Raphael Odebrecht de Souza é filho caçula, temporão, de uma família de Rio do Sul, Santa Catarina. Ele se narra um garoto cercado de cuidados. Seu pai, João Carlo gostava de ensina-lo as coisas do seu mundo, limpar armas, mexer nas ferramentas e era quem proporcionava momentos de diversões, como descer de rapel, andar de mini buggy, passeios em locais diferentes. Sua mãe, Daisy Diair, junto com as outras mulheres da família, sua avó, suas duas irmãs, Greice e Franciane, o cercavam de cuidados e mimos. Era ela também que cuidava da disciplina com as tarefas escolares, na mesa para o almoço em família.
Ele lembra de uma vida tranquila na casa antiga e espaçosa, com um grande jardim, um porão usado por alguns anos como a confecção da mãe. Ali havia várias costureiras, o que tornava o seu mundo sempre rodeado por mulheres. Ele diz que possui mais consciência da história da sua família materna. Os Odebrecht que subiram o rio Itajaí-Açu no final do século XIX, junto com o Doutor Blumenau, no grande projeto de imigração germânica na região. A mesma história contada nos bancos escolares, porém vivenciada também nas memórias dos ancestrais. Parte da família subiu para o nordeste e parte da família se instalou na região do rio em Rio do Sul, se tornando proprietários de grande parte das terras da região.
Neto de um avô muito respeitado por todos na região, ele tem memórias de uma família referência, um pai que saía todos os dias para o trabalho, na prefeitura de uma cidade próxima, Agronômica, e uma mãe trabalhadora na produção têxtil. Sua narrativa lembra momentos na infância, quando essa casa da família tinha muitos discos de vinil, ele deitado no chão e ouvindo música com um fone de ouvido. Talvez essa memória afetiva, somada ao incentivo dos pais para fazer algo no campo das artes, o tenha influenciado a criar uma banda na adolescência. Dramafone era o nome do grupo que ocupava os finais de semana de...
Continuar leituraRaphael Odebrecht de Souza é filho caçula, temporão, de uma família de Rio do Sul, Santa Catarina. Ele se narra um garoto cercado de cuidados. Seu pai, João Carlo gostava de ensina-lo as coisas do seu mundo, limpar armas, mexer nas ferramentas e era quem proporcionava momentos de diversões, como descer de rapel, andar de mini buggy, passeios em locais diferentes. Sua mãe, Daisy Diair, junto com as outras mulheres da família, sua avó, suas duas irmãs, Greice e Franciane, o cercavam de cuidados e mimos. Era ela também que cuidava da disciplina com as tarefas escolares, na mesa para o almoço em família.
Ele lembra de uma vida tranquila na casa antiga e espaçosa, com um grande jardim, um porão usado por alguns anos como a confecção da mãe. Ali havia várias costureiras, o que tornava o seu mundo sempre rodeado por mulheres. Ele diz que possui mais consciência da história da sua família materna. Os Odebrecht que subiram o rio Itajaí-Açu no final do século XIX, junto com o Doutor Blumenau, no grande projeto de imigração germânica na região. A mesma história contada nos bancos escolares, porém vivenciada também nas memórias dos ancestrais. Parte da família subiu para o nordeste e parte da família se instalou na região do rio em Rio do Sul, se tornando proprietários de grande parte das terras da região.
Neto de um avô muito respeitado por todos na região, ele tem memórias de uma família referência, um pai que saía todos os dias para o trabalho, na prefeitura de uma cidade próxima, Agronômica, e uma mãe trabalhadora na produção têxtil. Sua narrativa lembra momentos na infância, quando essa casa da família tinha muitos discos de vinil, ele deitado no chão e ouvindo música com um fone de ouvido. Talvez essa memória afetiva, somada ao incentivo dos pais para fazer algo no campo das artes, o tenha influenciado a criar uma banda na adolescência. Dramafone era o nome do grupo que ocupava os finais de semana de Raphael e seus amigos. Ele narra momentos de acolhimento, casa cheia, ponto de encontro dos amigos que ainda gosta de receber.
Tempos mais tarde, como estudante em Joinville, tinha a sua casa dividida entre amigos e lugar comum onde todos se encontrava. Ainda sobre a casa da família, algumas memórias traumáticas aconteceram ali. Sobre a enchente de 1983, ele revisita o que ouviu da memória dos seus pais. Foi em um dia que saíram para caçar e choveu, o carro não conseguiu passar no caminho e eles caminharam por dois dias até chegar na casa. Outro acontecimento foi um saque que a família sofreu enquanto a cidade estava em estado de exceção e o avô fazia vigília armada para defender a família. Raphael cresceu ouvindo essas histórias de enchentes que pareciam sem divertidas, mas as pessoas contavam como se fosse algo ruim que ele foi entendendo enquanto foi vivendo. Em 1996 a água não chegou em sua casa, mas ele lembra de andar de barco pela cidade.
Ele lembra da mãe contratando caminhões para retirar as máquinas de costura do sótão e de toda a família fazer a mudança dos móveis da casa para o andar de cima. Durante a enchente, enquanto assistia a água subindo não tinha o que fazer senão descansar e recuperar o corpo do cansaço da mudança. Ele lembra de 2008, 2011 e descreve um cenário como uma “zona de guerra”, quando a água vai baixando e aparecia no jardim da casa os móveis das pessoas, geladeiras, uma piscina que veio parar sobre uma árvore. Sua vida escolar foi marcada pela transferência de escola, quando ele se encontrou como estudante do Senai. Acostumado em uma escola particular, ele lembra que recebia bilhetinhos das meninas e de repente essa realidade não existia mais.
Na escola técnica ele se encontrou na mecânica, lembra que o pai nutria um gosto por armas de fogo e o ensinou a cuidar delas, desmontar, limpar e paralelo a essa tarefa ele também gostava de brincar de Lego desde cedo. Raphael acredita que esses prazeres acabaram o influenciando nas escolhas da profissão. Quando terminou o Senai fez um curso de Automação Mecânica e por um curto período trabalhou em uma fábrica de caldeiras, antes da irmã o convencer que ele era capaz de fazer um vestibular. Depois de fazer um cursinho de preparação para o vestibular escolheu a Engenharia e veio para a Universidade Federal de Santa Catarina, UFSC em Joinville. Mas, diante das dificuldades de falta de estrutura do campus, que ainda não estava estruturado em seu primeiro ano de implantação, resolveu pedir transferência para o Curso de Engenharia Mecânica da Universidade do Estado de Santa Catarina, UDESC.
Raphael relata como “fenomenal” o primeiro ano do curso na Udesc. Cursou nove disciplinas e passou muito bem em oito delas. Sentiu pela primeira vez sua competência e segurança diante do seu esforço e dedicação. Foi bolsista no laboratório de iniciação científica e foi quando os primeiros sintomas da doença sugiram. Era 2013 quando ele decidiu fazer um estágio na Embraco. Mesmo no início do curso decidiu enfrentar o desafio, administrar os horários das aulas e o cansaço começou chegar junto as dormências nas pernas. Conversou com alguns médicos e decidiu que não seria nada. O desafio do estágio se ampliou, as habilidades exigidas ainda não haviam sido estudadas na universidade e diante de um grande estresse ele fez um quadro de diplopia.
Achou que estava ficando louco, afinal duplicava a imagem da chefe a sua frente. Procurou um oftalmologista que o indicou um neurologista. Assustado, ele relata que saiu do consultório chorando com medo de morrer. Conseguiu um encaixe com um neurologista em Joinville que sugeriu uma ressonância. Voltou para a casa dos pais em Rio do Sul, conversou com o cunhado, que era médico, que o acalmou para esperar a ressonância. Mas a família começou a levantar hipóteses do que poderia ser, e pesquisar os sintomas na internet. O câncer era uma possibilidade, mas a irmã sugeriu que pudesse ser Esclerose Múltipla e ele aceitou melhor essa hipótese, uma vez que seu grande medo era morrer e ela tratou de explicar que esclerose múltipla não o levaria a óbito.
Foi nesse clima de ansiedade que Raphael fez a ressonância em Blumenau. E enquanto ele continuava sua vida na Embraco e na universidade em Joinville, a mãe e o cunhado já trataram de acessar o laudo do exame. De volta para casa todos da família já sabiam o que ele tinha e foi a mãe que deu a notícia: “Rapha, é esclerose múltipla”. Ele relata que foi uma semana extremamente difícil. Ele viu seu pai chorar, ele chorou muito e buscava informações na internet sobre a doença. Havia uma consulta agendada em Blumenau e nessa consulta ele estava muito nervoso. Lembra de tremer muito e o médico conversou com a família durante horas. Explicou a história da doença, o que significava esse diagnóstico anos atrás sem medicação. E todos os caminhos existentes na atualidade. Receitou Avonex, mas sua aversão a agulhas o fez recuar em um primeiro momento. Lembra que diante da quantidade de ressonâncias sugeridas ele percebeu que sua vida seria diferente das pessoas não doentes. “Um ponto fora da curva”.
Raphael descreve como via sua vida anterior a doença, como uma estrada previsível, casas e arvores ao redor e um futuro garantido a frente. Porém a doença foi como se uma névoa escura tomasse essa estrada e ele não consegue mais ver o futuro certo. Esse fato mudou seu presente, sua percepção sobre a própria vida. Pediu uma semana de atestado para o médico, foi o tempo que se deu para refletir sobre a sua nova vida. O início do tratamento com a pulsoterapia foi em Joinville, a sua mãe o acompanhou e ele descreve o desespero de um paciente que não está acostumado com o papel de paciente. Ele se assusta com o número da agulha para o acesso da veia, ele questiona a quantidade de intervenções e conta que chorou quando se viu naquele desamparo. Depois do susto dois primeiros dias de pulsoterapia, quando ele ainda não conseguia mexer os pés e andava com cadeira de rodas, as reações foram voltando e ele sentiu que nem tudo estava perdido.
Os amigos vieram visita-lo e foi movimentada a semana de internação. Mas as sensações do corpo com a corticoide eles ainda não conhecia e a primeira semana pós internação foi muito difícil. Hipersensibilidade, humor alterado, fadiga estrema, dores, insônias e uma leve depressão. A família tentou ajudar com um passeio, mas ele estava muito confuso. Além de tudo isso, veio a sensação de abandono da namorada, que era enfermeira e terminou o namoro por causa da Esclerose Múltipla. Sua vida universitária e de estagiário da Embraco voltou diferente. Sua atenção estava inteira nas pesquisas sobre Esclerose Múltipla além da insegurança biológica diante da fadiga e dos possíveis sintomas. Diminuiu o ritmo com a quantidade de disciplinas, foi bem recebido no laboratório e decidiu começar as aplicações da medicação. Mas relata que foi um período dos mais difíceis de sua vida, quando os efeitos colaterais da medicação eram piores do que os sintomas da própria doença. Foi um tempo de baixa na produtividade e de constrangimentos em sala de aula diante das limitações para o desenvolvimento pleno das disciplinas.
Reprovou em algumas disciplinas, mas por outro lado avançou em suas descobertas sobre a Esclerose Múltipla. Descobriu as pesquisas do médico Georg Jelinek relacionadas aos hábitos alimentares. Ele traduziu textos e artigos relacionados, mudou seus hábitos de vida, ganhou qualidade, fez um blog para compartilhar suas descobertas e refutou o uso da medicação que tanto lhe fazia mal. Hoje avalia que sua mudança de vida foi violenta. Cortou a carne, começou a nadar muito, eram três vezes por semana e sentia muita fome. Todas as energias eram para garantir a qualidade de vida. Ia a feira todos os dias para garantir verduras frescas, fazia a própria comida, yoga, nadava, corria e as atividades do trabalho perderam a prioridade. Avalia que o maior desafio que a doença trouxe foi buscar o equilíbrio entre cuidados necessários para a qualidade de vida e a dedicação as tarefas e demandas do trabalho. A Esclerose Múltipla trouxe a experiencia reflexiva a Raphael que decidiu sobre o quê iria submeter seu corpo, mas avaliou em seguida sua decisão e pode decidir de novo de outra maneira.
Ele narra seus cuidados marcando esse empoderamento reflexivo sobre seus atos. Aos poucos foi voltando a energia da vida para além da doença. Participou do primeiro Startup Weekend de Joinville e junto a um amigo. Desenvolveu um aplicativo para que pessoas com perda auditiva conseguissem usar o Smartphone. Com essa ideia foram vencedores do Startup. Formaram uma equipe de dez pessoas e acredita que esse foi um marco que mudou completamente sua vida. Aprendeu sobre empreendedorismo e as coisas foram crescendo, participaram de outros concursos e foram vencendo: Inovativa Brasil, que é o maior programa de aceleração de startups e ganharam o prêmio do Facebook, de oitenta mil dólares em serviço.
Raphael participou com a ideia da empresa de inovação Listen 9º Concurso Estadual do Plano de Negócios do Sebrae e foi vencedor com uma viagem para o Vale do Silício. Participou do Empreenda Saúde, em um dos maiores hospitais do Brasil, o Albert Einstein, Sírio Libanês, e ficou em quarto lugar. Fechou a empresa após uma análise de longa duração, criou outros negócios, empreendeu, experimentou novos surtos da Esclerose Múltiplo. Testou seu corpo, aceitou novas medicações, procurou caminhos, recriou reinventou. Avalia que uma vez que possui consciência da imprevisibilidade do seu corpo com a Esclerose Múltipla, está mais preparado para viver o tempo presente, identificando as oportunidades que lhe são apresentadas e aberto a tomadas de decisões mesmo sem certezas de um futuro. Reconhece que seu passado o fez sonhador e seguro com um futuro e que sua mãe dizia que coisas ruins não iriam acontecer, que as coisas sempre iriam dar certo. O diagnóstico o presenteou com a consciência da realidade “coisas ruins acontecem, a vida é assim, aprenda a lidar com isso, e passe por cima”.
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