Plano Anual de Atividades 2013
Projeto Nestlé Ouvir o Outro: Compartilhando Valores – PRONAC 128976
Depoimento de Marcos Donizete Mazieiro
Entrevistado por Vanuza Ramos
São José do Rio Pardo, 10 de julho de 2014
NCV_HV036_Marcos Donizete Mazieiro
Realização Museu da Pessoa
Transcrito por Bruna Kocsis Dorés
P/1 – Marcos, para começar, eu queria que você falasse o seu nome completo, a data e o local do seu nascimento.
R – Marcos Donizete Mazieiro, São José do Rio Pardo, 18 de junho de 1974.
P/1 – Seus pais também são daqui, Marcos?
R – São.
P/1 – Eles nasceram em São José?
R – A minha mãe nasceu em Mococa.
P/1 – E o seu pai em São José do Rio Pardo?
R – O meu pai nasceu aqui em São José.
P/1 – Qual o nome deles?
R – Meu pai chama Atílio Mazieiro e minha mãe Laura Marcelina de Sousa Mazieiro.
P/1 – Eles trabalham com o que, Marcos?
R – O meu pai no sítio até hoje, e a minha mãe é dona de casa.
P/1 – Eles estão juntos?
R – Estão juntos.
P/1 – Eles moram com você?
R – Não, não. Nós moramos no mesmo no sítio, mas eu tenho a minha casa e eles têm a deles.
P/1 – Como seu pai é? O que te faz pensar nele? Uma característica marcante?
R – Tipo?
P/1 – Algo que quando você pensa em seu pai, você fala: “Nossa, isso nele é muito marcante, é uma característica do meu pai”. Uma coisa que te faz lembrar dele.
R – Gostar das coisas certas! Ele gosta das coisas muito certinhas, meio bravo. É isso que faz eu lembrar bem dele.
P/1 – E sua mãe?
R – Minha mãe? De ser quieta, muito quietinha. Brava de um tanto que Deus me livre e guarde (riso), muito brava.
P/1 – Você tem irmãos, Marcos?
R – Tenho uma irmã.
P/1 – Uma irmã mais nova?
R – Mais nova.
P/1 – Quantos anos ela tem?
R – Trinta e oito.
P/1 – E você cresceu aqui em São José?
R – Aqui em São José.
P/1 – Onde você cresceu?
R – Lá no sítio mesmo.
P/1 – Como é o...
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Projeto Nestlé Ouvir o Outro: Compartilhando Valores – PRONAC 128976
Depoimento de Marcos Donizete Mazieiro
Entrevistado por Vanuza Ramos
São José do Rio Pardo, 10 de julho de 2014
NCV_HV036_Marcos Donizete Mazieiro
Realização Museu da Pessoa
Transcrito por Bruna Kocsis Dorés
P/1 – Marcos, para começar, eu queria que você falasse o seu nome completo, a data e o local do seu nascimento.
R – Marcos Donizete Mazieiro, São José do Rio Pardo, 18 de junho de 1974.
P/1 – Seus pais também são daqui, Marcos?
R – São.
P/1 – Eles nasceram em São José?
R – A minha mãe nasceu em Mococa.
P/1 – E o seu pai em São José do Rio Pardo?
R – O meu pai nasceu aqui em São José.
P/1 – Qual o nome deles?
R – Meu pai chama Atílio Mazieiro e minha mãe Laura Marcelina de Sousa Mazieiro.
P/1 – Eles trabalham com o que, Marcos?
R – O meu pai no sítio até hoje, e a minha mãe é dona de casa.
P/1 – Eles estão juntos?
R – Estão juntos.
P/1 – Eles moram com você?
R – Não, não. Nós moramos no mesmo no sítio, mas eu tenho a minha casa e eles têm a deles.
P/1 – Como seu pai é? O que te faz pensar nele? Uma característica marcante?
R – Tipo?
P/1 – Algo que quando você pensa em seu pai, você fala: “Nossa, isso nele é muito marcante, é uma característica do meu pai”. Uma coisa que te faz lembrar dele.
R – Gostar das coisas certas! Ele gosta das coisas muito certinhas, meio bravo. É isso que faz eu lembrar bem dele.
P/1 – E sua mãe?
R – Minha mãe? De ser quieta, muito quietinha. Brava de um tanto que Deus me livre e guarde (riso), muito brava.
P/1 – Você tem irmãos, Marcos?
R – Tenho uma irmã.
P/1 – Uma irmã mais nova?
R – Mais nova.
P/1 – Quantos anos ela tem?
R – Trinta e oito.
P/1 – E você cresceu aqui em São José?
R – Aqui em São José.
P/1 – Onde você cresceu?
R – Lá no sítio mesmo.
P/1 – Como é o nome do sítio de vocês?
R – Aonde eu moro é Sítio Monte Alegre.
P/1 – Que foi onde você nasceu?
R – Onde eu nasci.
P/1 – Você cresceu lá?
R – Cresci lá e estou até hoje.
P/1 – O que é que você lembra da infância? Como era a sua casa?
R – Tanto o meu pai quanto a minha mãe vieram de família bem humilde, mas bem humilde mesmo. Que nem, eu sempre tiro sarro dele, né, quando a gente está brincando, eu falo assim: “Olha pai, o senhor nasceu debaixo de uma mangueira, o que o senhor está falando?”. Aí, foi, juntou lá com mais quatro tios, compraram um pedacinho de terra de dois alqueires, trabalhando de empregado, capinando café para os outros, cortando cana na Taiquara. Foi onde eles compraram lá, os irmãos, pra poder sair do que é dos outros. Aí, cada um foi… Meu pai continuou trabalhando em Taiquara e os meus tios foram começar a limpar a terra, que era só eucalipto, não tinha casa, não tinha nada. Aí, construíram umas casinhas lá, muito simples, muito simples mesmo. Mas já era deles, né? Aí, foram trabalhando, meus primos foram crescendo, nós fomos crescendo. E aí, hoje graças a Deus tá…
P/1 – E você como os seus pais se conheceram?
R – Olha, segundo o que eles passam lá pra mim, foi numa festa que tinha no sítio, eles falaram, acho que de Santo Reis, coisa assim. No sítio, de primeira antigamente tinha. Aí, parece que foi lá que eles se conheceram.
P/1 – Aí eles se casaram e o seu pai já tinha essa terra?
R – Não. É, quando casaram tinha. Quando eles se casaram, minha mãe casou, os dois casaram, eles foram lá pro sítio.
P/1 – E você lembra dessa casa onde você cresceu?
R – Lembro.
P/1 – Como era ela?
R – Quando eu… Até meus oito, nove, dez anos, eram três cômodos só. Era o quarto da minha mãe, a sala, cozinha e um banheirinho pro lado de fora de casa, era só isso. Aí, teve eu, depois veio a minha irmã. Aí, a minha irmã dormia com o meu pai e eu – como era mais velho – passava no sofá (riso). Foi indo, até que começaram a trabalhar um pouquinho mais, foram trabalhando, aí construiu mais dois quartos: um pra mim, outro pra minha irmã. E é onde estão até o hoje o meu pai e a minha mãe.
P/1 – Mesma casa?
R – Mesma casa, é, só que agora já está… É bem simples, bem humilde, porque é jeito que eles dois gostam, mas está bem mais confortável do que (riso) quando a gente nasceu, era muito…
P/1 – E vocês brincavam nesse sítio? Como era a infância lá? O que é que vocês faziam?
R – Não deu muito tempo pra brincar, não. Eu comecei a trabalhar com sete anos. Já fui pra roça. E tinha que trabalhar porque meu pai não tinha condições e a gente trabalhava. O sítio era pequeno e a gente tinha, por causa dos irmãos, tinha mais gente – meus primos – e aí então a gente trabalhava no sítio e tocava a meia pros outros, em outro sítio, porque a gente planta e o que colhe é metade cada um, né? Aí, trabalhava e fomos… Então, brincava ou era de domingo, sábado, depois das quatro horas, jogava uma bola, brincava de pique naquela época, bolinha de gude a gente jogava, eram essas brincadeiras. Mas no sábado depois das quatro e domingo depois do meio-dia também, que tinha que trabalhar.
P/1 – E qual era sua brincadeira preferida?
R – Acho que era jogar bola mesmo, correr, mas era jogar bola no terreiro de casa assim mesmo, terreirão, não tinha campo de bola, não tinha nada.
P/1 – E quem que brincava com você nessa época?
R – Tinha uns vizinhos, mais vizinhos, meus três primos que tem lá.
P/1 – Seus primos também cresceram na mesma propriedade?
R – Na mesma propriedade, é.
P/1 – Todo mundo e sua irmã.
R – Hum hum.
P/1 – E você estudava nessa época, Marcos?
R – Eu comecei a estudar com oito anos. Eu estudei até a oitava, fiz até a oitava série só. A minha irmã já fez colégio, os outros primos meus fizeram tudo colégio, é que eu era o mais bonzinho da turma então eu fiz até a oitava só (riso).
P/1 – E você estudava aonde? Sua primeira escola era aonde?
R – Era o João Gabriel Ribeiro, né? João Gabriel Ribeiro.
P/1 – Fica no centro da cidade?
R – Não, não. Fica no bairro da Vila Pereira.
P/1 – Próximo do sítio.
R – Isso, era a escola mais próxima do sítio.
P/1 – O que é que você lembra dessa escola?
R – Escola boa, lembro. Tinha uns professores bravos na época, nossa mãe (riso)! Uma escola muito boa…
P/1 – Você se alfabetizou nessa escola?
R – Nessa escola.
P/1 – Você ficou lá até que série?
R – Lá eu fiquei até na quinta. E depois, aí eu já fui… Só que no ano da quinta série eu parei de estudar por causa de serviço, então não concluí a quinta série lá. Aí, eu fui pro Cândido Rodrigues à noite. Trabalhava de dia na roça, e à noite eu ia lá, que onde foi que eu terminei a oitava série.
P/1 – E teve algum professor que você lembra dele de uma forma diferente, que te marcou?
R – Olha, assim… Tinha, na minha época, tinha a Dona Elisa Rosa de Português, uma que eu não gostava de Português e ela era muito brava. E o Seu Jorge, que era de Matemática, é o que eu mais gostava também porque Matemática era bem fácil pra mim (riso), então eu acho que era por causa disso.
P/1 – Sua matéria preferida era qual?
R – Matemática, porque era bem fácil pra mim. Matemática, graças a Deus, não tenho problema nenhum.
P/1 – Você levava bem.
R – É.
P/1 – Dessa época da infância pra adolescência, o que é que você passou a fazer? Você já estava um pouco mais velho, estava estudando à noite. O quê que você fazia de lazer?
R – De lazer? De vez em quando fazia alguma festinha em casa, mas não tinha muito tempo, não tinha força pra sair muito assim, passear. Não fui de passear não.
P/1 – Nem de domingo?
R – Na época, de domingo o máximo que ia era na missa, na casa da tia ou na casa da madrinha e na missa. Até os 18, 20 anos, foi assim.
P/1 – Tinha cinema aí, na cidade?
R – Tinha.
P/1 – E você não ia?
R – Não, não tinha força não. Se ia, na segunda-feira eu queria acordar mais tarde e já dava problema em casa (riso). Eu tinha que dormir mesmo.
P/1 – Não dava tempo. E a paquera, os primeiros namoros, como é que ficava?
R – Lá pro sítio sempre tem umas meninas, então (riso) dava pra dar um jeito de dar umas namoradinhas, umas paqueradas, isso assim dava.
P/1 – Lá no sítio mesmo.
R – É.
P/1 – E que tipo de músicas vocês ouviam nessas festas?
R – Eu sempre gostei de Sertanejo, até hoje. Só que nas festas, assim, tocava de tudo, né? Então…
P/1 – Qual o cantor ou compositor que você mais gosta?
R – De falar, assim mesmo, o cantor que eu mais gosto de ouvir, que eu gosto de escutar mesmo é Tião Carreiro, eu gosto (riso), como é raiz. Mas hoje em dia, que que eu vou te falar? Eu gosto de Sérgio Reis hoje.
P/1 – Certo. E quando você tinha essa idade de criança pra adolescente, você já pensava em uma profissão, o que é que você ia fazer, o que é que você ia ser?
R – Olha, pra falar a verdade, é roça mesmo.
P/1 – Você já pensava nisso.
R – É, gostava de ficar na lavoura mesmo, de mexer com criação, que a gente tem também no sítio. Por causa que eu acho que eu fui criado ali, eu acho que é por causa disso. Mas, oportunidade de estudar, depois que a gente já tinha “coisado”, até o pai já tinha condições de dar estudo pra gente. Que nem eu te falei, o único que não foi, fui eu mesmo, que os outros já fizeram colégio, tudo. Mas eu gostava de ficar ali pro meio do mato mesmo, dar uma voltinha a cavalo, então…
P/1 – Nunca pensou diferente, Marcos? De ser, sei lá, físico?
R – Não, até hoje não.
P/1 – Sempre pensou em trabalhar com o que você faz hoje.
R – É, até hoje graças a Deus. É difícil trabalhar na roça, muito difícil! Mas até hoje está bom.
P/1 – E você lembra quando você começou a sair sozinho?
R – A primeira vez que eu saí sozinho… À noite, no caso?
P/1 – Sim.
R – Acho que eu já tinha uns 17 pros 18 anos. Quando deu umas dez e meia, minha mãe mandou me buscar (riso). Imagina bem, nos dias de hoje, estão de saindo de casa umas 11 horas, né (riso)? De preocupação, por causa que a estrada eu vinha a pé. A estrada é até mais longe que isso aqui, de tudo mato, né, terra. Aí minha mãe mandou me buscar, eu lembro até hoje. Aí ela chamou um primo meu, pegaram o carro e foram atrás de mim, mas eu já estava indo pra casa.
P/1 – E você foi fazer o que?
R – Nós dois viemos pro jardim, pra praça. Aí passeamos na quermesse. Na época, tinha a quermesse de São Roque, passeamos na igreja ali na quermesse, já tava indo embora.
P/1 – Foi a primeira vez que você saiu só.
R – É.
P/1 – Dezessete anos?
R – Dezessete anos.
P/1 – E quando você começou a trabalhar, você disse que começou com sete anos. Nessa época, seus pais já te davam um trocadinho, tinha algum pagamento?
R – Não.
P/1 – Quando foi que você recebeu o primeiro pagamento pelo seu trabalho?
R – A gente lá no sítio trabalha, assim: o pai bancava tudo, só que era tudo na mão dele também, desde assim, era ele que tomava conta do sítio. Nós trabalhávamos com mais quatro primos, né? Eu e mais quatro primos, o meu pai e os finados meus tios. Só que, primeiro era ele que tomava conta do sítio, ele era responsável por tudo. Então, a gente trabalhava no sítio, ele que vendia, ele que comprava, e ele ficava com o dinheiro. Só que chegava o final de semana, ele dava um dinheirinho pra nós sairmos, mas era a conta de ir, tomar um refrigerante, uma cervejinha e voltar. Só que era ele que comprava calçado, ele que comprava roupa, era tudo por conta dele que ele é muito seguro, era desse jeito. Falar que eu recebia um pagamento remunerado pelo serviço, a gente não tinha, não.
P/1 – Mas chegou uma hora que você passou a ter o seu dinheiro.
R – Agora que não é ele que manda mais, sou eu (riso). Agora eu tenho o meu…
P/1 – Quando que foi isso, com quantos anos?
R – Faz três anos que passou pra minha responsabilidade.
P/1 – Entendi. E você fez alguma coisa especial quando você teve esse seu dinheiro na mão, teve alguma coisa que você comprou?
R – Não.
P/1 – Nada que você tivesse pensado: “Nossa, quando eu tiver um dinheiro eu vou fazer isso”?
R – Bem dizer, pra a vida simples que eu gosto! Assim, já está bom.
P/1 – Comprar um CD, um carro, uma moto, um aparelho de celular?
R – Não, essas coisas a gente, ele já dava, né? Então: “Ô pai, estou precisando disso” “Então vai comprar. Quanto custa?” “Custa tanto” “Então vai lá, ou compra no meu nome ou toma aqui o dinheiro”. Era sempre assim. Então, bem dizer…
P/1 – Entendi. E você sabe a origem da sua família, Marcos? Eles são brasileiros, os seus pais eram imigrantes, os seus avós?
R – O meu pai é descendente de italiano. Ele veio aqui pra fazenda Santo Antônio Soares, o meu avô já veio pra cá, só que ele nasceu aqui. O pai do meu pai, minha avó e meu avô são italianos. Eles nasceram aqui. A minha mãe, eu não sei a origem da minha mãe não. Eu sei que eles vieram do Nordeste, meu avô era nordestino.
P/1 – E você sabe por que eles mudaram? Por que os seus avós italianos vieram pra aqui, por que seus avós nordestinos também vieram?
R – O meu avô, por parte da minha mãe, veio por melhores condições. Agora, por parte do meu pai, não comentam assim, não. Uns têm uns comentários lá (riso), mas parece que veio meio fugido. Parece que na época, na Itália, tinha muita fome, muita coisa lá. Então, eles fugiram, diz que vieram de navio, escondidos. Então, eles não comentam… Tanto é que até hoje ninguém tem foto do meu avô.
P/1 – Você chegou a conhecer seus avós?
R – Não.
P/1 – Nem paternos, nem maternos?
R – Só conheci o meu bisavô materno, só ele. Meu avô materno eu não conheci, nada… Nem avó. Porque quem acabou criando a minha mãe foi o meu bisavô, que meu avô abandonou ela, largou ela criança e foi embora. Então, eu conheci meu bisavô.
P/1 – Entendi. E você é casado, Marcos?
R – Sou.
P/1 – Qual é o nome da sua esposa?
R – Fátima da Silva Aguiar Mazieiro.
P/1 – Como foi que você conheceu ela?
R – Olha, eu ia indo pra casa, eu já estava, vamos dizer, uns três quarteirões de casa e encontrei um amigo: “Vamos pro baile de novo?” “Vamos, ué”. E eu já estava noivo (riso), olha só. Aí, eu falei: “Vamos”. Aí, chegou lá eu vi ela. Aí, eu falei assim… Que era amiga de um amigo. Eu fiquei conversando com ela e falei assim: “Nossa, será que dá pra eu sair com essa menina uma hora escondido?”. Acabamos casando (riso). Olha aí, foi um rolo, nossa senhora!
P/1 – E aí, como é que você fez para sair desse rolo?
R – Como que eu fiz? Tomei uns goles, né, e liguei pra outra: “Ó, não estou indo mais aí não”. Deu uma briga (riso), nem vou contar!
P/1 – E aí vocês fizeram festa?
R – Não.
P/1 – De casamento?
R – Ah não, de casamento fizemos.
P/1 – Tem quantos anos que vocês se casaram?
R – Faz três anos de casado, três pra quatro, já vai pra quatro anos agora em setembro, quatro anos de casado.
P/1 – E aí como foi essa festa?
R – Fizemos num salão aí da cidade, alugamos. Foi uma festa boa. Segundo os comentários dos amigos (riso), foi muito boa.
P/1 – Você gostou da sua festa?
R – Gostei, gostei.
P/1 – Se divertiu?
R – Oxe!
P/1 – E vocês têm filhos?
R – Temos uma filha.
P/1 – Como é o nome dela?
R – Maria Laura Aguiar Mazieiro.
P/1 – Ela está com quantos aninhos?
R – Ela vai fazer três amanhã.
P/1 – E como foi ser pai pra você?
R – Foi aí que eu comecei a dar valor à vida, que antes não tinha muita importância não. Como eu te falei, o meu pai: “Ó, estou precisando disso” “Toma aqui” “Estou precisando daquilo”. Só ele fazia, mas a gente trabalhava, mas ele não tirava as coisas que a gente pedia, vamos dizer assim. E quando eu tive a minha filha, eu vi o trabalho que eu dei pro meu pai e pra minha mãe (riso). Hoje eu vejo, nossa mãe! Hoje eu vejo como é bom ser pai.
P/1 – Marcos, coincidiu um pouco a época do seu casamento com sua independência do seu pai. Como foi isso?
R – Foi. Porque meu pai já está com 81 anos, só que ele trabalha até hoje, tudo, ele cuida das criações dele, trabalha, tudo, mas na época, ele ficou doente. Aí, ele tocou passar pra frente. Ai, foi onde eu comecei a tomar conta.
P/1 – Daí você saiu da casa do seu pai quando você casou?
R – Não, não. Quando eu casei, saí. Eu construí… Ele construiu uma casa pra mim e eu fui morar na minha casa.
P/1 – No mesmo sítio?
R – No mesmo sítio.
P/1 – Aí as casas são próximas?
R – São, são próximas.
P/1 – Você acha que foi uma coincidência ou que isso iria acontecer por você ter casado, ter saído de casa? Se seu pai não tivesse ficado doente, você acha que você ia ter essa independência?
R – Eu falo que se ele não tivesse ficado doente, que ele ia comandar até hoje. Porque até hoje ele vem lá chamar a minha atenção: “Olha você está fazendo isso errado, você está gastando demais nisso”. Então, ele é seguro, ele gosta de, assim, não precisar depender de banco pra comprar as coisas, de estar com as coisas tudo paga, ele gosta das coisas tudo certinhas. Então, vamos supor, a gente vem comprar adubo, vem comprar veneno, semente: “Olha, você vai, compra e paga”. Ele é assim, então…
P/1 – E como é a produção no sítio? Vocês produzem juntos, ele tem a produção dele e você tem a sua?
R – É, hoje ele não mexe mais com lavoura, hoje em dia. A parte de roça, de lavoura, ficou só pra gente. Ele é aposentado, minha mãe também. Então, ele vive da aposentadoria e dos negócios dele, das criações que ele tem.
P/1 – Criação de gado?
R – Isso, é.
P/1 – E você mexe com lavoura de quê?
R – De alho-poró, salsa, aipo. E planto umas verdurinhas pra mercado.
P/1 – Você falou “a gente”, tem mais alguém com você?
R – Eu e um primo.
P/1 – Vocês dois, e aí vocês são tipo sócios?
R – Isso, é.
P/1 – E quais são as outras verduras que você disse que faz pra mercado?
R – Agora, a gente estava com muita falta d’água e estava plantando um pouco de alface, planta couve, um pouco de repolho, beterraba, essas coisas.
P/1 – E produz pros mercados da própria cidade?
R – É, produz pros compradores aqui da cidade.
P/1 – E como foi que você tomou contato com a Nestlé, com esse projeto de produção de leguminosas?
R – Já faz uns 15 anos, mais, 18 anos já faz. Na época, tinha dois vizinhos que plantavam, só que a gente não plantava pra Nestlé, a gente tinha muito pouca terra, no caso como eu te falei, muito pouquinho, e trabalhava pra fora. Aí um dia o rapaz que faz o mesmo serviço do João Roque hoje, que chamava Vito, passou lá e conversou com o meu primo, esse que está comigo hoje, falou se nós queríamos plantar. Ele falou: “Olha, eu vou ver com o meu tio que é ele que resolve”, que é o meu pai. Aí, ele desceu lá, conversou com meu pai e meu pai falou: “Olha, vamos plantar. Só que a gente precisa de uma terra aqui mais perto de nós”. Aí, nós plantávamos no sítio do vizinho de meeiro, foi aí que nós começamos a plantar.
P/1 – Explica um pouquinho como é esse “de meeiro”. Como é isso?
R – A gente planta, divide os custos e reparte o lucro.
P/1 – Reparte o lucro, reparte a produção.
R – Isso, é.
P/1 – E o vizinho já produzia pra Nestlé?
R – Não, o vizinho também não. A gente começou a plantar nas terras dele porque a gente não tinha terra suficiente, só que ele não plantava. Depois de três anos que a gente estava plantando, que ele começou a plantar também.
P/1 – Entendi. Então até esse período vocês plantavam na terra dele. E Daí, o que aconteceu?
R – Então, ai, acho que mais dois anos, então cinco anos que a gente plantava lá nas terras desse vizinho, a gente comprou outro sítio. Aí a gente passou, paramos de trabalhar de meeiro e plantamos nesses dois sítios que a gente tem hoje, que é perto da onde eu moro, que é o sítio que nós moramos.
P/1 – Juntou a propriedade?
R – É assim, não uniu, porque tem uma certa… Dá uns 500 metros uma propriedade da outra.
P/1 – E vocês produziam há 18 anos atrás quando começaram a produzir pra Nestlé?
R – Na época, produzia salsa e mais cenoura. Aí depois, teve uma época que ia alho-poró também produzia. Aí depois, teve uma época que quase parou de produzir salsa. E agora de uns anos pra cá que está produzindo mais. E aí veio o aipo, cenoura também e…
P/1 – E o quê que determina a produção? Por exemplo, um período de cenoura, outro de aipo. Por quê é que tem essas mudanças?
R – Por causa que depende do clima, né? O aipo, o alho e a salsa é mais do frio, e a cenoura não tem… A cenoura tem várias qualidades, então pode plantar o ano inteiro. Agora o aipo, o alho, a salsa tem os meses mais certos de plantar.
P/1 – E o que é que vocês mais produziram dessas leguminosas ao longo desses anos?
R – Eu acho que foi salsa e alho-poró.
P/1 – Por causa do clima mesmo ou por determinação da Nestlé, que precisava mais de um ou de outro?
R – Ah, acho que na nossa terra é mais fácil de mexer com essas plantas. Então é por causa disso mesmo. Que a gente mais ou menos falava: “Vamos plantar isso”. Plantava menos cenoura, que ocupa mais espaço, né, então compramos outro sítio, mas também não é tanta terra, né? Então assim, planta mais o que rende, dá um pouco mais de renda, né?
P/1 – E antes de produzir pra Nestlé vocês produziam pra quem?
R – Antigamente o pai plantava mais milho, arroz na época, feijão e um pouco de… Eu lembro que plantava abobrinha, repolho, entendeu?
P/1 – E vendia pra quem?
R – Pros compradores da cidade mesmo, mercadinhos da cidade.
P/1 – Tinha alguma cooperativa?
R – Não, não. Não.
P/1 – E aí, esse vizinho chegou e propôs vender para Nestlé. A partir daí, o que mudou? O que vocês precisaram fazer para começar a produzir pra Nestlé?
R – A gente já vinha de roça, né, então não mudou quase nada. Assim, fazia umas coisas mais deixado assim, e aí começou a pegar… Passava as coisas mais certas, produzia um pouco mais de qualidade, vamos dizer assim.
P/1 – Você tinha quantos anos nessa época, Marcos?
R – Acho que eu tinha 20 e poucos anos.
P/1 – E aí você já trabalhava?
R – Já.
P/1 – Só ali mesmo?
R – É.
P/1 – Não estudava mais?
R – Não, nessa época, não. Nessa época, eu já tinha parado de estudar.
P/1 – E você buscava conhecimento técnico em algum lugar? Tipo a assinatura de uma revista, um programa de televisão?
R – Não.
P/1 – Nunca estudou nada dessa área?
R – Até a gente começar a plantar pra Nestlé, não.
P/1 – E daí o que é que você começou a estudar, depois que você passou a plantar pra Nestlé?
R – Então, depois de um bom tempo pra cá, que a gente vai indo em muita palestra, muito curso, que eles facilitam pra gente, então a gente começou.
P/1 – As palestras são sobre o que, no geral?
R – Quase de tudo. Sobre defensivo, adubo, manuseio de terra, quase de todas as coisas.
P/1 – O que é que você aprendeu? Tem uma prática que você mudou a partir desses cursos que você começou a fazer?
R – Tomar mais cuidado com os defensivos. Isso eu acho uma coisa muito importante, porque na época, quando a gente plantava só pra mercado, a gente não se incomodava muito, não usava tanto EPI (Equipamento de Proteção Individual), não incomodava, achava que o veneno era uma coisa que não ia fazer mal pra gente. Depois que a gente foi vendo, foi tendo palestra, foram mostrando o que pode acontecer com esses venenos. Aí a gente já começou a pegar medo ou consciência do que estava fazendo, né. Isso é uma coisa que eu agradeço, que mudou muito.
P/1 – E o EPI é o quê?
R – É a proteção que a gente usa pra passar veneno, né?
P/1 – É uma roupa?
R – É uma roupa, isso.
P/1 – Tem máscara?
R – Máscara, bota, luva.
P/1 – E aí vocês compram esse equipamento?
R – Compra.
P/1 – Entendi. E quem é que dá esses cursos, Marcos?
R – É o João que acerta com a turma da ESALQ, eu acho, e com os palestrantes, né?
P/1 – Os palestrantes da ESALQ?
R – É, da ESALQ. Não são todos, né? Ele conversa com os caras, eles que vêm.
P/1 – E quando você começou a produzir pra Nestlé, você passou por algum treinamento? A família de vocês foi em algum curso, conheceu algum lugar?
R – Não, não. Na época, não. Na época que a gente estava começando, os técnicos da Nestlé, lá os técnicos agrícolas que estavam em contato com o João, iam direto lá na roça e explicando pra gente: “Olha, faz assim”. Vai explicando: “Assim que fez”.
P/1 – Eles iam trocando ideias com vocês e eles determinavam o que vocês plantavam, onde plantavam, a área? Como era feito isso?
R – Isso, mais ou menos assim.
P/1 – Como era essa conversa com vocês? Você falou que seu pai era durão, sempre manteve a administração na mão dele. Quando chegou essa equipe da Nestlé, como foi que ele começou a lidar com isso? Você observava, você ainda ajudava ele, não participava dessas decisões. E ele, como é que ele agia?
R – Ele ouvia. Por não ter estudo, ele via mais ou menos assim, que ia dar o lucro, que eles estavam certos, e só mandava nós trabalharmos: “Vamos trabalhar que vai dar certo”. E, graças a Deus, deu.
P/1 – Teve alguma vez que eles discordaram, que seu pai achou que não devia ser de tal forma e que a equipe da Nestlé achava que não? Acontecia isso em alguma situação?
R – Acho que chegou a acontecer sim, mas eles conversavam ali, sempre entraram em acordo, nunca deu problema.
P/1 – Vocês sempre seguiam as recomendações?
R – Isso é, sempre seguia.
P/1 – E vocês passaram por alguma dificuldade durante esse período que vocês plantam para Nestlé pra cá, ou mesmo antes? Alguma perda grande de produção?
R – Não chegou a perder a lavoura total, assim, pra Nestlé nunca chegou a perder não. Talvez perdeu alguma área que entrou doença, que aí não podia ir, alguma coisa assim, alguma infestação. Aí aquele quadrinho pequeno foi tirado fora. Mas falar que perder a lavoura inteira, nunca chegou a perder, não.
P/1 – E teve alguma grande mudança ou um marco que vocês tiveram ao longo desse tempo que vocês vendem pra Nestlé, que vocês faziam de um jeito e mudaram? Porque aconteceu, de repente uma palestra, um conhecimento, além dessa coisa da segurança que você falou?
R – Mudou muito. De quando a gente começou, você fala, pra hoje? Mudou muito, porque na época, não tinha tanta restrição de veneno assim, específico, controlado, essas coisas, né, então, isso já mudou.
P/1 – E qual é o critério para uso de agrotóxicos? Qual é a determinação, por exemplo, para você vender um produto da Nestlé? Que tipo de produto é inteiramente proibido? Que tipo de produto é permitido? Como é isso?
R – A gente pra passar, evita o máximo possível. Só passa na hora que vê que está com um problema muito sério. Aí a gente se comunica com o João, aí ele vem, olha, e aí vê certinho o produto que é, como fala? Constado pelo Ministério da Agricultura, que é liberado, a gente vê certinho, conversa e aí, passa. Não passa nada restrito, assim, vamos supor, não é pra essa cultura, não passa. É assim. Muitos produtos aí que no mercado é muito perigoso, é totalmente proibido. Se eles pegarem, eles devolvem a tua produção. Então, a gente nunca arriscou! Pra não perder o que tem, né?
P/1 – E tem algum produto que seja permitido, mas que vocês não usam porque apesar de ser permitido não é algo aconselhável, que existem estudos que deu problema e que, por exemplo, de repente vocês sabem que não é legal usar? Existe isso? Esse permitido que vocês não fazem uso por saber que não...
R – Se não tiver necessidade, a gente não passa. Só passa em necessidades assim, ou passa ou perde. Isso produto permitido, senão, a gente não passa não. Quanto menos, melhor. Economia (riso)!
P/1 – E existe uma preocupação com a sustentabilidade, Marcos?
R – Como assim?
P/1 – Da sua parte, com a sustentabilidade, proteção do meio ambiente
R – Tem.
P/1 – O trabalho, a segurança de vocês. Dá um exemplo de alguma coisa que vocês pensam nessa questão de proteção do meio ambiente, economia.
R – A gente tem que proteger porque tem que deixar pros filhos, né? Então, a gente costuma preservar grade de córregos, as graduações, deixar uma reserva ali tudo, deixamos uma capoeirinha no sítio, tem um lugar lá que a gente reflorestou, tudo por causa disso. Porque cada um fazendo um pouquinho, né? Acho que melhora.
P/1 – E essa preocupação com o meio ambiente, como foi que ela veio pra você?
R – Dessas palestras. Porque antigamente, tinha uma árvore: “Ah, vamos cortar porque está estorvando no meio da terra”. Mas tem vez que ela não está estorvando, né? Então a gente foi aprendendo o quanto que é importante cuidar do meio ambiente. Aí, foi quando começamos a cuidar do que tinha.
P/1 – E como é a questão da água? Vocês têm problema de água aqui?
R – Esse ano lá no nosso sítio, a gente teve, que foi um ano muito seco. Até a gente plantou pouco por causa disso. Foi muito, muito seco mesmo.
P/1 – A água de vocês vem da onde?
R – Vem de mina. Tem um açude que vem de mina, é onde eu te falei que a gente reflorestou, fez um depósito bem grande.
P/1 – E aí vocês canalizam, tem bombeamento?
R – Bombeamento, isso.
P/1 – E sobre o seu trabalho, que importância você acha que tem o trabalho de uma pessoa que produz, que tem um cuidado com o meio ambiente, que tem um cuidado com agrotóxicos? Que importância tem isso pro mundo?
R – O quê que eu vou te falar? Eu acho que tem muito. Se for ver, né, eu acho assim que tem bem importância! Porque se eu mando um alimento sadio, que eu vou mandar o que eu levo pra minha filha comer, porque o que eu produzo lá, eu levo pra dentro da minha casa pra comer. E eu tenho uma menina de três anos, que é o que eu te falei, que é a coisa que eu dou mais importância na vida hoje, até mais na dela do que na minha. Então, você vê, pra mim eu acho que tem uma importância muito grande, né? Porque eu não vou querer pôr na mesa pra minha filha comer um produto que eu envenenei, um produto qualquer coisa. E é isso que eu mando pro mercado. No caso, eu mando pra Nestlé, né? Então, você vê, eu acho que tem uma importância muito grande a gente vê isso, né?
P/1 – E você pensa nesse percurso que o alimento faz desde quando você está lá cultivando a terra, cuidando daquele plantio, até o momento que ele chega na mesa da pessoa, no mercado? Você consegue perceber essa cadeia, pensar nela, ver o seu papel dentro dessa cadeia?
R – Eu não sei se a gente vê, mas eu tento fazer a minha parte, eu tento mandar uma coisa limpa, vamos dizer assim, na parte de agrotóxicos, eu tento fazer isso.
P/1 – Teve alguma coisa muito marcante que aconteceu ao longo desses anos, Marcos, com a produção de vocês, com a vida de vocês, mas ligado a essa parte profissional?
R – Marcante da lavoura? Como assim?
P/1 – Sim, da lavoura, da produção, do sítio, qualquer coisa. Até a relação mesmo, sua com a sua família, que vocês produzem, né, uma produção familiar.
R – Que eu me lembre agora, de cabeça assim, eu não lembro.
P/1 – Nunca teve um ano difícil, que vocês tiveram uma enchente, perdeu coisa, ou que tiveram problema de perder a lavoura?
R – Olha, eu acho que nesse período, esse ano está sendo o ano mais difícil. Porque é o ano que a gente quase não plantou, plantou muito pouquinho, por falta d’água. Nossa coisa foi a falta d’água mesmo.
P/1 – E o que vocês fizeram para reverter isso?
R – Diminuímos as plantas, né?
P/1 – Diminuiu a plantação. E que impacto isso vai ter pra vocês?
R – Financeiro?
P/1 – Também.
R – Tem, dá uma boa diferença no final do ano sim.
P/1 – No ano passado, vocês produziram que quantidade?
R – De cabeça não sei te falar. Mas produziu, vamo ver uma…
P/1 – Em torno de quanto? Não precisa ser exato.
R – Acho que em tudo, tudo, deve ter dado umas 60, 70 toneladas, mais ou menos.
P/1 – E você acha que esse ano vai pra quanto, com esse problema da seca?
R – Esse ano a gente já produziu, não chegou a dez, deu oito e pouquinho. Isso eu falo assim, produzido pra Nestlé, né? Então você vê, a diferença vai ser muito grande.
P/1 – Isso você fala desde que você lembra da produção de 18 anos pra cá, esse foi o pior ano?
R – Foi. Por causa da seca, foi. Esse ano foi. Os outros anos foram todos tranquilo. Eu te falei que em pouco tempo a gente comprou mais terra, foi andando, compramos trator, compramos carro, construí minha casa. Agora, esse ano se fosse pra construir casa, não construía não (riso), de jeito maneira. Esse ano foi o mais difícil. No nosso caso, no meu caso, que faltou água.
P/1 – Como é a produção, Marcos, lá na sua propriedade? Tem seu pai, você, seu primo. Vocês têm outras pessoas que trabalham pra vocês?
R – Tem, mas é ali mais na família mesmo.
P/1 – Sempre na família.
R – É. E a gente usa só, mais ou menos, em dia de colheita. Aí tem os da família ali, eles que dão uma mão pra gente, lá.
P/1 – Como você percebe o impacto de produzir pra Nestlé, tanto pra você, quanto pro seu primo, seu pai, sua esposa, sua filha e também para as pessoas do entorno? O que muda por você ser um produtor pra Nestlé? E se você não fosse como você acha que seria?
R – A diferença que nós vemos muito grande, é assim, é a questão de pagamento. Porque mercado, você vende, aí depende muito da consciência de quem compra, se ele vai mesmo te pagar. Porque hoje ele paga, talvez amanhã ele não paga. Então, é uma coisa muito difícil. Você tem que ter sorte, vender pra pessoa certa, escolher certo os seus compradores, porque senão você vai perder mesmo. E pra Nestlé você não tem esse problema na cabeça, a dor de cabeça é você fazer uma boa produção, produzir, colheu, o dinheiro está no bolso. Essa é a diferença que a gente vê, de mercado e Nestlé.
P/1 – E vocês têm outros clientes, outros compradores. A renda da sua família depende mais do que vocês fornecem pra Nestlé ou para esses outros mercados?
R – Nestlé.
P/1 – Quantos por cento, mais ou menos?
R – Uns 80% é Nestlé.
P/1 – Sobre a parceria com a ESALQ, você falou que tem palestras, tudo. Como é que acontece essa parceria na sua rotina de trabalho? Você está lá no seu sítio, quem é que vai lá? O que é que é feito? Que orientação tem? Que retorno você dá? Conta um pouquinho desse dia a dia com essa assistência que vocês têm, essa espécie de consultoria.
R – Então, quem dá assistência pra nós é o João, né? Mas sempre ele vai com um estagiário da ESALQ. E pra nós, é bom assim, que talvez tem algum problema, eles pegam, mandam pra lá, analisam, veem, tudo certinho. Então, é uma coisa que a gente não tem, né? Se fosse ver, isso é um custo, vamos supor, é um custo que a gente não tem e que se a gente quisesse fazer, teria.
P/1 – E antes vocês tinham, pagavam para fazer esse tipo de serviço?
R – Então não tinha, se quisesse tinha que pagar, né? Hoje a gente já não paga mais.
P/1 – Você lembra antes de vocês terem essa parceria, o que é que acontecia, por exemplo, quando tinha uma praga? O que é que vocês faziam?
R – A gente recorria aos agrônomos da cidade, das casas de revenda daí, né?
P/1 – Mas daí não tinha um trabalho técnico?
R – Não.
P/1 – Vocês compravam…
R – É, as pessoas quem vendem veneno iam lá e falavam: “Olha, passa isso”. Era assim. Tem uns que vão e te falam certo, tem uns que vão só pra vender, né? Então, é aí que vêm os prejuízos, né?
P/1 – Depois vocês passaram a ter isso e isso te incentivou a estudar alguma coisa? Mudou alguma coisa pra você, essas palestras, esses cursos?
R – Mudou. Mudou sim.
P/1 – Você mudou a sua prática?
R – Mudou.
P/1 – O que é que você mudou?
R – Bem coisa, viu? Você falou o modo da gente trabalhar? Então, a gente trabalha, bem diferente, assim, eu falo, do que era antes para agora, porque antigamente trabalhava meio de qualquer jeito, né? Agora, hoje não! Com essas palestras, a gente quer fazer a coisa mais certinha, às vezes espera, já somos de falar assim: “Vou fazer assim que é mais certo”. Aprendeu alguma coisa sim.
P/1 – E você vê algum resultado prático dessas coisas que vocês mudaram?
R – Vejo. Vejo.
P/1 – Por exemplo, o que é que mudou assim, na prática, com essa mudança de atitude, da forma de trabalhar de vocês?
R – Mudou na parte de rendimento. Assim, a gente planta numa área menor e colhe mais do que antes. A gente aprendeu a economizar água. Antigamente, a gente regava com uns bicos grossos, e hoje, rega com uns bicos fininhos e molha do mesmo jeito. Economizando água, você economiza energia e dá rendimento, né?
P/1 – E você acha que essas coisas que vocês aprenderam por conta dessa parceria, por conta de ter esse comprador certo, esse conhecimento passa para outras pessoas, para outros agricultores, que por exemplo, não vendem pra Nestlé, que não têm essa assessoria? Vocês trocam essas informações?
R – A gente conversa, com os vizinhos, no caso assim?
P/1 – Sim.
R – A gente conversa, fala: “Olha, a gente foi ver, viu isso. Fala: “Olha, tem na minha propriedade, do jeito que eu estou fazendo deu resultado”. A gente passa pra frente sim.
P/1 – Porque, às vezes, uma praga do vizinho pode atingir a sua lavoura, né? E se uma coisa dessas acontece, você acha que ele aceita essa informação? Como é isso no dia a dia de vocês?
R – Se ele vê resultado na tua propriedade ele acaba aceitando. Ele olha e fala: “Olha, ele está fazendo e está dando certo, né?”. Então ele aceita sim.
P/1 – E tem alguma cooperativa, alguma associação de produtores na região que vocês tenham encontros? Não por conta da Nestlé ou por conta da consultoria da ESALQ, mas da própria cidade, tipo um sindicato? Não seria um sindicato, porque vocês são os donos do negócio, mas alguma coisa que funcione nesse sentido, de colaboração, de troca de informações. Existe isso aqui em São José?
R – As revendas fazem assim, mas muito simples. Vamos supor, quando eles vão lançar um produto no mercado ou uma semente no mercado, então eles convidam os produtores, um monte de produtores, vai lá e o cara fala sobre, especificamente, sobre o que ele quer vender. Então é isso que tem, mas do contrário não tem nada, não.
P/1 – Não tem?
R – É.
P/1 – Tem essa coisa informal com o vizinho?
R – É, isso.
P/1 – E quando tem esses treinamentos, essas palestras, quem é que vai, Marcos, nessas palestras?
R – A maior parte, sou eu. Pra sair todo o mundo do sítio não pode, né?
P/1 – Seu primo fica e você vai?
R – É. Tem vezes que vamos os dois, mas a maior parte, sou eu.
P/1 – E seu pai não?
R – Não.
P/1 – E quando você vai pra lá você encontra quem? O curso não é só pra uma pessoa, normalmente é pra um grupo, como é isso?
R – É, pra um grupo.
P/1 – Um grupo de pessoas.
R – Isso.
P/1 – E é aberto pra comunidade?
R – No caso quando a gente faz assim, é só para os produtores da Nestlé, que a gente faz, né?
P/1 – Daí um comunica pro outro?
R – Não. Quando faz assim, o João passa avisando todo mundo, os produtores que vão e aí um grupo faz.
P/1 – E vocês se reúnem onde, quando tem esses encontros?
R – A gente fez uma palestra, que eu conheço, no Vila do Celso Breda lá, que é vizinho da gente, e a maior parte, na fábrica mesmo.
P/1 – Na fábrica... Tem uma fábrica da Nestlé?
R – É isso, na fábrica da Nestlé mesmo.
P/1 – Vocês têm contato com essa fábrica?
R – A maior parte nossa é com o João, mesmo.
P/1 – E teu produto é transportado o pra fábrica como?
R – Hoje é por caminhão, né? A gente colhe, põe no caminhão e o caminhão entrega pra gente.
P/1 – E o caminhão é da fábrica?
R – Não. A gente paga a viagem.
P/1 – O transporte.
R – É.
P/1 – A gente está caminhando um pouco mais pro final da entrevista. Eu queria que você falasse, pessoalmente, que aprendizado pra sua vida - sem pensar muito em trabalho – você tirou por participar da cadeia de produção pra Nestlé?
R – Para a minha vida? A melhora de vida que eu tive, né? Isso é uma vantagem. É o tipo de vantagem que eu tive, né?
P/1 – A melhora de vida você diz em que, Marcos? O que melhorou?
R – Eu tenho uma vida bem mais confortável que a do meu pai e a da minha mãe por esse motivo. Minha casa, se você for ver minha casa e a do meu pai e a da minha mãe, a minha casa não é uma casona, lógico, mas é uma casa muito mais bem confortável. Se for comparar o carro do meu pai, o meu é mais confortável. O tipo de vida que eu levo hoje, vamos supor assim, se for pôr perto do que o meu pai teve, bem melhor o meu do que o dele.
P/1 – E na propriedade, que mudanças mais marcadas você percebe por conta disso mesmo, por você produzir para um comprador que você diz que é certo de pagamento? O que é que mudou na propriedade de vocês?
R – Mudou bem sim, de quando…você falou assim de quando começou a produzir, né?
P/1 – Sim.
R – A gente foi mais bem remunerado, começou a cuidar melhor das coisas, né? Então, mudou bem as diferenças das coisas. O que estava ruim, arrumamos, a gente fez um bom rancho, cuida melhor, vamos supor assim, a gente aprendeu a cuidar melhor das coisas, não deixar tão jogado, isso aí melhorou muito.
P/1 – Aumentou a propriedade?
R – Aumentou.
P/1 – E você tem uma perspectiva assim, de trabalho? O que é que você pensa que vai acontecer com a sua propriedade, com a sua produção, a longo prazo? O que é que você almeja?
R – Aumentar.
P/1 – Aumentar?
R – Nós vamos aumentar, se Deus quiser.
P/1 – E em que proporção assim? Dobrar?
R – Se Deus quiser. Vamos conseguir.
P/1 – E na sua trajetória pessoal, eu já te perguntei do trabalho, se vocês tiveram alguma grande dificuldade que vocês enfrentaram, você falou da seca desse ano, mas e na sua vida pessoal, você já passou por alguma dificuldade muito grande, situação difícil?
R – Na minha vida, não.
P/1 – Não?
R – Pessoal, não.
P/1 – Nunca teve um grande obstáculo para superar?
R – Graças a Deus até hoje, não, porque eu acho que a pior coisa na vida da gente é uma doença, né? Eu, graças a Deus, até hoje... Olha, tenho que agradecer muito a Deus, nunca tive um problema desse, nada. E é o que eu falo dando saúde, o resto a gente dá um jeito, né? Então, não teve, não.
P/1 – Você gosta do seu trabalho, Marcos?
R – Puxa! Tanto é que eu te falei que eu não saio de lá nem a tiro. Então, eu gosto muito.
P/1 – Gosta muito?
R – Gosto.
P/1 – Se vê fazendo outra coisa?
R – Não.
P/1 – Nunca pensou em fazer outra coisa?
R – Sem ser na roça?
P/1 – Sim.
R – Não. Se for, assim, se for pra sair da lavoura vamos para o gado, mas tem que ser na roça.
P/1 – Atividade rural?
R – É, atividade rural.
P/1 – Está bom. O que é que é mais importante pra você hoje?
R – Minha filha (riso)! Minha filha.
P/1 – É o mais importante?
R – É.
P/1 – E seus sonhos, qual sonho que você tem?
R – “Estudar ela”, e dar uma vida melhor da que eu tenho pra ela. Esse é um sonho que eu quero realizar, “estudar ela”. Não que eu não tive condições de estudar, não estudei porque eu não quis, mas aí eu vou tentar. Se ela for pensar que nem eu, aí eu vou tentar explicar pra ela que no mundo de hoje é necessário, não é que nem a quarenta anos atrás, né? Eu vou falar pra ela que no mundo de hoje é. Eu quero “estudar ela” e dar uma condição de vida muito boa pra ela.
P/1 – Tem alguma coisa que a gente não falou, que você gostaria de acrescentar, que seja importante pra você, Marcos?
R – Acho que não.
P/1 – Não? Não tem nada que você queira falar? E você gostou de contar um pouco da sua história?
R – Gostei, gostei.
P/1 – Sentiu o que ao lembrar o passado?
R – É bom, né? A gente vê a dificuldade que vinha lá atrás, agora vê hoje. A gente vê, ficar lembrando essas coisas. É gostoso, né? Eu gosto, né (riso)? Não sei…
P/1 – Está bom, Marcos. Muito obrigada!
R – De nada.
P/1 – Por ter dado o seu depoimento pro Museu da Pessoa e pra Nestlé, a gente agradece.
FINAL DA ENTREVISTA
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