Projeto: ERnst & Young - Mulheres na Tecnologia
Entrevista de Fabiana Rodrigues
Entrevistada por Grazielle Pellicel
São Paulo / Magé, 09 de julho de 2023
Código da entrevista: MTS_HV009
Revisada por Grazielle Pellicel
(00:19) P1 - Oi Fabi, muito obrigada, primeiramente, por ter aceitado o nosso convite. E para começar, a gente começa sempre do básico, que é você falando seu nome completo, sua data e local de nascimento, por favor.
R - Certo! Eu sou Fabiana Rodrigues do Nascimento, nasci dia 29 de agosto de 1989, no Rio de Janeiro (RJ).
(00:46) P1 - Seus familiares te contaram como foi o dia do seu nascimento?
R - Sim! A minha mãe gosta bastante de falar sobre isso. Meu pai é mineiro, a minha mãe é carioca, eu nasci bem na capital do Rio. A gente morava atrás do Sambódromo do Rio. Meu nascimento era previsto para o dia 7 de setembro, mas a minha mãe já vinha tendo dores, já sentindo as contrações e eu nasci numa terça-feira, dia calmo. E ela, na madrugada do dia 28, ainda saiu para comer um angú à baiana, que deu uma fome, foi comer o angú à baiana na Praça Quinze, que é tudo muito ali perto, eles trabalhavam por ali. E de lá saiu caminhando para casa, pegou a bolsa tranquilamente e foi para a maternidade. Eu nasci às 7:40 da manhã do dia 29.
(01:48) P1 - Você sabe por que colocaram o seu nome como Fabiana?
R - Olha, foi bem aleatório. A minha mãe queria Juliana, porque a minha avó chama Júlia, a mãe do meu pai, e o meu pai não queria botar esse nome, meu pai sempre gostou muito de flores, de rosas e tudo. E ele queria colocar no meu nome de Orquídea. Ai que tristeza. E aí minha mãe falou: “Olha, você não vai botar esse nome na minha filha de jeito nenhum” e foi aquela coisa. E o meu pai, numa aleatoriedade muito grande, botou o meu nome de Fabiana, faltando duas pessoas para a fila do cartório.
(02:33) P1 - E qual que é o nome do seu pai?
R - O nome do meu pai é Luiz Januário, porque o meu avô era muito fã de...
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Entrevista de Fabiana Rodrigues
Entrevistada por Grazielle Pellicel
São Paulo / Magé, 09 de julho de 2023
Código da entrevista: MTS_HV009
Revisada por Grazielle Pellicel
(00:19) P1 - Oi Fabi, muito obrigada, primeiramente, por ter aceitado o nosso convite. E para começar, a gente começa sempre do básico, que é você falando seu nome completo, sua data e local de nascimento, por favor.
R - Certo! Eu sou Fabiana Rodrigues do Nascimento, nasci dia 29 de agosto de 1989, no Rio de Janeiro (RJ).
(00:46) P1 - Seus familiares te contaram como foi o dia do seu nascimento?
R - Sim! A minha mãe gosta bastante de falar sobre isso. Meu pai é mineiro, a minha mãe é carioca, eu nasci bem na capital do Rio. A gente morava atrás do Sambódromo do Rio. Meu nascimento era previsto para o dia 7 de setembro, mas a minha mãe já vinha tendo dores, já sentindo as contrações e eu nasci numa terça-feira, dia calmo. E ela, na madrugada do dia 28, ainda saiu para comer um angú à baiana, que deu uma fome, foi comer o angú à baiana na Praça Quinze, que é tudo muito ali perto, eles trabalhavam por ali. E de lá saiu caminhando para casa, pegou a bolsa tranquilamente e foi para a maternidade. Eu nasci às 7:40 da manhã do dia 29.
(01:48) P1 - Você sabe por que colocaram o seu nome como Fabiana?
R - Olha, foi bem aleatório. A minha mãe queria Juliana, porque a minha avó chama Júlia, a mãe do meu pai, e o meu pai não queria botar esse nome, meu pai sempre gostou muito de flores, de rosas e tudo. E ele queria colocar no meu nome de Orquídea. Ai que tristeza. E aí minha mãe falou: “Olha, você não vai botar esse nome na minha filha de jeito nenhum” e foi aquela coisa. E o meu pai, numa aleatoriedade muito grande, botou o meu nome de Fabiana, faltando duas pessoas para a fila do cartório.
(02:33) P1 - E qual que é o nome do seu pai?
R - O nome do meu pai é Luiz Januário, porque o meu avô era muito fã de Luiz Gonzaga e por conta da música, o meu pai tem esse nome.
(02:47) P1 - Você falou que seu pai é mineiro, né?
R - Sim!
P1 - Ele veio para o Rio e conheceu a sua mãe?
R - Meu pai veio para o Rio no início dos anos oitenta, curtiu muito ainda. Eu nasci, meu pai já… eu costumo brincar com ele que esse ano eu vou fazer a idade que ele tinha quando eu nasci. Quando eu nasci, meu pai já tinha 34 anos e curtiu muito ainda, ele e a minha mãe namoraram cinco anos antes de eu nascer, então foi uma coisa muito tranquila, muito planejada. A minha mãe já tinha o meu irmão, com dez anos, de um primeiro casamento, quando eu nasci. E foi muito tranquilo, depois de cinco anos de relacionamento, os dois já moravam juntos, eles se conheceram trabalhando juntos. E foi uma coisa de decorrer de relacionamento mesmo.
(03:45) P1 - E a sua mãe, qual que é o nome dela, ela é do Rio também?
R - Minha mãe é carioca também, o nome dela é Rozilda, todo mundo conhece como Rose.
(03:57) P1 - Eles costumavam te contar histórias quando você era criança? Você lembra de alguma?
R - Bastante! Meu pai é um bom contador de histórias, ele é aquela pessoa de botar cerveja no copo e ter horas e horas de história. Minha mãe também, umas histórias bem engraçadas, então tem história para muito tempo de conversa, tanto de um quanto de outro.
(04:31) P1 - E qual que é ou era a atividade dele?
R - A minha mãe fez de tudo um pouco. Ela engravidou do meu irmão muito cedo, do primeiro casamento. Ela tinha dezesseis anos quando meu irmão nasceu, então, naquela coisa de sobrevivência, uma mulher preta da favela, do Complexo da Maré, com uma família grande e numerosa, engravida aos dezesseis anos e começa a trabalhar no que aparece. A minha mãe é de 1963, era uma época que assinava-se a carteira dos adolescentes cedo, minha avó foi assinar a carteira dela para ela trabalhar numa fábrica de roupas íntimas no subúrbio do Rio, quando ela tinha catorze anos. E aí ela foi trabalhando em fábrica, trabalhou em casa de família, trabalhou em comércio [durante] muito tempo, então ela fez cada época o que dava um pouquinho para a gente ter alguma coisa. E o meu pai sempre trabalhou em comércio e ficou [trabalhando como] açougueiro [por] muito tempo. Meu pai, tem quase uns quarenta anos que ele é açougueiro já.
(05:46) P1 - E o seu irmão, você só tem ele de irmão ou são mais alguns?
R - Não, tenho mais três irmãos. Tenho esse mais velho e tenho mais três irmãos do segundo casamento do meu pai. Meu irmão é dez anos mais velho, mas a gente se aproximou um pouco mais depois que as nossas filhas estavam chegando: a minha filha mais velha e a filha dele têm a mesma idade, a minha é um mês mais velha que a dele. Inclusive, ele demorou muito para acreditar que ia ser pai, porque no mesmo dia que eu dei a notícia, encontrei com ele na rua: “Olha, tem uma notícia para te dar”, “Fala”, “Você vai ser tio daqui um tempo”, “Poxa, legal!”. Quando ele chega em casa, a esposa dá a mesma notícia. Ele ficou muito tempo para acreditar em uma e em outra, porque achou que a gente tinha combinado, que a gente estava sacaneando. Mas não, as meninas nasceram com a diferença de um mês e dois dias, exatamente. E a gente começou a se aproximar bem mais. Pela diferença grande de idade e tudo, mas a gente começou a se aproximar bem mais depois da notícia da chegada das meninas e hoje em dia é comum o convívio nosso.
(07:02) P1 - Tem algum parente fora os seus irmãos, seus pais, que você gostava muito, que você é próxima?
R - As minhas avós, que já são falecidas. Eu tenho um carinho muito especial por elas, porque a minha avó, mãe da minha mãe, que é Rosilda também, foi quem me criou junto com a minha mãe. A minha mãe trabalhava em comércio durante a minha infância toda, então eu ficava na casa da minha avó. E tem aquela coisa de criado com vó e tudo, na convivência dos tios e primos, então era sempre muito bom. A minha avó era muito festeira, gostava da casa cheia de gente, então eu sempre vivi muito rodeada de gente. Apesar de eu ser uma pessoa muito introvertida e gostar da casa mais silenciosa, só com quem mora mesmo e com poucos amigos, ou parentes, mas eu vivi muito rodeada de gente na infância e a minha avó sempre fomentou muito isso, ter os filhos juntos. Ela teve muitos filhos, vivos, chegaram na idade adulta só oito, mas ela teve doze. E todos esses filhos tiveram filhos e eu convivi bastante com os meus primos, tem alguns que são mais próximos, como irmãos, inclusive. E as histórias boas de infância, dos parentes próximos, dos amigos queridos é sempre muito assim, envolvidas com a casa de vó.
(08:30) P1 - E essas festas que ela fazia, tinha algum motivo especial ou ela só gostava de fazer?
R - Minha avó era festeira. Porque se a gente for contar com datas, as datas que a gente costuma ter como importante para uma matriarca, foram muito dolorosas para ela, os quatro filhos, dos doze que ela tinha, os quatro que ela perdeu, foram em datas muito significativas, foi no aniversário dela, Natal, Ano Novo e Dia das Mães, então eram datas que ela ficava muito triste, então era… quem estava perto gostava mesmo, de quando ela fazia alguma coisa ia todo mundo para dar esse alívio, dar esse abraço, todo ano. E foi assim até o ano que ela faleceu, em 2015. A minha avó, mãe do meu pai, também [se] foi em 2018 e era aquela de botar a gente já adulto no colo, era bem acolhedora também, gostava de festa.
(09:34) P1 - E como que foi a sua infância, o lugar onde você cresceu?
R - Minha infância foi muito intinerante. Eu nasci no Estácio. Minha mãe costuma falar que da minha família, eu sou uma das poucas cariocas legítimas: nasci atrás do Sambódromo, ali no Estácio. E vivi ali durante um tempo junto com meu pai e a minha mãe, [que] eles se separaram perto da Copa de 1994. E até [por] volta de 1992, eu tinha três anos de idade, a gente morava ali. Depois a gente foi morar próximo da minha avó, depois na casa da minha avó. Foi uma infância itinerante, que depois que os meus pais se separaram, cada um teve que fazer o seu corre para conseguir se manter, já que tinha que montar de novo toda uma casa e todo um ambiente. Meu pai foi morar sozinho, logo depois conheceu a atual esposa. E teve que montar uma casa para receber uma filha que ia visitá-lo de quinze em quinze dias, ou toda semana. Minha mãe ficou com a minha avó um tempo e passando esse tempo, a gente cada ano morava num lugar, o meu histórico escolar cada ano é numa escola. E foi isso que eu procurei não fazer com os meus filhos, assim que eu estabilizasse na minha carreira, porque a gente fica sem raízes, quando a gente chega a vida adulta a gente tem poucas… a gente não tem tantas histórias no mesmo lugar. Cada ano da minha infância, eu vivi num lugar e não tenho… as histórias que eu vou ter é muito junto com as mesmas pessoas, são com os meus primos, meus tios, as pessoas da família.
(11:23) P1 - Das casas que você viveu, tem alguma que te marcou muito?
R - Das casas que eu vivi… em 1996, 1997, eu fui morar com a minha mãe numa casa, era uma casa de fundo de quintal, era só eu e ela, foi um ano muito feliz da minha infância. A minha mãe trabalhava à noite num restaurante em Vila Isabel, na época que era um lugar que a noite era muito bem frequentado, era muito movimentado e ela trabalhava num restaurante muito conhecido ali. E como era só eu e ela, a gente tinha que ter os nossos combinados, então a minha mãe saía para trabalhar, por volta de três, quatro da tarde e eu ficava ali em casa sozinha, com todas as instruções dela e os vizinhos ajudavam a olhar e tudo, nunca aconteceu nada. E desenhava, andava de bicicleta pelo quintal e ali que eu desenvolvi o gosto por livros. Eu sempre gostei muito de ler, era o tempo que eu deixava a imaginação me fazer companhia, já que estava tão sozinha em casa. E quando a minha mãe chegava, faltava duas horas para eu acordar e ir para escola, então foi um tempo que eu vivi muito sozinha e que a imaginação e a criatividade que me fizeram companhia. Apesar de ter vivido bastante sozinha nesse período de dois anos, foi um período muito feliz porque a gente aproveitava o máximo quando estava junto. A minha mãe sempre dividia a folga dela, que costumava ser no meio da semana, terça, quarta-feira, em duas, então durante o dia ela fazia algum programa infantil comigo, me levava para a praia, para algum lugar que fosse divertido e à noite ia para o samba, ia para o pagode e me levava junto, porque não ia me deixar com os vizinhos para ir se divertir.
(13:28) P1 - Você tinha alguma brincadeira que você gostava mais?
R - Eu sempre gostei de coisas que montam e desmontam, coisas com botões, eu adorava coisas com botões, coisas que se mexiam, então construía muitas coisas, com papelão, com plástico, com coisas descartáveis, eu gostava de construir, era uma criança que gostava bastante de construir coisas. Então aquele teatro com caixa de sapato, que a gente tinha que desenhar e pôr no rolo depois para girar as historinhas. Desenhar histórias em quadrinhos, eu gostava muito. E pular elástico quando eu ia para escola, que era a sensação do momento, pular elástico e todo mundo fazia isso, gostava muito disso. Inclusive a minha mãe foi me buscar bem brava uma vez, porque eu cheguei em casa três da tarde, estava quase perto da hora dela sair para trabalhar e eu fiquei na escola até tarde pulando elástico.
(14:35) P1 - E nessa época você já tinha aquele sonho de criança, de “Ah, quando eu crescer eu vou ser isso”?
R - Já, já! Quando eu fiz quatro, cinco anos, a minha mãe estava indo, parece que assinar a rescisão num grande mercado que ela trabalhava na Ilha do Governador e me levou junto e nessa eu passava de mão dada com a minha mãe, passei pelo escritório, vi uma sala, tipo um escritório, cheio de máquinas, umas máquinas que eu nunca tinha visto, com uma tela preta e eu fiquei com aquilo na cabeça: “Não sei o que aquilo faz, mas eu acho que quando eu tiver o tamanho da minha mãe, eu vou mexer com aquilo”. E era um computador do iniciozinho, da década de noventa, quando quase lugar nenhum tinha computador, era só para uso comercial de grandes empresas, e me botaram lá na máquina de escrever para passar um tempo, enquanto a minha mãe resolvia as burocracias dela, e eu: “Olha, que legal!”, fiquei encantada com aquilo e fiquei com aquilo na cabeça. Aquilo sempre me perseguiu, desde aquele dia. Então, é uma coisa já bem, bem… eu nunca quis ser outra coisa, eu sempre quis estar envolvida com teclas, com tecnologia, com essas coisas.
(15:55) P1 - E qual foi o seu primeiro contato com o computador?
R - Meu primeiro contato com computador. Nossa, faz muito tempo! Deixa eu pensar, eu acho, não tenho certeza, pode ter sido um pouco antes, mas que foi, assim que a minha prima mais velha já, [que] tem mais ou menos a idade da minha mãe. A minha prima mais velha, ela começou a trabalhar, comprou um computador e aí foi um burburinho na família: “Nossa, ela comprou um computador, não sei o que”. Eu ficava muito na casa dela, por a minha tia mais velha também fazer parte ali, ajudar a minha avó com a gente que era os sobrinhos mais novos e tal. E quando a minha prima comprou esse computador, a gente ficava assim, atrás da cadeira dela olhando aquilo, até que teve um dia que ela abriu um programa de desenho lá no sistema operacional e deixou ficar ali. Eu fiquei tão paralisada, que eu fiquei assim, congelada, não conseguia mexer para nada, ficava com medo de quebrar, de destruir, de fazer alguma coisa muito errada. Mas aí, depois esse medo, foi passando. Aí foi encantamento ao primeiro contato. Creio que foi no ano de 2000 isso, 1999, 2000.
(17:14) P1 - E você lembra como que foi pisar na escola pela primeira vez?
R - Eu entrei na escola muito cedo, eu lembro de alguns flashes, mas eu não lembro como que foi pisar na escola pela primeira vez. Até porque como fui criada na casa da minha avó, rodeada de muitos primos, era um ambiente meio que parecido, então eu lembro de alguns flashes: festa junina, festa de dia das mães, essas coisas na escola. Eu lembro desde muito cedo. Eu entrei na escola com três anos de idade.
(17:54) P1 - E como é que foi esse período escolar no geral?
R - Até a minha segunda série, eu era extremamente popular na escola, porque eu era uma criança muito inquieta, justamente pelo costume de ler muito, de fazer muita coisa, então aquilo se tornava muito maçante para mim, passei ali, jardim, CA, antigamente tinha o CA, que agora é o primeiro ano. E quando eu cheguei na primeira série, eu estudei numa escola pública muito famosa no Rio, a Escola Bahia. E a professora chamou a minha mãe na escola… do CA para a primeira série, na verdade. E conversou com a minha mãe: “Olha, ela faz a prova em questão de poucos minutos e faz a prova dos outros colegas e fica aí andando na sala, ‘bota fogo’ na turma e todo mundo faz a maior bagunça, porque ela fica muito inquieta - o meu filho é assim, o meu filho mais novo é exatamente assim - e a gente tá achando que o conteúdo está muito simples, tá muito fácil para ela. A gente pode fazer um teste, aplicar a prova da primeira série para ela?”. Minha mãe achou um pouco assim, mas ok! Pode! Aí foram fazendo testes, me aplicavam prova da primeira série. Aconteceu mais ou menos a mesma coisa, ainda combinaram com ela: “Olha, se caso ela for bem na prova da primeira série, a gente pode avançar ela?”, “Pode, pode, pode avançar!”. Só que eu passei pela primeira série, também muito popular na turma e essas coisas. E continuaram me aplicando provas das séries seguintes e eu parei quando chegou na prova da quarta série. Falou: “Olha, parece que aqui na quarta série ela encontrou mais ou menos o mesmo nível de dificuldade dos alunos da quarta. E aí, a gente pode avançar?”. A minha mãe ficou com medo de eu não acompanhar a turma, alguma coisa desse tipo e não deixou eu avançar. Então, eu avancei um ano, mas na verdade era para ter avançado mais três. Isso é até bom, porque eu sou meio desesperada, então eu creio que isso não ia ser muito bom para mim futuramente. Então, eu fiz dois anos em um, o ano de 1996, eu fiz o CA e a primeira série.
(20:15) P1 - Você se formou mais cedo, então?
R - Eu me formei mais cedo, era para ter me formado com dezoito, no ensino médio, eu me formei com dezessete.
(20:25) P1 - E ter se formado mais cedo, te deixou mais ansiosa para fazer alguma coisa depois?
R - Bastante! Eu entrei no ensino médio, eu tinha catorze anos. Como eu não tinha muita referência, eu vim morar no interior do Rio, [em Magé], no [bairro] Piabetá, em 2003, eu tinha treze para catorze anos. Enfim, minha mãe [estava] fugindo da violência que estava na Zona Norte do Rio e a gente se mudou para cá. E aí eu entrei no ensino médio muito sem referência. Eu sabia que queria buscar alguma coisa em tecnologia, mas isso era muito distante, porque a gente não sabia nem por onde começar a procurar. Eu sabia que tinha que terminar o ensino médio de alguma forma. Eu já entrei no ensino médio com a ideia muito fixa de: “Olha, eu quero fazer qualquer coisa que envolva engenharia, que envolva tecnologia tudo”. Então, o ensino médio foi uma passagem para mim. Eu ia para a escola todo dia, já mirando no vestibular, já mirando nas faculdades Federais e tudo isso. Então, me gerou uma certa ansiedade sim, que é aquela coisa: “Eu tenho que terminar até tal idade”. Acabou que não funcionou muito bem isso, lá na frente não; consegui me formar, mas alguns anos depois.
(21:54) P1 - Qual foi o seu primeiro trabalho?
R - Meu primeiro trabalho foi num estágio aqui no bairro mesmo, [no] segundo ano [do ensino médio]. Já estava focadíssima em vestibular, já tinha passado em alguns e a minha mãe morrendo de medo de acontecer a mesma coisa: não quer avançar. A diretora da escola falou: “Olha, ela passou no vestibular, a gente libera para ela fazer”. Acho que tinha que entrar com um processo, com alguma coisa, porque ainda não tinha terminado o ensino médio, já tinha passado em alguns vestibulares e tudo. E aí minha mãe falou: “Não, eu não tenho como manter ela na faculdade”. Não tinha mesmo, era um momento que a minha mãe estava desempregada, a gente estava passando um aperto, ela fazia alguns bicos, eu tentava ajudar. E o meu primeiro trabalho foi num estágio aqui no bairro, num curso de informática que eu fazia, que: “Olha, as pessoas que se saírem melhor no curso, a gente vai dar um estágio”. E um estágio significava pelo menos, sei lá, uma graninha, nem que fosse pouca, para ajudar em casa. E me dediquei à beça aquilo e consegui o estágio. Mas só que tem uma história muito engraçada envolvendo esse estágio, porque eu fiquei lá três semanas. O que [é] que aconteceu? Eu fui para o estágio e os donos não se decidiam se era para eu ficar na recepção ou era para ajudar os alunos. Eram três donos, era uma empresa familiar, era a mãe e dois filhos, então cada vez que um deles entrava e me via fazendo uma coisa diferente do que ele tinha mandado, aí eu fazia outra coisa. Era uma coisa doida. Até que chegou numa sexta-feira, parece: “Olha, a gente vai fazer uma reforma aqui, vocês precisam vim para ajudar, não sei o quê. Sei que eu cheguei nesse lugar às oito horas da manhã, às sete horas da noite eu tava acabada, eu cheguei em casa quase nove horas da noite, numa sexta-feira de carnaval, desmaiei de cansaço em casa. No sábado, deu a minha hora, chegou o curso, abriu o curso, eu não estava lá, aí eles ligaram, a minha mãe chegou lá xingando todo mundo, batendo na mesa, e falou: “Ó, pode arranjar outra, porque a partir desse momento a minha filha não pisa mais nesse lugar! E eu quero o certificado, porque ela fez o curso, então vocês deem o certificado a ela, paguem e o que vocês devem a ela e ela não pisa mais aqui!”. Porque eu estava estafada, que foi muito trabalho. E aí ela arrumou uma confusão. Minha mãe com essas coisas, assim, comigo, ela é desse jeito. Ela tem fama de ser muito esquentada na minha família, hoje ela tá bem tranquila, mas era a época que ela tava, qualquer coisa, assim, ela já estava armando uma confusão. E foi muito engraçado porque ficou todo mundo congelado, paralisado, escutando ela falar, aí ela pegou o dinheiro que eles me deviam, até eu completar o final do mês, e saiu. Eu não voltei mais ali. E essa foi a minha primeira experiência de estágio.
(25:03) P1 - E sua mãe sempre faz isso para te defender?
R - Sempre! Hoje em dia, pelos netos, porque os filhos já estão grandes e crescidos. Ainda sim, quando qualquer coisa envolve a gente, ela está sempre pulando na frente mesmo, mas sempre foi assim.
(25:25) P1 - E na faculdade, quando é que você conseguiu entrar finalmente?
R - Eu entrei na faculdade em 2007, menor de idade ainda. Logo, assim que terminei meu ensino médio. E aí eu já entrei na faculdade para fazer Tecnologia da Informação, no Instituto Superior de Tecnologia em Petrópolis. Era um período muito corrido, muito cansativo. A minha mãe já tinha arrumado emprego, então ela trabalhava no centro da cidade, que era numa ponta. A gente morava aqui em Piabetá já e eu estudava em Petrópolis, então era acordar quatro e dez da manhã todo dia, que eu estudava de manhã, pegar o ônibus, subir a serra, às vezes ficava lá na faculdade até o final da tarde, porque a neblina descia. Quando a neblina baixava, os ônibus não desciam, porque a gente descia pela Serra Velha. Então, eu já fiquei muitas tardes lá em Petrópolis andando, esperando a neblina dissipar para poder voltar para casa. Umas duas ou três vezes só que aconteceu de eu ter que dormir lá em casa de colegas de turma e tudo, mas durante o curso todo era sempre assim: ficava até o final da tarde, às vezes pegava uma matéria em dependência. Inclusive, no meu primeiro período, eu fui uma negação em programação, o professor não sabia mais o que fazer comigo: “Como é que você quer ser programadora, se você vai mal em programação? Não sei o quê”, e aquilo não entrava na minha cabeça de jeito nenhum. Enfim, acabou que eu entrei na faculdade com dezessete anos, a minha avó que foi assinar o meu primeiro boletim, inclusive. Eu não terminei a faculdade, porque eu comecei a trabalhar no suporte técnico com dezoito para dezenove anos e a empresa que eu trabalhava era na Lapa. Trabalhava à noite e eu era muito nova, e vendo tudo aquilo, e zoeira, e noite, eu tinha meu próprio dinheiro e já estava no final da faculdade, ao invés de prosseguir, que faltava uma matéria que eu estava devendo, simplesmente larguei para lá, por causa de zoeira, fui me formar muito tempo depois.
(27:39) P1 - E o que você gostava de fazer para se divertir?
R - Eu não bebo, não bebo bebida alcoólica. Eu gostava de olhar o movimento da noite, como que acontecia, eu vi muito casamento que está até hoje, um monte de casamentos que já se desfizeram, começarem ali naquele meiuca de Lapa, debaixo dos Arcos. Gostava de ver a interação das pessoas. Então, geralmente, quando estava todo mundo muito doido de bebida, de tudo eu estava ali sóbria, com uma garrafa de água, de refrigerante, olhando tudo que estava acontecendo em volta.
(28:18) P1 - E como que foi esse seu primeiro emprego na área de Tecnologia?
R - Eu achava que era a realização de um sonho. Como eu não tinha referências, estava buscando ainda, então tava ótimo, nossa, suporte, eu nunca tinha ganhado um dinheiro para chamar de meu, até então, então aquilo ali estava maravilhoso para mim, mas ainda estava faltando alguma coisa. Porque o que eu tinha estudado até ali, tinha algumas coisas que eu fazia no meu dia a dia, mas ainda faltava muita coisa, então a minha vida profissional iniciou com essa busca incessante, de: “Olha, é isso, mas não é isso. É isso, mas tá faltando coisa”. Então eu comecei a estudar, comecei a ver as coisas, tinha algumas pessoas que já eram formadas na área, já trabalhando comigo. “Poxa, eu quero fazer isso, mas eu não quero ficar no suporte técnico a vida toda. Eu quero fazer isso, mas não é isso ainda. Eu quero mexer com outras coisas”. Então, eu fui buscando e, até então, não era isso ainda, mas estava ali. Fiquei trabalhando com suporte durante um tempo, depois fui para redes, que já deu uma melhorada, que já era uma coisa mais técnica, que o suporte você atende chamado, ajuda um cliente, abre uma ordem de serviço, é uma coisa muito burocrática e não era isso, eu queria uma coisa mais técnica. Mudei para redes, era mais ou menos a mesma coisa. Eu trabalhei com redes um ano e pouco, dois anos. E depois desse tempo com redes, trabalhei com redes, trabalhei com infraestrutura, tudo passagens muito breves, alinhavando tudo que eu tinha aprendido na faculdade. Trabalhei com redes, trabalhei com infraestrutura, trabalhei alguns poucos meses com segurança, até conseguir um estágio em desenvolvimento de software. Aí eu já estava morando em Vitória, no Espírito Santo.
(30:29) P1 - E como é que foi esse processo de se mudar para Vitória? Você foi para lá por causa do trabalho?
R - Não! Em 2010, eu iniciei um relacionamento. Eu terminei um relacionamento, iniciei outro e engravidei da minha filha e fui morar em Vitória, no Espírito Santo, por conta desse novo relacionamento, para ter a minha filha por lá e tudo. No ano que a minha filha nasceu, ela nasceu em março de 2011, eu comecei a me dedicar muito a aprender sobre algumas tecnologias que estavam muito no hype no momento, estava fazendo um curso para me especializar em banco de dados. Até aquele momento, eu seria… eu já estava trabalhando com infraestrutura, aí quando a minha filha nasceu, terminou meu resguardo, eu comecei a fazer um curso de banco de dados. Fiquei com esse curso, no final do ano, eu consegui um estágio, eu já estava em outra faculdade e consegui um estágio em análise e desenvolvimento de sistema, numa empresa que faz triagem de currículos, que tinha um sistema bem robusto de currículos na época. E consegui esse estágio lá no Espírito Santo, no final de 2011. Em 2012, eu transferi a minha faculdade para lá e fiquei. E nesse estágio, como eu já tinha se especialização em banco de dados, o meu mentor, falou para mim: “Olha só, você tem seis horas de estágio, o que a gente pode fazer é o seguinte: você quer muito desenvolvimento de software e eu quero aprender esse conhecimento de banco de dados, para eu poder ir para fora do país, para eu construir uma vaga melhor, enfim. Então, você faz o seguinte: quatro horas desse seu horário de estágio, a gente vai começar a injetar conteúdo técnico para você aprender desenvolvimento de software; duas horas desse estágio, você me ensina o que você aprendeu no curso”. E eu aprendi muita coisa com ele desse jeito, também passei o conhecimento de banco de dados para ele, que complementou a formação dele. Foi uma troca muito legal. Aí depois eu saí dali, fui trabalhar em agência, trabalhei em várias agências. A partir desse estágio que eu: “É isso aqui que eu estava procurando! Não largo mais!”. Aí, a partir de 2012, eu comecei a trabalhar com desenvolvimento de software de verdade e estou até hoje.
(33:02) P1 - E como você vê, ou via também, o mercado de trabalho para mulheres, principalmente para mulheres pretas?
R - Era uma época que eu não tinha tanto letramento racial. Eu via muita dificuldade, mas eu não entendia porque que estava difícil. Eu via que todos os meus colegas de faculdade conseguiam emprego, estágio, freela e para mim era mais difícil. Eu não sabia porquê, mas eu sabia que eu precisava estudar mais, correr mais atrás, mandar mais currículo, me mostrar mais nas entrevistas, mas era cansativo, era complicado. Eu via todo mundo avançando. Isso me pegou até pouquíssimo tempo atrás, inclusive, eu via todo mundo avançando na carreira e eu estava ali. Eu via todo mundo avançando na carreira e eu estava ali. Isso era bem cansativo! Alguns anos depois, lá para 2017, 2015. 2015 foi quando me caiu a ficha: “Ué, porque que eu não tenho cara de fazer o que eu faço?”. É de 2015 para cá que veio a conscientização, que veio o meu letramento, tanto de gênero, quanto racial. E aí a coisa ficou… ao mesmo tempo, mais fácil e mais difícil para mim, porque o conhecimento é uma maldição também.
(34:33) P1 - E você tinha alguma pessoa que você tinha como exemplo, que você queria seguir?
R - Quando eu comecei a estudar banco de dados, foi quando eu tive contato com duas pessoas que hoje em dia são, eu sempre falo muito delas, quando eu dou palestra: “Quem são suas inspirações?”. Eu sempre cito que lá no comecinho da minha carreira de desenvolvimento, quem quem estava lá era a Dani Monteiro e a Loiane, que elas são referências gigantes, até hoje, cada uma nas suas áreas. Então, quando eu estava terminando o curso de banco de dados, eu já consumi o conteúdo da Dani, eu aprendi muita coisa de banco de dados com a Dani, em palestras que ela dava, em artigos que ela escrevia, então tudo eu procurava, cada coisa que ela escrevia, que ela falava, que era publicado, eu procurava para poder chegar perto daquilo que ela era, já que eu estava estudando para banco de dados. Quando eu virei para desenvolvimento, foi o conteúdo da Loiane primeiro que me alcançou e a Loiane eu falo até hoje para as pessoas que é a fada madrinha do desenvolvimento front-end.
(35:58) P1 - Voltando para faculdade, como é que foi essa experiência para você?
R - Bom, eu entrei e saí de vários cursos. Eu fiz tecnologia da informação, até onde deu e larguei. Foi uma época muito legal, que todo mundo da minha turma, era uma turma de quase trinta pessoas, era eu e mais três ou quatro mulheres, de mulheres negras, era eu e mais duas. E aí as pessoas foram se dispersando, uns saíram, outros foram para outras carreiras, teve gente que entrou na área da saúde, teve gente que é muito bem sucedida hoje em dia. Então, a minha primeira faculdade, ela não me deu uma amostra grátis, não me deu uma amostra grátis na prática do que é o mercado, porque, apesar de sermos mulheres e sermos minoria na turma, a gente, na nossa turma, não se tratava diferente, então: “Ah, tem que fazer trabalho em grupo”. Os grupos eram meio aleatórios, que todo mundo se dava bem. Então, os professores ajudavam de forma igual, não tinha uma coisa assim, separatista, não tinha uma coisa discriminatória dentro da turma ou dos professores com a gente. A minha primeira faculdade, ela não me deu essa visão, porque não existia mesmo. O que me deu um impacto de alguma coisa desse tipo, foi quando um, dois anos depois, eu entrei para fazer Ciência da Computação, tanto que eu larguei no primeiro período, porque não tinha conversa. Era uma faculdade particular, era de manhã e eu estudava à noite na época, eu trabalhava à noite nessa época, então eu saía do meu trabalho e ia direto para faculdade. Professor não estava nem aí se você trabalhou a noite toda. Enfim, teve uma situação nessa faculdade, que eu marquei uma prova e o professor marcou para um outro horário, eu não sabia, acabei perdendo prova e a instituição não deixou eu remarcar. E isso me fez largar o curso. Aí eu fiquei um tempo sem querer saber de área acadêmica, só trabalhava mesmo, para ter o meu e tava bom. Depois de uns dois anos que eu entrei para fazer análise de sistema. E ali eu já tinha minha filha e eu estava tão preocupada com as coisas que eu tinha que fazer na minha vida, que eu não tinha essa percepção do que estava rolando na faculdade, ou se tinha alguma coisa que me incomodava, eu estava ali, consumia o conteúdo, terminava o meu horário, eu caia fora.
(38:49) P1 - E quando foi que você começou finalmente a trabalhar com aquilo que você queria?
R - Eu comecei a trabalhar em desenvolvimento em 2011, no meu estágio, final de 2011. Com front-end, que é a minha especialização hoje em dia, foi em 2013, numa agência que eu trabalhava - que eu era back-end até então, botava as coisas funcionando -, fui contratada por uma agência: “Olha, a gente está desenvolvendo um sistema que faz isso, isso e isso, não sei o que, já tem o sistema pronto, você só precisa conectar com o banco de dados, fazerem as coisas funcionarem”. Beleza! Entrei o primeiro mês de empresa… eu sempre gostei muito de cores, eu costumo falar que se não mexesse com tecnologia, provavelmente seria das artes, alguma coisa… tanto que eu me formei em marketing anos depois. Seria das artes, da mídia, da publicidade, que eu sempre fui a louca dos comerciais, propaganda, essas coisas. E cores sempre me chamaram muito atenção. Eu fui trabalhar nessa empresa, botava as coisas ali para funcionar, ok, está funcionando, mas… cheguei para o dono da empresa: “Olha, você desculpa a minha sinceridade, mas esse sistema está horrível, eu acho que eu consigo fazer ele ficar melhor, eu tenho algum conhecimento nisso, acho que se a gente mudar aqui, ali”, “Você acha que faz? Então, faz aí!”. Fiz! Ficou legal! Aí, depois disso, ele me pagou um curso de front-end. Era bem o ano que estava dividindo mesmo, back-end, frontend, as pessoas que fazem funcionar e as pessoas que ‘pintam’ botões. Eu queria ser a pessoa que ‘pinta’ botão, não queria mais fazer nada funcionar. E aí, foi nesse ano, depois desse curso, que eu trabalhei nessa empresa, em 2013, que eu virei front-end de vez. Ainda mexo, ontem mesmo eu estava brincando de back-end. Apesar de eu ser muito melhor como back-end, eu gosto muito mais do front-end porque eu gosto de cores, eu gosto de ver as cores, eu gosto de ver os elementos na tela quase como objetos que você consegue pegar. Então, back-end, apesar de eu ser melhor nele, ele não me atrai muito. Então, a partir de 2013 que eu comecei a mexer com que eu gosto mesmo e até hoje.
(41:07) P1 - E como é que você ingressou na comunidade da perifaCode?
R - Olha, é engraçado a minha história com a comunidade. Até 2017, eu achava toda essa coisa de comunidade, evento, meetup, um saco e uma perda de tempo: “Poxa, você trabalha das nove às dezoito horas, você sai do seu trabalho para trabalhar, de graça, você perde seu tempo escrevendo artigo”. Mas eu era a pessoa que adorava assistir vídeo, assistir tutorial, ler artigo, ler blog. E isso custa tempo, isso exige dedicação. É um tempo que você deixa de estar com a sua família, para você contribuir com a comunidade. Mas na época eu não queria saber disso, eu achava isso uma chatice, uma perda de tempo. Só que na época, no Rio, esse movimento de eventos, ele não era muito grande, tinha algumas coisas assim, mas nada comparado ao que era em São Paulo. Eu trabalhava numa empresa muito legal, tem alguns meetups em algumas empresas grandes aqui no Rio, mas a dinâmica é muito diferente, muito diferente, eu achei um saco e tudo. Achei muito ruim e não gostei daquilo. Em 2018, eu fui morar em São Paulo, por conta de uma vaga melhor que apareceu para mim, numa instituição financeira, fui! E antes de eu ir, eu trabalhava numa empresa que eu gostava muito, gostava muito do clima, gostava do que eu fazia, gostava das pessoas. Eu amava trabalhar ali. Eu larguei para morar em São Paulo, porque eu já tinha dois filhos, a Ellen, na época, estava com sete anos, o João estava com dois, estava com um para dois anos. E eu falei: “Olha, eu preciso dar uma condição melhor para os meus filhos. Vou!”. Eu passei por um drama pessoal muito grave, no início de 2018 também, e eu falei: “Olha, não aguento mais ficar no Rio, São Paulo vai me dar uma condição melhor, para mim e para os meus filhos, tô indo!”, botei a mochila no ombro e fui. E antes de eu ir para São Paulo, um colega meu dessa empresa que eu gostava muito de trabalhar, falou: “Pô, você gosta dessas coisas de misturar coisa cultural com o que você faz no seu trabalho, acho que você vai gostar disso daqui!”, e eu não tinha ideia de podcast, dessas coisas. E aí me mandou um link para o QuebraDev, a minha cabeça explodiu, 2018: “Caramba, tem um monte de gente que é igual a mim, que faz a mesma coisa que eu faço. Que legal! E os caras são de São Paulo, os caras moram e trabalham lá, não sei o quê”. Assim que apareceu uma vaga para São Paulo, eu fui, já com essa coisa: toda semana lançava coisa nova do QuebraDev, eu ouvia. Comecei a ajudar na comunidade. Eu quando gosto de uma coisa, eu fico fanática com aquilo, então eu ajudo muito. Eu fui uma das primeiras participantes de uma comunidade junto com uma menina que hoje é muito minha amiga, Isabela, o nome dela, que ela criou essa comunidade, que ela queria aprender Html. E eu conheci ela por causa disso, aí entrei no grupo. Então, às vezes as meninas me mandavam mensagem uma, duas horas da manhã, eu acordava para responder. “Cara, isso daqui acho que já faz parte de mim!”. E aí eu comecei a prestar mais atenção… eu morava na zona sul de São Paulo, onde acontecia tudo, as maiores empresas de tecnologia estavam ali. Então, eu saía do meu trabalho e ia andando para a empresa do coleguinha que estava tendo uma meetup lá, saia daquele metp, ia para outro. E isso começou a fazer parte da minha vida, da minha rotina. E foi aí, em 2018, que eu comecei a frequentar. Em 2019, me jogaram num grupo de forma muito aleatória, num grupo do Telegram, que era a perifaCode. A perifaCode foi criada em março de 2019, eu entrei em abril, então muita coisa que não tinha na PerifaCode, a gente criou junto, montou, pensou junto. Que eu entrei muito no comecinho, a perifaCode é do dia 29 de março de 2019 e eu entrei no comecinho de abril de 2019. Então, eu vi tudo acontecendo ali. E a partir do momento que eu entrei no perifaCode, a comunidade virou uma parte da minha vida. Então, eu já recusei empregos, eu já pedi demissão de empregos, já fui demitida de empregos, por conta do meu envolvimento com a comunidade. Isso, atualmente, na minha vida profissional, é uma das coisas mais importantes, eu não abro mão da minha vida de comunidade.
(45:55) P1 - Tem algum momento, algum evento, alguma coisa, por exemplo, alguém que chegou em você e falou: “Obrigada por ter me ajudado”? Foi importante para você?
R - Foi, foi muito importante quando isso começou a acontecer. É algo que motiva a gente, porque às vezes a gente está ali naquela correria, organiza um evento, manda o link para alguém, explica como é que funciona alguma coisa para alguém, mas você não tá nem aí que aquilo vai ser, que vai mudar a vida de uma pessoa. E quando isso começou a acontecer, foi uma coisa que me deixou muito chocada, porque eu já falei isso para alguém, quando eu vi a Dani pela primeira vez, eu fiquei congelada. Hoje em dia, a Dani é minha amiga e a primeira vez que eu encontrei a Dani pessoalmente, eu fiquei congelada, eu falei para ela: “Olha, você me inspirou a estudar muito banco de dados e eu sou muito fã do seu trabalho”. E ela falou: “Olha, eu também sou muito fã do seu, que o meu front-end é horrível”. Eu fiquei assim: “Gente, não é possível que Dani Monteiro tem alguma coisa que ela faz de forma horrível. Impossível, eu não acredito nisso!”. Mas ela falou: “Olha, eu fico muito grata que tem gente que faz o que você faz, porque se dependesse de gente que faz o que eu faço, muitas vezes não seria possível”. Porque a gente foca muito numa área e não dá para estudar todas, o mercado de tecnologia, ele é muito grande, então se você foca numa coisa, dificilmente você dá atenção para as outras. E isso foi muito importante. A minha vida de comunidade é muito importante na minha vida como um todo, porque eu tenho uma série de problemas atrelados a ser muito introvertida, eu tenho fobia social, então qualquer coisa que envolva muita gente, principalmente gente de fora do meu convívio, é uma coisa paralisante para mim, é uma coisa que me dá sintomas físicos mesmo, eu trato isso há muitos anos. Então, a primeira vez que eu fui dar uma palestra, foi sobre isso, foi uma época que a minha ansiedade estava no pico, que a minha depressão estava me pegando e eu dei uma palestra, lembro até hoje o nome dessa palestra, num evento da perifaCode, que chama “Tá tudo bem!”, que associava os problemas de saúde mental que a gente tinha, com a vida corrida que a gente tinha de comunidade e de tecnologia, de ter que estudar, de ter que estar sempre aprendendo alguma coisa, de estar com medo de estar perdendo alguma coisa, de estar ficando para trás, das empresas não querendo encontrar. A gente vive com medo. E eu levei essa palestra muito assim… Até hoje, já dei palestra em evento internacional, as pessoas: “Não é possível!”. Não, isso acontece até hoje, toda vez que eu me submeto a uma palestra, eu nunca acho que ela vai passar e desde a primeira é assim. Então, eu mandei: “Ah, ninguém vai aprovar isso, não!”. Do nada me manda uma mensagem: “Ó, você vai dar palestra no próximo evento do ‘perifa’”. Eu fiquei desesperada, eu fiquei congelada. Mas, enfim, minha filha estava comigo nesse dia, ela tinha oito anos no momento e ela que me tranquilizou. E o pessoal: “Cara, olha o tema da sua palestra, não tem porque você está assim”, mas o ansioso não quer saber dos motivos lógicos das coisas. Então, eu tive febre, passei mal para caramba. E acabou que a palestra virou um grupo de conversa, tinha muita gente nessa meetup nesse dia, foi numa empresa lá na Paulista e tinha muita gente, tinha umas duzentas pessoas, para meetup é muita coisa. E aí as pessoas… eu começava a falar das coisas, ia contando experiências pessoais e tudo. Aí quando a primeira pessoa levantou o dedo para relatar uma experiência exatamente como aquilo, tipo assim: “Poxa, eu achei que eu era o único que passava por isso e eu guardei isso para mim”. Aí começou todo mundo… eu sei que a palestra que era para durar vinte minutos, durou duas horas e meia. E a partir daquilo, eu vi: “Poxa, isso aqui talvez faça diferença não só na minha vida, como na vida dos outros”. Porque eu, por ser muito introvertida, eu tenho dificuldade de falar em público, assim como todo mundo, mas a minha dificuldade é muito maior. Mas eu acabei criando uma persona quando eu subo no palco, eu sou outra pessoa, apesar de ser eu também. Mas aquele medo de falar, de emitir opinião, de falar o que eu sei, de contar o que já aconteceu comigo, ele some completamente quando eu estou em cima de um palco falando e compartilhando conhecimento com a comunidade. Então, isso passou a fazer diferença na minha vida, e junto com os relatos das pessoas: “Poxa, assistir aquela tua palestra mudou a minha vida, me direcionou a minha carreira”; “Poxa, você me respondeu no momento que eu já estava pensando em desistir da carreira”. Então, isso me ajuda bastante a continuar, sabe?
(51:06) P1 - Como é que foi para você ver tanta gente da periferia, gente preta, estar na área de tecnologia e também ajudando outras pessoas iguais a elas?
R - É uma sensação que, hoje em dia, a gente que já leu um pouco mais… é uma sensação de aquilombamento, é aquela sensação de tirar do pedestal pessoas que sempre tiveram ali e falar assim: “Olha, eu tenho tanta capacidade ou mais que você, porque sem os teus recursos, sem toda a tua ajuda, tendo que acordar quatro e dez da manhã para subir a serra e estudar. Eu estou aqui também, no mesmo lugar que você. Então vê isso comigo, vê um amigo que tá fazendo um trabalho incrível numa universidade federal, amigo que foi para fora palestrar e que hoje em dia é referência na área que ele atua”. Então, isso é uma sensação de pertencimento e de orgulho muito grande, eu fico muito feliz de saber, de ver amigos como a Carla, como a Nina, como a Dani, assim, voando pelo mundo, espalhando a palavra da tecnologia dos pretos e dos periféricos e das pessoas LGBT. Eu fico muito feliz com isso! É um pouco meu também e eu sei que quando acontece comigo também é um pouco dessas pessoas.
(52:34) P1 - E como que é o seu dia a dia na sua rotina de trabalho?
R - Atualmente, eu trabalho remoto. É doideira, porque a minha filha estuda de manhã e o meu filho estuda à tarde, então a gente está sempre em movimento aqui em casa. Mas o trabalho em si é muito tranquilo, porque é uma coisa, é aquele lugar que você sempre sonhou em estar, por mais que possa ser muito bobo para as pessoas ver o que eu faço hoje: “Ah, pô, tem um monte de gente [que] faz”, mas é um sonho de infância que era uma coisa praticamente impossível. Quando eu entrei na faculdade, lá em 2007, não faltou gente para falar para minha mãe que era loucura, que ela não ia conseguir me bancar numa faculdade para fazer aquilo, que era coisa de homem, que era coisa de rico, enfim. E passado dezesseis anos, estar fazendo o que eu faço e inspirando a minha filha a pensar [em] fazer algo parecido, isso é muito legal para mim. Eu costumo falar para as pessoas, que tudo, que todo mundo se estressa muito, que marido, trabalho e filho, é a parte mais leve da minha vida, porque eu faço o que eu amo, meu casamento é um sonho e os meus filhos são maravilhosos, então eu não tenho o porque reclamar dessas coisas. As coisas que eu me estresso tem a ver com outras coisas, geralmente, eu tenho muito isso de ajudar a ajudar as pessoas, então acaba que os problemas dos outros viram meus, eu tento ajudar e quando não consigo isso é frustrante, então isso que acaba me aborrecendo mais do que a minha vida em si.
(54:22) P1 - Aproveitando que você falou dos filhos, como é que foi para você ser mãe pela primeira vez?
R - Ser mãe… eu lembrei exatamente o dia, o horário e o local que eu descobri isso, foi dia 15 de julho de 2010, às quinze e 48. Eu quis lembrar desse dia e dessa hora, porque foi uma coisa muito impactante, apesar de tudo, por ser meio nerdona, nerdona da família, que não gosta de barulho, que não gosta de muvuca, que estava sempre com um livro debaixo do braço, que tava sempre… eu ouvia muito na minha pré-adolescência, tinha uma tia minha que falava: “Olha, você fica tanto nesse computador que qualquer dia ele vai te sugar e você vai estar aí dentro". E sim, agora. Teve uma palestra minha, eu não lembro qual foi, que a minha mãe botou no YouTube, na televisão da sala, e ela chamou os vizinhos para assistir. Então, sim, eu estava dentro de uma tela de alguma forma, aquilo acabou virando verdade. E a minha filha, ela veio num momento onde eu estava me sentindo muito sozinha, eu tinha terminado um relacionamento que foi muito complicado de me desfazer, me desvencilhar daquilo. Enfim, jovem e sem direção para muita coisa, eu tinha um apego emocional muito grande na pessoa. E sai de um relacionamento, entrei em outro e nesse momento eu engravidei. E aí foi uma coisa, assim, de botar na minha cabeça, quando eu olhei… eu já sabia, sempre fui muito saudável e tal. E quando eu comecei a enjoar de umas coisas, arroz, feijão e ovo, a minha comida preferida. Minha mãe fez para mim, quando eu peguei o prato eu botei tudo que eu tinha para fora, não tinha nada no estômago, eu vomitava, vomitava. Não deu outra, no dia seguinte fui fazer o exame: estava grávida. E aí foi esse dia 15 de julho de 2010. E foi um misto de coisas. Eu sempre falo para as pessoas, minha primeira experiência de maternidade, foi a maternidade mais real possível, porque apesar de eu ter aquela sensação, de: “Poxa, eu não estou mais sozinha, pelo menos por agora”, me bateu um desespero e uma coisa assim: “Gente, o que [é] que eu vou ter para ensinar para essa pessoa que está chegando aí?”, e eu entrei em parafuso. Eu fiquei em depressão. Foi horrível! Tanto que para amar a minha filha do jeito que eu amo hoje, que eu vejo ela um ser humano incrível que ela é hoje, demorou dois anos, do momento que eu tive, que era um bebê lindo, saudável e todo mundo queria pegar no colo, porque ela era um bebê muito fofinho. Eu fazia o que eu tinha que fazer, mas eu não tinha aquele amor sublime, romântico, pela minha filha de começo, não! Isso veio depois dos dois anos dela. Aí também foi de uma vez! Mas a minha maternidade não veio com amor de mãe no automático, eu falei isso num grupo de amigas de tecnologia que são mães e foi uma coisa até meio assim: “Poxa, isso é uma coisa que pouca gente tem coragem de falar”. Mas, não, não foi! Eu já conversei isso com a minha filha, já foi uma coisa superada por mim, por ela. Até porque ela sente o amor e o carinho que eu tenho por ela hoje em dia, mas foi uma coisa muito batalhada, para vir esse amor, não foi de primeira, não. O que veio primeiro foi o desespero, o desespero tomou conta. E quando ela nasceu, eu botei a mão na cabeça: “Meu Deus do céu, ok, ela agora está aqui fora, no mundo. E aí, o que [é] que eu faço?”. Eu nunca nem tinha segurado uma criança no colo, então entrei em desespero! Os dois primeiros anos da vida da minha filha foram desesperadores!
(58:42) P1 - E com o seu filho foi do mesmo jeito?
R - Cinco anos depois, o meu filho. A história da vinda do João é bem engraçada, porque a minha filha no aniversário dela de quatro anos: “Ou, Ellen, o que [é] que você quer de presente de aniversário?”, “Ah, mamãe, eu quero um irmão!”. Eu quase caí no chão: “Meu Deus, o que é isso?”, “Ah, mãe, eu quero um irmão, quero um irmão!”. Eu já estava casada pela segunda vez, pô, eu já estava casada há uns dois anos: “Como assim ela quer um irmão, gente? Ela quer um irmão, e beleza, vamos amadurecer essa ideia”. Eu já estava casada com uma pessoa [há] um ano e pouco, eu já estava casada com uma pessoa que já tinha filhos, que realmente não passava isso pela cabeça dele. “E aí, cara?”, “Meu, nunca tinha pensado nisso". Falei: “Para mim só ela estava ótima!”. Enquanto a gente tá aqui... aí vem a filha dele que era mais ou menos da mesma idade dela, vinha para nossa casa de vez em quando, as duas conviviam e era ótima amizade das duas. Pra mim estava ótimo! Nunca tinha pensado em ter outro filho antes de Ellen: “Não, mamãe, eu quero um irmão, quero um irmão menino, tá? Eu quero um irmão menino!”. Tanto que quando ela descobriu… ela descobriu que eu estava grávida muito antes do exame, muito antes de qualquer coisa e sempre foi o meu irmão, sempre foi. E ela ficou com essa ideia fixa. Quando ela começou a dormir muito abraçada comigo, com a minha barriga e tudo, e o corpo começou a mudar… eu era muito magra na época, então o corpo começou a mudar. Eu nunca tive peito, tava com um decote enorme: “Isso está esquisito!”. Mas só que ela já estava dormindo abraçada comigo, com a minha barriga e eu não estava percebendo isso. Então, eu engravidei do João e sempre foi João, sempre foi João Luiz, o nome dele. Luiz é meu pai e a gente acrescentou o João. Só o meu pai que chama o João de João Luiz, porque ele tem que falar o próprio nome, muito engraçado! E aí ele sempre foi o João, e aí ela sempre falou: “O meu irmão, o meu irmão”. E o João foi uma coisa muito planejada, muito amada, muito esperada. Ela ficou muito triste porque ele não nasceu no dia do aniversário dela, ele nasceu próximo, ela é do dia 3 de março, ele é do dia 21. Aí passou o aniversário de cinco anos dela: “Tá, mamãe, e aí, o bebê não vai nascer? Tá na hora! Hoje é o meu aniversário, ele precisa nascer!”, “Filha, não é assim que funciona e tal”, e acabou que o João veio no dia 21. E ela veio para casa da minha mãe, porque eu fui para o hospital, eu tive o João em Mesquita, no Hospital da Mãe, em Mesquita. Atendimento excelente, foi maravilhoso! E aí, quando o João nasceu, ela veio para casa da minha mãe, porque afinal eu estava no hospital. E ela não dormiu, ela ficou dois dias sem dormir, acusando a minha mãe de estar afastando ela do irmão: “Por que vovó que você não quer me deixar ver o meu irmão?”. E quando ela chegou em casa, dois dias depois, para ver o irmão, ninguém existia, ela veio direto no João, e ela dormiu assim, o dia inteiro, parece que foi aquele alívio. Hoje em dia é o quebra pau de irmãos normal, cinco anos de diferença, ela não tem mais paciência. Ele está com sete e ela está com doze, então ela não tem mais paciência, porque ela quer ver as coisas de adolescente dela e ele quer brincar, então ela não tem mais paciência, mas quando está um sem o outro, aí fica aquela coisa: “Mãe, vamos ligar para irmã?”; “Poxa, o João está demorando a chegar". Então, ainda tem aquela coisa, aquele apego, aquele amor dos dois.
(01:02:52) P1 - E como que eles veem o seu trabalho?
R - Eles ficam muito orgulhosos. Eles falam para todo mundo na escola que eu sou muito famosa, por causa das palestras: “Olha, todo mundo da tecnologia conhece a minha mãe". Gente, a tecnologia é muito grande; a maioria das pessoas da tecnologia no Brasil, não me conhecem. Então, é uma parte de poucas pessoas que fazem a mesma coisa que eu faço que me conhecem, porque eu vou a muitos eventos e tudo. “Não, mãe, você é muito famosa! Todo mundo na tecnologia te conhece!”. Isso foi muito legal, porque acabou inspirando, aquela coisa de criança, de ela querer fazer a mesma coisa que eu, ela gosta muito desse universo, ela se interessou por inteligência artificial e robótica, então, de vez em quando, ela está mexendo com alguma coisa desse tipo, tem algumas linguagens que ela mexe até melhor do que eu, né, cérebro tinindo, novinha. Então, ela vai que vai, quando ela pega alguma coisa que ela se interessa muito, ela fica com aquilo até sair alguma coisa. Então, ela tá bem interessada nessa parte, já envolvi ela em conversa com algumas amigas que são da área, então ela gosta bastante. E eles acham que eu sou a pessoa assim, mais famosa e mais importante da tecnologia. Mãe, né?
(01:04:27) P1 - E como você imagina que vai ser o futuro para as mulheres na área da tecnologia?
R - Olha, para mim já foi bem melhor do que para as mulheres que vieram antes de mim e a minha missão na comunidade, assim como de muitas que eu citei, das que eu não citei também, a nossa missão é para continuar pavimentando para aquelas que estão vindo, mesmo que de migração de carreira de outras áreas totalmente diferentes, para estranhos, para as pessoas LGBT de forma geral. Então, a gente quer pavimentar, porque a gente sabe o que a gente passou, as piadinhas que a gente ouviu, as portas se fechando na nossa cara. Então, eu nem tinha muito essa ambição, quando eu comecei a trabalhar eu não queria estar em cargo de gestão; hoje em dia, é uma das minhas ambições de carreira, para poder ter poder decisório de quem entra nas empresas onde eu estou trabalhando também. Então, isso faz a diferença, a gente tem que ocupar os lugares, sabe! Então, que a gente ocupe os lugares para que elas também queiram ocupar os lugares também e pavimentem para quem vem depois.
(01:05:49) P1 - E como você acha que mudou, desde que você começou a trabalhar com tecnologia até agora? Mudou para melhor, para pior?
R - Para melhor mudou, porque a gente se vê mais, a gente se reconhece mais, a gente vê a exposição e os lugares onde as pessoas, os nossos iguais estão alcançando. Para pior também, mudou a exposição. Quando a gente é muito exposto, a gente tem que estar disposto a ouvir tanto as críticas, quanto os elogios, e isso às vezes desmotiva um pouco a gente. Quando eu comecei a dar palestras, eu estava vendo a minha volta muita gente depressiva, muita gente ansiosa, então eu falava muito sobre soft skill, falava muito sobre saúde mental. “Ah, que técnica é você que nunca leva uma palestra técnica para o palco?”, então isso me desmotivava bastante, mas eu sabia que, ao mesmo tempo, aquilo estava ajudando as pessoas que vinham depois, porque ninguém estava falando daquilo, a não ser os especialistas daquele assunto. Então você vê uma pessoa que trabalha igual a você, que faz a mesma coisa, falando que ela também passa por isso, como ela está lidando com isso, isso ajuda bastante. Que era uma coisa que quando eu entrei não se falava, não se falava dos percentuais de ansiedade das mulheres, das pessoas pretas, das pessoas LGBT, das pessoas PCD. Não se falava de nada disso na tecnologia. Era uma coisa que: “Senta aí, a gente vai extrair o máximo do seu conhecimento e jogar fora o seu bagaço”. Mercado, capitalismo selvagem é isso aí! E as pessoas não estão nem aí se você tem família, se você mora na Baixada Fluminense e trabalha na Barra, as pessoas não estão nem aí com isso! Não estão hoje, mas não estavam muito mais há oito, dez anos atrás. Então, são coisas que a gente tá fomentando que faz com que as empresas, com interesses corporativos ou não, tenham um pouco mais de cuidado com relação a isso. E que quando a gente esteja num lugar onde a gente possa decidir quem entra e quem não entra, numa vaga, que a gente tenha um pouco mais de cuidado com isso, como tratar as pessoas, como cuidar desse background que já veio tão castigado do profissional das pessoas. Então, isso não era falado, começou um burburinho, até que muita gente começou a levar palestra, começou a levar eventos, começou haver uma preocupação maior das empresas com relação a isso, dos gestores com relação a isso, dos times em si: “Ah, essa cultura workaholic não vai te levar a um bom lugar, cara! Daqui a pouco você vai ganhar um burnout”. Eu não sabia, não tinha noção do que era burnout até ter um. Então, isso é importante, as consequências disso na tua família, nas coisas que você gosta de fazer. Você ter um hobby que não envolva telas, é fundamental para você conseguir manter a tua mente aprendendo tecnologia. Então, era coisa que: “Ah, já que eu trabalho com tecnologia, o meu hobby tem que ser jogar videogame, eu tenho que ser nerdona, tenho que gostar de rock”, enfim, era um estereótipo, que pouco a pouco a gente foi quebrando. Então, tem muita coisa para fazer, mas eu vejo que a gente avançou bastante, se a gente pegar nos últimos dez anos aí.
(01:09:39) P1 - Gabi, voltando pro aspecto pessoal, você é casada?
R - Sim! Casei tem cinco anos, com o meu primeiro namorado que eu conheci no ensino médio. Mas da gente se conhecer até a gente casar foram muitas voltas que a vida deu.
(01:10:01) P1 - E como é que vocês se conheceram?
R - Bom, entrei na escola… a gente se mudou para Piabetá em janeiro [de] 2003. E eu fui estudar no CIEP, num bairro aqui próximo, em Pau Grande, perto de Garrincha. E eu fui estudar lá e ele já estudava nessa escola há um tempo, e a gente se conheceu, foi colega de turma, viramos amigos, foi aquela coisa de namoro de escola que começa namorar o melhor amigo. Então, a gente se conheceu no início do ano e começou a namorar no início de junho, assim que estava perto das férias de meio de ano, a gente começou a namorar. E aí ficamos, namoramos o ensino médio todo, primeiro, segundo, quando chegou no terceiro ano, início do terceiro ano, a gente se separou, porque eu já estava muito focada em vestibular, em faculdade, essas coisas. Ele estava mais no boom das lan houses. Lan house, vídeo game, viradão de madrugada, e essas coisas. E o caminho acabou divergindo e a gente acabou terminando se gostando ainda, mas porque não fazia sentido naquele momento a gente está junto. E aí ficamos doze anos afastados, nesse período eu casei duas vezes, tive os meus filhos. O meu segundo casamento foi aquela coisa de eu encontrar o amor da minha vida, tivemos um casamento de cinco anos, muito intenso, de muito amor e tudo. A gente descobriu um câncer e o câncer levou ele em menos de dois anos. E aí os planos que a gente tinha juntos foram pelo ralo. E era uma coisa assim, que eu não queria ter filho, a minha vida já estava muito ajeitada só com a Ellen. E não, vamos! E ela ter pedido o João de presente de aniversário, foi uma coisa que acabou virando o sonho dele, depois virou o meu também. E ele morreu de câncer no começo de 2018 e a gente ficou assim, eu fiquei sem saber o que fazer, fiquei sem chão. E alguns meses depois eu reencontrei esse primeiro namorado, eu falei para ele… foi jogo aberto mesmo: “Olha, eu não estava procurando um relacionamento” - na minha vida não tinha mais espaço para isso - “tô 100% focada nos meus filhos e nos meus estudos, na minha carreira, então se você quiser acompanhar isso, beleza, a gente continua”. E a gente se reencontrou no mês de junho, que a gente começou a namorar anos atrás, a gente se reencontrou no mês de junho. “Não, vamos ficar”... Porque sem eu saber a vida dele seguiu outro curso, ele nunca casou, namorou algumas vezes, mas nada não muito sério. Mas dizia para todo mundo que só ia casar se fosse comigo. Então, ele viveu aquela vida de solteirão: “Ah, não, não vou casar porque a pessoa que eu casaria é impossível!”. E aí, a gente se reencontrou em 2018, começamos a namorar, até que eu falei… eu tava num processo de luto ainda, então, fora os meus filhos e os meus estudos, nada era muito importante para mim. Então, não aguentava mais aquele ambiente, o ambiente me lembrava a vida que eu tinha, tudo isso! E eu resolvi, além de trazer uma melhora para os meus filhos e para minha vida, sair daqui! Isso ia também me afastar daquele ambiente que me lembrava tanta dor. Então, eu acabei indo morar em São Paulo. Isso, a gente se reencontrou em junho, quando foi em julho, eu recebi uma proposta, e aí eu falei para ele assim… eu nem perguntei nada, falei para ele: “Arranjei um trabalho em São Paulo, tô indo!”. Aí ele… nunca saiu daqui, sempre morou aqui, a vida toda. E aí ele falou assim: “Tá! Eu vou com você!”, um mês depois da gente se reencontrou. E aí em agosto, no começo de agosto, eu fiz as malas, botei uma mochila nas costas, fui para São Paulo! Aí alguns dias depois, eu fui para São Paulo, cheguei lá dia 6, 7 de agosto, no dia 20… eu vinha de quinze em quinze dias para ver os meus filhos, ficaram com a minha mãe. E quando eu vim no dia 20, ele já estava com tudo pronto para ir para lá comigo. E a gente ficou lá durante um tempão. Um tempo assim, a gente foi em 2018, voltamos em 2020, por conta da pandemia. A minha mãe estava morando aqui sozinha, estava com uma série de problemas e a gente voltou para visitar, só que a minha mãe estava muito ruim, a gente acabou ficando. Então, um mês depois, ele acabou indo morar comigo em São Paulo e estamos juntos aí, cinco anos.
(01:15:31) P1 - Que bonito! História diferente. Voltando na época da pandemia, no seu trabalho, como é que isso impactou?
R - Bom, eu já estava trabalhando numa empresa que vinha numa crescente de transformação digital, então eu tinha acabado de ser contratada por essa empresa, em fevereiro de 2020, e quando foi em março… eu trabalhei cinco semanas exatamente, e quando foi em março, uma sexta-feira, a gente tinha entregado um negócio legal à beça, e tava todo mundo naquele clima de sexta-feira mesmo, daquela reta ali da Berrini. A gente tava num clima assim, e a diretoria da empresa já estava sabendo, a gente já estava prontinho para o happy hour na quinta-feira, que o happy hour de algumas empresas na Berrini era na quinta-feira. E aí rolou uma chamada da empresa inteira, chamaram a empresa inteira, agora, amanhã, sexta-feira, quando vocês vierem, venham com uma mochila maior que vocês vão pegar as suas coisas e vão começar a trabalhar de casa e a gente não sabe quando vai voltar, a princípio é daqui algumas semanas. E acabou durando o tempo que durou.
(01:17:03) P1 - E isso também facilitou você voltar para o Rio?
R - Sim! Foi em março isso… A casa da minha mãe é muito grande, tem mais de cem metros quadrados e ela estava morando sozinha. E ela entrou em depressão, teve crise de pânico, porque não podia ver ninguém. A minha mãe adora falar, ela é muito extrovertida. E isso chegou para ela como um soco e ela teve síndrome do pânico. Eu estava vendo que algo não estava bem com ela, a gente se falava todos os dias e numa dessas, eu falei para ela: “Tô indo aí”, mas só que ela não acreditou, porque era um momento… São Paulo fechou mesmo nessa época. Então, a gente tinha que marcar hora para ir no mercado, por exemplo. Então, ela não acreditou, porque estava tudo fechado. E detalhe, fechou… quando a quarentena começou, era uma época que a gente tinha planejado dar um festão para o João e para Ellen, no salão do condomínio, tinha convidado vários amigos, ia ser um festão mesmo. E a minha mãe já estava de malas prontas para ir para minha casa em São Paulo, aí quando eu cheguei na casa dela em julho, a mala dela estava no mesmo lugar, porque fechou um dia antes dela embarcar para São Paulo, a passagem dela tava comprada, tava tudo certo! E aí ela ficou, entrou em Pânico. E a gente que veio só visitar para ver como que ela estava, acabou ficando, porque ela não comia, ela não dormia, ela só tomava café e fumava. Aí foi até a ideia do meu marido, ele falou: “Olha, a gente… vamos ficar com a sua mãe, porque se a gente não ficar aqui, ela vai embora”. E a gente acabou ficando e estamos aqui.
(01:19:07) P1 - E como que ela está hoje?
R - Hoje em dia, ela voltou. Com o passar dos meses, ela foi melhorando e tudo. Então, ela tá bem, tá ótima! Ela também é de Candomblé, está muito mais anos do que eu, então a alegria dela de fazer aquele bolsão com as roupas de Candomblé, e ver os amigos, e fazer as coisas e fica lá por dias. Ela mora do lado da minha casa, às vezes… a gente mora uma do lado da outra, às vezes, eu passo um, dois meses sem ve-lâ, mas a gente se fala todo dia. Mas ela está super feliz, andando de um lado para o outro, com os amigos e tomando uma cerveja, às vezes tá na cachoeira, às vezes tá na praia. Então, ela voltou a ter a Vida ativa que ela tinha antes da pandemia.
(01:19:59) P1 - E aproveitando que você citou, o que [é] que o Candomblé significa na sua vida?
R - Candomblé é um resgate para mim. Eu fui criada com a minha avó, que era evangélica, da Assembleia de Deus. E por ser criada com vó, vamos se arrumar, domingo cedo, vamos lá para a escola bíblica dominical. E essa foi a minha vida durante dez anos. A minha vida religiosa, ela é bem confusa inclusive. Porque a minha avó, apesar de ela ser da Assembleia de Deus, desde a infância, ela nunca foi uma pessoa intolerante com outras coisas, ela falava: “Olha, eu vou te levar comigo porque você mora comigo, mas a sua mãe não é evangélica”. Então, a gente morava no complexo da Maré e lá tinha a Igreja da Nossa Senhora dos Navegantes, e foi lá que eu fiz o catecismo e fiz as coisas. Ela falou: “Você vai fazer catecismo, vai fazer suas coisas, e se você resolver seguir a igreja católica, como sua mãe te ensinou, você já está com tudo ok, está com tudo pronto”. Então, na infância, eu fiquei com isso aí da vida religiosa, que hora eu estava na igreja evangélica e seguindo com a minha avó por morar com ela, e hora eu estava na igreja católica, porque alguns preceitos do Candomblé, inclusive, orientam que a gente faça as coisas da igreja católica. Então, fiquei na igreja evangélica por dez anos, a minha infância toda. Ainda assim, 27 de setembro eu ia pegar doce de São Cosme e Damião, ia para festa de erê no umbanda com a minha mãe. E todos esses festejos católicos e de umbanda, eu participei ativamente, mesmo estando na igreja com a minha avó. E foram dez anos, até que no início da adolescência, que coincidiu com a gente vir morar aqui, eu saí da igreja, porque já não era algo que fazia mais sentido para mim. Fiquei um tempo agnóstica, muito tempo, cheguei a flertar com ateísmo, até que eu fui numa festa do candomblé [e], por coincidência, era festa do meu santo e ele saiu lá do fundo do Barracão e me deu um abraço, e aquilo foi como voltar para casa. E aí, desde então, desde os meus dezenove, vinte anos, eu nunca mais larguei o Candomblé.
(01:22:22) P1 - E voltando para o trabalho, o que [é] que você faz hoje?
R - Hoje em dia eu sou engenheira de software de um grande banco, trabalho numa área que entrega para um outro setor do banco mesmo. E o meu trabalho é bem tranquilo, dá tempo de estudar, a empresa incentiva bastante que a gente estude para tirar certificação. Então, eu acabo tendo bastante tranquilidade nessa parte do trabalho.
(01:22:52) P1 - E além do trabalho, o que [é] que você gosta de fazer? Você tem algum hobby, alguma coisa assim?
R - Além do trabalho eu tenho alguns hobbies, comprei um patins, para voltar a andar de patins, que é uma coisa que eu gostava muito de fazer quando era criança, gosta muito de desenhar, caligrafia, tipografia, tudo isso, cores. Eu sou vidrada em material de papelaria, então, canetas, eu tenho um caneteiro aqui cheio de canetas muito diferentes, coloridas, tudo. Papel, eu gosto muito dessa coisa de papel colorido, papel de carta, gosto muito de desenho, gosto muito de artes em geral. Gosto de artes com agulhas, faço muito, então, bordado, tricô, crochê, faço desde criança, aprendi na escola e na igreja também. Então faço! Tem muitos anos que eu não faço algum deles, mas se pegar é como se tivesse largado semana passada, é uma coisa que eu não esqueço. Então, eu tenho esses hobbies e essas coisas. Muitas coisas, aprendi costurar, cortar e costurar com a minha avó, minha avó era uma costureira de mão cheia. Então, quando chegava um neto novo, um bisneto, ela sempre dava um jeito de fazer uma roupinha, coisa que ela gostava de fazer. Aprendi com ela essas coisas de agulha.
(01:24:17) P1 - E quais são as coisas mais importantes para você hoje?
R - Minha família junto, meu marido, meus filhos, saber que os meus pais estão bem. Porque como eu não tenho raiz, uma hora eu estou aqui, outra hora parece uma coisa lá do outro lado do mundo, eu vou! Então, eu não tenho apego com o lugar geográfico, mas o lugar, o nosso lar, a nossa casa, é onde a gente tá junto com as pessoas que a gente gosta. Então ter comigo os meus filhos e o meu marido e saber que todos os outros, os meus outros estão bem, é o que me deixa bem, me deixa feliz. É o que é mais importante para mim.
(01:25:05) P1 - E qual que é o seu maior sonho?
R - Acho que o meu maior sonho eu estou vivendo, mesmo que não da forma que eu planejei. Eu quando era mais nova, muito antes de ter filho, eu queria ser aquela pessoa que roda o mundo trabalhando com tecnologia e dando um jeito de passar isso para as pessoas. E, de certa forma, eu consegui isso! Eu tenho uma casa própria grande, do jeito que a gente planejou, foi a tecnologia que me deu. Então, alguns dos maiores sonhos que eu já realizei, tanto material, ou não, na minha vida, foi por causa do meu trabalho com tecnologia e o apoio do meu marido, que foi fundamental nos últimos cinco anos para eu conseguir algumas coisas que são bem importantes da minha carreira.
(01:26:02) P1 - E qual que você acha que vai ser o seu legado para as próximas gerações?
R - Olha, tá aí uma boa pergunta, porque eu nunca achei que eu tivesse alguma importância ou relevância a ponto de deixar um legado para as próximas gerações. Mas eu acho que coloquei o meu tijolinho ali na casinha do aquilombamento, de você nunca fazer uma coisa só por fazer e tentar tratar os seus iguais. Você está bem, está confortável ali, então puxa alguém, que é igual a você, para estar bem, estar confortável também e fala para essa pessoa puxar alguém que é igual a ela. E por aí vai, isso vai passando para frente. Então, conquistar e fazer com que os seus iguais conquistem também. Porque para a gente, pra gente que vive em comunidade, que faz parte de determinadas comunidades, uma conquista sozinha não é uma conquista. Conquista em comunidade é conquista em grupo.
(01:27:09) P1 - Você gostaria de comentar mais alguma coisa? Alguma coisa que eu não perguntei que você acha que é importante citar?
R - Coisas importantes para citar… eu acho que é mais isso: com a comunidade eu aprendi a ter muito mais essa visão de pensar em comunidade, pensar em grupo. Eu acho que muitas das coisas muito graves, que a gente tem visto, [são de] divisão, de polarização, tem sido que as pessoas estão muito individualistas ultimamente, elas não têm pensado em conjunto, não tem pensado em comunidade. Eu acho que é importante a gente pensar em comunidade e pensar no que a gente deixar para o outro. No início da minha carreira, eu fui muito individualista, eu queria só para mim tudo. E eu comecei a conquistar muitas coisas e muito rápido quando eu comecei a dividir e, em consequência, a multiplicar conhecimento, experiências e vivências com as outras pessoas. Eu acho que você compartilhar e trazer os outros com você, sempre é benéfico para todo mundo.
(01:28:28) P1 - E, por fim, como é que foi para você hoje contar um pouco da sua história para a gente?
R - Olha, foi surpreendente, porque eu lembrei de coisas… é aquilo, você desbloqueia algumas memórias. Foi muito legal. Às vezes eu fico pensando: “Poxa, será que eu fiz alguma coisa de muito importante para estar acontecendo isso, isso e isso?”. 2020, eu saí na Forbes. Eu fico assim: “Gente, por que [é] que eu saí lá? Eu não tenho a maior relevância para sair lá, enfim”. E às vezes acontece algumas coisas que eu fico assim. Mas, de certa forma, eu sinto que impactei alguém, pelo menos uma ou duas pessoas, que seja, por alguma coisa que aconteceu comigo, ou na minha carreira, ou na minha vida, sabe, a estimular as pessoas a não desistirem, alguma coisa do tipo. E tem coisas, tem algumas pecinhas que eu não lembrava que foram tão importantes para a construção de tudo isso.
(01:29:30) P1 - E como é que foi esse momento de você aparecer na Forbes?
R - Foi um soco na cara! Porque é uma coisa muito grande, é uma coisa que você não espera. Foi uma matéria, uma matéria de 2020, aquelas listas da Forbes, Nove Negros Inovadores Brasileiros, eu saí do lado de gente muito gigante, que eu ficava assim: “Meu Deus, essas pessoas, e eu tô ali!”. Até hoje… Hoje, meu marido falou disso: “O Fulano lá do trabalho falou que te viu na Forbes”, “Meu Deus, as pessoas ainda veem isso!”. Eu fiquei… foi uma coisa assim, foi um convite da empresa que eu trabalhava, um convite da Forbes para a empresa que eu trabalhava, que perguntava às pessoas pretas na empresa que mais se destacavam na tecnologia. Aí eles mandaram o meu contrato de primeira. Gente, assim, do nada? Ok, né? Vamos lá! E eu fiquei anestesiada no dia do convite, eu fiquei, assim, anestesiada, não soube reagir.
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