Museu da Pessoa – Conte sua história
Histórias de Esperança – 29 anos do Projeto Criança Esperança
Depoimento de Cíntia Correia da Silva
Entrevistada por Tereza Ruiz
Osasco 18/12/2014
Realização Museu da Pessoa
Entrevista HECE_HV_41
Transcrito por Ana Carolina Ruiz
P/1 – Primeiro, Cí...Continuar leitura
Museu da Pessoa – Conte sua história
Histórias de Esperança – 29 anos do Projeto Criança Esperança
Depoimento de Cíntia Correia da Silva
Entrevistada por Tereza Ruiz
Osasco 18/12/2014
Realização Museu da Pessoa
Entrevista HECE_HV_41
Transcrito por Ana Carolina Ruiz
P/1 – Primeiro, Cíntia, fala pra gente o seu nome completo e a data e local de nascimento.
R – Cíntia Correia da Silva. Data de nascimento dia 27 de agosto de 1991.
P/1 – E o local?
R – Rua Veneza.
P/1 – Cidade e estado.
R – Osasco.
P/1 – Agora o nome completo da sua mãe e do seu pai e se você lembrar também o local e a data de nascimento deles.
R – Cláudia Correia. Cidade Osasco. Nelson Terto da Silva. Osasco.
P/1 – O que os seus pais fazem profissionalmente, Cíntia?
R – O meu pai já morreu faz um bom tempo. A minha mãe no momento não trabalha, fica em casa.
P/1 – E o seu pai trabalhava com o que antes dele falecer?
R – Não sei.
P/1 – Você não teve muito contato com ele?
R – Na verdade o meu pai eu nem cheguei a conhecer. Eu nem me lembro dele.
P/1 – Ele não chegou a morar contigo nem nada?
R – Não. Quando ele morava com a minha mãe eu era muito pequena, só que os dois não davam certo porque ele era muito agressivo, aí minha mãe resolveu separar dele e vir morar pra cá onde a gente mora hoje. Aí eu não tive contato, não me lembro dele. Uma vez só que ele foi lá, eu era muito pequena, aí minha mãe falou: “Olha seu pai aí, Cíntia”. Aí eu falei: “Meu pai. Meu pai, não. Não tenho pai”. Que eu não me lembro dele, não cheguei a conhecer nem nada. Só. O único dia que eu sei que eu vi foi esse.
P/1 – E a sua mãe também não trabalhava antigamente? Ela sempre foi dona de casa?
R – Sempre. Ela passou a trabalhar de doméstica quando ela separou dele. Aí éramos em cinco, tudo pequenas e ela teve que se virar sozinha, trabalhar de doméstica pra poder terminar de nos criar.
P/1 – Então ela trabalhava como doméstica antigamente?
R – É. Quando ela separou dele.
P/1 – E aí atualmente ela está só em casa?
R – É. Ela fala que quer ficar em casa agora.
P/1 – Qual que é o nome dos seus irmãos? Quantos irmãos você tem e como é que eles se chamam?
R – Cinco. A mais velha é a Claudinéia, depois dela vem a Daniela, a Sheila, Shirlei, Cíntia e Letícia.
P/1 – Você sabe por que você se chama Cíntia? Qual que é a história do teu nome? Quem que escolheu? Por que te deram esse nome?
R – Não sei.
P/1 – Nunca ninguém te contou? E você sabe qual que é a origem da sua família, da onde que vieram os seus antepassados?
R – Eu não sei, não.
P/1 – Avós, bisavós.
R – Minha mãe falou que o meu vô era mineiro, por isso que hoje eu meio que falo, mas se era realmente eu não sei. Nem eles eu cheguei a conhecer.
P/1 – Você não conheceu nem seus avós paternos, nem maternos?
R – Paterno eu cheguei a conhecer, materno não.
P/1 – E eles viviam, seus avós paternos viviam aqui também em Osasco?
R – É em Osasco, mas era em outra cidade, então eu não tinha contato com eles. Até hoje. Meu avô morreu, aí eu tenho minha avó, só que ela mora longe então eu não tenho contato.
P/1 – Conta pra gente um pouquinho como é que é a casa em que você passou a infância. O bairro, a casa.
R – Então, lá onde eu morava eu não lembro que eu era muito pequena. Eu vim pra cá eu tinha acho que um ano, nem um ano ainda, aí minha mãe teve que construir um barraco... Não. No começo a gente morava numa casa com a minha tia, era grande, de cinco cômodos. Aí não dava certo porque ela brigava demais com a gente, ela batia muito na gente, ela obrigava a gente a fazer as coisas, se não fazia apanhava, tudo pequeno. A minha mãe já trabalhando como doméstica, trabalhou muito, conseguiu montar um barraco pra gente na parte de cima do quintal e a gente morava lá em dois cômodos nós cinco.
P/1 – E como é que era o bairro? Qual que era o bairro?
R – São Victor. Bem, bem pobre. Nossa, de frente até hoje tem um córrego, é todo aberto e é bem pobrezinho. Não tem nada, os mercados grandes são só lá pra cima pro Santo Antônio, não tem nem farmácia, não tem nada. Bem pobre mesmo.
P/1 – E hoje você continua morando nessa mesma casa que a sua mãe construiu?
R – No mesmo quintal, só que na casa de cima, que aí minha tia foi embora, a gente já maior começamos a trabalhar, ajuda-la, aí a gente aumentou. Hoje eu moro numa casa boa, cinco cômodos.
P/1 – E quando você era pequena, Cíntia, quais que eram as brincadeiras na sua infância? Do que você brincava e com quem você brincava?
R – Brincar, brincar eu não brincava muito, porque minha mãe saía cedo pra trabalhar, minha irmã mais velha também, então a responsabilidade mesmo ficava só pra nós, limpar a casa, lavar roupa, fazer comida. Aí as horas livres que eu tinha era brincar na rua, do lado meu vizinho estava construindo uma casa e tinha uma caçamba lá, então nossa brincadeira era ficar dentro da caçamba, brincar no barro. Ainda os outros até passavam e falavam: “Entra pra casa, só fica dentro dessa caçamba”. Era a nossa brincadeira. Era muito bom.
P/1 – Que outras brincadeiras você se lembra da infância?
R – Era mamãe da rua, esconde-esconde, ficar pulando corda, essas brincadeiras assim. É que quando a gente tinha tempo, mas como a gente ficava muito em casa a gente não queria brincar no quintal de casa, a gente queria ir pra rua, então a gente ficava só na rua. Era o tempo que a gente tinha.
P/1 – E você tinha brinquedos também?
R – Brinquedo eu não tinha muito, minha mãe não tinha condições. Era um ou outro quando minha tia, minha madrinha dava. Dizer que minha mãe tinha condições de comprar, ela não tinha. Era uma boneca e outra que a gente ganhava.
P/1 – Que idade você tinha quando você começou a frequentar a escola e o que você se lembra da escola? As primeiras lembranças.
R – Que eu lembro bem tinha meus seis anos, meus sete anos, aí eu ia pra escola, eu tinha que fazer tudo correndo, eu tinha que limpar a casa antes de ir pra escola pra quando minha mãe chegar, minhas irmãs chegarem, a casa estar limpa. Eu sempre dividia, quando eu arrumava a casa, não fazia almoço, aí a minha irmã que fazia. Na escola eu não gostava muito de estudar na escola, não. Não gostava de estudar, queria era ir embora, ficar em casa mesmo.
P/1 – Por que você não gostava?
R – Ah, porque eu chegava lá, sou muito tímida, então eu não tinha muita amizade. Eu não gostava de ficar na escola porque eu não conseguia fazer amizade com as meninas, eu ficava muito no canto, aí eu não queria ir pra escola, eu queria ficar em casa.
P/1 – Onde que era a escola?
R – Aqui no Novo Osasco. No Ernesto.
P/1 – E como é que você ia e voltava da escola?
R – A pé. Mas dava uns 15 minutos, uns 20 minutos da minha casa.
P/1 – E foi nessa escola que você ficou até o final, até parar de estudar? Na mesma escola?
R – Isso. Na mesma escola.
P/1 – E teve algum professor que tenha te marcado? Algum professor que você tenha gostado mais ou menos?
R – Eu lembro até hoje, a única marcação mesmo que eu tive é que como eu sou muito tímida então eu não consigo falar muito em público, eu tenho muita dificuldade. Aí nós tivemos que ler um trecho do livro e aí a menina, ela se chamava até Carla, ela foi ler na minha frente e ela leu igualzinho a mim, com a mesma dificuldade, e ele: “Muito bem. Você leu muito bem”. Quando chegou a minha vez que eu fui ler e gaguejei do mesmo jeito, ele falou pra mim: “Nossa, você lê muito mal. Sua leitura é péssima”. Nossa, aquele dia pra mim acabou, porque eu ainda falei assim pra ele: “Nossa, mas eu li igual a ela”. Ele falou: “Não. Você não leu igual a ela, você precisa ler mais”. E aí eu fiquei muito triste, desse dia pra lá já não queria ir mesmo pra escola, aí que eu não queria ir mesmo. Eu saí, eu fiquei chorando, ele falou: “Não adianta você chorar, você não leu bem e pronto”. Ainda me deu uma nota baixa porque era teste de leitura, aí eu fiquei muito triste. Eu cheguei em casa, falei pra minha mãe, minha mãe falou: “Mas é assim mesmo.” “Não, mãe, mas eu li igual a ela e por que ele foi falar isso daí pra mim?” “Vai ver ele não prestou atenção, Cíntia”. Aí que eu não quis ir mesmo pra escola, eu mais faltava do que ia. Quando era aula dele, nossa, não queria nem entrar na aula dele, não queria nem olhar na cara dele. Por isso eu fiquei com muita falta na aula dele, não na dele, só na dele, quando eu sabia que era aula dele eu nem ia. Falava: “Eu não. Não vou. Ele fala que eu não sei ler”. Aí eu não quis ir.
P/1 – E você se lembra de alguma história marcante sua da época de infância, Cíntia? Uma coisa que você tenha vivido, um momento que tenha te marcado.
R – Eu lembro que era perto do Natal, aí estava na moda usar essas saias redondas de preguinho. Eu queria muito, muito, muito essa saia e minha mãe com cinco não tinha condições: “Não. Eu não posso te dar, é caro. Se eu der pra você tenho que dar pra todo mundo”. Aí eu chorei muito, muito, falei: “Mãe, mas eu quero, todo mundo tem.” “Todo mundo, mas você não é todo mundo. Eu não tenho condições”. Eu passei o Natal muito triste porque as meninas iam tudo usar e eu não, não quis participar, ficar na rua, fiquei em casa. Aí já quando estava acabando, já tinha acabado a moda, não era mais nem interessante, minha madrinha Sandra chegou com a saia. Pra mim foi uma alegria, era a saia que eu sempre quis, porém não no momento. Ela também não tinha condições porque ela que ajudava muito a gente, então se ela desse pra mim a saia ela tinha que dar pra todas as minhas irmãs. Então ela procurou dar uma coisa mais barata pra depois dar a saia. Aí eu fiquei muito triste, falei assim, foi uma coisa que marcou muito, muito a minha vida.
P/1 – Como é que era o dia a dia com o cuidado com os seus irmãos menores? Conta um pouquinho pra gente.
R – Na verdade eu sou a caçula, eu era a caçula. Então as minhas irmãs, quando minha mãe não estava elas queriam mandar muito em mim. Ela falava: “Vai lavar a louça.” “Não, eu não quero lavar louça”. Eu não queria lavar louça, eu queria ficar brincando, às vezes quando eu tinha algum trabalho da escola eu queria fazer aí ela falava: "Não, mas você tem que me ajudar a limpar a casa, não dá pra eu fazer tudo sozinha”. Nós estudávamos em horário diferente, então tinha que fazer, minha mãe trabalhava muito, chegava à tarde, aí eu tinha que fazer. Aí eu chorava, ela falava: “Depois você brinca”. Então o brincar mesmo meu sempre ficou pra depois. Aí quando minha mãe chegava minha mãe falava: “Cíntia ajudou?” “Ajudou, mãe, mas você sabe, né?”. Sempre falava assim.
P/1 – Você lembra quando você era criança o que você queria ser quando crescesse?
R – Dois. Ser o que eu sou hoje, professora, eu sempre gostei muito e ser psicóloga. É o meu sonho. Agora sim, professora eu já sou e aí o meu próximo é ser psicóloga.
P/1 – E por que você pensava em ser professora? Tinha alguém que te inspirasse? E psicóloga também, por que você tinha essa ideia?
R – Então, professora por quê? Antes quando eu era pequena eu sempre cuidava das crianças, as mães não tinham com quem deixar, eu ficava em casa nas minhas horas vagas aí eu ia e cuidava das crianças. E eu gosto muito, muito de criança, eu amo. Então pra mim eu ganhava um dinheirinho e fazia o que eu gostava. Aí eu ficava brincando com eles, ensinava, e foi daí que a minha vontade aumentou mais ainda de fazer já o que eu fazia.
P/1 – E psicóloga?
R – Psicóloga eu acho que é mais vontade mesmo. É porque sempre gostei de conversar com as pessoas, apesar de eu não ter muita amizade, mas as minhas amizades que eu tenho eu sempre gostei de escutar, de ouvir o que tem pra me dizer, conversar, compartilhar as coisas. Só isso.
P/1 – Com que idade você começou a trabalhar?
R – Acho que com...
P/1 – Esse trabalho de cuidar das crianças foi o primeiro trabalho que você teve?
R – Foi. Acho que foi com os meus dez anos que eu comecei a trabalhar de cuidar. Eu ganhava 50 reais. Minha mãe como ensinou a gente sempre a fazer as coisas e dividir, aí era 25 meu, 25 da minha mãe. Aí 25 eu nem queria gastar tudo que era o único que eu tinha, aí eu ia juntando, às vezes pelo fato de eu ter juntado eu dava um pouquinho mais pra ela. Mas eu passei a cuidar era com os dez anos.
P/1 – E esse dinheiro que você foi juntando você lembra a primeira vez que você comprou uma coisa que você queria? Qual foi a primeira coisa que você comprou pra você com o dinheiro que você ganhava?
R – Juntar muito pra dar bastante eu não deixava juntar, não. Eu ia à sorveteria, comprava doce, comprava salgadinho. Eram as coisas que eu comprava.
P/1 – Era mais coisa de comida?
R – Era. Porque não tinha condições de ficar dando um doce pra gente. Uma vez a minha mãe falou que quando eu era pequena não tinha leite pra me dar, aí a mulher pegou e falou assim pra ela: “Cláudia, você quer ganhar um litro de leite pra dar pras suas filhas?”. Minha mãe falou: “Ah, eu quero”. Porque ela não tinha pegado serviço pra trabalhar. Ela falou: “Então lava esse tanque de roupa aí que eu te dou um litro de leite”. Minha mãe pegou e foi lavar. Então de dizer que eu tinha condições de ficar comendo doce, essas coisas eu não tinha, então quando eu comecei a trabalhar eu comprava tudo que eu queria, doce, chiclete, bala.
P/1 – E aí esse trabalho de cuidar de criança você ficou até que idade? Dos dez até que idade mais ou menos?
R – Até meus 13 anos.
P/1 – E aí você mudou de trabalho? Foi trabalhar com alguma outra coisa?
R – Aí minha mãe trabalhava na casa da Mara, de fazer faxina, aí o pai dela já era idoso, sofreu um acidente, aí ele ficou paralítico. Ele dependia de uma pessoa. Aí minha mãe foi e falou de mim. Ela: “Nossa, mas ela é muito novinha.” “Não, mas ela é bem amorosa, ela cuida bem, você vai ver”. Aí eu passei a cuidar dele. Eu o ajudava a fazer tudo, cortava o cabelo dele, que ele não tinha força pra nada, nem de andar. Eu que as ajudava a preparar comida pra ele. Eu fiquei cuidando dele até meus 17 anos, por aí que eu fiquei cuidando dele. Ele ficou muito doente, teve que ir pro médico, aí como ele estava no médico eu não precisei cuidar dele, eu fiquei em casa. Aí depois ele morreu, eu não voltei mais pra cuidar dele.
P/1 – Como é que era esse trabalho de cuidado desse senhor?
R – Eu gostava muito. Na verdade eu ia lá mesmo pra ajudar, porque ela tinha que sair, então precisava de uma companhia. Eu o ajudava a tomar banho, o colocava no andador, na cadeira de roda. E ele gostava muito de mim. Ele ficava muito bravo com a filha dele, uma braveza. Aí comigo não era. Ele gostava muito de mim. Ele tinha uma mania de falar assim, que eu sempre gostava, quando era pra falar de dinheiro que era bom pra ele aí ele escutava, quando era pra falar de dinheiro que ele tinha que pagar ele falava: “Eu não escuto. Não escuto”. Ele falava que não escutava, que não queria saber. Aí eu gostava muito. Eu sofri muito quando eu soube que ele morreu porque não deu tempo de eu ir vê-lo no hospital. Quando eu fiquei sabendo ele estava muito doente e ele fazia fisioterapia, tudo, acompanhamento médico, não sei como que foi. Aí quando foi ver estava bem grave, ele ficou internado, ela falou: “O meu pai ficou internado aí você não vai precisar vir”. Aí eu não conseguia entrar em contato com ela e quando ela me deu um retorno ele já tinha morrido, aí eu não soube. Mas lá eles cuidavam bem de mim. Era assim, eu cuidava deles, eles cuidavam de mim. Aprendi a beber água, eu não gostava de água, por causa dela. Ela saía ela falava: “Sua garrafinha está aqui, quando eu voltar eu quero encontra-la vazia e cheia de novo”. Aí eu: “Então está bom”. Aí eu bebia a água. Na verdade foi uma fase muito boa pra mim. Foi muito útil tê-lo ajudado e ele ficou muito depressivo, muito triste. Como ele fazia tudo sozinho, de uma hora pra outra ele ficar totalmente dependente, ele sofreu demais, foi muito difícil. Ele brigava muito com ela, aí eu conversava com ele: “Mas ela está fazendo isso daí pro seu bem, ela é sua filha”. Aí ele falava: “Minha filha. Minha filha quer me matar”. Porque ele se sentia totalmente dependente e ele não queria isso. Eu falava: “Não, ela faz tudo pelo senhor.” “Vem”. Ele falava assim, eu ficava perto dele, cortava o cabelo dele, fazia a barba dele e ele gostava muito.
P/1 – Queria saber se nessa fase além de estudar e de trabalhar, de cuidar desse senhor, você fazia outras coisas? Dava tempo de fazer alguma coisa pra se divertir, sair, dançar, ouvir música? O que você gostava de fazer? Sair com os amigos
R – Nessa época que eu cuidava dele eu saía era duas horas. Eu entrava as sete e saía às duas. Eu chegava em casa tinha que limpar a casa porque aí já estavam todas trabalhando. Eu chegava, arrumava tudo, fazia a janta, quando eu já ia ver já eram sete horas. Eu só jantava, ia assistir TV ou escutar uma música, mas não ia pra rua que já era tarde, já estava cansada, eu tinha que chegar e fazer tudo, aí eu ficava em casa mesmo.
P/1 – E você não tava mais estudando nessa época então?
R – Não. Não estava. Eu tinha parado, aí depois eu voltei a estudar.
P/1 – Com que idade que você voltou a estudar?
R – Eu voltei com uns 17, que eu voltei a estudar.
P/1 – Você tinha parado em que série quando você parou a primeira vez?
R – Na quinta série eu tinha parado.
P/1 – E aí por que você parou?
R – Pelo que aconteceu com o meu professor. Aí depois eu tinha que trabalhar, eu tinha que limpar a casa e pra mim ficava muito corrido, muita preguiça, aí eu fui e parei de estudar.
P/1 – E aí quando você voltou, você voltou por quê?
R – Voltei porque minha mãe ficou falando que eu tinha que terminar meus estudos, que agora dava. Na verdade ela sempre incentivou que eu tinha que terminar meus estudos, fazer minha faculdade. Aí eu voltei, mas mais mesmo por causa dela, tanto pegar no meu pé, ela me obrigava. Aí às vezes eu não queria entrar na escola ela falava: “Se você voltar aqui você vai apanhar. Se antes do meio dia você chegar você vai apanhar”. Aí eu ia pra escola. E ela não gostava de receber bilhete, ela não admitia. Bilhete ou que ela fosse chamada na escola e ela sempre falou pra gente: “Se eu tiver que ser chamada na escola você vai apanhar. Porque você tem que ir, estudar, estudar direito, porque eu não vou ficar perdendo o meu tempo saindo do meu serviço pra ir ouvir reclamação sua, das suas irmãs”. Era isso que ela falava. Eu com medo ia pra escola.
P/1 – Como é que é o jeito da sua mãe? Conta um pouquinho pra gente como é que é a personalidade dela, o jeito dela.
R – Ela é muito... Ela é carinhosa. Ela não tem o hábito de ficar dizendo que ama, essas coisas, mas ela é bem carinhosa, ela brinca bastante. Ela briga comigo quando eu quero brincar com ela, que ela falava que eu faço muita coceguinha nela, aí ela não gosta. Muito brava, com relação à escola, com relação a limpeza de casa ela é muito brava. Acho que é isso.
P/1 – E quando você voltou a estudar aos 17 aí você estudou dos 17 até qual idade?
R – Até meus 22. Hoje eu to com... Não. Até meus 21. Eu concluí, aí eu parei com 21.
P/1 – E aí você estudou até que série?
R – Até o segundo.
P/1 – Do ensino médio, é isso?
R – Isso.
P/1 – E aí você resolveu parar por quê?
R – Aí eu comecei a trabalhar. Aí foi onde eu comecei a trabalhar aqui. Eu entrei aqui no Quintal Mágico dia oito. Não, dia primeiro do oito de 2011. É. Vai fazer quatro anos que eu estou aqui, foi 2011. Aí eu continuei indo pra escola, só que aí eu estava muito cansada, chegava à escola eu mais dormia do que tudo. Meus colegas ficavam brincando comigo, atacavam papel, falavam: “Acorda”. O professor falava, eu não escutava nada que ele estava falando de tão cansada que eu estava. Aí eu continuei indo, indo, indo, só que aí eu desisti. Muito, muito cansada. No começo foi muito puxado, aí eu fui e parei mesmo pra continuar trabalhando.
P/1 – E aqui no Quintal Mágico como que você começou a trabalhar? Como é que você descobriu que eles estavam precisando de alguém? Conta um pouco pra gente como que você chegou até aqui.
R – Eu trabalhava de doméstica, eu ia uma vez por semana toda segunda-feira. Aí ela ia me aumentar pra eu passar a cuidar do filho dela todos os dias quando ele chegasse da escola. Aí a minha tia Sueli que trabalha aqui na escola falou assim: “Cíntia, a Ju vai precisar, você não quer tentar lá, não?”. Eu achava que, tipo, entrar aqui pra mim não dava. Aí eu: “Então tá bom. Vê, se der certo bem”.
P/1 – Por que você achava que não dava?
R – Eu achava que era mais difícil, sabe? Como eu não tinha terminado os meus estudos e eu era mais nova, então eu achava que não dava. Aí quando cheguei do meu serviço minha mãe falou: “A Ju te ligou.” “Ju me ligou?” “É. Ela vai ligar daqui a pouco”. Aí na segunda-feira mesmo ela me ligou, perguntou se eu queria vir fazer um teste pra trabalhar, aí eu vim, ela gostou muito de mim desde o primeiro dia, ela falou: “Então tá bom. Então você vai começar a trabalhar aqui”. Aí eu fui, liguei pra ela pra falar que eu não ia mais, ela ficou muito triste que ela gostava muito de mim. Ela falava: “Mas você tem que procurar o que é melhor pra você, lá é registrado, lá é o melhor, então vai”. Aí eu fiquei. Trabalho aqui até hoje.
P/1 – E aí como é que foi o começo do seu trabalho no Quintal Mágico? O que você achou? O que você achava de trabalhar?
R – Nossa, no meu primeiro dia parecia que eu já trabalhava aqui há anos. Parecia que eu já tava com uns cinco anos de empresa. Cheguei, eu me identifiquei muito com o lugar, muito com as crianças. No começo eu fiquei com o berçário, então era adaptação, as crianças choravam demais, muito, muito, muito. Aí eu brinquei com eles, colocava música, aí eles acalmaram e aí foi indo, foi indo até que eu mudei. Não fiquei mais no berçário. Mas foi muito bom. No meu primeiro dia me senti super a vontade, muito livre. Era criança, era tudo que eu gostava, então pra mim não teve dificuldade no meu primeiro dia, não foi aquela pressão, nada.
P/1 – Você lembra desse tempo todo, quase quatro anos que você está como educadora, de alguma criança em especial que tenha te marcado ou um momento que você tenha vivido aqui com as crianças que tenha ficado na memória?
R – Eu me lembro do berçário, o nome dela era Glória. Nossa, ela era linda. Era o primeiro dia dela de aula também junto comigo e não parecia. Ela era a única da sala que não chorava, ficou super à vontade, brincava, ria. Ficou muito próxima a mim. Parecia que ela estava sentindo que era meu primeiro dia também. Ela foi a única criança que no primeiro dia ficou o período integral, porque lá como era adaptação então eles chegavam as sete, iam embora as dez e meia, 11 horas. Ela não. No primeiro dia dela também ela ficou integral e eu gostei muito dela, a gente ficou muito bem. Eu tive uma aproximação muito grande dela. Depois ela saiu da escola.
P/1 – E das crianças suas da turma que vai embora, como é que é pra você quando eles vão embora?
R – Nossa, pra mim foi muito difícil. Foi até na sexta, sexta-feira mesmo. Eu me segurei muito pra não chorar, foi muito difícil. Eu chorei muito porque tem crianças que eu não vou ver mais. Acho que a única criança que eu vou ter contato mesmo são duas crianças, e pra mim foi muito difícil porque eu os peguei logo depois do berçário, aí eu fiquei com eles no maternal um, eles tinham de dois a três anos, aí resolveram não trocar a turma pelo fato de já conhecer a professora, já conhecer a turma. Aí deixaram com que eu ficasse com eles no maternal 2, eu me apeguei muito a eles, muito. Eles gostam muito de mim assim como eu gosto deles, eu falei que dessa turma mesmo foi a pior que eu sofri muito. Eu achei que eu não ia sofrer tanto, as meninas falavam: “Você vai chorar, você vai sofrer.” “Não, não vou chorar”. E foi muito difícil porque o carinho deles, que eles tinham comigo, os pais falaram: “Nossa, o meu filho vai sofrer demais, o que vai ser dele sem você?”. Eu ainda até falei: “Mas eu não posso fazer nada, se eu pudesse eu fazia com que eles continuassem na escola, mas não tem como. Eles têm que ir pra Emei”. E foi muito difícil.
P/1 – Cíntia, você falou pra mim que você é evangélica, né? Aí eu queria saber um pouquinho como é que a religião entrou na sua vida, se é desde criança. Conta um pouco qual que é a sua relação com a religião.
R – Minha mãe falou que desde criança eu ia pra igreja na Congregação. Aí nós íamos, só que eu não tinha roupa pra ir pra igreja e lá na Congregação é mais vestido, saia, não pode usar calça. Aí minha mãe falava que eu ia todo dia com um único vestido pro culto de domingo e eu não perdia um culto. Eu ficava louca pra ir pro culto. Aí ela falava: “Então vai se arrumar”. Todo mundo já sabia a roupa que eu ia quando chegava no domingo, era a única que eu tinha. E daí desde pequena que eu passei a ir pra igreja.
P/1 – E teve algum momento forte na igreja ou na sua vida religiosa que tenha te marcado também? Um momento importante pra sua fé?
R – Eu acho que o momento mais importante foi quando eu mudei que eu fui pra Assembleia. Eu não tinha roupa pra ir pra igreja, eu queria ir, mas eu ficava com vergonha, que eu só falava: “Eu só vou com a mesma roupa, eu não tenho roupa”. Todo mundo falava, algumas pessoas: “Nossa, mas ela só vem com essa roupa, tadinha”. Aí uma irmã, chamava Priscila, ela se vestia muito bem, arrumava-se muito bem, ela pegou e falou assim: “Eu vou separar um monte de roupa pra dar pra elas”. Ela separou um saco grande pra mim e pra minha irmã. Fiquei tão feliz que eu falava: “Mãe, agora eu tenho roupa pra ir pra igreja”. Minha mãe falou: “Ah, que bom”. Foi a parte que mais me marcou, foi essa. Que mostrou o quanto é bom ser unido, quando alguém precisasse, ter condições, poder ajudar, e foi o que ela fez pra mim. Não tinha condições, ela tinha, ela pegou e doou pra mim e pra minha irmã. A gente ficou muito feliz. Aí eu ia pra igreja toda contente.
P/1 – Queria voltar a falar um pouquinho aqui então do Quintal e saber o que você acha desse projeto da Floresta no Quintal. Não sei se quando você começou a trabalhar aqui já tinha esse espaço, como é que foi que esse espaço foi sendo criado e como é que é a interação das crianças com o Quintal.
R – Então, quando eu comecei era na escola antiga, na rua de cima. Totalmente diferente daqui o lugar. Era menor, era uma casa, aí as crianças ficavam, cada cômodo da casa era uma sala e atrás era um quintal enorme cheio de árvore. O terreno era descido e as crianças andavam sem medo, andavam descalço, sabiam pisar, tinha tanque de areia, tinha pé de frutas, então as crianças viam, olhavam, queriam, então a gente ia lá, colhia e dava pra elas comerem. Era totalmente diferente. Aí conseguiu o terreno, viemos pra cá. Quando nós chegamos, eu pelo menos, achei muito estranho o lugar porque era totalmente diferente, enorme, um quintal que não tinha plantação, era mesmo só... O parquinho ainda não tinha, conseguiram depois. Então era aquela coisa estranha que era grande, mas não tinha grama, não tinha árvore, então as crianças ficavam meio que... Só corria, brincava e pronto. Não tinha proteção de árvore, não tinha sombra. Aí depois que ela conseguiu o projeto, aí plantaram as gramas, conseguiram com que tivesse árvore, sombra. Aí mudou. Até as crianças mesmo passaram a brincar mais. Hoje nós temos até contato com as plantações, com a horta. Eu passei a ter mesmo contato aqui, porque antes eu não tinha contato com plantação, com mexer com horta, não tinha e foi muito importante. As crianças brincam muito, ficam muito a vontade, hoje tem sombra pra eles ficarem.
P/1 – Qual que você acha que é a importância e a diferença pras crianças de ter essa convivência com as plantas, com a natureza e pra você também como educadora?
R – É importante porque eles aprendem logo cedo como que é a plantação, da onde vem o alimento. Não fica aquela coisa assim só vê o que está no mercado, mas não sabe da onde vem. É importante até mesmo pra mim como educadora, porque a gente passa a entender a criança. Quando vão ao mercado eles ficam: “Olha, o alface”. Mas pra eles é bom ter a referência: “Nossa, mas lá na minha escola tem o pé de alface”. Então ele sabe que foi plantado, da plantação foi parar no mercado. E pra mim também, porque eu não tinha contato nenhum, não sabia plantar, não sabia colher e aqui eu aprendi tudo. Aprendi a colher, a plantar, alguns nomes até que está na horta eu sei. Árvore eu nunca tinha plantado, eu aprendi, minha primeira plantação foi aqui junto com as crianças. É importante eles terem esse contato.
P/1 – Aí queria falar um pouquinho com você sobre a ligação com o Criança Esperança. Primeiro saber o que você sabe sobre o Criança Esperança, o que você conhece e como é que você conheceu o Criança Esperança.
R – Que eu sei do Criança Esperança foi que a Ju se inscreveu junto com milhares de outras instituições e ela foi uma das sorteadas, aprovadas. Através disso ajudo muito a escola porque as crianças...
P/1 – Desde o começo do que você sabe sobre o projeto e qual que você acha que é a importância.
R – Assim, eu sei que ajudou muito a Ju aqui na escolinha com os benefícios. Uma coisa que eu acho muito, muito importante são os passeios que eles proporcionam pra escola, que acaba levando as crianças. Porque como eu não tive condições, a minha mãe não teve condições, acredito que muitas crianças daqui, a maioria não tem condições. Então pra eles é gratificante poder ir ao passeio. Teve o passeio da Xuxa, eu acompanhei minhas crianças, foi muito importante, a felicidade deles. Alguns pais mesmo falaram: “Ai, que bom que vai ter, que a escola vai levar, que eu não tenho condições”. Então é importante. Eles ajudam bastante, principalmente nisso que às vezes as crianças ouvem que vai ter, que nem a mãe da Giovana mesmo falou que no dia que teve o passeio pra ir assistir O Rei Leão passou na TV e a Giovani ficou louca pra ir. Aí a mãe dela falou: “Eu não tenho condições.” só que ela não sabia que a escola tinha ganhado “Eu não tenho condições pra ir”. Aí quando eu mandei o bilhete ela superagradeceu, disse: “Que bom, que a Giovana viu passando e queria ir, eu não tenho condições pra levá-la.” “Então, e ela vai, vai com a escola”. Então é muito gratificante saber que está promovendo essas coisas pras crianças. Pra mim também foi importante porque eu pude passear com eles, participar de um momento tão especial da vida deles, pra mim também foi. Que é diferente você ir com sua família, ir com suas crianças e pra mim foi muito, muito importante e acredito que pra eles também, é uma coisa que vai ficar bem marcante na vida deles. Aí tava demorando, eles: “Pro, a Xuxa não vai entrar? Ela está demorando.” “Espera, daqui a pouco ela chega”. Então é muito importante isso.
P/1 – Isso foi na gravação do programa da Xuxa?
R – Foi. Foi no sábado agora que teve e aí minhas crianças foram, porém eles tinham saído de férias na sexta-feira, foi o último dia de aula. Quando foi no sábado era o passeio pra eles de encerramento que o Criança Esperança deu pra eles terem o encerramento. Pra mim foi o melhor encerramento que teve porque antes de ter a parceria com o Criança Esperança era a festinha de encerramento, pronto, acabou. Era aqui na escola mesmo. Esse ano com o apoio do Criança Esperança foi muito diferente, foi mais rico. Teve o fechamento com o show da gravação da Xuxa e eu fui e levei minhas crianças.
P/1 – Tá certo, Cíntia. Eu vou encaminhar pro encerramento então. Quero saber, antes a gente sempre faz duas perguntas finais pra fechar, queria saber antes se tem alguma coisa que eu não te perguntei e que você gostaria de falar. Qualquer coisa, pode ser da sua vida pessoal, uma história.
R – Não. Acho que não tenho.
P/1 – Não? Nada que você tenha lembrado agora?
R – Eu acho que é a única diferença que teve é que antes eu não ia a shows desse jeito, de Xuxa, de Rei Leão, a um teatro eu nunca fui e com isso eu pude ir através da escola. Eu fui ao teatro, acompanhei minha sobrinha, foi através do Criança Esperança porque ela é pequena então ela foi junto. Eles deram a oportunidade de levar também as crianças da escola e um filho, como eu não tenho filho foi minha sobrinha. Então foi muito importante. Ela nunca tinha entrado também em teatro, ela foi e eu fui assistir ao show do Rei Leão que eu nunca tinha visto na minha vida, foi muito legal, incrível. A diferença foi essa, que eu não tive na infância e eu tive a oportunidade aqui de ir.
P/1 – Então a penúltima pergunta agora antes da gente terminar, quais que são seus sonhos hoje?
R – Hoje é fazer minha faculdade de Pedagogia. Se Deus quiser eu vou fazer o ano que vem. E depois que eu concluir, futuramente, fazer a psicologia. É o meu sonho.
P/1 – E por fim, pra terminar então, como é que foi contar a sua história? O que você achou?
R – Um pouco difícil. São partes que às vezes, no decorrer do dia a dia, você não para pra pensar o quanto você já viveu, o que você já passou. E de uma hora, de repente sentar e poder refletir tudo que você já viveu e o que você está vivendo hoje é difícil. É difícil, porém gratificante. Hoje graças a Deus a minha vida é bem diferente do que da minha infância, do que eu vivi, minhas condições são outras, graças a Deus pelo esforço da minha mãe. Só pelo da minha mãe porque pelo do meu pai não. Então é gratificante você saber que você passou por momentos tão ruins da sua vida e hoje você poder olhar e falar: “Nossa, mas eu passei tudo isso, mas eu superei. Eu estou aqui firme e forte com saúde”. Esse é o importante.
P/1 – Tá bom, Cíntia. Muito obrigada, viu?
R – De nada.
P/1 – A gente encerra aqui.
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