Entrevista de Fernanda Simon Camilo
Entrevistada por Luiza Gallo e Grazielle Pellicel
São Paulo, 29/05/2023
Projeto: Vidas em Costura: Moda, Legado e Empreendedorismo
Entrevista número: VDC_HV001
Transcrito por Selma Paiva
Revisado por Luiza Gallo
P/1 - Primeiro eu quero te agradecer por estar a...Continuar leitura
Entrevista de Fernanda Simon Camilo
Entrevistada por Luiza Gallo e Grazielle Pellicel
São Paulo, 29/05/2023
Projeto: Vidas em Costura: Moda, Legado e Empreendedorismo
Entrevista número: VDC_HV001
Transcrito por Selma Paiva
Revisado por Luiza Gallo
P/1 - Primeiro eu quero te agradecer por estar aqui com a gente, no Museu, por ter ‘topado’ participar, dividir um pouquinho da sua história e, para começar, eu gostaria que você se apresentasse, dizendo seu nome completo, a data e o local de nascimento.
R - Assim, é para apresentar só para registro, né? Então é Fernanda Simon Camilo, sete de maio de 1987, nasci em São Paulo.
P/1 - E te contaram como foi o dia do seu nascimento?
R – Olha, eu sei que, quando eu nasci, estava frio e era maio, então começo de maio, frio e é isso, eu não sei muito sobre o dia do meu nascimento, não. (risos) Acho até que vou perguntar para a minha mãe. (risos)
P/1 - E o seu nome, tem alguma história por trás?
R - Bom, eles tinham uma listinha de nomes, minha mãe é devota do Santo Antônio e o nome do Santo Antônio era Fernando, antes dele se tornar... tem um processo da vida dele que ele passa a se chamar Antônio, mas o nome de batismo dele era Fernando, então foi em homenagem a Santo Antônio.
P/1 - E você sabe a origem da sua família?
R – Olha, eu desconheço totalmente a origem da minha família, desde o lado de pai, do lado de mãe, ninguém sabe. Do lado da mãe tem uma história que tem um bisavô que veio da França, mas é bem distante e só e do lado do meu pai também, meus avós também nunca se soube, eles eram do sítio, vêm do interior e eu não sei, acho que eu sou aquela brasileira mesmo, (risos) que foi se misturando de tudo e é isso: brasileira.
P/1 - E seus avós, você sabe onde eles nasceram?
R - Nasceram pelo interior do Brasil. Eu tenho os avós, a família do meu pai do Paraná, a família da minha mãe vem de Goiás e dos interiores do Brasil.
P/1 – Eles moraram a maior parte do tempo nessas regiões?
R - Meus avós?
P/1 – É.
R - Olha, meus avós, que eu saiba, por parte de pai sim, no Paraná, meu pai nasceu no Paraná e daí, quando o meu pai era criança, ele veio para São Paulo com os irmãos, minha avó faleceu quando ele era bem novo, daí meu vô veio com os filhos para São Paulo, e a minha mãe cresceu no interior de São Paulo, Tatuí e até hoje ela mora lá e ela e os irmãos cresceram por lá.
P/1 - E essa vinda do seu pai do Paraná, você sabe alguma história?
R – Ah, eu sei, eles eram muito pobres, minha avó tinha falecido, vários filhos, então meu vô veio muito sem estrutura mesmo, com muitos filhos, para tentar uma vida na cidade, meu pai não sabia ler até quase dezessete, dezoito anos, nem escrever, só foi ter estudo depois de muito mais velho mesmo, sempre teve que trabalhar muito, todos os meus tios tiveram que trabalhar bem jovem mesmo, até crianças. Eu sei que foi bem sofrida a vinda deles para São Paulo, adaptação, até eles conseguirem se estruturar um pouquinho, foi bem aos poucos.
P/1 - E você sabe como o seu pai e a sua mãe se conheceram?
R - Na faculdade, estudando. Enfim, eles são bem diferentes, (risos) eu nem sei muito como que isso foi acontecer, eles são bem diferentes, mas foi na faculdade.
P/1 - De quê?
R - Puts, (risos) aquelas assim: não sabe as coisas da família. (risos) Ai, eu não lembro, porque o meu pai fez… eu não sei exatamente, foi matemática e biologia, mas eu não lembro a ordem de quando eles se conheceram exatamente, em qual estava.
P/1 - E como é o jeito deles?
R - Olha, meus pais são bem diferentes, meu pai acabou que ele tem essa vida que ele veio do Paraná muito jovem, com muitos irmãos, uma vida que a gente sabe que foi bem difícil, acabou que ele entrou para a Polícia Militar e então tem também um pouco desse aspecto um pouco rígido até, enfim, que envolvem várias questões, e a minha mãe é uma pessoa da igreja, ela é católica, minha avó era muito católica, então tem uma família toda muito dessa linhagem católica mesmo. A minha mãe estudou Teologia, catequista, Vicentina, ela vem dessa linha religiosa, mais quietinha assim. Então, os meus pais são esses. O meu pai é ‘fofo’ também, gosta do sítio, ele cresceu e nasceu no sítio, a gente já teve vários momentos também, que eu também fui uma adolescente um pouco questionadora, um pouco rebelde, talvez, muito conectada com a arte e com tudo isso e o meu pai também, por ter vindo desse lugar mais militar também, que foi onde ele se desenvolveu profissionalmente, onde ele teve acesso ao estudo, se profissionalizou, também talvez ele não me entendia tanto ali, porque eu já vim em um outro momento, em uma outra geração, então a gente já teve, de vez em quando tem esses conflitos, mas também é uma relação que tem amor. Agora com a minha mãe já sempre foi mais suave, nesse lugar de entendimento, de conversa, de apoio.
P/1 - E você tem irmãos?
R - Eu tenho uma irmã, a Amanda, que é mais nova e hoje ela mora fora, ela estuda medicina, está terminando e ela estuda, mora fora, na Itália.
P/1 - Como foi a chegada dela na sua vida?
R - A Amanda… eu lembro que eu queria ter um irmão, uma irmã para brincar, que quando ela chegou pra mim, eu falei: “Nossa, mas ela vai demorar muito tempo (risos) para brincar comigo. É um bebê”. (risos) Não estava esperando um bebê. (risos) E daí então ela sempre foi ‘fofa’, peralta também, então eu lembro também que tinha vez que ela quebrava os meus brinquedos. (risos) Eu era meio chata, também. (risos) Irmã mais velha, que às vezes tipo ai, sei lá.
P/1 - Quantos anos você tinha, quando ela chegou?
R - Eu tinha… minha irmã chegou eu tinha três anos e meio, são quase quatro de diferença.
P/1 - E onde vocês moravam?
R - A gente foi criada na zona norte de São Paulo, na Vila Maria, então a gente morou na zona norte até a minha adolescência, eu vivi na zona norte, estudei por ali e a gente foi criado por ali.
P/1 - Que lembranças você tem do bairro?
R – Eu lembro que eu tinha várias amigas, ali, na rua. É um bairro bem simples. Enfim, não sei se chega a ser considerado um bairro periférico, mas talvez sim e tinha várias meninas ali, na rua, de diferentes, também, lugares, tinha histórias bem diferentes ali, que a gente convivia, juntas. A gente brincava bastante, eu lembro de brincar na rua.
P/1 – O que vocês brincavam?
R - De bambolê, queimada, de coisas na rua mesmo, ou brincava em casa também, de Barbie, de boneca. Na minha casa tinha quintal, assim. Minha casa eu acho que era a casa que a gente mais brincava.
P/1 - Ah, da vizinhança?
R - Que tinha quintal. Gente, fiquei emocionada.
P/1 – Mas é que a gente não está acostumado a lembrar tanto.
R - Terapia. Começa a lembrar da infância.
P/1 - Da vizinhança…
R – Sim. Então, eu morava na zona norte, era uma casa que tinha um quintal, a gente brincava lá com as vizinhas, tinham várias vizinhas, cada uma também com uma história, umas mais velhas e umas mais novas, então tenho boas lembranças de brincar ali, no quintal, com minha irmã e na rua também a gente brincava de queimada, bambolê, corda, mais, às vezes, dentro de casa do que na rua.
(10:31) P/1 - Você lembra de um dia muito marcante com as meninas, uma brincadeira, alguma história engraçada ou algum dia que deu algum problema?
R - Eu lembro da gente, uma vez que meus pais levaram a gente, todos, pra ir ao shopping, a gente foi comer no shopping, todo mundo junto. A gente fazia uns passeiozinhos que eram diferentes, mas de problemas eu não lembro muito.
P/1 – E como era a sua casa? Você dormia com a sua irmã, vocês tinham quartos separados, como era?
R - Eu e a minha irmã a gente dormia juntas, dividia um quarto, era uma casa meio antiga, também, que eu acho que ela foi construída meio improvisada, então ela tinha um formato meio... um quarto que dava em outro quarto, que tinha um corredor assim, meio diferente, muito simples, uma casa simples, mas tinha um quintal, um espaço grande fora, que era gostoso, então a gente ‘curtiu’ bem essa casa, esse quintal, depois a gente teve cachorro. (risos)
P/1 - E vocês tinham algum costume familiar, comemoravam, tinham alguma data muito significativa, que sua família...
R – Olha, como a família da minha mãe é do interior, a gente ia muito pro interior, para Tatuí. Hoje a minha mãe mora lá, então a minha avó, quando era viva, a gente ia visitar a minha avó, muito, nos finais de semana, vários finais de semana a gente ia para Tatuí, ficar na casa da minha avó. Aí hoje a casa da minha vó, gente, virou tipo uma loja. Eles derrubaram a casa e virou uma loja de box de vidro, (risos) uma construção horrorosa. (risos) Era uma casa ‘fofinha’ e daí tinha uma árvore na frente, que eles derrubaram a árvore, para colocar uma placa de metal (risos) na loja de box. (risos) Eu passo lá, eu falo: “Gente, (risos) as memórias da infância viraram (risos) loja de box de banheiro!” (risos)
P/1 - E com a sua avó, o que vocês gostavam de fazer juntas?
R - A minha avó, assim, eu era uma das netas, eu e a minha irmã éramos umas das netas mais novas, porque a gente tem vários primos bem mais velhos, então tanto a minha avó quanto o meu avô por parte de pai, a gente já conheceu, quando a gente era criança eles já eram mais velhos. Agora, a minha avó a gente pôde aproveitá-la um pouco mais, então era aquela coisa de vó, ela sempre fazia comida, tinha sobremesa, aquele acolhimento, assim, mas também ela já era mais senhora, a gente já teve esse momento com nossos avós deles mais velhos mesmo, mas a minha vozinha ficou mais tempo viva, a gente acompanhou mais. Agora os meus avós, meu avô por parte de pai e por parte de mãe já faleceram mais cedo e a minha avó por parte de pai também a gente não chegou a conhecer, porque ela faleceu quando o meu pai era criança.
P/1 - Você lembra de alguma de alguma recordação dos seus avôs?
R - Dos meus avós... na verdade os meus dois avós eu lembro mais até deles na cama, assim, já no processo final de vida, não lembro assim de conviver e conversar, é mais assim de lembrar deles já mais debilitados, nesse processo. Agora minha avó já lembro, a gente ia na casa dela, de comer juntas, de visitar, ficava na área, na casa dela tinha uma área e as minhas tias ficavam lá com ela, isso eu já lembro mais. (risos)
P/1 - Ela cozinhava?
R - Também nessa época já não, porque ela também já... é, de vez em quando fazia alguma coisa, acompanhava ali, mas ela também já era mais velha. Agora, minha avó fazia crochê, tricô. Tenho roupas que foram feitas por ela, colchas assim, de cama, sabe, que ela que fez. Então, na minha casa tinha cortina, eu fiz meu avô ter uma cortina com os forros que ela fez, de crochê, tem blusinha, então tem algumas coisas assim, que ela deixou de recordação, pra mim.
P/1 - E outros parentes: primos, tios, teve alguém muito marcante, algum muito querido?
R – Eu acho que tios, minhas primas, eu tinha primas mais velhas, então minhas primas cuidaram de mim quando eu era criança. Então, tanto por parte de pai, tinha a Lu, que foi minha prima que cuidou muito de mim, pra minha mãe trabalhar, daí depois ela teve filhos, eu era jovenzinha, cuidei um pouquinho dos filhos dela também. Tem, então, minhas primas por parte de pai, teve uma prima também por parte de mãe, que foi bem presente, que era mais velha, então ela saía, comprava as roupas, era aquela prima que eu admirava, mais velha. Então, minhas primas foram, acho, as pessoas mais marcantes. A tia Maria, que é irmã do meu pai, que acabou que foi a matriarca da família do meu pai e como meu pai perdeu a mãe muito nova... ele era bem novo, a tia Maria foi a matriarca, que cuidou da família mesmo, até hoje é uma referência ali, pra ele, da família e ela também cuidou bastante de mim quando eu era criança, pros meus pais trabalharem. E a tia Maria é bem aquela tia Maria, (risos) que cozinha cada comida! (risos) E hoje em dia ela mora lá no sítio. É uma ‘fofa’. (risos)
P/1 – Tem algum cheiro de infância, que te lembra?
R – Cheiro, olha, agora, quando você falou e eu com essa memória da casa da tia Maria, que tinha muita arruda, então até hoje arruda me lembra o cheiro da casa da tia Maria, ali, que ela tinha um quintalzinho com arruda. É, o cheiro que me veio foi o de arruda.
P/1 – E vocês tinham costume de ver TV, ouvir música, rádio...
R – Olha, a gente nunca foi muito de ficar juntos, até mesmo porque, na verdade, a história do meu pai com a minha mãe também houve muitas questões de conflitos. Então, meu pai também sempre ficou muito fora de casa, principalmente quando a gente era criança, era mais eu, minha mãe e minha irmã e a gente tinha uma pessoa que trabalhou em casa, também, durante uns anos, que nos ajudou muito, que era a Ivone, que era aquela babá faz-tudo, que cuidou muito da gente, mas nunca fui muito de televisão, na verdade. Até hoje eu sou aquela pessoa que não viu televisão por muitos anos. (risos) Então, nem tenho muita memória. Lembro assim, talvez, sei lá, no almoço, assistir depois do almoço um desenho, alguma coisa, mas não é algo de família e nem música, muito, também. Meu pai sempre, também, teve o gosto dele e eu também, sabe aquela coisa? Cada um ouve sua música. A gente não tem um ‘laço’ forte, musical. Tem famílias que sentam juntas pra assistir novela, televisão. A gente, na verdade, nunca teve esse hábito. Tive o hábito de ir pra igreja com a minha mãe, então desde pequena eu sempre gostei de ir pra igreja, (risos) então Primeira Comunhão, catequese, eu sempre fui animada pros processos religiosos. (risos) Então, até hoje é algo assim, o meu programa com a minha mãe é ir pra missa. Então, criança eu gostava e tinha a igreja lá do bairro, que a gente frequentava. Então, tinha a igreja no bairro, que a gente frequentava, era um programa bem (risos) familiar, meu, da minha mãe, da minha irmã, mais meu e da minha mãe, eu gostava mais, sempre gostei mais de ir na missa. Agora o meu pai teve uma época também que ele trabalhou em um lugar que ele viajava bastante, então às vezes final de semana a gente viajava, tinha os hotéis que ele ia conhecer, fazia parte do serviço dele. Então, teve uma época que tinha umas colônias de férias, ele estava ali em um setor meio de turismo, então teve uma época que a gente viajou bastante, tipo São Roque, Águas de Lindóia, cidadezinhas do interior, então era gostoso.
P/1 – Isso foi por um período, só?
R – Foi. Teve um outro período também que meu pai, como ele é do interior do Paraná, teve uma época que ele comprou um sítio lá no Paraná e daí a gente ia pra lá, só que, pra mim, nessa época, eu já estava ficando um pouco adolescente, então era meio traumático, porque eu queria ir ao shopping, ficar com as minhas amigas, as minhas amigas iam pro Guarujá, pra praia, tinha as ‘baladinhas’, sabe aquele comecinho de ‘baladinha’? Que eu era muito nova pra ficar com amiga, mas eu também ia pro sítio, daí era aquela... sei lá, dez, oito horas de viagem pra ir pro sítio, que não tinha ninguém. (risos) Era um sítio que não tinha nada, nem ninguém. Então, era aquele momento que eu não gostava, ‘rolava’ esses minis conflitos, mas era bom. Hoje a gente olha e foi legal ir pro sítio. E daí eu tinha uma coisa interessante, que quando eu era criança, até jovem, odiava ir pro sítio, odiava mato, eu tinha uma coisa que, nossa, eu chegava num sítio, assim, já me dava... bicho eu tinha pavor de qualquer bicho. (risos) Era aquela pessoa que não gostava, mas me dava um medo, um desespero, aquela escuridão do mato, silêncio. Nossa, era uma coisa que, pra mim, não fazia parte do ‘meu universo’, até que teve um momento na minha vida que isso, totalmente, se transformou, mas acho que a gente vai chegar lá.
P/1 – Já mais velha?
R – Mais velha. (risos)
P/1 – Tá. Chegaremos. E ainda muito pequena você pensava o que você queria ser quando crescesse? O que você queria fazer?
R – Olha, quando eu era pequena eu queria... sempre tive uma coisa com arte, porque eu acho que, por ser mulher, a gente sempre busca algumas formas de se expressar, se conectar, se comunicar e eu também tenho questões da minha família: meu pai é militar, minha mãe também é da igreja, então também eu acho que eu tinha, buscava formas dessa expressão, então eu gostava muito de teatro, fiz teatro na escola durante muitos anos, eu fiz pintura, também foi uma coisa muito forte na minha vida, eu comecei a pintar com sete anos, eu fiz anos de pintura, de desenho, então eu queria ser artista, eu sempre gostei desse lugar das artes. Então, gostava de ler, de teatro, de história, da arte. Depois, quando eu cheguei no colegial, que eu estudei num lugar que tinha Humanas, uma separação, então tinha muita literatura, eu gostei, foi algo que me ‘pegou’, sabe? Poesia, poema, estudar literatura mesmo, então eu sempre fui pra esse lado. Até que daí, quando chegou na hora de escolher, mesmo, a faculdade, eu até pensei em fazer Artes Plásticas, mas aí também não era tanto e eu acabei escolhendo Moda, porque eu via na moda uma possibilidade de falar de arte, lúdico, criativo, expressão, mas conectado com a realidade, porque a roupa faz parte do nosso dia a dia, de todo mundo, então eu via assim, essas possibilidades. Não só ficar no lugar da arte, enfim. Então, eu fui fazer Moda.
P/1 – Antes ainda de chegar nessa escolha, que recordações você tem da escola, pequenininha?
R – Ah, eu lembro de uma peça de teatro que a gente fez na escola, que foi muito ‘maneira’, que eu nem lembro muito da história, mas tinha uma história meio selvagem, de seres da floresta, que foi muito legal. Hoje em dia eu lembro e falo: “Nossa!” E teve uma outra história também, que daí foi uma peça de teatro que eu fiz, eu montei. (risos)
P/1 – Nossa!
R – Hum-hum. Bem simples, né? A gente estava na quarta série, mas a gente apresentou pra todas as turmas, que ficou muito legal, que era, tinha um rio de chocolate que estava sendo poluído, tinha vários seres também que tinham que se unir pra defender o rio de chocolate e hoje em dia isso faz super sentido com o meu trabalho também, de ativismo e tudo o mais, mas essa peça foi assim: eu levei, peguei várias roupas do meu pai, coisas de casa, pra fazer os figurinos, o cenário. Ficou bem-feita, tanto é que a professora organizou depois pras outras classes, outras turmas assistirem. Foi muito legal. (risos)
P/1 – E tem alguma professora marcante, algum colega?
R – Ai, tive, acho que, na minha escola, uma melhor amiga durante bastante tempo, a Bárbara, ‘fofa’, que depois a gente perdeu o contato, mas a gente foi amigas durante um bom tempo, ela ‘topava’ as minhas ideias, estava ali comigo e tal. E eu tive uma professora Neuza, que foi da quarta série, que foi essa, quando eu fiz essa peça de teatro e a Neuza era uma super apoiadora e eu lembro desse apoio dela até hoje.
P/1 – E essa peça era pra alguma matéria em específico?
R – Olha, eu nem lembro, porque na quarta série acho que nem tinha matéria. Eu lembro que eu acho que era a Neuza a nossa professora, era algum projeto, não lembro exatamente (risos) como a gente foi chegar nessa peça. (risos)
P/1 – E você ficou nessa mesma escola até se formar, ou não?
R – Não. Eu fiquei nessa escola até a sexta série, daí eu me mudei, que foi o Sion, daí eu saí na sexta série e fui pro Colégio da Polícia Militar, que foi indicação lá do meu pai também, meus pais também estavam passando por um questão financeira, queriam colocar em um outro colégio e eu também não estava indo super bem, porque eu também tenho dificuldades de aprendizado, esses aprendizados convencionais. Hoje a gente fala: “Tem TDAH”. Hoje em dia já tem algumas questões mais identificáveis, mas eu tive dificuldade, na sexta série eu não estava conseguindo estudar, acompanhar e daí eu fui pra um outro colégio, que foi o da Polícia Militar, eu fiz a sétima e a oitava séries, que daí também foi uma super mudança, que foi que eu saí de um colégio católico, de bairro e fui pra um que era maior, muita gente mesmo, de vários lugares, mas foi legal também, eu acho que foi quando eu comecei a conhecer outras pessoas, sair com umas meninas mais velhas, fazer uns ‘rolês’, já ‘rolava’ álcool, sabe assim? (risos) Foi quando eu comecei a ver outras coisas do mundo. E depois, no colegial, eu fui pro Mackenzie, que daí meu pai falou: “Não, agora você vai estudar em um colégio melhor, que depois é faculdade”, aquela história. Daí eu fui pro Mackenzie, que daí também já era um colégio até um pouco mais alternativo, que eu nem sabia, nessa época e daí eu fui pra lá, que também foi bem interessante, apesar que eu era lá da zona norte. Tanto no Mackenzie, no colegial, eu me sentia tipo meio que uma adolescente... ali tinha um pessoal que era já mais moderninho, mais enturmado, conhecedor de outras coisas, eu já era meio quase uma menina do interior, assim. (risos)
P/1 – E foi difícil? Teve alguma dificuldade, assim?
R – Olha, não tive muitos amigos nesse colégio. Acho que eu tive algumas dificuldades de adaptação porque, realmente, acho que... não sei, eu também... não foi um bom momento, esse período da minha vida eu lembro aquela história de adolescente, que a gente começa a se questionar e não se sentir pertencente. (risos) E daí tive até uns processos meio depressivos, com comida, eu tive muitas questões com alimento, engordava muito, emagrecia muito, não tinha amigos, tive uns momentos sem amigos, passei esses períodos, foi nessa época, assim. Mas também teve coisas legais, teve um momento que eu também vivi coisas boas, tinha...
P/1 – Momento de se descobrir, descobrindo muitos conflitos.
R – É. E altos e baixos, né? Então, uma hora, nossa, eu me sentia péssima, não tinha amigo, depressão e de repente eu já estava bem, (risos) dando ‘rolê’, nossa, se achando super adulta. (risos)
P/1 – E nessa época a sua irmã também mudou pros colégios, te acompanhando?
R – Sim. A minha irmã também, nessa jornada de colégios, acompanhando. Daí no Mackenzie também. Eu também era chata com ela, porque ela se atrasava, eu não gostava de atrasar: “Vamos embora”. (risos) Tadinha. (risos) ‘Fofa’. E ela também, a gente estudou nos mesmos colégios, ela até se formou lá... não, depois ela ainda foi pra... depois eu terminei e ela ainda foi pra outro colégio.
P/1 – E a faculdade, esse momento de escolha profissional foi...
R – Então, eu, durante muitos anos muito conectada com a arte, a pintura, desenho, gostava de desenhar e dessa história da expressão mesmo, dessa comunicação que a arte possibilita, sem ser tão direta, daí eu tinha uma amiga que falava que ela queria fazer Moda e daí foi me despertando Moda. Ela: “É, porque os desfiles, as roupas contam histórias e também a gente pode mostrar quem a gente é” e começou a me despertar várias questões com vestir e daí eu falei: “Vou fazer Moda, porque também é arte, é expressão, todo mundo veste roupa”. Já tinha essa história: “Poxa, todo mundo veste roupa, então existe possibilidades pra fazer, se criar roupas”, só que eu tinha, quando eu entrei na faculdade, essa ideia até de fazer roupas mesmo, criar, desenhar roupas, de estilista, que é uma ideia até... hoje eu vejo até que ultrapassada, sabe? Que a gente imagina moda, que fazer moda, trabalhar com moda é desenhar roupas. E depois, com toda minha história, eu fui vendo que não, não era sobre desenhar roupas. Pode desenhar, sei lá, eventos, ações, projetos, soluções, tecidos, tem muitas outras questões que eu vejo que não são tão pensadas ou discutidas, quando se fala no estudo de moda. Hoje já vejo que é diferente. Daí eu fui fazer Moda, que também foi uma coisa diferente na minha família, meu pai estava esperando que eu fizesse Direito, (risos) aquela coisa. Então, meu pai estava super esperando que eu fizesse Direito, ou Medicina, ou algo, alguma profissão um pouco mais tradicional e eu escolhi fazer Moda, cismei que eu queria fazer Moda, então foi aquele ‘choque’, mas daí recebi o apoio da minha família, da minha mãe principalmente, minha mãe sempre me apoiou e meu pai também ficava meio... tinha aqueles momentos, mas (risos) no final aceitava. E daí eu fui fazer Santa Marcelina, que é uma faculdade que tem esse viés mais da criação, mesmo, é uma faculdade de artes, inclusive lá dentro do campus tem Artes Plásticas, Música, já é uma faculdade um pouco mais alternativa. Eu cheguei na faculdade também, daí que eu era mais a menina do interior, (risos) porque tinha um pessoal até mais velho, eu entrei com dezessete anos, morava lá na zona norte, não tinha muita vivência. Tinha um pessoal mais velho, que também já tinha outras vivências, que eram bem fora do ‘meu universo’. E aí, foi muito legal a faculdade, esse começo de descobertas, mas na faculdade eu também tive muito... não me formei, então eu já começo aí, a faculdade não deu tão certo pra mim, porque eu nem me formei. Porque também, quando eu entrei na faculdade, nessa história de criação eu também acabei que eu... deixa eu falar de novo: nessa história de criação de moda, quando eu cheguei na faculdade eu não consegui me encontrar ali, nessa criação e eu também tenho esses processos de dificuldades de aprendizados, então eu fiquei meio perdida e acabou que o mais legal da faculdade, pra mim, foi conhecer outras pessoas, mais essa vivência cultural, do que de fato as aulas, porque tinha algumas aulas que realmente eu não conseguia, ali, me conectar e mais estar na faculdade, na zona oeste, eu venho lá da zona norte, então ali já convivia com outras pessoas, eu tinha umas amigas muito modernas, que a gente começou a ir em exposições, eu já comecei a frequentar outros lugares. Então, isso, pra mim, como vivência foi muito especial. Também foi a época que eu conheci a cannabis, que pra mim é algo que abertamente eu falo da importância dessa planta na minha vida, porque ela chegou dentro desse meu processo da faculdade como um conforto mesmo desse lugar que eu não sabia muito onde eu estava, que eu ‘curtia’ e tudo mais, mas ao mesmo tempo não sabia se era pra mim, porque também era uma faculdade de Moda, no mercado da moda não precisa estar na moda, pra saber que existe uma grande camada de... ai, ilusão, de glamour, de imagem, algo que tem um lado vazio, que até usa pra excluir as pessoas, a moda tem esse lugar excludente e elitista, ou até de grupos. Às vezes não é nem só questão de elite, mas às vezes grupos culturais, ou enfim, existem várias camadas de padronização e de pertencimento/não pertencimento nesses ‘universos da moda’. Então, eu também fui, ali dentro, vendo que talvez aquele não era meu lugar, então eu cheguei assim no meu terceiro ano de faculdade e também, com a cannabis, com algumas experiências até psicodélicas mesmo, eu comecei a chegar em um lugar que eu me dei conta que o mundo era muito maior, existem muitas questões sérias acontecendo na humanidade, no planeta e que ali, dentro desse ‘universo da moda’, o que eu estava vivendo e vendo, de uma forma geral, era algo que talvez não fizesse sentido pra mim, que talvez não tivesse espaço pra mim. Eu não tinha nenhum daqueles padrões dos grupos da moda ali, que eu conseguia ver naquele momento, então não conseguia me sentir parte pertencente, eu achava que a moda, então, não tinha nada a ver comigo, mais, que eu fiz uma escolha totalmente errada e daí, através dessa minha história com as plantas de poder, eu cheguei no Santo Daime, que daí também foi num processo, terceiro ano da faculdade, eu estava assim: “Nossa, não tem nada a ver essa faculdade comigo”, já quase não estava indo direito, já estava totalmente desiludida: “O que eu estou fazendo aqui?” E daí eu cheguei no Santo Daime, que é uma religião brasileira que faz uso sacramental de uma bebida de poder, lá da Amazônia, ali do Acre, também conhecida como ayahuasca e essa é uma doutrina da rainha da floresta e eu cheguei lá com vinte anos, já muito conectada com as plantas de poder, nada a ver com a moda e quando eu tomei Daime pela primeira vez eu falei: “Nossa, achei, me encontrei” e foi a primeira vez que eu me senti tipo pertencente ao universo, mesmo. Foi um encontro muito grande, eu falei: “Nossa, aqui é meu caminho e é isso, encontrei essa força”. Daí, menina, voltando naquela história que eu tinha pavor... o Santo Daime pegou e me abriu a floresta, foi uma coisa que de repente eu falei: “Nossa, a floresta faz parte de mim, eu faço parte dela, somos todo um”. (risos) De repente eu só queria saber de acampar, ir pro mato, pra natureza. (risos) Me tirou o que me separava. E daí eu larguei a faculdade, de fato e falei: “Não, eu quero fazer alguma coisa boa pelo planeta, não quero fazer mais moda, não, quero me conectar com movimentos”, daí eu parei de comer carne e já comecei a me envolver nos movimentos, primeiro do vegetarianismo, depois do veganismo, dos direitos dos animais. Nessa daí eu peguei e decidi ir embora também do Brasil, fui morar na Inglaterra, também inventei: “Preciso sair daqui, ir embora”. (risos) E eu fui e também não falava inglês, era uma coisa... ai, gente (risos)... sempre tive vontade de fazer um intercâmbio, de ficar um tempo fora, sentia falta até de alguma vivência estrangeira, falei: “Essa é minha chance, vou aprender inglês”, aí fui pra Inglaterra, já estava conectada com Santo Daime, lá tem uma irmandade do Daime e daí, quando eu cheguei lá eu meio que ‘mergulhei’ nessa história de movimentos sociais, ambientais, fui entender o que é um ativismo, todos esses movimentos que, pra mim, eram totalmente desconhecidos antes eu comecei a fazer parte de alguma forma, me reconhecer como um agente de mudança. Eu vi que tinha muita coisa pra fazer pro meio ambiente, pro planeta e pras pessoas, tanta desigualdade, foi me despertando esse amor mesmo pela vida, pelo mundo, pela natureza, eu fui me envolvendo e trabalhando muito, porque eu estava num um país estrangeiro também, então desde que eu cheguei lá eu tive que trabalhar, todo aquele trabalho, trabalhando, trabalhei em Cafés, restaurantes, entregando panfletos, todas essas coisas de estrangeiro. E daí, nessa história, teve um momento na Inglaterra que eu comecei a me dar conta que existia lá, até foi uma loja, eu lembro desse dia, tinha uma loja lá em Camden Town, que é um bairro bem alternativo, de roupas de cânhamo. Então, eu falei: “Nossa, roupa de cânhamo!” E essa era uma loja que vendia algodão orgânico, tecidos naturais. Quando eu entrei nessa loja, roupa de cânhamo, que é uma planta que é prima da cannabis, que vem da mesma família. Daí, quando eu olhei essa loja, eu falei: “Nossa, olha só, uma moda que faz sentido”. Daí eu comecei a realizar que existia um movimento, na verdade era um movimento que também estava começando a se fortalecer, que é o movimento do slow fashion, da moda mais devagar, que ao mesmo tempo que lá na Inglaterra - eu cheguei em 2008 – tinha esse crescimento, esse lugar das grandes fashions, das varejistas, então eu cheguei lá e fiquei muito impressionada com aquelas lojas gigantes, aquele tanto de roupa super baratas, então todo mundo ia... você pode ser pobre, você pode entrar numa loja, numa Primark e comprar muita coisa, porque é tudo muito barato. Então, as pessoas compram muito, descartam muito, tinha todo esse movimento, então encontrar na contramão desse movimento, eu vi que tinha também esse movimento do mais artesanal, da moda mais lenta e mais engajada com a natureza e daí, nossa, eu fiquei encantada, eu conheci essa marca, daí fui pesquisar, fui vendo outras e vendo que existiam profissionais que falavam sobre isso, que existiam livros sobre isso, eu falei: “Gente, olha só, existe”. Falava de eco fashion, slow fashion, esses termos de moda mais ecológica e tudo o mais. E daí, até conversando com um Irmão lá, da igreja, eu falei pra ele: “Nossa, é tudo nesse movimento, das roupas de cânhamo, de algodão orgânico”, ele: “Você tem que conhecer uma amiga minha, que trabalha com isso, a Joss” e daí ele me apresentou pra ela, que ela é minha ídola, minha amiga até hoje, foi a pessoa que me abriu e ela tinha um showroom, que ela trabalhava com várias marcas e também uma pesquisadora, fazia consultoria, trabalhava... ela era uma pessoa super envolvida nessa área, nesse cenário de moda e sustentabilidade. Então, quando ela me conheceu, eu comecei a ser assistente dela em alguns projetinhos, também tudo devagar, pontual. Eu continuava trabalhando de garçonete nos lugares, (risos) continuava trabalhando, mas daí eu tive essa oportunidade de estudar, aprender com a Joss, conhecer os estilistas, as histórias dos estilistas, entender o que é essa moda mais sustentável, mais consciente, os impactos que estão envolvidos nas nossas roupas, então eu comecei a ‘mergulhar’ mesmo nesse estudo, entender os impactos dessa indústria que cada vez está mais acelerada, até hoje. Hoje a gente fala até de ultra fast fashion, está cada vez mais rápida essa produção de roupas. Então, comecei a entender, a estudar, pesquisar a questão do trabalho análogo a escravo do setor, que é algo que acontece há mais de um século. Existem pessoas em trabalhos escravos contemporâneos, fazendo as nossas roupas. Então, comecei a entender tudo isso e a questão também dos impactos ambientais, que é uma das indústrias que mais impactam o meio ambiente. Então, as questões das matérias-primas, de onde vêm as matérias-primas. O algodão é uma grande batalha, até, quando a gente fala de moda e sustentabilidade, porque é uma monocultura transgênica, a semente que se usa pra produzir o algodão hoje aqui no Brasil, mais de 99% semente transgênica, cheia de agrotóxicos, usa mais agrotóxico do que pra produzir milho e soja. Monocultura, então é puro agronegócio em terras que muitas vezes eram cerrados, florestas e acabam virando monocultura de algodão, pra gente produzir uma roupa super-rápida, que às vezes as pessoas nem ganham direito pra costurar aquelas roupas, pra gente usar algumas vezes e descartar e daí tem a questão do lixo têxtil, do pós-uso como uma outra questão da indústria. Então, quando eu comecei a me dar conta disso tudo, daí, nossa, fui ficando apaixonada mesmo, falei: “Nossa, cheguei nesse lugar de pegar uma causa mesmo, um ativismo e conectar com a moda” que, por um acaso, (risos) eu estive lá na faculdade de moda (risos) e tinha essa história com a moda e daí eu fiquei alguns anos lá na Inglaterra, nesses processos, com a Joss, com outros profissionais que também marcaram muito minha história, até que, em 2013, aconteceu um acidente lá em Bangladesh, que faz parte da história da moda e da minha história, porque era um prédio que abrigava várias confecções, um prédio de oito andares, e Bangladesh é o segundo maior produtor de roupas do mundo, então produz roupas pro mundo todo e esse prédio desabou, por questões de segurança - ele já estava com as paredes rachadas, os trabalhadores não estavam confortáveis em estar ali – e mais de mil pessoas morreram costurando roupas e mais de duas mil pessoas ficaram gravemente feridas e esse foi um grande marco. Eu lembro lá na Inglaterra, nesse dia, pegando o metrô pra ir trabalhar, abrindo o jornal que tem no metrô e vendo o acidente do Rana Plaza, falando que centenas de pessoas morreram costurando roupas. Então, esse acidente foi um grande marco. Eu lembro que eu já fiquei muito chocada, falei: “Gente, olha só, onde isso vai parar? Pra onde que a gente vai com essa indústria fazendo roupas desse jeito?” E esse acidente foi o que deu origem ao movimento Fashion Revolution. E esse movimento foi pensado por profissionais que já faziam parte desse movimento de moda e sustentabilidade na Inglaterra, duas estilistas já muito antigas se uniram e falaram: “Não, a gente tem que fazer algo, falar basta, então vamos criar um movimento e mostrar pras pessoas o que está por trás das nossas roupas, pra que a gente pergunte: ‘Quem fez minhas roupas?’” Até o mote da nossa campanha principal do Fashion Revolution é #quemfezminhasroupas? Então vamos começar a perguntar, fazer um movimento de conscientização e assim surgiu o Fashion Revolution, depois do Rana Plaza, em 2013 e começou a se espalhar pelo mundo e nesse movimento que o Rana Plaza começou... o Fashion Revolution começou a se espalhar como movimento, a Joss Whipple, que é essa pessoa que eu trabalhei, fez parte dessa fundação, então ali dos fundadores do Fashion Revolution, ela já estava e quando começou a se espalhar, eu já tinha vontade de voltar pro Brasil, eu tinha acabado, também, de aplicar pra fazer um mestrado lá, eu falei: “Não, agora eu já sei o que eu quero” e mesmo sem ter faculdade, na Europa você pode aplicar pra fazer o mestrado, se você já tem alguma experiência na área. Eu falei: “Não, vou tentar, daí enfim, já vou pro mestrado”. Já tinha se passado vários anos que eu tinha saído da faculdade, não queria voltar e fazer um novo curso e daí não passei e daí também tinha tentado emprego e não deu certo, passou algumas decepções, que não tinham dado muito certo e daí eu falei com a Joss: “Eu estou querendo ir pro Brasil, podia levar o Fashion Revolution pra lá”. Ela: “Não, é isso”. Ela já me colocou em contato lá com a Carrie, com as pessoas: “Então, Fernanda, você vai ser a coordenadora do Fashion Revolution no Brasil”. Só que isso é tipo: “Vai lá e faz”. (risos) Eu tenho autorização pra falar do Fashion Revolution no Brasil, mas aí, pra mim, isso eu falei: “Nossa, essa é realmente uma grande oportunidade pra eu voltar pro Brasil”, que eu já estava cansada de passar frio no exterior, (risos) saudade da minha família e daí eu voltei pra cá em 2014 e falei: “Não, agora eu vou fazer esse movimento virar um movimento mesmo”. E daí comecei assim, tipo ‘formiguinha’, ligando pros estilistas que eu já sabia que tinham práticas mais engajadas, que eu já acompanhava o trabalho, jornalistas, comecei a ligar mesmo, escrever, montei as páginas, começar a estruturar e daí foram chegando pessoas: chegou a Bruna; a Miranda, que era jornalista, que ficou na comunicação; a Eloisa Artuso, que ficou vários anos com a gente, que era da Academia, então tinha esse lugar mais acadêmico, educacional, também ficou vários anos, então começaram a chegar outras pessoas, a gente começou a se estruturar, daí a gente começou a criar uma metodologia mesmo de como fazer as ações do Fashion Revolution e replicá-las, então a gente começou a ter representantes locais do Fashion Revolution, estudantes embaixadores, então uma forma dessa mensagem alcançar outros espaços, através de outras pessoas, pra construir uma rede, que o Fashion Revolution é uma grande rede e daí o Fashion Revolution, aqui no Brasil, foi se estruturando, crescendo, daí a gente conseguiu fazer um projetinho, daí conseguiu um recurso, daí já conseguiu outro recurso, nã nã nã, daí em 2018 conseguimos fundar o Instituto Fashion Revolution no Brasil, daí virou uma organização mesmo e hoje a gente tem vários projetos, representantes em mais de cem cidades, tem mais de duzentos estudantes embaixadores, docentes embaixadores, várias parcerias com bons atores do setor, grandes associações, representantes da indústria mesmo. Então, hoje a gente já tem esse reconhecimento. Dez anos depois, praticamente, hoje o Fashion Revolution tem um reconhecimento de ser uma organização que trata de questões sociais, culturais e ambientais na moda, no Brasil.
P/1 – Pioneira aqui.
R – É. Tem um pouco disso, porque quando, em 2014, eu comecei o Fashion Revolution, era bem diferente. Hoje a gente fala de sustentabilidade de uma outra forma. Em 2014 eu lembro que teve jornalista que falou: “Não, não tem nada a ver”. Tinha marcas que tinham medo, falavam: “Não, essa história de ativismo não vai dar certo”. Não queriam nem falar com a gente. Então a gente teve vários processos pra conseguir, hoje, ter essas parcerias e estar nesse lugar. Foram processos que, realmente, no começo... e hoje a gente tem vários depoimentos de até grandes marcas, que falam: “Com o Fashion Revolution a gente aprendeu não sei o que, a gente entendeu não sei o quê”. A gente vê que realmente a gente vem trazendo algumas mudanças pro setor.
P/2 – E quais foram as mudanças que você consegue perceber, desde que você iniciou, até agora?
R – Eu vejo que hoje sustentabilidade e moda é algo que já faz sentido pra maior parte das pessoas, das marcas, das grandes varejistas, das indústrias. Lá em 2014 nenhuma grande marca falava sobre sustentabilidade, entendia qual era a importância de você mostrar os seus fornecedores, fazer lista de fornecedores, não falava sobre transparência, sobre processos produtivos como é hoje. Então, assim, antes, falar sobre trabalho análogo a escravo na moda era quase que um tabu, uma coisa que... hoje em dia não, a gente incentiva as marcas a falarem sobre isso e mostrarem suas metas e suas políticas de uma forma que é isso, algo que precisa ser combatido por todos. Então, hoje, muitas das grandes varejistas aqui no Brasil têm práticas, projetos, políticas, metas que ao longo dos anos vêm sendo desenvolvidas, que a gente sabe, elas sabem que têm também influência desse movimento do Fashion Revolution, que também impulsionou outros movimentos. Então, dentro do Fashion Revolution a gente viu a criação de muitas outras ações. A gente teve, por exemplo, logo no começo, um grupo do Fashion Revolution, da representante lá em Porto Alegre, que ela criou um grupo tão forte, que aquele grupo já fez um ecossistema de moda sustentável, já saíram várias marcas que foram criadas através daquele grupo, que aquele grupo também já virou uma outra história dentro de uma faculdade local, então vai se desdobrando em outros projetos. Então a gente tem amigos nossos, que começaram com a gente no Fashion Revolution e fizeram eventos de moda sustentável com desfiles. Então, a gente foi vendo que foram, às vezes, em alguns momentos de uma forma direta e algumas vezes de uma forma indireta, porque daí, também, quando a gente está falando sobre isso, a gente tem a nossa campanha, que é a Semana Fashion Revolution, que em 2019, por exemplo, antes da pandemia, a gente teve mais de setecentos eventos pelo Brasil, que são realizados por essa rede. Então, daí, nessa rede a gente tem esses depoimentos de pessoas que, às vezes, dentro das faculdades, nunca tinham ouvido falar. Teve faculdade que fala que depois da Semana Fashion Revolution eles começaram a trazer sustentabilidade pra grade, então é isso. (risos)
P/2 – Eu tenho uma dúvida sobre Fashion Revolution: vocês também... como vou dizer?... fazem a cobrança dessas empresas serem sustentáveis, ou não?
R – Sim. De alguma forma a gente faz essa cobrança, porque nós acreditamos que todos nós temos um poder de mudança como um cidadão, indivíduo, mas a gente tem que entender que a problemática do setor vai muito além de nós, pessoas físicas. Então, as marcas precisam ser responsabilizadas, cobradas, ser mais transparentes, mais rápidas até, assumir mudanças, uma postura mais radical perante toda essa mudança que precisa acontecer e também não podemos deixar de falar do Poder Público, que muitas questões, inclusive, são de responsabilidade do governo, então ele também não pode se ausentar dessa discussão, mas a gente tem alguns projetos que acabam que falam mais diretamente com as marcas. Por exemplo: a gente tem o índice de transparência da moda, então a gente avalia como as sessenta maiores marcas com operação no Brasil divulgam de uma forma pública seus compromissos, suas metas. Então, pra construir esse projeto, por exemplo, essa publicação, a gente tem atividades ao longo do ano, com essas grandes marcas, que a gente mostra esse relatório, esses questionários e acaba que isso incentiva e ajuda e esse processo acaba incentivando que as marcas entendam pra onde elas têm que caminhar, o que elas têm que olhar e implementar melhores práticas dentro das suas empresas.
P/1 – Como as pessoas podem participar efetivamente dessa mudança dessa moda mais sustentável, consciente?
R - Olha, eu acredito que o primeiro passo é sempre a gente saber, se sensibilizar que tudo na nossa vida vem de algum lugar, vai pra outro lugar. Não só as nossas roupas, como os nossos alimentos. Eu acho que a conversa da roupa é muito próxima do alimento. Quando a gente olha por trás, pra trás: “Quem fez? O que está envolvido com esse processo? De onde que veio? Pra onde que vai?” E eu sei, hoje em dia, cada vez mais eu vejo quão delicado é falar sobre consumo consciente, porque tem questões sociais, sabemos que grande parcela da nossa sociedade não tem acesso a consumo nenhum, mas eu também entendo que muitas vezes as pessoas que menos têm acesso são as que mais têm consciência, que mais usam o que têm, que mais vão consertar, trocar. Então, é mais uma questão ali, daquela consciência da gente dar valor, da gente, às vezes, buscar o mais local, cuidar, do que de fato comprar de tal marca, que às vezes as pessoas acham que é isso: “Eu só vou comprar de tal marca aquele produto” e não é sobre isso: produto, marca. Não. É mais sobre a maneira que a gente lida com as coisas ao nosso redor, da nossa vida, com os nossos hábitos e também como a gente vai influenciar ao nosso redor, porque a gente também participa de espaços, a gente trabalha, tem amigos. Sei lá, pode ser na mesa do bar, na igreja, na nossa família, onde for, a gente pode levar essas mudanças. E também a parte política, que a gente também não pode esquecer. Votar, (risos) saber em quem vota, cobrar os políticos, isso também é essencial pra qualquer mudança que a gente queira na nossa sociedade.
P/1 – Muito interessante isso, de aqui a moda tinha... pelo que eu estou te escutando, ocupava um outro espaço.
R – É.
P/1 – Ela falava sobre uma coisa mais fútil, mais superficial e foi no estrangeiro que você se encontrou.
R – Foi.
P/1 – E pôde entrar mesmo pra moda, que hoje você trabalha com isso.
R – Sim. E daí exatamente eu tive uma volta. Saí da moda, (risos) fui virar quase uma hippie, porque daí, também, nesse movimento do Daime com a cannabis, com as plantas de poder e com os movimentos ambientalistas circula, tenho muitos amigos hippies, eu até falo: “Tenho meu lado bem hippie (risos) por trás do lado executivo Fashion Revolution”. E realmente eu fui dar uma super de uma volta, pra voltar mesmo na moda e hoje, até durante esse processo, esses anos todos trabalhando com Fashion Revolution, eu acabei criando relacionamentos e sendo uma pessoa que participa de eventos, dou palestra, vou em faculdades, em vários espaços, falando sobre moda e sustentabilidade e daí também acaba que eu participo de outros projetos e também tem a história da Vogue que daí, em 2019 eu fui convidada pela diretora da Vogue pra ser colunista. Primeiro eu tinha uma coluna que chamava Vogue Gente e daí eu falava sobre mulheres e natureza e moda e daí, em 2020 ela me chamou pra assumir uma outra posição, que se chama Editora Contribuinte de Sustentabilidade da Vogue, que nunca existiu antes, então eu fui a primeira pessoa (risos) e também é super irônico, porque a Vogue, esse lugar que é tão longe... ai, não, calma, deixa eu achar a palavra...
P/2 – Inatingível?
R – É. Que é tipo... bom, daí então hoje eu estou na Vogue faz mais de três anos, contribuindo, o que tem uma certa ironia, porque até quando eu fui convidada pra ir pra Vogue tinha umas pessoas que falavam: “Não, mas você é ativista, não pode ir pra Vogue”. Eu falei: “Não, gente, mas a gente tem que ocupar todos os espaços, porque se a gente quer uma mudança sistêmica, a gente tem que mudar e falar sobre essa mudança em todos os lugares. Se a gente está tendo uma oportunidade de estar num lugar como a Vogue, que fala, muitas vezes, com mulheres mais velhas, às vezes mulheres mais conservadoras, às vezes com pessoas que gostam da moda mais nesse lugar da aparência e tudo o mais, que provavelmente não estão tão conectadas com questões sociais, ambientais, políticas da moda, então pra mim é uma super oportunidade de levar essa pauta pra aquele espaço”. Então, é muito ‘maneiro’, eu amo muito a equipe da Vogue, as minhas diretoras, editora-chefe. Sempre fui muito apoiada e é interessante e eu tenho uma liberdade, ali, de levar pautas e falar sobre... eu gosto muito de falar sobre mulheres que estão em projetos de conservação, ativismo, mulheres do campo mesmo, mulheres de comunidade, pessoas que realmente não estão ali, no radar de uma grande revista de moda. Então, eu acho que o meu papel é esse: levar essas pessoas pra lá e contar essas histórias. Então, ai, gente, eu adoro. Às vezes é tão difícil, mas (risos) eu falo: “Não tenho, não estudei jornalismo, então às vezes é meio difícil essa construção, mas eu adoro”. (risos)
P/1 – Você faz viagens? Você conhece essas mulheres?
R – Sim. Já aconteceram algumas viagens, já fui duas vezes pro Amazonas pela Vogue, a convite de projetos da Vogue, pra conhecer comunidades, projetos mesmo. Recentemente tive quatro dias viajando no rio, no meio da floresta, pra visitar comunidades de um projeto que é financiado por uma marca, por uma fundação de uma marca de moda. Então, nossa, eu acho isso muito lindo, sabe? Pra mim é um presente, mesmo, poder contar essas histórias, conhecer, eu gosto muito.
P/1 – Teve alguma viagem muito marcante pra você, que promoveu transformações? História marcante das suas viagens.
R – Ah, eu sou apaixonada pela floresta, então quando eu fui, eu fui duas vezes, a trabalho, e foram experiências muito fortes mesmo. Uma foi para o Acre, conhecer projetos, através da SOS Amazônia, que também tem o apoio de... não, calma, volta tudo. Eu sou apaixonada pela floresta, daí pela Vogue, através de convites pra conhecer projetos, eu fui duas vezes e foram viagens muito especiais, de viajar por dentro da floresta mesmo, da natureza, de pegar o rio e viajar muitas horas e chegar em comunidades tão isoladas e pra mim é sempre aquele... é muito rico, que às vezes a gente... visitar comunidades pra mim é sempre muito especial, eu estive em algumas comunidades, conheci algumas pessoas, algumas casas de mulheres que vivem no meio da floresta, muitas vezes sem acesso, nem água potável, com pouquíssimo acesso e, gente, umas casas tão caprichosas, tão limpinhas, tão acolhedoras e quando a gente chega nesses lugares, a gente é recebido com tanto amor, com tanta comida, com tanta fartura, com tanta alegria, naqueles lugares maravilhosos, que a gente fala: “Nossa!” É mais aquele lugar que a gente vai conhecer e sai transbordando de amor, de acolhimento, com aquela fartura. Às vezes é um projeto social, já visitei comunidades que não tinham banheiro, que realmente carecem de questões bem básicas, sabe? Mas mesmo assim a gente chega lá, recebe frutas, presentes, um amor assim, então isso faz sentido pra mim, eu vejo que tem... a humanidade... existe amor mesmo na humanidade, porque às vezes é tão difícil. A gente, às vezes, também, lida com tantas questões e hoje, à frente de uma organização, a gente tem uma equipe e várias responsabilidades, tem que ganhar dinheiro, tem que ir atrás de recursos, vender projetos, tem uma equipe ali que depende dos projetos e tal, então tem tudo isso, às vezes a gente vive tanta coisa, é tão difícil e tal, mas aí, quando a gente vai numa comunidade, que a gente vê esse lugar acontecendo, é muito gratificante mesmo.
P/1 – E essas mulheres têm algum trabalho ligado à moda, é isso? Ou não necessariamente?
R – Não necessariamente elas têm algum projeto ligado à moda, mas teve comunidades que são financiadas, alguns projetos que são financiados por organizações que, de alguma forma, estão ligados à moda, ou têm alguma conexão ali, de quem está por trás, às vezes pode ter. Tem muitas artesãs. Então, muitos saberes manuais, muitos fazeres manuais. Então, às vezes tem, mas alguns dos projetos que eu conheci não eram tão ligados à moda, apesar que também já visitei cadeias produtivas, então às vezes também tem pessoas que trabalham nessa cadeia produtiva. Por exemplo: com o látex natural, a borracha natural no Acre, que é um saber bem tradicional, que foi até perdido, porque a borracha virou sintética, ela começou a ser produzida em outros países também e a borracha nativa, que é algo ali da floresta, acabou que perdeu o valor aí, durante as últimas décadas, mas hoje em dia existe um resgate da borracha e ela é super importante pra manter as florestas em pé, porque precisa da árvore estar lá na floresta, pro látex conseguir ser extraído, então faz com que... são áreas de proteção ambiental, que trazem renda pras populações ribeirinhas e que estão ali, nessas regiões. Então, já conheci algumas comunidades que trabalham com essa borracha, por exemplo, e é superinteressante.
P/1 – Quais são os maiores desafios de trabalhar nesse movimento hoje?
R – Os maiores desafios são existir como uma organização da sociedade civil no Brasil não é fácil, então existem muitas questões burocráticas, é bem complicado pra gente conseguir recurso financeiro, então às vezes, pra gente fazer um projeto que nem vai ter tanto recurso, são vários processos pra gente conseguir, então eu acho que essa questão burocrática de conseguir recurso é o mais desafiador. Também é desafiador a gente gerir equipe, executar projetos também, a gente sabe que, no Brasil, as coisas não são tão simples, então acho que é isso. E também eu sinto, sabe, que por mais que hoje a gente saiba que é importante falar sobre sustentabilidade, emergências climáticas é uma realidade, sabemos que a Amazônia está sendo desmatada, então por mais que a gente saiba de todas essas questões, muitas pessoas não querem saber tanto, não querem falar tanto. Então, às vezes eu falo: “Poxa, a gente poderia ocupar outros espaços, ou levar essa pauta pra outros espaços, ou ver pessoas que trazem esses projetos ocupando outros espaços e na verdade acaba que, de uma forma geral, é um pouco mais nichado, não tem a proporção da importância do debate, que eu acredito que precisa ter”. Então, eu acho que esse é um grande desafio, também.
P/1 – E os maiores aprendizados? Aí eu pergunto profissionalmente, mesmo e pessoalmente, como isso impacta o seu dia a dia, sua vida?
R – Muitos aprendizados. Nesses dez anos de Fashion Revolution aprendi muito, cresci muito, acho que desde que eu comecei eu fui aprendendo a me posicionar como uma profissional e aprendi também que muitas relações são humanas, que todo mundo é gente, todo mundo tem problemas, todo mundo tem ‘seus dias’, todo mundo tem coisas boas, então isso é muito satisfatório, porque às vezes eu me conecto com as pessoas e tem uma marca que eu nem gosto, mas eu conheço a pessoa e viro amiga da pessoa, (risos) a gente acaba tendo outras trocas, se aproximando e também aprender a se relacionar de forma institucional, com pessoas e instituições, respeitar todo mundo, mesmo quando alguém representa algo que a gente não acredite, ou que eu não acredite, saber respeitar, saber conversar. Acho que eu busco sempre trazer a paz, por mais que a gente fale de questões polêmicas, por mais que muitas vezes a gente faça campanhas com posicionamento, ainda assim eu acredito que a gente precisa respeitar todo mundo, ter a paz entre as instituições, sem desmerecer o serviço, ou as pessoas, mesmo.
P/1 – E pandemia, como que foi, pra você, perguntando também profissionalmente, se mudou muitas coisas, ou manteve tudo meio parecido, e pessoalmente.
R – A pandemia foi aquele (risos) momento muito íntimo e profundo, porque eu estava morando sozinha, tinha acabado de terminar um relacionamento longo também, então saí de um relacionamento longo, tinha uma diária de trabalhar em escritório todo dia, ficava o dia inteiro fora, relacionamento e tal e daí eu fui pra aquele lugar tipo trabalhando o dia inteiro em casa, fazendo meu alimento todo dia, vivendo sozinha e tal, mas foi muito importante pra mim e eu acho até que foi bom, porque foi um momento que eu falei: “Não, então agora sou eu comigo mesma, como que vai ser? (risos) Eu vou cuidar das coisas, de mim”. Daí eu fiz muitas experiências de alimentação, que foram muito legais, eu fiz vários períodos só no alimento vivo, com alimento germinado, então eu entrei nessa história da germinação dos alimentos, da fermentação, desidratando alimentos, então teve essa história do alimento vivo, que também é um estudo muito forte na minha vida, porque eu acredito que também o alimento está muito conectado com a terra e com a gente. Esse bem comum que a gente busca também parte e passa pelo nosso alimento, porque esse alimento vem do agro, está cheio de quais produtos, de químicos, de embalagem, vai ter lixo, o que ele está fazendo com a gente, com os trabalhadores? Tem toda a cadeia produtiva. Então, em plena pandemia eu tive oportunidade de fazer on-line o curso da Escola Terrapia, que é uma escola de alimentação viva, que daí também é muito simples, é que nem na moda, na sustentabilidade: esse lugar da simplicidade. Tem até um grande mestre dentro da doutrina do Santo Daime que fala que a simplicidade é o mais alto símbolo da nobreza, que é quando a gente está naquela simplicidade e o alimento também fui entendendo cada vez mais isso: que às vezes comer um cacho de bananas é a melhor coisa que você vai fazer por você, de alimentação, naquele momento. (risos) Nessa simplicidade. Eu tive esse estudo com a alimentação, que foi muito importante pra mim, na pandemia. E com a minha história religiosa, dentro do Santo Daime também e com esse ativismo também tive essa história de entender, de me posicionar como uma ativista canábica também. Tive, inclusive, meu texto que mais ‘viralizou’ na Vogue foi: Precisamos falar sobre maconha. Então, gente, eu acho que essa conversa precisa acontecer em todos os espaços. É uma planta, é medicina, a gente pode fazer roupa, várias coisas, podemos curar as doenças, minimizar várias questões da nossa sociedade, sociais, inclusive, porque o histórico dessa planta vem de uma perseguição racial, cultural, então também tive esse posicionamento, que também aconteceu durante a pandemia e foi isso, apesar que também aquilo, na pandemia também teve aqueles momentos que eu queria ir embora, não aguentava mais, queria desistir de tudo. (risos) Achava que não ia aguentar: “Não aguento mais”. Foi uma loucura. E também ver pessoas próximas passando por questões de saúde, perdendo parentes. A pandemia também teve todo esse lado, que foi muito forte pra todo mundo. Acho que não tem como a gente ignorar.
P/2 – Deixa eu perguntar: você ficou durante toda a pandemia no mesmo lugar?
R – Fiquei, aqui na Vila Madalena, num apartamento que eu trabalhava, tinha escritório do Fashion Revolution aqui na Vila e tinha terminado um relacionamento e tinha um apartamentozinho pequenininho aqui, que foi lá que eu fiquei. (risos)
P/2 – E você tinha comentado comigo antes que agora você foi pro interior? Por que essa decisão?
R – Daí, durante a pandemia em vários momentos eu: “Ai, meu Deus, essa vida de São Paulo, nesse apartamento, o mundo acontecendo e eu aqui, nesse apartamento” e daí acabou que ano passado, faz um ano exatamente, foi em maio... não, foi um pouquinho antes... deixa eu pensar... março do ano passado, de 2022, a dona do meu apartamento pediu o apartamento de volta, questões pessoais dela e daí eu falei: “Meu Deus, ir atrás de outro apartamento em São Paulo! Quer saber? Vou pro interior, pra casa da minha mãe, da minha família e vou pensar, viajar, fazer outras coisas, vou pensar o que eu vou fazer”. E daí eu peguei, levei todas as minhas coisas pra casa da minha mãe, no interior, há um ano e daí, durante esse ano tenho viajado, daí eu peguei, viajei um pouco, fiz várias viagens, na verdade, ano passado: fui pra Nova Iorque, pra Londres, pro Amazonas duas vezes, pro Rio, fiquei um tempo, daí acaba que eu dou umas estendidas e ainda estou nessa, daí eu fico um pouco lá, viajo um pouco, acaba que eu venho pra São Paulo também, sempre tem coisa de trabalho pra serem feitas aqui, a igreja também, então eu venho quase que semanalmente, ou quinzenalmente estou vindo pra São Paulo, às vezes fico uma temporadinha fora. Eu estou um pouco nessa, assim, (risos) com essa vida ‘cigana’, (risos) esperando o próximo caminho se apresentar. (risos)
P/1 – E você quer falar um pouco desse relacionamento?
R – Que eu terminei?
P/1 – É.
R – Eu tive um relacionamento de mais de cinco anos, que hoje ele é o meu melhor amigo, a gente já terminou tem quase quatro anos e a gente continua a mesma amizade, faz as coisas juntos, viaja juntos e é isso, a gente é muito amigo mesmo, a gente se conheceu na igreja, foi um relacionamento legal, mas aquele relacionamento que chegou em um momento que a gente viu que a gente era amigo, então era isso. (risos)
P/1 – E dessas últimas viagens, tem alguma história muito marcante, que você queira contar?
R – Eu acho que teve algumas questões profissionais legais que aconteceram, muitas dessas viagens foram pra participar de eventos, de ações. Ano passado então eu estive na ONU, em Nova Iorque, (risos) pra participar de um painel sobre moda e natureza, então eu fui mediadora do painel, então pra mim foi um grande marco na minha carreira, mesmo. Depois também eu tive uma oportunidade de ir pra Inglaterra, também foi a convite através da Vogue, pra estar num evento de moda... não, pra fazer parte de uma programação que teve algumas atividades falando sobre a Amazônia, sobre moda e sustentabilidade, teve um painel que eu participei e depois teve um evento tipo beneficente, que era pra arrecadar fundos pra Amazônia, que é de uma organização inglesa, que uma das pessoas da frente é brasileira e ela arrecada fundos na Inglaterra, pra mandar pra uma outra organização na Amazônia e fazer um trabalho social, então daí também voltei pra Londres a trabalho, (risos) também foi bem interessante, ficando em hotel. (risos)
P/1 – Nem precisar ser garçonete...
R – Exatamente. Daí eu estava do ‘outro lado’. (risos)
P/1 – E quais são as coisas mais importantes pra você, hoje?
R - Minha família, acho que as pessoas da minha vida, minhas ‘manas’. As coisas mais importantes na minha vida não são as coisas, (risos) as pessoas: minha família, minha mãe, meu pai, minha irmã, minhas ‘manas’ também, da minha irmandade, tem várias ‘manas’ que somos muito conectadas mesmo, tem essa irmandade. Meus ‘manos’ também, mas mais as ‘manas’. (risos) As pessoas também até da moda, conheci muitas amigas e amigos que viraram pessoas na minha vida, as criei, então eu acho que ter essa rede. As pessoas. Também sou muito conectada com o Daime, com a comunidade do Santo Daime, eu sigo em frente, firme, nunca parei, então amo fazer os trabalhos espirituais, ir pra igreja. Sigo aí, nessas lutas pelo meio ambiente também, pela floresta, pela natureza, adoro ir pra cachoeira, pra praia, estar com as pessoas.
P/1 – E quais são os seus sonhos?
R – Ai, não sei qual é meu sonho. Acho que eu vejo que viver em paz é sempre algo que eu falo, porque às vezes a gente fica esperando algo do futuro e a vida está acontecendo hoje e tantas coisas boas já aconteceram no passado, acontecem hoje, se Deus quiser vão continuar acontecendo, então eu acho que meu sonho é se manter presente no presente, em paz, ver também minha família vivendo bem, ter saúde, ter paz e profissional é ver também que o que eu faço faz sentido, está causando transformações, está impactando de alguma forma, então é isso, eu espero também alcançar outros espaços com essa mensagem. Enfim, que faça sentido, (risos) porque quando a gente vê que está naquele lugar: “Ai, não sei se está fazendo muito sentido”, daí fica um pouco mais difícil. Então, quero viver no presente, fazendo sentido. (risos) Acho que esse é o meu sonho.
P/1 – E o que você gostaria que fosse, que será o seu legado?
R – Eu acho que o meu legado... eu espero que, talvez, o meu legado como profissional seja desse respeito à natureza, com a moda mesmo, trazer essa integração da moda à natureza, às pessoas, às culturas. Que a gente não pense em roupas, em coisas só por ser como elas são, mas que a gente considere tudo que está por trás, que a gente realmente, daqui pra frente, cada vez mais tenha uma indústria, um setor que seja mais transparente, mais responsável e que faça bem pras pessoas, pro planeta. Então, como tudo, o que a gente quer é isso, que o mundo seja um lugar bom pras pessoas, pros animais também, (risos) pros gatinhos, pras vacas, grandes sofredoras. Então, acho que é isso.
P/1 – Estamos finalizando, mas eu queria saber se você tem alguma história que você gostaria de acrescentar, sobre algum encontro, algum momento da sua vida, que a gente não tenha te perguntado.
R – Profissional? Pessoal?
P/1 – É.
R – Acho que profissional teve alguns momentos que foram bem marcantes, eu ganhei um prêmio da Glamour. (risos) Dentro do Fashion Revolution a gente já lançou um livro também, então acho que foram marcos o lançamento do livro, o prêmio da Glamour, estar na ONU. Então, acho que esses são alguns destaques profissionais. Na vida pessoal eu acho que é a minha história na espiritualidade mesmo, que é a fonte de onde eu me conecto mesmo com a vida, nesse lugar de sentir essa vida presente e poder ir atrás e fazer outras coisas. Tipo aquela onda, minha mãe que fala: “Você tem que ser que nem uma onda boa, que vai indo e levando”. Então, a gente tem que ser uma onda boa, que vai fazendo as coisas boas. Então, é isso que eu busco. Às vezes é difícil, porque é tanta coisa nesse mundo pra gente fazer, que às vezes é tão pouquinho, é tão mínimo o que a gente faz, que você fala: “Meu Deus, olha o tanto que tem pra fazer!” Mas espero ter força e coragem aí, pra fazer parte de bons movimentos.
P/1 – Que prêmio foi esse?
R – É um prêmio da Glamour, tem esse prêmio que eu ganhei, Geração Glamour Mulheres, categoria sustentabilidade. (risos)
P/1 – Foi que ano?
R – Em 2019. Antes da pandemia.
P/1 – Última. Não, mais duas. Como foi, pra você, contar, dividir um pouquinho com a gente a sua história e lembrar da Fernanda que fazia teatro e já pensava em sustentabilidade _______ e pensando em todas essas transformações e movimentos?
R – Nossa, eu não estava esperando! (risos) No começo eu falei: “Meu Deus, eu não vou aguentar uma terapia e começar a olhar lá pro passado”. Tem coisas que às vezes a gente não lembra, no dia a dia, ou fica guardado em um lugar da memória que a gente quase nunca acessa. Então, foi interessante. Até já olhando as fotos, eu falei: “Nossa, essa foto ali...”, tentando lembrar, vendo a família e tudo isso, então foi bem especial e diferente, que eu estou tão acostumada a dar... fazer falas institucionais, explicar o Fashion Revolution, mas acho que nunca ninguém perguntou tanto (risos) sobre a minha vida, minha história e é interessante saber que, de alguma forma, a nossa história também tem valor, que sei lá, às vezes a gente quer trabalhar pelo todo, então adorei! (risos) Fiquei muito feliz e emocionada, até chorei. (risos)
P/1 – E é isso: pensando você pequena, queria trabalhar mais nessa área de Humanas, artística, a moda é uma expressão, uma linguagem que está por aí.
R – Sim, exatamente. A gente vê que, de alguma forma, a Fernanda criança, que estava ali buscando se expressar, fazer ações ali, alguma coisa, se comunicar e trazer mensagens, de alguma forma esse sonho se realizou, aconteceu e está acontecendo e ainda tem muito pra acontecer, porque não para. (risos)
P/1 – É isso.
R – É isso.
P/1 – Qual é a sua primeira lembrança da vida, pra finalizar?
R – Ai, gente! Ai, não sei. Ai, não sei se a primeira, buscando, eu lembro eu criança brincando no quarto, na minha casa mesmo, com a família. (risos)
P/1 – Obrigada, obrigada, obrigada.
R – Ai, gente, adorei!
P/1 – De coração, muito gostoso.
R – Ai, sobrevivi à terapia! (risos)Recolher