estava com tanta neurose, eu falei assim: “Ele virou a cara pra mim, não me deu apoio, eu tive que ir com a cara e a coragem”. A minha mãe começou a falar pra mim: “Nossa, que tipo de mãe é você, deixar seus filhos?” Também não me deu apoio pra eu ir. Assim, só meu pai que falou assim: “Não, vai dar tudo certo, é pra melhorar pra você, ter condição melhor”. Então foi o único que falou: “Vai!”. E aí eu falei: “Meu Deus, será que eu fiz alguma coisa errada?” E aí fui, com a cara e a coragem. Assim, sofri bastante lá em Araraquara. Depois que ele me ligou, nós tivemos bastante desentendimento por telefone, devido a atitude que ele tomou. Mas até agradeço por isso, pelo sofrimento que eu passei, por isso que eu passei, por quê? Porque foi uma coisa pra mudar meu casamento, pra mudar minha visão. Por quê? Porque, quando nós chegamos, nós conversamos e colocamos tudo, tipo, do zero, desde quando nós nos conhecemos, até o dia que eu saí, pra colocar tudo um pro outro. Especificando cada coisa que estava errada. Hoje, depois disso aí, eu tô na melhor fase do meu casamento. Tudo melhorou, tudo está fluindo. Então como diz: tudo no seu tempo. Tive que passar por essa… eu fui moída, praticamente me senti moída, assim. Chegando em Araraquara, passei mal lá, desmaiei. Minha pressão subiu, foi pra dezesseis. Porque eu estava muito abalada. Assim, a saudade era imensa dos meus filhos. Parece que eu não sabia controlar aquilo. Até então, lá tem um professor que, nossa, assim, ele foi um anjo na minha vida. E aí, eu estava jantando. Isso aí já estava quase na metade dos quarenta dias, eu estava com vinte dias lá. Eu jantando, ele olhando meu sofrimento, porque era nítido ver minha feição. Parece de sofrimento ali, era nítido. E ele chegou e conversou comigo, falou assim: “Andréia, está acontecendo isso? O que você tem?”. Eu fui falar pra ele o que estava acontecendo e aí ele pegou e fui falando pra ele também, do meu marido, que não me apoiou. E aí ele falou um monte de coisa, ele falou assim: “Ó, minha filha está passando pela mesma situação que a sua”. E aí explicou: “Eu vou falar o [mesmo] que eu falei pra minha filha, pra você”. As palavras daquele homem penetraram tanto na minha vida, nossa, foi muito bom, eu tenho uma gratidão por esse homem, ele falou coisas que nem meu pai, ou minha mãe, já chegaram a falar pra mim. Aí você fala assim: “Mas está dando valor pra pessoa de fora?” Sim, porque ele conseguiu ver meu sofrimento, ele conseguiu amenizar minha dor, ele viu meu sofrimento. Não desfazendo da minha mãe, não desfazendo do meu pai. Mas foi um ser humano que entrou na minha vida pra me ajudar. Me sinto muito grata por ele. É o Cido, lá de Araraquara. É um senhor que eu tenho um carinho enorme. Direto, às vezes, eu mando um “bom dia” pra ele, “como que o senhor está?”, troco foto, tem algum vídeo novo da ferrovia, eu mando pra ele. E ele, todo mundo que vai lá no curso, ele relata sobre mim. Eu fico muito feliz. Chegou umas pessoas, falou assim: “Nossa, mas você é famosinha lá em Araraquara”. Eu: “Famosinha, por quê?” “Ah, o professor fala isso de você, tal”. E, assim, é muito gratificante tudo que eu passei, independente se foi dor, independente se foi aquela emoção, eu agradeço por isso porque, de uma forma ou de outra, teria que passar isso. E, pra mim melhorar meu conhecimento mesmo, me auto ajudar, essas dores que eu passei, foi pra me renovar, ser uma Andréia melhor. Hoje eu me sinto outra pessoa, depois desse sofrimento. Ai, pra muitas pessoas não é, mas como eu sou muito apegada aos meus filhos, são minha respiração, são meu ser, são as pessoas que eu amo demais, de paixão, ficar longe deles foi a morte. Então... mas foi gratificante a minha vitória depois. Consegui ir lá, passar no treinamento, voltei pra cá renovada, com a cabeça erguida, outra Andréia, mudança. Só que, detalhe: tem pessoas que criticam muito a gente, não sabem o que você passou. Eu sou criticada hoje em questão assim: “Ah, você é metida, porque você trabalha em tal lugar, você é metida, porque você é maquinista, você está se achando”. Então, existe ainda um ser pra abrir a boca e falar esse tipo de coisa. Mas não viu o que eu passei, a minha caminhada, o meu sofrimento, porque eu mudei. Todas as pessoas que têm mudança, aconteceu alguma coisa, tem que acontecer alguma coisa pra pessoa mudar. Não basta, tipo assim, você ficar só levando na cara e você continuar a mesma pessoa, você nunca vai sair daquela coisa. Então eu tive, eu fui moldada, na verdade, moldada pelo sofrimento. Assim, doeu? Doeu! Mas hoje eu agradeço, que bom que eu passei por isso, pra hoje ser uma Andréia renovada.
P/1 - Andréia, você lembra qual foi o conselho que esse senhor te disse?
R - [Trecho retirado a pedido da entrevistada].
Eu fui falar as minhas coisas, e ele falou: “Minha filha está passando a mesma coisa e eu vou falar pra ela o que eu falo pra você. Seja você, se ame em primeiro lugar. Assim, não dá motivo pras pessoas falarem de você. Mas mesmo que você dê, as pessoas… se você não der motivo, as pessoas vão falar do mesmo jeito. Então, não ligue pra que as pessoas falem de você, as pessoas não sabem da sua caminhada, não sabem da sua vivência, não sabem o que você passa dentro das quatro paredes”. Então ele foi muito primordial naquelas palavras. Ele conseguiu mostrar pra eu ver de outra forma. Falei: “Nossa, realmente, então vou me amar primeiro”. Ele falou assim: “Andréia, não tem condição você estar passando por isso, deixando seus filhos, você não está fazendo nada de errado, você veio atrás da sua carreira profissional, investir em você mesma, investe em você”. Cada palavra que aquele, ai… que ele falou pra mim, teve muito fundamento pra mim, foi muito bom. Eu, nossa, só tenho a agradecer mesmo a ele.
P/1 - E, Andréia, como foi se tornar maquinista?
R - Então, aí nesses nove meses que eu, de Car Puller, eu passei pra manobra, demorei mais nove meses na manobra, que a manobra é bem difícil, bem difícil mesmo. Mas é igual eu falo: a gente tem que se apaixonar pelas coisas que a gente faz. Até então, quando, no passado, falava assim: “O que você queria ser?” Queria ser professora. Depois de professora, acabou a vontade de ser professora e eu falar assim: “Gente, eu não sei o que eu quero fazer, se eu trabalho disso, eu não gosto, eu não gosto”. E aí eu até comentei com o rapaz, falei assim, no curso de técnico de segurança, ele é engenheiro e estamos juntos, falei: “Nossa, você tem uma profissão, você tem seu carro, você tem sua casa, você ama ser arquiteto, eu tenho dois filhos, não tenho profissão, sou casada e não gosto de fazer nada, gente, o que eu quero da minha vida?” Aí ele pegou e falou assim: “Andréia, você tem uma família, eu não tenho, eu sou solteiro ainda, então, não é... as coisas não têm que ser: se formar, casar e ter emprego e depois ter casa. Cada um faz de acordo com o que vai ter primeira etapa, não importa se a primeira, segunda, não tem a primeira, a segunda. Você tem a sua família, você tem a sua casa, você depois vai ter seu carro, depois você tem seu emprego, independente da ordem”. Aí ele falou também umas coisas assim: “Tudo no seu tempo, Andréia”. E eu comecei a pensar: “Tudo no meu tempo” “Um dia você vai ter que gostar de alguma coisa, Andréia”. E eu: “Ah, não sei não, do jeito que eu sou, eu acho que eu não vou gostar é de nada”. E aí, quando eu me tornei maquinista, que eu fui pra ferrovia, não que eu me tornei maquinista, quando eu fui pra ferrovia, já comecei a gostar daquele barulho. Já comecei a olhar aquela composição chegando, buzinando: “Nossa, que delícia!”. Aquilo é a mesma coisa que ganhar na megasena, eu ficava eufórica: “Nossa, que linda, que barulho gostoso”. Comecei a me identificar, falei: “Nossa, é isso que eu quero, é isso que eu quero”. Comecei a gostar e aí, nesse período, as coisas foram fluindo pra mim. Passei por situações de dor, mas foi pra eu melhorar. Aí comecei, tive oportunidade de ser manobrador. Manobrador, pra mulher, é bem complicado, porque o pátio lá não tem acesso ainda pra mulher. Agora sim, que agora melhoraram, tem banheiro lá. Era tudo pra homem, não era, não foi feito pra inclusão de mulher, pra ter mulher lá, no pátio. Então você ser um manobrador e você ir pra determinado lugar, longe, e não ter banheiro. Você está naqueles dias de TPM seu, é bem complicado, mas eu consegui, graças a Deus. Foi bastante árduo, mas nada que venha com muita força, com muita luta, não seja uma vitória boa. E aí eu, no dia, tinha voltado de férias, trabalhei mais trinta dias, no outro mês, tô saindo da noitada, recebo a ligação do Renato, que falou assim: “Andréia, amanhã você não precisar vir, porque você foi escalada pra escolinha de maquinista”. Eu: “Ai, meu Deus, sério?!” Fiquei eufórica de felicidade, falei: “Meu Deus, como que ninguém me falou, eu fui aí, eu trabalhei e ninguém me comentou, como assim?” Mas, assim, devido a pandemia, não vai poder viajar. Meu marido quase não gostou disso. Aí: “Devido a pandemia, você vai fazer um cursinho on-line em casa, ficar vinte dias em casa”. Ai, nossa, aquilo dali foi um sonho, eu falei: “Nossa, que ficha, a ficha não caiu ainda”. E fiquei, foi aquela explosão de felicidade, vontade de sair gritando: “Nossa, consegui, consegui, meu Deus!” Mas tudo que tem a sua força de vontade, você consegue. Fui muito persistente nas coisas, porque, até então, quando eu entrei lá, ouvi comentários assim: “Ah, essa não dou um verão. Ah, vai conseguir, não”. E aquilo dali, parece que era um motivo ali, pra mim, falar assim: “Consegui, pra eu mostrar pra você, cidadão, que eu vou passar primavera e mais primavera”. E eu gosto dessa... como posso dizer? Pessoa falar que você não consegue, gosto de mostrar, assim: “Eu sou capaz e eu vou mostrar pra você como eu consigo”. Meu marido, hoje, me chama de “general”. Ele fala assim: “Nossa Senhora!”. Porque eu mudei, mudei mesmo. Porque nós somos muito cobrados na empresa. Então eu quero passar isso pros meus filhos também, pra eles, quando eles forem, pra eles não passarem o que eu passei, que eles já vão sabendo o que vai acontecer, eles estão preparados. Porque eu fui crua, despreparada de tudo. Então cada coisa que acontecesse pra você, independente do que você estava acostumado ou não, você tinha que fazer aquilo. E falei assim: “Será que eu consigo?” Até eu mesma, antes de começar, falei assim: “Será que eu consigo?” Eu mesma não estava colocando confiança em mim. Mas tem pessoas que Deus envia e fala assim: “Andréia, você consegue, você tem braço, você tem perna, você consegue, basta você querer, você quer? Então, você consegue!” Então comecei a colocar isso aqui dentro de casa também, falando pros meus filhos. Falando aqui. Meu marido também tem hora, porque ele trabalha autônomo, não tem todo dia serviço pra ele. Então, ele fica cabisbaixo demais e aí ele ficou muito preocupado. “Ai, não consegui pagar as coisas”. Eu disse: “Calma, tudo no seu tempo”. E aí vou começar a falar pra ele, depois, aí ele não concorda, eu me altero um pouco com ele. Aí ele: “O que mais você quer, general, o que eu vou fazer?” Então quando eu trabalhava, dava conta de tudo, de fazer as coisas dentro de casa. Eu gosto de fazer as coisas do meu jeito. Limpar uma casa, lavar uma roupa, levar guri pra hospital. Ele nunca acompanhou. Aí eu peguei, falei assim: “Ó, o negócio é o seguinte: eu vou te pedir as coisas agora. Ó, você vai levar guri pra escola e vai participar de reunião” “Ah, eu não sei”. “Se vira, você vai ter que aprender” “Ah, e por que você não vai?” “Porque eu tô cansada”. Porque a partir do momento que eu falei, que o dia que eu saísse pra eu trabalhar pra fora, as coisas, ia dividir tudo. Ele, acho que ele desacreditou. E aí como eu queria fazer tudo ao mesmo tempo, eu até fiquei um pouco perturbada, tive que ter um acompanhamento psicológico, porque era muita coisa em cima. Aí eu falei assim: “Não, vamos dividir”. Aí minha filha já, minha filha é uma menina que, desde os nove anos, me ajuda pra caramba. Em questão de limpeza, fazendo almoço, casa, ela cuida do irmão dela. É uma princesa, a minha filha, eu vou falar pra você, é minha base. Meu filho também, mas ela me ajuda demais. Então depois que eu comecei a trabalhar, tudo ficou dividido agora. Marido faz isso, filha faz isso, o outro faz isso e eu faço isso. Assim, todo mundo está de acordo e eu melhorei com essa situação depois, porque não ficou tudo nas minhas costas. Assim, a vontade de fazer, eu já chego do serviço, a minha mãe vem e lava roupa pra mim, às vezes. E eu falo: “Mãe, não precisa, não”. Ela: “Ai, você é ingrata, mal-agradecida, deixa eu lavar roupa pra você. Ah, eu tô lavando mal lavada?” “Não é, mãe”. Porque eu gosto de fazer as coisas na minha casa, eu gosto de limpar a minha casa, eu chego do serviço, a vontade de fazer, eu não tenho preguiça, pego e faço. Mas, às vezes, cansa demais. Aí, por isso que eu dividi as tarefas aqui, dentro de casa. E, assim, hoje, como… aí estagiei nesse período, estagiei, fiquei acho que dezembro, novembro e dezembro estagiando. E, depois, assim, a gente... no primeiro dia que me falaram bem assim, que eu teria que ficar sozinha na máquina. Quando você está estagiando, o instrutor está do seu lado. E aí, ali, pra mim, você sentia total segurança, tipo: “Que hora que eu uso tal freio? E velocidade?” Aí, num dia, num belo dia, primeiro de janeiro, o rapaz falou assim: “Ai, mas hoje não é pra você estar liberada?” Falei: “Lógico, não estou pronta” “É lógico que você está pronta, você está pronta sim, dona”. Aí eu falei: “Não, hoje eu tô, eu tô ainda como estagiária”. Dois minutinhos depois, eu tirando minhas coisas, o líder me chamou na faixa: “Olha, hoje a senhora não precisa de acompanhamento. Você está liberada, você está autorizada de ficar sozinha na máquina”. Eu falei: “Não, como assim? Eu não estou liberada, não estou preparada” “Está sim, pode descer, vai assumir a máquina lá na linha duzentos e tal”. Menina, aquilo dali foi: “Meu Deus, e agora, o que eu faço?” E aí eu já não sabia nem onde que fica... nem meu nome mais. Falei: “Meu Deus do céu”. Fiquei muito nervosa, mas cheguei lá e falei: “E agora?” Aí ele falou assim: “Qualquer coisa, você me liga, chama no rádio”. E eu fui assim, mas foi trêmula, trêmula, só o primeiro dia também. No outro dia, o rapaz falou assim: “Ó, segundo dia você vai estar bem tranquila, você vai falar assim: ‘Nossa, máquina é toda minha, não tem ninguém pra encher o saco’, você está ali, sozinha”. E, graças a Deus, consegui. Só o primeiro dia foi um pouco tenso, quando falou assim: “Você está liberada, sozinha, autorizada”. Falei: “Meu Deus!” Mas, graças a Deus, eu consegui. Todo dia é um aprendizado novo ali. Tenho gratidão por aquele lugar. Assim, eu vou, saio da minha casa com paixão, pra ir pra lá. Meus olhos brilham quando eu vejo uma composição chegando. Aquela buzina, pra mim, é uma música pros meus ouvidos, eu me sinto muito… eu fico muito feliz, não sei nem como descrever a felicidade que eu tô naquele lugar.
P/1 - Andréia, você foi a primeira mulher maquinista?
R - Sim. No meu pátio, sou a primeira maquinista do TRO. Inclusive, quando eu fui pra fazer entrevista, o Rocha até falou pra nós: “Olha, nós estamos colocando inclusão de mulheres, vocês podem ser o tiro que dá no pé, pra não entrar mais, ou vocês vão estar dando oportunidade pra novas mulheres ingressarem”. E, graças a Deus, conseguimos, hoje, lá, eu tiro o meu chapéu pra uma menina, tem 22 anos, ela é mecânica também. A primeira mecânica lá, do TRO. Hoje temos uma mulher como analista, tem outra como programadora, tem a outra como manobradora e estão chegando, chegaram outras meninas também, manobra. Mas a primeira parte, foi eu e a Soeira, nós ingressamos. A Soeira ficou pra trás, como na manobra, era pra ter ido. Mas ela está gestante e aí, ela está em casa, cuidando do cenário da pandemia. E aí ela está de licença. Mas eu não… falta palavras pra falar assim: “Nossa, Andréia, o que é, pra você, ser a primeira maquinista?” Ah, é muito bom, eu lembro que, quando era menina, eu tinha um sonho, falar assim: “Deus…”. Sabe quando você deita, fecha os olhos, começa a ter esses pensamentos? Aqueles seus sonhos pro futuro? Eu falava assim, que eu queria ter um emprego que viajasse. Consegui. Quando eu entrei naquele ônibus, por mais que estivesse aos prantos, assim, falar assim: “Queria ter um emprego igual ao da fulana, que a empresa paga tudinho”. Ah, quando eu entrei, falou assim: “A empresa vai pagar seu café da manhã, o hotel, a estadia”. Eu: “Meu Deus, realizou meu sonho!” Sabe, eu fiquei… aí eu falei assim... eu tinha muita vergonha de falar em público. Assim, dá um certo receio. Mas, ao mesmo tempo, eu queria ter... eu queria... como eu posso falar? Ter uma plateia, pra eu falar assim. Eu disse: “Mas como eu vou lá falar, se eu tenho vergonha de falar em público?”. Até quando fosse apresentar trabalho em escola, em grupo, eu ficava toda trêmula. E hoje eu falo assim: “Nossa, estou me realizando, porque eu estou dando entrevista”. Gente, como as nossas palavras são fortes, saem da nossa boca assim: “Olha, eu queria ser reconhecida no meu serviço”. Hoje está acontecendo tudo isso que, quando eu era mais jovem, eu pensava e hoje está acontecendo isso. Então eu fico assim: “Gente, como as palavras são bem fortes, o pensamento da gente, sabe?” É muito bom.
P/1 - E como funciona o seu trabalho? Você viaja… é por viagem, ou por tempo? E o que você transporta, por quais trechos você passa? Como funciona, mesmo?
R - Então, aqui eu trabalho só dentro do pátio. A composição chega e a gente descarrega ou carrega. Chegou uma composição, se é de fertilizante, a gente vai fazer a descarga, tem acho que seis a nove maquinistas, eu não sei precisar bem quantos maquinistas têm. São escalados por linha. A gente tem uma escala e aí cada um assume a composição que vai chegando. E aí passa pra descarga. Se chegar um vazio, um locotrol de 120 faz o… desengata. Aí, eu errei, espera aí (risos). Chegou a composição, a gente tem que abrir o vazio, que a gente fala, abrir o vazio, que é puxar quarenta vagões pra uma linha, pra carregar. Aí tem mais uma locomotiva no meio. Aí puxa mais quarenta pra outra linha, pra carregar. Aí, nessa formação que a gente carrega soja, ou é milho, ou é farelo, aí a gente tem a formação do carregado, que é na esteira, pra sair 120 vagões carregados. Saí com duas locomotivas na frente. Aí vem oitenta vagões... vem quarenta vagões, mais uma locomotiva e oitenta. Aí a gente formou esse carregado, vem o maquinista de trecho pra assumir, pra ir levar até Itapira, até o Alto Araguaia. De lá, vai pegando os maquinistas, até chegar ao Porto de Santos.
P/1 - E me conta: você trabalha meio sozinha, é um pouco solitário, assim? Como é?
R - Então, a gente, o maquinista tem o apoio do manobrador. Que é pra fazer… a gente tem manobras. Então, assim, tem um vagão avariado, aí o manobrador está lá, a gente comunica via rádio, pra tirar esse vagão, e colocar em outra linha. O maquinista tem sempre o manobrador, que é o olho dele, pra ajudar.
P/1 - E você já teve um momento desafiador, ao longo dessa sua trajetória? Algum sufoco, ou algum problema que você teve? E como isso foi contornado?
R - Assim, de início, tudo é novo pra você. Eu, a única coisa que eu sinto dificuldade, que eu senti dificuldade pra fazer, era formação de trem, que você tem que fazer uns testes. E os testes de freio, pra você certificar que tudo está correndo bem de freio, pra você mandar pro maquinista de trecho. Então você tem que fazer uns testes com a mecânica. E aí são vários testes que você tem que fazer. E nisso eu me perdi bastante, ficava nervosa, às vezes eu não sabia nem meu nome, eu pedia apoio pro menino e ficava ligando: “O que eu faço agora? E agora, o que eu faço?” Porque não pode ficar demorando, porque é a formação do carregado, então tem uma programação de horas pra você estar com aquele trem pronto. Então eu tive dificuldade nisso, em questão de fazer esses testes. Mas hoje, pra mim, é tranquilo. Hoje, né? Eu falo isso de início. Uma coisa assim: ai, lá é tipo fazenda. Tem uns lugares que tem a estação, tem mais movimento. E tem uns lugares que é bem lá pra baixão, que não tem praticamente nada, só tem mato. Então tem vezes que eu tenho que descer lá pra baixo, que eu tenho que mudar a linha. Eu tenho medo dessa parte. Essa parte eu começo a ver acho que vulto, eu começo a escutar aqueles ventos, por causa dos barulhos, eu acho que é gente e eu tenho que descer, eu tenho que… e, às vezes, se eu estiver com duas máquinas, que ela está uma de frente com a outra, que a gente chama de cachorro e cadela, a gente tem que descer sozinha, a gente não tem ajuda de manobrador. Quando é só uma máquina, aí a gente tem que descer com o manobrador, porque aí ele tem que fazer o recuo, eu não posso fazer o recuo sozinha, eu tenho que ter um cara me orientando pra fazer o recuo. Aí, geralmente, eu gosto quando eu desço lá pra baixo com alguém. Quando eu vou sozinha, misericórdia, eu vou suando, eu vou, nossa Senhora, quase desmaiando, mas eu vou, me mantenho firme ali, daí não pega sinal de celular. Eu fico com muito medo, bastante medo, mesmo. Mas depois tudo acaba, volta ao normal (risos).
P/1 - E já teve algum momento engraçado, que tenha sido estranho, mas nada perigoso, algum momento, que você se lembre?
R - Então, logo no início, eu começava… porque a gente tem procedimentos a serem seguidos. Aí, às vezes, eu falava, nem eu entendia o que eu falava no rádio e é tudo gravado. Aí o manobrador pediu pra eu repetir, aí eu: “Só um momento”. E eu: “O que eu falo pra essa pessoa agora, meu Deus do céu?”. E eu esquecia, porque tem que ter a sala. Vamos supor, lá tem uma MV, que é um aparelho de mudança de via. Então, a gente tem uma ponte ___________ que a gente tem que apontar e falar. Esse método aí diminuiu, praticamente já tem dois anos que não quebra a MV. É um aparelho, devido ao método _________. Então, como eu não sabia o nome da linha, aí eu teria que falar os nomes das linhas e eu colocava nome de outra linha, que estava bem mais longe. Ele: “Não, mas a senhora está aqui, nessa linha tal” e eu repetia. Aí eu achava aquilo dali engraçado, mas, ao mesmo tempo, não era engraçado, porque era falta de conhecimento. Mas isso era nervosismo, que eu não conseguia falar no rádio. Mas hoje é bem tranquilo, hoje eu conheço as linhas lá, bem, graças a Deus. Mas foi assim, uma coisa que é gravado no rádio, depois a pessoa pedia pra eu repetir novamente, eu não sabia o que eu tinha acabado de falar, de tão nervosa que eu estava.
P/1 - E, Andréia, como é, pra você, exercer uma função que historicamente costumava ser realizada só por homens? O que isso representa, pra você?
R - Olha, essa inclusão de mulher hoje, no mercado de trabalho, fazendo coisas que, geralmente, muitos acreditavam que mulher não conseguia, eu me sinto honrada em estar fazendo isso. Falar pra você que é fácil, não é. Porque trabalhar noitada, a noite todinha, em lugares escuros. Fazer procedimento, você arrochar freio, você tem que ter força, às vezes a gente não tem força. Mas força eu posso dizer, física, né? Mas a força de vontade é grande, de conseguir. Eu falo muito assim: se a gente tem em mente que a gente consegue, a gente consegue, é uma força interna que tem dentro da gente, pra gente fazer esse serviço. E prestar muita atenção e querer muito. Assim, porque não é fácil. Fácil, eu falo pra você, não é. Tem que ter muita força de vontade e saber se comportar diante desse cenário, porque é muito homem. E saber que existe muita conversinha. Eu já deixo bem claro, pra todos, que qualquer lugar que chego e vejo novato entrando, bem claro: “Estou aqui para trabalhar, não pra ficar fazendo amiguinho, amizadinha, nem nada, eu tô aqui pra trabalhar, me respeita, que eu te respeito. Então, nós estamos tudo certo, nada de conversinha, além do serviço”.
P/1 - E você começou a trabalhar como maquinista na pandemia? É isso?
R - Foi.
P/1 - E como foi isso?
R - Então, assim, eu comecei a trabalhar quando estava essa pandemia aí, porque não poderia viajar, foi bem no início, que estava meio que: “Será que essa doença é grave, mesmo?” Todo mundo estava meio que assustado, mas não estava tendo esse tanto de morte. Mas, mesmo assim, a gente não foi, ficamos em casa, fazendo treinamento em casa. Fizemos o curso online e o estágio foi feito aqui mesmo, na cidade, dentro do pátio. Mas com todos os protocolos de segurança, distanciamento, máscara, uso de álcool em gel que a empresa cede. E aí eu fui, eu fui liberada este ano, no começo do ano. Porque eu comecei sozinha, primeiro de janeiro, comecei sozinha. É uma sensação de medo ao mesmo tempo, porque esse cenário, eu peguei covid em janeiro. Em janeiro eu peguei o covid. Assim, eu estava passando mal em dezembro, mas como eu estava achando que era devido ao cansaço, que eu estava fazendo uma reforma em casa, eu achei que eu estava sobrecarregada demais e aquele mal-estar, achei que seria devido a isso. Mas eu já estava com covid, estava em casa, não sabia. Quando foi em janeiro, eu comecei a sentir falta de ar, falei: “Gente…”. Aí, até falei pro meu marido: “Eu tô com esse tal de covid aí”. Ele: “Você é doida?” Eu falei: “Tô, você vai ver se eu não tô”. Mas teve um dia que eu cheguei, eu estava em casa e aí eu comecei a entrar em pânico, porque a minha respiração começou a ficar forte, quer dizer, acelerada. E aí eu falei assim... como estava tendo o cenário, só gente estava indo e morrendo, eu falei: “Eu vou morrer”. E aquele negócio de morrer ficou muito na minha cabeça. E aí eu só pensava nos meus filhos. E aí eu falei assim: “Cuida dele, você não sabe levá-lo pra escola”. O médico, comecei a ficar falando: “Olha o médico que trata dele é isso, tem que procurar…”. Meu marido: “Não, sua boba. Vamos ao médico”. Eu falei: “Eu não vou não, porque se eu for lá, eu vou morrer”. Aí ele pegou e já falou bem assim: “Bora, nós vamos agora!” E nisso, nós chegando lá, eu peguei e falei: “Eu não vou”. Eu, bem chorona, eu estava bem super mal, achando, tipo assim: falou covid, você já ia morrer. Porque praticamente, na televisão, estava dessa maneira. Você pegou covid, você não tem chance de sobreviver. E aí eu achando que eu ia morrer, tal. E a minha respiração era bastante complicada. E aí nós descemos, ele pegou, levou meus guris, deixou na casa do meu irmão e fomos pra lá. Quando chegamos lá, o médico falou assim: “Vamos fazer o exame de sangue, devido os dias que você falou que você está”. Quando chegou o resultado, fiquei ali uma hora, mais ou menos, uma hora e vinte. Chegou o resultado, deu positivo pra covid. Nossa, o meu mundo caiu, eu olhei assim, aí o médico pegou e falou assim: “Olha, você deu covid, porém, você já não está mais com o vírus transmissor, pela quantidade de dias, você pegou covid em casa, sarou em casa e agora você vai só tomar medicação, pra fazer o protocolo, a medicação. Mas, mesmo assim, aquilo dali eu acreditava que eu ia morrer ainda, eu estava com meu psicológico muito abalado. E aí eu falei: “Meu Deus do céu, vou morrer, morrer”. E aí tomei medicação e aí eu tenho gastrite. Aquelas medicações muito, muito, muito fortes. Aí eu fiquei sete dias em casa, tomando medicação. Aquele esposo, depois de treze anos, quatorze anos, levando café da manhã os sete dias, eu acordava, ele com o café da manhã e a medicação do lado. Falei: “Misericórdia, você está com medo deu morrer?” (risos) E aí foi aquela coisa toda, me aproximou mais, que ele é meio, um pouco chucrão, mas tem o lado dele amoroso, só que fica escondido nele. Quando ele percebeu, que eu acho que ele falou assim: “Ah, ela vai morrer”. Eu fiquei, assim, mais um pouco... que eu fiquei muito... o meu... na verdade não era nem o vírus, era o meu psicológico que abalou. Então, o vírus acho que, às vezes, nem mata tanto, mata é o psicológico da pessoa, que se deixa abater. E o meu psicológico desceu, despencou. E aí fiz tratamento, acabou o meu atestado, fui trabalhar, com três dias passei mal de novo. Voltei, aí deu infecção de bactéria no meu sangue, deu um monte de coisa, fiquei mais uns dias em casa. E aí depois veio as sequelas: a canseira, aquela falta, aquela fraqueza. Mas, graças a Deus, eu fui tomando a medicação, fui indo pro serviço, trabalhando mesmo assim. Que lá é um lugar que me deixa feliz e foi quando eu consegui melhorar. Hoje eu estou sozinha na máquina, desde janeiro e está indo.
P/1 - Você tem alguma história marcante como maquinista, que você queira contar?
R - Olha, não tenho ainda. Ainda não tenho. Mas porque, pra mim, todo dia lá é diferente. Todo dia é um aprendizado novo. Então, pra mim, todo dia é um dia muito bom pra ir.
P/1 - E, Andréia, como é voltar pra casa, depois de um dia de trabalho? Como é essa sensação de realização? E quais foram as transformações de você poder ganhar o seu dinheiro e não sei, talvez, quitar suas dívidas? O que tudo isso representou pra você: poder ganhar o seu dinheirinho e viver assim?
R - Então, assim: eu, como maquinista, hoje, me sinto muito realizada, é uma gratidão ser uma das primeiras mulheres. Tomara que chegue mais novas no TRO, pra somar com o time, ter mulheres, mais, lá no pátio.
E você ter seu próprio dinheiro é muito gratificante. É como eu disse: hoje os meus filhos estão amparados por um plano de saúde. Meu marido também, graças a Deus, a nossa família, estamos amparados. Estou ajudando em casa, que a gente tem... E eu estou, eu não pagava, tipo água, luz. Não pago hoje, mas a minha parte da alimentação, do mercado, sou eu que faço. Ele compra o restante, pra ele ficou bem melhor. O ticket da empresa é muito bom. Comprando as coisas pra dentro de casa que, no caso, era só ele que comprava, eu me sinto outra pessoa. Eu me sentia tipo um peso nas costas dele. Porque era só ele que comprava, só ele que tinha que comprar. A gente parcelava em tanto aquilo, nem podia comprar o que você queria, tipo: “Ah, eu gostei daquilo, eu não posso comprar, porque é muito caro”. Hoje eu falo bem assim pra ele: “Vamos comprar o que a gente gostou, se é caro, dividimos em doze parcelas, (risos) mas vamos comprar o que a gente gostou”. Porque o que adianta a gente comprar uma coisa pelo valor e a gente olhar pelo produto e ficar reclamando, que é feio, que é nojento? Vamos comprar uma coisa que a gente goste. Mas, infelizmente, tudo que a gente gosta é caro, então, vamos ser no caro, mesmo. Assim, nada que venha difícil, que vai ser, pensa, sacrifício, pra você pagar, mas vai ser gratificante, no final poder falar: “Nossa, comprei!”. Inclusive nós tínhamos, meu marido tinha comprado, nós já estamos na terceira geladeira. Tudo dava pau, tudo quebrava, tudo parava de funcionar. Aí, um dia... eu, sem poder, né? Aí eu, porque eu estava comprando meu... gastando dinheiro à toa. Tipo assim: eu não sabia nem com o que eu gastava, estava gastando dinheiro, você começou, de início, o que você estava fazendo, nem sei te explicar. Acho que eu comprava ali, acho que uma balinha, já cartão, cartão, crédito. Quando chegava no final de mês, meu salário ia todinho para aquilo. Depois eu não tinha retorno do que eu gastei. Aí, hoje, ele começou a pegar no meu pé: “Nossa, começa a comprar coisa, investir em você, tal”. E aí eu peguei e falei assim: “Então vamos comprar uma geladeira”. Aí comprei uma geladeira, bem no início, quando comecei a trabalhar, ele falou assim: “Mas você vai começar a comprar uma geladeira cara dessa e aí, se você não ficar no serviço, eu não vou ter condição de terminar de pagar!” Falei: “Não, Deus vai abençoar”. Graças a Deus, terminei de pagar essa geladeira. Nossa, eu olho pra ela, parece que eu tô vendo eu ganhar na megasena (risos). Eu fico muito feliz. Graças a Deus, ela já tem um ano, ela não deu pau ainda, não (risos). Mas é muito bom, muito bom você poder ter as coisas do seu gosto ali, você ver uma coisa que foi suor seu. E eu tô feliz também, porque eu estou ajudando dentro de casa, ajudando-o. Porque as coisas estão sendo divididas aqui dentro de casa, eu estou me sentindo útil, porque de primeira eu me sentia assim: “Nossa, só ele, só ele, né?” E aí as coisas pesavam pra ele também. Então tinha que ser aquilo ali, pra não ter que passar por necessidade. E, graças a Deus, as coisas estão fluindo hoje, estou bem aqui dentro.
P/1 - E você falou dos seus filhos, mas você não comentou o nome deles. Como eles se chamam?
R - Então, a minha filha chama Camila, ela tem treze anos. E o meu menino tem sete anos, que é o Luiz Eduardo.
P/1 - E o que vocês gostam de fazer juntos? Tem alguma atividade específica, que vocês gostam muito?
R - Então, geralmente, a gente, devido a essa pandemia, tem pouco, agora, lazer. Igual eu falei assim: “Nossa, agora que eu comecei a trabalhar e a gente poder sair”. Agora ficou um pouco parado, assim. Mas eu os levo - nos dias em que eu não estou tão cansada - no parquinho, pra jogar uma bola. O menino quer soltar uma pipa. Meu guri gosta muito de querer, assim: ele tem os carrinhos dele, mas ele não quer brincar sozinho, ele quer que eu sente com ele pra brincar. Então, é um momento assim, eu estou cansada: “Filho, brinca sozinho, vai lá” “Não, mãe, eu quero alguém”. Ele gosta, o meu filho tem uma paixão enorme pelo tio dele. Onde que o tio dele quer estar, ele quer estar indo, aí meu irmão deixa. Mas, geralmente, nosso lazer é bem pouco, é mais dentro de casa mesmo, se for pra pedir alguma coisa de lanche, a gente pede pra comer aqui, porque eu fico com muito receio de eu sair e acontecer alguma coisa com eles, porque eles não estão vacinados. Eu recebi a minha primeira dose agora, anteontem, que eu tomei minha dose de vacina. Mas eu tenho muito medo ainda desse cenário, desse covid. Até então eu não permiti nenhum dos dois ir pra escola, porque a escola começou agora, né? Eu não permiti nenhum dos dois irem pra escola, eu não autorizei, porque eles não estão imunizados ainda. E aí aconteceu caso da escola fechar novamente, porque teve crianças que pegaram covid. Então eu não sei nem o que seria de mim, se eu mandasse e algum deles pegasse covid, já pelo fato de eu ter passado uma situação bem complicada com meu guri, quando ele era criança. E eu não me vejo, hoje, passando tudo novamente. Questão de doença, que é uma coisa que a gente não prevê.
P/1 - E, Andréia, quais foram os momentos de maior aprendizado ao longo da sua trajetória profissional? Você comentou que tiveram muitas mudanças internas, suas. Mas qual foi o momento de maior aprendizado, pra você?
R - Olha, eu falo assim: o aprendizado que eu tive, pra mim, foi eu ficar longe dos meus filhos. Essa foi uma dor bem grande, é um marco que [me] deixou bastante forte, eu ficar longe dos meus filhos. Mas, por que eu fiquei longe? Pra eu ter uma carreira profissional. Eu almejava algo que eu teria que fazer isso. Quando a gente almeja alguma coisa, tem que sacrificar alguma coisa. Então, eu almejei ter uma carreira profissional e isso já foi dito pra mim: “Olha, você tem que passar por essas etapas, só que você tem que fazer isso”. E aí eu teria que me sacrificar, ficar longe dos meus filhos. Assim, foi um tempo bem doloroso pra mim, mas foi gratificante. Eu passei por tudo aquilo, foi aprendizado. E, ao mesmo tempo, eu pensava sobre mim: “Será que eu consigo? Consigo fazer aquele serviço lá, que é de homem fazer, trabalhar noitada, será que eu consigo?” E, até então, onde que veio o Siguli, que é o senhor que eu te falei, quando ele me deu muita orientação, ele falou muita coisa pra mim que fez eu ver de outra forma. Eu consigo, sim, basta você querer. Você quer, você consegue. Então, você tem que ser muito persistente nas coisas que você vai fazer. E outra, uma coisa bem importante, que eu deixo, que eu quero ressaltar: todas as coisas que você for fazer, faça por amor, não faça por obrigação, porque não sai legal. Eu falo porque, quando eu trabalhava por obrigação, de ter aquele dinheiro meu, parece que eu não era feliz. Parece não, eu não era feliz. E agora, eu trabalhando por amor, na ferrovia, eu saio de casa com gosto de trabalhar. Às vezes, estou com aquela dor imensa, que é uma cólica forte que a gente sente, mulher, mas, mesmo assim, eu estou indo trabalhar, porque eu gosto de trabalhar. Então, tudo que a gente for fazer, a gente tem que ter amor. Faz com amor, que tudo é 100% garantido.
P/1 - E o que o terminal rodoviário representa, na sua história?
R - Olha, o terminal, aqui da minha cidade, representa, pra mim, um lugar que me deu oportunidade. Oportunidade de que mulher também pode fazer, que mulher tem condição de estar ingressando no mercado de trabalho, onde que, geralmente, só se via homem fazendo. Ela, às vezes, pode não ter aquela mesma condição física que o homem tem, mas ela faz também, do seu jeito, ela faz. Um pouco demorado? Pode ser que seja um pouco demorado, mas ela executa a tarefa de trabalho, ela executa. Eu faço as minhas coisas, seguindo à risca os procedimentos que a gente tem que seguir. E, porque assim, envolve muita, envolve vidas. Então a gente tem que seguir o protocolo da empresa. Trabalhar de acordo com o que a empresa pede. Porque tem muitos que vão trabalhar, ficam xingando, falando, falando mal da empresa. É uma coisa que eu não concordo, é uma coisa que eu não gosto de ouvir. Até então, se alguém estiver falando mal do local de trabalho, onde eu estou, eu dou nas caras, eu compro briga porque é um lugar que me acolheu, que deu oportunidade. Então, dá oportunidade pra todos, basta querer. E tem gente que não tem esse tipo de visão ainda.
P/1 - E quais são seus maiores sonhos hoje em dia, desde profissional, até pessoal mesmo?
R - Então, meu pessoal, eu sempre peço [para] que eu consiga terminar a reforma da minha casa. Eu estou conseguindo agora, aos poucos, por peça. Consegui agora arrumar, só que falta finalizar o acabamento. Meu sonho é esse: finalizar, deixar minha casa do jeito que eu sempre sonhei e as coisinhas no lugar. Mas, primeiramente, assim: eu peço pra Deus saúde pros meus filhos, pra minha família, pros meus amigos. A única coisa, assim que, nesse mundo, hoje, pede pra gente. Às vezes, até o sonho de você adquirir um imóvel, alguma coisa, acho que fica de lado, porque a gente, eu prefiro hoje ter saúde, do que falar: “Ai, quero X coisa, quero uma casa mobiliada, coisa mais linda, quero um carro”. E o meu sonho profissional foi realizado, hoje, estar na locomotiva, tracionando a locomotiva, é muito gratificante, é um sonho realizado. Nunca imaginei estar naquele lugar, muito menos assumindo uma composição daquela, assumindo um trem. Nossa Senhora, eu nunca imaginava estar onde eu estou porque, até então, eu achava que eu não conseguiria trabalhar fora de casa e aquele lugar ali me mostrou que eu sou capaz. O pessoal, eu fui muito bem recebida. O pessoal da Rumo me deu oportunidade, graças a Deus eu estou cumprindo o meu papel lá. Lógico que tem dias que a gente não está muito legal com a saúde. Só que, mesmo assim, a gente vai, executa nosso trabalho, e é isso aí (risos).
P/1 - Uma dúvida: o transporte que você faz é de carga?
R - A gente é granel, é farelo, soja e milho. E aí, quando chega pra nós aqui, fertilizante.
P/1 - E, Andréia, você gostaria de acrescentar alguma coisa, contar alguma história que eu não tenha instigado, ou deixar uma mensagem?
R - Olha, Luiza, a mensagem que eu quero deixar pra quem está passando por dificuldades hoje: não desistir. Eu passei por situação que eu achei que nunca ia sair daquele lugar. Por muitas provações de Deus. Mas quanto mais difícil for, permaneça ali, dobra seu joelho e reza muito, ora muito, fé, que na hora chega. Porque, quanto mais você persistir, a sua vitória vem. Não desista. Coisas ruins aparecem todos os dias e pra todo mundo, basta a gente saber vivenciar, desviar desses problemas. Não perder a fé e ser firme no teu sonho, vai conseguir mais pra frente, porque eu falo por mim, que eu achava que eu não conseguiria fazer determinada coisa, hoje eu consigo. Consegui sair daquela maré de azar, maré de desemprego. Tá difícil? Tá. Tá muito difícil, as coisas são difíceis. Mas quanto mais difícil forem as coisas, mais a vitória chega com abundância pra você. Então, mulheres: “Ah, tô de cabeça baixa, acho que não vou conseguir, porque eu sou mulher”. Não pense dessa forma! Mulher, se empodere. Tenha seu empoderamento dentro de você. Se ame em primeiro lugar, você consegue sim, independente de cor, de raça, de peso, de altura, porque eu achava que, porque eu era pequena, porque eu era magrela, eu não conseguia as coisas. Então, assim, não tinha conhecimento: “Ah, eu não tenho um padrinho pra me colocar lá na empresa”. Não vai nisso, consiga por você, lute por você, consegue as coisas por você. Então, assim, é muito gratificante no final. Eu falo porque hoje eu me sinto realizada, eu estou tão feliz no lugar que eu estou hoje. Mulher, você consegue também.
P/1 - E o que você achou de ter participado dessa entrevista, ter lembrado um pouco da sua história, como foi esse momento, pra você?
R - Olha, Luiza, eu quero agradecer o Museu por dar essa oportunidade, de eu estar [sendo] entrevistada, falando um pouquinho de mim. Lógico que tem muitas coisas que não foram ditas, porque vai demorar muito. Mas resumindo um pouquinho da minha história que eu deixei pra vocês. Agradecer demais a Maria Dantas, que passou o meu contato pra você. Eu não a conheço pessoalmente, mas gratidão, gratidão, muito obrigado por essa oportunidade. Eu, inclusive, sou a primeira maquinista TRO, é felicidade demais, é estampada no rosto. Muito bom. Então, não perca a fé. Não perca a fé, um dia é a vez de vocês.
P/1 - Muito obrigada, foi muito gostoso. Obrigada por sua disponibilidade, obrigada por topar estar aqui com a gente. Tenho certeza de que a sua história vai inspirar muitas outras, muito obrigada por compartilhar um pouquinho dela com a gente.
R - Eu que agradeço.
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