Memória Oral do Idoso
Oficina Cultural Mário de Andrade
Depoimento de Maria Antonia Rodrigues Gigliotti
Entrevistado por Fernanda e Josi
São Paulo, 14 de outubro de 1992
Realização Museu da Pessoa
Entrevista nº 24, fita nº 13
Transcrito por: Fernanda Regina
R – Eu sou Maria Antonia Rodrigues Gigliotti, nasci em Campinas, no dia 21 de janeiro de 1922.
P/1 – O nome do seu pai, local e data de nascimento.
R – Alfredo José Rodrigues e Carolina Frederico (Liters?) Rodrigues.
P/1 – O nome dos seus avós.
R – Do lado paterno era Inocência Trindade Palhares e Narciso José Rodrigues, do lado materno Pedro Liters e Guilhermina Dorotéia Krambeck Liters.
P/1 – Eles são nascidos onde?
R – Uma parte nasceu em Hamburgo e outra parte nasceu em Berlim, do lado paterno minha avó eu não sei e ele era português de ______ ______.
P/1 – Conta um pouquinho de como era a sua família?
R – Minha família era muito especial, tínhamos pouco dinheiro, mas muita alegria e uma família muito esperançosa, eu diria assim, meu pai era o sonho e minha mãe pé no chão, meu pai era anarquista, ferroviário, uma pessoa que acreditava demais no poder do operário, eu era criança e já ouvia falar em formação de um partido de trabalhadores, o que soava, assim, muito distante, tem uma frase que meu pai dizia que sempre eu me lembro “Operário é um touro, não sabe a força que tem, quando descobrir essa força ninguém segurará esses homens” e está aí, o Partido dos Trabalhadores, não sou petista, mas eu acho que não é uma coisa boa, acho que é isso mesmo, às vezes, sou contra o PT porque eu acho eles radicais, existe aquelas alas mais amplas, mas existe aquela ala muito xiita que essa é horrível. Eu tenho uma formação mais de esquerda porque eu nasci em um ambiente de pessoas de esquerda, a pessoa que mais influenciou minha vida foi uma pessoa que eu não conheci, um tio meu, irmão da minha mãe, que era um anarquista mesmo e foi uma...
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Oficina Cultural Mário de Andrade
Depoimento de Maria Antonia Rodrigues Gigliotti
Entrevistado por Fernanda e Josi
São Paulo, 14 de outubro de 1992
Realização Museu da Pessoa
Entrevista nº 24, fita nº 13
Transcrito por: Fernanda Regina
R – Eu sou Maria Antonia Rodrigues Gigliotti, nasci em Campinas, no dia 21 de janeiro de 1922.
P/1 – O nome do seu pai, local e data de nascimento.
R – Alfredo José Rodrigues e Carolina Frederico (Liters?) Rodrigues.
P/1 – O nome dos seus avós.
R – Do lado paterno era Inocência Trindade Palhares e Narciso José Rodrigues, do lado materno Pedro Liters e Guilhermina Dorotéia Krambeck Liters.
P/1 – Eles são nascidos onde?
R – Uma parte nasceu em Hamburgo e outra parte nasceu em Berlim, do lado paterno minha avó eu não sei e ele era português de ______ ______.
P/1 – Conta um pouquinho de como era a sua família?
R – Minha família era muito especial, tínhamos pouco dinheiro, mas muita alegria e uma família muito esperançosa, eu diria assim, meu pai era o sonho e minha mãe pé no chão, meu pai era anarquista, ferroviário, uma pessoa que acreditava demais no poder do operário, eu era criança e já ouvia falar em formação de um partido de trabalhadores, o que soava, assim, muito distante, tem uma frase que meu pai dizia que sempre eu me lembro “Operário é um touro, não sabe a força que tem, quando descobrir essa força ninguém segurará esses homens” e está aí, o Partido dos Trabalhadores, não sou petista, mas eu acho que não é uma coisa boa, acho que é isso mesmo, às vezes, sou contra o PT porque eu acho eles radicais, existe aquelas alas mais amplas, mas existe aquela ala muito xiita que essa é horrível. Eu tenho uma formação mais de esquerda porque eu nasci em um ambiente de pessoas de esquerda, a pessoa que mais influenciou minha vida foi uma pessoa que eu não conheci, um tio meu, irmão da minha mãe, que era um anarquista mesmo e foi uma pessoa de quem eu sempre ouvi muitas histórias, das suas lutas, da greve de 1917, que ele foi preso em cima de um poste cortando fios, aquele homem me empolgou e na casa da minha tia tinha uma foto grande desse homem, um alemão bonito, dos olhos grandes, azuis e a postura dele me impressionava, dizem na minha casa que eu sou a reencarnação de tio Lourenço, eu gostaria de ser o tio Lourenço, pela sua luta, eu gostaria de ser. Família operária, mas como meu pai era um operário especializado, nós tínhamos uma vida melhor que os outros. Ele era metalúrgico e tinha uma especialização, nós tínhamos uma boa casa, uma excelente casa mesmo e era comum, em Campinas, que os filhos de operário, as meninas iam pra fábrica de seda, os meninos iam para Companhia Paulista ou Mogiana pra ser ferroviários. E me lembro que um dia um senhor chegou para o meu pai e disse “Suas meninas não vão pra fábrica de seda?”, ele disse: “Não, eu vou mostrar que filho de operário pode ser doutor”. E nenhuma de nós foi pra fábrica de seda. Meus irmãos, um não quis estudar, o mais velho, ele queria trabalhar e meu pai disse: “Perfeito” - a história que contavam porque eu sou a menor da família -, só que ele achou que ele ia trabalhar nos escritórios da Companhia Paulista, só que meu pai o colocou para trabalhar como graxeiro, que era a pior coisa que podia acontecer, engraxar aquelas máquinas, aquelas peças, devia ser uma coisa muito horrível. Aí ele disse “Eu quero estudar”, meu pai disse: “Não, agora você vai trabalhar e estudar”. Foi uma vida e uma família organizada, uma família que a força alemã foi muito grande, que meu pai perdeu os pais muito cedo e a família da minha mãe passou a ser a família de meu pai. Era uma coisa muito engraçada, eu me lembro da minha avó, uma alemanzona muito peituda e que ela dizia assim... E tinha a minha bisavó, né, a Margarida (Tin?) que sempre ia jogar no bicho porque ela ia ganhar dinheiro e voltar para Alemanha, um dia eu me revoltei muito com isso, então disse: “Minha irmã, você pensa que só você? Todas nós fizemos isso, todo dia era aquela história ‘Ô filha minha, joga bicho vozinha’” e à tarde a gente ia conferir, só que ela não guardava o dinheiro, ela mandava buscar cerveja, fazia uma boa festa e o sonho de voltar pra Alemanha continuava. Foi aí que aprendi a tomar cerveja porque eu morei sempre perto de cervejaria, em Campinas eu morava perto de uma cervejaria, em Rio Claro também morei em frente uma cervejaria. Eu me lembro que meu irmão ia buscar cerveja numa jarra, a gente vinha bebendo pelo caminho e quando chegava na casa da minha vó, minha vó olhava e dizia “Como essas brasileiras são desonestas beberram tudo (sotaque alemão)”. O tudo éramos nós que tínhamos bebido. Mas foi muito bom, foi uma formação muito boa, de muita luta, nunca nada nos foi proibido. O que queríamos fazer, podíamos, desde que assumíssemos a responsabilidade, nunca foi proibido, minha mãe sempre disse: “Faça o que você quiser, aviso que não vou criar filhos que vocês trouxerem, cada um vai criar seu filho”. Então, nem eu, nem minhas irmãs nunca pensamos em fazer alguma coisa que engravidasse ou mesmo de ter relações cedo, não porque nós tínhamos ampla liberdade. E aos homens era recomendado o seguinte: “Não faça para a filha dos outros, o que você não quer para as suas irmãs”, esse era o lema de casa. Me lembro uma vez em Campinas, era muito comum ir ao Tênis Clube, tinha uma quadra de tênis e tinha um cipreste, então você não via a quadra de tênis e todo mundo ia namorar na quadra de tênis. Um dia, a minha mãe perguntou “Você foi para a quadra de tênis?”, eu falei: “Não, não fui e não vou, no dia que eu for eu aviso a senhora” e não fui. Eu fui uma criatura que nunca, eu nunca quis, por exemplo, eu quando me casei, não me casei virgem, que eu achava que isso era uma besteira, eu tive uma relação sexual antes do casamento, eu achava que o vestido de noiva, talvez pela minha formação política porque eu ingressei no partido cedo, né, então eu achava que era uma coisa burguesa dar aquela festa, eu ia dar uma festa para quem? Para aquele pessoal que eu tinha visto nas das minhas irmãs que comiam, comiam, ainda levavam para casa e não ficavam satisfeitos. Eu falei “Não!” e não casei vestida de noiva, achei isso, embora fossemos assim bem... Vamos dizer, bem amplos para época, eu acho que o fato de não ter me casado de vestido de noiva, chocou um pouco a minha mãe, engraçado, ela era liberal, mas chocou. Então o comentário que surgiu era “Nossa, ela está grávida”, só que essa gravidez veio muitos anos depois. Eu não casei porque eu não queria, eu achei que o casamento era uma coisa que só interessava só a mim e a outra parte, não interessava mais ninguém, quem ia viver com ele era eu, quem ia viver comigo era ele, não interessa a ninguém. Foi assim, o primeiro casamento eu casei com Gigliotti, foi um casamento muito bom, era uma pessoa que tinha muito mais idade do que eu e foi uma pessoa que me ajudou muito, ajudou muito a formar meu caráter porque foi um aprendizado meio difícil porque você não tem 21 anos ainda, casa com um homem de 46 que tem uma experiencia de vida muito grande e com uma família de raça diferente. Foi um aprendizado meio duro, mas foi bom, acho que tirei muito dessa experiência. As minhas lutas políticas acho que foram todas válidas, se eu tivesse que fazer, faria novamente, eu brinco sempre que eu tenho tanta idade que fiz a campanha política de Jorge Amado, quando Jorge Amado se candidatou para deputado de São Paulo, tive a felicidade, não digo de conviver, mas de conhecer o Monteiro Lobato, o Cândido Portinari, Di Cavalcanti, havia ali na 24 de maio, onde hoje tem uma casa de modas, antes era _____, uma casa cor de rosa que tinha umas escadinhas e tinha uma biblioteca. Então à tarde se reunia Monteiro Lobato com seu cachecol xadrez e ali tinha um quadro, pintado por Portinari de Olga Prestes, Olga Benário grávida com as mãos assim e aquilo... Eu dizia assim: “Meu Deus, eu quero ser um pouco uma Olga Benário. Eu quero ser um pouco La Pasionaria. Se elas puderam fazer, eu também posso fazer alguma coisa” e ali você encontrava, então, à tarde, essas pessoas. A minha grande paixão foi Caio Prado Junior, Caio Prado nunca tomou conhecimento da minha existência, eu ficava horas sentada ouvindo esse homem falar, nem o filho soube, nem ele mesmo. Mas eu tinha uma paixão, uma admiração, mas quem que ia olhar, ele o grande Caio Prado para aquela adolescente? Era muita pretensão, né? Muita pretensão! Eu acho que eu fui uma pessoa muito feliz, me lembro das nossas campanhas, a apuração de votos era no Caetano de Campos, eu me lembro que até sair o candidato a senador ou o Simonsen ou Portinari, até meia noite Portinari estava na frente, mas para surpresa nossa o Simonsen tinha ganhado, como diria o Lula: “Houve maracutaia”. Essas foram assim... Depois casei, o Gigliotti era um homem que tinha uma situação econômica muito boa, vocês acreditariam que já fui dondoca? Mas fui. Ele era diretor de um banco, tinha uma situação muito boa econômica, aí vem o outro lado meu, que eu conheci político de uma outra... Frequentava lugares finos, viagens em navios de primeira classe, hotéis de primeira classe, foi ótimo. Meu segundo casamento foi um desastre, mas tudo a gente aprende. Era um equatoriano, esse foi um desastre porque o que é normal, não é normal pra mim. Os choques culturais foram muito grandes, eu sempre digo que foi minha fase indigenista, eu acho que foi uma fase que eu lia muito México, muito Juaréz, então me apareceu um índio e de repente eu quis, foi a minha fase... Mas é muito difícil, mas por outro lado, foi bom porque eu morei no Equador, eu pude ver um pouco mais, eu vivi e convivi com um índio, morei numa cidade que era o mais alto, em Riobamba, mas era o maior núcleo indígena do Equador e foi ali que eu aprendi uma serie de coisas também. Não é porque o casamento foi mal que vou dizer que todo índio é ruim, não, eles tem uma coisa bonita e o Equador tem os otavalenhos que é perto dos da Colômbia, que eles são umas elite porque os otavalenhos sempre foram artesãos e agricultores, então eles nunca dependeram do branco, eles tem um artesanato muito bonito e sempre teve. Hoje existe em Quito, na universidade aulas de quíchua, que era dado pelo Ledesma que era um índio otavalenho, agora eu não sei. Otavalenho é uma pessoa que caminha muito, ele sai muito, inclusive o que menos viajou foi até o Panamá, mas todos eles viajaram muito e os primeiros índios equatorianos que vieram para o Brasil, vieram pra minha casa e fizemos uma exposição de artesanato na Rua Augusta e quando eu morei no Rio de Janeiro, eles vieram primeiro para o Rio de Janeiro e o cônsul que era o... Agora não me lembro o nome do cônsul, ele não sabendo o que fazer mandou os índios para minha casa, eu tinha que receber os índios. Aí nós fomos ver a situação deles era muito deprimente, eles estavam morando no Catete, em um porão, uma situação humilhante para eles, aí nós conseguimos... Vasco Miguel era o cônsul. Aí nós conseguimos que o consulado e a embaixada se interessasse por ele, que alugasse uma casa em Jacarepaguá e lá nós os colocamos com todos os seus apetrechos, né? E aí eles começaram a trabalhar e são muito bons artesãos. Depois eu mudei para São Paulo e daí trouxe-os para São Paulo para fazer uma exposição, eu aprendi muito. Hoje eu tenho informações que infelizmente a droga também entrou no Equador e hoje em Otavalo é um centro muito grande de drogas, assim como os índios salasacas também entraram na questão da droga. Os salasacas é uma história muito interessante, eles não se misturam com os outros equatorianos, se vestem de calças brancas, ponchos negros, uns chapéus pretos e cortam o cabelo chanel. Me chamou a atenção que eu estava em Ambato, Ambato é uma cidade que fica entre ____ e Quito, e esses índios caminhavam correndo, eles andam engraçadinhos, não se misturavam, eu perguntei, “Ah, são salasacas, não são equatorianos”, eu falei: “Como não são equatorianos?”, “Não, ‘no’. É uma história que remonta o tempo de Atahualpa, Atahualpa quando tinha uma rebelião ele pegava todo um grupo e transportava para um outro país, então eles dizem que os salasacas são bolivianos e que há 500 anos estão no Equador, mas não são equatorianos” e não se misturam, os salasacas. Eu aprendi uma série de coisas que foi bom? Foi. Mas o casamento acabou, não dava mesmo, para ele lá no Equador é muito normal, por exemplo, é um sentir assim de macho “Yo soy macho, eu faço filho em todos os cantos e aquela coitada assume os filhos” porque ele é ‘macho’, então quando eu fui ao Equador em 64, eu me choquei quando cheguei lá na casa do meu sogro a diferença, já encontrei um filho do meu ex marido, que a moça tinha abandonado e o meu sogro criou. Era normal e quando minha filha nasceu, meu sogro quis que eu mandasse a menina para lá para ele criar, ele estava louco! Eu falei “O filho é meu” e aquele (marido) tinha os mesmos hábitos de lá, então começou um ‘hijito’ aqui, um ‘hijito’ lá, eu falei: “Então, você vai cuidar dos seus hijitos”. Era o costume, só que um dia eu disse pra ele: “Eu não sou uma mulher índia, os meus costumes são diferentes, você faz um filho e assume”. Era o costume. Agora, a minha participação e minha luta pela questão do idoso começa em 84, depois de eu ter me separado, eu me separei eu estava com 52 anos, fui procurar emprego não tinha. Aí eu cheguei em casa, falei: “O que eu sei fazer? Artesanato”, fazia camisetas muito bonitas para a minha filha, falei: “É isso mesmo”. A prefeitura tinha aberto inscrição para uma Feira De Artesanato Ibirapuera, fiz a inscrição, fui aprovada, comecei a fazer camisetas, almofadões, peguei minhas tralhas e fui parar no Ibirapuera. Foi uma coisa muito boa, aí aprendi a conhecer o ser humano, as pessoas passavam “Você é uma louca, imagina, deixar o marido engenheiro, deixar tudo aquilo para estar ajoelhada” outras faziam de conta que nem me conheciam e poucos ficaram comigo. Eu tive uma coloração muito grande de um jovem, eu nem sei o nome dele, o apelido dele era Salim, era a fase hippie, era do paz e amor. O Salim me ajudou muito, me dizia assim “Tia, é isso mesmo, vamos em frente”, era um rapaz que tinha uma carência afetiva muito grande porque ele não tinha mãe, então nós formamos um laço de amizade muito grande, ele muito me ajudou a superar essa fase, ele era muito bom, nunca mais eu vi o Salim, mas gostaria de saber onde ele está. Depois disso juntei um dinheiro e abri uma loja, depois fechei a loja. Há uma pessoa que influenciou muito a minha vida, foi um jornalista argentino que eu conheci, refugiado, ele estava aqui no Brasil, tinha vindo da Argentina, trazido pelos amigos, tinha sido preso e foi ele que me fez amar a América Latina. Ele me fez ver que essas questões de Brasil com Argentina, Chile com Peru, Peru com Equador, Colômbia com Venezuela, são todas coisas criadas por interesses de grupos que nos exploram, Fundo Monetário Internacional, todas essas pessoas... Foi muito bom, eu tive contato com guerrilheiros, eu estive com os Tupamaros, muitas vezes não podia ir à Argentina e eu ia e foi muito bom. Eu não aceito que digam que eles eram facínoras não, eles eram jovens, eles tinham esperança, eles acreditavam. Havia uma mulher extraordinária, jovem, filha de um médico Maria Antônia Berger, Maria Antônia sobreviveu a tudo, deram ela como morta, mas ela perdeu uma vista, e tempos depois, a policia entrou e matou a madrasta e doutor Berger, (foi muito bom?). Ele veio a falecer no Brasil vítima das torturas, né? Foi uma pessoa que teve uma influência muito grande. Quando eu fechei a loja, um dia lendo o jornal, eu li que o Sesc tinha uma escola aberta a terceira idade, o que era essa escola aberta? Eu fui ver e efetivamente o Sesc tem mesmo uma parte de cursos muito boas que é pouco frequentada e tem a parte do baile altamente frequentada. Eu tive o meu primeiro atrito com o Sesc, hoje eu tenho um relacionamento muito bom, mas se pagava um preço e de repente o Sesc aumentou terrivelmente. Um dia, eu estou passando no corredor e vejo uma senhora chorando dizendo “Eu não posso mais vir ao Sesc porque eu não posso pagar isso”, eu falei: “Não, não é a senhora deixar de frequentar, é a senhora lutar. Então vamos ver como é que podemos resolver isso”. Convoquei um grupo, nós fizemos uma carta para diretoria do Sesc e fomos falar. Eu me lembro que veio o coordenador, ele disse: “Nós fizemos isso para ver a reação de vocês”, eu falei “Tá, estou acreditando muito”. É que eles se assustaram, depois disso, um dia eu peguei o jornal e li que uma senhora tinha morrido na ambulância, uma idosa, eu não me lembro o nome dela. Aquilo me deixou muito triste e estava se discutindo já a constituinte. Um dia, conversando com Zé Roberto Moreira, eu falei: “Zé Roberto e se a gente começasse a discutir constituinte aqui no Sesc?”, ele falou: “Tem condições?”, eu falei: “Não, não tem”, “Então, como?”, eu falei: “Não sei”. Aí já conheci a Iredi Cardoso dos movimentos de mulheres e fui lá na Iredi, entrei no gabinete dela e disse: “Iredi, eu não entendo nada de constituinte, nem de constituição, estou precisando de ajuda, eu quero fazer alguma coisa pelos idosos”. Ela chamou o Zé Eduardo Cardoso que foi assessor dela e que era assessor jurídico dela, e o Zé Eduardo me deu uma aula, aí eu falei “Ah, então está ótimo”. Cheguei no Sesc, convidei o Zé Eduardo e mais a Iredi e nós fizemos um ato que surtiu muito efeito. Era a primeira vez que idoso falava sobre Constituinte e Constituição, a imprensa deu uma cobertura muito grande, foi tão boa que o Sesc depois repetiu no Vilamova. Então, primeiro lugar a falar de constituinte e direitos de idosos foi no Sesc nessa época, o Sesc (Car?), depois no Vilanova, mas não houve continuidade, eu até entendo o porquê. Porque o Sesc recebe uma verba da previdência social, que eu fui contestada, na época, eu não tinha dados, mas hoje eu recebo uma revista que é da Anfip [Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Previdência Social] e que diz ali como é dado o dinheiro da previdência social, ali então eu tenho os dados pra ver que o Sesc, efetivamente... Então não havia muito interesse porque não era interessante entrar em conflito com o governo, empresário sempre quer estar bem, não quer ter conflitos. Muito bem, em 84 eu fui convidada para fazer parte do Conselho Municipal do Idoso, fundado pelo Mário Covas, onde nós fizemos a Carta do Idoso de São Paulo, que foi o primeiro documento sério que se fez nesse país, então ali estavam reivindicações no plano federal, municipal e estadual, nós tínhamos uma equipe muito boa, como Osvaldo Lourenço hoje da Federação de Aposentados, da confederação e tinha uns elementos valiosíssimos. Infelizmente, entrou e saiu o passe de idoso, passe das ferrovias e entra Jânio Quadros e acaba com tudo, eu tenho fotos da época, essa também me deprime até. Nós fomos falar com o Jânio que ele não podia acabar com conselho, já que nós tínhamos... Que ele não podia tirar o passe do idoso, já que nós tínhamos um conselho e ele tinha que ouvir esse conselho, eu me lembro de Jânio ruim das pernas e ruim de whisky, eu falei: “Senhor prefeito”, ele falou “Senhor não, excelência”, eu falei: “Ah, excelência”, ele falou “Rua” e nos colocou para fora. Eu tenho uma foto da gente saindo do gabinete do Jânio, horrível. Me senti tão mal aquele dia, me senti tão deprimida, ser tratada como se fossemos uma coisa assim... Nós fizemos um ato na câmara, né, nós fizemos. Neste dia, sete vereadores votaram contra a gente. E que continuam porque, tristemente, o idoso acabou votando nesta gente. Eu me lembro do Alfredo Martins, João Brasil Vita, Antônio Sampaio, Jamil Achôa... E não me lembro dos outros dois, mas esses eu tenho os nomes lá em casa e os idosos acabaram votando, mas nós ganhamos. Aí nós pedíamos, eles queriam votar voto... Não, nós queríamos voto descoberto, voto descoberto porque nós queríamos os nomes deles e pegamos os nomes. E aí foi, depois do Sesc, eu não fiquei muito bem vista porque eu era tida como uma mulher revolucionária, uma mulher que um dia saiu do Sesc e foi chamar os metalúrgicos para vir conversar com a gente (risos), um dia saí do Sesc e vai lá discutir com os metalúrgicos, quer dizer, eu não era muito bem vista, eu não tinha muito campo, embora, hoje eu tenha... Hoje eu até entendo, o Marcelo Salgado sempre me apoiou, o Zé Eduardo, o Zé Roberto, mas eles não podiam fazer nada porque eram funcionários, eu até entendo a posição deles, eles não podiam fazer nada porque estava em jogo o emprego deles, eu até entendo, naquela época eu não entendia, hoje eu entendo. Somos grandes amigos e tenho uma admiração muito grande por eles. Bom, o Jânio acabou, depois o Jânio reativou, depois unificou, aí o Jânio saiu, muito bem. Mas nós que já tínhamos uma luta, resolvemos dar continuidade a isso, então veio a Constituinte, nós nos reunimos com frequência na câmara municipal, vamos levar nossas propostas a constituinte e continuamos a luta. Nós colhemos 33 mil assinaturas, 33 mil, e conseguimos que as nossas propostas entrassem na Constituição, o que foi um avanço, não é? Foi um grande avanço, mas antes disso, tinha havido o encontro de mulheres em Brasília e que o título era “Constituinte pra valer, tem que ter palavra de mulher” e São Paulo levou seis mulheres idosas Cecilia Martinelli, Suzana Martinelli, Violeta Perez, agora não me lembro o da Ana, vou ver se me lembro do sobrenome da Ana, Ligia e eu. Ana que era do partido comunista, Ligia como mulher negra, Cecília na política e a Suzana na saúde. Nós levamos um documento que foi feito nas coxas, no trem e causou um impacto muito grande porque de repente nós estávamos discutindo uma outra coisa. Eu me lembro, no trem que nós fomos pra Brasília e um professor da universidade que dizia assim: “Brasília está esperando seis velhinhas. Vocês são seis agitadoras, vocês são seis revolucionárias”, ele dizia. Porque nós começamos a fazer nosso trabalho dentro do trem e foi uma coisa muito boa, causou um impacto muito grande, e foi feito um vídeo com a Tizuka Yamasaki das mulheres, depois tem este vídeo, tem a TV Bandeirantes que gravou lá em casa as nossas seis mulheres. Nós conseguimos incluir na carta dos direitos da mulher, proposta que o marido ou companheiro, com a morte da mulher ou da companheira, quando ambos contribuíram pra previdência social que ele receba a aposentadoria, que era uma discriminação contra os homens, que a trabalhadora rural, que o trabalhador rural, tenha os mesmos direitos do trabalhador urbano e abolição de... Abolição de... Não lembro... Abolição contra discriminação pro ingresso no mercado de trabalho por idade. Foram as três propostas que entraram na carta dos direitos da mulher, mas se hoje a mulher do campo tem direitos, nós devemos a uma grande mulher: a mãe de Paulo Fonteles, nós tivemos um encontro do partido no Rio de Janeiro e eu tive a felicidade de ficar na sala em que estava a mãe de Paulo Fonteles, que era o advogado dos Sem Terra em Belém do Pará, que tinha sido assassinado um pouco antes, essa mulher fez uma defesa do trabalhador rural, que comoveu a todos, e está aí, hoje o trabalhador rural se aposenta com menos tempo de serviço que o trabalhador urbano. Então, essas foram lutas e acho que na questão do idoso, a mulher teve uma participação muito maior do que os homens. Foi quando eu estava no Sesc, eu fiz um trabalho Sistema Previdenciário e Saúde do Idoso e ao fazer pesquisas, eu vi que nós não tínhamos nada, por isso que me chamou atenção da constituição e da constituinte e também me chamou atenção que dos 10 milhões, 52% eram mulheres e se nós mulheres éramos a maioria, e eu sendo uma feminista porque os movimentos das mulheres não se interessavam pela questão da mulher idosa? Aí eu ingressei na União de Mulheres e por isso que eu fui à Brasília, tudo isso e conseguimos com esse ato em Brasília, despertar o interesse dos grupos e hoje Brasília tem uma série de grupos de mulheres idosas dado este ato em Brasília. Eu tenho uma relação de todos os grupos de mulher, nós temos um grupo de mulheres no Maranhão, numa zona pesqueira e nós conseguimos fazer com que as mulheres tivessem uma participação de uma forma tão simples. É tão simples a gente resolver os problemas. Não resolver, mas diminuir. Por exemplo, na zona pesqueira o pescador pegava o peixe na areia e vendia assim. As mulheres de lá fizeram o seguinte, chamaram as mulheres idosas e fizeram com que elas lavassem o peixe e pusessem em cima de tabuleiros, limpando o peixe. Então, o pescador trás o peixe, dá a eles, elas limpam o peixe, quem quer levar o peixe limpo, elas lavam o peixe e arruma. E o pescador dá um tanto pra elas, então você valoriza o trabalho dessas mulheres. É uma coisa tão simples. Há um prefeito em uma cidade do interior, que agora não lembro o nome, resolveu também a questão do idoso de uma forma tão simples. Tinha um grupo, a mulher dele é socióloga, não... É socióloga. Todo dia tinha um grupo de idosos que iam lá pedir dinheiro, aí ele disse: “Vamos resolver”, ela também. Então tinha uma área muito grande da prefeitura, eles resolveram plantar maracujá. Eu ainda disse “Prefeito, plante mesmo muito maracujá porque o Brasil vai precisar de muito suco de maracujá” porque nós estávamos naquela fase desgraçada do Collor e pra aguentar o Collor só com muito suco de maracujá, né. Eu falei: “Plante mais” e olha acabou, hoje elas plantam, elas colhem e estão vendendo pra uma fábrica de suco. É tão simples, gente. É só querer fazer. Agora, o fórum nós temos uma postura de luta, nós levamos a Constituinte, as nossas propostas, levávamos a Constituição Estadual e levamos a lei orgânica do município. Está regulamentado? Não. Então, eu fico muito irritada quando vem agora época de eleição, um vereador que vem penalizar o motorista de ônibus de uma forma demagógica, quando ele devia ter se preocupado para regulamentar o que está na lei orgânica. Porque que não o fez? Porque é mais fácil fazer demagogia. E disse que vai entrar a lei, eu já telefonei “Quando vai entrar a lei que eu quero acompanhar a aprovação dessa lei”, “Depois das eleições”, depois das eleições acaba. A constituição estadual nada foi regulamentado e no plano federal nada foi regulamentado. Em 88, nós vamos ter modificação da constituição e se nós não tivermos organizado, talvez vamos perder o que nós já conquistamos no artigo 230. É muito mais fácil você formar um grupo de idosos, colocar um som, põe um bailinho e dança, que dança, que dança e acabou. E também acaba a responsabilidade dos organizadores do grupo. Uuuuuu fazer festinhas, vou por as idosas no tricô, crochê e aquela rodinha de fofoca. É muito mais difícil você alfabetiza-los, você resgatar aquela sua cultura. Eu tenho um grupo que estuda francês no fórum porque na juventude e na infância, estudaram no ____ no _____ voltaram outra vez a fazer francês, e a lembrar o _____ ____ _____ ______ não sei o quê. Ótimo, falem das madres que é o que vocês querem. Mas foi muito bom, melhora o relacionamento familiar isso, ela não é mais aquela idosa chata, que fala das dores e não sei o quê. Hoje ela fala do francês e diga-se de passagem, o professor é fantástico.
P/1 – Como foi fundado o fórum?
R – O fórum foram os remanescentes do conselho que o Jânio botou pra fora, né? Aí nós estávamos colhendo pra Constituinte e eu moro em Santa Cecilia, eu toda vez passava e via aquilo desativado porque aquilo é do metrô. Um dia, eu falei: “Ah, nós precisamos colher propostas lá em Santa Cecília”, “Olha tem lá vamos entrar”. Aquilo foi uma invasão, aí nós ocupamos aquele espaço e vimos que os idosos começaram a surgir, daí também fazendo pesquisa, nós vimos que Santa Cecília com um número significativo de idosos, confinados nos seus apartamentos e conseguimos sensibilizar a doutora (Laidi?) e fomos falar com _____ que prontamente se deu. E aquilo é do metrô, e o metrô nos cedeu. Aí nós começamos nosso trabalho, mas o trabalho é voluntário, não temos nenhuma verba, é mantido assim os professores vão cedendo os espaços, eles dão aula e 20% do que recebem, eles nos passam pra pagar água, luz e telefone. Fazemos algumas festas, bazar e com isso nós temos dinheiro pra manter. O Fundo de Solidariedade nos da respaldo, o metrô nos ajuda nas tiradas de xerox, essas coisas assim, a doutora (Laid?) nos ajudou muito nos forneceu material de escritório e vamos caminhando, com muita dificuldades porque ninguém dá verba pra grupo de idoso que trabalha, se for pra um bailinho, olha, eu tenho verba.
P/2 – Quais atividades vocês tem?
R – Nós temos inglês, francês, espanhol, yoga, tai chi, alongamento. Temos uma oficina de arte, temos pintura em acrílico e temos o grupo de teatro. Temos festas, amanhã, por exemplo, vamos homenagear os professores e fazemos os parceiros. Mas até nossos parceiros são diferentes, são culturais. Levamos o pessoal pra Itu? Levamos, mas pegamos uma universitária de História da USP, onde ela foi falar da importância de Itu nas repúblicas porque eu acho horrível pessoas que fazem passeios só pra ganhar dinheiro. Pegam o ônibus, põe o idoso, chega na cidade, solta na praça, às cinco horas nos encontramos, como se fossem um bando de carneiros, aí saem para aqui, para acolá, sem orientação nenhuma, ele tem que no mínimo saber pra que cidade ele vai, onde é a cidade, quando foi fundada, como está, como não está, todas essas coisas.
P/1 – Orientá-lo?
R – Orientá-lo para ele ter... Vou contar uma coisa, nós fomos para Itu e a menina durante o caminho foi falando que ali era o caminho dos bandeirantes, da importância do destino, vejam como foi importante isso, a avó chegou em casa contando da viagem, o neto diz “Vó, que bom, eu tenho que fazer um trabalho sobre os bandeirantes”, pronto. Pronto. Foi a vó, então “Ô, vó senta aí”, ela foi contando e o garotinho anotando, quer dizer, ela levou o conhecimento. O velho tem culpa, ele não quer nada. Eu vou contar pra vocês nós vamos pra Brasília com frequência, quando foi na Constituinte nós fomos levar nossas propostas e as idosas foram entrevistadas, teve uma que foi entrevistada saiu na televisão, saiu no jornal de Brasília, tudo isso. Quando voltamos de Brasília, uma semaninha depois, ela chegou chorando no fórum e me disse: “Meu filho veio me procurar”, “Por quê?”, “Há dez anos que eu não falava com meu filho, ele está morando em Sorocaba, eu tive um atrito com a minha nora, mas ele me viu na televisão, me viu nos jornais e queria saber como é que foi Brasília, como é que eram os políticos, meu filho mudou”, eu falei: “Não, você que mudou porque você era uma chata, você queria controlar seu filho, controlar sua nora e seus netos, hoje você tem outras atividades”. Então ela tinha conhecido os políticos, ela tinha alguma coisa. É isso que acontece quando o idoso passa participar de um grupo e passa adquirir conhecimentos, ele deixa de ser aquele velho chato dentro de casa. Eu me lembro que tinha um programa na globo que era uma família e tinha um velho que era chato, a única preocupação dele era falar do tempo “Ah, em Paris tá chovendo” e os netos “Ah, ele está esclerosado”, aquilo se criou que você ia falar qualquer coisa com uma criança e ela dizia: “Ah, ele tá esclerosado”. Eu tenho também recorte de jornais, nós fizemos uma manifestação em frente a globo e a globo tirou o programa do ar. Agora somos nós é que temos que fazer isso, se eu estou me sentindo ofendida eu que tenho que sair à luta, eu é que tenho que lutar pelos meus direitos. É isso que falta, e há um interesse também em se manter o idoso alienado pra ele não fazer reivindicações, então não tem aposentadoria, não tem saúde, não tem nada. Há que se ressaltar o bom trabalho da Federação de Aposentado do Osvaldo Lourenço, há que se ressaltar o trabalho dessa gente. Essa luta do 147 foi um estímulo, foi uma coisa muito boa, mostramos que nós não estamos mortos, sabe? Foi muito bom. Eu acho isso importantíssimo, foi que de repente eles acordaram, agora, é preciso fazer mais. É preciso levar essa discussão da velhice para dentro dos sindicatos, para dentro do movimento negro, do movimento de mulheres, o fórum tem lutas importantes quem levou discussão da questão do idoso para dentro da política feminina fomos nós.
P/1 – Qual sua função?
R – Sou presidente, quer dizer, uma coisa tão simples, o primeiro lugar que a Ika Fleury quando ele saiu candidato a governador foi o fórum. Eu convidei a comandante do primeiro batalhão, comandante Abigail e elas foram. Uma coisa tão simples, a polícia feminina não tinha viaturas próprias, dependiam dos homens para as viaturas. Neste dia, a comandante falou com a Ika, desse problema, tanto é que 90 dias depois a polícia feminina tem viaturas, hoje elas tem viaturas próprias e uma conversa tão simples que saiu de dentro do fórum.
P/1 – A delegacia ajudou?
R – A delegacia... Não, a delegacia também há umas falhas tremendas, tinham um centro de orientação, como é que era... Centro de Orientação e Informação do idoso na estação São Bento, como é que um idoso vai sair lá de Santo Amaro pra chegar lá e ter uma informação? Minha filha, ele vai sair de Santo Amaro pra ter uma solução, não pra sair pra... “Ah não, o senhor tem que ir lá”. Não, ele quer uma solução. Então, vamos criar um serviço telefônico, onde ele tenha a informação por telefone. Eu vi nesse Centro de Orientação e Informação, eram funcionários indicados por político, aqueles que nada fazem, um dia eu cheguei na estação São Bento, eram três horas da tarde, a fila já tava longe, daqui a pouco chega a mocinha com a bolsinha, eu falei “O que isso? São três horas da tarde”, “Ah, que não sei o que”, quando nós fomos falar do SOS idoso, eu me lembrei da polícia feminina. Eu falei porque não usarmos essas meninas da policia feminina? Elas já são disciplinadas, treinadas e tem muito mais facilidade de agilizar uma ambulância, uma viatura do que o cívil, então as que estavam dentro do fundo de solidariedade, foram treinadas. Excelente essas meninas, fazem um trabalho muito bom. Eu tenho uma gratidão ao Fleury, eu conheci o Fleury de uma forma interessante, em um encontro de mulheres, de delegadas, da delegacia de mulheres, um encontro nacional, e se discutiu tudo, criança, creche, negros, trabalhadora rural, trabalhadora e a mulher idosa ninguém discutiu. Quando elas acabaram eu bati palmas, as senhoras aqui ninguém vai envelhecer e o Fleury estava lá, quando ele ia saindo, eu disse “Gostaria de conversar com o senhor”, ele chamou a Maria Luisa (Eluf?) e disse: “Toma nota dela e o telefone”, eu saí de lá pensando “Sabe quando ele vai me chamar? Nunca”. Duas semanas depois, eles chamaram, eu tenho as fotos e nós expusemos a ele a necessidade de uma delegacia, nós já tínhamos atendido diversos casos de violência, levamos tudo documentado e ele disse “As senhoras serão atendidas”, aí ele iniciou a campanha política, eu disse “Lá se foi a delegacia”, seis meses depois, ele como governador, ele dava a delegacia do idoso. Ela era também muito sensível, porque não sei se vocês a Ika foi criada pela avó, a mãe dela faleceu quando ela era pequena, ela foi criada pela avó, então ela tem um carinho enorme pelos idosos, é muito sincera no trabalho que ela faz. Muito sincera mesmo, isso está nos ajudando muito. Veja, a delegacia do idoso é a única no mundo que o Sos idoso, já está sendo implantado na Venezuela, quando eu saí de lá já estava bem organizado, já havia muita atenção nisso. Porque o idoso mesmo que ele não saiba telefonar, mas sempre tem alguém que vai ligar pra ele, que dizem “Ah, como ficou surdo”, “Ah, minha filha pede pra alguém ligar”, ele tem comunicação ele pede pra alguém ligar. Não há necessidade de pôr na Estação São Bento novamente isso, são pequenas coisas, você vê? Pequenas coisas, o passe de idoso era na estação São Bento, em uma loja que tinha um rebaixamento de uma escada, o idoso não via, metia a cabeça na escada. Um dia, eu sentei lá e fiquei observando quantos bateram a cabeça, anotei, saí de lá e falei “Gente, olha...” aí o metro fez umas faixas amarelas, não adiantou nada. Não é mais fácil descentralizar isso?
P/1 – Realmente.
R – É mais fácil descentralizar isso porque que tem tudo aqui? Às vezes as filhas iam sair lá no Anhemgabaú, gente. “Ah, é!”, pronto. O ____ prontamente, perfeitamente hoje em qualquer estação tira. São pequenas coisas gente. “Ah, o idoso só sabe reclamar, aí, mas é longe, aí a estação, aí essa fila...” eu falei: “Vocês tão é com saudade da fila”, agora é mais fácil, eles gostam, gostam de ser vítimas. As coisas tão simples meu Deus do céu, agora tem gente que está reclamando que eles não querem entrar pela frente do ônibus. Eu falei: “Pombas, vocês disseram que se sentiam discriminadas porque as velhas não querem mostrar que tem idade. Vocês querem entrar por trás, vocês estão loucas!”. O que é isso gente? Sabe, uma cobrança muito grande. Voltando ao motorista, eu vou falar porque eu falo mesmo, aí não sei guardar senão vou ter infarto. O Marcos Mendonça, o vereador, apresentou uma proposta para punir os motoristas de ônibus que maltratarem os idosos, notem bem a demagogia, primeiro, o idoso tem que anotar o número do ônibus, o nome do motorista, tudo isso, aí ele vai em um posto onde vende os passes, ele tira esse formulário, preenche esse formulário e entrega. Então, à empresa de ônibus é descontada um dia de serviço do motorista. Vocês acreditam que a empresa vai ser descontada? Vai cair em cima do motorista, o que vai aumentar a rotatividade e vai ser um pé a mais pra se mandar o motorista pra rua e aumentar o desemprego. Porque nós sabemos que tem empresas de ônibus, que financiam campanha de vereadores para garantir os seus dinheiros. O punido vai ser o trabalhador, mas o idoso não vê isso, vê só os seus direitos, não levam em consideração que esse motorista pega um trânsito ruim, pega passageiros malcriados como eles, às vezes, com os filhos doentes, com despejo, com nada. O que nós precisamos... Se deu muito ao idoso no Brasil e não se cobrou nada, é o passe do idoso, é isso do idoso, é aquilo do idoso, o que que se cobra do idoso? Nada. Esse idoso tem que ser participativo, eu vejo com muita tristeza quando eu pego uma revista _____ uma revista inglesa que no dia do idoso a África plantou uma árvore com seus netos, que no dia do idoso Gana fez brincadeiras o velho e a criança, aquela lá de puxar corda. E no Brasil nós fizemos festinha. Pra quê? Pelas nossas boas aposentadorias? O idoso é tão alienado de tudo, que tem o Conselho Comunitário de Saúde, tem que ter uma representação do idoso, não tem, não tem... Se vemos no mundo em cônsul nacional de saúde, só São Paulo levou a saúde do idoso, só eu é que estava lá, tirando os dois técnicos, o Doutor Luís Ramos, que fez uma exposição belíssima e o Doutor Germano e a companheira lá de Brasília, ninguém pra defender a saúde. Nós temos que estar atentos com a unificação dos serviços de saúde como o SUS, onde as verbas virão diretamente do federal para o municipal, nós temos que estar organizados para fiscalizarmos essas verbas quando nós tomamos conhecimento de uma cidade de interior um prefeito que recebeu 400 milhões pro plano de saúde e fez uma fonte luminosa e acabou o dinheiro. Que fonte cara, né? Nós precisamos estar organizados se eu quero ter saúde, eu preciso fiscalizar, chegou a verba, chegou, aonde está? Quando eu me revolto? Na central de medicamento o dinheiro foi desviado para o Sucam para as endemias, depois foi desviado para comprar automóveis que sumira. Seu Alcine Guerra, o irmão do PC, hoje nós não temos medicamentos, nem Santa Casa no Hospital das Clínicas, nem centros de saúde, nada. O idoso precisa tomar consciência disso, ele tem que tomar consciência que não é só o passe. Eu fico indignada quando vou ver as reivindicações, quero cinema de graça, ônibus de graça, teatro de graça, e se possível, ônibus com uma parada em frente à minha casa, viagens, agora querem viagens de ônibus para outros municípios. Eu falei, perfeito, as empresas de ônibus vão a falência e nós vamos criar uma rodoviária só pra idoso porque o que vai ter de velho viajando não é brincadeira.
P/1 – E discriminando.
R – Discriminando. Quer dizer, para com isso, eu vim da Venezuela onde tudo é com 50%, eu não preciso mendigar, eu chego na farmácia, peço a receita, e tem uma tarjeta beneficiaria, você passa, você apresenta em viagem de avião, de trem... Tudo, 50%, eu tenho, eu não vi nenhum velho na Venezuela, “Venezuela, vocês recebem tudo de graça?”, “Nada”. Na Venezuela não existem asilos, existem comunidades, que já é diferente. Então, isso que nós precisamos. Eu acho muita graça quando, por exemplo, a questão do sexo, eu acho muito interessante falar isso porque eu fui visitar um asilo em Jacarepaguá e veio um cidadão de um asilo de todo respeito, os homens de um lado e as mulheres de outro, eu falei “Tá tudo errado, deixa o velhinho dormir com a velhinha, deixa dormir junto”, “Mas minha senhora não tem mais penetração, não tem sexo”, eu falei: “E sexo é só penetração? É o dormir junto, é um afago, um toque de mão, um beijo, tudo é sexo” ele era o diretor e era médico, imagina se não fosse (risos). Você vê que coisa, as pessoas... Esses dias a (Silvia Popovik) foi me entrevistar “Você faz sexo?”, claro que faço, eu não tenho como negar. Gosta? Claro que eu gosto, por isso que eu não sou frustrada, eu não tenho recato não, eu faço sexo, gosta? Gosto. É um direito que eu tenho, você faz sexo uma boa parte da sua vida, de repente, você envelhece, virou anjinho. Você está assexuada, virou anjinho. O que é isso? Você vê uma criança de mãozinha dada “Que gracinha”, vê um velho “Que ridículo”. Porque que eu sou ridícula por que eu amo? Por que eu sou amada? Por que eu amo e eu gosto? Tudo isso é ridículo... Agora o idoso tem culpa disso, tem aquela idosa que chantageia os filhos, aquela idosa que é a eterna vítima e filho não é previdência social, filho é filho, eu tenho horror daquela que chega, eu fiz tanto pelo meu filho, dei as melhores escolas, deu porque quis.
P/1 – (inaudível)
R – Discutimos muito porque temos gênios muito iguais, a única coisa que nos entendemos é politicamente, eu acho que neste ano, no Dia Internacional da Mulher, estávamos as três na rua. Eu tenho uma neta de sete anos que ela já está consciente que ela tem direitos como mulher, mas que ela também tem deveres como mulher. No Dia Internacional da Mulher no ano passado, eu fiz uma camiseta com a Mônica escrito assim “Salve o dia 8 de março” e a professora disse: “Por que você está sem uniforme, Isadora?”, “Porque é dia internacional da mulher”. Ai que lindo. Eles são assim. Eu tenho um neto que esse me surpreende como ele é consciente, ele é pequeno, depois da eleição de Governador tudo isso, já tinha acabado tudo, fomos comer pizza, ninguém mais falou de política nada. Ele olhou pra mim e disse: “Vó, Maluf nunca mais”. Ele, por exemplo, no impeachment, nós participamos, todos na rua e no dia da votação do impeachment, quando ele viu a votação, ele se atirava, ficou indignado porque ele não foi. Porque ele já tinha estado na rua, ele falou: “Mas eu quero ir”. E ontem minha neta chegou e disse: “Minha escola não tem jeito, só dá Maluf naquela escola”, “Então, sai da escola”, eu falei pra ela (risos). Ela tem, por exemplo, na campanha do Fleury nós participamos muito, o Fleury ia na câmara municipal, ela dizia “Mãe me leva, eu quero ver o Fleury, quero dar um beijinho na Ika”, minha filha “Não, eu não vou levar criança”, “Mãe, eu me comporto bem”. Ela se comportou mesmo, ela pegou cumprimentou o Fleury e beijou a Ika aí ela disse “Hoje eu morro feliz”, eu falei “Que morrer menina, para com isso”. Eles são bem... A minha filha também, eu me lembro minha filha pequena nas reuniões do partido, tinha um sofá que tinha um buraco, ela dormia lá, chegava meia noite “filhinha vamos embora, vamos embora filhinha”, e ela “hã?”. Me lembro que tinha um buraco no sofá, meu Deus, ela era tão pequena, eu fiz isso. Mas foi bom, ela teve uma participação muito grande nos movimentos estudantis e há uma passagem muito interessante porque no meu currículo tem duas prisões. Eu falo isso porque no ano passado, teve o encontro internacional de idosos e eu fiz parte de uma mesa pra formação comunitária. O que estava coordenando a mesa, quis fazer graça e disse: “A minha esquerda, como sempre a minha esquerda dona Maria Antônia Gigliotti” eu fiquei quieta, mas ele não falou dos que estavam a direita, quando acabou eu disse: “Pra completar meu currículo, devo dizer aos senhores que tenho duas prisões, não como salafraria, não como nada, mas como uma mulher lutando pela liberdade” e foi aí que eu conheci os Venezuelanos que acabaram me levando pra Venezuela. Então, eu acho que tudo isso, essa luta assim foi muito boa, eu acho que nós temos que ter uma formação política, é muito importante. Mas voltando às minhas prisões, em 69 eu fui presa porque meu vizinho foi preso, eu tava de... Ele tinha um telefone meu, eu fui de embrulho.
P/1 – Como?
R – Meu vizinho tinha vindo do interior, ele não tinha telefone, eu tinha telefone e ele foi preso, ele era subversivo. Uma pessoa linda, já faleceu. Eles pegaram e tinha meu telefone, todo mundo foi junto. Eu passei algumas horas, quer dizer, apanhei um pouquinho, até hoje me dói aqui, mas tudo bem. Em 87, eu fui presa com as mulheres, eu tenho uma foto porque nós estávamos pintando uma formiga embaixo do minhocão, que essa formiga é o trabalho da mulher pequeno, mas persistente, e ela carrega essa formiga uma folhinha verde e amarela. Nós fomos presas, foram fazer denúncias que nós estávamos pichando o minhocão e fomos presas, fomos pra federal, na Piauí, depois fomos pra Antonio de Godoy, passamos algumas horas. Uma coisa muito interessante, o cidadão pegou os documentos e disse: “Que idade a senhora tem? Essa idade!”, “A senhora tem filhos?”, eu falei: “Tenho”, “Quando a senhora for tirar documentos vai sair sua prisão e de sua filha”, eu falei “Puxa, que polícia eficiente”, cala a boca, aquelas coisas. Porque minha filha também foi presa no movimento estudantil, então nós temos uma tradição de prisões porque o pai foi preso em 32, eu fui presa e minha filha também, nós temos uma tradição. Então, meus netos também serão presos, a não ser que a coisa mude no país. Eu acho que nós temos... Eu não acredito por exemplo que o trabalho do fórum seja pra agora, eu acredito que a minha geração não fará nada, mas quando você pensa em mulheres como La Pasionaria, quando você pensa na celebre frase de La Pasionaria quando entraram os franquistas e que ela disse “es mejor morir de pie que vivir de rodillas”. É preferível a gente morrer mesmo lutando, do que viver de joelhos, eu acho que é preferível. Quando você pensa nessas mulheres, quando você pensa nas feministas como Berta Lutz, Doutora Pereira de Queiroz, e outras mulheres. Quando você pensa em Ana Neres, quando você pensa em Maria Quitéria, ninguém fala de Maria Quitéria e que força teve Maria Quitéria, _____ uma série de mulheres famosas, isso me impulsiona lutar, eu tenho consciência. Mas por outro lado, estou vendo que está se criando consciência, a formação do grupo de teatro do fórum está sendo já copiado por outros grupos, a formação da nossa luta política, eu fui a primeira mulher a sair a luta junto com os homens, pelo direito à aposentadoria. Hoje eu vejo com satisfação que elas estão indo mais a rua, eu chorei de emoção quando eu vi as mulheres na rua. Isso é uma coisa que eu vejo agora com muita satisfação que a Rosemere que está na secretária da promoção social, já está categórica, nada de tricozinho e crochê. E acredito por outro lado que somos nós mulheres que vamos fazer mudanças. Hoje nós já temos uma polícia feminina integrada na questão do idoso, movimento de mulheres, movimento negro, eu já tive um bate e boca com Menegheli, falei “Para de falar em metalúrgico e CUT, eu tenho a história dos ferroviários que é maior que a dos metalúrgicos”. Então, a gente já está levantando a discussão, eu tive encontro com CGT e nós já estamos levando a discussão para os meios sindicalistas.
P/1 – Nós adoraríamos ouvir mais, mas temos mais umas perguntas para fazer. Então, todas as questões que a senhora já falou pra gente do idoso, tem mais alguma outra atividade que a senhora faz?
R – Como feminista, como mulher, me encantam os movimentos feministas, somos tão mal interpretadas, no dia que nós fomos presas e que nós fomos presas e que nós fomos postas em liberdade graças a (Alda?) Marco Antonio e a Terezinha Zerbine e os movimentos de mulheres porque nós conseguimos nesse dia que uma companheira fugisse. Eu me lembro que na saída da polícia federal, um cidadão, um agente provocador disse, essas mulheres são lésbicas, essas lésbicas, eu cheguei pra ele e falei “Como é que o senhor descobriu o meu caso com sua mulher?”. Ué, se eu era lésbica era porque eu estava de caso com a mulher dele, né? Então você vê essa coisa, mas o trabalho das mulheres tem sido muito importante, o trabalho com a creche... No fórum nós lutamos pela creche, nós lutamos pelos 120 dias de licença maternidade, saímos com os homens com os 8 de licença paternidade. Essas são as lutas do fórum, nós apoiamos o movimento negro, nós apoiamos tudo isso.
P/1 – E a senhora mora com quem?
R – Moro sozinha, eu quero ser atropelada sozinha, não quero com ninguém.
P/1 – E as pessoas que a senhora mais convive da sua família?
R – Olha, é uma coisa interessante, eu me afastei muito da minha família porque embora oriundas todos de um meio operário, as minhas irmãs se tornaram muito burguesas, bem burguesas e mesmo os meus primos tudo isso, até me assusta alguns são bem burguesões, bem direitistas. Então, pra evitar o conflito, eu gosto de vê-los só assim “Oi tudo bem, tudo bem?”, jamais eu entro na questão política, gosto demais deles, respeito, tudo isso, mas eu tenho um mas pessoal mesmo. Tenho amigas muito queridas que são... A minha família dentro de São Paulo foi o partido comunista, e talvez houvesse assim mesmo, um desligamento. A morte de meu pai foi um naufrágio, foi uma coisa... Eu convivi muito, uma coisa que me comoveu muito foi quando eu fui candidata à presidência do conselho municipal do idoso e vi duas pessoas bem idosas, que foram lá pra votar em mim. E me chamaram por apelido porque eu tenho um apelido de criança “Maruxa”, eu olhei assim e um deles me disse isso, olhos verdes cor do mar, olhos pensativos que fazem sonhar. Isso é uma poesia do Vicente de Carvalho, e era um companheiro do partido comunista, que quando jovem sempre dizia pra mim esse poema, sempre brincava comigo. Pois essa gente, velhos e doentes foram votar em mim e isso é lealdade. E quando eu vejo, por exemplo, vamos falar um pouco do impeachment, Fora Collor, quando eu vi a juventude brasileira, os caras pintadas, graças a Deus, diferente dos cara-pintadas da Argentina, eu passei acreditar no Brasil. Quando eu vi a juventude na rua, lutando, eu passei acreditar no Brasil. Esse menino que liderou o movimento era do meu partido.
P/1 – O que você acha hoje que mais transformou na sua vida?
R – O que mais transformou? Quando eu comecei a me interessar pela questão do idoso.
P/1 – E se tivesse que mudar a trajetória, mudaria ou?
R – Quer dizer, as mudanças já se processaram com a morte do Gigliotti, quando você tem uma vida assim que você não sabe... Que você tem uma vida que você não sabe quanto custa nada, você sabe só que tem que fazer um cheque. Tudo tinha que falar pro marido, aí estou precisando disso. Ele morreu de repente, eu senti como se o mundo tivesse desabado sobre a minha cabeça, de repente eu tive que ir a frente de tudo. Apanhei muito, sofri muito, mas isso me deu muita força pra lutar, isso foi o primeiro passo. Comecei a crescer, depois o segundo passo foi a separação e o conhecimento, depois a União de Mulheres, os movimentos feministas, quando eu entrei no movimento de mulheres, eu que tinha preconceito como eu seria recebida, fui muito bem recebida, sou muito bem recebida por elas, então você que o preconceito muitas vezes é do velho, acho... Acredito em mudanças, gosto de participar, era com muita alegria que em Brasília nós fomos ao congresso, conversar, e era com muita alegria, saia com muito aquilo “Fora Collor”, Fernandinho Cheirador, eu me transformo quando estou pra rua.
P/1 – Imagino (risos).
R – Quando eu vou pra uma passeata, eu tenho 20 anos, quando eu vou pra passeata eu sou aquela jovem entrando no partido comunista.
P/1 – Quais seus sonhos?
R – De ter um Brasil efetivamente livre de todo domínio dos chamados países do imperialismo. Eu acho que a maior desgraça é o fundo monetário internacional e esse neoliberalismo funcionou lá, mas não funciona aqui. No momento o fórum tem duas grandes lutas, são três aliás: saúde, contra a privatização da previdência, que não seja tirado do trabalhador o tempo de serviço, em um país onde se entra com seis, sete anos, embora no ____ iniciasse com 14, só que ele não tinha estado em barrinha no corte de cana, onde as cinco horas da manhã, eu chorei tanto aquele dia, eu vi um menino com a idade da minha neta, no corte de cana, o pai tinha falecido, virou o caminhão. Ia família toda com um embornalzinho com a faquinha, tinha cinco anos, que saúde esse homem vai ter? Ele não vai chegar aos 65 anos, ele não chega, analfabeto e sem saúde, só vai chegar aos 65 anos os Collor e os Malta, os Malta isso mesmo se não matarem entre si. Eu não posso permitir isso, eu não posso. Eu vivo, eu vejo essas meninas, não dá... Ele tem que se aposentar por tempo de... A não ser que venha uma legislação que ninguém poderá entrar no mercado de trabalho antes dos 14 anos e que o estado de condições de vida para todas essas crianças, tudo bem, então nós vamos modificar, mas enquanto nós tivermos crianças na rua, crianças no corte de cana, na colheita da laranja com 6,7 anos nós não podemos modificar a previdência.
P/1 – Esse pequeno tempo que ficamos aqui, como é que foi pra senhora?
R – Olha, se o que eu disse influenciar alguma coisa, espero que nunca mais tenhamos repressões nesse país, que nunca mais tenhamos mortes da guerrilha do Uruguai, que nunca mais eu veja estudante espancado na Praça da República e que o Brasil tenha mais e mais Ulisses Guimarães, é isso que eu espero. Se eu contribuir, tudo bem. E se vier repressão? Já pensou esse filme na mão do DOI-CODI
P/1 – (risos) Contribuiu bastante.
P/2 – Muito obrigada.
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