P/1 – Karine, você pode falar o seu nome completo.
R – É Karine Burunsizian.
P/1 – Quando e em que local você nasceu?
R – Eu nasci em São Paulo, dia 10 de dezembro de 1986, nasci na Cruz Azul.
P/1 – Seus pais são de São Paulo?
R – São, os dois.
P/1 – Seu pai e sua mãe?
R – Sim, sim.
P/1 – Como é o nome do seu pai?
R – Meu pai chama Mardirus Marcos Burunsizian.
P/1 – E o nome da sua mãe?
R – Ângela Maria Dalbianco Burunsizian.
P/1 – E seus avós, os pais do seu pai, você conheceu?
R – Conheci a minha avó, minha avó morava em São Paulo, também e depois, eu conheci os dois sim.
P/1 – O que o seu avô fazia? O pai do seu pai.
R – O meu avô, ele tinha uma loja de escadas há muito tempo, ele morou na Daniel Rossi junto com a minha avó, daí eles casaram, tiveram o meu pai, e aí…
P/1 – Você sabe um pouso a história desse seu avô? Como ele era, o que ele fazia?
R – Então, o meu avô, ele vendia escadas, e ele era uma pessoa muito ativa, ele saía, ele ia pro mercado, fazia as coisas dele.
P/1 – Você tem alguma história que você lembra dele, que você tenha passado com ele?
R – Assim, eu vivia muito em festas em casa, de Natal, Ano Novo, então a gente sempre passava todos juntos, o aniversário do meu pai. Então, só brincava, dava risada, a gente curtia muito.
P/1 – E a sua avó, trabalhava fora? A mulher dele?
R – A minha avó trabalhava sim, a esposa do meu pai…
P/1 – A mãe…
R – É, a mãe do meu pai, ela trabalhava sim, ela fazia comida fora, ela sempre fazia um montão de coisa.
P/1 – E os seus avós maternos, os pais da sua mãe, você conheceu?
R – Conheci a minha avó, minha avó Luzia que ela não morava junto assim, com a gente, ela cuidava de mim, quando eu era pequena, tudo, e a gente sempre cresceu todo mundo junto, entendeu?
P/1 – E o seu avô, o pai dela?
R – Então, o meu avô, ele também trabalhava, ele trabalhava numa empresa aqui em São Paulo, mesmo, ele trabalhava no almoxarifado. Então, a gente vivia na casa dele, a gente vivia sempre juntos, nunca separados. Todo final de semana na casa dele, sempre…
P/1 – E você sabe como o seu pai e a sua mãe se conheceram?
R – Olha, o meu pai e a minha mãe se conheceram assim, posso te explicar, eles se conheceram mesmo em casa, a gente ia para casa da minha avó, então, acho que eles se encontraram assim, nas festas que eles iam, tudo…
P/1 – Mas as famílias eram amigas, do seu avô e da… do seu pai e da sua mãe?
R – Não, as famílias assim, era parente…
P/1 – E o que o seu pai fazia?
R – Meu pai, ele era policial. Ele entrou para polícia, não lembro agora o ano que era, aí a minha mãe casou com 19 anos, a minha mãe morava na Jandaia. Então, a gente sempre tava… eu não tinha nascido nessa época ainda, nessa época, não tava junto com eles ainda, junto com eles.
P/1 – O seu pai é policial e a sua mãe?
R – A minha mãe ficava em casa, cuidando de casa.
P/1 – E eles casaram e foram morar onde?
R – Eles compraram uma casa, a gente era pequena, a gente tinha acho que eu nem era nascida ainda, nessa época, mas aí…
P/1 – E onde que era essa casa?
R – Nessa casa, eu moro até hoje.
P/1 – Em que bairro?
R – Tucuruvi, Vila Mazzei.
P/1 – E você, sua mãe teve quantos filhos?
R – Teve três.
P/1 – Você é qual? A mais velha, a mais nova, do meio?
R – Eu sou a do meio, falei errado, tenho uma que é mais velha, a outra é do meio e eu sou a caçula. Então, família mesmo.
P/1 – E quando você nasceu, quando você era pequena, como é que era essa casa que você morava? Que você mora até hoje?
R – Nossa, era bem pequena, ela tinha dois quartos, um no fundo que era o nosso quarto, e o quarto da minha mãe que ficava lá na frente, então a casa era meio pequena, tinha um sofá, era uma casa pequena, mesmo.
P/1 – E como é que era o Tucuruvi naquela época?
R – Nossa! Era bem diferente do que é hoje, a gente mora em frente a um Colégio Albino Cesar, então sempre ficava mesmo assim, sempre saía para brincar mesmo na porta de casa, a gente sempre…
P/1 – Quais eram as suas brincadeiras de infância?
R – A gente brincava muito de… sabe aquela corrida de cordão, que você amarra no portão e fica com pé? Esse tipo de brincadeira, a gente fazia tudo isso nessa época.
P/1 – Com quem que você brincava?
R – Com a minha irmã, com a Carol, com a Camila
P/1 – Eram suas vizinhas?
R – Não, eram minhas irmãs, mesmo.
P/1 – Mas você brincava com outras crianças sem ser a sua irmã?
R – Sim, brincava com os meus primos também, eu tenho primo também, o meu primo, ele ia em casa, ficava o dia inteiro lá em casa, brincava. Então, é desse jeito.
P/1 – E quem que exercia a autoridade na sua casa, eu pai ou a sua mãe?
R – Os dois. Os dois. Eu lembro que uma vez, eu tinha acho que uns dez anos de idade, meu pai, ele tinha uma caneta tinteiro, e assim, ela era de rosquear, então nessa época, imagina, não tinha nem como pensar, então eu peguei sem querer… eu peguei a caneta assim, e quebrei. Nossa, ele ficou uma fera, ele me bateu e eu virei e falei assim: “É a última vez que você me bate, a primeira e a última vez que você bate em mim”, então isso marcou, mas fora isso, tudo tranquilo.
P/1 – E a sua mãe, como é que a sua mãe era com vocês?
R – A minha mãe… é coisa de criança, criança faz cada coisa, a gente pegava, quando a gente era pequena, eu tomava banho, eu pegava a panela pra ficar brincando lá na banheira e acho que eu não queria sair, minha mãe me deu um tapa, mas nunca mais também. Ela chorou, ela ficou muito… tadinha, ela ficou muito triste, ela não queria, então ela pegou e foi… depois disso, nunca mais ela me bateu e foi crescendo…
P/1 – Ela contava história? Alguém contava história pra vocês?
R – História? Eu lembro que a gente… na época, coisa de irmã, cantava aquelas músicas bem antigas, sabe, a gente cantava pra poder dormir, então era…
P/1 – Você lembra de alguma música que ela cantava?
R – Deixa eu ver se eu lembro de uma. Assim: São João tem uma gaita quando canta bate nela, São João tem uma gaita…”, era assim, bem legal, bem legal. Era bem bacana.
P/1 – E seu pai era policial? Militar? Polícia o quê? Civil?
R – É militar.
P/1 – E ele andava uniformizado, como é que ele andava?
R – Sim, sim, ele ficava o tempo inteiro, ele ia trabalhar, às vezes, ele tirava a área, ficava fora de casa, então era sempre…
P/1 – Ele andava armado?
R – Andava.
P/1 – Onde que guardava a arma?
R – A gente nunca… assim, a gente nunca mexeu, nunca pôs a mão, nada. Ele nunca deixava, porque tinha medo, né? Então, a ele pegava, punha em cima do armário, deixava lá, ninguém mexia.
P/1 – Ele contou algum caso de trabalho dele, vocês ficaram sabendo, ele contava?
R – Que eu me lembre assim, agora, eu assim, eu não me lembro muitas, mas teve casos que ele pegava uma pessoa e pegar, levar, tipo, roubar uma coisa, ele… então, vivia desse jeito, entendeu?
P/1 – Mas você lembra de alguma história que ele tenha te contado?
R – Não muito desses fatos, não lembro muito, não, desses fatos que ele contava. Não lembro muito.
P/1 – Karine, com quantos anos você entrou na escola?
R – Olha, eu estudava no colégio… como era agora o nome? Eu estudava num colégio que chamava Alicerce, eu tinha uns 13 anos, uns 14 anos de idade. Então, eu fiquei um tempo nesse colégio, então, estudei na Casa de Brinquedos também. Eu estudei no Chafic também. Então, eram escolas diferentes.
P/1 – Qual que era a primeira escola? Por que eram diferentes?
R – Porque assim, dizem que o meu problema maior é ler, é escrever, é um montão de coisa.
P/1 – O seu problema maior?
R – É…
P/1 – Mas por que você tem esse problema?
R – Porque acho que quando eu nasci, eu nem sabia que eu tinha essa pequena deficiência que eu tenho hoje. Então, só de falar, eu nunca… eu nunca falei: “Nossa”, eu não tinha um problema mais grave, maiores, quando eu nasci, eu não entendia muito bem como é que era as coisas que eu tenho, entendeu? Já fiz vários exames…
P/1 – Quando que você começou a entender que você tinha deficiência? Como que você ficou sabendo?
R – Depois de grande. Depois de grande.
P/1 – Como foi?
R – Ah, não sei… foi um choque. Eu não sabia que eu era desse jeito, que eu sou desse jeito.
P/1 – Mas alguém te contou? Como é que foi?
R – Foi… me contou, tudo…
P/1 – Quem?
R – Minha mãe. Me contou, falando que eu era assim, que eu não sabia nem ler e nem escrever. Então, depois eu procurei ajuda, eu procurei a minha fonoaudióloga, que é a Fátima, ela me ajudou muito a ler, escrever, de falar, é muitas coisas.
P/1 – Que lembranças você tem da primeira lembrança que você tem da escola? Era uma escola normal, assim, para alunos com alguma deficiência ou era uma escola normal?
R – Olha, essa escola que eu…
P/1 – A primeira que você entrou…
R – Que eu falei, que é a Associação Sementinha, ela era de deficiência, era muita deficiência, era muita, sabe, cadeira de rodas, pessoas que não falavam direito, então me sentia mal, sabe? Então depois, eu peguei e saí dessa escola.
P/1 – Por que você se sentia mal?
R – Porque lá tinha muita gente deficiente, então não sei, eu não estava muito… sei lá, era muita… sabe, era muitas crianças mesmo que ficavam lá, eram pessoas que… tudo bem, elas eram legal, eram gente muito boa, então foi que um hora que eu falei: “Não…”
P/1 – Você pediu para sair? Aí, você foi para qual?
R – Aí depois de muito tempo, eu fui para o Cieja lá da Vila Sabrina…
P/1 – Com quantos anos?
R – Eu estava com 13, 17 anos, por ai…
P/1 – Mas antes você ficou só nessa escola ou você passou por várias?
R – Não, só essas mesmas. Só essas que eu te falei, só essas da Sementinha, a Casa de Brinquedos…
P/1 – A primeira foi essa, depois você foi para a Sementinha?
R – É.
P/1 – Com o é que foi na Sementinha?
R – Foi bacana, eles me aceitaram, tudo…
P/1 – Mas era com pessoas… eram com crianças com deficiência também?
R – Sim.
P/1 – Mas era melhor que a outra?
R – Sementinha era um pouquinho mais… como dizer, muito mais deficiência. Era muito mais deficiência, não tinha… não era muito, mas era cada vez mis.
P/1 – E o que você lembra da Sementinha, alguma história?
R – Olha, tem coisas que assim, que a gente fala, a Sementinha, ela tem muitas coisas boas, tinha professores bons, tinha pessoas profissionais, que dividia, a gente ficava numa sala com acho que com quatro, cinco alunos, e foi desse jeito.
P/1 – Mas lá, você já tinha aprendido a ler e a escrever?
R – Já. Um pouco, já. Aí depois, eu estudei em um outro colégio, que eu não lembro agora como é que era, é um colégio que eu estudava, tinha oficina também, na Promove também, a Promove era um lugar que a gente ia, com vários alunos também de deficiência também, a gente sempre ia pra lá, ia ficar sempre o dia inteiro, então era bem legal.
P/1 – Tem algum fato que tenha te marcado, que você lembra que aconteceu na escola?
R – Olha, fato, fato não tem nenhum, só foi que assim, eu ficava sempre quietinha na minha, ouvindo o que a professora falava, tudo, só coisas boas de guardar.
P/1 – E você, em algum momento, em alguma situação quando você era criança, você se sentiu descriminada?
R – Assim, pelo o que eu sei, eu nunca fui discriminada, tive tudo o que eu podia ter, por exemplo, podia ter um sapato, podia ter… enfim, podia ter muita coisa, a gente estava já com problema… reformar a casa, então foi um pouco difícil nessas épocas.
P/1 – Você sentia que alguém te tratava de maneira diferente por você ter essa deficiência?
R – Não, eu não conseguia perceber isso, não. Nunca, mas fora isso, nunca ninguém…
P/1 – E por quê que você mudou para o Cieja?
R – Porque assim, o Cieja, ele tem o fundamental, porque quando nessa época, eu queria mesmo entrar no Cieja, foi uma indicação da Promove, que eles me indicaram a poder ir no Cieja mesmo para poder estar indo, para poder estar vendo como é que é. E é muito bacana, é legal, eu gosto muito de estar no Cieja.
P/1 – Qual foi a principal mudança que você sentiu de outras escolas para o Cieja?
R – Olha, foi um pouco difícil, é muito difícil, porque depois que você acostuma com tudo, você acaba, sabe, acaba ficando meio… assim, no começo eu fiquei chateada que eu ia para o Cieja, mas depois, acabei acostumando, sabe?
P/1 – Que professores te marcaram assim, no Cieja, um que você lembra?
R – Tem um professor chamado… a professora Katia, é uma excelente profissional, e também tem a professora…
P/1 – Por que a Katia é uma excelente profissional?
R – Porque ela pegava no pé, sabe, ela falava: “Faz isso, faz aquilo”, tipo: “Escreve direito, faz aquilo outro”, ela era uma pessoa boa, depois, a professora… esqueci o nome dela agora, professora Heloisa, só que essa daí não gostava muito dela não, porque ela pegava menos no pé, então ela não falava nada, era mais na dela.
P/1 – E você na sua juventude, assim, quando você era mocinha, você é moça até agora, na idade de ginásio, assim, você… quais eram os seus programas para se divertir?
R – Programas para se divertir? Não sei, eu nunca tive programas…
P/1 – Ia em festa? Frequentava?
R – Assim, eu ia em festa de criança, mesmo, sabe? De amigos, viajava bastante, viajava com os meus pais, ia para casa da minha avó, todo o final de semana a gente brincava na rua, então, é desse jeito.
P/1 – E você se apaixonou alguma vez?
R – (risos) Ai meu Deus do céu! Já.
P/1 – Qual foi a primeira vez que você lembra?
R – Olha, assim, é coisa de adolescente, assim, eu me apaixonei com… acho que com 13 anos de idade. Esses meninos de sempre, a gente sempre ficava lá: “Bonito aqui…”, não sei o que, rolava uns beijinhos, mas nada de mais, mas só dois que eu me apaixonei, já. Assim, só um, já era mais tipo uns 14 anos de idade, namoro também, mas só que depois que meus pais não gostavam dele, então era mais complicado.
P/1 – E hoje, você está namorando?
R – Não, não estou com ninguém.
P/1 – Qual namorado que você ficou mais tempo?
R – Eu fiquei com esse três meses, só, depois eu larguei, não quis mais, com ninguém mais. Falei: “Não, chega”.
P/1 – Na escola, o que você mais gosta de fazer?
R – No Cieja? Eu gosto das aulas de Informática e das aulas de Matemática e todas as aulas, Geografia, Português, eu gosto.
P/1 – Conta um fato marcante que tenha acontecido com você, uma história que você lembra que aconteceu no Cieja? Algum episódio…
R – Episódio… tem uma vez que a gente fez um teatro, era uma rainha, um rei e uma governanta, esse fato foi muito legal, porque teve que ensaiar, tudo, teve que improvisar, e foi legal, foi uma coisa bem bacana.
P/1 – Que papel que você teve?
R – Eu era a governanta do palácio. Era bem legal, era uma pessoa bem bacana, marcou muito, muito, muito mesmo.
P/1 – O que a governanta falava?
R – Ela falava um monte de coisas, a gente limpava lá o palácio, chegava, ficava dançando, uma coisa bem bacana: “Você é folgada”, que não sei o quê… falava tudo isso, era muito legal. Muito bacana.
P/1 – E assim, um episódio… e você, viajava? Sua família viajava? Quais eram os programas que você fazia com a sua família?
R – A gente viajava muito, a gente ia pra praia, a gente ia para casa da minha avó, minha avó morava na Zona Leste, todo domingo ia pra lá, todo final de semana ia pra lá, na casa da minha avó e é bem legal, é bem interessante. Todo, todo final…
P/1 – Onde que era a casa da sua avó?
R – A minha avó morava no Brooklin.
P/1 – Vocês iam como, de carro, de ônibus?
R – A gente ia de carro, a gente ia de carro.
P/1 – E você passeava pela cidade de São Paulo?
R – Ah, a gente saía bastante, a gente ia pro mercado, a gente ia; um montão de lugares.
P/1 – Quais lugares você mais gostava de passear?
R – Ai, eu gostava mais de… como o meu pai era policial, a gente ia para hípica, que era um lugar, montava a cavalo, tudo, então a gente curtia muito mais, ficava lá com cavalo. A gente cresceu, praticamente, na cavalaria, mesmo.
P/1 – Seus pais são casados até hoje?
R – Não, eles são separados.
P/1 – Quando que eles se separaram?
R – Eles se separaram… ai, não lembro quando que foi, eles separaram, eu sei que faz muito tempo, tipo foi em 95…
P/1 – Você era pequena?
R – É, eu tinha acho que uns dez anos de idade.
P/1 – E vocês ficaram com quem?
R – Ficamos com a minha mãe.
P/1 – Mas o seu pai visitava vocês, como é que era?
R – Sim, sim, ele ia ver a gente. Um episódio que me marcou muito foi o dia que eles se separaram, foi que eles chegaram um pro outro e falaram que não queriam mais e também foi uma cena que me marcou muito foi que ele estava no colégio da minha irmã, na rua do colégio militar, tinha uma festa junina lá, uma festa junina, ele chegou de repente. Ele chegou e falando que ele ia voltar para ela, aí eu peguei e tive que segurar, tive que pegar ele e falei: “Vamos embora daqui”, peguei pelo braço, a gente foi parar lá no Alphaville para poder ele se acalmar, tudo, com o amigo dele, então foi…
P/1 – Ele foi lá chamar a sua mãe para voltar?
R – Queria voltar…
P/1 – Por que ele quis?
R – Porque a minha mãe tava namorando nessa época, entendeu? Então, o meu pai ficou todo bravo, nervoso. Ele pegou e…
P/1 – Mas você sabe porque que eles se separaram?
R – Por vários motivos meu pai, ele sempre saía com outras pessoas, ele sempre vivia… vivia… polícia é meio que complicado, sabe? O meu pai… eles se separaram por causa de outras que ele tinha, outras mulheres, né?
P/1 – Mas aí, vocês ficaram morando com a sua mãe?
R – É.
P/1 – Mas ele visitava vocês?
R – Visitava.
P/1 – Ele ajudava financeiramente?
R – Sim, sim. Teve que pagar pensão, tudo! Mas agora, só paga só para mim, mesmo.
P/1 – E você tem contato com ele?
R – Tenho. A gente se vê. Eu estou trabalhando, agora. Eu trabalho…
P/1 – Foi o seu primeiro trabalho?
R – Não, o meu primeiro trabalho foi no mercado Andorinha.
P/1 – Quantos anos você tinha?
R – Eu tinha uns 18 anos.
P/1 – O quê você foi fazer?
R – Eu era empacotadora. Então, eu ficava no caixa lá, empacotando as coisas.
P/1 – Como é que você arrumou esse emprego? Como é que foi?
R – Foi através da minha fono mesmo, da Fátima e eles… fiquei lá três meses só.
P/1 – Tem algum episódio marcante que tenha acontecido, empacotando?
R – Episódio interessante… não, não teve nenhum.
P/1 – Como que era a sua rotina de trabalho?
R – Era bem agitada, era bem difícil. Chegava em casa dez horas da noite, dez horas, depende aí eu queria ser mandada embora.
P/1 – Por quê?
R – Porque não tava dando mais, era muita coisa, era muita pressão, era muita… aí eu peguei e saí.
P/1 – E quanto você ganhava?
R – Um salário mínimo, mais ou menos, era bem por aí.
P/1 – Era registrado em carteira?
R – Sim. Era.
P/1 – E depois, você foi para onde?
R – Mercado Pastorinho…
P/1 – Também trabalhava do quê?
R – Eu ficava na cozinha.
P/1 – O que você fazia?
R – Eu lavava prato, cortava legumes, era um monte de coisa. Também não aguentei, pedi para sair, ai depois, eu fiquei sem emprego nenhum, fiquei só estudando no Cieja mesmo, só no Cieja, aí depois de três meses, arranjei essa oportunidade de ficar lá mesmo onde eu estou hoje, na CAASP.
P/1 – Onde que é?
R – CAASP.
P/1 – O que é?
R – É uma empresa de… é uma farmácia de advogados, então eu peguei e estou lá até hoje.
P/1 – Como que você arrumou esse emprego?
R – Meu pai que conseguiu pra mim. Ele conseguiu, tudo, aí eu estou lá.
P/1 – Qual é o período que você trabalha?
R – Eu entro meio-dia e saio às seis da tarde.
P/1 – E que horas você vai no Cieja?
R – Eu entro às sete e meia e saio nove e quarenta e cinco da manhã.
P/1 – É de manhã que você vai no Cieja?
R – É de manhã.
P/1 – E você vai como para o trabalho?
R – Eu vou de metrô.
P/1 – Você vai sozinha? Você não se perde?
R – Não.
P/1 – E o que você faz lá no trabalho?
R – Eu sou repositora de cosméticos.
P/1 – Faz o quê?
R – Eu reponho shampoo, desodorante, um monte de coisa. É muito legal o que eu faço.
P/1 – Olhando assim, tem algum fato marcante na sua vida, alguma viagem, alguma festa de Natal. Alguma coisa que você lembra e fala assim: “Nossa, todo vez eu lembro disso”?
R – Olha, teve uma vez que o meu pai foi fazer aniversário, ele faz dia 31 de dezembro e ele pegou e ele sempre ficava, tipo, soltando rojão, eu tinha muito medo, tem um fato que eu lembro, eu era criança, tinha tipo, uns dez anos de idade, a gente fazia esfiha, a gente levava a carne e a moça de uma casa fazia esfiha. Ela era uma conhecida da minha avó, esqueci o nome dela agora, então ela fazia esfiha no forno à lenha e o meu pai tem o costume de ir no cemitério, onde está o tumulo do avó dele, limpar, acender vela. E nesse dia, eu me perdi no cemitério, você imagina a loucura que foi, eu era pequena e então, meu pai pegou, ele saiu, lógico, e aí, quando eu fui ver, cadê? Meu tio saiu correndo para achar e o meu pai do outro lado do cemitério, eu fui lá perto quase do velório, quase ali perto, falei… você se acaba assim, imagina se você cai perto do tumulo, é perigoso, foi esse fato muito marcante…
P/1 – Você era levada quando era criança?
R – Não, não era muito não. Eu lembro de um fato que a minha irmã… meu pai, ele comprou uma melancia para a minha irmã, a gente estava comendo, a minha casa nessa época tinha escada, essa escada ficava lá fora e a minha irmã foi pegar a melancia e rolou a escada, sujou tudo de melancia, eu falei: “Ai, meu Deus do céu!”, e foi bem legal.
P/1 – Quando você era pequena, e já jovem, você tem assim, você tinha um sonho: quando eu crescer, quero ser tal coisa?
R – Assim, tive um sonho, eu queria ir para a Disney, conhecer o Mickey, conhecer o Pateta e eu não tinha como ir, porque eu não tinha dinheiro, eu peguei e falei: “Mas por que um dia eu não poderia ir?” Aí, eu já realizei o sonho e fui para Disney no ano passado.
P/1 – Como que você foi?
R – Foi assim, foi sensacional. Muita coisa, muita coisa…
P/1 – Quem que pagou pra você ir?
R – Minha mãe, eu não estava trabalhando ainda nessa época, entendeu?
P/1 – E aí, você foi com quem?
R – Com a minha mãe, com os dois casais de amigos nossos, a gente alugou uma casa lá, foi muito legal. Foi uma sensação que eu nunca tive. A gente alugou carro, tudo, foi muito legal.
P/1 – Qual foi a sua impressão quando você chegou na Disney?
R – (risos) Eu fiquei assim: “Meu Deus, onde é que eu estou?”, sabe aquela… de pegar avião, muitas horas de avião, foi bem legal, valeu a pena estar indo.
P/1 – Sua mãe trabalha fora?
R – Trabalha.
P/1 – Ela foi trabalhar depois que separou do seu pai?
R – Assim, a minha mãe, ela trabalhou no Eprem, que é negocio de dentista, minha mãe era auxiliar de dentista nessa época, trabalhou muitos anos lá, já estava casada com o meu pai. Aí depois, teve a Carol, depois a minha irmã Camila nasceu, depois sou eu. Eu falo que me chocou assim, muito, foi que a minha irmã, a do meio, ela nasceu, tudo, chegou na hora, ela tipo, chorava o dia inteiro, o dia inteiro, minha mãe foi trocar ela, tudo e ela não tinha nem como… ela chorou a noite inteira, chorou de soluçar. Daí, a minha mãe não tinha mais o que fazer. Então, naquela época, não tinha telefone, então ela teve que ir lá na minha avó e falar: “Mãe, a minha filha não anda bem”, ela foi para o hospital, correndo para o hospital e ela pegou e ficou internada no hospital, o meu pai nem aí, meu pai, tipo, não estava nem aí, ele pegou e depois que ele ficou sabendo que a minha irmã ficou no hospital internada. Uma vez que eu cai de bike bati o olho no chão. Minha avó morava numa rua que não passava carro nenhum, então, tava andando de bike na rua, quando eu fui ver, eu bati o olho, meu pai nem pra me levar no médico, ele pegou, me levou pra loja da minha mãe, ela falou: “Mas o que é isso? O que aconteceu com a menina? Vai no hospital, leva ela no médico”, não levou, nada, não estava nem aí. Não levou, não estava nem aí com nada, ele só queria saber de estar lá, não estava nem aí, a gente foi crescendo, crescendo, aí foi que tudo o que aconteceu.
P/1 – E a sua mãe casou de novo?
R – Não. Ele casou de novo, casou com outra esposa, tem uma filha também, mulher também, o nome dela é Vitória. Então, ela nasceu também, então…
P/1 – Quantos anos ela tem, a Vitória?
R – Ah, está com sete anos, já está bem grandinha.
P/1 – Você convive com ela?
R – Não muito, ela vai em casa, de vez em quando.
P/1 – E o seu pai e a sua mãe se encontram ainda? Ele vai na casa dela, entra?
R – É, ele vai em casa, ele vai lá e fala com a minha mãe, são amigos, agora. Assim…
P/1 – Karine, quais são os seus maiores sonhos?
R – Ai, meu Deus. O meu maior sonho é poder estudar bastante, ter uma vida assim, morar sozinha é um sonho muito que eu tenho, muito grande e poder sei lá, poder trabalhar bastante, ter o meu dinheiro, poder viajar de novo para outros países e assim…
P/1 – Tem alguma coisa que a gente não tenha falado aqui, que você acha importante deixar registrado?
R – Sei lá, não sei o que seria importante, só sei que tudo o que eu falei… assim, eu não tenho mais… tudo o que eu falei, sei lá, não sei se tem mais alguma coisa para poder falar, não sei.
P/1 – O que você achou de contar a sua história aqui no Museu da Pessoa?
R – Ah, foi legal, é uma experiência muito boa, coisa muito interessante, gostei muito de estar aqui, de estar sempre… de estar vindo aqui, sei lá, uma coisa muito legal, gostei muito.
P/1 – Por que você acha importante contar a sua história?
R – Ah, tem que contar, eu acho legal, acho bom, acho muito interessante contar as coisas que você sabe, que você tem que falar, não tem que esconder, tem que falar tudo o que você sente. É muito bom estar aqui, achei muito legal estar aqui, muito legal, mesmo.
P/1 – Queria agradecer a sua entrevista.
R – Obrigada.
FINAL DA ENTREVISTA
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