Entrevista de Dani Rudz
Entrevistada por Grazielle Pellicel
São Paulo, 16/06/2023
Projeto Vidas em Costura: Moda, Legado e Empreendedorismo
Entrevista número: VDC_HV004
Realizado por Museu da Pessoa
Transcrito por Selma Paiva
Revisado por Luiza Gallo
P/1 – Dani, primeiramente muito obrigada por ter aceitado o nosso convite.
R – Eu que agradeço o convite, foi um prazer imenso, ainda mais sabendo de todo o contexto do projeto, a finalidade e quem estará nele, muita gente ‘de peso’, eu estou muito feliz e lisonjeada.
P/1 – Ai, que bom! Pra começar a gente começa pelo mais simples, que é perguntando o seu nome completo, a sua data de nascimento e o local de nascimento.
R – Meu nome é Danielle Rudzavicia de Moraes, a minha data de nascimento é 12 de agosto de 1975 e eu nasci em São Paulo, capital.
P/1 – A sua família te conta como foi o dia do seu nascimento?
R – Conta, nossa, essa é a história que a minha mãe sempre contava. A minha mãe hoje já não é mais viva, mas ela sempre falava: “Nossa, você nasceu na Maternidade Santa Helena, na Liberdade, foi um dia muito feliz, enfim, estava toda a família lá, aguardando a pretinha do vovô, a pretinha do papai”, enfim, então é uma história que todo mundo conta e conta muitas vezes. Eu fui a primeira, a primeira neta, primeira bisneta, enfim, então um dia que marcou bastante, bem comemorado.
P/1 – Antes de você tiveram muitos homens? É isso?
R – Na verdade não havia netos, a minha mãe foi a primeira dos irmãos, dos filhos, a trazer netos, então foi um acontecimento, o primeiro neto, enfim e foi uma mulher e foi motivo de muita comemoração para a família.
P/1 – E você sabe qual a origem do seu nome e por que colocaram Danielle?
R – Sim, a minha mãe sempre me contou que ela era admiradora da Danielle Mitterrand, que era a primeira-dama francesa, então ela queria que meu nome fosse igual o dela, como uma mulher forte.
P/1 – E a origem da sua...
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Entrevistada por Grazielle Pellicel
São Paulo, 16/06/2023
Projeto Vidas em Costura: Moda, Legado e Empreendedorismo
Entrevista número: VDC_HV004
Realizado por Museu da Pessoa
Transcrito por Selma Paiva
Revisado por Luiza Gallo
P/1 – Dani, primeiramente muito obrigada por ter aceitado o nosso convite.
R – Eu que agradeço o convite, foi um prazer imenso, ainda mais sabendo de todo o contexto do projeto, a finalidade e quem estará nele, muita gente ‘de peso’, eu estou muito feliz e lisonjeada.
P/1 – Ai, que bom! Pra começar a gente começa pelo mais simples, que é perguntando o seu nome completo, a sua data de nascimento e o local de nascimento.
R – Meu nome é Danielle Rudzavicia de Moraes, a minha data de nascimento é 12 de agosto de 1975 e eu nasci em São Paulo, capital.
P/1 – A sua família te conta como foi o dia do seu nascimento?
R – Conta, nossa, essa é a história que a minha mãe sempre contava. A minha mãe hoje já não é mais viva, mas ela sempre falava: “Nossa, você nasceu na Maternidade Santa Helena, na Liberdade, foi um dia muito feliz, enfim, estava toda a família lá, aguardando a pretinha do vovô, a pretinha do papai”, enfim, então é uma história que todo mundo conta e conta muitas vezes. Eu fui a primeira, a primeira neta, primeira bisneta, enfim, então um dia que marcou bastante, bem comemorado.
P/1 – Antes de você tiveram muitos homens? É isso?
R – Na verdade não havia netos, a minha mãe foi a primeira dos irmãos, dos filhos, a trazer netos, então foi um acontecimento, o primeiro neto, enfim e foi uma mulher e foi motivo de muita comemoração para a família.
P/1 – E você sabe qual a origem do seu nome e por que colocaram Danielle?
R – Sim, a minha mãe sempre me contou que ela era admiradora da Danielle Mitterrand, que era a primeira-dama francesa, então ela queria que meu nome fosse igual o dela, como uma mulher forte.
P/1 – E a origem da sua família, eles são de São Paulo também?
R – Sim, todos de São Paulo e uma parte da minha família... todos são de origem São Paulo, mas a migração da geração anterior, uma parte dela veio da Lituânia e a outra parte veio aqui de São Paulo mesmo, mas de origem quilombola e indígena, mas eu não sei onde, a gente ainda não conseguiu descobrir, porque isso não era algo que para minha família, antes, era algo, um dado que eles acreditavam que era importante. Hoje, pra gente, é muito importante, mas eles acreditavam que não era, então eu nunca consegui saber essa origem, acho que quem poderia me contar já não está mais vivo, então vou ter que me esforçar bastante para descobrir, mas estou na busca.
P/1 – E qual é o nome da sua mãe e como você descreveria a sua relação com ela?
R – Minha mãe chama Alice, chamava-se Alice, uma mulher branca, então a matriarca de uma família mista, se casou com um homem preto, teve três filhos, era muito trabalhadora, sempre trabalhou muito, muito inteligente e uma mulher muito à frente do seu tempo.
P/1 – Por quê?
R – Acho que ela não se ‘curvava’ a esses padrões, sabe? Ela sempre trabalhou fora, ela incentivou a filha a trabalhar fora. Então, tudo isso, quando eu nasci, era algo que não era estimulado em mulheres, mas ela pensava diferente.
P/1 – E o seu pai, como era a relação com ele?
R – Agora ‘pegou’. (risos) O amor da minha vida, minha alma gêmea, (choro) minha primeira alma gêmea. Meu pai era um homem preto, um exemplo, um homem que trabalhou muito e veio de baixo, ele vendia figurinha na rua, para álbum e ele chegou a ser, ter um cargo executivo dentro das organizações Silvio Santos, ele trabalhava na empresa Silvio Santos S/A. Ele fez economia, depois que eu já era uma menina adolescente, ele trabalhou muito, muito, muito, muito, era o centro da família, um homem que era apaziguador, era um homem que trazia muitos conselhos, muito sábio, sempre acolhia todo mundo, cuidador, muito responsável e era o centro da nossa família. Ele morreu muito precoce e eu sinto muito a falta dele, mas com ele eu aprendi o significado de coragem, ele era um homem muito corajoso e como eu te disse o amor da minha vida, tudo que eu faço hoje eu o tenho como uma referência. (choro)
P/1 – Tem alguma história com o seu pai que você lembra, inesquecível?
R – Nossa, eu tenho muitas. Acho que hoje eu vivo de contar essas lembranças, porque amenizam um pouco da saudade que eu sinto, da falta que ele me faz, principalmente pra empreender, porque empreender é para os fortes e ele foi um empreendedor também, depois que ele saiu da vida corporativa e eu tenho histórias com ele de aprender e falar sobre política, acho que era o meu momento preferido do dia, quando ele chegava e a gente ia assistir o jornal. Algumas vezes era o jornal das oito e muitas vezes era o jornal das onze, porque ele chegava muito tarde e ele trabalhava muito e quando ele trabalhava eu estudava e só era esse jornal que a gente podia ver junto e a gente falava sobre política, sobre a situação mundial, sobre economia, sobre o dólar. Então, eu aprendi muito sobre civilidade com ele, nesse lugar. Então, era um momento tão gostoso, tão grandioso ali, para mim, porque ele me dava aulas e aulas de teoria e prática, de como as coisas funcionavam e foi um momento de muito carinho, de muito acolhimento, mas também de muito aprendizado e acho que essa era a história que mais me marcava, porque era o nosso dia-a-dia. Havia momentos incríveis, da gente passear, viajar. Ele era um homem muito agregador, então ele adorava a família junto, festeiro demais, trazia as pessoas para comemorar, os meus aniversários, quando eu dizia: “Não quero comemorar”, ele tinha que comemorar, “então nós vamos comemorar, porque a vida é para ser vivida e comemorada”. Então eu tenho tantos momentos com ele, incríveis, mas acho que esse dia-a-dia, dessa construção, me faz falta e é o que está mais vivo na minha lembrança, eu sinto o cheiro desses dias ainda. (choro)
P/1 – Ele foi uma grande inspiração para você.
R – Muito. Ele é ainda. (choro) Ainda hoje, quando eu tenho alguma situação, eu paro e penso o que ele faria, o que ele me diria e sempre foi uma direção para mim.
P/1 – E qual é o nome dele?
R – Já no começo da entrevista vocês me fazem chorar assim? É sacanagem. (risos).
P/1 – É porque pega mais a infância.
R – Aí ‘pegou’. É Waldir, era Waldir o nome dele e ele falava que era Waldir com W, tem que ser assim. (risos)
P/1 – Você tem irmãos?
R – Eu tenho dois irmãos, dois irmãos meninos, que são irmãos de nascimento e uma irmã que a gente chama de ‘irmã de criação’, que é a Luciana, que ela não é minha ‘irmã de sangue’, mas desde a adolescência para cá foi criada com a gente, então cresceu com o gente aqui, enfim, então são três irmãos, na verdade, e somos no total em quatro, então: duas meninas e dois meninos.
P/1 – Como é a relação de vocês?
R – Os irmãos meninos era mais distante, assim. Eu acho que essa questão dessa criação machista também proporciona muito isso: os meninos pegam as suas coisas e vão criar as suas famílias, vão ser chefes de família e vão viver a sua vida por aí, então eles moram mais distantes e cuidam da família deles e a gente se vê mesmo de vez em quando, não somos muito próximos, mas com a minha irmã, a mulher, a minha irmã Luciana é muita próxima. Quando eu me separei do pai do meu filho, ela veio morar comigo, morou comigo até pouco tempo atrás, hoje não está morando comigo, mas está sempre por perto, sempre junto, é uma conselheira, é uma pessoa que me ajuda demais, me ajuda a dividir as ideias e colocar as ideias no lugar, alguém que me faz lembrar da origem de onde viemos, da nossa família, das coisas que são importantes para nós, para a gente dar continuidade, então é a pessoa que está mais próxima a mim e a gente se dá muito bem, tem uma relação de irmã mesmo, verdadeira, de irmã. (choro)
P/1 – Tem algum outro familiar, além dos que você citou, que também é muito importante para você?
R – A minha avó, que é a mãe da minha mãe, ela foi a minha segunda mãe. Como a minha mãe trabalhava muito e era uma referência de mulher forte, que trabalhava e que saiu para brigar por nós, minha mãe e meu pai sempre trabalharam muito, a minha mãe trabalhava desde menina, o meu vô começou a trabalhar lavando janelas nos bancos do Centro da cidade de São Paulo e minha mãe tinha onze anos, ela ia com ele para lavar as janelas, já. Então, desde muito pequena ela trabalhou fora. E uma história curiosa e engraçada que o meu vô, que era pai dela, começou lavando vidraças e se tornou o gerente do mesmo banco.
P/1 – Como aconteceu isso?
R – Ele foi estudar, ele foi incentivado por um gerente que tinha lá, ele começou a trabalhar de contínuo, que antigamente falava, era boy e começou a se esforçar, enfim, se dedicar, foi reconhecido e a meritocracia antigamente existia e funcionava (risos) e ele foi reconhecido e ele chegou a ser gerente do banco que ele trabalhava e morreu aposentado nesse lugar, sabe? É uma história muito curiosa, é romântica, mas acho que me dá bastante orgulho. Romântica se você for pensar nos dias de hoje, esse tipo de situação não ocorre mais, mas eu tenho muito orgulho, para mim é algo que raiz acho que importa bastante e a minha mãe trabalhava muito, trabalhava fora e quem ficava comigo era a minha avó, tanto ela, quanto a minha bisavó, que era a avó dela. Essa minha bisavó era lituana de fato, foi ela que veio para o Brasil, ela não falava português direito, mas ela foi uma cuidadora incrível. Então, enquanto... trabalhando, ela trabalhava em fábricas e comprou uma casa e nessa casa ela dividiu em várias partes e reuniu a família dela ali e ajudou toda a família dela crescer a partir dali. Os filhos que se casaram, os netos que se casaram, os bisnetos que se casaram iniciaram a vida naquela casa, para depois saírem dali, para conseguir alguma coisa. Essa casa existe até hoje e foi fruto do trabalho dela e quando ela se aposentou ela viveu para nós, para cuidar da gente, enquanto os outros foram ‘ganhar a vida’ e galgar o seu caminho. Então ela cuidava muito da gente, fazia comida, chazinho, bolinho, comidas típicas lituanas, que a gente amava de paixão. Infelizmente ela faleceu cedo também demais para mim, como eu gostaria e a minha avó, mãe da minha mãe, ocupou esse lugar bravamente, elas dividiam esse espaço e depois ocupou esse lugar e ela foi como a minha mãe, a minha segunda mãe. Ela está viva até hoje, graças a Deus, lúcida, apesar das suas limitações físicas, ela tem noventa anos, ela tem algumas limitações físicas para andar, mas a cabeça dela ainda é muito lúcida e ela ainda cuida muito da gente, ainda dá ordem, ainda está junto, ainda faz questão de manter essa coisa da família muito unida, então ela é uma pessoa muito presente para mim.
P/1 – Você comentou do seu avô e me lembrou um pouco do seu pai, eram parecidos?
R – Muito, muito, eles eram muito parecidos. E quando o meu pai casou-se com a minha mãe, então a gente tem aqui uma questão familiar, racial, na verdade, muito séria, porque o meu pai era preto, de família preta, de origem preta, quilombola e indígena e a minha mãe loira de olho azul, de origem lituana, europeia e toda aquela questão, e houve uma questão de preconceito racial gigantesco das duas partes, tanto a minha avó mãe do meu pai preto rechaçou essa família branca, como o meu avô pai da minha mãe branca rechaçou essa família preta, mas eles não desistiram, eles poderiam ter desistido, eles foram proibidos de se ver, foram separados, foram trancados: “Não, vocês não vão sair de casa, vocês não vão se ver”, mas eles não desistiram e foram até o final, e quando a família entendeu que aquilo ia ser mesmo o futuro, ia ser uma nova família, o meu avô, pai da minha mãe, disse: “Olha, eu não espero nada menos do que o meu papel, que você reproduza pelo menos o meu papel nessa família, eu vou contar com isso” e o meu pai seguiu à risca, foi lá e fez.
P/1 – Nossa, é incrível isso, que coincidência! Tem algum costume especial na sua família, você falou que vocês gostam sempre de comemorar aniversário. Vocês gostam de se reunir no Natal, por exemplo?
R – Eu acho que Natal, para a gente, é sagrado, né, filho? A mamãe faz questão de Natal, porque acho muito por conta do meu pai, como a gente perdeu muito dessa questão de festa com ele, porque ele era o ‘cara’ que unia todo mundo e a vida moderna também, hoje em dia, tinha muitos contatos que ele tinha que eu não tinha, eram contatos nossos, mas era a tia que vinha porque ele ligava, então não era um hábito meu manter esse contato ali. Então, a gente perde um pouco, perdemos enquanto família um pouco desses eventos mais frequentes. Eles acontecem, mas não são tão frequentes como ele fazia acontecer e aí eu acho que Natal é algo que, pra mim, é muito importante. Natal em família não tem negociação, qualquer outra data a gente negocia, mas o Natal não tem jeito. (risos)
P/1 – Pensando agora na infância, você tinha alguma comida que hoje você lembra: “É a comida da minha vida, da minha infância”?
R – Sim. O feijão da minha avó preta, não tem igual, não tem igual. Hoje ela até faz, mas não é ainda... não está tão igual como era antes, mas o feijão da minha avó preta é um feijão inesquecível. Posso até citar mais uma, que ela faz uma lasanha que até hoje é ‘de comer deitado’, mas o feijão dela é a comida da minha infância, eu comia aquele feijão de caneca. A comida que você gosta, “me dá esse feijãozinho de caneca, me dá feijãozinho com pão, me dá só feijãozinho?” Era esse. Dá quente, dá gelado, dá morno, de qualquer jeito, essa é a comida da minha vida.
P/1 – E onde você cresceu, em São Paulo?
R – Eu cresci aqui, nessa casa, eu vim morar aqui quando eu tinha três anos. Inclusive essa casa eu construí junto com o meu pai, com as minhas próprias mãos, eu e ele. Às vezes tinha um pedreiro, vinha alguém, fazia um trabalho ou não, mas esse telhado, por exemplo, foi todo telhado por mim e por ele, apenas, só nós dois, eu tinha dez anos quando nós telhamos a parte de cima. A gente brinca, né, filho, que a gente vai fazer alguns pontos na parede e eu sei onde estão os canos. Tem planta? Não tem, mas tem a minha cabeça ainda, (risos) porque a gente, família humilde você sabe, compra um casa, era uma casinha pequena, aí aumenta um cômodo, daí aumenta outro cômodo, daí aumenta mais um, aí vamos fazer o andar de cima, aí agora vamos telhar o andar de cima, e foi indo assim. Você perguntou mesmo que era sobre...
P/1 – Se você cresceu…
R – Se eu cresci onde, é isso mesmo. Então, eu cresci às voltas com o aumento da casa, ajudando o meu pai nesse lugar, que também era um outro momentinho nosso, muito gostoso. A gente conversava muito enquanto assentava tijolos, peneirava areia, mexia a massa, batia um martelo, essas coisas todas eu aprendi com ele e eu cresci aqui na rua, brincando. A minha avó preta morava na rua de trás, então a gente estava sempre na casa dela, na rua de trás, um pouco mais pra frente e a avó branca naquela casa que ela agregou e criou todo mundo, na rua de cima. Então, o Tucuruvi foi o bairro onde eu cresci, que eu vi o metrô chegar, eu vi o Shopping Center Norte ser construído, eu vi avenidas serem abertas, lugares que não tinham, eu vi lugares que eram charco, lama, virarem parques. Então eu vi esse bairro nascer. Nasceu e cresceu junto comigo.
P/1 – E o que você gostava de brincar?
R – Nossa, boneca era uma coisa que eu amava, bonecas, roupinhas, eu tinha Barbie, eu tinha Susi, eu tinha outras bonequinhas, pena que na minha época não tinha bonecas pretas, eu queria muito, mas não tinha, mas essa era a minha brincadeira preferida, então eu customizava roupinhas, fazia roupinhas para elas, montava casinhas pra elas, então era sempre aquela questão que eu trazia comigo: ela tinha a casa dela, o apartamento dela, era um apartamento, eu montava o apartamento dela, mas ela ia trabalhar, então ela tinha o carro dela, ela ia para a empresa dela, ela era empresária. Então, eu já meio que projetava (risos) meus sonhos naquele lugar ali, então era a minha brincadeira preferida e aí, depois, na minha fase de rua eu adorava andar de bicicleta nessa rua e brincar de Queimada, a gente reunia essa rua aqui e brincava muito aqui. Então, eu brincava de Queimada, a gente brincava de pega-pega, esconde-esconde, a gente fazia festa junina e fechava a rua, a gente decorava na Copa, então pintava o chão e fazia bandeirinhas, naquela época malhava o Judas, então todo mundo juntava na noite e ficava costurando e eu era a costureira oficial, costurando as peças, juntando para eles preencherem, pra poder pendurar no poste, enfim. Então, na fase de rua eram essas as brincadeiras minhas preferidas e quando eu não estava aqui, que eu estava na casa da minha avó, a minha brincadeira preferida era me vestir com a roupa dela e das clientes dela. A minha vó era costureira e ela tinha uma máquina de costura, enfim, que ela fazia os seus trabalhos ali no corredor, ela vivia de fazer pequenos trabalhos de costura e de vender cosméticos por catálogo em casa e ela atendia as clientes dela e recebia as clientes dela, enfim e eu via as roupas das clientes chiquérrimas e eu não podia pegar e ela dizendo: “Não pode”, mas eu pegava, (risos) então eu me vestia, colocava os sapatos de salto dela, as tamancas, que ela vem de uma época onde usava tamanco, anos setenta tinha muito tamanco, então eu usava as tamancas dela, brincava que eu ia trabalhar, customizava muita a roupa, porque tinha muita sobra de tecido, então ali eu customizava, ali eu aprendi a costurar, a cerzir, a fazer um ponto, um ponto invisível, a bordar, era uma bordadeira de ‘mão cheia’. Então essa também era uma das minhas brincadeiras favoritas.
P/1 – E nessa época você já tinha um sonho de ser alguma coisa, quando crescesse?
R – Sabe, talvez eu tivesse um sonho de ser alguma coisa, mas eu acho que eu ignorei, eu o deixei ‘dormir’, porque por ser uma mulher preta o que eu sempre escutei da minha avó preta e da minha família é: “Você precisa fazer faculdade e ser doutora, porque só assim que a gente vai sair desse lugar onde a gente está, da vida que a gente tem”. Então, eu acabei escolhendo a minha profissão, porque o racismo estrutural está presente na nossa sociedade, eu não pude escolher o que eu queria de fato fazer e é óbvio que eu fiz algo que eu gostasse, mas de fato, se eu parasse para pensar com relação a minha expertise eu teria escolhido moda, acho que no primeiro momento. (choro) Mas eu sempre ouvi: “Isso aqui não é para você, costura não é para você, tem que ser doutora para ser alguém, para ser respeitada” e essa era a dor dela, era a dor da minha avó, que sofreu racismo, que viu os filhos passarem por muitos momentos de racismo e que talvez não quisesse que a neta passasse por isso também, então isso fez muita pressão, acho, talvez. Eu me formei, eu sou biomédica, sou doutora, eu fiz especialização, mestrado e doutorado, eu sou bacteriologista, (choro) eu fiz toda a ‘lição de casa’, mas eu acho que eu trabalhei bem, eu fiz bem, eu trabalhei em grandes hospitais e laboratórios aqui em São Paulo, eu trabalhei no Einstein, no Fleury, na Pro Matre, no Santa Joana, eu construí projetos muito interessantes, muito incríveis, fiz bem o que eu tinha que fazer, mas chegou uma hora que a ancestralidade acho que falou mais alto e a moda disse assim: “Não dá mais, não dá mais, agora chega, vamos fazer isso aqui” e aí eu fui fazer, eu larguei tudo (choro) e fui estudar de novo, aí eu fiz moda, fiz moda inclusiva, para chegar onde eu estou hoje. Então, eu acho que talvez a minha profissão inicial, que eu brinco que é original de fábrica, tenha sido escolhida para a gente driblar o racismo, que é tão cruel com a gente.
P/1 – Você também estudou nessa região do Tucuruvi?
R – Eu estudei aqui, primeiro em uma escola aqui que se chama Educandário Nossa Senhora do Carmo, onde eu fiz o Jardim da Infância, naquela época era Jardim, Jardim I, Jardim II, prezinho e ai eu fiz aqui. Aí depois eu fui para uma escola municipal que tem aqui em cima, chamada Martin Francisco Ribeiro de Andrada, onde eu fiz acho que até a terceira série, do primeiro, da primeira…
P/2 – Fundamental.
R – Fundamental, obrigada, agora chama Fundamental e aí depois eu fui para o Amenaide Braga de Queiroz, que era uma escola estadual, fiz tudo, terminei o Fundamental lá, fiz o que a gente chamava de ginásio, que agora chama o quê?
P/2 – Fundamental II.
R – Fundamental II, obrigada. (risos) Agora é o Fundamental II. E aí depois eu fui para uma escola, que essa escola é incrível, essa escola é estadual, é aqui do bairro, ela chama Escola Estadual Albino César. Essa escola o meu pai estudou, a minha mãe estudou, o meu tio estudou, o meu pai foi um dos diretores do grêmio, um dos presidentes e diretores do grêmio estudantil da escola, participou por alguns movimentos políticos estudantis também, então foi muito legal poder participar também e estar nesse grêmio e era uma escola modelo aqui na zona norte. Então, era uma escola de ensino regular, não era técnico, mas ela tinha esportes, até natação, então tem uma piscina na escola, então tinha natação, basquete, handebol, futebol, tênis, uma quadra de saibro lá dentro, e lá também eu fiz francês, um pouquinho de alemão, eu fiz teatro, eu fiz artes cênicas, fiz interpretação teatral e fiz interpretação corporal, fiz dança e também participei de movimentos estudantis, eu fui uma ‘cara pintada’. (risos) Então, foi muito legal estudar lá. Tinha que fazer vestibulinho pra entrar lá, não era vestibular, porque eles falaram que vestibular era na faculdade, então a gente fazia o vestibulinho, eu passei em primeiro lugar e aí eu estudei e, nossa, foi um dos melhores locais que eu estudei, para formação de caráter, uma escola incrível, com professores maravilhosos, que faziam a gente pensar, que davam aula na vivência, onde a gente podia passar o dia na escola, para aprender. Então, foi uma escola incrível. Aí eu saí aqui dessa escola e tentei passar no vestibular e não passei na Fuvest, por um ponto, na USP. Todo mundo fala isso pra mim: “Meu Deus, por que você não fez de novo?” Eu não sei se eu ia ter paciência, (risos) pra passar por aquilo tudo outra vez e aí não tinha o sistema de cotas, na minha época, e eu acho isso muito importante falar, porque se tivesse o sistema de cotas eu estaria lá e não tinha, então eu não passei mesmo e aí eu fui estudar em uma escola particular, numa faculdade particular, eu passei para fazer biomedicina em Mogi das Cruzes, eu fiz vestibular lá, eu passei no Mackenzie em Mogi, o Mackenzie era biologia, não tinha licenciatura médica e eu escolhi fazer licenciatura médica pra fazer pesquisa, aí eu fui estudar em Mogi, sem bolsa de estudo e não foi muito fácil, mas eu fui e aí saí daqui do Tucuruvi, para ir e voltar todos os dias para Mogi das Cruzes, durante cinco anos.
P/1 – E você decidiu medicina pensando naquilo que a sua avó te falou?
R – Sim, porque quando fala para você: “Você tem que ser doutora”, tem algumas alternativas poucas, naquela época a gente tinha Direito, ou você era advogado ou você era médico, é isso, ou alguma faculdade semelhante, que não era doutor, mas que poderia fazer um doutorado e dar uma aula em uma universidade, era engenheiro, digamos assim, então tinham poucas as opções e aí Direito para mim não dá, porque pra mim a Justiça tem um lado só, (risos) o que é certo é certo e é de um lado só e quando você entende que o advogado vai ter que trabalhar, às vezes, de dois lados, isso para mim talvez não fosse o lugar que eu gostaria de acessar, sabe? A minha cabeça acho que não ia conseguir trabalhar com esse lugar, porque eu tenho um senso de justiça muito apurado e eu faria julgamentos próprios, acho, eu não me manteria isenta e a medicina era algo que eu queria muito, mas que eu não consegui por conta da questão valores, a faculdade de medicina era muito cara. A de biomedicina já era cara e a gente ia tentar e pagamos ‘aos trancos e barrancos’, quinze anos depois de formada eu ainda tinha o meu nome no SPC, pagando a faculdade, para você ter uma ideia. Então, quinze anos depois de formada é muito tempo pagando uma faculdade e eu escolhi biomedicina porque era mais acessível e mesmo assim paguei quinze anos depois, juntando com o tempo da faculdade foram vinte anos pagando, muito tempo, eu acho que eu paguei quatro vezes o curso, de tanto juros que me cobraram e abusivos, enfim, e acho que a gente também precisa falar do FIES aqui, nesse lugar, porque hoje ele abre muitas portas para pessoas que querem trabalhar, porque quando eu saí da faculdade eles me falaram: “Você quer o seu diploma?” “Eu preciso dele para trabalhar” “Então nós vamos ‘botar’ o seu nome no SPC, tá bom? Ou o seu diploma ou o nome no SPC, você decide”. Aí eu falei: “Bom, vamos pôr o nome no SPC”. E aí, toda a entrevista de emprego que eu fazia, eu tinha que dizer: “Gente, o meu nome está ‘sujo’” e as empresas: “Mas a gente não contrata, porque o nome está ‘sujo’” “Mas o meu nome está ‘sujo’ porque eu não paguei a faculdade” e foram assim, durante quinze anos e aí eu escolhi a biomedicina, porque era mais acessível, eu pensei que era um caminho mais fácil, porque dentro dessas questões todas ser pesquisadora é algo que ‘brilhava os meus olhos’, eu falava: “Acho que eu quero descobrir alguma coisa, quero ajudar a deixar um legado, a fazer alguma coisa, a deixar alguma coisa para esse mundo, sabe? Acho que eu já tinha esse lugar aí, mas eu não sabia onde era exatamente, achava que era na biomedicina, então escolhi a biomedicina pra fazer e gostei muito de fazer, aprendi muito fazendo, fui muito curiosa, fiz todos os cursos que eu tinha e podia, fiz monitoria, trabalhei junto com a faculdade, então eu estudava, eu trabalhava, eu fazia estágio, porque eu fazia tudo que podia, para conseguir pagar essa faculdade e também para aprender mais, para poder me qualificar, então gostei de fazer e aprendi bastante, até hoje a referência de saúde da família é aqui, antes de tomar alguma decisão de uma cirurgia, de ir para o médico, que médico procurar, é o meu telefone que toca.
P/1 – E seu primeiro trabalho foi durante a faculdade?
R – Foi antes, eu comecei a trabalhar com onze anos, muito contra o meu pai, muito contra, mas eu já tinha o mesmo espírito que ele, ele não podia falar nada (risos) e o mesmo que a minha mãe, inclusive e aí eu arranjei um trabalho de recepcionista de consultório de dentista e aí eu insisti tanto, ele não deixou eu ir, mas eu insisti tanto, que ele acabou deixando, e aí depois de uns três meses, ele falou: “Agora chega”, porque ele viu que ia mesmo, ele falou: “Eu quero que você estude pelo menos até o colegial, sem trabalhar” e aí ele me deu uma ‘segurada’, mas mesmo assim eu fiz um acordo com ele: “Tudo bem, eu não faço um trabalho contínuo, mas você me deixa trabalhar nas férias”. Então, todas as férias de janeiro e julho eu trabalhava em uma lojinha de sapatos que tinha aqui embaixo, sapato e roupas e chamava Jardim Modas e nem existe mais e eu ia lá e eles já sabiam que eu ia trabalhar com eles todo final de ano, férias, enfim, então janeiro ou dezembro, que era Natal, eu ia trabalhar lá e o meu pai falou: “Tudo bem, desse jeito eu deixo” e aí eu trabalhei já desde aí e aí, quando eu comecei a faculdade, o negócio era ‘valendo’, eu tive que arranjar um emprego sério e aí, nesse emprego sério que eu digo é a minha primeira carteira assinada, de fato e aí eu trabalhei no McDonald’s, foi meu primeiro emprego.
R/2 – Pode falar McDonald 's?
P/2 – Fique à vontade!
R – Eu não sei, eu estou falando marca desde que eu comecei, filho. (risos) E aí eu fui trabalhar no McDonald’s, e aí eu fui trabalhar no McDonald’s aqui em Santana, que é um bairro próximo aqui, do Tucuruvi, tudo muito aqui próximo, era um amigo meu da escola que trabalhava lá e estudava comigo no Albino e ele era treinador desse lugar, aí ele falou: “Você quer um trampo aqui, eu consigo te arranjar”, eu falei: “Eu quero”. Daí ele falou: “Mas você tem certeza? Tem que fazer tudo!”, eu: “Tudo o quê? “Tudo: lavar banheiro, carregar caixa nas costas dentro do frigorífico, fritar o hamburguer, limpar o chão da rua e o banheiro é aberto, é público, é um banheiro de uma estação de metrô, porque aqui é uma estação de metrô, todo mundo para aqui para ir ao banheiro. Tudo bem isso para você?” Eu falei: “Tudo bem!” E lá fomos nós e aí eu trabalhei no McDonald’s, foi meu primeiro emprego e depois de lá eu comecei a trabalhar mais na área da saúde e enquanto eu trabalhava no McDonald’s eu saí da faculdade e eu passei em um curso que chama… que é uma especialização, mas é um programa de aprimoramento científico do governo, que eu não sei nem se ele existe mais, que era custeado pela Fundap e a Fundap me pagava uma bolsa de estudos, pra eu estudar, então eu estudava durante um período e trabalhava prestando serviço para o Instituto Adolf Lutz, aqui em São Paulo e foi muito legal, porque lá eu me envolvi mesmo na pesquisa, lá eu aprendi a inocular cavalos, fazer vacina, a identificar doenças raras, por exemplo, como essa doenças de notificação compulsória como a covid, leptospirose e outras mais, foi lá que eu aprendi a entender o que é uma notificação compulsória e o porquê, a importância disso, a importância do rastreio dessas doenças e a questão toda da saúde pública, então foi um trabalho incrível que eu fiz, foi muito legal e aí eu ganhava uma bolsa, daí eu saía de lá e eu ia para o McDonald’s e aí eu trabalhava. Antes disso eu dava aula, enquanto eu fazia faculdade, eu dava aula também, mas não era um registro, era uma coisa mais… eu dava aula, mas era um contrato... como fala? Sazonal que eles falam, mas eu já trabalhava. E aí, quando eu podia eu ainda dava algumas aulas, que eu conseguia algumas horinhas, eu encaixava e eu ainda dava algumas aulas.
P/1 – E assim que você terminou a faculdade você continuou na área da saúde?
R – Continuei. Eu terminei a faculdade e como eu te falei eu trabalhava no Instituto Adolfo Lutz e lá eu trabalhei durante um bom tempo, estudando e trabalhando e lá eu comecei a entender que a pesquisa talvez não fosse para mim, por quê? De novo a gente vai ter que falar de racismo aqui, porque quando eu cheguei lá várias das pesquisadoras que estavam lá e tinham passado nas mesmas condições que eu para exercer essa bolsa eram mulheres brancas, que tinham estudado em escolas incríveis e que podiam se dedicar a estudar naquele lugar e dar continuidade à especialização, ao mestrado, ao doutorado, tudo coladinho um no outro e ter uma propensão de ascensão de carreira, porque elas só estudavam e não precisavam trabalhar, porque elas tinham uma condição financeira incrível, então o pesquisador é pesquisador nesse país porque... hoje eu acredito que as bolsas mudaram muito esse cenário, mas antigamente era porque ele tinha condições de bancar, ser um pesquisador, você entende? E até as pessoas brincavam lá que as pesquisadoras, isso era uma piada interna comum, eram as mulheres dos executivos, porque elas tinham uma carreira que lhes satisfazia, mas que financeiramente elas não precisavam prover nada, não tinham grandes ambições, os maridos faziam esse lugar por elas, então elas todas eram mulheres de executivos de grandes bancos, que se mantinham na carreira. Hoje eu espero que, com o FIES, esse ambiente tenha mudado, tomara, mas antigamente era assim e aí eu entendi: “Poxa, eu não posso”. Eu ganhava trezentos e vinte reais, acho, de bolsista da Fundap, por mês e quando eu me formasse eu ia ganhar novecentos e noventa para ser absorvida. Não, eu não posso não ganhar um salário-mínimo, eu não tenho esse luxo, eu não posso ter essa escolha. Quando eu terminei o aprimoramento e a especialização, eu decidi deixar o trabalho na pesquisa e fui para a iniciativa privada, aí eu fui trabalhar em um hospital em Santo André, assumi a responsabilidade do laboratório, para ‘tocar’ um laboratório com mais cinco pessoas, que eram técnicas de um hospital que fazia cirurgia de pequeno e médio porte, lá em Santo André e aí trabalhei lá por vários anos e aí só saí de lá para ir para grandes corporações, foi quando o Delboni me encontrou. Eu sai de lá e fui para o Delboni, aí trabalhando no Delboni, o Fleury me fez um hunting e me convidou para um processo seletivo, foi um processo seletivo às cegas, eu não sabia para que era e longo, quase oito meses de processo seletivo e aí aquela dúvida e meu chefe falou: “Você tem que ir, você não sabe nem para que é, você tem que participar” e aí eu tive esse chefe que foi legal pra caramba, porque eu fiquei super com medo de falar para ele: “Olha, alguém me ligou para participar de um processo seletivo e eu não estou mandando currículo, eu não estou insatisfeita” e ele: “Não, você tem que ir. Se te acharam é porque acharam legal o que você está fazendo no mercado” e aí eu passei no processo seletivo e fui trabalhar no Fleury e também trabalhei anos no Fleury. Aí, quando eu saí do Fleury eu fui pro Pro Matre, pro Santa Joana e daí de lá eu fui para o Albert Einstein. Daí saí do Einstein e fui para clínicas de dermatologia menores e daí depois eu saí da área de vez.
P/1 – Você ficou quanto tempo?
R – Vinte anos, acho que por aí.
P/1 – E o que te fez sair? Foi o chamado da moda?
R – Foi tudo junto. Primeira coisa é o racismo, fato. Eu trabalhava no corporativo, quando eu trabalhava nas grandes corporações, eu sempre brinco e falo isso em todas as minhas entrevistas: existe uma linha de chegada para todo mundo: “Olha, sua linha de chegada é aqui, para você ser promovida”. Então tá bom. Aí, quando uma mulher preta chega lá, fala assim: “Ah, mudou, agora você precisa do inglês”. Então nós vamos fazer inglês. Então tá, meu inglês está aqui. “Mas agora precisa de uma especialização, a gente mudou” e aí a linha de chegada vai mudando constantemente, isso é fato. Havia também uma questão muito forte, que eu ainda vejo em algumas corporações, que é: homens nos lugares de poder, nos lugares executivos e mulheres muito competentes fazendo o trabalho deles, por baixo deles. Elas não são as executivas, mas são as que fazem o ‘trabalho duro’ e eles só fazem reuniões e almoços o dia inteiro. (risos) É sempre assim. Muita gente que eu converso se identifica com isso e vê isso acontecer na prática: homens se relacionam e trabalham em mesas de network, em cafés e mulheres trabalham nas suas mesas de verdade, fazendo projeto, aprovando meta e ‘botando’ gente para cima, é muito diferente. E aí isso aconteceu comigo. Então, a linha de chegada mudou várias vezes e dentro do coorporativo eu era uma mulher gorda, né? Isso também incomodava. Então, você tem que se adequar, você tem que usar preto, você tem que usar o mais slim possível, você tem que emagrecer, você precisa fazer um inglês, agora você precisa terminar esse curso, agora você precisa fazer uma proficiência. Então, eu terminei o inglês, mas tem que ser uma proficiência. Então, as coisas iam vindo e iam me impedindo sempre de chegar lá, mas eu sempre trabalhava com aquilo, daquela conversa sincera e eu escutava promessas: “Vai chegar a sua hora”, mas essa hora não chegava. E eu via chegar pra muita gente e muita gente do sexo masculino, mas para pessoas do sexo feminino e pretas era um lugar que era ali permitido, a partir dali não existia mais e eu queria galgar um lugar que ninguém como eu estava lá, aliás um lugar onde eu já estava, que onde era permitido eu já era a única. Então, eu brinco que eu fui expulsa do mercado corporativo, porque as coisas vão acontecendo e vão fechando o seu cerco e vão falando: “É nesse lugar aí, se contente, eu já te ‘dei essa mão’. Você já fez muito, você já saiu de onde você estava para chegar aqui, caramba! Já está ótimo para você” e eu falava: “Não, eu não me conformo com esse ‘já está ótimo para você’. Eu não quero, eu não quero, eu não quero” e aí eu achei que era institucional, mas eu não entendia de verdade que era racismo, eu achava que era comigo, eu levava isso para o pessoal e falava: “Sou eu! Está faltando alguma coisa” e aí eu falei: “Então eu vou mudar, para entender se mudando o trato eu consigo” e eu fui para clínicas menores, mas o meu espírito corporativo gigantesco, eu sou muito operacional, eu tenho uma visão muito ampla e macro das coisas, porque eu atuei muito tempo fazendo trabalho de diretoria operacional, então eu cheguei nessas clínicas pequenas e a primeira era uma e eu entreguei dez, então a gente escalou o trabalho e aumentou e fez disso… não era uma franquia, mas a gente meio que franqueou, entregamos dez unidades. Foi tão bem sucedido o projeto que uma das empresas que eu trabalhei comprou depois, fez uma oferta e o grupo incorporou esse projeto e aí, quando o grupo incorporou eu saí de lá, porque eu ia voltar para a mesma instituição e aí eu fui para uma outra, que ela também era muito pequena e a gente entregou um quadro gigantesco de ampliação e tal. Então eu tenho essa visão dessa amplificação de negócios assim, muito grande, essa visão geral do negócio, mas eu entendi nesse lugar que o que me paralisava só mudava de endereço, porque eram as mesmas questões e só mudavam o endereço, só que a partir daí eu comecei a me descobrir como mulher gorda, no sentido de que eu sempre soube que era uma mulher gorda e uma mulher preta, mas eu não era racializada e eu não tinha o entendimento que eu tenho hoje sobre a questão da diversidade corporal. E nesse lugar eu comecei a entender que meu corpo chegava na frente da minha competência, porque eram clínicas de estética e aí lá era muito menos velada essa questão, era muito mais clara, então eu comecei a entender: “Caramba, o meu corpo chega na frente, tem alguma coisa aqui” e aí eu entendi que talvez não fosse aquele lugar, mas eu ainda não queria aceitar, porque eu não sabia o que fazer e em um desespero eu adoeci, fiquei bem doente mesmo e aí minha irmã me disse: “Se você quiser sair eu vou te dar uma força, eu consigo te ajudar”. Ela estava morando já comigo nessa época, eu já tinha me separado do pai do meu filho e ela falou: “Eu te ajudo, eu consigo segurar as contas da casa pra você por um tempo, para você entender o que você quer fazer”. Era como se fosse um sabático e até aí a pressão na mulher preta é tão grande, que eu não conseguia nem aceitar que eu podia ter o direito a fazer um sabático, meio que... não, sabático para mim era inimaginável e aí a gente foi amadurecendo a ideia conforme eu fui adoecendo mais, porque não foi uma decisão única, do tipo: “Ah, eu quero”. Foi uma decisão: “Eu preciso” e eu tomei essa decisão então de sair e a ideia era ficar de seis meses a um ano para tentar achar, porque eu queria fazer, mas eu tive que me programar financeiramente, tive que juntar um dinheiro, tive que tentar um acordo na saída, todo um processo para me calçar, porque eu tinha um filho pequeno e sempre fui arrimo de família. Então, nessa época moravam comigo a minha mãe, a minha avó, a minha irmã, o meu filho e nós duas sustentávamos toda essa rede, então eu não podia me dar ao luxo de ficar muito tempo fora. Eu saí, eu não aguentei ficar muito tempo sem fazer nada, porque eu era workaholic, trabalhava quinze horas por dia e aí eu decidi ‘blogar’ para não ‘pirar’, o que eu digo e aí eu falei: “Eu não quero falar nada que use o meu intelecto, eu vou falar de maquiagem, que é algo que eu amo, sempre permeou a minha vida e quero dividir com as pessoas o que eu sei sobre maquiagem”. Por quê? Porque eu sempre gostei de moda, sempre gostei de beleza e sempre fui uma referência para as pessoas onde eu trabalhava, então nesse ponto de referência em relacionamentos sempre era aquela pessoa: “Eu tenho uma festa, me ajuda pelo amor de Deus, onde eu compro um look, o que eu faço?” “Dani, me ajuda?” “Nossa, que make incrível, foi você que fez sozinha? Não, me ensina”. “Que batom é esse? Como é que você faz isso?” Eu vou dividir isso com as pessoas, não quero mais nada e aí eu fiz uma contagem regressiva, era Facebook na época e ‘botei’ um negócio lá para acontecer e comecei a ‘blogar’ para não ‘pirar’. Tinha parado de trabalhar e estava ali entendendo o que eu ia fazer. E num belo dia desses uma das minhas amigas, do meu contato, da minha rede de contatos me chamou para dar uma aula de maquiagem para um grupo de vendedoras de Marie Key. Ela era uma diretora de _____ da Marie Key e ela me convidou para dar uma aula de maquiagem para as diretoras, para as consultoras dela. Aí eu falei: “Nossa, gente, que coisa!”. Achei incrível um reconhecimento para uma pessoa que não é profissional, nada e a minha amiga: “Que você faz uma maquiagem incrível”, “então vamos lá”. E dei essa aula, e quando eu dei essa aula ela fez uma festa incrível nesse dia e trouxe milhões de fotógrafos e eu não aparecia no meu blog, porque tinha essa questão ainda corporal, estava entendendo onde eu estava, mas a minha imagem não aparecia, porque eu já entendia que era opressor o lugar e aí ela publicou essas fotos no Facebook e o Facebook era assim, ainda é, eu acho: você marca alguém e aparece na timeline dessa pessoa, você não tem a opção de dizer assim: “Ah, eu não quero que ninguém veja isso aqui”. Mesmo que os meus seguidores não vissem, os dela iam ver automático, porque estava na timeline dela e aí, gente, começou... eu acho que eu nunca recebi - essas fotos ‘viralizaram’ - tanta mensagem na minha vida, das pessoas perguntando de onde era aquela roupa e vasculhando o meu Facebook pessoal, olhando as minhas roupas, que pouco apareciam e perguntando onde eu tinha encontrado aquelas roupas, e eu: “Gente, espera aí, tem mais gente como eu?” Daí pronto, primeiro ponto: eu não estou só. E aí no corporativo era uma jornada tão solitária, e eu falei: “Caramba, eu não estou só, tem mais outras mulheres como eu” e aí eu comecei a ir no Facebook dessas mulheres e elas eram mulheres de corpo não padrão, dito como não padrão, porque para mim esse padrão não é o padrão, mas acho que vamos usar essa palavra aqui, para a gente contextualizar o que quer dizer. Caramba, existem outras mulheres como eu e elas não aparecem, elas não estão, elas não estavam nas empresas que eu trabalhava. Onde elas estão? E aí eu comecei a entender que essas mulheres existiam e estavam à margem e que havia um sistema que queria ‘apagá-las’, assim como ele ‘apaga’ mulheres pretas e mulheres pobres, assim como ‘apaga’ mulheres e assim por diante. Aí eu falei: “Eu vou estudar” e eu fui estudar, chamei um amigo meu de finanças, para eu fazer um estudo de mercado e ele falou: “Olha, esse é um mercado que em dez anos” – a gente está no oitavo – “quem estiver nele vai estar no auge, porque ele vai chegar na sua ascendência em dez anos, é um mercado muito promissor, doído, mas promissor e ele, nos Estados Unidos, já tem cem anos de ascensão em relação ao que temos hoje, de história. Então, se você quiser estudar, lá fora tem referência”, daí eu falei: “Caramba, é esse lugar aqui que eu vou” e aí eu comecei a estudar, comecei a olhar e falei: “Eu acho que é aqui que eu quero ficar, acho que esse é o lugar que eu quero ficar”, mas primeiro eu comecei a me atentar e a estudar as questões comportamentais, os motivos pelos quais essas mulheres eram gordas, porque me atingiam de fato, de primeira; os motivos pelos quais elas não arranjavam emprego; pelos quais elas não ascendiam na carreira; os motivos pelos quais não haviam roupas, porque roupas não eram feitas; as questões que acometiam a cadeia, então foi toda uma questão comportamental primeiro e aí foi que eu decidi fazer a virada de carreira e decidi que eu queria ser uma influenciadora digital, porque eu queria falar dessa questão comportamental que eu havia descoberto e que eu tinha certeza que nem todas as mulheres que eu encontrava e que tinham um corpo como o meu, ou a cor como a minha sabiam do que eu estaria falando e aí eu falei: “‘Cara’, eu quero fazer isso, porque eu não quero mais que outras mulheres passem pelo que eu passei, pra chegar até aqui. Então, eu quero falar sobre isso nas minhas redes e deu muito certo”. Então eu me tornei uma influenciadora digital, decidindo nessa visão macro de projeto ter uma empresa, então eu fui atrás de abrir um CNPJ, abrir uma MEI, estabelecer uma empresa, fiz missão, visão, valores, (risos) porque eu vim do corporativo e é isso que a gente faz. (risos) Montei a minha persona e comecei a trabalhar como influenciadora.
P/1 – E esse estudo… você foi fazer moda?
R – Fui. Quando eu cheguei dentro desse lugar, então dando continuidade a essa história, eu fui trabalhar e a ideia: então agora eu preciso me vender, eu preciso trabalhar, então eu preciso trazer um discurso orgânico, que traga informação para as pessoas, mas para manter esse lugar, é uma empresa, eu preciso me vender e eu faço isso, faria isso através de publicidade e aí o nicho da moda, o mercado da moda e da beleza não me quis, algo fato e instantâneo: “Não, não temos gordas nas nossas campanhas de cabelo, não temos gordas nas nossas campanhas de maquiagem, não temos gordas em campanhas de skincare, de sabão de lavar louça, sabão de lavar roupa, em campanha de carros, fique aí, onde você está”. Então, esse nãos foram veementes e com justificativas e aí, então, eu fui me vender no mercado de moda plus size e esse mercado é muito amador, ainda ele é um pouco amador e antes era muito mais amador e muito autoral e eu percebi que quando eu chegava nas empresas autorais, que eu ia prestar o meu serviço, eu oferecia o meu serviço e levava o meu midia kit, já era algo muito fora do que eles estavam acostumados a receber, porque alguém que queria fazer um trabalho com eles ligava, apertava a mão e estava tudo certo. Eu mandava um midia kit, fazia uma reunião, fechava um contrato, mandava o meu contrato, estabelecia as diretrizes, mandava o meu resultado. O que eu faço com isso? Era demais para eles nesse lugar. Por quê? O produtor autoral, dentro do mercado plus size, empreende pela ‘dor’ e quando ele empreende pela ‘dor’ facilmente, pelas condições que o mercado não dá para ele ascender, se desenvolver, ele fica nesse ostracismo não profissional, então ele não consegue ascender, ele não consegue escalar, ele não consegue alguém para investir nele. Então, o negócio dele é muito caseiro e é muito ele, gira em que eles ‘vendem o almoço para comprar o jantar’, isso é fato, e aí, quando eu entendi esse não profissionalismo, eu passei a trazer a minha expertise corporativa para essas pessoas e isso era à parte, eu não cobrava nada por isso, então eu comecei a validar algumas peças de roupas... não peças de roupas ainda, mas algumas grades de roupas a serem lançadas. Por uma questão muito de obviedade, para mim. Então, eu falava: “Olha, essa coleção aqui eu acho que faz mais sentido, isso aqui faz sentido”, por ser uma mulher gorda, que sabia o que queria vestir. Então, para mim era uma questão mais óbvia do que uma questão técnica e aí eu comecei a fazer isso informalmente, dando consultoria para esses empreendedores e aí eu percebi que ali tinha um gap gigantesco e eu falei: “Eu quero fazer isso de forma profissional”. Aí eu fui fazer faculdade de moda e quando eu cheguei na faculdade de moda não existe a moda plus size. Agora que algumas universidades estão começando a trazer isso, mas há oito anos essa era uma matéria que não se falava. Então, eu me deparei com croquis absurdamente magros, de número 34, quase 32. Uma moda não inclusiva, elitista, aporofóbica, gordofóbica, racista, que me assustou demais, um lugar muito... como eu vou dizer?... separatista e que fatalmente e facilmente escolhia os seus eleitos, com base em critérios completamente infundados e que desviava o que, para mim, é o objetivo da moda, principal, que é trazer pertencimento. A moda, para mim, durante a minha carreira, foi como se fosse um avatar, quando eu queria me postar para uma reunião eu escolhia, obviamente, a pauta, mas eu escolhia principalmente o look. Esse era um lugar que uma mulher preta era identificada como a mulher preta mediana, ou a mulher preta: “Ah, tá bom, eu vou parar para escutar o que ela tem para dizer”. Então a moda me trouxe pertencimento, porque ela me fazia pertencer ao lugar onde eu queria estar e se a moda tinha um propósito tão grande desse, ela não sabia, ela não sabe, porque dentro da universidade de moda isso não é falado e não é tratado. E aí eu finalizei, mas junto eu fiz um curso de marketing, fiz curso de mídias digitais, porque aí eu tinha decidido ser influenciadora, então eu também estava estudando ali. Eu fiz um curso de fashion blog, que forma influenciadores para a moda e eu descobri, nessas minhas andanças, um curso de moda inclusiva, da secretaria acho que estadual, da pessoa com deficiência, que é um curso gratuito, eu não sei nem se ele ainda está acontecendo, mas é um curso com um dos melhores profissionais da moda que eu já vi, uma rede de profissionais incríveis, gratuito e que estava correndo o risco de fechar, porque não tinha quórum e eu: “Caramba, como assim um curso desse fechar porque não tem quórum?” E aí comecei a divulgar nas minhas redes o curso, longamente, para que esse curso não fechasse, porque eu queria fazer todos os módulos, fui lá e fiz e a minha vida mudou completamente, a minha vida mudou, porque eu entendi a moda que eu queria. E aí, a primeira vez que eu (choro) passei um tecido na máquina de costura eu me lembrei da minha avó e veio com tanta força tudo aquilo que eu queria para mim, sabe? (choro) Foi nesse dia que eu entendi que isso estava ali guardado, latente, que era o meu sonho de vida e que, pelas condições adversas da vida de verdade, sociais, eu não pude fazer. Então, eu me senti eu, eu me senti realizada, eu entendi que eu nasci para fazer isso e que eu nasci para fazer isso para mulheres. Tem moda para homens, para adultos, para crianças, tem todo tipo de moda, (choro) mas eu entendi que eu queria fazer isso para mulheres, para trazer pertencimento para essas mulheres totalmente apagadas, totalmente invisibilizadas, totalmente escondidas, que estão aí, todos os dias, no ônibus, no metrô, nas estações, na rua, trabalhando todos os dias, para galgar um lugar ao sol. Essas mulheres que ouviram que meritocracia existe e que é só trabalhar e estudar e ela vai ‘chegar lá’ (choro) e infelizmente não é assim. Então eu firmei um propósito comigo mesma, que eu iria fazer a influência e a consultoria, (choro) para trazer mulheres para a visibilidade, através da moda.
P/1 – Vamos parar um pouco?
R – Ui! Espera aí. (risos)
P/1 – Você quer uma água?
R – Não, está tudo bem, obrigada.
P/1 – Você sempre foi uma mulher gorda?
R – Eu sempre fui. Dentro da minha família eu sempre tive essa questão dessa pressão estética. Eu fiz uma reportagem recente para o Fantástico, eles me pediram para fazer um levantamento de fotos e quando eu fui buscar essas fotos, hoje olhando eu não me achava uma mulher gorda, mas eu sempre fui intitulada como gorda, dentro da família, então é fato de que a família sempre sucumbiu a uma pressão estética que está no ar, a gente sabe que ela existe e que eu não sabia e eu introjetei essa pressão estética, automaticamente. Eu me olho hoje e eu tenho certeza que eu não era uma pessoa tão gorda como eu me imaginava, mas dentro da família sim: “Minha gordinha” ou “gordinha, você vai comer de novo? Vai repetir de novo o macarrão? Vai comer o feijão outra vez?” Então, existia toda essa pressão. Então, eu sofri pressão no balé, porque eu ouvi da dona da escola que uma bailarina preta e gorda não ia chegar em lugar nenhum e primeiro: “Não existe bailarina preta, bailarina gorda então, não dá, então é melhor você parar”. Eu ouvi isso dela no meio de todas as alunas, pais e professores, no dia da prova final do curso. Então, eu sempre ouvi isso, na escola: “Você é a gigantona, a gordinha, para trás, a última na fila” e “Ah, eu não vou escolher você, porque você é gorda para o meu time, eu não quero, você não corre”. Então eu sempre fui não-padrão, eu sempre fui alguém não-padrão e hoje eu entendo que está tudo bem, eu sou o que a população brasileira é e talvez, se eu tivesse entendido isso lá, eu não tivesse chegado aonde eu cheguei com relação ao peso, porque você introjeta e acredita e está tudo certo e você vai indo nesse lugar e não, não! Eu sou uma pessoa absolutamente ok, mas eu sempre fui dita como uma pessoa fora do tal padrão que se estabeleceu.
P/1 – E antes de você se entender como uma mulher gorda e entender o seu estilo, você se escondia?
R – Sim, muito. Mesmo no corporativo, já tendo encontrado um estilo, porque eu tive que encontrar um estilo pra poder trabalhar. Havia um dress code e eu precisava entregar, eu ainda me escondia, então era fato que eu me escondia. Eu estava sempre de preto e de cinza, acho que era isso, preto e cinza e eu sempre usava camisa para fora da calça, nunca por dentro, blazer sempre fechado, muito grande, calça pantalona, nunca blusa de alcinha, braços à mostra nunca, decote nunca, sempre a mesma cor, então era preto e cinza, nunca misturando preto e cinza, só cinza ou só preto, que é para ficar o mais slim possível. Dentro das empresas, de várias que eu participei, eu recebi aulas de como manter a silhueta mais slim e mais magra e não fui a única, então eu escondia e não aparecia, tanto que quando eu fiz a sessão de fotografias com a minha amiga, na aula de maquiagem, eu estava extremamente desconfortável, porque ali eu já estava desconfiando que aquelas fotos iam para algum lugar. Eu não tinha certeza, mas eu imaginava que elas iriam e realmente foram para as redes sociais e eu me senti extremamente desconfortável e vou te dizer que, quando eu comecei a blogar, que eu me olhava e não achava bonito, porque a gente se habitua que o bonito é o que a indústria quer que a gente acredite que é bonito. Então, hoje eu vejo beleza em coisas que não me ensinaram e é isso que eu trago nas minhas redes: que as pessoas consigam ver beleza nos lugares, onde a indústria milita que não há.
P/1 – E é por isso que você quer também ajudar essas mulheres, que você se vê nelas?
R – É isso, eu me vejo e através do depoimento delas eu ainda me vejo nos lugares onde eu estava. Então, eu passei por várias fases. Eu acho que cada indivíduo está em um lugar, dentro do seu momento de vida e de aprendizado, de informações, de racialização, de compreensão dessas questões e hoje, através do depoimento de muitas delas, eu me vejo em várias fases da minha vida. Então, eu procuro trazer um diálogo, onde eu consiga trazer para elas a aceitação, de todas as formas: “Você quer emagrecer? Você acha isso justo e está tudo certo? Está tudo certo, que seja, não tenha medo. Você quer se manter no peso que você está e ele não é um peso magro, ele é um corpo gordo e você tem ciência de tudo que vai acontecer se mantendo aí, você quer ficar aí e quer respeito por isso? Eu também acho muito válido”. Então, eu luto por respeito em todas as esferas, que seja a escolha que essa mulher queira ter: colocar um biquíni com cinquenta anos, fio dental com cinquenta anos; começar uma carreira nova aos quarenta, como eu comecei; se vestir de maneira diferente, usar uma blusa de alcinha com quarenta anos, como eu fiz, eu tinha 42 quando eu usei uma blusa de alcinha pela primeira vez. Então, eu acredito e brigo pelo respeito, às decisões do corpo feminino.
P/1 – Voltando a uma coisa que você falou do mercado plus size há oito anos, ele mudou de alguma forma, nesses anos?
R – Nós tivemos algumas evoluções e outras não. Então, algumas evoluções que nos dão a impressão de que ele está andando bastante é que antigamente, há oito anos, quando eu comecei a fazer esse negócio, se eu derrubasse um cafezinho na minha blusa eu ia ficar com aquela blusa suja o dia todo, ou ia ter que voltar pra casa para trocar. Hoje não, hoje eu consigo ir ali, em uma loja de shopping e comprar uma blusa para continuar o meu dia, sem ter que voltar para casa, então a gente já tem uma fast fashion em shopping, vendendo um pouco de roupas plus, a gente já tem um pouco mais de produtores autorais vendendo, marcas que fazem moda regular, que eu digo, que é essa moda padrão, que já ‘flertam’ com o tal do GG ou XG, que vão até o 48, cinquenta e a gente tem um pouco mais de produtores, dentro da indústria, que trouxeram essa moda plus size para esse lugar, principalmente as fast fashion. Mas existe algo na moda que a gente precisa falar, que chama a unidade de negócio, que é o segmento de negócio da moda. Quando você fala em moda regular, vamos exemplificar aqui a moda regular para mulher, tudo bem? Se você quiser uma moda muito baratinha, muito baratinha mesmo, bem popular, você sabe onde encontrar, não sabe? A gente vai lá no Brás e a gente encontra essa roupa lá. Se eu quiser uma moda de fast fashion, que são essas grandes lojas de shopping, eu também sei onde encontrar, eu vou até lá e a gente compra a roupa e já sabe a faixa de preço também. Se eu quiser uma roupa de boutique eu também sei onde ir, onde estão essas lojas e o preço que eu vou pagar. Se eu quiser uma roupa alfaiataria específica eu também sei onde elas estão e eu vou lá buscar. Se eu quiser uma moda fashionista, com informação de moda e que esteja nas paradas de sucesso de todas as blogueiras por aí eu também sei onde eu vou encontrar. Se eu quiser uma moda luxo eu também sei onde ela está e quanto ela custa. Moda praia, moda fitness, lingerie temos para todo mundo. Dentro do segmento plus size não há. Então, se você for falar: “Eu quero uma moda baratinha, no Brás fatalmente você vai conseguir encontrar até o 48, cinquenta, mas mais que isso é muito difícil. Se você quer fast fashion não são todas que produzem nesse lugar e as que produzem, produzem só algumas peças e alguns modelos. Se quiser alfaiataria, boutiques, moda luxo, moda praia, moda fitness, aí a gente ‘começa a chorar’. Então, eu tenho muita gente, mais do que há oito anos, fazendo ainda pouca coisa, mas tudo um pouco, é um pouco de tudo, sem técnica. Então, a gente não tem uma normativa com relação a medidas, então faz a medida que quer. Então, tem a numeração 48, tem um 48 nessa loja, um 48 nessa, um 48 naquela, um 48 naquela, um 48 naquela. Se você me perguntar qual a numeração que eu visto, eu vou dizer pra você do cinquenta até o sessenta, porque existem peças cinquenta que me entram e peças sessenta que também me entram. Então, não existe uma normativa, não existe técnica de ampliação, não existe um estudo pra isso, em massa que eu digo. Então, ficou tudo muito solto, se faz de tudo um pouco, não existe segmento de negócio para tudo dentro do mercado plus size. Os produtores que são em maior número são os autorais, que produzem pela ‘dor’ própria de não terem um corpo padrão, eles comumente não têm técnica ou não têm apoio, então não conseguem escalar o negócio dele, então não tem um investidor, não vem um grupo grande aí, de moda, maravilhoso, que a gente vê por aí, que tem milhões de marcas, falar assim para o produtor autoral: “Caramba, adorei a sua moda, vamos incorporar?” No plus size isso não existe. Eles incorporam todo mundo, menos alguém que faça plus size. Então, você pode ver que os grandes grupos ‘flertam’ com o plus, mas eles não estão lá. Então, não tem investidor, não tem banco com linha de crédito voltada para isso, que entenda o tempo desse negócio. Eu sempre falo isso: quando eu vou buscar um pitch com um investidor, quando eu vou para um banco buscar investimento para um cliente meu, o ‘cara’ que vai ceder o valor precisa entender o tempo desse negócio e o mercado não tem paciência. Então, a gente não tem uma estrutura, a gente não tem crescimento e a gente não tem investimento para que esses negócios escalem. Comumente eles caem na ‘sombra’ e ficam ‘à margem’ e é muito comum a rotatividade do pequeno e médio empreendedor, quando ele começa a produzir pela dor, ele não aguenta e para. Dali o outro ano vem outro, dali o outro ano é outro, então a rotatividade é gigantesca, então a gente tem uma falsa impressão que as coisas vão indo bem, porque a gente andou muito mais que há oito anos. É óbvio. Há oito anos a roupa me escolhia, eu não escolhia a roupa. Então, existia uma loja só, com um tipo de blusa só, um tipo de calça só, que servia para mim, para a minha avó, para a minha mãe, para a minha prima mais nova, a gente comprava todo mundo na mesma loja, mas com cor diferente. Cada uma usava no seu estilo, uma amarrava na cintura, mas era a mesma blusa e a roupa escolhia a gente. Hoje não, a gente consegue escolher um pouco mais, mas nem tudo que a gente quer. Então, eu estou em uma fase agora que eu busco roupas de identidade única e muito exclusivas. Eu gostaria de comprar roupas que, vai, poucas pessoas a tivessem porque, dentro do meu trabalho, eu procuro surpreender as minhas seguidoras e a partir daí essa roupa se popularizar, mas eu quero ser a primeira a usar. Na moda plus size isso não existe, mas na moda regular você consegue fazer isso facilmente, as lojas imploram para as influenciadoras: “Por favor, use esse meu macacão, que eu inventei pela primeira vez”, mas na moda plus size isso não acontece. Então, a gente tem um crescimento, mas não da maneira que precisamos ainda, ordenadamente, como gostaríamos.
P/1 – E no seu trabalho como consultora de moda inclusiva, como é a sua rotina?
R – Bom, quando eu resolvi estudar e fazer moda inclusiva e entender e montar essa consultoria. A RD Negócios é uma consultoria de negócios, como se fosse uma aceleradora, ela é uma aceleradora de negócios. Então, você tem um negócio dentro da moda plus size, que já está em funcionamento e você precisa de apoio para escalá-lo, fazê-lo crescer, você vai me chamar e eu vou sentar com você, eu vou analisar o seu negócio, vou fazer uma análise de mercado e vou te entregar as mudanças que eu acredito que sejam necessárias e, se você ‘topar’, nós vamos trabalhar juntos. Então, eu vou estar dentro da sua empresa uma vez por semana, uma vez a cada quinze dias, onde eu vou propor as mudanças necessárias e capacitar os seus colaboradores para que eles façam essas mudanças, trabalhem e façam a ascensão. E essas mudanças são 360, desde a identificação do tipo de negócio, então essa roupa está adequada para você vender? Esse é um nicho de negócio que você quer estar? É um nicho de negócio, um segmento que você quer representar? Até o parque produtivo, então como eu produzo isso tecnicamente? Então, eu levo uma grade específica de modulação, onde eu desenvolvi uma grade própria de medidas, nós medimos mais de cinco mil mulheres e estabelecemos uma média para que as numerações tenham e representem, de verdade, a mulher real. Nós medimos essas mulheres em feiras, minhas seguidoras, enfim, contribuíram, para que a gente fizesse um estudo e tivesse essa gradação. E aí a gente traz essa gradação, a capacitação da modelagem, o que é ampliação real, porque hoje o que as universidades e os centros de estudos vendem como ampliação, de fato não é a ampliação necessária, que nós precisamos. Essa ampliação promove uma roupa que entre e não que vista bem. É uma roupa que me serve, mas não que me veste bem. Então, a gente capacita, para que essa roupa vista bem, para que essa pessoa entenda o público-alvo, para que ela entenda como ela vai vestir essa roupa nesse público, para que ela determine esse nicho. Depois a gente capacita a questão da venda, como vender, onde encontrar esse consumidor que vai comprar e os funis de influência também. Então, que influenciadoras contratar, como contratar, o que é uma campanha de influência, o que é uma campanha de marketing, por exemplo, um ADS, como que eu faço, como eu não faço. Como que eu ‘toco’ as minhas redes sociais, o que é o orgânico, o que é o patrocinado. Então, é um trabalho 360. A gente também faz esse trabalho para você que quer, que não tem: “Eu produzo na moda regular e quero produzir para o plus size”, você vai me chamar e eu vou fazer o mesmo trabalho, ou você quer abrir um negócio do zero e a gente vai fazer. É óbvio que eu não faço isso só na moda plus size, eu também faço na moda regular, porque os meus clientes indicam, então eles falam: “Olha, tem essa pessoa aqui que faz isso, tal e tal e tal”. Me indicam, eu faço sim, não é algo para mim que é uma questão, porque acelerar negócios é algo que eu gosto muito de fazer, mas dentro do mercado plus size me dá um tesão a mais.
P/1 – O seu trabalho também envolve moda inclusiva no sentido de pessoas com deficiência?
R – Sim. Quando a gente desenvolveu, eu fiz minha especialização em moda inclusiva, a ideia é essa e toda vez que eu levo uma proposta para um empreendedor eu sempre levo a questão da inclusão 360. É obvio que essa decisão cabe a quem vai produzir, não cabe a mim e essa é a ‘dor’ do meu negócio: eu tenho uma expertise gigantesca, mas a decisão do que vai ser feito é de quem me contrata. (risos) É uma ‘dor’, infelizmente, porque se eu pudesse eu atenderia a todos, mas a gente traz essa questão também com relação a inclusão. Corpos diferentes não incluem só o tamanho de gordura. Existem também pessoas que não têm um membro, que não têm uma perna ou que tenham algumas adversidades, a estatura e outras questões que, dentro da moda inclusiva, permeiam o nosso universo e que a gente tenta adaptar essa moda, para que ela seja o máximo inclusiva possível.
P/1 – Pensando em toda a sua carreira, tem algum momento importante, inesquecível, para você?
R – Meu Deus, tem tantos! Eu tenho trabalhado isso com a minha psicóloga, porque ela fala assim para mim: “Está na hora da gente ‘curtir’ o percurso”. Eu tenho um objetivo lá na frente, então eu vou e aí, pra mim, enquanto eu não chego eu não estou satisfeita, não estou legal. Daí ela fala assim para mim: “Você precisa olhar para os lados, porque o percurso está bem legal, o que você está construindo está muito incrível” e que não é um privilégio só meu, é um privilégio de todos nós, é que a gente não para mesmo para olhar para os lados, essa é a verdade. Então, hoje eu tenho olhado mais para os lados, para identificar esses momentos, mas falando em carreira eu acho que, quando eu larguei tudo e voltei a estudar eu sentia medo todo dia e na época eu tinha tanto medo, eu não sabia se ia dar certo, que eu não tinha tempo para ‘curtir’ aquilo, mas hoje, analisando esse momento, foi um momento muito incrível. Quem é que tem uma carreira estabelecida, é empregada em uma empresa, CLT, com o seu salário todo dia e falar assim: “Eu vou largar e eu vou fazer um negócio que eu ainda não sei direito se vai dar certo”, com quarenta anos, com filho para criar, faculdade para pagar?” Esse foi um momento muito marcante, caramba! Eu larguei tudo, eu fiz tudo do zero. Eu adoro lembrar desse momento que, na época, eu chorei muito, mas agora (risos) o choro é outro, de emoção. Eu acho que eu gosto de lembrar quando as minhas seguidoras se reconhecem em mim, então quando elas me encontram em algum lugar, que elas me dão ‘aquele abraço’ e que elas (choro) me agradecem por algo que nem eu sabia que eu tinha feito por elas e me falam com aquele amor nos olhos, chorando, que eu mudei a vida delas, de alguma forma, esse não era o meu objetivo, mudar a vida delas. Não, era só trazer informações, (choro) mas com essa informação que, para mim era só uma informação, para elas é algo que muda, que transforma. (choro) Então, quando elas falam isso para mim eu vivo esses momentos grandiosos toda vez que isso acontece, eu vivo isso grandiosamente, isso é um dos grandes momentos da minha carreira. Eu acho que também, quando o Fantástico me ligou e quis retratar um pouco da minha história foi um lugar de reconhecimento para mim, muito importante. O dia da minha verificação foi muito importante, porque como mulher preta e gorda, o índice de verificações nas redes sociais é muito menor, então foi uma luta muito grande para chegar nesse lugar, (choro) então foi um dia muito feliz para mim. Meu Deus, tem tantos dias! Filho, me ajuda a lembrar algum.
R/2 – Xuxa.
R – Ah, meu Deus, o dia que eu conheci a Xuxa! O meu trabalho me levou nesse lugar, para conhecer a Xuxa, para sentar com ela, para dizer para ela que a diversidade corporal é uma ‘bandeira’ e para trazê-la como uma mulher aliada, então eu fiquei muito feliz com isso. Sabe aquela Dani pequenininha assim, que brincava de Barbie e que assistia televisão? Eu falava: “Gente, que ‘massa’ isso!” Ficou muito realizada nesse dia, foi incrível, incrível, incrível. E hoje está acontecendo isso: eu estou em uma fase da minha carreira onde eu consigo chamar de amigos muitas pessoas que eu era fã e consigo trabalhar com essas pessoas, então é muito surreal você ter um fã, um ídolo a vida toda e quando você chega num patamar de carreira, essa pessoa chegar até você e falar: “ ‘Cara’, eu sou fã do seu trabalho”. Isso é ‘foda’. Eu preciso falar palavrão. Então, esses lugares, para mim, são muito caros, muito especiais.
P/1 – Você tem alguma história com alguma seguidora específica?
R – Nossa, eu tenho várias, eu tenho histórias ruins e boas. Tenho uma história ruim, de já ter sido assediada e de um seguidor ter se feito... ele passou por um fornecedor, né, filho? Ele se passou por alguém que produzia roupas, para conseguir meu endereço e vir até aqui na minha casa, para me assediar, aqui na porta dessa casa aqui, onde a gente está gravando, já aconteceu. Não é agradável e então eu acho que eu gostaria de falar sobre isso, porque eu acho que as pessoas não têm ideia de onde esse trabalho vai, chega em alguns lugares que são perigosos. Então, isso já aconteceu, mas eu tenho histórias incríveis com seguidoras, que viraram minhas amigas. As minhas seguidoras, por exemplo, eu tenho uma que escolheu o nome do meu fã-clube, da minha fã-base, digamos assim. Eu queria dar um nome para as minhas seguidoras, não queria só que elas chamassem seguidoras e aí uma delas escolheu, várias delas escolheram os nomes, eu também escolhi vários e colocamos para a votação, mas o nome que uma seguidora escolheu foi escolhido por elas, então eu fico muito feliz de um seguidora minha ter escolhido o nome que elas gostariam de ser identificadas, para que a gente se encontrasse. Então, essa história também é muito legal.
P/2 – Qual é o nome?
R – Dani Lovers. A gente tinha várias opções: Rudzetes... o que mais que tinha, filho? Tinham vários e elas escolheram Dani Lovers. Então, elas são as minhas danilovers, muito incríveis e ela escolheu esse nome e isso é dela, mérito dela, inclusive ela foi me assistir agora, na São Paulo Fashion Week, que eu desfilei e pude agradecê-la de perto por isso, sabe, então foi muito legal. Desfilar na São Paulo Fashion Week também é um lugar, (risos) acho que falando da pergunta anterior...
P/1 – Como foi isso?
R – Nossa, foi surreal. Eu não tenho palavras. ‘Manja’ aqueles momentos de vida que tiram sua alma do corpo? Pois tá, foi um desses. Então, primeiro momento que ‘tirou a minha alma do corpo’ foi a minha formatura da oitava série, foi a minha primeira formatura, ‘tirou a minha alma do corpo’ ali, eu pude ser uma mulher de destaque, porque eu nunca fui a mulher na lista das mais bonitas, eu nunca fui a mais bonita da sala, a escolhida, a tirada para dançar, a desejada. Eu sempre fui a ‘mina’ que arranjava as minhas amigas brancas para os ‘carinhas’. Então, nesse lugar eu tive um destaque, então ‘tirou a minha alma do corpo’, eu recebi aplausos, eu estava lá, a minha família estava lá, então foi um lugar muito incrível. Pronto, a minha formatura da faculdade foi esse outro lugar, a minha família estava toda lá e a minha família preta estava lá. Era a única, eu fui a única mulher preta da minha sala. (choro) E ela estava toda lá, em duas fileiras de 35 lugares de gente preta, só para me aplaudir. Isso ‘tirou a minha alma do corpo’, sabe, (choro) porque hoje isso é comum, mas isso não era comum (choro) e que bom que hoje é. (choro). Então, esse é um lugar que me ‘tirou a alma do corpo’. O dia que eu me casei me ‘tirou a minha alma do corpo’, foi um dia muito feliz, as nossas famílias estavam lá e foi um dia incrível. O dia que o meu filho nasceu ‘tirou a minha alma do corpo’ mil vezes, porque é um transe que eu não tenho como explicar em palavras, foi um dos dias mais felizes da minha vida. Depois, o dia do divórcio ‘tirou a minha almo do corpo’ também e eu não posso dizer, classificar isso como momentos ruins, porque foi muito bom quando eu me casei e também foi muito bom quando eu me separei. E aí, quando eu desfilei na São Paulo Fashion Week. Você percebe que pá, nossa, quantos momentos incríveis! E a São Paulo Fashion Week é isso, ‘tirou a minha alma do corpo’, foi um lugar e é um lugar onde, nos bastidores, eu pude perceber que o meu corpo não é bem-vindo, o tom da minha pele já não é mais tão exclusivo naquele lugar, mas o meu corpo é. Os espaços físicos não foram feitos para receber pessoas como eu. Então, foi algo muito muito, muito, muito grande para aquele espaço, para a minha comunidade, para o meu trabalho, pras pessoas que estão comigo, foi uma energia surreal e ao mesmo tempo que ele não é tão acolhedor para corpos como o meu, mesmo assim foi a edição que bateu recordes de corpos diversos, ele é um lugar extremamente profissional, num respeito e em um profissionalismo gigantesco, que me recebeu de uma maneira que eu não esperava. Então, foi muito surreal. Eu vivi um momento inesquecível, eu tive uma crise de ansiedade antes de entrar no ensaio, gigantesca, porque eu acho que ali que ‘caiu a minha ficha’ de eu entender a grandiosidade daquele momento e o tamanho da representatividade que eu estava levando ali. Até escutei de um amigo meu assim: “Você precisa entender que você não está carregando só a ‘bandeira’, ‘curte’ um pouco, esse momento é seu também”, mas a bandeira foi muito mais forte, eu não entrei naquela passarela sozinha, (choro) eu entrei com pelo menos duzentas mil mulheres que me seguem e que acreditam no que eu digo e no meu trabalho, para que elas possam ser e pertencer, para que as filhas delas possam pertencer a partir de agora, entende? (choro) Então, foi muito forte, eu me senti empurrada, eu não estava sozinha ali. E quando eu entrei e recebi aquela enxurrada de aplausos, dessas mulheres mesmo, (choro) foi sentir a força delas e da minha ancestralidade ali, comigo, sabe? (choro) Então, além da ocupação, foi muito especial para minha comunidade esse lugar, sabe? Muito especial. (choro)
P/1 – Que lindo isso! E o que você sonha para o futuro?
R – Nossa, eu sonho tanta coisa para o futuro! Eu sonho grande, eu sonho alto. Eu quero ver mulheres gordas executivas das empresas, tomando decisões. Eu quero ver essas mulheres negociando influenciadoras de marketing. Eu quero ver essas mulheres nas campanhas de publicidade, na televisão, decidindo quais serão os castings e escolhendo castings diversos como elas. Eu quero novelas com corpos totalmente diversos, não como cotas. Eu quero campanhas de beleza que valorizem as belezas reais e não as belezas padronizadas, de verdade. Eu quero, de verdade, sentar e assistir isso. Eu quero assistir filmes que não caricaturem e não deixem essa mulher gorda ou esse corpo gordo como uma caricatura ou como uma pessoa engraçada ou como o personagem Kikin, que só veio aqui pra chutar a bola para o papel principal chutar. Eu quero ver protagonismo preto e gordo, eu quero ver protagonismo diverso. Eu não estou dizendo que eu estou fazendo militância ou apologia a favor da gordura, mas eu só quero ver quem eu vejo aqui na sala: pessoas com corpos completamente diversos partilhando, conversando, vivendo em um restaurante, no ônibus, no metrô, no shopping. Eu quero ver essa vida real nas publicidades, nas campanhas, nos pontos de ônibus, na TV. Eu quero de verdade, então, esses mesmos corpos diversos e essa mesma inclusão como pessoas decisórias nas empresas. Eu quero que a moda seja de verdade, uma moda 80% inclusiva, em dez anos, porque a gente precisa, porque se a gente for demorar para dar os passos que nós demos em mais oito anos eu vou morrer sem ver a mudança que eu quero acontecer, então eu quero, em dez anos, que a moda seja 80% inclusiva. Eu quero que, em dez anos, a gente tenha uma influência gentil, responsável e acolhedora e não exclusiva nas redes sociais. Eu quero que, em dez anos, a gente tenha carros melhores para sentar e se acomodar; que a gente tenha banheiros públicos que a gente possa, de fato, frequentar e fazer xixi de verdade; eu quero poder sentar em uma poltrona de avião sem ter medo se o cinto vai me caber; eu quero que os apartamentos que sejam construídos sejam construídos, mesmo os populares, em torno de um designer universal, entendendo de quem vai morar ali precisa caber naquele banheiro, naquela cozinha. Ah, eu quero tanta coisa! Eu acho que eu quero um mundo justo, para todas as pessoas que foram ‘apagadas’ e invisibilizadas. E aqui obviamente que eu trouxe a minha ‘bandeira’, como mulher preta, como mulher gorda e como mãe solo, mas eu quero isso para as pessoas de origem indígena, eu quero isso para gays, lésbicas e para toda a comunidade LGBTQIAPN+, para pessoas com deficiência, para pessoas pobres, para todas as pessoas que foram tidas como minoria e que não são minoria de fato e que estão invisibilizadas pelo sistema. Eu acho que eu quero justiça.
P/1 – Você falou bastante do seu filho no meio da entrevista. Como é que você descobriu que estava grávida dele?
R – Eu tentei muito engravidar, durante um ano e não conseguia, engraçado que eu sempre fui aquela mulher que dizia: “Não, eu não vou ser mãe, eu não vim nesse mundo para ser mãe, eu sou super workaholic e eu só vou trabalhar e tarará, tarará, tarará” e eu me casei, estava tudo lindo, eu estava com cinco anos de casada e aí o meu ‘relógio biológico deu um salto’, ele simplesmente ‘apertou um botão’ e disse assim: “É agora, você precisa ser mãe!” É como eu digo: foi um chamado. Se não foi o relógio biológico, foi muito espiritual, porque “você tem que ser mãe, você tem que ser mãe, você tem que ser mãe”. E hoje, talvez, aqui pensando, com você, tenha sido mesmo espiritual, porque três anos depois que eu tive o meu filho, o meu pai faleceu e ele tinha um sonho de ser avô, então vê-lo ser um avô, nossa, foi lindo, foi uma das melhores coisas que eu já vivi. Então, eu acho que talvez tenha sido esse momento, onde alguém me disse: “Vamos lá? Acho que está na hora”. Então, eu tentei durante um ano e não consegui engravidar e aí eu decidi fazer uma inseminação artificial, a minha médica avaliou todas as possibilidades e falou: “Olha, como a gente já tentou alguns recursos, a gente vai partir então para tentar fazer uma inseminação artificial ou a gente fazer uma... como fala? Injeção de hormônios, algo que faça uma alteração hormonal e propicie que você engravide, mas a gente vai ter que começar a fazer um tratamento. O que vai ser exatamente a gente não sabe, pode ser uma FIV [Fertilização In Vitro], mas nós vamos ter que fazer esse tratamento mesmo. Agora a gente já esgotou as nossas possibilidades com métodos naturais”. Aí eu falei para ela: “Tudo bem, então vamos, vamos fazer”. Aí ela falou: “Olha, você vai fazer todos esses exames e volta em trinta dias para a gente poder dar início, eu vou te explicar todos os métodos disponíveis e você vai escolher o caminho que a gente vai percorrer”. Eu falei para ela: “Tudo bem”. Fiz todos os exames e marquei em trinta dias, mas engravidei quinze dias depois. (risos) Eu acho que eu estava tensa, não sei, sei lá, mas eu engravidei quinze dias depois e eu soube que eu estava grávida no dia que eu fiz esse filho. Você vai falar: “Você está ‘maluca’”, eu estou ‘maluca’. No dia que eu fiz esse filho, eu falei: “Eu estou grávida”. E as minhas amigas, principalmente a milha irmã, falava: “Você está ‘pirada’, né? Você está ‘pirando’”. Porque você não cria essa expectativa, porque um ano tentando, toda menstruação era uma tristeza, um ‘luto’ e a menstruação, quando você começa a tentar, que você é uma ‘tentante’, se torna pública, então sua família inteira fica esperando o dia da menstruação. Você fala: “Gente, eu menstruei” “Ahhhhhhhh”. Eu vivi doze vezes isso, muito triste e aí ela falava assim para mim: “Não faz assim porque, se você não engravidar, vai ser de novo uma frustração. Espera, relaxa, tira esse ‘peso’”, daí eu falava para ela: “Não tem ‘peso’, eu estou grávida, você não está entendendo, eu estou grávida”. E aí eu trabalhava no Fleury e aí com quinze dias de grávida você não tem nem atraso de menstruação, então geralmente os métodos de exames disponíveis não vão atestar a sua gravidez, mas lá a gente estava em teste de um método diagnóstico que fazia o diagnóstico precoce da gravidez e aí eu falei para o meu médico e ele falou: “Ué, vamos fazer” e aí eu fiz antes mesmo de atrasar a menstruação e aí a minha irmã falou: “Você vai fazer mesmo?” “Vou fazer” “Então eu vou com você”. Aí eu fui trabalhar naquele dia, vim para casa, eu trabalhava no Centro da cidade, então eu ia de metrô, peguei o meu carro, fui para a Avenida Paulista, ela foi comigo, me encontrar lá e aí a unidade estava fechando, mas eles me receberam, eu era funcionária, eu fiz o exame e eles falaram: “Espera, que a gente te dá o resultado agora” e aí eu falei: “Está bom”. Aí eu fiz, como eu sou biomédica e trabalhava lá, eles sempre me chamavam: “Doutora, doutora, doutora” e aí, como todos sabiam que eu estava lá a unidade meio que fechou e os colaboradores ficaram ali, esperando, para viver esse momento ali comigo e eles ficaram lá mais para me acolher do que para comemorar, porque como eu tinha tentado e tinha me frustrado tantas vezes: “Ai, ela vai ficar triste, a gente vai ficar aqui com você, doutora” e todo mundo para me dar um apoio e eu falava: “Gente, relaxa, eu estou grávida, vocês não estão entendendo, eu estou grávida”. Aí um médico amigo meu, o Humberto, fez o teste e falou: “Eu vou fazer o exame, eu que vou fazer”. Aí ele foi lá e fez, tipo quarenta minutos ele voltou, aí ele falou: “Você quer abrir o envelope ou você quer que eu fale?” E aí fez uma roda, assim, em volta de mim e eu falei: “Eu quero que você fale”, aí ele falou: “Você está grávida mesmo”. E aí eu chorei, choramos, rimos, comemoramos, gritamos e aí eu corri no Shopping Paulista, que estava fechando, eu queria bexiga, alguma coisa bagunçada e eu não encontrei uma loja, nada aberta, só que eu encontrei uma loja que era de brinquedo, PB Kids e a loja estava decorada com bexigas, eu contei pro ‘cara’: “Olha o que aconteceu, foi assim, essa é a minha história, eu estou tentando há um ano”, ele falou: “Leva todas as minhas bexigas”. (risos) Peguei as bexigas dele e vim para essa casa, que os meus pais moravam aqui, nesse exato quarto onde nós estamos, meu pai deitado aqui, a minha mãe deitada aqui, a cama deles ficava aqui e eu sentei nessa pontinha e joguei as bexigas para o ar e disse para eles: “É hoje, conseguimos” e aí veio essa coisa linda que me completa, que eu tenho certeza que é uma alma gêmea par que eu escolhi durante as minhas vidas, para traçar esse caminho comigo, porque ele é um ‘cara’ feminista, consciente, justo, sabe o seu lugar, compreensivo, briga pelas minorias, entende o que isso significa, entende a minha luta, respeita, tem as suas próprias, lutas as suas lutas, mas luta as minhas junto e me coloca no centro, mudou a minha vida, me ensina todo dia, caminha de mão dada, transformou a minha vida em um lugar onde eu não podia imaginar, porque eu acho que, de todos os meus papéis, o meu melhor e maior papel nessa vida é ser mãe desse ‘cara’, porque quando ele era menor essa maternidade era muito minha e agora que ele é maior eu entendo que essa maternidade é muito do mundo, eu criei esse ‘cara’ para o mundo e ele é um ‘cara’ que vai espalhar coisas lindas nesse mundo e que eu tenho certeza que ele vai dar continuidade ao meu legado e que eu não estou colocando aqui a pressão do meu legado, do meu trabalho, mas sim do meu legado como vida, do que eu respeito, do que eu acredito, do que a gente acredita, para a gente ter uma vida melhor, ter condições mais igualitárias para as pessoas e que ele vai fazer a diferença. Eu o amo com todas as forças do mundo, para essa vida inteira e para todas as outras que eu vou viver com ele, eu tenho certeza. (choro) Te amo! (risos) “Olha o que você faz com a mãe!” Eu chorei sete vezes, acho, já. (risos) Essa hora eu sabia que eu ia chorar. (risos)
P/1 – Voltando agora um pouco do trabalho também, na época da pandemia como ficou sua vida pessoal e o seu trabalho?
R – Ficou uma bagunça, uma bagunça mesmo. Primeiro que a gente se fechou e eu não acreditava que a gente ia se fechar nesse tanto, eu já tinha sido avisada que isso ia acontecer, porque como eu trabalhei muito tempo na área da saúde, amigos meus me ligaram, eu estava de férias em janeiro e eles já vinham falando desde agosto do ano anterior que isso talvez acontecesse, para você entender que a ciência já estava tentando avisar os órgãos políticos, enfim, e ninguém levou fé, nem eu levei, que meus amigos me avisaram em agosto e eu falei: “Gente, o que está acontecendo?” Aí em janeiro eles me ligaram de novo e falaram: “Dani, vai ter que fechar tudo. A gente vai entrar em pandemia e, se não declararem, você se resguarda, porque a gente vai entrar em um lugar crítico” e aí eu falei: “Meu Deus, sério?” E aí eu já sabia que ia acontecer, mas eu ainda não estava botando aquela fé e aí, enfim, quando aconteceu, eu falei: “Agora é definitivo, vem pra valer”. Eu fiquei trancada aqui: eu, o meu filho, minha irmã e a minha avó, e nesse momento eu vi muitos empreendedores e, principalmente os autorais, entrarem em momento de desespero, foi quando eu cedi mentorias gratuitas do meu trabalho para todos eles, pra contribuir, porque eu entendo que eu realmente tinha um momento de vida onde eu conseguia comer, onde eu conseguia viver, onde eu conseguia pagar as minhas contas, mas essas pessoas não estavam conseguindo, então eu doei parte do meu tempo para mentorias gratuitas, para que essas pessoas pudessem reestabelecer o rumo dos seus próprios negócios e aí, pessoalmente falando, eu fiquei muito empenhada em trabalhar, então eu trabalhei muito mais na pandemia do que fora dela e infelizmente eu entendo que o meu trabalho enquanto consultora e aceleradora precisa ser aplicado em uma hora boa e confortável, mas infelizmente o brasileiro entende que a consultoria é só quando ele está em uma situação difícil. Então, muita gente me procurou, eu trabalhei muito, mas muito mesmo, mas foi um período muito difícil, porque foi para salvar muitos negócios e isso é triste, muito triste, porque independe de qualquer trabalho que eu faça de consultoria, ou que mesmo esse empresário faça. A gente depende de condições adversas da economia, da vida, do futuro, enfim e foi muito triste, mas um lado positivo que foi: a minha vida pessoal ficou completamente voltada para trabalhar, então eu estudei muito nessa época, estudando grandes crises eu entrei em um estado de ânimo enorme, porque eu pensei: “Caramba, quando a gente voltar dessa pandemia, a gente vai entrar em uma grande crise mundial, econômica, isso é fato e, quando a gente entrar nessa crise mundial econômica, vai acontecer que o mercado vai precisar buscar novos públicos, seja ele da indústria, seja ele do varejo, seja ele de onde for, novos públicos para comprar, porque muita gente vai estar falida, a ‘dança das cadeiras’ vai acontecer e muita gente vai perder o seu lugar. É óbvio que tem muita gente rica que vai enriquecer mais, mas tem muita gente que vai mudar de cadeira, eles vão perder clientes, mas vão ganhar outros e, na busca por novos clientes, a moda plus size é uma aposta certeira, é óbvio. Eu preciso buscar outros públicos. Se você for pensar, raciocina comigo: hoje a gente está falando de 62% da população acima do peso e hoje a gente está falando que 97% da indústria da moda faz roupas apenas para os outros quarenta e tantos por cento que estão dentro do tal padrão, como eles dizem. Se eles entenderem que essa população que também ganhou peso na pandemia precisa vestir e que eles são um público a ser explorado, ‘bingo’! Eu investi na moda plus size e acabaram os nossos problemas. Não é uma conta óbvia?” Eu também achava e não foi assim que aconteceu. (risos) Infelizmente o preconceito falou mais alto e eles continuaram investindo em lugares que lhes dão pouco lucro e muito hype, ao invés de entender um lugar de muito lucro com respeito e inclusão, então essas ‘bandeiras’, infelizmente, são muito superficiais, porque nenhuma conta matemática hoje, óbvia, econômica, é suficiente para mover alguns interesses de poder.
P/1 – Triste, né?
R – É. Então, a pandemia passou desse jeito e agora a gente está aí, enfrentando essas consequências da pandemia, que é: muitos negócios fechando, ainda, muita matéria-prima faltando, muita coisa ainda por fazer, muita gente desempregada, muita gente ainda trabalhando em situação informal e infelizmente ainda os negócios relacionados à questão social, política, econômica, inclusiva são muito de ‘fachada’, infelizmente.
P/1 – A gente está indo agora para a finalização da entrevista e eu queria te perguntar: além do trabalho - o trabalho parece fazer muito parte da sua vida - você tem algum hobby, alguma coisa que você gosta de fazer?
R – Eu amo dançar, eu adoro dançar, é algo que eu gosto e faço muito, inclusive eu fazia isso profissionalmente, mas parei por conta de inúmeras situações de preconceito, mas eu quero voltar. Eu amo ler, adoro ler, eu adoro sair com os meus amigos e trazê-los para a minha casa, então isso é uma extensão do meu trabalho, porque network não para nunca, (risos) mas eu adoro sair com os meus amigos, sair para comer e descobrir um restaurante novo, descobrir um lugar novo, um bar novo, trazer aqui para casa mesa farta, mesa posta, isso eu amo. Gosto muito de viajar de fato, mesmo, eu parei um pouco por conta da pandemia, mas pretendo voltar o ano que vem, eu quero fazer isso, retomar, que eu adoro fazer, adoro conhecer lugares novos e eu faço muitas viagens perto, então eu gosto muito: “Ah, vamos descobrir uma cidadezinha que tem a uma hora e meia daqui” são coisas que eu adoro fazer. Então, ir lá descobrir a gastronomia, as pessoas, habitantes, tal, meio que enlouquecida por isso. Falei ler, já, que eu gosto de ler e acho que é isso, né, filho? Mais isso mesmo. Gosto de um teatro, espetáculos de teatro, não gosto muito de cinema. Agora, é verdade, meu filho me lembrou: eu estou agora ‘marombeira’, agora eu estou malhando, que agora virou um hobby, o negócio não para. Nunca gostei de fazer musculação, sempre gostei de fazer dança, exercício aeróbico, que é a ‘minha praia’ mas aí eu descobri a musculação, por uma necessidade, um tratamento médico que eu comecei a fazer e aí a minha médica me receitou e eu protelei o quanto eu pude, mas aí, quando eu comecei, eu não quis mais parar, então eu estou bem ‘marombeirinha’ agora. Bem. (risos)
P/1 – E quais são as coisas mais importantes para você hoje, Dani, como pessoa?
R – Primeiro o meu filho e a formação dele é muito importante para mim, tanto como cidadão, como futuro. Então, eu estou preocupada, hoje, com a formação dele, a universidade, esse processo de largar pro mundo o filho, estou nesse momento, de que eu estou segurando-o só por um fiozinho. (risos) Vai chegar a hora que ele vai. Então, eu já estou preocupada com isso, como o mundo vai recebê-lo e como vai ser isso para ele, então isso é uma preocupação que permeia todos os meus dias e também estou internamente, avesso a isso, tratando esse meu ‘ninho vazio’. Então, eu estou tendo tempo agora de olhar um pouco para mim, tratar esse meu ‘ninho vazio’. É óbvio que eu sinto a dor do ‘ninho vazio’, mas eu sinto mais o privilégio de mais racializada, mais consciente, sabendo quem é o meu inimigo e contra quem eu estou lutando olhar para mim, para os meus desejos pessoais, para o que eu realmente quero fazer, então a gente volta aqui naquele lugar que eu fiz uma universidade que talvez não fosse exatamente o que eu quisesse, então eu estou voltando agora para os desejos e para o que eu quero fazer: eu quero morar nessa casa? Eu quero vestir essas roupas? Eu quero ter esses amigos? Eu quero fazer essa viagem, de fato? Eu quero comer essa comida? Então, eu estou olhando mais para os meus desejos internos, sem eu ceder ao racismo, à gordofobia, à pressão estética, entendendo as minhas escolhas pessoais, não profissionais, pessoais mesmo, pra poder viver, com menos pressão, com mais propósito, com o que faz sentido e que me preenche, então eu estou voltada para esse ‘cara’ que está indo embora e para essa mulher que está ficando, para se redescobrir.
P/1 – E quais são os seus maiores sonhos?
R – Por incrível que pareça o que eu vou te falar é um sonho muito comum entre mulheres pretas: eu quero conforto financeiro, eu quero estabilidade e conforto financeiro, porque o conforto e a estabilidade financeira vão me propiciar a fazer coisas que eu não pude enquanto mais nova, porque eu não tive escolhas, então eu acho que esse é o meu maior sonho agora, para realizar os meus desejos pessoais, mas profissionalmente falando e voltando nesse lugar, para continuar financiando esses momentos impagáveis, para essas mulheres incríveis, que me cerceiam, porque esse conforto financeiro vai me dar o lugar que eu preciso para continuar ‘abrindo portas’.
P/1 – E qual que você acha que vai ser o seu legado para as próximas gerações?
R – Olha, eu gostaria muito que o meu legado fosse a mulher que estabeleceu algo de valor para a moda plus size brasileira e que contribuiu de fato para a mudança do momento da moda plus size, desde a industrialização, até os dias de hoje. Então, eu gostaria que esse fosse o meu legado, mas por enquanto o que eu tenho visto é que o meu legado é de transformação. Enquanto eu penso na indústria, então eu estou aqui falando que eu gostaria de transformar a indústria, de fincar o meu nome nesse lugar, porque fazendo isso eu acho que eu ‘abro mais portas’, por outro lado o que eu causo de verdade, o efeito real que é mesmo, que eu escuto todos os dias, é a mudança para melhor na vida de mulheres oprimidas, que é a libertação, transformação e libertação de mulheres oprimidas. Acho que essa é a realidade desse sonho gigante. O que eu realizo mesmo, de fato, é isso.
P/1 – Tem alguma coisa que você gostaria de comentar, que eu não perguntei?
R – Nossa, a gente falou tanta coisa! Será? Vocês querem perguntar alguma coisa?
P/1 - Fiquem à vontade.
R – E aí, filho, nada? Você acha que eu deveria falar alguma coisa? Nossa, nós falamos tanta coisa boa! Acho que não, acho que falamos da minha infância...
R/2 – Como você, em algum momento, pensou em desistir, para falar para o pessoal que vai ver esse vídeo para aguentar um pouquinho ‘as pontas’.
R – Ah, é verdade. Nossa! Nossa! Nossa! Nossa! Já estou até chorando, porque ele me viu querer desistir várias vezes, eu quis desistir várias vezes, enquanto [estava] dentro do mercado corporativo. Eu não sabia o que estava acontecendo, eu atribuía a mim essa responsabilidade e falava: “Eu vou desistir”. E quando eu comecei a empreender, existem altos e baixos, empreender não é fácil, empreender é um ‘carrossel’: um dia você está aqui e no outro dia você está aqui, outro dia você está aqui, no outro dia você está aqui, então não é fácil. E então eu quis desistir várias vezes e eu já desisti. Dessa porta do meu quarto pra dentro eu já desisti várias vezes. (risos) E eu falava para mim mesma: “Eu não vou, agora eu não vou mais, agora eu vou desistir, de fato”, mas a minha família não me deixou desistir e muitas vezes a minha família... aliás, todas essas que eu quis desistir a minha família acreditou mais em mim do que eu mesma, mais no que eu posso realizar e na força do que eu trago comigo, e muitas vezes foi por eles que eu não desisti, não por mim mesma, mas eu agradeço, porque não desistir fez toda a diferença para que eu chegasse onde eu cheguei hoje. Então, se você aí, que está aí ‘desse lado’, um dia doer, porque vai doer pra caramba, você pensar: “Eu vou desistir” aguenta mais um pouquinho, só mais um pouquinho, se acerca dos seus, pede ajuda, corre pra sua rede de apoio, não desiste não, que vale a pena pensar em você, vale a pena plantar, vale a pena deixar um legado, vale a pena pensar no outro, vale a pena pensar pelo coletivo, vale a pena ser pelo outro também, sabe, vale a pena construir algo, vale a pena ouvir de alguém: “Muito obrigada pelo que você fez por mim”. Eu acho que esse é o sentido da vida. Então, não desiste não, vai em frente”. Acho que é isso. (choro)
P/1 – Como foi contar um pouco da sua história para a gente?
R – Meu Deus do céu, foi muito emocionante! Eu não pensava que eu ia me emocionar tanto desse jeito. Eu falei: “Ah, vou contar a minha história e vai ser tranquilão”, mas foi incrível, muito emocionante, foi uma ‘viagem no tempo’, a certeza de que tudo teve um porquê para eu chegar até aqui. É como se hoje eu pudesse olhar para trás e entender, não justificar e nem fazer doer menos, mas entender todo o tipo de preconceito que eu sofri, de porta fechada que eu sofri, perseguição em loja de departamento, presa em porta de banco, por conta de preconceito, estigmatizada, diminuída por muitas pessoas. Então, foi olhar para trás e entender, porque quando você passa por isso você se pergunta: “Por que comigo? Por que está acontecendo comigo? Por que eu, por quê? E acho que hoje eu consigo entender por quê. Eu precisava só sentir, pra poder elaborar, entender e brigar por essas mulheres também, por mim, pelas próximas gerações, pelas minhas netas e bisnetas e ter a oportunidade de viver tudo isso e poder transformar isso em ação para um futuro, para deixar legado, poxa, que missão incrível! Acho que foi uma das melhores que Ele pôde me dar, eu estou muito grata. (choro)
P/1 – Ai, que bom! A gente agradece muito pela sua entrevista, foi maravilhosa.
R – Gente, eu espero que a minha emoção não tenha atrapalhado toda essa filmagem aí e as entrevistas, porque eu fiquei muito emocionada mesmo. Obrigada!
P/1 – Não, ficou ótima! Obrigada, mesmo.
R – Que bom que ficou bom! (risos)
P/2 – Obrigado.
R – Obrigada você.
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