Entrevista de Adriana Silva
Entrevistado por Grazielle Pellicel
São Paulo/Salvador, 31/07/2023
Projeto: Mulheres na Tecnologia
Entrevista número: MTS_HV014
Realizado por Museu da Pessoa
Revisado por Luiza Gallo
P/1 – Oi Adriana, tudo bem? Muito obrigada por ter aceitado o convite, e para começar eu gostaria de saber o básico, que é o seu nome completo, sua data e local de nascimento?
R – Olá, Grazielle, meu nome é Adriana Silva Santana, eu nasci em Salvador, Bahia, sou da cidade de Salvador Bahia, e minha idade… eu nasci na data de 27/04/1997.
P/1 – Seus familiares te contaram como foi o dia do seu nascimento?
R – Sim, eu nasci em um hospital particular daqui de Salvador. A minha mãe trabalhou até o dia anterior, ela não estava sentindo nada, e aí ela simplesmente estava tendo um sonho de que estava tendo muita água, e aí na verdade ela tinha… a bolsa dela tinha estourado enquanto ela estava dormindo, então disso ela foi para o hospital, e chegou lá ela já estava em trabalho de parto, porém esse trabalho de parto durou um tempo muito longo, ela tentou ter parto normal durante um tempo, mas não conseguiu ter passagem, e aí eu nasci de uma cesariana, depois de doze horas de parto. Ela chegou lá de manhã e eu nasci às oito da noite, então foi isso, essa é a história do dia do meu nascimento.
P/1 – Ela trabalhava no hospital mesmo?
R – Não, não, ela trabalhava em outro lugar antes, e aí ela trabalhou até o dia anterior, e aí quando ela acordou, no dia seguinte, ela foi, tanto que ela falava que ela não estava sentindo nada, ela acordou e ela descobriu que a bolsa dela tinha estourado e aí ela foi de ônibus mesmo, ela até conta: “Eu peguei um ônibus e fui”, aí chegou lá estava em trabalho de parto.
P/1 – Você sabe por que seu nome é Adriana?
R – É em homenagem ao meu avô, que se chamava Adriano, ele faleceu em 96, um ano antes de eu nascer, e até antes mesmo da minha mãe saber que ela...
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Entrevistado por Grazielle Pellicel
São Paulo/Salvador, 31/07/2023
Projeto: Mulheres na Tecnologia
Entrevista número: MTS_HV014
Realizado por Museu da Pessoa
Revisado por Luiza Gallo
P/1 – Oi Adriana, tudo bem? Muito obrigada por ter aceitado o convite, e para começar eu gostaria de saber o básico, que é o seu nome completo, sua data e local de nascimento?
R – Olá, Grazielle, meu nome é Adriana Silva Santana, eu nasci em Salvador, Bahia, sou da cidade de Salvador Bahia, e minha idade… eu nasci na data de 27/04/1997.
P/1 – Seus familiares te contaram como foi o dia do seu nascimento?
R – Sim, eu nasci em um hospital particular daqui de Salvador. A minha mãe trabalhou até o dia anterior, ela não estava sentindo nada, e aí ela simplesmente estava tendo um sonho de que estava tendo muita água, e aí na verdade ela tinha… a bolsa dela tinha estourado enquanto ela estava dormindo, então disso ela foi para o hospital, e chegou lá ela já estava em trabalho de parto, porém esse trabalho de parto durou um tempo muito longo, ela tentou ter parto normal durante um tempo, mas não conseguiu ter passagem, e aí eu nasci de uma cesariana, depois de doze horas de parto. Ela chegou lá de manhã e eu nasci às oito da noite, então foi isso, essa é a história do dia do meu nascimento.
P/1 – Ela trabalhava no hospital mesmo?
R – Não, não, ela trabalhava em outro lugar antes, e aí ela trabalhou até o dia anterior, e aí quando ela acordou, no dia seguinte, ela foi, tanto que ela falava que ela não estava sentindo nada, ela acordou e ela descobriu que a bolsa dela tinha estourado e aí ela foi de ônibus mesmo, ela até conta: “Eu peguei um ônibus e fui”, aí chegou lá estava em trabalho de parto.
P/1 – Você sabe por que seu nome é Adriana?
R – É em homenagem ao meu avô, que se chamava Adriano, ele faleceu em 96, um ano antes de eu nascer, e até antes mesmo da minha mãe saber que ela estava grávida, então… e ele queria muito ter uma neta, então é uma homenagem ao meu avô paterno.
P/1 – Qual é a origem dos seus pais? Eles também são de Salvador?
R – Não, na verdade eu sou a primeira geração que nasceu aqui em Salvador, meus pais são de uma cidade chamada Senhor do Bonfim, que é do interior da Bahia, essa cidade fica perto ali, é mais próximo de Pernambuco, perto da cidade de Juazeiro, e são cidades lá do norte da Bahia. E aí a minha vó passou um tempo morando aqui em Salvador, um tempo quando era mais nova, e aí ela sempre quis morar aqui, depois de um tempo, e foi quando os meus pais também queriam vir para Salvador, e acabou que toda a família veio morar em Salvador, meu pai, minha mãe, minha avó, meu avô, vieram morar aqui, e foi assim que eu nasci.
P/1 – E você sabe como foi quando eles vieram para cá? Teve uma mudança muito brusca, assim?
R – Sim, foi uma mudança. Na verdade o meu pai passou um tempo morando aqui em Salvador, antes de morar junto com a minha mãe, então foi uma mudança assim, foi mais brusca para minha mãe na verdade, mas para o mau pai, para minha avó, para o meu avô, para eles era algo mais natural, esperado, que eles queriam muito morar em Salvador, até por conta de ser uma capital, ter mais oportunidades, e tudo mais. Mas, eu venho de uma família toda de agricultores assim, os meus avós eram agricultores, acho que deve até estar em outra pergunta sobre isso, mas os meus pais trabalham na área do comércio, e todos eles vinham muito do interior mesmo, então para eles essa mudança aí foi algo muito esperado, mas também foi brusco, né? Sair do interior, um lugar que tinha mais qualidade de vida, era um lugar maior, para uma cidade que tinha todas as demandas de uma capital.
P/1 – Qual é o nome da sua mãe? E como é a parte da família dela?
R – O nome da minha mãe é Maria José, a família dela também é de lá, toda família da minha mãe também é de lá do Senhor do Bonfim, os meus pais se conheceram lá, no colégio, inclusive. E bom, toda a parte da minha mãe, todos nasceram lá, minha vó teve sete a oito filhos, algo assim, todos nasceram lá, em Senhor do Bonfim praticamente, ou em cidades vizinhas, mas os meus avós de parte de mãe também eram agricultores, e tinham alguns dos meus tios, naquela época, anos setenta, anos sessenta, eles foram morar em São Paulo, inclusive eu tenho tios que moram até hoje aí em São Paulo, por conta do momento de migração do nordeste para o sudeste, tivemos essa mudança aí de alguns tios meus que moram lá até hoje, mas eu tenho tios que moram em Senhor do Bonfim até hoje também, e nas cidades vizinhas.
P/1 – E seu pai? Como é a parte da família dele?
R – O meu pai, ele… a família de parte de pai também é toda de lá de Senhor do Bonfim, a minha vó morou um tempo aqui em Salvador, depois voltou, aí teve o meu pai, e aí ela se casou com meu avô paterno, mas é meu avô adotivo, recentemente eu descobri que meu avô biológico morreu em Minas Gerais há muitos anos, mas é mais ou menos assim, tem uma parte da família do meu pai que é muito grande, mas que eu ainda não tive oportunidade de conhecer, mas… e também tem muito aquilo, a gente só tem registro mesmo assim, de origem familiar até no máximo os bisavós, porque querendo ou não, naquela época não tinha isso de registrar, tem até uma história de que na época em que a minha mãe nasceu iam registrar vários irmãos todos juntos, esperava nascer três para ir dá um tempo e registrar, o meu tio sempre conta essa história que não era algo tão comum, então assim, registro da minha família eu não tenho muitos, é mais oralidade mesmo, e vem muito dessa lugar, do sertão, de ter ainda assim uma vida sofrida, porém muito feliz, né? Uma vivência ali no campo de muita luta, de muita dor, mas também de muito amor, um espaço ali muito acolhedor, de muito carinho.
P/1 – Esses registros, você falou que eles faziam de três né, por exemplo, a maioria deles vinham com algum problema assim de registro, não?
R – Isso, olha, é engraçado que assim, tem um tio meu que assim, ele faz aniversário no mesmo dia que eu, dia 27 de abril, e foi sempre sabido que ele faz aniversário dia 27 de abril, até que foi achado um documento bem antigo de que ele foi registrado no dia 9 de maio, e a gente ficou: “Ele nasceu 27 de abril ou 9 de maio?” Mas a minha avó tinha um caderno, que ela tinha a data, o registro de todos os filhos, então se a minha avó, ela sabe que foi 27 de abril, a gente segue que era 27 de abril, mas os documentos dele, teve que mudar inclusive, para 09 de maio, por conta aí, precisou refazer documentos, e tudo mais, mas para a gente, para a família é 27 de abril, mas assim, meu tio conta essa história de que existem diferenças às vezes, às vezes de alguns dias, diferenças assim, não tão grandes de anos, por exemplo, porque a minha avó anotava as datas certinhas, mas assim, quando iam registrar esperava ficar maiorzinho e já tinham dois, três que tinham nascido, iam de uma vez só para a cidade para registrar, mas era muito assim. E o registro na época tinha, era o batistério. Era o registro de batismo que se chama, e depois que tinha a certidão de nascimento, e depois… RG é uma coisa que veio bem depois, então tem todo esse ponto.
P/1 – E esse caderninho que sua avó anotava os nascimentos, ela anotava outras coisas também?
R – Olha, ela anotava, ela gostava de anotar nascimento de toda a família, não era só dos filhos, ela tinha aniversário de todos da família, ela não esquecia nenhum, então ela colocava assim, eu lembro que ela tinha uma lista assim, janeiro, de quem era o aniversário de janeiro, fevereiro… Filhos, netos, bisnetos, minha vó chegou a conhecer bisnetos também, então tinha esses registros assim, da família, então se ela dizia que era data tal, então a gente realmente confiava, porque na época tinha muito erro nos registros.
P/1 – Eu esqueci de perguntar o nome do seu pai.
R – Ah, o nome do meu pai é Antonio Carlos Martins Santana.
P/1 – Os seus pais, eles chegaram a ser agricultores antes de comerciantes?
R – Não, não, os meus avós tanto de parte de mãe quanto de parte de pai sempre incentivaram muito o estudo, porque eles não tiveram oportunidade de estudar, a minha vó de parte de pai até hoje, graças a Deus ela ainda é viva, e ela fala que ná época que ela ia estudar, ela queria muito estudar, ela só estudou até a quarta série, quando ela sabia assinar o nome, aí o meu bisavô tirou ela da escola, porque falava que ela não precisava estudar, porque para estudar, se mulher estudava era para escrever carta para namorado, então assim, ele tirou ela da escola e, ela me conta, desde os sete, oito anos que ela trabalha, trabalhou no campo mesmo, e aí por conta de todas essas experiências, ela sempre incentivou, tanto meu pai, quanto a de parte de mãe também, os estudos. Então os meus pais estudaram, concluíram o ensino médio, que na época era como se fosse uma faculdade, né? Era tão difícil concluir que era como se fosse uma faculdade, concluíram o ensino médio, fizeram curso técnico também, então tiveram essa diferença em relação a geração dos meus avós, por conta também do incentivo deles mesmos.
P/1 – E que tipo de comércio eles têm?
R – Eles trabalham na área do comércio, a minha mãe trabalha como atendente, ela já trabalhou como operadora de caixa em mercado, em supermercado, atendente de caixa, ela trabalhou como atendente de açougue, atualmente ela está desempregada, mas ela trabalhou a vida inteira, desde os, acho que antes até dos dezoito anos, ela já trabalhava assim. Já o meu pai, ele trabalha um pouco mais… Ele trabalhou como segurança, ele trabalhou também na área de mercado, mas ele está um pouco mais para a área de gestão, então ele acaba sendo gestor de funcionários ali da área da limpeza, da parte de serviços gerais, mas ainda assim no setor de comércio e serviços também.
P/1 – Você tem irmãos?
R – Não, eu sou filha única.
P/1 – Eles costumavam contar histórias? Alguma assim, que você consegue lembrar?
R – Olha, eles me contaram muitas histórias, eu gosto das histórias que eles contam de quando eles se conheceram, quando eles estavam meio que assim, se paquerando. Meu pai conta a história que eles estavam no mesmo colégio, porém eram de turmas diferentes, e aí eles juntaram, teve um dia que o professor não foi, e aí juntou as duas turmas, às vezes tem esse costume, de juntar as turmas, e aí foi quando meu pai sentou perto da minha mãe, ele sentiu o perfume dela, eu acho bonitinho essas histórias assim. Mas também tenho muitas histórias assim da minha vó, quando ela veio morar aqui em Salvador, minha vó conta muito essa histórias assim de como que ela veio morar aqui, e ela, assim, isso nos anos setenta, anos sessenta, ela veio morar aqui em Salvador, e ela até conta que a cidade, ela fala que a cidade era tudo mato, literalmente, e ela gostava muito de… Os lugares que ela me conta assim: “Eu trabalhei disso, eu trabalhei entregando…” Ela falava assim: “Eu trabalhei fazendo comida para os motoristas que chegavam no fim de linha do ônibus”. Ela trabalhava vendendo mingau, ela trabalhou também em loja, ela já trabalhou de muitas coisas aqui em Salvador, já trabalhou de empregada doméstica também, então durante boa parte da vida dela, depois que ela deixou essa parte de agricultor mesmo, depois foi só por hobby, mas ela trabalhou muito tempo também de empregada doméstica aqui em Salvador também, então ela sempre tem muitas histórias assim que ela me conta, que ela fazia uma travessia, que era de barco de um bairro para o outro, e ela molhava o pé, então o sapato ela só colocava depois que chegava do outro lado, então ela me conta várias histórias assim, eu gosto muito.
P/1 – Ela andava descalça e depois colocava o sapato?
R – É, porque o barco, ela entrava, ela ia de sapato, e aí quando entrava no barco ela tirava o sapato, porque sempre molhava esse barco que fazia a travessia, era uma lancha, aí quando ela chegava do outro lado é que ela colocava o sapato, se não molhava o sapato todo, então ela sempre contava essas histórias.
P/1 – Tem algum outro familiar seu, que não seja seus avós, ou seus pais, que você é próxima?
R – Sim, eu sou bem próxima dos meus tios de parte de pai, sou bem próxima de primos de parte de… Perdão, eu falei parte de pai, mas é parte de mãe, sou bem próxima dos meus tios de parte de mãe, sou bem próxima, eu tenho uma prima de parte de pai que também, a gente tem a mesma idade, e é bem parecida assim, as histórias também, e assim, eu também, eu tenho uma proximidade com uma tia.. Eu tenho uma tia que ela mora… atualmente ela mora em Andorinha, que é uma cidade próxima lá de Senhor do Bonfim, uma cidadezinha pequena, e ela é um pouco mais nova que a minha mãe, então eu também sou bastante próxima dela, eu tenho ela como uma segunda mãe também. Mas, aqui em Salvador, eu não tenho nenhum parente além dos meus pais e da minha avó, então todos os meus familiares estão em outra cidade, eu tenho primo que mora no norte, eu tenho primo que mora aí no sudeste, então está todo mundo aí espalhado pelo Brasil.
P/1 – Você costuma visitar eles?
R – Não, a última vez que eu fui visitar foi em 2016, se eu não me engano, fui em São Paulo visitá-los, mas… E também quando eu vou no interior eu costumo ver meus tios que moram lá, a última vez que eu fui foi em 2019, 2020, antes da pandemia, eu fui lá visitá-los, mas desde então, desde que passou a pandemia, eu não cheguei a ir lá de novo, mas pretendo ir.
P/1 – Na sua família existe alguma coisa, alguma comemoração, algo que faz vocês se reunirem para festejar?
R – Por ser, por a gente ser, eu falo que a gente é do interior, né? Mas, eu sou mais, claro, sou mais Soteropolitana do que todos eles, mas assim, a gente tem muito forte, na nossa família, o São João, São João aqui no nordeste é… em algumas cidades é mais forte que o Natal. Então é quando todo mundo se reúne, a família se junta, cada um faz uma comida típica, todo mundo se reúne, porque, querendo ou não, São João é como se fosse uma festa da colheita, né? Então, pelo fato da minha família ser de origem da agricultura, é aquilo, você comemora o que você plantou o ano inteiro, né? Você comemora a colheita do que você plantou o ano inteiro, então é uma festa que a minha avó conta, que quando ela era criança, quando era adolescente, ela ia para as festas, forró, então assim, aqui na minha casa, até eu também já estou dando continuidade a essa tradição, esse ano eu já fiz a minha mesinha, já fiz essa… Estou dando continuidade, porque para mim essa festa é muito afetiva, eu tenho memória assim, muito grande de estar no interior e estar com a minha família comemorando, seja de parte de pai ou parte de mãe, assim, essa tradição é unânime.
P/1 – Como era esse São João no interior?
R – Era muito bacana assim, além de ver a minha avó de parte de mãe, porque eu só a via na época do São João, então tem toda essa questão afetiva também de ver minha avó, então para mim está muito interligado, para mim, e era assim, a gente, eu costumo dizer que, assim, São João é 23 e 24 de junho, né? A data específica é 24 de junho, no dia 23 é um dia muito de você, de você estar com a família, é estilo Natal, sabe? Que você faz a ceia de Natal, que você vai, você está ali, você vai com a sua família, você come, e aí tem a festa da cidade, então era assim, a gente ficava na casa dos parentes. Eu tenho um tio que ele faz fogueira até hoje, na porta da casa dele, faz forró, então a gente ia para a casa dele, comia, comia, e aí dava umas dez horas a gente ia para a festa que tinha da prefeitura, então sempre tinha cantor grande, e tudo mais lá, então assim… Aí ficava lá, depois voltava para a casa, até o momento de cozinhar, na manhã do dia 23 era o momento de cozinhar, então as mulheres chegavam, em geral as mulheres, as minhas tias, minha mãe, minha avó, todo mundo estava ali fazendo comidas derivadas do milho, que é canjica e pamonha, então assim, são essas coisas, esses momentos são muito afetivos para mim. No domingo, era São João mesmo, específico, que era mais festa mesmo, era você ir para festa e curtir assim, então era muito bacana, eu lembro que tinha parquinho, que eu ia, tinha aqueles brinquedos de parque de diversão, que eu ia, então eu gostava muito assim, era muito valioso, eu tenho essas memórias assim, bem guardadas comigo.
P/1 – Legal. Você lembra da casa onde você passou a sua infância assim, como ela era?
R – Sim, eu morei nessa casa até os 22, 22 para 23 anos, foi, morei nessa casa até os 22. Era uma casa que tinha dois quartos, moravamos eu, meu pai, a minha avó e a minha mãe, eu lembro que era uma casa, ela era de primeiro andar, sabe? Que era como se fosse um sobrado, só que era uma casa só, ela era uma casa que tinha uma laje, nessa laje ela era coberta, então era como se fosse o espaço que a gente fazia comemorações, tipo Natal, essas coisas, tinha uma mesa grande, todo mundo se reunia lá, também era o lugar que eu brincava muito, brinquei muito, era onde tinha os bichinhos de estimação, era onde tinha, era o espaço de área de serviço mesmo, de lavar roupa, então era um ambiente ali multiuso. E embaixo tinha sala, tinha os quartos, que era eu e minha avó, que a gente dividia, aí meu pai e minha mãe ficavam em outro quarto, tinha uma cozinha, não era muito grande, era uma casa muito pequena, e ela era primeiro andar, tinha uma parte, uma varanda na frente que a minha avó colocava as plantinhas, tinha não, ainda tem, a casa ainda… Estamos todos lá, praticamente, e bom, essa era a casa.
P/1 – E como era a rua? O Bairro?
R – Eu ainda moro nesse bairro até hoje. A rua, quando eu era criança era mais tranquilo, mas com o tempo foi ficando um pouco mais violento, foi ficando mais inseguro com o tempo, tanto que assim, é um pouco complicado chegar a noite lá, você tem que ter assim, um horário específico para não acontecer nada com você, mas eu lembro que quando eu era criança eu estudava na mesma rua que eu morava, então tinha a escola que eu estudava, tinha as minhas amigas que moram lá até hoje, que eu vou visitar, amigas de infância mesmo que eu tenho. Enfrente a minha casa tinha um senhor que eu chamava ele de avô, na rua tinham muitas senhoras que eu chamava de avó, chamava avó Ana, a avó Luzia, eu passava e pedia a benção, como se fosse avó mesmo, então assim, a gente tinha vizinhos que a gente considerava muito próximos ali, como se fosse uma intenção da família mesmo, a gente falava e tudo mais. E essa rua assim, eu acabei me mudando mesmo, hoje eu não moro mais lá, hoje eu moro em outra casa, mais perto assim, em um lugar mais movimentado, eu moro mais perto ali da rua principal do bairro. E o bairro, quando eu era criança, tinha menos comercio, aí cresceu, aí hoje ele tem bastante comércio, é um bairro praticamente comercial com algumas ruas transversais que são residências assim, mas assim, é um bairro que hoje, antigamente as pessoas falavam muito assim: “ É um bairro periférico.” Não, ele não é um bairro periférico, ele é um bairro central, ele é um bairro que eu estou perto de tudo de Salvador, e as pessoas acabam usando esses estigma de “ah, é um bairro popular”, ele não é um bairro periférico, ele é um bairro popular, porque periférico é o quê? Longe do centro. Se eu moro perto do centro então não é um bairro periférico, eu moro realmente em um bairro popular de Salvador, de uma comunidade mesmo, mas isso nunca, nunca, como eu posso dizer? Isso nunca foi um problema assim, tipo: “ Ah, porque mora na Pedra Grande”. Eu falo mesmo: “Eu moro na Pedra Grande do Retiro”, mas claro que eu também tenho as minhas pretensões de morar em um lugar melhor, conseguir sair desse bairro para um bairro mais próximo do centro, mais acessível a outros lugares, com mais qualidade de vida, né? Porque a questão principal aqui é mais a violência que veio nos últimos anos aí, mas eu tenho muitas memórias afetivas daqui, os meus amigos, eu tenho vários aqui, porque eu vivi a vida inteira aqui.
P/1 – Seus pais ainda moram na outra casa?
R – Sim, meus pais e a minha avó ainda moram lá.
P/1 – E mudou muita coisa desde a sua infância até hoje?
R – Na casa?
P/1 – Isso.
R – Não, o layout da casa continua o mesmo, então assim, é mais assim, pintura, que muda a cor, muda, às vezes, os móveis de lugar, troca o móvel, mas lá ainda é muito igual assim, quando eu chego é como se o tempo não tivesse passado assim, às vezes é uma coisinha ou outra que muda, é um porta retrato, é um quadro, mas a casa continua a mesma, não passou por nenhuma grande reforma que mudasse a casa completamente.
P/1 – Você… Quando você era criança, vocês tinham o costume de se reunir para ouvir música, assistir TV?
R – Sim, eu costumo dizer até que, acho que boa parte de, por exemplo, hoje eu sei falar inglês e tudo mais assim, e foi muito por conta disso, o meu pai sempre, todo domingo quando ele folgava, a gente tinha um momento assim, domingo de manhã ficar ouvindo música, então quando eu era criança a gente ficava ouvindo Red Hot Chili Peppers, ficava ouvindo várias bandas de rock assim, quando eu era criança. Eu, então assim, a música sempre se fez muito presente na minha vida, durante toda a minha infância e até hoje, assim, acho que eu conheço um pouco de tudo, música popular brasileira, rock, pop, axé, tudo assim, não tem, eu costumo… Pessoal costuma dizer que eu sou karaokê, eu acabo sabendo todas, porque eu tenho muito, gosto muito, a música é muito presente na vida da minha família assim, minha avó também, toda música… Ela gosta muito de música sertaneja, mas também ela gosta muito de samba, então assim, toda essa relação foi muito importante para mim, assim, não estou falando de _____, estou falando de uma forma geral. Assistir filmes também, eu tinha um hábito de ir com a minha avó, a gente… Eu chegava da escola, eu estudava de manhã, aí a gente almoçava, aí colocava um filme sempre, eu gostava de assistir filme da Disney, aqueles bem antigos assim, filme da Disney, então era muito, como posso dizer, muito nostálgico assim, a gente ficava a tarde inteira assistindo, e era isso.
P/1 – Você brincou… Qual é sua brincadeira favorita?
R – Quando eu era criança eu gostava de, eu brincava, tinha dois tipos de brincadeira, eu gostava muito de brincar na escola assim, de correr, de pega pega, esconde esconde, de brincadeiras assim de grupo mesmo, porque como eu era filha única eu aprendi também muito a brincar sozinha, mas quando eu estava na escola eu aproveitava e brincava com os colegas. Mas, quando, em casa eu usava minha imaginação para tudo, então eu sempre imaginava, eu e minha amiga, a gente é amiga de infância até hoje inclusive, a gente imaginava de tudo, a gente fazia vários empreendimentos, então tinha dias que a gente brincava de sei lá, de escola, aí colocava todas as bonecas ali enfileiradas, tinha dias que a gente brincava de supermercado, de fazer caixa registradora, a gente fazia até calculadora na mão, a gente brincava. Eu também gostava de brincar muito de jogos de tabuleiro, apesar de não ter muitos, eu gostava muito, sempre que podia assim, eu gostava muito de brincar de jogos de tabuleiro, então assim, eu não tive, eu tive muitas bonecas, eu gostava muito de brincar de bonecas, muitas bonecas, algumas barbies, mas muitas bonecas, então as barbies eram especiais, eu tive… no total se eu tive umas seis, sete barbies originais, as outras não eram originais, mas eu brincava muito assim, de boneca, de trocar roupa de boneca, de fazer todas essas coisas assim de boneca. Fazer a casa da barbie, a piscina da barbie, colocava as barbies para tomar sol e dizia que elas estavam na praia, então a minha imaginação assim, fluia muito.
P/1 – E quando foi o seu primeiro contato com a tecnologia? Já foi nessa época?
R – A minha casa foi uma das primeiras da rua que tinha computador, o meu pai conseguiu um computador de segunda mão no trabalho dele, e aí ele consertou, na verdade ele conseguiu lá consertar e trouxe para casa, eu lembro bem que chegou lá aquele computador branco, tinha o gabinete, tinha o monitor, tinha o estabilizador, então quando chegou lá em casa foi uma coisa assim, mágica, eu mexia no Paint. Isso eu estou falando eu tinha uns cinco, seis anos, então foi muito cedo o meu contato com o computador em si. E aí eu fui crescendo com aquilo, meu pai sempre me incentivou muito, eu tenho uma foto minha até hoje eu digitando assim, e eu aprendi a digitar cedo, meu pai me ensinou, quando eu tinha, meu pai fez meu email, a gente olhava os sites, eu gostava de brincar no site da Turma da Mônica, ia lá brincava, no site da Barbie, ia lá brincava, então eram tardes e tardes no computador. E eu lembro, até uma coisa que eu estava lembrando recentemente, que com oito, nove eu já sabia gravar CD, gravar DVD, a gente fazia todo esse processo de gravar CD para gente, às vezes a gente ia na locadora, aí eu pegava e gravava para mim, eu nem assistia, eu já gravava para mim o DVD, o CD, então assim, também foi um forma de ter acesso a muita música, muita coisa boa que eu conseguia baixar e eu vi. E eu lembro também que assim, desde que eu mexia, eu sempre tinha uma curiosidade de saber o que que tinha por trás daquela tela ali. Como é que aquilo funcionava? Não tinha, eu não tive a curiosidade de pesquisar muito, digamos assim, mas eu tinha a curiosidade de saber: “Como é que eu ligo isso aqui? Como é que funciona a internet? Como é que eu estou conectada na internet? “Eu lembro do barulinho da internet, da internet discada, eu lembro que tinha um horário específico para usar, então por ter nascido em 97, então eu vivi essa transição mesmo do analógico para o digital ali, e eu lembro que assim, desde muito cedo, o computador sempre esteve muito presente na minha vida, e sei que isso era um diferencial comparado ao resto das outras casas. Eu lembro que eu com dez anos já fazia currículo para as outras pessoas, tirava xerox, eu fazia toda… “Ah, preciso digitar isso aqui, você digita para mim?” Eu digitava, algum vizinho ia lá em casa fazer essas coisas. Eu lembro que com onze, doze anos o meu pai me colocou naqueles cursos de informática, sabe? Informática básica, Excel, Word, Powerpoint, essas coisas todas aí eu fazia, mas eu lembro que quando eu cheguei no curso a moça falou assim: “Você já sabe tudo”. Aí eu lembro que eu fiz o internet básico ali rapidinho, que era digitação, aí eu lembro que tinha o intermediário, avançado, que era Excel, aí foi que eu passei a mexer um pouco mais, mas foi esse, eu posso dizer, com toda certeza, que foi o primeiro contato assim com tecnologia. Jogava muito videogame também, jogava The Sims, jogava Guitar Hero, meu pai me deu um Playstation 2 quando eu tinha uns onze anos também, então querendo ou não está interligado, eu aprendi a baixar jogo para rodar no Playstation 2, então eu fazia todas essas coisas assim. Aprendi a baixar música muito cedo, meu pai me deu mp3 também, então eu ganhei mp3, então eu sabia que eu podia baixar as músicas e colocar ali, o meu mp3 com 256 megas, e aí colocava, selecionava as músicas que eu queria colocar, depois eu ganhei um mp4 que ele era de 1 giga, aí eu: “Meu Deus, mp4 de 1 giga.” Depois, passou uns dois anos eu ganhei um, eu não lembro se eram quatro ou se eram oito gigas, acho que eram oito, e eu fiquei feliz da vida, eu falei: “Pronto”. Isso eu já estava, já tinha o quê? Uns treze, quatorze anos, mas eu já estava feliz da vida com esse mp4 aí de oito gigas, foi meu companheiro por um bom tempo. Mas, sim, então está tudo interligado, né? A música, a tecnologia, jogos, eu tive esse contato, e… Mas ao mesmo tempo, possa até, talvez, dar um spoiler, eu nunca consegui atrelar toda essa vivência, toda essa aptidão a uma profissão, sempre perguntavam para mim: “O que você vai ser quando crescer?” Aí eu ficava: “Ah, eu não sei”. Aí às vezes as pessoas: “Ah. você vai ser médica?” Aí eu: “Ah, não” “Vai ser advogada?” “Não.” Aí eu lembro que uma vez eu queria ser jornalista, eu sempre gostei muito de falar assim, gostei muito de escrever, sempre gostei muito de, eu escrevia história quando eu era criança, então eu acho que eu até esqueci de falar um pouco sobre isso, eu lia muito, então eu lia muito, eu era apaixonada por livros, então… eu ainda sou, como você pode ver, ainda sou apaixonada por livros, mas quando eu era criança eu lia muito, meu pai me levava nas bienais que tinham, bienal do livro, e aí comprava aqueles livros, eu tinha um balaio, um cesto assim, bem grande, de livros, livros infantis, então eu li muito quando eu era criança, isso me ajudou bastante. Mas assim, voltando, eu nunca tinha considerado a tecnologia uma profissão, sabe? Eu não sabia muito o que era trabalhar com tecnologia, e aí eu sempre falava: “Ah, porque eu vou ser jornalista.” Aí depois eu lembro que depois eu parei, as pessoas perguntavam, o que você vai ser? “Não sei.” Aí eu deixei para a Adriana do futuro decidir, entendeu?
P/1 – E você aprendeu tudo sozinha? Porque eu imagino que na época não tinha um tutorial no Youtube para te ensinar as coisas.
R – De quê? De tudo o quê?
P/1 – De gravar DVD, CD…
R – Meu pai me ensinou, ele ensinava para mim tudo, gravar CD, gravar DVD, não tinha Youtube né? Então depois o Youtube veio surgir aí com aqueles videozinhos engraçados, a gente ficava vendo Youtube um tempão, mas coisas de tutoriais mesmo assim, acho que foi muito mexendo mesmo, eu mexia muito, fui aprendendo ali, mas assim, coisas mais sérias, digamos assim, era gravar CD, gravar DVD, meu pai me ensinava e a gente fazia junto, enfim, e foi aí que eu fui, acabei cutucando ali e fui aprendendo as coisas.
P/1 – Continuando na infância. Tem alguma comida que você lembra e remete à infância?
R – Olha, muitas, mas deixa eu pensar uma comida. Aí eu acho que lasanha, não tem como, domingo assim, eu gostava muito quando a minha mãe fazia lasanha, domingo lá em casa eu lembro bastante disso. Comida baiana, né? Vatapá, caruru, porque minha vó fazia caruru, e aqui na Bahia tem o dia de São Cosme e Damião, e aí quando ela fazia caruru em casa, ela fazia, tem uma tradição que você faz uma promessa, e aí você pode, você tem que convidar sete meninos para comer aquele caruru, meninos assim, da rua mesmo, junto com você, e aí eu lembro muito bem assim, que tinha essa tradição lá em casa de fazer caruru, que é toda comida baiana. A gente chama caruru, mas é vatapá, é caruru, a própria comida, caruru, e acarajé, então assim, tinha muito essa, eu lembro bem disso. Comida que lembra a infância, agora assim, doce, chocolate, nossa, total assim, é porque eu não to conseguindo lembrar de uma específica assim, mas é assim, salgadinho, negresco, bono, nossa, essas coisas todas, nossa, eu comia essas coisas todas, mas eu lembro bem assim disso, lembra muito domingo. Lasanha lembra muito domingo lá em casa, cururu lembrava muito assim, meio do ano ali, São João também, eu digo que todas as comidas de São João, milho cozido, canjica, pamonha, lembra muito a infância também.
P/1 – Você também comentou que você estudava na mesma rua que a sua casa, você ia andando para lá? Como foi ir para escola pela primeira vez?
R – Isso, eu ia andando para a escola, era literalmente na mesma rua, a escola existe até hoje, e aí assim, eu era criança, minha mãe me levava, ela ia trabalhar e me levava, ou então meu pai ia trabalhar e me levava, aí eu encontrava a minha amiga no caminho, minha amiga de infância, aí a gente ia no caminho. E aí para voltar alguém sempre me buscava, então a minha vó me buscava ou a minha mãe se ela estivesse em casa, ou meu pai, até que eu fui crescendo. Eu estudei nessa escola do maternal até a quarta série, então foi minha infância inteira, até os dez anos, então dez para onze, eu concluí a quarta série, então quando eu tinha nove para dez anos eu comecei a ir sozinha para casa. Então, o meu mundo era o meu bairro, convenhamos, então eu ia direto para casa, eu lembro que minha mãe falava muito assim: “Vai pela mesma calçada.” Que era andar literalmente na mesma calçada, não precisar atravessar, eu andava uns cinco minutos e estava em casa, aí eu ia andando, aí eu ia com outras colegas também, que iam descendo, a gente descia junto. E aí chegou o momento que eu ia e voltava, eu tinha uns dez anos já, já ia e voltava sozinha da escola.
P/1 – E porque depois da quarta série você mudou de escola?
R – Porque a escola só ia até a quarta série, e aí eu lembro que eu entrei, eu nossa, eu gostava muito dessa escola, foi muito boa assim, aí eu entrei em desespero, eu fiquei: “Aí e agora, e tal?” E aí foi quando os meus pais, eles não tinham mais condições também de eu estudar em escola particular, e aí foi quando eu fui estudar numa escola pública da quinta a oitava série, na época era oitava série, eu me confundo com as nomenclaturas atuais, então era da quinta a oitava série, eu estudei na escola pública e já era em outro bairro, já era uma escola estadual e já era em outro bairro, próximo, era um bairro vizinho, porém, era outro bairro, né? Então, como eu tinha dito, meu mundo era restrito ao meu bairro e depois ele ampliou para esse outro bairro.
P/1 – E aí você ia a pé também?
R – Não, no começo eu fiquei com medo, então foi quando os meus pais, durante os primeiros seis meses, eles me colocaram numa condução, porque não dava para ir andando, era longe, era um bairro vizinho, porém era longe. Então eles pagavam uma condução para mim, que não era barato, até eu me acostumar assim, e aí teve uma época, a minha ideia, eu lembro que eles falaram assim, eu só tinha onze anos também: “Esse primeiro ano a gente vai pagar condução para você.” E aí até para eles também, para eles ficarem mais tranquilos, porque eles trabalhavam, os dois, então era meio complicado deixar eu sozinha e tal, a minha vó também não tinha condições de ir comigo mais, ela tinha limitações já de andar na época também, então foi quando eu, a gente foi na condução. Porém, teve uma época que eu me lembro bem, que eu era a última a ser deixada na condução em casa, então assim, eu saia da escola assim, eu saia da escola às cinco horas, eles me buscavam às cinco horas, e eu só chegava em casa às sete horas, às vezes, eu comecei a chegar em casa às sete horas, sendo que era um trajeto de dez, quinze minutos no máximo, no máximo de condução, porque eu era a mais velha, então eles davam prioridade para as crianças pequenas, e eu era a última, por isso que eu chegava por último em casa. Foi aí que eu estava de saco cheio, e aí eu falei: “Ah pai, eu vou aprender”. Eu cheguei na minha mãe e: “Não, eu vou aprender como que vai, me ensina o que eu tenho que fazer.” E aí eu lembro que eu fiquei seis meses indo de condução, aí eu dei um basta nisso, e aí eu falei: “Ó.” Aí eles me ensinaram, eu fiz uns treinos aí, eu lembro que minha mãe ficou me esperando no ponto, eu lembro que da outra vez ela me levou e aí eu fui, aí um outro dia eu voltei ela tava me esperando no ponto, então eu meio que fui treinando. Era só sei lá, e de ônibus eram uns quatro pontos de ônibus só, era perto mas não dava para ir andando, e aí foi quando eu aprendi a ir de ônibus para esse outro bairro, com onze anos e meio aí, quase doze, eu fui e voltei, estudei nessa escola até os quatorze anos, até a oitava série, então foi esse trajeto aí, meu mundo foi ampliado para um total de dois bairros.
P/1 – E você também ia para outros lugares de ônibus depois que aprendeu?
R – Olha, sozinha não, eu não saia muito sozinha sem meus pais, mas a gente sempre ia muito, a gente saia bastante, a gente ia no shopping, ia, mas tudo de ônibus também. Mas eu sozinha, ter esse conhecimento dos lugares, o ponto que tem que saltar, essas coisas assim, foi mais quando eu comecei a ir para o outro bairro, comecei a andar de ônibus sozinha, mas quando eu ia com meus pais a gente saia muito, a gente ia para praia, ia para o shopping, ia para o parque. Aqui tem um parque chamado Parque da Cidade, que é tipo, é bem grande, ele é uma área verde muito grande e eu lembro que eu ficava bastante também, eu brincava muito lá, então a gente saia muito, eu falei mais assim no sentido de o meu conhecimento, né? Sozinha vai até onde? Então, até os meus quatorze anos o meu conhecimento sozinha ia até o meu outro bairro.
P/1 – É essa escola ia até a oitava série?
R – Isso, e aí a escola ia até o terceiro ano, mas eu não queria estudar mais lá, porque lá o ensino não era lá essas coisas, e foi quando uma amiga minha falou que existia uma escola pública, que para a pessoa entrar ela tinha que fazer uma prova, essa escola não era nada mais, nada menos que o Instituto Federal da Bahia, e eu não conhecia, eu não fazia ideia do que era, eu só sabia que era uma boa escola e que tinha que estudar e fazer uma prova, e essa amiga minha chegou e falou para mim: “Ah, eu vou fazer a prova do IFBA, vamos fazer juntas?” Eu falei: “Tá bom.” Aí eu cheguei em casa, abri o computador, tinha que se inscrever, liguei o computador, e aí eu perguntei a ela… E aí o IFBA é uma escola centenária assim, é uma escola de muita tradição, o Instituto Federal, e só estudam lá os melhores alunos assim, que faziam a prova, e eles tinham que, e não era qualquer um que entrava, era literalmente isso. Tinham os cursinhos pré IFBA, então é quase um mini vestibular, existe toda uma, como eu posso dizer, uma tensão, antes de entrar nessa escola. E aí foi quando ela falou comigo e quando eu fui fazer a inscrição tinha lá que escolher um curso técnico, ou seja, era uma escola que eu ia também sair com um curso técnico. E eu não fazia ideia também do que era isso, então eu falei: “Amiga, você colocou que curso?” Aí ela: “Eletrônica.” Aí eu fui ler a descrição dos outros cursos também e tinha lá, Química, Geologia, Eletrônica, Edificações, Mecânica e Refrigeração. Aí eu li a descrição de todos, o único que tinha mais ou menos a ver com tecnologia era Eletrônica, eu falei: “Ó, eu acho que eu vou nesse aí também.” Foi quando nós fizemos a prova, ela fez cursinho pré IFBA, cursinho preparatório, e eu, o que eu que fiz, né? Os meus pais não poderiam pagar um cursinho, então foi quando eu, como eu tinha computador em casa, tinha impressora, tinha scanner, eu tinha tudo, e foi quando eu pesquisei provas antigas e imprimi, aí eu imprimi provas dos últimos cinco anos assim, do IFBA, e eu fui estudando ali pelas provas. Eu ia estudando, os assuntos que eu não sabia eu ia estudar, eu ia procurar ler sobre, isso eu tinha o quê? Quatorze, né? Quatorze anos eu ia estudar, ia entender, tinha assunto que eu não sabia, tinha assunto que eu achava mais difícil e tal, mas assim, eu tentava fazer na medida do possível, foi quando eu fiz todas essas provas, e aí eu fiz a prova, só que aí chegou o final do ano de 2011 e o computador lá de casa quebrou, e eu fiquei sem internet, fiquei sem acesso a internet. Foi quando, e eu estava acessando a internet pela lan house de um vizinho, eu estava indo de vez em quando lá, e aí foi quando eu recebi um SMS dessa amiga, e ela falou: “Amiga, parabéns, você passou no IFBA.” Aí eu: “Meu Deus.” Foi quando eu passei, e tinha uma redação também nessa prova, era uma prova imensa, sabe? Eu lembro que eu fiz a prova e tinha um menino na minha frente com uma camisa escrita assim “Concorrente, no IFBA tudo passa, menos você.” Aí eu fazendo a prova levantava ________,aí eu “ok.” E nisso eu fiz a prova, passei, e eu nunca vi esse menino, ok, só para constar, e a minha amiga infelizmente não passou, ela acabou trilhando um caminho diferente, mas a gente também se fala até hoje. E aí assim, foi isso, eu passei no Instituto Federal da Bahia, eu costumo dizer que foi a minha aprovação mais importante, eu diria, que foi a aprovação que mudou tudo, porque assim, os meus pais, eles não tinham condições de pagar uma escola, um ensino médio, sabe? Uma escola cara, uma escola particular, então ou era eu passar no IFBA, ou no SESI que era outra escola também que tinha, que dava para fazer uma prova, ou eu ir para uma outra escola, né? Uma escola pública também, porém escola estadual, e que infelizmente, o ensino não era lá essas coisas, então eu tinha essas opções, né? Então eu definitivamente não queria continuar estudando, não queria ir para uma escola estadual, então eu realmente queria passar, e foi isso, eu realmente passei, e essa foi minha trajetória aí saindo do fundamental II indo para o ensino médio.
P/1 – E como é que foi estudar no IFBA?
R – Olha, eu vou te contar que, eu digo que a universidade foi mais fácil, porque querendo ou não, eu costumo dizer, meus anos mais difíceis lá no IFBA foram o primeiro e último ano. Porque no primeiro ano eu vinha de escola pública, escola estadual, aí eu lembro que eu passei em terceiro lugar, só para constar, esse ponto é importante lembrar, né? Sem estudar nada, sem fazer cursinho, mas fui, né? E eu lembro que assim, o meu primeiro ano foi muito difícil, porque como eu tinha citado a minha professora, eu não tive aula de matemática no ano anterior, eu lembro que eu tive só a primeira unidade, então eu cheguei lá na escola, no IFBA, sem saber regra de três. Eu fui para o ensino médio sem saber o básico de equação, não tinha visto química, não tinha visto física, não tinha visto nada, então assim, foi um mundo totalmente novo para mim, e que foi muito difícil. Primeiro ano eu lembro que eu sempre tirava uma nota boa no estadual, eu respirava, passa lá, eu cheguei no IFBA, eu lembro bem, minha primeira nota foi zero, eu zerei a prova, eu tirei zero. Eu fiquei: “O que aconteceu?” Então assim, foi bem complicado, e foi aí que assim, as exatas, elas começaram a se transformar num monstrinho na minha vida, porque até então eu não tinha problema, e aí eu comecei a ter muita dificuldade, eu estudava muito, eu ficava lá… Que lá tinha biblioteca, que lá tinha a escola enorme, então assim, tinha toda a estrutura, eu ficava lá de tarde, estudava na biblioteca, fazia grupo de estudo, então assim, foram, acabou que no primeiro ano eu consegui passar com muita dificuldade. Eu lembro que lá tinha o conselho de classe, então eu podia perder até em duas disciplinas e eles olhavam se era uma boa aluna ou não e aí passava você, então eu fui para o conselho de classe, passei, né? Mas assim, não foi fácil, eu lembro que eu tive um professor de física também que no final do ano ele me ajudou muito também, e ele falou, tanto que eu acho que faltava alguns pontos para passar, e eu já estava pendurada na matéria de matemática, e eu lembro que física ficou faltando alguns pontos para eu passar, e aí eu fui lá, eu fui perguntar: “Professor, tem como me aprovar e tals?” E ele falou que não, aí eu fiquei muito triste, aí eu cheguei em casa e falei: “Ai, perdi o ano”. Cheguei em casa chorando e falei: “Perdi o ano, porque não passei em física, não passei em matemática”. E foi quando as exatas começaram a virar um monstrinho na minha cabeça. “Meu Deus eu não sou boa nisso”, eu lembro que eu fazia provas de humanas muito tranquilamente, eu não tinha problema, mas matemática, química, física sempre foi um problema. Mas eu estudava muito, quanto mais era difícil mais eu queria tipo: “Poxa, eu preciso passar.” E eu fiz a prova, lá no IFBA você não pode perder dois anos seguidos, se você perde dois anos seguidos você é jubilado, você é expulso da escola, você não pode perder, então ainda tinha isso, enfim. E foi quando as, como eu posso dizer, foi quando eu cheguei em casa, aí passou uns dias lá no meu boletim estava aprovado, física, aprovado, eu passei, o professor me aprovou, e eu mandei um email para ele agradecendo, eu nunca esqueci e aí ele falou assim, ele falou: “Adriana, você vai brilhar muito na vida, espero que você seja muito feliz, e que essa seja apenas uma fase da sua vida”. E foi isso, aí eu fui para o segundo ano super tranquilo, eu passei, ainda com algumas dificuldades em matemática, mas fui passando, o terceiro ano eu passei tranquilo também, foi meu melhor ano, foi o terceiro ano. E nisso fazendo o ENEM, eu fazia o ENEM desde o segundo ano de teste, para testar, e eu podia fazer de graça na época, eu lembro que tinha isso também. E aí quando chegou no quarto ano, foi o ano mais difícil, como eu falei, porque está todo mundo já com a cabeça na universidade, sabe? Está todo mundo já pensando no próximo passo, todo mundo pensando em estágio, todo mundo já pensando em sair. E a gente sai já com o diploma técnico né, então algumas pessoas já estavam ali querendo, já tinha gente que atuava como técnico já, eu também queria atuar como técnica na época, porque era minha profissão, né? Técnica em eletrônica, eu sou técnica em eletrônica também, mas foi um momento também muito difícil, e eu lembro bem que nesse ano aconteceram muitas coisas. Surgiu uma oportunidade, tinha uma fundação, que era uma senhora, mas ela era a dona da fundação, ela fazia, ela dava bolsas para jovens de baixa renda que eram do IFBA e de outras escolas para estudar no melhor curso pré-vestibular da cidade, aí você tinha que fazer uma redação e uma prova do porque você tinha que passar e tudo mais, aí eu fiz a redação, e eu passei, eu ganhei essa bolsa, fiz o pré-vestibular em um dos melhores pré-vestibulares da cidade, uma coisa que eu jamais, meus pais jamais teriam condições de pagar. Mas eu sempre corri muito atrás, eu sempre, as oportunidades apareciam para mim e eu ia, sabe? Se desse bom, se não desse, pelo menos eu tinha tentado, assim, eu sempre tentei tudo, e às vezes mesmo sem saber as coisas eu sempre fui, e foi assim. Eu estava fazendo pré-vestibular de manhã, eu fazia das sete ao meio dia, aí eu tinha aula no IFBA das três às dez horas, então essa foi a minha rotina durante os meses antes de acabar o ensino técnico. Eu já estava bem pendurada com algumas matérias, foi quando eu tive o meu primeiro contato com programação formalmente, nesse ano, e foi bem traumático, eu não aprendi nada, foi horrível e eu falei: “Isso não é para mim”. E aí foi quando eu estava no cursinho pré-vestibular, eu conversei com um amigo lá, que ele falou comigo assim, lá no pré-vestibular ele falou assim, ele perguntou: “E aí Adriana, vai fazer o quê?” Lembra que eu falei que “eu não sei o que eu vou fazer da minha vida” . E chegou no quarto ano e eu não tinha decidido, eu falava que eu ia fazer engenharia elétrica, porque era meio que o caminho natural de que saia do técnico de eletrônica ia fazer engenharia elétrica, mas se perguntasse se era o que eu queria fazer mesmo, eu não sabia de nada, não sabia nem se era o que eu queria, só sabia que era exatas, porque no meio do caminho eu acabei, digamos que fazendo as pazes, tipo eu sofri muito, mas eu acabava me esforçando e dava bom, principalmente em matemática assim, eu consegui me curar desse trauma. Eu lembro que começava o semestre e eu ficava assim: “Meu Deus, lá vai, lá vamos nós.” Mas enfim, foi quando eu tive o meu primeiro contato com programação, e eu não passei nessa disciplina, o professor tratava muito assim, como se as pessoas já soubessem né, sendo que eu nunca tinha tido contato com programação na vida, enfim, é complicado, apesar de ter todo esse traquejo com tecnologia, eu achava que quando eu tive esse contato, que não estava funcionando, eu lembro que eu fiquei muito mal nas provas, “é, não vai dar certo”. Foi que eu perdi nessa disciplina, porém no quarto ano eles dão algumas condições especiais, assim, tipo se você perde uma matéria, duas, tem um conselho de classe, eles olham se essa pessoa já está aprovada na universidade e aí eles não reprovam, e foi isso que aconteceu. Eu fiz o ENEM no ano de 2015, e aí foi quando um amigo meu que estava no pré-vestibular, ele falou que existia um curso chamado interdisciplinar em Ciências e Tecnologias, aí eu perguntei: “O que é esse curso?” Ele me falou: “Ah, é o curso que você monta sua grade, você escolhe o que você vai estudar.” Aí eu: “ Sério que existe esse curso?” Aí ele: “Sério”. Realmente, era um curso da UFBA, foi criado na época do Reuni [Reestruturação e Expansão das Universidades Federais], e ele foi criado em 2010, é um curso muito recente, isso em 2015, então era um curso extremamente recente, então quando eu cheguei em casa, eu fui pesquisar e eu vi que tinham algumas matérias obrigatórias, e eu tinha ali, era uma graduação de seis semestres, uma graduação curta, né? E foi quando eu decidi, eu falei: “Pois eu vou fazer esse interdisciplinar em Ciência e Tecnologia.” E foi aí que eu, eu diria que foi uma das melhores decisões que eu tomei na minha vida, por quê? Eu não tinha certeza do que eu queria fazer, então porque que eu iria para um curso de engenharia elétrica, por exemplo, que era um curso ali, bem hardcore, bem raiz ali, sendo que eu não tinha certeza do que eu queria. Então, eu fiz o ENEM, eu passei, na época não tinha tanta concorrência, eu lembro que eu passei em segundo lugar, eu fiz o ENEM, passei, e na época, no final do ano letivo, do quarto ano, que já era 2016, que por conta das greves eu acabei me formando com dezenove anos, por conta das greves que tiveram lá também, e aí eu já estava com a matrícula na mão da faculdade, já estava fazendo estágio dentro do próprio IFBA, estava fazendo estágio com um amiga que hoje é inclusive amiga de profissão também. Só que eu perdi em duas disciplinas, e foi quando eles olharam: “Olha, ela já é técnica em eletrônica, olha os relatórios que ela já faz, ela já está com o pé na UFBA, vamos atrapalhar a vida dela por conta de uma matéria?” E aí foi aí que eu passei, né? Passei no IFBA, me formei em maio de 2016, iniciei na UFBA em julho de 2016, meu primeiro semestre.
P/1 – Eu achei curioso que tanto para entrar na IFBA e na faculdade, algum amigo comentou com você, né? E isso fez você fazer a prova.
R – Sim, eu percebi realmente, que é sempre assim, alguém fala, aí eu chego, olho, falo: “Olha, vamos lá, vamos ver o que que dá.” É sempre assim, vamos ver o que acontece, e deu super certo assim, minha primeira graduação foi uma das melhores escolhas que eu fiz naquele momento, porque eu precisava me entender, eu tinha dezenove anos, e eu percebo isso hoje, as pessoas, elas fazem essas escolhas muito cedo, e as pessoas mudam, né? Nossa cabeça está mudando, às vezes com dezessete anos você: “Ah, quero fazer medicina” “Por quê?” “Ah, porque medicina nananã…” Mas, às vezes não é aquilo, às vezes as pessoas querem fazer outra coisa, inclusive eu conheço pessoas que seguiram o caminho tradicional, de sair do IFBA e ir para engenharia elétrica que hoje estão fazendo história, e aí? Adiantou? Adiantou o surto? Não adiantou.
P/1 – E como é que foi essa graduação? Você falou que podia criar a própria grade, né?
R – Sim, uma graduação assim perfeita, eu acho que a graduação ideal para todo mundo, todo mundo que estudar o que quer. Você tem matérias obrigatórias, eu estou falando, mas você tem seis matérias obrigatórias, eu lembro que no primeiro semestre era 100% obrigatório, você fazia as matérias obrigatórias, e aí com o tempo eles iam meio que soltando sua mão, você começava a pegar duas matérias que você escolhia, as matérias optativas, né? Então a carga horária do curso era composta dessas matérias optativas, e eu tinha a obrigação de não só pegar matéria de exatas, eu tinha que pegar matérias de artes, e matérias de humanas, e foi isso que abriu, assim, a minha mente, me tornou uma profissional interdisciplinar, eu costumo dizer que é um dos meus maiores triunfos hoje. Eu não tenho uma caixinha assim de “ah, sou de exatas.” Eu tive oportunidade de ter inúmeras experiências na universidade, eu gravei documentário, eu trabalhei fazendo, ensinando programação para mulheres em ações sociais, eu ia em escolas, eu fazia palestras, então assim, eu fiz até, eu costumo dizer, eu fiz até um curso de leitura de cinema, um curso de cinema, matéria de cinema. Então assim, fiz matéria de dicção, então assim, eu tive essa oportunidade que nem todo mundo tem, de ter o momento ali de você se conhecer, de você se entender né, enquanto pessoa no mundo. E aí, eu entrei, não sei se você lembra, eu falei que eu tive um contato extremamente traumático com programação né, o meu primeiro contato com programação foi traumático, e aí eu falei, eu entrei na matéria, no curso, mas eu falei: “eu não quero saber o que é esse negócio de programação, não é para mim.” Entrei pensando nisso: isso não é para mim. Sem contar que querendo ou não, o tempo foi passando no ensino médio, as mulheres vão saindo, elas vão desistindo, então chegou em um momento que tinham sei lá, três,quatro assim que se formaram, três, quatro mulheres, sendo que no primeiro ano era cinquenta, cinquenta. E aí você começa a ver a disparidade de gênero que começa ali do ensino médio, os meninos se saem melhor, as meninas não, então elas não se saem bem, então elas não são boas nisso? Será que é isso ou será que é a sociedade que não incentiva, né? E eu sou a prova viva disso, quando eu entrei na universidade, eu peguei as disciplinas de programação, e eu fui super bem, aí eu “Hã?” Sabe? “Hã?” Era outro professor, era outra didática, e aí, mas ainda assim eu falei:“Ah, ok.” E eu queria fazer engenharia, eu ainda estava no surto de querer fazer engenharia depois, porque assim, quando você termina o BI, eu chamo de BI essa graduação, quando você termina o BI você pode fazer uma outra graduação, que no caso você acaba saindo com duas, você não precisa fazer ENEM de novo, você faz uma como se fosse para complementar a graduação, e é o que eu estou fazendo atualmente. E aí quando eu terminei, eu estava fazendo o BI, estava no meio, eu estava no meu penúltimo ano assim, foi o ano que eu tive experiências que me enriqueceram muito assim, como profissional, como pessoa. Na época eu não tinha condições de trabalhar porque eu estudava de dia, estudava o dia todo, então os meus pais também, eles acabaram conseguindo segurar a onda para que eu conseguisse estudar sempre assim, isso nunca foi uma pauta, assim: “Ah, você tem que trabalhar”. Não, eu comecei a querer meu dinheiro, foi quando eu comecei a querer conseguir bolsa na universidade, bolsas de estudo, de pesquisas, extensão, então eu falo muito de iniciação científica, eu falo muito de extensão, de criar eventos, de fazer coisas. Olha, eu fiz muitas coisas, que nem no meu linkedin eu coloquei tudo. Mas eu tive essa, quando eu cheguei no último ano, um amigo meu falou: “Olha, tem um grupo de pesquisa que você pode ensinar programação para mulheres, e bora pegar uma matéria de programação comigo?” Aí eu falei: “sério? Pegar matéria de programação, você sabe que eu não gosto.” “Ah, vamos, se der ruim a gente tranca”. Eu: “Tá bom”. Nisso, eu fiz essa matéria e eu fui super bem, aí eu fiquei: “De novo isso?” Era de programação básica, então eu já sabia, coisa que eu já sabia, e aí nesse mesmo semestre eu tive oportunidade de fazer parte de um grupo chamado Meninas Digitais. Esse grupo é um grupo de mulheres que tem na universidade até hoje, é um grupo que visa a inclusão e permanência das mulheres na área de tecnologia, e eu ainda não tinha decidido o que eu queria fazer da minha vida, mais uma vez, quando chegou no último semestre eu já estava surtando, eu fiquei: “Meu Deus, que curso eu vou colocar quando acabar o BI? Meu Deus, que curso vai ser?” E aí foi quando eu conheci esse grupo, e eu vi mulheres como eu, eu vi mulheres que eram negras, mulheres que tinham as vivências parecidas com a minha, que vinham de bairros periféricos, que vinham de bairros populares, e que tinham uma vivência assim como eu, que tiveram dificuldades, que sofreram preconceitos, e elas contavam as histórias. E eu falei assim: “Nossa, e vocês estão na tecnologia?” E elas: “Sim”. E foi quando eu falei: “Não, me encontrei.” Foi quando eu definitivamente me encontrei, isso eu não abro mão assim, foi excelente assim, essa vivência, e eu pude ensinar programação para outras mulheres, então tinham pessoas da área de humanas que queriam aprender programação, tinham mulheres que queriam assim, aprender mesmo por curiosidade, outras que queriam reforço, porque estavam estudando, mas estavam com dificuldade, e aí eu tive essa oportunidade de ensinar o que eu sabia para outras mulheres, e isso foi muito enriquecedor. No final desse semestre eu até escrevi um artigo chamado “Programação como forma de empoderamento feminino”, contando um pouco o relato dessa experiência e ele foi publicado no ano seguinte em 2019, em um Congresso Regional aqui do nordeste e eu fui apresentar esse artigo em Ilhéus, contando da minha experiência, como que foi, ensinar programação para mulheres e como que está conectado com empoderamento, né? Peguei alguns relatos delas falando que se sentiram mais confiantes, se sentiram mais poderosas, se sentiram mais empoderadas, e foi um processo muito bacana assim, para mim também pessoalmente, me ajudou muito. E aí foi quando, no final da graduação, estava chegando o final da graduação e eu tinha que escolher, e eu já tinha escolhido de fato a área de tecnologia, foi quando eu optei por estudar Sistema de Informação, que é um curso noturno, e essa curso ele me possibilitaria trabalhar. Eu falei: “Olha, beleza, tô pegando aqui a bolsa, mas a minha situação não está das melhores, eu preciso, de fato, trabalhar”. E foi quando eu optei por fazer esse curso noturno, e quando você termina, meio que com sua nota, você compete com outros alunos no mesmo curso para ingressar, e eu passei, eu estava até no interior inclusive quando eu vi, abri o PDF no celular e vi que o meu nome estava lá na listas de aprovados, e aí realmente foi uma sensação de começar do zero, começar uma segunda graduação, aproveitei matérias da graduação anterior, aproveitei umas oito, nove matérias, mas ainda assim era uma nova graduação, uma nova experiência, esse foi meu processo da primeira graduação.
P/1 – E esse grupo ainda existe?
R – Sim, ele ainda existe, o Meninas Digitais ainda faz ações voltadas para ensinar, todo semestre tem essa turma de ensinar programação para mulheres. Foi um momento que me ajudou muito a me desenvolver, antes de entrar no mercado de trabalho, eu sempre fui muito tímida assim, para fazer apresentação, você está me vendo aqui falando, mas porque teve um trabalho que foi feito de fazer palestras, você tinha que ir em escolas fazer palestras, explicar o que era o projeto, incentivar meninas a gostarem da área de programação. E eu lembro muito assim, que eu chegava nas escolas, eu falava assim: “Quem gosta de mexer no celular?” Aí todo mundo levantava a mão, das meninas, eu lembro que eu falava assim: “Essa pergunta foi para as meninas, os meninos não podem levantar a mão”. Aí eu falava assim: “Quem gosta de mexer no celular?” Aí todas levantavam, aí eu falava assim: “Quem aqui…” Eu falei: “Quem gosta de tecnologia?” Aí eles levantavam, aí depois: “Quem aqui quer trabalhar com tecnologia?” Aí uma ou outra levantava, aí eu falava: “Hum, então...” Era quando eu começava a minha palestra, contando um pouco da minha história, e eu falava, que eu também, apesar de sempre ter gostado de tecnologia, foi um caminho, foi uma construção ali, de ver outras mulheres como eu, de ter esse apoio, esse incentivo de trabalhar mesmo na área de tecnologia, foi o que me moveu ao longo dessa minha segunda graduação também.
P/1 – Você vê essa área da tecnologia como um espaço masculino?
R – Sim, totalmente, é um espaço predominantemente maculino, para você ter ideia, nesse semestre eu tive aula de inteligência artificial, eu era a única mulher na sala, assim, não é 1950, é 2023, então assim, são situações que eu já acostumei, eu já acostumei, mas ainda é muito, não vou dizer a palavra violento, mas ainda é muito desafiador, você chegar na sala e não ter ninguém como você, e ainda por cima você… ainda existir uma cobrança, eu acho que é mais minha, de mostrar tipo assim: “Tá vendo aí? Eu também mereço estar aqui”. Então, eu acabo me esforçando para mostrar que realmente eu sou boa, e que não é que eu estou aqui a passeio, então foram construções que desde o ensino médio eu acabei vendo as meninas sendo escassas ali na área, e o tempo foi passando e só piora. Mas assim, eu já vejo, como eu ainda estou na universidade, eu tenho contato com turmas de semestres mais recentes, então eu vejo mais meninas chegando, então é um trabalho de formiguinha, e tem até uma história que uma vez eu fui fazer uma palestra em um colégio estadual, e aí eu fiz a palestra tal, era para o terceiro ano, aí chegou no ano seguinte a menina chegou assim: “Adriana?” aí eu; “Oi?” Aí ela: “Eu não sei se você vai se lembrar de mim, mas ano passado você foi na minha escola, e você falou da área de tecnologia, eu estava meio na dúvida, mas aquela sua palestra, eu acabei me enchendo de coragem e fiz o ENEM”. E aí ela estava fazendo o mesmo curso que eu, a minha graduação. E ela me contou, então assim, foi um momento muito especial para mim quando ela falou.
P/1 – Voltando um pouquinho, quando você fez eletrônica, assim, também era predominantemente masculino?
R – Sim, era, era, até os professores, eu lembro que eu tive uma professora só, da área técnica mesmo, e o resto eram todos homens, então dali aquele imaginário que aquilo não era para mim já estava sendo construído, os símbolos já estavam ali, então foi uma coisa que deu trabalho para desconstruir na minha mente, e eu acredito que até hoje ainda precisa dessa desconstrução, mas eu fico feliz sempre que eu encontro alguém que vejo que eu fiz alguma diferença, né? Assim como essa, o nome dela é Gabriela, assim como a Gabriela, quando eu a encontrei, e ela me falou que, poxa, que aquilo ali me encheu de felicidade saber que eu mudei a vida dela de alguma forma, e hoje ela já trabalha na área também, então assim, isso é muito gratificante, toda vez que eu vejo assim, é bom saber que um trabalho que foi feito lá atrás hoje já está trazendo mudança, né?
P/1 – Você é a primeira pessoa da sua família a ter faculdade?
R – Sim, da minha família próxima sim, os meus pais não fizeram faculdade, eu tenho alguns primos dos meus tios que moram lá em São Paulo que tiraram graduação antes de mim, por serem mais velhos, mas eu diria que essa é a primeira geração assim, que tem graduação.
P/1 – E como foi para o seus pais, eles te apoiaram?
R – Sim, os meus pais sempre apoiaram, nunca foi um ponto assim, eu lembro que uma vez alguém me perguntou sobre isso. Tipo: “Ah, seus pais sempre apoiaram?” Sempre foi uma conversa que existiu, assim: “Ah filha, depois que você terminar o ensino médio você vai para a faculdade”. Tipo, nunca foi uma coisa assim, um tabu, só que é como eu também comentei em uma live que eu participei, que o caminho, o como, como é que você chega lá? O como eu tive que ir descobrindo. “Ah, você tem que fazer o ENEM”, do ENEM você ainda tem que estudar, do ENEM você se matricula no SISU, do SISU sai ali seu resultado, então esse processo aí eu fui descobrindo assim como muitas amigas da minha geração também são as primeiras mulheres a entrarem na universidade, então a gente está… eu tenho uma frase que eu costumo falar muito que “eu quero ser a última geração das primeiras”. Então, definitivamente eu espero que as próximas gerações possam dizer: “Ah, não, porque quem veio antes de mim também fez faculdade”, então eu espero estar tornando os caminhos de quem está vindo mais fáceis, porque querendo ou não, a gente… acredita não, eu estou falando, mas não é tão simples. Tem pessoas que vieram do mesmo lugar que eu, que vieram do mesmo contexto, que não fizeram faculdade, que não conseguiram entrar, que trilharam outros caminhos e até aí tudo bem, mas até hoje, no meu bairro é um ou outro que está na graduação, que estuda na UFBA. Eu lembro bem que ficava muito assim, todo mundo se conhecia aqui no bairro, que faz faculdade, dá para contar nos dedos, então é: “Ah, fulana que faz o curso tal, é fulana que faz o curso tal, a gente vai junto, a gente volta junto”. Então existe também todo esse senso dessa galera que a gente está abrindo uma porta né, quebrando barreiras e que também não é uma coisa trivial, tem muitos que realmente não conseguiram e trilharam outros caminhos também.
P/1 – Quando você terminou a graduação multidisciplinar qual foi o seu primeiro trabalho?
R – Eu finalizei a graduação, mas aí ao mesmo tempo eu também comecei outra, então eu continuei naquele momento, continuei digamos, procurando outras bolsas também, dentro da UFBA ainda, porque querendo ou não, o bacharelado interdisciplinar foi bom para me dar uma visão, mas ao mesmo tempo eu não consegui ter uma profissão específica ainda para buscar uma vaga, e os lugares que pegavam estágio, eles não conheciam essa graduação, então ficava difícil até para explicar a minha atuação e tudo mais, e naquele momento também como eu não tinha essa, digamos uma pressão específica para começar a trabalhar, o meu primeiro ano da segunda graduação, 2019, eu estava ainda sendo bolsistas dentro da universidade, mas eu já estava fazendo atividades mais profissionais, era com criação de sites, era com algo assim, um pouco já mais profissionalizante, mais para minha área mesmo. Mas, assim, eu diria, o meu primeiro trabalho foi na pandemia, foi quando eu consegui o meu primeiro trabalho, que eu comecei ao longo, veio a pandemia e eu estava tendo bolsas, porém existiu o momento de corte nas universidades, e aí a minha bolsa não foi renovada, e aí foi quando eu consegui uma outra, mas isso ainda estava muito complicado assim, a situação, então eu estava buscando, fazendo entrevista de estágio, estava ali buscando estágio, porque eram seis horas tal, pensei: “vou começar com estágio”, e aí eu já tinha estagiado no IFBA no final do meu ensino médio, mas assim, ainda não tinha começado a estagiar, de fato, na área de tecnologia, e aí foi quando eu comecei a aplicar para diversas vagas, e deu assim, foram seis meses só assim, eu aplicando mesmo assim para vagas, e recebendo vários nãos, assim, eu passava no RH, aí eu avançava, aí chegava na entrevista técnica, sempre faltava alguma coisa que eu ainda não tinha aprendido, e ao mesmo tempo na pandemia eu continuei estudando, eu fiquei sem aula por um tempo, continuei estudando assim, cursos mais livres, tiveram ações dos Meninas Digitais que eu comecei a fazer, porque eu estava com tempo livre. A minha vida inteira era extremamente corrida, e aí chegou a um ponto que eu já não estava mais, chegou um momento que a rotina de todo mundo ficou vazia, digamos assim, e aí eu comecei a querer preencher com outras coisas para não entrar em parafuso, e aí foi quando eu comecei a fazer algumas iniciativas nos Meninas Digitais de lives, porque na época estava tendo muita live, então: “Ah, vamos fazer a live do Meninas Digitais, vamos trazer algumas pessoas”. E aí foram indo para escolas assim, que já eram do mercado, para dar algumas dicas de soft skills, contar trajetória, e a gente fazia muito assim, nesse modelo. Eu acabei sendo host de alguma dessas lives, e eu comecei, a gente começou a gravar um conteúdo informativo do Meninas Digitais. Eu gravei um vídeo aqui em casa, inclusive nesse mesmo cenário, explicando o que é o projeto, foi meu primeiro post no linkedin inclusive, apresentando o que era o Meninas Digitais, e aí foi quando eu comecei a fazer vários cursos assim na pandemia, e eu fazia parte de muitos grupos, ainda faço parte de muitos GS, grupos da comunidade de TI, até que eu recebi um link de um bootcamp, que bootcamp é um, é como se fosse assim, uma trilha com vários cursos, que leva você de um ponto a outro, faz você adquirir conhecimento sobre alguma linguagem específica, ou sobre alguma área da atuação tecnologia específica, e aí essa, eu lembro bem que era de Desenvolvimento Front-End, O que é isso, né? Desenvolvimento Front-End é a interface do usuário, as telas que a gente vê, são as interações que nós, os usuários, fazemos com o computador, e eu sempre achei isso fantástico assim, você desenhar essas experiências, você desenvolver essas experiências. E aí foi quando eu comecei a, no caso, foi quando eu comecei a fazer essas atividades, e comecei a postar no linkedin, eu tinha passado por alguns processos seletivos antes e eu tinha recebido um feedback: “Usa mais o linkedin e tal.” E o meu linkedin sempre parado assim, eu não fazia nada, e foi quando eu comecei a postar o que eu estava fazendo, comecei a, como eu posso dizer, comecei a postar, eu lembro que eu fiz um clone da netflix, da página da netflix, eu coloquei meu nome, ficou bem legal, e aí esse post viralizou, eu marquei várias pessoas no post, marquei o professor, marquei a empresa que fazia o curso, e aí foi quando eu recebi uma mensagem de um dos donos da empresa, e ele perguntou se eu tinha interesse de fazer uma entrevista, que tinha uma vaga que tinha a ver com meu perfil, e eu, nossa, fiquei: “Ué”. E aí foi quando eu fiz essa entrevista e acabei passando, eu entrei na área de educação, nessa empresa, até porque naquele momento a minha atuação estava muito mais voltada para a área de educação, então eu estava ali com essa vivência, e aí foi minha primeira oportunidade que eu consegui, em plena pandemia, a gente estava em um momento muito complicado em casa, e o melhor de tudo é que era um trabalho, não era o estágio, era realmente um CLT ali, a carteira assinada, então assim, eu comecei a trabalhar realmente com 23 anos, foi quando eu comecei a trabalhar, então esse foi o meu primeiro trabalho, eu fiquei durante mais ou menos um ano e meio, dois anos nessa função aí de Analista Educacional, mas sempre com um viés técnico, porque era uma escola de tecnologia, mas eu tinha essa pegada aí de educação, então foi assim que eu consegui, essa foi a minha jornada.
P/1 – E como era sua rotina de trabalho?
R – É remota, mas é uma rotina de trabalho remota, então eu já tinha computador, então mandaram também computador para mim, então assim, foi uma jornada assim, bastante, foi muito legal assim, porque conheci pessoas, era em outro estado a sede da empresa, fica em São Paulo, então assim, foi um momento de troca cultural muito grande, até porque até então o meu mundo era a Bahia, né? Era Salvador, era a Bahia, e aí foi quando eu comecei a conhecer pessoas de outros lugares, ter essa troca cultural assim, com outras pessoas, então me trouxe muita maturidade, muita, encontrei pessoas no caminho que me deram muita, como posso dizer, muito suporte, né? Então foi uma experiência muito boa de trabalho.
P/1 – E por que que você saiu de lá?
R – Eu ainda estou lá, porém eu migrei de área lá dentro, quando eu entrei eu sinalizei que eu sou da área de tecnologia, até que surgiu a oportunidade de migrar para a área de TI, que é literalmente a minha área de fato, e eu estou atuando lá até então, mas foi quando, assim, foi no ano passado que eu tive essa mudança, e aí eu estou tendo a minha atuação que, mais voltada ali para área de tecnologia, que realmente aí… consegui realmente.
P/1 – Dentro dessa área você trabalha com Front-End, igual você tinha interesse?
R – Não, no meio do caminho eu percebi que eu gosto de Desenvolvimento de Software, e assim, eu tenho também aptidão para outras coisas além disso, e foi quando eu, surgiu essa oportunidade e era o cargo da área de produto, então, eu na época, eu queria trabalhar como desenvolvedora, mas essa área de produto ali, eu comecei a trabalhar, comecei a ver como era, como que era a rotina, e eu descobri que muitas habilidades minhas, que eu tenho naturalmente, eu tenho entendimento técnico, eu gosto de me comunicar, então eu era meio que o melhor dos dois mundos, então acabou que casou muito a atuação enquanto _________ com as minhas características, e acabei me encontrando mesmo. No começo eu não tinha essa visão, eu acho que muita gente tem essa visão de produto, mas eu, hoje, tenho essa visão de tecnologia, que na verdade vê assim: “Ai, é só programação”, mas é muito além, tem a área de gestão, tem a área de infraestrutura, tem a área de redes, tem nossa, muita coisa, tem a área de dados, então assim, é um leque muito grande, então se você não _____ com uma coisa, tem outras coisas para você atuar, não é só uma caixinha, igual, por exemplo, a área médica, da saúde, não é só medicina, né? Existem outros cargos na área da saúde, outras funções que você faz, então é mesma coisa.
P/1 – E trabalhando com produto, aborda toda essa multidisciplinaridade ou você se foca em alguma?
R – No caso eu acabo focando mesmo na parte de experiência do usuário, garantir que o que está sendo desenvolvido é o que o cliente quer, então querendo ou não você tem que ter um pouco de interdisciplinaridade para você conhecer do que você está trabalhando, o que é o produto que você está trabalhando, mas também você tem que ter conhecimento técnico, porque se não você não vai conseguir explicar para o time de desenvolvimento o que é para ser, o que é para ser desenvolvido. Então, é uma área, a área de produto, ela é bem coringa, digamos assim, mas ainda assim, eu acredito que a pessoa precisa ter esse conhecimento ali técnico, para conseguir fazer a gestão do time, querendo ou não é uma posição ali de gestão, que você está ali, está gerenciando recursos, está gerenciando tempo, você tem que fazer alinhamento com os clientes, então tem toda essa parte aí, que lá atrás, na minha primeira graduação, eu jamais saberia que essa área existe, que só a vivência né, só a troca pode me proporcionar, né? Essas experiências.
P/1 – Tem algum momento assim do seu trabalho, que foi inesquecível para você, que você lembra?
R – Eu me lembro que foi bem no primeiro ano assim, que eu estava trabalhando, que foi muito bacana, eu lembro que a gente fez uma live no estúdio, ao vivo, e foi para cinco mil pessoas, foi muito massa assim, eu lembro que foi no estúdio, a gente falou assim, foi uma coisa assim, muito massa para mim ter feito parte disso, assim. E sempre falo: “Nossa, eu já falei ao vivo para cinco mil pessoas”, sendo que eu já fui muito tímida, tinha até vergonha de falar no telefone com os conhecidos, e aí lá estava eu, sabe? Não estava em Salvador né, estava em outro estado, em um estúdio, fazendo parte desse momento assim, foi um momento de rebrand, de mudança de marca da empresa, então foi bem bacana. Mas, também, além disso, eu vivi também momentos assim, de lançamento, na área de produto tem muito aquilo, você lançar _______, né? Então, quando você lança uma coisa que você pensou, que você idealizou, é muito gratificante também, assim. Eu acho que eu lembro bem que a primeira coisa assim que subiu, foi um grande marco assim: “Meu Deus, eu que coordenei isso aqui”, as coisas assim, eu que olhei, sabe? Eu acho que esse momento assim muito de você acabar, você acaba desenvolvendo todo o fluxo, então você vê aquilo que estava na sua mente, ou na mente dos colegas funcionando ali para usuário, é bem gratificante também, então eu lembro que o primeiro, eu lembro que subiu assim, eu fiquei muito: “Ai meu Deus, está funcionando.”
P/1 – E agora você consegue dizer que se encontrou?
R – Eu consigo dizer que eu me encontrei, depois de tanto tempo, né? Depois de, desde sempre assim, eu costumo dizer que eu me encontrei, realmente, depois dessa migração assim de produto, mas eu ainda tenho esse lado assim mais de desenvolvimento, mas não é uma coisa assim que eu eu estou focando no momento, acho que agora, já que eu me encontrei, acho que é o momento de me especializar nessa área de fato, e aí deixar mais como hobby, como algo assim paralelo, mas nada tão sério, né? Mas, assim, eu diria que finalmente depois de tanta vivência, eu jamais iria saber que iria existir uma área, a área de produtos em que você, aquela pessoa que está ali, no meio de campo ali do desenvolvimento, então assim, foi muito gratificante para mim.
P/1 – Você tinha comentado das palestras, e como é isso, assim, se comunicar com as pessoas?
R – É muito, como eu falei, eu acabei até dando um tempo assim, porque preferi, nesses últimos tempos, me dedicar mesmo a área de produto, eu tirei uma certificação recentemente, mas assim, é o que eu gosto muito de falar com, seja, sei lá, adolescente, de estar conversando com pessoal assim que é mais jovem, que está naquele momento de decidir, porque eu lembro quando eu estava nesse momento, se tivesse chegado alguém para me falar algo assim, eu poxa, isso teria me ajudado muito. Então, eu gosto de ser aquela pessoa que eu não tive, né? Eu gosto de ser essa pessoa que foi, que seria um norte assim, hoje eu até mentoro assim, de longe, uma menina que eu fiz um projeto com ela, foi um projeto de ensinar programação também, ela era exatamente assim, brilhante, e aí eu só ensinei a ela o básico assim de programação, e ela desenvolveu um projeto, a gente até apresentou juntas na feira de jovens cientistas, eu era orientadora dela, e eu mentoro ela de longe assim, eu sempre falo com ela, pergunto como é que está, sempre que ela tem uma decisão ela vem me perguntar, então eu tenho muito carinho também por ela. E eu tenho esse lado ainda assim de sempre gostar de fazer palestras, e por exemplo, tem um evento, aí às vezes eu me escrevo, eu alguém de Salvador me convida, eu participo, aí eu falo um pouco da minha trajetória, ou às vezes me pede para falar um tema específico, eu falo, então assim, é algo que eu gosto muito assim, e está até na minha lista de sonhos assim, fazer um TED Talks assim, tenho muita vontade de fazer um assim, você não faz ideia. Mas, assim, é algo assim que eu sempre saio de coração quentinho, sempre que eu termino uma palestra que vem umas meninas falarem comigo, eu não falo só meninas, mas assim, jovens de uma forma geral que não enxergam a tecnologia como uma possibilidade, mas principalmente as meninas, é algo que não nos é apresentado até hoje, né? Hoje é uma ou outra referência que você tem, mas na minha época não tinha nenhuma, não tinha ninguém, a imagem que a gente tinha do profissional de tecnologia é aquela pessoa que está ali, digitando ali, aquela tela do matrix passando, a pessoa está de capuz em uma sala escura, e não é isso. As pessoas são plurais, as pessoas são diversas, e a tecnologia tem esse espaço, né? Para você ser plural, para você ser você mesma.
P/1 – E desde que você começou, lá no técnico de eletrônica, você acha que o mercado mudou de alguma forma para as mulheres na tecnologia?
R – Sim, sim, porque lá atrás era algo até, eu diria que, eu não diria impensável, mas era uma coisa assim que não era falado, sabe? Não existia essa pauta “mulheres na tecnologia”, e a tecnologia começou com mulheres, a tecnologia começou lá atrás com mulheres, mas aí o mercado, a lógica do mercado acabou se invertendo né, os computadores passaram a ser mais potentes. Eram as mulheres que faziam os cálculos que hoje o computador faz em segundos, e aí tiveram várias transformações no final do século XX que inverteu o jogo, mas as mulheres, principalmente nos cursos de computação lá nos anos setenta, oitenta, elas eram maioria, existe esse dado. As mulheres eram maioria e em algum momento elas deixaram de ser maioria. Não estou falando sobre ser maioria, mas a gente tem um ambiente mais equânime, né? É um absurdo hoje, como eu citei, a gente estar em uma disciplina de um curso que você só tem uma pessoa mulher, tipo, só tem uma mulher, não faz sentido assim, mas eu vejo que teve sim uma evolução muito grande, e eu fui uma dessas pessoas que foi afetada por essa evolução. Eu diria que existiu uma onda e eu acredito que ainda está existindo uma geração que veio lá daquela época, de 2016, 2017, que foi quando essa conversa começou a surgir, e veio a pandemia e aí veio um boom né, disso, então eu que já estava ali por dentro desse assunto, na pandemia teve um boom em relação a isso, eu vi muitos programas de incentivo a mulheres na tecnologia, para quem conseguiu fazer essa migração nesse momento foi assim, foi o melhor momento de ingressar no mercado, mas infelizmente hoje a gente está vivendo uma crise, né? Uma crise nas ________, uma crise no mercado e que as mulheres também estão sendo afetadas por esse lay-off, esses lay-off que estão acontecendo, nessas demissões em massa que estão acontecendo, as mulheres são as mais afetadas, então assim, eu temo um pouco da gente acabar voltando para um pouco o cenário do que era antes, mas hoje uma coisa é certa: as referências já existem, ainda que poucas, já existem algumas referências. Mas esse tema já é pautado, mas eu sinto muita falta de iniciativas mais massivas, você vê iniciativas privadas de empresas que querem fazer esse movimentos, de formação de mulheres, mas eu sinto falta de iniciativas mais no âmbito governamental mesmo, iniciativas maiores que possam trazer essa visibilidade para meninas que como eu, nasceram em bairros populares, em bairros periféricos, e que entendam que não é só a carreira de medicina, não é só a área do direito, não é só a área das ciências biológicas, as exatas estão aí e também podem ser para você, se não for também tudo bem, não é uma coisa de obrigação, mas sim de considerar essa possibilidade, né? Eu diria que se eu tivesse considerado a tecnologia como possibilidade lá atrás, lá nos meus quatorze anos, eu acho que eu já ia estar ali voando, mas acho que também as coisas aconteceram no momento em que tinham que ser, mas assim, eu vejo muito essa mudança sim, existe uma mudança numérica e visível aos meus olhos que eu vejo nas salas, mas ainda há muito trabalho a ser feito.
P/1 – Qual a importância que você vê de ter mais mulheres nessa área?
R – É uma pergunta que eu vi recentemente, né? Além de claro, é um, às vezes as pessoas falam assim: “Mulheres na tecnologia é só para ficar cinquenta a cinquenta”. Eu acho que existe uma importância muito grande em relação a tudo que a gente consome, todos os produtos que a gente consome, seja um aplicativo, seja um site, tudo isso são produtos, né? Todas essas coisas são utilizadas por pessoas do mundo inteiro, por pessoas diversas, porém a tecnologia, por ela ter um recorte predominantemente masculino e branco também, precisamos fazer essa colocação, acaba que situações, cenários não são mapeados porque a gente não tem pessoas diversas na equipe que estão criando esses produtos. Então, às vezes, as coisas são criadas visando apenas um único público alvo, ou então um único tipo de pessoa para usar, mas e os outros públicos, sabe? Eu acredito que a gente tendo mulheres na tecnologia, mais mulheres na tecnologia a gente vai ter um olhar um pouco mais real para as coisas que são criadas, que por exemplo, a população brasileira, a gente tem aí que a maioria da população brasileira é mulher, e os produtos não são pensados por mulheres? Quando eu vejo, sei lá, o aplicativo que ele foi criado por mulheres, uau, sabe? Poxa, isso não era para ser uau, sabe? Era para ser uma coisa ali normal, era para ser uma situação normal, mas hoje ainda é uma coisa assim “Nossa, a CEO dessa empresa é uma mulher, nossa”, sabe? Ainda é uma coisa assim que as pessoas ainda ficam chocadas, mas assim, acredito que ainda tem muito trabalho que precisa ser feito, desde, tanto de raça quanto de gênero, para que a gente tenha produtos mais diversos sendo criados, situações mais, como posso dizer, cenários, né? Aplicativos mais adaptados, sites mais adaptados, e que possam considerar todas as situações. É igual, por exemplo, nos anos cinquenta, vou dar um exemplo, aquelas revistas femininas eram pesadas por homens, sabe? É a mesma coisa os aplicativos que a gente está consumindo, eles são pensados, não vou dizer 90%, mas uma grande parcela pensada e executada por homens, então eu acho que a gente precisa equilibrar um pouco mais essa balança. Tem o exemplo também, por exemplo, já é também um exemplo de raça, que tem um sensor, se eu não me engano, nos Estados Unidos que isso aconteceu, é um sensor de sabonete, e aí não estava reconhecendo a pele negra, por quê? O produto foi testado com pessoas brancas, então ele não tinha sido treinado para aquela situação, então são essas coisas dai do racismo, que são criadas, do chamado racismo algoritmo, mas que também existe relação a gênero, né? Então são situações assim que não é um discurso vazio, pelo menos para mim, não é uma coisa de: “Ah, vamos colocar as mulheres na tecnologia”, por quê? Para mim tem todo esse, toda essa justificativa.
P/1 – E voltando para a parte pessoal além do trabalho assim, tem alguma coisa que você goste de fazer para se divertir? Algum hobby?
R – Eu gosto muito de ir para praia, gosto muito de estar com a minha família, gosto bastante de sair, ver meus amigos, eu gosto de nos momentos estar off, sabe? Porque querendo ou não das nove às seis horas, estou aqui na tela do PC, então nos momentos livres eu gosto de fazer coisas offline. Eu gosto de estar em contato com a natureza, eu gosto de estar em contato com outras pessoas, gosto muito de fazer essas ações assim, gosto de ir para academia também, então assim, são essas coisas que eu gosto de trabalhar para também não ficar aqui 100% apenas trabalho, a gente tem que saber equilibrar as coisas, e ainda tem faculdade no meio ainda, então ainda precisa, como eu posso dizer, ter esse equilíbrio.
P/1 – Como foi, para você, a pandemia na parte pessoal? Você falou que você gosta de ficar no off, agora né?
R – Justamente também por isso, né? Na pandemia, nossa, meus horários assim, meu relógio biológico fez uma bagunça, muita exposição a tela, muito em frente ao celular, eu ia dormir duas horas da manhã, acordava super tarde, então assim, a pandemia foi bem difícil, porque eu também fiquei em 100% de isolamento social, assim. A minha mãe trabalhava, e ela continuou trabalhando, como ela trabalhava no mercado, então o mercado não fechou, foi um dos poucos lugares que não fechou, então ela continuou trabalhando, então foi bem difícil para gente o fato dela estar saindo, então ela ficava com medo, eu fiquei uns três meses, sem brincadeira, sem sair de casa assim, sem botar o pé na rua, sem tomar sol, então querendo ou não isso, foi um período bem complicado assim, todo mundo muito sensível. E foi quando eu comecei a me cuidar mais, olhar mais para saúde mental, foi quando comecei a fazer terapia, foi quando as coisas ali… comecei a ter esse cuidado, comecei a fazer exercícios em casa, a dar uma movimentada, porque é horrível quando você, a minha vida antes era uma coisa, era uma correria imensa, saia de casa de manhã e chegava dez horas da noite, e aí do nada acabou tudo, né? Então foi algo muito desafiador para todo mundo, e ainda bem, graças a Deus eu não perdi ninguém, não perdi ninguém próximo, então eu assim, todo mundo assim, a gente passou, eu diria que em relação a isso, a gente passou ileso, mas querendo ou não eu lembro que eu sentia muita saudade de ir à praia, de ver o mar, de ver a paisagem. É complicado você ficar em um quadrado o tempo todo, então assim, eu passei a meditar, passei a tentar cuidar de mim na medida do possível, no que eu podia fazer, porque não foi fácil, né? Não foi fácil para ninguém esse momento.
P/1 – E hoje, quais são as coisas mais importantes na sua vida?
R – Hoje, acho que de imediato assim, é minha família assim, acho que não tem coisa mais importante, acho que é uma coisa que a pandemia até veio ensinar assim, não ensinar né, não estou afim de romantizar nada, mas assim, no sentido da gente parar um pouco e olhar, será que vale a pena toda aquela correria e tudo mais? Tudo que a gente faz hoje, mas também entender a importância do hoje, sabe? Por isso que eu falo em relação a minha família, a gente está aqui hoje a gente não sabe, então acho que de aproveitar mesmo esses pequenos momentos e dar valor aos pequenos momentos as coisas do dia a dia assim, acho que é você ver a beleza no ordinário, é uma frase que tem “vive encantada quem vê beleza no ordinário”. Então acho que é muito nesse sentido que eu acabei aprendendo muito isso.
P/1 – Você e sua família, vocês ainda se reúnem para o São João?
R – Sim, esse ano que não, que minha mãe viajou, mas a gente sempre se reúne, sempre tem esses momentos, Natal também, — acho que Natal é sagrado, estar com a família, mas assim, ainda temos esses momentos, aniversário, aniversário de todo mundo, cada um, a sempre está junto, mas assim, acho que é o principal assim, para mim antes eu acho que eu nem ligava muito assim para “a aniversário tal”, mas assim, depois da pandemia, que as coisas mudaram, acho que eu passei a olhar esses momentos com mais carinho, porque é aquilo, a gente nunca sabe.
P/1 – Quais são seus maiores sonhos?
R – Eu falei um já que é fazer um TED Talks e eu tenho um sonho de escrever um livro. Quando eu era criança… eu citei que eu gostava muito de escrever, e tem uma pergunta que eu vi uma vez assim: “Se o seu eu criança encontrasse você hoje, o que esse eu criança perguntaria para você?” E aí me veio assim de imediato a questão de “e aí, você escreveu um livro?” Então, eu gostaria muito de escrever um livro, acho que seria uma coisa assim, uma realização muito pessoal assim, independentemente do assunto, é só dizer assim: “Eu tenho um livro”. E eu tenho o sonho de poder viajar o mundo assim, de conhecer outros países, eu nunca saí do Brasil, eu tenho sonho de conhecer outros países assim, acho que está no meu top três sonhos, e um outro que é ter uma casa de praia.
P/1 – O que você acha que você vai deixar de legado para as outras gerações, para as próximas?
R – Como eu falei, eu espero que a minha geração seja a última das primeiras, eu espero que as próximas gerações lembrem de mim, ainda que não sejam da área de tecnologia, e pensem assim: “A Adriana realmente estava ali, ela pensava na questão de ter mais mulheres na tecnologia, ela se importava e tudo mais”. Acho que eu gostaria de deixar como legado o fato de nunca desistir também, sabe? Como eu citei, as coisas aparecem para mim, eu consegui identificar as oportunidades e fui, mesmo sem saber, tipo 90% das coisas assim, as oportunidades vieram e eu simplesmente me joguei e me entreguei assim, de forma a falar: “Vou aprender isso daqui, e vou ser boa nisso”. Eu espero deixar como legado que as pessoas se lembrem de mim assim, como alguém que olhou para essa questão das mulheres na área de tecnologia, e eu espero que lá na frente a gente tenha um cenário mais equânime, um cenário melhor e que as pessoas consigam pensar: “poxa, como é que pode, lá atrás era desse jeito, e hoje olha só como a gente está hoje, a gente tem incentivo nas escolas, a gente tem disciplinas nas escolas desde cedo de raciocínio lógico, de pensamento computacional.” Eu espero que as próximas gerações venham já com… existe esse cuidado, para as próximas gerações, que o mundo está mudando muito rápido, a inteligência artificial está aí, a gente precisa, de fato, estar atento, eu falo enquanto profissional de tecnologia, a gente precisa estar atento, atenta a essas mudanças, e a gente está vivendo uma revolução aí que as coisas estão mudando de forma muito rápida. Uma coisa foi nos anos 2000 como eu citei, o computador chegou lá em casa, tal, hoje a gente tem jovens aí usando as redes sociais aí de uma forma que a gente não sabe os efeitos a longo prazo ainda né? A gente não sabe ainda os efeitos a longo prazo, então eu me preocupo muito com esses pontos e espero ser lembrada como uma pessoa que se preocupou com esses pontos.
P/1 – Tem alguma coisa que eu não perguntei, mas você gostaria de acrescentar?
R – Ah, não sei, acho que eu queria deixar um recado para quem tiver me assistindo para não desistir. Eu sei que em muitos momentos, eu contei bem por alto as coisas, mas para que os altos existam os baixos também existiram, é muito fácil eu chegar aqui e falar: “Não, porque eu cheguei no IFBA, eu passei e não sei o quê”. Mas existiu muito esforço, existiu muita dedicação. Eu costumo dizer, eu abri mão da minha adolescência inteira para conseguir passar, para conseguir estudar, para conseguir, hoje, eu estar na situação que eu consiga ajudar a minha família, que hoje eu consiga estar numa situação que eu consiga ter uma vida confortável, mas que muitas coisas exigem um sacrifício e nem todo mundo está disposto a fazer esse sacrifício. Mas, também, eu não quero cair no discurso muito meritocrático, do tipo: “Se eu consegui você também consegue”. Não é sobre isso, é sobre você estar nos lugares certos, você ter as companhias certas, você estar ao lado de pessoas que te incentivem, porque nada disso seria possível se eu não tivesse o incentivo dos meus pais, da minha família, dos meus amigos, do meu namorado, então assim, tudo isso é possível porque existe uma raiz por trás. Existe, na filosofia africana, existe um pássaro que é um símbolo — , ele é um pássaro, e ele olha para trás, ele é um pássaro que ele anda para frente, mas ele olha para trás, então ele é um pássaro que olha de onde ele veio, então o que eu queria dizer é para você nunca perder de vista de onde você veio para que você consiga traçar os seus próximos passos, o seu caminho. E mesmo que, às vezes, a gente ache assim: “Eu estou atrasada em relação a fulano, eu estou atrasada em relação a ciclano”, acredite, você está muito além do que a geração que veio antes de você, sabe? Aquela frase “você é o sonho do seus ancestrais”, as pessoas sonharam para que você estivesse aqui hoje, os meus pais sonharam que eu me formasse, sabe? Enquanto eles conseguiram concluir o segundo grau, porque os meus avós não conseguiram estudar, então eu espero poder chegar ainda mais longe e poder incentivar as próximas gerações a chegarem ainda mais longe, porque tudo só foi possível porque alguém acreditou em mim, sabe? Então, eu acho que é muito de você buscar assim, em você, de onde que você veio e para onde que você está indo? Porque quando você se desconecta as coisas não dão certo, os caminhos não funcionam. Assim, eu acho que quando você se conecta com o seu verdadeiro eu, quando você faz as coisas com aquela conexão do tipo “acho que é isso aqui”, as coisas fluem muito mais fácil, sabe? Eu queria deixar esse recado assim, de você seguir a sua intuição e não esquecer nunca de onde você veio, para você saber para onde você vai.
P/1 – Por fim, como foi contar um pouco da sua história?
R – Foi bem legal, eu tinha pontos que eu não me lembrava, coisas assim que eu fui falando que eu não tinha me dado conta até, tem coisas que a gente vai falando que na hora da fala que a gente percebe que “poxa, realmente”, mas assim, eu já tinha feito algumas palestras em relação a isso, mas nunca foi tão profundo. Acho que essa de falar “De onde seus pais vieram? De onde seus avós vieram? O que eles faziam?” Então essas perguntas ajudam muito a construir né, mesmo, um caminho, porque é muito fácil, como eu falei, é muito fácil você olhar para a Adriana hoje e falar assim: “Não, porque a Adriana hoje, está trabalhando na área de tecnologia”. Mas de onde veio a Adriana? Quem é ela? Quem é a família dela? O que ela faz? O que a família dela faz? Como eles eram? Como foi a infância dela? Para que as coisas se explicassem, para que as coisas fizessem sentido, né? Hoje as pessoas julgam muito com a primeira impressão que as pessoas têm, mas não olham muito uma história de dor, de luta, de sofrimento e de muito amor também, de muito cuidado, de muito direcionamento, mas é isso.
P/1 – Adriana, muito obrigada, foi um prazer ouvir sua história.
R – Obrigada você, foi maravilhoso ouvir… suas perguntas foram muito, muito boas, obrigada mesmo.
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