P/1 – Dinho, obrigada.
R – Eu que agradeço.
P/1 – Para começar, eu queria que você falasse o seu nome completo, o local e a data do seu nascimento.
R – Gilceir Nascimento. Nasci em 26 do 10 de 59, no Bairro de Pau Grande, Magé, Rio de Janeiro.
P/1 – E o nome dos seus pais?
R – Sebastião Antônio do Nascimento, e mãe, Alcina Carneiro do Nascimento.
P/1 – E o que eles faziam, ou fazem.
R – Os dois são aposentados, mas todos os dois trabalhavam na fábrica de tecidos América Fabril.
P/1 – Que fica...
R – Em Pau Grande
P/1 – Em Pau Grande. E qual é a origem, assim, da sua família, quais são as histórias de família que vocês contavam quando pequeno.
R – Ah, são descendentes de uma mistura de raças. Da família da minha mãe, alemão com italiano; e parte de pai eram negros com índio, aí formou essa porcaria que sou eu. Desse monte aí sou eu.
P/1 – E você tem irmãos, Dinho?
R – Tenho, tenho um irmão que mora aqui em Botafogo, o mais novo, e tenho uma irmã que mora perto de mim.
P/1 – Como eles se chamam?
R – Gilson do Nascimento, e Gilséia.
P/1 – Você é o mais novo?
R – Não eu sou um dos mais velhos; a minha irmã é a mais velha, depois sou eu, aí depois tinha um que faleceu, agora esse mais novo, o Gilson.
P/1 – E como era a casa de vocês quando vocês eram pequenos.
R – Ah, ela sofreu melhorias. Até uns cinco ou seis anos a minha casa era palafita, era casa de...não sei nem se você conhece, casa de estuque, feita de barro de sopapo e era coberta de zinco. As casas da fábrica mesmo, que os ingleses fizeram eram as casas boas, bem feitinhas, de alvenaria, mas a maioria das casas lá era igual a minha, era casa de sopapo, de pau-a-pique. O cara entra lá, faz as madeiras, aí entrelaça elas com fibras, com bambu, e joga barro na parede. O chão era batido. Aí foi melhorando....
Continuar leituraP/1 – Dinho, obrigada.
R – Eu que agradeço.
P/1 – Para começar, eu queria que você falasse o seu nome completo, o local e a data do seu nascimento.
R – Gilceir Nascimento. Nasci em 26 do 10 de 59, no Bairro de Pau Grande, Magé, Rio de Janeiro.
P/1 – E o nome dos seus pais?
R – Sebastião Antônio do Nascimento, e mãe, Alcina Carneiro do Nascimento.
P/1 – E o que eles faziam, ou fazem.
R – Os dois são aposentados, mas todos os dois trabalhavam na fábrica de tecidos América Fabril.
P/1 – Que fica...
R – Em Pau Grande
P/1 – Em Pau Grande. E qual é a origem, assim, da sua família, quais são as histórias de família que vocês contavam quando pequeno.
R – Ah, são descendentes de uma mistura de raças. Da família da minha mãe, alemão com italiano; e parte de pai eram negros com índio, aí formou essa porcaria que sou eu. Desse monte aí sou eu.
P/1 – E você tem irmãos, Dinho?
R – Tenho, tenho um irmão que mora aqui em Botafogo, o mais novo, e tenho uma irmã que mora perto de mim.
P/1 – Como eles se chamam?
R – Gilson do Nascimento, e Gilséia.
P/1 – Você é o mais novo?
R – Não eu sou um dos mais velhos; a minha irmã é a mais velha, depois sou eu, aí depois tinha um que faleceu, agora esse mais novo, o Gilson.
P/1 – E como era a casa de vocês quando vocês eram pequenos.
R – Ah, ela sofreu melhorias. Até uns cinco ou seis anos a minha casa era palafita, era casa de...não sei nem se você conhece, casa de estuque, feita de barro de sopapo e era coberta de zinco. As casas da fábrica mesmo, que os ingleses fizeram eram as casas boas, bem feitinhas, de alvenaria, mas a maioria das casas lá era igual a minha, era casa de sopapo, de pau-a-pique. O cara entra lá, faz as madeiras, aí entrelaça elas com fibras, com bambu, e joga barro na parede. O chão era batido. Aí foi melhorando. As coisas foram, acho que meu pai foi pegando condições, fez uma casinha boa de alvenaria. Hoje em dia eu posso dizer que a gente mora em um palácio. A minha casa, a mesma casa, hoje em dia tem piscina de água natural, tem jardim, então a mudança foi acontecendo com a própria evolução do mundo mesmo.
P/1 – E conta um pouquinho do que vocês brincavam, o que vocês faziam quando você era pequeno.
R – Ah, eu fui uma criança que tudo o que uma criança de interior fazia, eu fiz. Eu jogava bolinha de gude, eu soltava pipa, eu rodava pião, roubava a roça dos outros, pescava, fazia tudo que uma criança já pode fazer de travessuras e coisas, eu fazia.
P/1 – E você lembra, assim, de alguma história interessante dessa época de criança?
R – Ah, tem várias histórias. Algumas marcaram mais, tipo uma que a gente roubou um marreco. A gente roubou um marreco da vizinha; a gente roubou não, a gente foi pescar, de anzol, de piabinha, aí encontramos um marreco lá. “Vamos matar esse marreco para comer.” “Vamos.” Pegamos o marreco, apartamos ele para um lugar mais raso, parecia um embalagem de tiradeira, e conseguimos pegar o marreco. Lá tem muito maracujá silvestre, a gente pegou, botou o marreco embaixo, na bolsa, encheu de maracujá por cima, e levamos para casa. A minha avó foi, preparou o marreco pra gente, fez o doce de maracujá, depois fez a gente trabalhar para pagar o marreco para a mulher. Tivemos de vender aipim, eu me lembro que eu vendi aipim para o senhor José Ferreira. Nós tivemos que pagar o marreco. Fizemos a maior farra, três, quatro garotos, fizemos a maior farra. Depois nós tivemos que pagar o marreco, que a minha avó era - tanto que eu tento me espelhar nela, que eu sou avô já, e eu tento fazer o que ela fazia – ela era camarada, mas é durona. Minha avó era aquela avó maravilhosa, mas durona pra caramba. Até pra gente não ter o costume de continuar matando as coisas dos outros. Mas farra foi ótima. Depois, na hora de pagar é que foi esquisito. A gente: “Ah, vamos lá”, e todo mundo levou na esportiva. Naquele tempo, as crianças que tinham maior responsabilidade. Foi gostoso.
P/1 – E os avós moravam perto também, na mesma casa?
R – Minha avó morava comigo, na minha casa. Tudo o que eu sou hoje eu agradeço a ela. Meus pais também trabalhavam, e ela era aquela pessoa que tinha pouco estudo, mas tinha muita cultura. Ela não tinha pergunta que não tivesse resposta. Perguntava, ela te dava resposta de vivência. Bom, ela nasceu em 1900, ela conheceu o mundo como a gente não conheceu.
P/1 – E a avó desse rolo dos italianos, alemães, qual que era esse lado?
R - Essa eu tive que pouco contato, porque a mãe da minha mãe, eles moravam um pouco distante e ela morreu muito cedo. Eu não tive assim aquele contato que eu tive com a outra. A outra me acompanhou até os 18 anos e era aquele xodó mesmo.
P/1 – Como que ela chamava?
R – Francisca. E o meu avô era famoso lá de cima, Chico Violão. Acho que deu origem àqueles violeiros, todinhos lá. Todo mundo falava: “Ah, quem é Chico Violão?” Todo mundo sabia quem era o Chico Violão. Eles eram família de músicos, o irmão dele era o senhor Ponciano, que tocava rabeca, quer dizer, eles animavam o cinema local, que era cinema mudo. Aí quando a cena era tranqüila, eles faziam a cena. Eu até cheguei a ver algumas coisas lá, intrigado com aquilo, mas era o modo deles poder tirar proveito, o mundo girava em cima disso. Trabalhava na fábrica, lá todo mundo trabalhava na fábrica. Uma coisa que às vezes me deixa com saudade, que quando um garoto fazia 14 anos a fábrica pegava e mandava para uma escolinha para aprender uma profissão. Você seria mecânico, seria um tecelão, um fiandeiro, ou trabalhava na fábrica de vassoura, ou ia para a oficina aprender umas das coisas, o torneiro, ou alguma coisa dentro da oficina. Hoje em dia as fábricas não fazem mais. O Guaraná Paquera emprega meia dúzia de pessoas e acham que está fazendo a coisa toda.
P/1 – Dinho, e quando você era pequeno você tinha um grupo de amigos, de vizinhos. Como é que era?
R – É, muitos deles já até morreram, porque era um lugarzinho pequeno, mas era bem povoado. E tinha uns colegas bons lá, muitos já foram, outros se mudaram, mas ainda tem alguns deles lá ainda.
P/1 – Tem algum assim que você lembra mais, que te marcou?
R – É, os meus amigos mesmo de fé, que a gente fazia nossas travessuras, estão lá até hoje; Joel, meu primo, até de vez em quando a gente se encontra; o Zé Carlos... Joel, o Zé Carlos, esses... aí tem um que está lá muito doentinho, que é o Carlinhos Matilde, esses eram os, vamos dizer assim, os companheiros das horas boas e das ruins. A gente fazia as travessuras e também se tivesse que varrer o quintal todo mundo ia varrer, porque antigamente era assim, pegava na escola às sete horas da manhã, aí estudava até às 11 horas. Depois, para poder caçar passarinho, pescar, qualquer coisa, tinha que tratar dos porcos, varrer os dois quintais: da frente e dos fundos, e às vezes cuidar das galinhas, dos patos para poder ter mais tempo para fazer as travessuras. Todo mundo caía junto, um varria aqui, um partia para a casa do vizinho, para varrer o quintal do vizinho, e aí era uma comunidade.
P/1 – Todo mundo se ajudava...
R – Todo mundo se ajudava. Hoje em dia a gente até entende, mas a gente prendeu muito passarinho. A gente pegava passarinho pra prender, fazia laçinho, prendia, matava, torcia o pescoço pra fazer farofinha e essas coisas tudo. Quer dizer, hoje em dia quando eu vejo um garoto com atiradeira na mão: “Pô, não faz isso não.” Ensino, mas a gente fez muito. De repente o que eu faço hoje em prol da natureza, eu tô pagando pelo que eu já fiz de ignorância, porque naquele tempo era coisa de criança mesmo. A gente não tinha maldade que o meu neto de oito anos tem hoje, mas a gente fazia as travessuras, quer dizer, caçar preá. Você nem sabe o que é preá, sabe?
P/1 – Sei...
R – Um bichinho igual um rato assim, a gente caçava aquilo e comia preá, e pescava naqueles lagos e rios que eram infestados de peixe, e a gente pegava fieiras e fieiras de piaba, cará, bagre. Hoje em dia eu preservo para não deixar acabar. Quando eu vejo o pessoal botando cal, um Guaraná Paquera poluindo, eu faço de tudo para não acabar. Meus tanques de peixe que tem lá, se você chegar lá agora... por exemplo, o mês que vem agora é a época da desova, é o meu maior xodó. O meu netinho de quatro anos já sabe: “Ô vô, fulano tá com o ninho.” Ele conhece o peixinho, assim. “As carazinhas está tudo lá com ninho.” Quer dizer, ele já tem essa preocupação, digo então porque, eu tento pregar para eles que no meu tempo tinha abundância, a pesca não era uma pesca predatória.
P/1 – E vocês pescavam onde? Como era essa coisa da pescaria.
R – Eram nos riozinhos que ainda tem lá. Agora, a maioria daqueles corregozinhos que tinha peixe, hoje em dia não tem. Só esgoto, que o lugar vai crescendo, a qualidade de vida foi caindo muito. Da década de 70 para cá a qualidade foi caindo muito. Antigamente, quando eu comecei a me entender por gente, eu vi que o cara ia fazer uma casa, e a primeira coisa que ele fazia era uma fossa. Hoje em dia não, o cara vai fazer uma casa, joga o esgoto lá dentro mesmo. E depois, de qualquer forma, não quer saber se vai poluir. É embalagem..., pô você não via embalagem, pois era papel, o leite geralmente tinha uma vasilha. Eu comprava leite, meu pai comprava leite, eu tinha uma vasilha; ia lá na leiteria, o cara tirava leite na hora, chegava lá e aí ele botava na vasilinha, levava, fervia. Não tinha esse negócio dessas indústrias agora que você vê. Eu aproveito bem o saquinho de leite. Eu uso o leite, a gente usa lá esse leite Longa Vida, depois eu guardo o saquinho dele. Até peço às pessoas lá, meus vizinhos, para guardar para fazer muda de planta. Eu reutilizo ele, eu corto ele, depois eu faço os furinhos, boto a mudinha de planta para repor. Mas a maioria desse material vai para o lixão mesmo.
P/1 – Então nessa época era fácil de pescar, tinha muito peixe, não custava muito.
R – Muito peixe, muito bicho, a gente caçava gambá, a gente fazia um montão de coisas.
P/1 – E Dinho, você lembra assim o seu primeiro contato com a escola, como é que foi?
R – Pô cara, eu me lembro do Jardim de Infância, não foi bom não.
P/1 – Não?
R – A gente tinha uma professora bigoduda que eu tinha um medo dela do caramba. Tinha uma que era um xodó, Ana Maria, me lembro dela até hoje, mas tinha uma tal de Dona Eunice lá, que ai meu Deus! Janete, eu tinha um medo da mulher. Primeiro dia que meu pai me levou pra escola, que eu olhei aquela mulher de frente, eu falei: “Ih, isso não vai prestar.” Ela passou aquela imagem muito carrancuda, ela era muito fechadona, e aquilo me deixou meio apreensivo; depois fui me soltando, fiz uma amizade boa. Eu tinha meu grupinho, era eu, o Gilson, o Gilvan e Paulinho. Esses quatro. E no Jardim de Infância de antigamente a gente tinha umas mesinhas, que era como se tivesse nós quatro aqui e uma mesinha no meio, e a gente fazia peripécias ali. A gente acabou sendo xerife lá do Jardim de Infância. Vamos dizer assim, cada um tinha a sua personalidade e a gente conseguiu conciliar.
P/1 – E era perto da sua casa?
R – Ah sim, uns 15 minutos.
P/1 – Caminhando...
R – É, mas não tinha maldade que nem hoje e a gente ia, podia uma criança de cinco anos podia ir pro Jardim de Infância sem nenhuma preocupação. Não é hoje em dia que você não pode deixar seu neto, seu filho brincar sozinho na pracinha, que é perigoso. Mas lá onde eu moro é bem tranqüilo ainda.
P/1 – E você gostava de estudar?
R – Sempre gostei de estudar
P/1 – O que você gostava de estudar?
R – O que eu gostava?
P/1 – Que matéria?
R – Eu acredito que eu fui bom e eu gostava de tudo, menos de Português. Matemática, eu sempre gostei muito de Matemática, fui sempre bom, Ciência então, adorava Ciências, História, Geografia, que era o básico naquela época. Agora, Português era muito repetitivo. Você sabe que você vai usar verbo pro resto da sua vida, e aquilo é quase que repetitivo. Eu nunca fui de “decoreba”, eu não gostava, meu negócio era entender. Eu gosto de Matemática por causa disso, porque a Matemática ela te obriga a usar a mente e já o verbo, pronto, você decorou, você sabe que vai usar aquilo pro resto da sua vida. Até com essas mudanças que tem agora, se você voltar um pouquinho, tu vai ver que é a mesma coisa, é tudo a mesma coisa, não tirou, tu não fez grandes mudanças. A Matemática não, a Matemática é igual à Mecânica, todo dia você está aprendendo, todo dia você está tendo uma experiência nova e a Ciência então, agora... pô, eu sempre me interessei por Biologia, por Ecossistema, coisas... isso daí pra mim é um show.
P/1 – E o que você achava que ia ser quando crescer? Qual era o seu sonho?
R – Ah, uma criança de interior, ela não tem muito sonho não, porque ela passa a ser adulto muito rápido. Como eu morava num lugar que não tinha muita perspectiva de vida, e meu pai era,um Mecânico, eu fui ser Mecânico. Não mudou muito não.
P/1 – Na mesma fábrica?
R – É. Meu pai trabalhou 32 anos naquela fábrica. Eu trabalhei pouco, porque eu comecei a trabalhar e conheci logo a pescaria, e larguei tudo e fui pescar e o meu pai ficou doido. “Tu é doido rapaz, larga a pescaria, larga esse emprego.” Só que a pescaria era aquele negócio, você estava livre. Se tu pescar pouco tu ganha pouco, se tu pescar muito tu ganha muito, e você está ali em contato com a natureza, tu está explorando a natureza, dentro do auge. Eu tento pescar o máximo possível para não degradar, porque às vezes eu até falo, quando eu fui ser Ecologista, Ambientalista, eu tinha na mente que eu ia ser aquele Ambientalista roxo, e depois eu fui aprendendo que a melhor forma é conscientização. Nosso grupo é um grupo consciente. Eu chego para um caçador daquele lá da vida lá, um Aldo da vida lá: “Pó, Aldo, você tem que preservar, você gosta do esporte, você preserva, por quê? Por que se você não preservar, amanhã você não vai ter o que caçar.” Pô, você, aí, acaba, dando um, como se diz, dando mais um resultado. Eles não ficam chateado comigo e passa, a mente passa uma coisa mesmo, de repente uma coisa assim cola lá dentro da mente dele.
P/1 – E essa época você foi ser pescador, você devia ser adolescente.
R – Não, já era casado.
P/1 – Já era casado? E antes disso, como é que era essa época de adolescente?
R – Rapaz, eu acho que fiz de tudo, adolescente já fiz de tudo: eu já fui Músico, era Músico na Santa Cecília, gostava de tocar na banda. Tinha um Maestro lá, bom, Pedro Khalil, ele tinha uma meta com ele: estudar até ficar roxo. Com ele, ou você aprendia, ou desistia.
P/1 – O que você tocava na banda?
R – Pô, toquei saxofone, nego diz que é trompa; toquei bombardino... qual outro mais instrumento...trombone de vara... E era gostoso tocar na banda. Lá ainda tem ainda essa bandinha. Aí, nessas festas de igreja, convidavam a gente pra ir tocar. Era divertido pra caramba.
P/1 – E o que vocês faziam, assim pra se divertir?
R – Eu ainda peguei a época do Hi-Fi, acho que vocês nem sabem o que é. Eram os bailes feitos em casa, que a gente arrumava um toca disco, daqueles, ainda tinha disco de vinil, acho que ainda existe disco de vinil. Com aqueles bailes dos Beatles, aquela coisa, e a gente se divertia. A gente: “Ah, hoje é na casa de quem? Ah, hoje é na casa do maquinista.” A gente escolhia uma casa assim e o senhor maquinista ele gostava de fazer este tipo de baile pra gente. Ajuntava aquele montão de moleque lá, um montão de garota e a gente fazia tipo festa americana: o garoto levava bebida, a garota fazia um salgadinho. A gente fazia a festa. Geralmente era de sábado para domingo e ia até às tantas lá, tocando, dançando música lenta, e aí tinha um pouco de música lenta e depois um pouco de música pop, e a gente se divertia pra caramba.
P/1 – E tinha muita paquera?
R – Era mais sério, não era esse negócio de tô ficando não. A gente, se pegasse um compromisso, você ia namorar aquela garota por um bom tempo, e alguns casamentos são em cima disso, que eu me lembro alguns casamentos lá saíram em cima disso, saíram em cima desses Hi-Fi.
P/1 – E você lembra como que as pessoas se vestiam, como que era a moda?
R – É, a moda muda muito, quer dizer, eu já peguei a época da calça de boca de sino, era tipo uma pantalona grandona. Eu tinha cabelos longos, meu cabelo era desse tamanho assim, crescia... Depois teve uma época de todo mundo de cabelo curtinho. A moda vai, a gente tentava acompanhar, e como não era um lugar muito evoluído, a gente não tinha muito aquele negócio de o bom era assim. Teve uma época que ressurgiu o tamanco, todo mundo tinha tamanco: homens, mulheres, todo mundo usava tamanco. Aí depois a botinha. Meu tempo de escola apareceu um calçado lá, cavalo de aço, acho que era por causa de uma novela. Eu sei que tinha cada saltão desse tamanho. Homem usava salto, cada salto dessa altura assim. Inclusive todo mundo tinha, se não tivesse... todo mundo tinha. Eu inventei a moda uma vez, eu inventei, eu pedi pro cara fazer uma sandalinha de couro cru, pra mim, baixinha. Eu não achava e eu sempre gostei de sandália de dedo, só que eu não gostava de havaiana. Aí o João Sapateiro: “João, eu queria uma sandalinha assim, assim, assim, pra mim. Você pode fazer?” Aí ele falou: “Pega essa material aqui, pega um courinho fininho. Pegou, botou uma tirinha fininha. “Ô cara, onde você arrumou isso?” “Ah, mandei o senhor João fazer isso pra mim.” “Pô muito lindo, cara, deixa eu ver, deixa eu experimentar.” Pô o cara arrumou maior dinheiro, ele fez pra todo mundo. Ele acabou fazendo pra todo mundo, era uma coisa que deu certo. Aí ele ficou todo bobo. É igual a carteira de couro, acho que os primeiros a ter carteira de couro lá foi eu e o Jóia, depois todo mundo fez. O cara era um bom artesão e a gente tinha aquela mania de querer fazer uma coisa. E foi legal.
P/1 – Dinho, você dançava muito nessa época dos bailinhos, aí?
R – Muito não, que eu assim, nunca gostei muito de dançar não.
P/1 – Você tocava.
R – Não, eu gostava mesmo era de bater papo, aquela coisa, paquerar mesmo. A gente tinha um modo de paquerar engraçado, a gente cruzava os braços e ficava lá. “Você, vem cá.” Cruzava os braços e ficava lá. Era fácil, aí desenrolava o papo, aquela coisa.
P/1 – Mas depois tinha que namorar.
R – É, a gente namorava.
P/1 – Namorou muito nessa época?
R – Não, eu não fui muito namorador não, porque eu casei muito cedo. Eu casei com 20 anos. Hoje em dia 20 anos é um adulto, mas na minha época não era muito. 20 anos era um garoto. Você tinha seus compromissos, tinha suas coisas, mas hoje em dia o cara com 25 anos, diz que, ou já é um velho ou ainda é um garotão.
P/1 – E como é que ela chama, a sua mulher?
R – Ângela.
P//1 – Como vocês se conheceram?
R – Pô cara, tu vai rir um bocado. Eu trabalhava numa fábrica de tecidos, aí eu passei e vi uma baixotinha, bonitinha pra caramba, e falei: “Pô, eu vou namorar essa garota aí.” Aí, eu tinha uma equipe, eu era Chefe de uma equipe, Manutenção de Máquina. Aí tinha um garoto, Benjamim. Falei: “Benjamim, pô a garotinha é bonitinha.” “Ih, Dinho, não dá papo pra ninguém.” Falei: “Vamos fazer uma apostazinha? Que eu ganho ela”. Aí ele falou assim: “Aí, tá apostado.” Falei: “Óh,. se eu não conseguir namorar ela, eu te eu te boto na Mecânica; agora, se eu conseguir namorar, você vai fazer o meu relatório todinho, um mês de relatório. Tá feito?” Ele: “Tá.” Passou, depois outro dia eu cheguei pra ela: “Você...” Encostei na máquina dela, era a máquina de mão, que eu ia desmontar; as máquinas eram assim, 100 máquinas grandes de 12 metros. Cheguei pra ela pra puxar um papinho e ela aceitou. Aquele papo, sabe, daquela pessoa que nasceu pra outra? Chegou, bateu um papo assim e tal. Depois ia pegar ela na escola, e eu esqueci da garota, tava namorando outra e esqueci dela. Aí não fui, ela estudava no período da tarde. Eu fui inventar de namorar a outra... eu estava pensando, pô vou namorar a outra até pra dar tempo de vir pra escola, ponho ela na escola, e esqueci, fui embora. Chegou no outro dia, eu falei: “Ah, meu Deus, e agora?” Aí eu cheguei pra ela: “Pó, é brincadeira, tu me deu um bolo.” Ela: “Não, não teve aula não, esqueci de te avisar.” Falei: “Tô livre, consegui.”
P/1 – Que sorte!
R – Aí no outro dia, fui, encontrei com ela, começamos a namorar. Com 15 dias a gente já tinha ganhado a família dela toda. Parece que era destino mesmo. Com um mês eu já estava arrancando porta de guarda-roupa, já estava me sentindo da família. Minha sogra é um amor de pessoa, me adora. Esse tempo foi isso aí, faz 30 anos que estamos casados. Já tivemos as nossas briguinhas, já tivemos as nossas coisas, mas você vê, pô amigona ela, parceirona mesmo. Vocês vão conhecer ela, show de pessoa.
P/1 – E quanto tempo depois vocês se casaram?
R – Foi uns dois anos depois, um ano e pouco.
P/1 – Como que foi esse casamento?
R – Um casamento simples. Casamento de roça geralmente é casamento simples, mas era tranquilão, nós não casamos de imediato na igreja, porque eu era contra igreja. Aí casamos no civil, aí demos aquela festinha, aquela coisa. Fui me casar com ela depois de uns sete anos, na igreja. Ela queria tomar aquela tal de comunhão, aquele negócio de hóstia da igreja, aí ficava triste porque não tomava. Falei: “Se for isso, eu vou lá e caso contigo, e casamos. E aí a gente já tinha filhos, já tínhamos minhas duas filhinhas.
P/1 – E aí você saiu da fábrica, quando?
R – Foi em 79. Eu fui para a pescaria em 79, e eu conheci a pescaria profissional através dela, porque ela tinha uns tios lá, Tio Zumbi, Tia Aninha, que moravam lá perto de Iguaratiba. Aí falou: “Óh, vamos lá perto de Iguaratiba passear? Vamos pescar, você gosta de pescar?” Eu saí de férias, fui lá pescar. Uma semana que eu estava lá ganhei mais do que ganhava o mês todo na fábrica. Falei: “Óh, fui lá pedir as contas, me manda embora. Doutor, descobri o paraíso.” E fui pescar, e tô até hoje. Já tentei parar um pouquinho. Paro, às vezes eu fico um ano sem pescar, aí vendo os barcos, vendo tudo. Agora, dessa vez, falei: “Agora não vendo mais barco não.” Agora, eu já joguei barco bom fora, porque enjoa. A gente começa a rotina e tudo enjoa.
P/1 – Conta um pouco como é essa rotina dessa pescaria profissional.
R – Eu já pesquei de tudo, pesquei de rede, de anzol, de espinhel, de tarrafa. Você tem que ter uma meta. Você tem que fazer uma meta e sair em busca. Vai buscar o peixe e custe o que custar, seja no frio, seja no sol, seja na noite. Eu, lá em Pedra de Iguaratiba, eu comecei a pescar de canoa. Pescava eu e mais dois garotos na canoa, a coisa é bem artesanal mesmo. Um motorzinho, pequenininho, fraquinho, a gente ia lá, botava um mil metros de rede na canoa e saía, buscava, tirava nosso sustento.
P/1 – Pegava o quê, nessa época?
R – Ah, o peixe lá da Pedra de Iguaratiba é tainha, corvina, parati, que tem muito, e camarão. E outros lá que não tinha valor comercial, a gente falava que era muamba. E esse peixe, a maioria das vezes, a gente doava; a gente chegava à beira da paria, lá tem um sistema de puxar a canoa pra cima, a canoa não fica dentro d’água. A gente chegava na beira da praia e a gente ajuntava lá, que tinha um monte de gente lá, esperando já. Aí a gente ajudava a puxar a canoa, aí pegava aquela quantidade de peixe e dava. Depois eu pescava com os meus primos. Depois eu fui pescar, depois eu abri uma sociedade com uma rapaz chamado Nelsinho, quer dizer, parceiro mesmo, aquele cara era maneirão mesmo. Ele dava lição de vida, cara. Ele me ensinou muito de pescaria. A última, a gente ia cercando, aquela que dá um monte de lances, lance, lance de rede. Botava o lance, cerca, bate com a rede, faz uma meia lua, aí espanta o peixe com a rede, bate com a vara dentro d’água, com uma coisa chamado poita de chumbo. O peixe vem prá, a gente bate a cara na rede. A gente tira a rede de novo, tira os peixes, bota de novo. O último lance é para dar para o pessoal. Podia matar o que fosse, podia matar peixe bom, pescadinho, o que fosse, o último lance é dele. Aí eu já estava acostumado com isso, isso para mim era até beleza. Aí quando a gente levava um parceiro novo, o cara ficava chateado: “Mas matar a pescadinha pra dar pros outros, não sei o que lá...” “Deus me dá o sustento.” E uma coisa que eu aprendi com ele: eu quero ter pra dar, não quero pedir. Graças a Deus nunca faltou peixe pra gente.
Pescar, eu pescava muito. Mês passado, fui lá, estive com ele: “Que saudades.” Quinze anos que eu saí da Pedra. Pô, mas eu arrumei pretexto para ir lá. Uma vez até briguei com a minha mulher, porque eu me mudei de lá - eu fui pra lá, fiquei um tempo -, depois quando eu me mudei de lá eu não transferi meu título de eleitor pra cá. Só pra quê? Pra que já saía a eleição, eu ia lá, e era 10 minutos na casa dos tios dela e o resto do dia na casa dos colegas. E vai lá, vai cá; conversa com um e toma café na casa do outro, e almoça com outro e tererê. Eu sempre fiz muitas amizades. Aí teve uma vez que ela falou assim: “Você não vai na Capela.” Falei: “Por quê, Ângela?” “Não, não sei o quê.” Ciúmes. Mulher é muito ciumenta. “Não vai mais na Capela.” “Ah então se você for, pode ficar.” Ah, então pode contar que você vai embora pra casa sozinha.” Não fui não, fui lá pra Capela e voltei três dias depois. Quando eu cheguei ela estava tranqüilona.
P/1 – Ô Dinho, esse jeito que você falou que chama peixe, vocês conseguem ver?
R – Não, a gente que está acostumado, você mapeia o peixe. A gente tem o peixe mapeado, quer dizer, agora eu pesco de anzol. Essa pesca de anzol, eu inventei ela lá em Mauá. Você conhece Mauá? É uma coisa muito interessante. Você mapeia o peixe, você faz geralmente um, como posso dizer? Um campo, pega um campo, assim, a Baía de Guanabara - Baía de Guanabara eu conheço ela, quase que como o quintal da minha casa; eu conheço onde é raso, onde é fundo, onde tem lama, onde tem areia, onde tem cascalho, onde tem pedra. Eu mapeei ela todinha, e com as mudanças de lua você vai mapeando. Você sabe, hoje o peixe vai comer aqui, hoje o peixe vai comer lá, hoje tá no banco de areia, tal hora ela está comendo não sei onde, hora que a maré está estável vai para as pedras, vai pro banco de areia, vai pro cascalho. A pescaria, ela te ensina a trabalhar. Tem poucas pessoas que conseguem dominar a natureza dessa forma, e lá na Pedra de Iguaratiba a gente tinha uma técnica de escutar o peixe. Botava o ouvido assim no fundo do barco e escutava o peixe cantar. A corvina tem um cantar, a pirauna tem uma, a pescada tem outra, e a gente aprende a praticamente identificar o peixe pelo som que ele emite. E com a rede apropriada tu vai pescando. “Vamos pescar um aguatá” e aguatá é cega; você estica a rede num local e vê o resultado. Aí cercou, achou um peixe, porque geralmente o peixe ele não está, ele não para em lugar limpo, ele só para no capim comida. Aí o que você faz? Você sabe onde tem as pedras. Lá na Pedra de Iguaratiba eles conseguem fazer recife artificial. Lá tem um pesqueiro que foram as pessoas que fizeram, tem as pedras que já são naturais, na ponta dos mangues, e aí mais pra baixo tem uns pneus, que eles até apelidaram de Pirelli, botaram um monte de pneus amarrado um ao outro, e cria organismo, cria craca, marisco, e os peixes tem onde se alimentar. Tem a Pirelli, mais embaixo tem a ponta, lá pra baixo perto do caminho do serrado ali tem um pesqueiro, é a geladeira velha, um monte de coisas que colocaram lá, e pra baixo aí já pega o Beiço do Fundo. O Beiço do Fundo é onde encontra a restinga da Marambaia. Não sei se vocês conhecem. Ela vem rasinha, e depois ela cai num alagado, e dá o nome de Beiço do Fundo. Aquele alagado, o banco de areia, ele deixa muito pedacinho de ostras, coisas assim, aí a maré traz; aí aquele alagado ele é lama com areia, e os peixes vão ali mariscar. Mas dá bastante energia, fonte de vitamina, bastante coisa aí, quase coisa de “fitoplancton”. Enquanto ele não encontra uma parede ele vai se alojar ali, vai tentar fazer uma colônia ali. Os peixes vão acostumando. Esse Nelsinho ele me ensinou muito lá. Aqui na Baía de Guanabara eu que ensino o pessoal. Eu me identifiquei muito com essa Baía, eu conheço ela, bem poucos conhecem essa Baía igual eu conheço.
P/1 – E dinheiro...
R – Dinheiro de pesca, Maurício Duprê, ele fala todinho: “Você que conhece a água ali...” A gente conhece o peixe, dentro da água, sabe o que é. Conhece, mas eu tenho que olhar o peixe, e ele nadando sabe quem é, porque tem pescador que não tem essa... Engraçado que as pessoas riem. Vocês foram pescar comigo lá, aí bota o ouvido no barco assim. Tô ouvindo a cantoria: “Ah, mas tem um cara batendo.” Mas isso aí é a corvina que está cantando.
P/1 – Que cada peixe canta diferente.
R – E tem as marcas, você pesca em cima de marca. Geralmente marca é a longitude e latitude. Você tem que ter alguma coisa cobrindo alguma coisa: Aqui tem uma cova no morro, aqui tem uma árvore, como é que eu vou dizer assim... faz a marca lateral. A marca frontal é bóia e tal, o pilar central da Ponte Rio Niterói com tal... A Petrobrás acabou com um pesqueiro bom nosso. Fizeram um pier em cima do buraco. Esse buraco era o melhor pesqueiro de corvina nossa. Mas cada corvina, grande assim. A Petrobras fez um pier em cima, um terminal de navio, acabou. A Petrobras ela fez um bocado de arruaça pra gente lá. Está com dois piers no pé do Boqueirão, onde tinha mais pescaria.
P/1 – Dinho, e nessa época dessa pescaria, como é que era a comercialização desse peixe, onde que ia parar?
R – Ah, lá em Pedra de Iguaratiba, geralmente a gente mandava o peixe aqui pra Praça XV, era muito camarão. A tia da minha mulher tinha uma pescaria grega que chamava Três Irmãs, que a gente pescava pra ele. Pescava aí ele comprava o nosso produto, mandava pro mercado, e tinha os vendedores ambulantes lá que geralmente pegava uma parte. Quando tinha uma quantidade boa, eles passavam a parte pra eles. Tinha um montão de pescador, de comprador lá, que comprava peixe nosso. Às vezes a gente passava pra eles até por caridade, pra não deixar eles sem coisa porque manda só pro mercado, aí pra eles recomprar esse peixe, a gente passava direto pra eles. A gente comprava, apanhava. O interessante da Pedra de Iguaratiba é que quando eu fui pra lá em 79, tinha 30 barcos, quando eu saí de lá, em 86, tinha 300.
P/1 – Nossa!
R – A pesca evoluiu de uma tal maneira lá, tanto que eles acabaram com a Baía. A pesca predatória, a pesca do camarão, acabou com a Baía. Porque todo ano, a fiscalização foi abrindo espaço; era Sudepe, era mais rigorosa.
P/1 – O que é a Sudepe?
R – Era como se fosse o Ibama hoje. Era um órgão de repressão antes do IBAMA, ela era mais rígida. Depois que foi o Ibama, passou ter aquele jeitinho brasileiro, o cara deixava um piauzinho lá e o cara fazia vista grossa. Tinha uma área que a gente pescava, desde quando eu pesquei em pesca predatória, a pesca de balão. A gente andava uma hora de viagem pra pescar bem no fundo. A gente ia, a angá aparecendo, era bem em frente a Sepetiba, pra baixo. De Sepetiba, até as ilhas, era só no fundo, no fundão da Ilha da Madeira. Depois, a pesca foi se escasseando, com muito barco e o pessoal foi subindo, subindo. Hoje em dia o pessoal pesca dentro de rios.
P1 – Como é que é a pesca de balão.
R – Pesca de balão é uma pesca destrutiva, é um barco possante com motor de quase seis cilindros, um arrastão, tipo arrastão de praia, não sei se vocês já viram um arrastão de praia; só que, um arrastão imenso, e 18 quilos de corrente. As correntes pra tralha de chumbo ir no fundo. Em cima, as cortiças, com duas portas de madeira. Hoje em dia, eles estão usando portas de guincho. O barco é de guincho, não tem mais nada de colher na mão. A gente escolhia na mão, era mais difícil. Hoje em dia não, hoje em dia o cara pesca com guincho, bota a porta lá de 200 quilos, e sai catando tudo.
P/1 – Arrasta tudo o que tiver no caminho.
R – Tem barcos que pesca com a rede atolada. Ele pesca um palmo abaixo da lama, pega o camarão até que está enterrado. O camarão entra pra desovar, o cara pesca, motores imenso, aquela coisa. Na nossa época já era destrutivo, imagina agora, um barco desse..um não, vários barcos desses trabalhando lá, revirando a lama. Mata até com a hélice. Eles pescam às vezes, pescam no baixio, matam até com a hélice.
P/1 – E dessa época que eram 70 barcos, pra 300, dava para todo mundo se sustentar, ou já era complicado?
R – Não, era rico. A Baía era muito rica. Quer dizer, é que foi acontecendo, a pesca foi ficando muito... gerente de banco comprava barco e botava na mão de um paraíba daquele lá pra pescar, porque era lucro certo. Porque tinha as vendas, a demanda, sempre teve mais procura do que oferta, ainda mais camarão verdinho, camarão deste tamanho assim, a lança não espetava; o Brasil todo queria deste camarão. Sei que, infelizmente, os órgãos fiscalizadores não fiscalizaram, o pessoal foi subindo, subindo, subindo.
P/1 – E por que em 86 você saiu de lá da Pedra de Iguaratiba.
R – É, foi aquilo que eu te falei, A minha esposa não se adaptou lá, aí ficou: “Vamos embora, vamos embora Foi aquilo que eu te falei, eu vim embora pra tentar trabalhar de novo, e largar a pescaria, e trabalhar de empregado. Eu tentei trabalhar, mas pô, não dá certo não. O cara que conhece o mar, que vive do mar, ele não consegue trabalhar em outro lugar não.
P/1 – E vocês mudaram pra onde?
R – Não, eu voltei pra minha casa, eu tinha uma casa lá em Pau Grande mesmo. Eu deixei a casa aqui e fui pra lá, mobiliamos outra casa lá. Aí chegou lá: “Ai minha casinha, minha casinha...” Não sei o quê, não sei o quê... Vinha passear aqui de 15 em 15 dias, coisa assim... “Ah, minha casinha. “Isso, essa mulher vai arrumar encrenca, quer ver?” Teve um dia lá, ela deu à louca e veio embora. Ela veio e trouxe a minha filha, na época eu só tinha a Fernanda, e eu ia pescar com o Zumbi, ficava sentado na proa do barco. O barco arrastando, sol quente e eu: “Rapaz, vai embora, tá sofrendo muito, vai cuidar da tua família, vai.” Eu vim, tentei, não deu certo, fiquei uns tempos lá e falei: “Não leve a mal não, você está vivendo, e eu não estou vivendo, eu vou voltar pra pescar”. Voltei pra lá, fiquei lá, Ângela voltou comigo de novo, ficou mais uns dias, uns tempos lá, depois: “Ah, vamos embora.” Ela sofria muito porque estava longe dos parentes e ela aqui tinha atividade dela, ela tem um salãozinho em casa, ela faz as unhas, faz cabelo, depilação. Então tu não tem campo. Manicure, agora sim evoluiu, por causa das coisas evoluiu, mas naquela época não tinha. Se ela estivesse lá agora, ela estaria com um salão bom lá, e assim nós viemos pra cá.
Eu fui descobrir Mauá, descobri Mauá e comecei a pescar, as pescariazinhas, lá de espinhel e de rede. Aí nesse meio tempo fui trabalhar na Nova América Fábrica de Tecidos. Eu fui trabalhar de Técnico em Telefonia. Aí trabalhei lá um ano, um ano e pouco, conheci um rapaz lá chamado Jean, aí falei: “Jean, eu vou comprar um barco. Vou sair, vou pedir as contas e vou comprar um barco. Ele: “Ó, eu não posso ser mandado embora agora não, porque me acidentei, perdi uma falange”. Eu comprei um barco e fui pescar, aí pesquei um tempo, pesquei uns seis meses, uns oito meses. Nesse meio tempo ele foi e saiu da Fábrica: “E o barco?” “Eu vendi, estou sem o barco.” Ah, vamos comprar outro barco em sociedade?” “Vamos”. Aí eu comprei, compramos outro barco, trouxemos, fomos pescar. Nós começamos a pescar, eu e ele, de rede, aí apareceu uma turminha pra pescar. “Quando é que a gente vai pescar?” Eu até me lembro, 50 reais, a turminha, cinco pessoas; aquilo foi dando certo, aparecia um, dois, três... dentro de seis meses eu tinha a torre de Teresópolis, Petrópolis, Fragoso, fui passando de turma. “Ôh Fernando, leva uma turma.” Que isso, isso não é resultado não, cara. Pescaria de camarão, beleza. Hoje em dia só lá de Mauá tem 100 barcos fazendo, nós mudamos a economia do lugar. E engraçado que era eu e o Jean num barco, Claudinho e Zé Vitor no outro. Só tínhamos nós dois fazendo esse tipo de pescaria, ali no Boqueirão. Ficava um de olho no outro. Peixe comendo pra caramba “Ó, acabou a minha isca.” Doava um pouco de isca pro outro. Eu guardo um pouco de isca de um dia pro outro, pra poder fazer companhia, pra na hora de vir embora. Se eu enguiçasse, ficava. Agora tem celular, tem um monte de braços fazendo. Se enguiçar aqui, o barco passa e te reboca. Naquele tempo era só esses dois barcos, aí a gente já tinha essa preocupação: se eu arrumar mais gente para fazer, tem mais segurança. E foi dando certo, foi dando certo. Hoje em dia, a padaria, num domingo assim, na padaria, vende pra caramba, Um cara já abriu a lojinha de pesca, o outro já tem material de fibra, resina, estas coisas, mas mudamos a economia do lugar. Uma coisa que a gente fez e deu certo.
P/1 – Mauá fica perto de Magé?
R – Mauá é município de Magé, Mauá, Pau Grande, Raiz, Fragoso, é município.
P/1 – E aí, como é que foi que vocês começaram a se organizar lá? Depois começou a crescer o público, vocês começaram a pensar em se tornar uma ONG, como é que foi?
R – A ONG, ela veio na parte ambiental, que sempre gostei muito de meio ambiente. Nós tínhamos vontade de fazer essa gruta, que eu te falei, a Pedra do Porco. Pra eu fazer essa gruta, eu tinha que ter o aval do Ibama. “Aí, como é que nós vamos fazer? Não sei o quê.” Falei: “Vamos tentar fazer o projeto.” Aí uma prima da minha mulher, que ela estava fazendo um mestrado, ela falou: “Eu vou fazer um projetinho.” Aí ela fez um projeto dentro do que a gente queria, dali foi surgindo as ideiazinhas, e coisas, aí fizemos uma Ongzinha. Foi há uns 15 anos atrás. Só que ela ficou assim, fazia a ação, mas ela nem tinha registro. Aí em 2000 nós registramos ela, legal, pra ver se tornava uma ONG mesmo, e se tornou ONG conhecida...
P/1 – Que chama...
R – Grupo Ecológico Preservando o Amanhã.
P/1 – E Dinho, isso que você este me falou do movimento da Baía, dos peixes, da natureza, como é que isso foi mudando ao longo do tempo? A Baía de Guanabara.
R – Pra melhor ou pra pior?
P/1 – Não sei, você que sabe da história.
R – Ela, pra pior, foi depois do acidente da Petrobras. A gente já tinha noção que ela ia ficar horrível...
P/1 – Que ano que foi isso?
R – Foi em 2000, foi em 18 de janeiro de 2000. O Dinho ficou conhecido como homem referência de Mauá, porque quando a Petrobras chegou lá, na coisa pra tentar socorrer os animais, o meu grupo, o Grupo Ecológico Preservando o Amanhã e o Harpia, que é o pessoal do Enilson, nós já tínhamos conseguido mobilizar, nós já tínhamos montado uma infra-estrutura. Eu consegui com o senhor Valmir água, luz e telefone, pra gente montar o nosso esquemazinho. Quando a Petrobras chegou já encontrou um espaço imenso, aí a defesa civil chegou, montou umas barracas, e os voluntários já estavam todos cuidando dos animais, e a gente tentando. Aí, dois dias depois estava todo mundo lá, já estava um formigueiro de ambientalistas, universidades. Foi, foi triste, mas ao mesmo tempo foi gratificante, porque a gente descobriu muita gente boa. Mas tem muito oportunista nesse meio aí, que eu não gosto nem de lembrar.
P/1 – Foi um derramamento de óleo o que aconteceu?
R – Foi muito óleo. E esse óleo, até hoje está nos prejudicando; sem contar que agora, a Petrobras vai fazer da Baía da Guanabara um canteiro de obras. Agora que vai ficar ruim mesmo. Eu até brinco com o pessoal, falei: “Ó, eu estou comprando este trofeuzinho, estou deixando guardado, por que daqui a um tempo, não determinado, o cara que pegar um peixe eu vou dar um troféu, porque vai acabar.” Por dois fatores: toda obra gera muito tumulto, muitos navios chegando, rebocador rebocando algumas coisas, duto passando, escavando, mexendo com os sedimentos do fundo, mexendo... e a outra parte: depois que um pier está montado, a iluminação. É muita iluminação, peixe tem um medo de luz do caramba, aí o que acontece? Tá na época da espada, da espada aparecer agora na Baía, a espada e o xererê, são peixes sazonais e eles chegam agora, vêm atrás da sardinha - a marola trás a sardinha -, e ela vem pra desovar. Traz a espada, o xererê, enchova, entra na Baía pra desovar. Pô, chega ali, vê aquele monte de luz, rapa fora. Com certeza a pescariada Baía da Guanabara está comprometida.
P/1 – E esgoto, Dinho?
R – Tem muito esgoto, infelizmente. Ali em Mauá não tem. Mauá, Magé é complicado. A vantagem é que os rios que nós temos lá pra cima, e o rio Mirim que é o rio de Pau Grande, Fragoso, e Cachoeira Grande, eles formam o rio Estrela, é um rio que ainda tem muita vida, é um rio que desce das cachoeiras, desce das montanhas, ele traz bastante nutrientes e bastante oxigênio. E lá em cima, que é o Suruí, que é um rio bom, Suruí-Mirim, o Guapi, o Guapiaçu, os rios de lá são vivos. Agora rio daqui, da Petrobras ali, do Meriti, está tudo morto. Aqueles rios não têm vida nenhuma. O equilíbrio da natureza ainda é dos rios lá de cima mesmo, e a Baía. A vantagem aqui é que a Baía tem uma boca, a entrada da boca da Barra é larga, bem ampla. A água se renova bastante. Essa semana agora a água é ruim, maré de quarto, quarto minguante crescente, a água não tem força, a maré não tem força e fica a água mais lodenta. Nós temos muito fitoplanctons nessa Baía; por ser Baía, às vezes ela gera até fitoplanctons demais. Faz assim, tipo, um desequilíbrio, mas, segunda-feira que vem já entra uma água boa, a água já melhora bastante. Essa Baía, ela é, como é que se diz, é um berçário, quase toda a Baía ela tem os animais que entram pra desovar, que procuram os mangues. Nós ainda temos bastante mangue nessa Baía, graças a Deus, ainda temos bastante mangue. Quase todo o pescador que eu conheço, já plantou um pé de mangue. Eles têm essa preocupação, e a água, naquela parte da água, a água é boa, só que eu acho que os homens tinham mais que pensar na pesca predatória. Dentro uma Baía dessa não podia ter rede de traineira. Eu via uma cena que eu fiz uma história, está guardada. Os caras cercaram a tainha dentro do Boqueirão, o espaçozinho pequenininho, dois barcos para encher. Cercaram o cardume, um barco só não deu pra levar. Umas 30 toneladas assim que fechou... fiz até historinha. Pensou um animal nadar três mil quilômetros, faltando 10 quilômetros pra desovar ficar tudo preso?
P/1 – Ô Dinho, conta um pouquinho do trabalho da GEPA.
R – Ah, o Grupo Ecológico Preservando o Amanhã é um grupo sócio-ambiental. A gente faz a parte ambiental, trabalha com repovoação de rios, florestas, faz muda de planta, planta nativa, tipo: picuíba, murici, sassafraia, óleo copaíba, catobá, jequitibá; a gente faz pra repovoar as áreas degradadas. Você vê, acontece muito assim, nas chuvas de janeiro, essas chuvas torrenciais, correm com a barreira, aí pra não deixar essa barreira, essa cratera se expandir, a gente já tem as mudas lá preparadas. Essas mudas são feitas debaixo da própria árvore. A gente faz saquinho de leite. Fez um óleo copaíba agora. Ele vai, agora a partir de agosto, começar a soltar os frutos, aí a gente tem que ir lá antes do animal - o porco do mato -, começar a comer; ou a cotia. Tem que selecionar as melhores sementes, bota no saquinho e bota lá. Engraçado que você planta uma semente na rua, o homem vai lá e destrói. Se você plantar uma semente, no saquinho, a cotia não apanha o que está dentro, parece que eles têm mais inteligência que o ser humano. Eles têm lá essas mudas de árvores recentes, fizemos muitas mudas dessas plantas pra repovoar, e a gente procura botar assim, se caiu um pé de, por exemplo, caiu um pé de sassafraia, a gente pega uma muda de sassafraia, planta ali pra ela ocupar o espaço da outra.
P/1 – E aí volta na cratera que caiu a barreira.
R – As crateras, o que a gente faz, a gente pega essas mudinhas e vão botando as coisas pra ela poder sustentar, e procura botar dentro da cratera. Tu sabe que ela vai precisar de planta rápida, sei lá, bota semente de embaúba, bota semente de, se tiver, taquaruçu, mudinha de taquaruçu. Pra quê? pra elas se enraizarem rápido. Aí tem que uma árvore que dá muito raiz, e eu tenho que ter árvore de raiz, eu pego uma e eu boto lá, uma meia dúzia, que elas rapidinho vão fazer raiz, e segura. Depois de um ano a natureza já faz a parte, segura. A gente nota, se deixar uma cratera aberta ela vai só se formando, só se formando, só se abrindo. A chuva vem lavando, e geralmente essas encostas de morro tem muitas pedras, e essas pedras são praticamente soltas, as árvores que seguram elas.
P/1 – Ô Dinho, como é que foi que começou, há 15 anos atrás, que você falou, a se encontrar a conversar sobre isso, com o pessoal que faz parte da GEPA.
R – Foi o que eu te falei, a gente tinha vontade de fazer um abrigo, aí surgiu um grupinho, que quase todo o pessoal lá de cima tem vontade e vai lá tomar banho de cachoeira. Vão tomar banho de cachoeira e comecei a olhar a natureza, e “Caramba! Isso aqui, uma bromélia linda, pô, aquilo ali, uma orquídea, não sei o quê”. O ecossistema já é bonito, geralmente quase toda cachoeira tem muita pedra bonita, tem caverna. Começo a me interessar. A gente já tinha a preocupação de preservar e juntou aquela galerinha que queria preservar, aí começou a preservar, só que a gente, como a minha avó dizia: “Tudo tem dois lados”. A gente começou a levantar também coisas com os caçadores. Eu ia pro mato, a gente juntava um grupo pra ir pro mato, aí dava de cara com o cara caçando araponga. Foi colega nosso, só que naquele grupinho tinha um policial. O cara chegava lá: “Pô, fulano, não faz isso não, você está tirando um animal da natureza que ele está aí só pra te ajudar” porque o pássaro ele está lá na terra, minha avó dizia: “Não tem ninguém no mundo aqui por acaso, todo mundo que está aqui tem que ter alguma coisa pra fazer.” E eu já fiz e muita gente faz, vende o pássaro por achar bonito. Aí tem até a historinha que o pardal, a araponga falou pro pardal assim: “É pardal, você que é feliz.” “Por quê?” “Você não é bonito, você não canta.” “Não sou bonito? Prende a Xuxa, a Xuxa não é bonita? Prende o Roberto Carlos, o Roberto Carlos não canta?” Tem umas historinhas mais ou menos assim que a gente tenta passar lá pro pessoal.
Mas, aí o que acontece, qualquer ação do Ibama, nego achava que era a gente. “Pô, o Grupo Ecológico tá dedurando fulano, tá dedurando sicrano.” A gente passava, ficavam olhando de cara feia, alguns diziam uma piadinha. Até eles entenderem que o nosso trabalho era mais assim conscientização, ficou esquisito. Lembro que a gente passou como dedo duro. Hoje não, hoje a gente sabe que até ajuda. Tem uns deles lá que até deixaram de caçar pra poder fazer parte. Porque não adianta explicar uma coisa, porque uma araponga solta vale mais dinheiro pra você do que uma presa. Porque ela presa vale 50 reais, ela solta, você leva o turista, o turista vai ver a araponga, ele vai ver o esquilo, ele vai ver o gambá, ele vai ver a cobra, ele vai ver o animal; agora, se você prendeu ele, você vendeu, acabou. E tá dando certo, as coisas estão dando certo.
P/1 – E quando é que foi que você começaram a pensar a ir para as escolas lá da região, como é que foi?
R – Ah, isso aí, é porque geralmente, a gente que tem filho na escola, costuma a ter aqueles trabalhinhos de escola, e com a ecologia você contagia o teu filho, e o teu filho te contagia, foi surgindo uma coisa. Esse lance de escola era mais assim, vamos dizer, a primeira vez que nós fizemos esse trabalho de escola foi por causa da dengue. Foi aquela dos ratos que eu te contei, que o cara com a caixa d’água aberta e os mosquitos da dengue aproveitavam. Vou até contar um pouquinho da história do rato. Lá em Pau Grande não t eve muito caso de dengue não, mas morreu pessoas lá com dengue hemorrágica. Aí eu preocupado, querendo ajudar de alguma forma, eu bolei a idéia, eu bolei e alguém ilustrou, o Marcelo ilustrou, outros deram uma pitadazinha aqui, uma pitadazinha ali, e fizemos um trabalho em dois ratos: Feioso e Caolho. Caolho chegou pro Feioso e disse assim: “Aí Feioso, vamos dar um mergulho naquela caixa d’água, a tampa esta aberta.” “Não tem tampa não. Faz isso não rapaz, não vamos não. Essa caixa d’água é pro pessoal lavar a roupa, beber água, cozinhar, tomar banho, até a mamadeira das crianças é feita com a água.” “Que se danem, não são meus parentes, não são meus tios. Vou mergulhar”. Tchum. “E, que coisa deliciosa.” Chega lá e dá de cara com dois mosquitos da dengue, um falando pro outro: “Hum, não estou muito bem hoje não, só botei 20 mil ovos.” O outro falou assim: “Ah, deve ser por causa do fumacê.” “E que fumacê, aqui não tem isso.” Aí o outro: “Graças a Deus que não tem porque pô...” Aí a abelha já se invoca: “Graças a Deus que não tem pô, porque o cara bota fumacê, ele mata tudo, ele mata filhote de passarinho, mata abelha, mata animais nocivos e também os benéficos.” Aí eles vão desenrolando a conversa ali. Aí o rato: “Pô, você está ficando bonzinho, hein cara? Pô tu vai morrer, vai passar na ratoeira, vai comer chumbinho, hein? Você está perto de morrer, porque, pô, você está pensando assim.” “Pô, cara, deixa pra lá.” E começam a conversa: “Aí, está pensando que é só nós que visita essa coisa aqui? Ó, o pardal vem tudo sujo, e cháááá, toma um banho na água bem geladinha, a coruja vem de noite, o morcego passa aqui e toma uma aguinha dele, todo mundo. Eles fazem a maior farra e você nem vê.” Aí a gente fez a historinha e botamos lá, e eu falei: “Pô, agora tem que fazer uma tiragenzinha e passar nas escolas.” Deu um resultado fora de série. Começou a se expandir, porque o filho leva pra casa, aí chega em casa e ele mostra pra mãe, aquela coisa: “Olha aqui o que o moço deu lá na escola.” “Ô legal.” Começa a rir, e: “Xi, será que a minha caixa d’água está descoberta?”
P/1 – Será que tem um rato tomando banho na minha caixa d’água?.
R – É, porque o rato, coitado, ele tem a parte da natureza, ele tem que carregar as sementes, mas infelizmente ele gosta de um esgoto, e isso contamina. Porque o rato em si, não é... apesar que a urina do rato dá leishmaniose, mas a maioria dos ratos é silvestre, ele não tem tanta coisa, mas alguém tem que ser vilão.
P/1 – Ô Dinho, e aí foi depois dessa tiragem de quadrinhos que vocês fizeram aquela campanha de fazer aquela tampa da caixa d’água, que você comentou comigo. Conta um pouquinho pra gente disso.
R – É eu pensando na parte ecológica, e meu primo pensando na parte financeira. A gente descobriu que 40% das caixas d’água não tinha tampa. Aí a gente pode fazer uma forma de amenizar isso. O que a gente fez? Fomos lá num colega meu que tinha uma fábrica de piscina: “Ô fulano, você podia fazer umas tampas de caixa d’água. Aí o que ele conseguiu? Conseguiu modelos porque a maioria das caixas d’água lá eram daquelas antigas de amianto e quebrou, não tinha tampa. E aí o cara conseguiu o modelo: uma de 500 litros, uma de mil litros, e outra de dois mil litros. Com esse modelo, a gente moldava uma de fibra. Moldava uma de fibra, levinha, aí chegava a ter em casa até duas tampas. Ela ficou tão barata, que a fibra agora está cara, mas na época era tão barato, que o rapaz fazia com sobra do material. Quer dizer, ele ia confeccionar uma caixa d’água, dessas tipo Brasilit, aí sobrava material e pra ele não perder esse material ele ia lá e botava em cima de uma tampa, ia lá e moldava uma tampa. Pô, não era uma tampa, como se diz assim, de valor de mercado, mas estava protegendo. A gente ia lá, botava duas presilhinhas e tudo certo. Eu usei, que eu acredito que hoje não deve ter mais caixas d’água, e hoje tem no mercado a caixa d’água pra vender.
P/1 – E é uma tampa mais barata.
R – Bem, mais barato. Ele conseguiu vender tampa, lá na época lá, por cinco reais. Só para não perder o material mesmo. E foi ótimo pra gente, saber que a água ficou protegida. Porque a água lá não é colorada não. A água lá é praticamente in natura. Tem que ter um filtrozinho em casa de ozônio, porque lá não tem água de cloro igual vocês bebem aqui não.
P/1 – E têm mais alguns momentos marcantes pra você, nesses 15 anos, pra você contar pra gente também, tem algumas outras histórias aí, de trabalho de conscientização ambiental?
R – Ah, tem vários. Teve um recente, o ano passado, que foi muito triste. Como a gente planta árvore no mato, nós achamos que podíamos plantar árvore também em casa, assim, nas alamedas. Lá em Pau Grande, o lugar é todo arborizado, só que é da época dos ingleses ainda, há 50 anos atrás. As árvores que eles plantaram, as acácias, os sucupiras, aquelas árvores que ficaram velhas, elas foram se deteriorando ou então morrendo. Aí eu falei: “Poxa, eu tenho lá no meu quintal, eu vou ver lá, tangerineira, mexerica, a nativa.” Lá tem muitos, lá naqueles matos ainda têm bastante mexerica. E a mexerica ela está em extinção, por quê? Por que vocês não têm acesso a ela. Ela não chega ao mercado, é uma planta que ela tem um ciclo muito rápido. A mexerica, com um mês que ela dá fruta, ela acaba. Ela deu ali, come, e ela não foi geneticamente modificada, ela tem o ciclo dela muito certo. Aí o que acontece, ela não tem o valor de mercado. Ela é doce, mas só que ela tem um espaço de tempo muito curto.
P/1 – Ela apodrece rápido.
R – É, ela apodrece rápido, e o tempo de madurar, ela madura tudo numa época só. Aí o pessoal tá até com medo de entrar em extinção. Falei: “Pô, tem tanta muda lá em casa.” E aí, o que fizemos? Cabeludinhos, você não conhece? Você nunca ouviu falar? É uma frutinha amarelinha assim, rica em vitamina pra caramba, docinha, gostosa. Eu faço milhões de mudas por ano. Eu falei: “Sabe o que eu vou fazer?” Chamei o Harpia, que é do Enilson, o meu Grupo, e acho que mais dois ou três grupos, Mountain Bike, nós plantamos em setembro 400 mudas, intercaladas: 250 de tangerinas, mexericas e 150 de cabeludinho. Sabe quantos que deixaram? Nenhum. O cara arrancava e deixava assim na beira da cova, dizia assim: “Atrapalhei o seu trabalho.” Eu fiquei triste com aquilo tudo, porque os meus netos plantando, aí o meu irmão, o meu netinho até falou assim; “Puxa avô, isso que é ser humano? Arrancar uma coisa que você plantou pra ele?” Pô, a gente tem lá, eu tenho lá, um montão na minha roça, tem lá cacau, jaca, goiaba, banana, laranja. Nós temos aqui, estragando, a gente planta pra eles, e o cara arranca ainda? Falei: “João, isso aí, tem e está parecendo que é coisa de político.” Porque foi muito perto da época de eleição. Ai depois estavam achando que, no dia em que nós plantamos, tinha até a festa na igreja lá, tinha muita gente.Uns paravam para ajudar: “Deixa eu plantar uma árvore aí.” Parava o carro: “Deixa eu plantar uma, que iniciativa maneira, não sei o quê. Legal! Pô, mexerica, a gente quase não vê mais, cabeludinho.” O outro já passava: “Ih, isso daí rapaz, vai atrapalhar a festa de Santana, não sei o quê.. porque tal e coisa...” Eu sei que um mês depois não tinha uma árvore. Só ficou na história, só está na fotografia. Vou trazer a fotografia e tu vai ver a gente plantando a árvore. Daqui a dois anos estaria dando. Já pensou você chegar e você vê o pé de mexerica carregadinho, você vai chupar uma, quer dizer, você ter o privilégio que eu tenho, de chegar lá e infelizmente, é o que o meu neto falou, João Gabriel: “É o ser humano.” P/1 – Ô Dinho, e toda essa história, toda a história da GEPA, o que você acha que foi fundamental pra esse projeto vingar, pra dar certo.
R – Perseverança. Nós fomos muito perseverantes. Eu tenho inúmeros projetos de gaveta, escrito, elaborado, aí chega na hora as pessoas não vêem lucro, dinheiro na frente, aí desanima. Todo mundo trabalha, todo mundo do GEPA. Ele tem o trabalho dele. O Contador do GEPA ele trabalha num escritório de Contabilidade, o Presidente do GEPA é o Pescador, o Tesoureiro tem Oficina. Sei que todo mundo, cada um tem o seu.
P/1 – Vive só disso...
R – Não tem aquela ambição. Tem vontade, até tenho vontade de ter um projeto, tenho parcerias, falei com o Bel. Mas a maioria dos projetos que a gente faz, das coisas que a gente faz, é pra tentar ajudar a comunidade ou até mesmo a natureza. Eu tenho um projeto montado de fazer curral de peixe, de fibra. Tá montado, eu fiquei três anos estudando ele. Um curral desse dando certo, eu mudo toda a coisa, o cara não vai mais arrancar um pau no mato pra fazer um curral de peixe, não vai arrancar mais bambu. Curral de fibra. A Cogumelo, eu entrei em contato com a Cogumelo, e o pessoal de lá ficou bem entusiasmado. Mas também não mostrou muita coisa não. A Cogumelo é uma empresa de perfil de fibra e, eu tenho certeza que, se montasse um projeto desse com protótipo, com certeza, ele ia dar certo. Tanto pela durabilidade - um curral de fibra, no mínimo vai durar 20 anos, com a manutenção adequada. O curral convencional, ele dura dois anos, com muita manutenção. O cara tem que arrancar bambu no mato, muitas das vezes eles arrancam até pau de mangue pra fazer as cercas, os mourões, e se a gente fizer todo de fibra, é como se fosse fazer uma casa e, esse projeto está lá guardado.
Tem vários outros lá, tem peça de teatro pronta, guardada, se alguém quiser explorar, eu até dou um projeto. Teve um, que esqueci de dizer, um projeto, uma coisa que marcou a gente. Fiz um projetinho pra recolher o lixo, e um casal de médicos infelizmente faleceu, eles eram muito meus amigos. “Pô, a gente podia dar um jeito de recolher esse lixo aqui, de Pau Grande, pra evitar do pessoal jogar o lixo nas cachoeiras” A gente recolhia e transformava isso em cesta básica e doava para as famílias carentes. Eu fiz um croqui, um croquizinho assim. Aí foi legal, a gente olhando lá. Cada um dava um pitaco, lá. “Mas se botar pro caminhão tirar vai ficar esquisito, vamos arrumar uma carroça. A gente fazendo uma carroça, a gente arruma já o fulano, que é o dono da carroça, já ganha um dinheirinho; você ia envolver bem o pessoal e já fazia, assim, tipo mais folclórico, mais voltado mesmo pra natureza.” Meu primo é candidato a vereador, pegou o projeto, juntou com um maluco lá e começou a fazer, escutando umas conversas assim. Aí virou um dos participantes do Grupo lá: “Ó, não sei não, eu acho que a Juninha está usando o nosso projeto...” Aí, como estava fazendo benefício pra comunidade, eu fiquei quieto. Falei: “Ontem eu fui almoçar na casa dele...” ele é irmão desse Jóia, outro colaborador. Foi ele, o Jóia, o Noel, assim...”Juninha, vamos fazer um negócio, esse projeto aí é o meu, você pegou na casa do falecido Armando, né?” “Peguei?” “Pô, tudo bem, você vai usar o projeto, eu estou te dando o projeto de presente pra você... agora você vai me prometer, ganhando ou perdendo você continua com o projeto. Se você conseguir se eleger, você consegue, você continua.” Perdeu, no outro dia o projeto não existe mais. Parou. O projeto estava dando certo, estava uma coisa, ele estava fazendo tudo certinho. Ele recolhia os lixos, pegava as garrafas pet, ou o lixo, o que não servia, ele mandava lá pra prefeitura recolher e levava pro aterro sanitário, aquela coisa, e o resto ele revertia em cesta básica e distribuía para as famílias carentes. Estava certinho. Não conseguiu os votos necessários. Parou.
P/1 – Dinho, você olhando pra trás, por toda essa trajetória, qual você acha que foram as maiores impactos, as coisas que mudaram decorrente do trabalho de vocês.
R – Vamos dizer, uma que deixou marca mesmo foi essa caixa d’água, deixou bastante marcas; o trabalho do socorro dos animais na Petrobras, esse não tem como não marcar, porque está lá até hoje. Tem episódios que ficaram lá, que eu poderia ter feito um trabalho imenso pro Guaraná Paquera, mas ele não aceita.
P/1 – O que é essa história do Guaraná Paquera, conta.
R – Ah, o Guaraná Paquera ele comprou a América Fabril; ela faliu, ela fechou. Ela não faliu, ela fechou as portas, indenizou todo mundo, pagou todo mundo direitinho, vendeu as casas pro pessoal lá, com preço simbólico. Eu me lembro que a casa da minha sogra foi paga a sumir de vista; as últimas prestações foram centavos. Retribuíram o que o pessoal fez pra eles. Porque na época da fábrica de tecidos, eles pegavam, faziam uma comunidade - todas as fábricas de tecido da época, eles faziam uma comunidade. Dá até pena de você ir ao Santo Aleixo, ver a fábrica de Santo Aleixo parada, tem a América Fabril que se tornou a Guaraná Paquera. Aí tem várias fábricas que estão paradas. Eles faziam uma comunidade, eles faziam casa pro pessoal, faziam coisas; eles tinham leite, escola, era até engraçado, era uma comunidade mesmo. Se quebrasse uma telha da tua casa, eles trocavam, eles tinham o pessoal pra trocar. Só que o dinheiro ficava para a fábrica, por quê? Por que eles faziam de uma forma para o cara não precisar ir lá fora. Se você quisesse uma roupa, a fábrica tinha uma coisa, se você quisesse escola, a fábrica dava escola. Dava horta, tinha horta lá na fábrica, e distribuíam. Agora, na Paquera só tiram da gente. Eu fui uma vez, até lá, na época em que eu descobri que eles estavam jogando soda cáustica no rio. A casa que a minha filha mora agora, que é a minha casa de baixo, embaixo dela passa uma galeria. Pô, todo dia, dez horas, a barata sobe no ralo, a barata não agüenta, a soda vinha tão in natura que fica quente e as baratas sobem. Eu vi aquilo e falei: “Esses caras estão despejando soda aqui no córrego.” Aí, pedi ao rapaz lá para arrumar um vidro esterilizado para mim, para eu trabalhar um pouquinho embaixo, na firma. Eu sei que ele tinha condições de esterilizar uns vidros. Aí eu paguei o garoto lá, ele todo dia colhia um pouquinho de água e botava no vidro lá, aí fiz um filtro, mandei fazer análise na UFRJ, o resultado deu mais seis, e o tolerável é menos dois.
P/1 – Nossa!
R – A soda está saindo in natura. Aí eu falei: “Pô, vou lá com o Cláudio, conversar com ele, de repente...” E, pedi audiência, aquelas formalidades todas. Só que eu peguei numa época muito ruim, eu peguei ele numa época que ele tinha perdido o filho. O garotinho morava lá em Pau Grande e ele adorava, ia lá, brincava com as minhas filhas. Era amiguinho dos garotinhos da época das minhas filhas, lá. Não queria ir pra baixo de jeito nenhum. A mãe: “Não, não mora lá embaixo” Foram morar lá em Ipanema, o carro atropelou ele em cima da calçada.” Matou o Bruninho. Então, eu peguei numa época muito ruim. Aí eu já cheguei comentando com ele, fui como um Ambientalista mesmo, pra pegar ele e arrebentar com ele. Só que eu me deixei levar pelo lado do emocional, ele foi lá, me mostrou: “Esse negócio de Ecologia é legal.” Me levou no santuário lá, ele botava comida para os passarinhos comer, botava fruta, botava coisa, e ele me quebrou um pouco ali na emenda também, eu fui, fiquei mais, mas eu não vou deixar perder o fio da meada não. “Vocês estão jogando soda cáustica no rio, e não está muito legal não. Estão mandando soda quase que in natura.” Aí ele chamou a Bióloga chefe. “Ô fulana, mas que negócio é esse?” Ela gaguejou pra lá, gaguejou pra cá, chamou o Químico responsável. Aí o Químico chegou pra mim, todo empolgado: “Pô, como é que você chega aqui, com um pouco de água suja aqui, esfrega na minha cara aqui, e diz que eu tô poluindo?” Falei: “Ah, infelizmente eu tenho esses laudos aqui.” Ele me olhou assim, murchou na cadeira, igual uma bola: “Puxa, foi o dia do acidente.” “Ah, vocês tem acidente todos os dias às dez horas?” Falei: “Pô Cláudio, assim não dá. Todo dia tem um acidente aqui às dez horas.” Aí ele olhou assim: “Ué Renato, como é que você me explica isso?” Aí o clima começou a ficar muito quente, a Bióloga foi e me chamou pra outra coisa lá. “Vem cá, o Gilberto falou...” O Gilberto, diretor financeiro dele, pescava comigo, fazia unha com a minha mulher lá, aí, vamos dizer, tinha bastante acesso. “Gilberto, dá um jeito lá, não deixa eu ir até ao “homem” não, porque senão vai ficar ruim, porque eu como Ambientalista não vou fazer.” Aí o Gilberto me levou lá pra dentro na fábrica. Me levou lá nas máquinas processando, não assoprando, fazendo coisa, fazendo xarope, fazendo coisa. Falei: “Gilberto, isso aqui pra mim não interessa, eu quero ver o esgoto.” Ele foi e levou: “Aqui.” “Esse aqui não, eu quero ver o lá de trás.” A água saía lodenta. O “homem” ficou todo... mandou o cara embora, mandou o Químico embora, porque o Químico já tinha vindo lá da Ambev, essa junção da coisa. O cara ganhava um dinheirão. Tem o tanque de decantação lá, tem o processo da soda, que a soda, ela pode ser reaproveitada três vezes. Ela vem e, lavou o recipiente, a máquina, as garrafas, ela volta pro tanque de decantação, reaproveitada, volta de novo, lava de novo. Ela consegue três coisas para depois ser jogada no ecossistema.
P/1 – Ô Dinho, numa situação como essa, você nunca teve nenhum apoio das autoridades, de Governo, de Município, multa? Como é que é essa relação?
R – A maioria dos apoios que eu tive era com o IEF – Instituto Estadual de Florestas. Na época, o senhor Augustinho, bom pra caramba. Nessa época em que trabalhava na Nova América, eu saía de Nova América, era um lugar chamado Taquara, em Duque de Caxias. Eu passando para ir trabalhar, vi os caras cortando as árvores num pomar, um pomar lindo. Aí eu fui, falei com o meu chefe: “Edson, fiquei meio intrigado, os caras vão cortar aquele pomar, por quê?” “Não sei não, mas eu acho que eles vão fazer um CIEP.” Na hora do almoço nós fomos lá. Fomos lá, veio um cara. “Ah, aqui vai ser um CIEP. A ordem aqui é cortar tudo.” Liguei pro senhor Augustinho, pessoal do IEF: “Senhor Augustinho, está acontecendo assim, assim.” O CIEP é arborizado, é o CIEP mais bonito que você já viu na sua vida. Quando você vê tem árvores tudo em volta. Eles iam meter o bicho e cortar tudo. É o CIEP mais bonito que eu já vi. Perto lá da minha casa, é o CIEP mais limpo, o CIEP de Pau Grande lá, é o mais organizado que você já viu lá. Todo mundo vê, vai lá e organiza. Agora, esse ficou lindo, porque ficou em volta dele um pomar. Tem jaqueira, mangueira. Deve dar bastante trabalho lá pro pessoal da faxina, mas ficou lindo.
P/1 – Ô Dinho, com todas essas atividades que você já se envolveu pra tentar mudar um pouco, contribuir com esse espaço assim, qual que é a emoção de estar dentro disso, de estar sempre contribuindo, envolvendo, conscientizando.
R – É gostoso você ver o seu neto de quatro anos, dar continuidade no seu trabalho. Tu vê, eu tenho certeza que eu tenho a satisfação é que vocês vão ver. Eles são ecologistas roxo. Tu não vai ver nunca um neto meu fazer uma degradação, ou deixar uma coisa, assim. Eu acho bacana. Eu vou jogar bola lá na quadra; perto de casa tem uma arena. Eles levam jaca, goiaba para as crianças. Eles pegam bolsa de cacau, leva: “Ô avô, é bacana.” Tu vê no espírito deles que faz falta pra eles, pro pessoal. A prefeitura planta um pé de pequi, mas eles não tem noção que se ele plantar um pé de planta, uma goiaba, uma laranja, uma coisa assim, ele vai resolver as duas coisas: ele vai arrumar uma sombra e ele vai dar uma fruta.
Você me fez lembrar um passeio com meus dois netos. Eu não tinha o Pablo ainda não, o João era pequenininho. Nós fomos passear por cima, num lugar chamado Barreira, e demos a volta, pegamos um bosque e quando nós estávamos voltando tinha três pessoas cortando um pé de amendoeira. Amendoeira ela é nativa. Aí João correu na frente, assim, correu na frente, era perto da casa dele, assim, duas ou três casas antes da dele, ele correu na frente, e olhou pros moços, assim: “Vocês estão cortando essa árvore, por quê? Por causa da sombra?” “É” “Tu vai ver quando chegar o verão.” E ficou olhando pros caras. Ninguém falou nada, ficou um olhando pra cara do outro, aí eu cheguei...
P/1 – Quantos anos ele tinha?
R – Quatro anos. “É por causa da sombra.” “É.” “Tu vai ver quando chegar o verão.” Aí depois, um dos caras que estavam cortando, falou pra mim assim: “Pô, não entendi nada, João Gabriel falou aquela...” Falei: “Sabe por quê? Por que ele queria plantar árvore na casa dele.” Falei: “João tem que plantar um arbusto, não pode plantar uma árvore, porque a amendoeira era vai rachar o muro, e ela faz muita sombra. Essa sombra pode dar mofo na sua casa. Tem que plantar...” Aí o cara: “Que vontade de botar a árvore no lugar de novo” Aí ele não se deu por vencido não, ele ficou na dele, passou um tempo, a mulher lá brigando, botou o carro na sombra da outra. Botou o carro lá, o filho chegou querendo botar o carro, não podia, ele foi lá, e: “Ah, você não cortou a tua árvore? Por que agora você está querendo usar a sombra do outro?” Eu sei que, então, isso já está no sangue, porque, uma sombra faz falta.
Uma outra coisa muito marcante também: lá tem uma fruta amarelinha e a gente chama de ameixa, mas não é ameixa, é nêspera, é azeda, mas nós plantamos ela por cima da minha casa, na beira da cerca. Ela ia ter dois intuitos: dar a fruta e ao mesmo tempo servir de mourão, pra dividir as roças. Lá não tem cerca, o meu quintal não tem cerca com o quintal do vizinho. A gente faz uma fileira de árvores, daqui pra cá é meu, daqui pra cá é seu. Mas se eu quiser ir lá, apanhar uma cana dele, eu apanho, se ele quiser apanhar uma coisa do meu lado, apanha. A banana madurou lá, apanha lá, mas não tem aquela cerca de limite. A água que eu sirvo nasce no quintal lá do vizinho. Pra eu passar para minha casa, eu passo no quintal do vizinho, e se o vizinho quer coisa, ele passa. É uma família. Aí, eu tinha um pé de árvore que nós tínhamos plantado, uma coisa, envolto, cheio de cipó, e aí eu fui limpar o cipó que encobrindo, fazendo muita sombra. Quando eu fui tirar assim, um ninhozinho de tiê com três ovinhos. “Vem aqui João, vem aqui.“ Ele olhou: “Pô, avô, maneiro.” Falei: “O quê?” “Olha só, ela escolheu o lugarzinho.” Falei: “João, olha a noção de vida. Se essa planta não der uma fruta, ela já criou uma família.” Mas já serviu de abrigo. Eu fui, não cortei o cipó, deixei os filhotes voarem e coisa. Esse casal de tiê é antigão lá. Mesmo se essa planta não der nada, ela já serviu de abrigo.
P/1 – Ô Dinho, você fala muito pra gente sobre conscientização. O que você acha que é necessário para as pessoas mudarem, às vezes, uma atitude. Vocês lidam muito com isso.
R – Muitas das vezes você falar, entra num ouvido e sai no outro. O bom é você pegar o cara e levar. Você vai fazer um passeio com o cara, quer dizer, uma pesca. Essa pesca nossa, ela se tornou uma coisa, duvido que um cara joga uma guimba de cigarro dentro da água, porque já tem consciência que, no bate papo, eu falei: “Poxa cara, Baía está tão contaminada, está tão suja, se o cara puder levar o lixo e trazer de volta, é legal. Eu tenho um projeto de trocar lixo por pão. Tentei com a prefeitura, a Prefeitura falou que não ia recolher lixo dos outros. Vai chegar agora a pesca do camarão agora, a mudança de maré; traz muitas bolsas plásticas, muitas coisas, a gente fazia agora, a “Baía Limpa”, eles fizeram um projeto lá, a “Baía Limpa”. Começou a dar resultado. Só que já morderam o projeto dos outros, já não estão pagando. Falei que enquanto tiver dinheiro, tem coisa; quando acaba o dinheiro, nego come o dinheiro todo e o projeto não sai. Aí já o pessoal tá reclamando lá, que eram três meses para cada. Eu não me incluí, porque eu tinha mil coisas. Eu ia fazer uma troca de lixo, por pão. Esse projeto está lá guardado. A gente trazia o lixo, quando a gente ia pescar, aí fazia um tiquetizinho. Ia lá na padaria, tanta quantidade de lixo, trocava por um litro de leite ou por uma quantidade de pão. Isso daí era pra incentivar o pescador a recolher. Sem querer, quando ele fosse dar por si, já tinha recolhido, já tinha limpado a parte que ele pesca.
P/1 – Ô Dinho, e você falou que você ia fazer um trofeuzinho, para um pescador que encontrasse um peixe. Como essa mudança impacta.
R – Isso é futuro, isso aí é no futuro, porque, olha só, a Baía está tão degradada, que num espaço, não muito longo, vai acontecer isso. Quer dizer, um trabalho que a gente faz, eu acho maneiro tu chegar lá e pescar o peixe e, ao brigar com o peixe, aquela adrenalina de você trazer uma corvina... só que vai acabar, por quê? Iluminação, demais; Petrobras tem que trabalhar, o progresso não pode parar. Estão lá, fazendo refinarias e refinarias, enfiando o duto por tudo quanto é lado. Quando eles interligarem, quando a Petrobras interligar a refinaria que eles estão fazendo ali em Itambi, com a Reduque, não vai ter mais espaço pra gente. A pescaria vai acabar na Baía de Guanabara. É uma Baía muito rica. Eu até brinco às vezes e falo: “Óh, a natureza é que nem a nossa mãe, a gente faz mal criação, judia, brinca e coisa, e ela está sempre doando, sempre doando, a natureza está sempre doando. Essa Baía se renova todos os dias. Eu fico encantado, quer dizer, eu já conheci ela bem mais rica. Se o homem tivesse mais um pouquinho de consciência e deixasse ela um ano parada, e se conseguisse, despoluir ela mesmo, não seria Baía igual não.
P/1 – Ô Dinho, e o que você acha que significa mudança pra você, a palavra mudança.
R – A palavra mudança é o cotidiano. Todo dia você vê uma mudança. Onde que vocês viram na história que o Sul está na seca, e o Norte embaixo d’água. Onde? Isso é o quê? Isso é mudança. Quem provocou essa mudança? O homem. Por quê? Por causa das queimadas, por causa de alguma coisa. É por isso que eu falo que quando eu falo ecologia, ecologia é o quintal da sua casa, o seu ecossistema. Se você cuidar do seu ecossistema, eu cuidar do meu, ela cuidar do dela, ela cuidar do dela, nós vamos conseguir. Agora, pô, eu cuido do meu, mas bagunço o seu, não adianta. Ou então faço vista grossa. Pô, o cara tem que vender o guaraná dele, mas pra isso ele precisa acabar com a minha pescaria pra poder vender o guaraná dele? Não, ele tem que trabalhar, vender o guaraná dele e manter a minha pescaria. Então o cara manter a roça dele lá, ou outra coisa, mas infelizmente as indústrias, eles querem produzir, produzir, produzir, e não querem pensar numa coisa. A Petrobras, lá ela é sua vilã, lá ela está sendo uma vilã feia. As empresas que, subsidiárias dela, não dão o menor apoio ao pescador. Por quê? Eu acho que eles até sabem que a Baía vai acabar. Eles sabem que o que vão fazer com 20 mil pessoas que vivem da pesca? Eu já estou me aposentando, daqui alguns anos eu me aposento, por exemplo, mas e essa garotada que vem agora, que depende da pesca? Não aparece, não significa muito, mas mais de 600 pescadores, cinco mil pessoas são beneficiadas: um vende, outro faz uma rede, todos...outro conserta o barco. E vai acabar. A Baía de Guanabara vai acabar.
P/1 – Ô Dinho, e você lembra assim de alguma história, alguma experiência que você viveu, que te ajudou a mudar o seu jeito de olhar as coisas.
R – A minha avó me ajudou. Ela era uma pessoa que tinha uma visão, ela era muito futurista. Ela conseguia ver o futuro, com poucas palavras ela te fazia ver um horizonte. A maioria das pessoas são imediatistas: ele quer na hora, aquela coisa. Ela não, ela conseguia mostrar que o futuro era mais interessante que o presente. Uma das pessoas é ela. Muitas outras pessoas que a gente via lá, uma que às vezes a gente não entendia o porquê, por ser jovem, ignorante, mas depois você começa a entender e, assim, valorizar mais.
Uma coisa que me deixou triste: teve uma época que eles fecharam a cachoeira lá. Pô, nós tínhamos a mania de jogar pelada, saía da pelada e tomava banho de cachoeira. Não sei por que lá das quantas lá a prefeitura fechou a cachoeira, botou cerca de arame. Caramba! Aquilo foi um baque pra gente, imenso. Era uma cultura, acabava de tomar banho, se refrescar no verão, pescar aqueles peixinhos, aquela lagostinha, aquela coisa. PFalei: “Isso faz falta pra natureza.“ Sempre gostamos muito de pescar de anzol, de repente o rio ficou sem peixe. O cara foi lá, botou um produto químico e matou tudo. Bom, até a natureza se refazer de novo... Isso tudo foi me deixando preocupado. Sempre tive a vontade que as outras pessoas, os mais jovens, também pudessem viver. Porque você conta, quando você vê uma história de pessoas mais velhas, é sempre história de fartura, história de tranqüilidade, e aí você vai no dia a dia, você vê que é tudo caro, tudo difícil, tudo segurança. Pô, lá onde eu moro, as pessoas morrem de velho, qualidade de vida quase que ótima. Lá tu tens oxigênio maravilhoso, você quase não vê bala perdida e aqui embaixo eu tenho preocupação com meu irmão que mora em Botafogo. Eu fui na casa dele umas duas vezes lá, e tiroteio. Isso é meio de vida, isso é qualidade de vida que você quer para os teus filhos, você quer para os teus netos? Se eu puder preservar um pouquinho que eu tenho, eu vou tentar de todas as maneiras. E engraçado, as pessoas daqui que vão lá passear: “Ah, não tem como comprar um pedacinho aqui não?” “Pô, aqui ninguém tem nada pra vender.” “Porque você é gente boa, mas toda gente boa tem um parente, tem um colega, alguma coisa que não presta.” O cara vem aqui, vê as condições, quer mudar. Aí muda, aí acaba mudando o perfil. Se mudasse pra melhor, tá bom, mas a gente nunca é pra melhor, muito difícil, a maioria muda pra pior.
P/1 – Tem alguma história que você acha que é importante e a gente por algum motivo não falou.
R – A gente não falou, praticamente, de futebol. A terra do futebol, Garrincha, todo mundo. A família do Garrincha, coitada, era simplória, a esposa do Garrincha era uma pessoa muito simples. Hoje em dia não tem nenhum memorial do Garrincha. A prefeitura se liga tanto em meio ambiente e cultura, que nem fala alguma coisa. Você não tem apoio de um grupo ecológico, se você quiser falar com a Prefeita, tu não consegue. Turismo lá nem se fala. O campo está lá a ver navios, lá. Tem a escola Mané Garrincha, graças a Deus, escolas tem muito. Pau Grande é um lugar pequenininho e tem seis escolas, uma particular, um CIEP, uma escola modelo e todas as outras escolas: escola Esmeralda não sei de quê, Creche não sei de quê... Essa parte ainda é boa, a parte de educação. E uma coisa boa também lá, a saúde lá é boa.
P/1 – E qual que é o time de futebol de Pau Grande.
R – Esporte Clube Pau Grande, é onde o Garrincha jogava. Olha só, lá tem um lugar que é Pedra Fundamental do Museu do Garrincha. Nem as filhas deles vão.
P/1 – Que nunca existiu.
R – Fizeram uma lata, botaram lá. Coitado! Não saiu dali. Pô, quer dizer, quem foi Garrincha? Daqui a dez anos ninguém conhece mais não. Se a família dele morrer, todo mundo da família dele está morrendo, que já estão bastante velhos, tem duas ou três pessoas lá. “Ah, não sei quem é não.” Os sobrinhos, os netos dele são pessoas maravilhosas. Lá perto da cachoeira eles têm um barzinho, com a piscina natural, eles exploram comercial. É piscina familiar, é um reservado fechado. Se vocês quiserem, vamos dizer assim: “Ah, vou fechar um grupo de pessoas pra fazer um churrasco.” Eles alugam, bem baratinho. Meus parceiros ecológicos, eu faço almoço lá. A gente vai pra serra, ai dá uma parte do dinheiro: “Nenê, minha irmã, a gente vai almoçar aqui, a gente quer comer uma feijoada. Tá beleza? “Tá.” Sobe pra serra e depois a gente volta e a feijoada está prontinha. A gente toma o café da manhã: pão, leite, café, biscoito, queijo, doce... O pessoal todo sobe e depois você volta meio dia, uma hora, almoçar. Almoça ali. Cada um fala um pouco de cultura e um pouco de ecologia.
P/1 – Ô Dinho, e nesses passeios ecológicos, assim, você vê muita gente descobrindo coisas, aprendendo coisas?
R –Quando eu vou com universitários, eu vejo dor de cabeça. Agora quando vai com ecologista, mesmo, você vê coisas boas; com a terceira idade então...
P/1 – E por que universitário é ruim?
R – É por que ele está com a mente querendo descobrir muito. Eles querem aproveitar todos os momentos, porque, quando um matuto vai ao shopping, ele quer ver tudo. É o inverso, quando ele, o urbano vai pro mato, ele fica doido, ele quer pegar uma filmadora e sair assim. Ele pode pisar na cobra, ele pode pisar numa armadilha, pode cair num penhasco, e isso daí dá uma dor de cabeça... “Gente, não sai da trilha, vai por aí.” E engraçado, porque o mateiro, que é o nosso caso, o ouvido é mais apurado, a gente está mais acostumado com os sons do mato. A gente vem assim, pára, você escuta um bicho e sente o barulho. Bate aquele monte de gente nas tuas costas. “Que foi, que foi?” “Pô, tá vindo um bicho aí.” “Ah, pára de mentira.” “Olha ele passando.” Muitos já quer pisar, outros já quer matar, aquela coisa... “Pô, cara, tu quer ser Biólogo e vai matar a aranha?” “Pô, mas ele não está mostrando perigo?” “Que perigo? Ela está aí, quietinha. Eu tenho uma história de um casal de aranha no meu barco, há dez anos. E você querendo matar a minha aranha assim?” As aranhazinhas preto e branco, que comem insetos. “Eu não tô vendo fulano aqui hoje.” A gente chama ela de Peter Park . “Não estou vendo a Peter Park aqui hoje.” “Aqui.” “É, vê só andando por aqui assim.” “Aqui, tem dez anos aqui.” “Esse cara é maluco, criar a aranha há dez anos.” Falei: “Maluco é você, querer matar o bichinho que está aí há dez anos, sem perturbar ninguém.” Olha a mente do cara, queria matar o animal que está lá há dez anos. Não prolifera, de repente são dois machos, ou são duas fêmeas, mas estão lá, estão vivendo a vida deles lá. Pois é, e eu duvido que os meus netos fariam um troço desses. À noite, dá muitos insetos e cada dia aparece um inseto mais bonito, lá, meus netos ficam doidos, o pequenininho. Essa semana apareceu um grandão, assim, com um chifrão, cara! Com duas antenonas. Ele: “Olha lá avô, olha essa coisa linda! Verde, amarelo com duas coisas assim. E fui lá, peguei a câmera da mãe dele para fotografar o inseto. Isso é Ecologia: você cuidar do ecossistema.
P/1 – Você vê, é a coisa do exemplo também.
R – De repente, se eu não tivesse essa coisa, eles não teriam. Agora, universitário, eles tem um olho que vêem coisas que você pode ter um cigarro no chão, lá dentro do mato; nisso eles tem de bom. Só que, isso muita gente viu, tem que melhorar muito. Eu fiz a trilha do ouro, eu brinquei, falei: “Ó, nós vamos descer pelo meio da serra, vamos chegar até a raiz da serra, tem que andar de olho aí no chão, que vocês vão achar pepita de ouro aí. Mas sabe por quê? Por que lá tem muita aranha. Minha preocupação era que uma aranha armadeira pudesse pular num pé daqueles lá. Os caras acharam parafusos, acharam coisas, acharam tudo da época... Tem as pedras marcadas lá, tem pedras marcadas com xis. E a história da pedra. “O que é essa Pedra aí, cara?” “Ih, rapaz, essa Pedra aí tem três histórias. Sabe essa pedra que está marcada aqui? Um já deduzia que eles iam trabalhando, quando chegavam no final do término do serviço, marcavam aquela pedra, pra poder no outro dia continuar. O outro já dizia que, quando morria um escravo, eles faziam aquela cruz ali... Ninguém sabe ao certo, mas eu sei que de tempos em tempos tu acha uma pedra com um xis, lá, uma cruz.” E, você tem que contar história. Você tem que saber alguma coisa senão, eles ficam: “Ah, pô, pesquisa aí.” “Mas não tem história, vou pesquisar?”
P/1 – Ô Dinho, e falando de história, o que você achou de ter contado essa história, de ter participado desta entrevista.
R – Ah, o resultado a gente vai ver depois, mas que é uma história bem agradável,.
P/2 – Agora, seu sentimento, como é que foi fazer esse percurso de vida inteira?
R – Olha, eu pretendo fazer muito mais, porque dá a impressão que está sempre faltando. Pro Ecologista, tu nunca faz, tá sempre faltando, sempre. É o que a minha mulher diz, ela sempre fala, sempre diz pra mim: “Pô, tu faz, faz, faz, e não está satisfeito?” Porque você sabe que o que você faz ainda é muito pouco. O que a gente faz ainda é muito pouco. Porque tem muitas pessoas pra não fazer, e poucas pessoas fazendo. Nós tínhamos que criar um mundo melhor, um mundo. Estou com 50 anos, mas vocês que são jovens, vocês precisam fazer, precisam cuidar do ecossistema, do quintal de vocês, da casa de vocês, porque, ou mal ou bem eu já vivi. Se eu morrer hoje, eu morro feliz. Porque eu já tenho netos, eu já tenho filhas, eu já plantei um milhão de árvores. Quando o cara planta uma árvore, o cara já é feliz. Pô eu já terminei, já plantei um milhão de árvores, já tenho netos, já tenho filhas, pra mim eu já estou satisfeito. Mas eu quero, se Deus me permitir, viver mais 30 anos. Eu quero é 30 anos trabalhando em prol da natureza. Por quê? Por que tudo o que você tem, tudo o que você depende vem da natureza. Ela te dá tudo, ela te dá: água, roupa, alimento, ar. Tudo o que a gente tem vem da natureza. E o que você dá em troca? O máximo que você fizer, não vai ser o mínimo. Por isso que eu tenho essa esperança que os mais jovens possam se incumbir de tentar melhorar, porque do jeito que está acontecendo... Porque a gente vê aí, o homem está interessado em fazer, sabe o quê? Petróleo, a fazer, se locomover, fazer energia, fazer coisa, mas está esquecendo de fazer o quê? Cuidar do ecossistema. O que adianta você ter um carrão, ter um milhão no bolso e não ter o que comer. Ter um montão de coisas e não ter o ar para respirar. Já pensou se faltar ar cinco minutos? Quem de nós vai sobreviver? Agora, se você tiver um ar para respirar, você vai viver. Eu posso te dar milhões, contra dez minutos de ar. O que você vai querer?
P/1 – Dez minutos de ar, com certeza.
R – Então, o homem não está pensando nisso não. Esta pensando em produzir. Produzir o quê? Conforto. Mas qual o melhor conforto que você tem? Você poder viver, trabalhar, criar teus filhos, criar o seu ecossistema, usufruir do seu suor. Se você tiver dinheiro para fazer isso tudo e não tiver o necessário, a vida para você viver, o que vai adiantar? Por isso que eu falo, tem que preservar. E tem uma frase que eu digo: “A preservação ela tem que ser praticada, porque a extinção só pode ser lembrada. Se você não praticar, o que adianta você ficar lembrando?” Se você não preservar o que você tem hoje, vai ficar na história. História é bom pra vocês que fazem História.
P/1 – Obrigada Dinho, pela sua história. Em nome do Museu da Pessoa e do futuro, muito bom te escutar.
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