Projeto SOS Mata Atlântica 18 anos
Depoimento de Mário Mantovani
Entrevistado por Beth Quintino e Rodrigo Godoy
São Paulo, 05 de janeiro de 2005
Realização Museu da Pessoa
Código do depoimento: SOS_HV017
Transcrito por Thais Cechini
P/1 - Bom dia, Mário, obrigada por você ter vindo. Eu gostaria que você começasse falando o seu nome completo, local e data de nascimento.
R - Eu sou o Mário César Mantovani, nasci em 20 de dezembro de 1955, em Assis, Estado de São Paulo, nas barrancas do Rio Paranapanema.
P/1 - Mário, e a sua família, assim, seus pais, o que é que eles faziam? Eles eram de lá?
R - A minha família é de origem italiana e ocupou essa região do Estado de São Paulo que era para ser do pessoal ligado à agricultura, mas que acabou entrando para a área de comércio, então sempre foi de lá. E meu pai também trabalhou muito com a área de música. Eles tinham uma orquestra nos anos 50, que tocava por todo o interior de São Paulo, então eu conheci muita gente por conta disso. E depois o meu pai veio a ser funcionário público e minha mãe cuidando dos cinco filhos da prole que veio a acontecer lá naquela região do interior. E com isso eles tinham também uma relação muito interessante, porque o pai, vindo de uma formação de músico, completamente solto, a mãe religiosa e de um encontro interessantíssimo dos dois, mas que refletia nessa liberdade de conhecer tudo, de experimentar tudo. E isso foi muito interessante, porque eu pude já fazer a minha escolha, vamos dizer, profissional, que vem até hoje, já na infância. Eu já sabia absolutamente o que eu queria fazer naquele momento. Tirando aquelas coisas de querer ser... Eu queria ser maquinista de trem um pouco, porque eu vivia muito na estrada de ferro e uma coisa que eu gostava de saber é que aqueles trilhos iriam para algum lugar. E eu me lembro de coisas assim, de quando eu comecei a gostar de meio ambiente, de estar em cima de um trem indo para o interior à...
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Depoimento de Mário Mantovani
Entrevistado por Beth Quintino e Rodrigo Godoy
São Paulo, 05 de janeiro de 2005
Realização Museu da Pessoa
Código do depoimento: SOS_HV017
Transcrito por Thais Cechini
P/1 - Bom dia, Mário, obrigada por você ter vindo. Eu gostaria que você começasse falando o seu nome completo, local e data de nascimento.
R - Eu sou o Mário César Mantovani, nasci em 20 de dezembro de 1955, em Assis, Estado de São Paulo, nas barrancas do Rio Paranapanema.
P/1 - Mário, e a sua família, assim, seus pais, o que é que eles faziam? Eles eram de lá?
R - A minha família é de origem italiana e ocupou essa região do Estado de São Paulo que era para ser do pessoal ligado à agricultura, mas que acabou entrando para a área de comércio, então sempre foi de lá. E meu pai também trabalhou muito com a área de música. Eles tinham uma orquestra nos anos 50, que tocava por todo o interior de São Paulo, então eu conheci muita gente por conta disso. E depois o meu pai veio a ser funcionário público e minha mãe cuidando dos cinco filhos da prole que veio a acontecer lá naquela região do interior. E com isso eles tinham também uma relação muito interessante, porque o pai, vindo de uma formação de músico, completamente solto, a mãe religiosa e de um encontro interessantíssimo dos dois, mas que refletia nessa liberdade de conhecer tudo, de experimentar tudo. E isso foi muito interessante, porque eu pude já fazer a minha escolha, vamos dizer, profissional, que vem até hoje, já na infância. Eu já sabia absolutamente o que eu queria fazer naquele momento. Tirando aquelas coisas de querer ser... Eu queria ser maquinista de trem um pouco, porque eu vivia muito na estrada de ferro e uma coisa que eu gostava de saber é que aqueles trilhos iriam para algum lugar. E eu me lembro de coisas assim, de quando eu comecei a gostar de meio ambiente, de estar em cima de um trem indo para o interior à noite, vendo estrelas, discutindo sobre estrela com as pessoas e tal. Era muito louco... E com isso achando sempre caminhos. Eu ia tendo para o lado do Paraná, vendo a devastação do Paraná já nos anos 60, quando começa a destruir de forma muito violenta, indo para o Morro do Diabo, no Pontal do Paranapanema, e nadando em todos os rios possíveis e imagináveis que existiam naquela região. Então foi uma coisa muito interessante, porque também essa coisa de trabalhar com água surge dessa época. E eu acabei me especializando depois em questão de manejo de rios, em recuperação de rios.
P/1 - Assim, falando um pouquinho da família. Você tem cinco irmãos ou quatro?
R - Cinco irmãos.
P/1 - E como é que era assim essa convivência, essa infância em uma cidade do interior?
R - É tranquilo. Cidade do interior não tem nenhuma novidade. Você... a vida acontece. Agora, Assis era muito dinâmica, então você tinha uma mobilidade muito grande, porque eu, com quatorze anos já estava saindo de carona pelo Brasil. Pelo Brasil, imagina que loucura! E aí você também tinha umas coisas assim ligadas com igreja, aquela coisa pacata do interior, muito pacato. E a gente era o estranho, porque Assis, apesar de ser pacata, mas Assis tinha uma vida noturna, tinha universidade. Imagina uma Universidade de Letras, de História, que nos anos 60 saia muita gente ligada com o movimento estudantil, muito forte ali, então você tinha boates, você tinha tudo. E isso era uma coisa interessantíssima para os jovens, sempre querer estar no meio desses caras, tal, então tinha essa que era uma das aspirações. Mas eu fiz o caminho inverso. Enquanto todo mundo ia para boate e tal, eu ia acampar, eu ia viajar, eu ia sair para o mato. Aí, e gozado que era uma história boa, eu usava uniforme de escoteiro, tinha um grupo escoteiro na cidade muito bom e era um dos grupos mais famosos de Assis. E eu não tinha grana, porque, era coisa de rico naquela época e coisa assim, mas eu descobri que o uniforme era o melhor jeito, era o passaporte para viajar. Então eu viajei acho que uns cinco anos com uniforme sem ser escoteiro. E sabia tudo, porque eu ia na casa dos outros escoteiros nas outras cidades, escutava coisa e tal. Então tinha lugar para dormir, para comer, viajei tudo o que eu tinha direito até que me denunciaram: “esse cara viaja com uniforme de escoteiro e tal”. Aí foi um trauma, porque veio gente de São Paulo, porque foi denúncia na época dos militares: "O que é que esse cara está usando esse uniforme?” Eu me lembro que numa dessas eu fui para a Argentina, fui para o Xingu, eu fui para tudo quanto era canto, para o Rio, toda semana eu falava: "A gente se encontra no Rio". E pumba! Saia mil quilômetros na boa de uniformezinho. Histórias fantásticas de caronas, de amizades, que vem até hoje inclusive. Então isso era muito legal. E aí eu fui chamado para: "Que história é essa, cara? O que é que você está fazendo? Usando uniforme de escoteiro e tal?" E quando eu contei: "Olha, eu sabia tudo de escotismo. Esse grupo de Assis é uma porcaria, eles não sabem nada. E eu já sabia todas as histórias, conhecia tudo”. E isso foi muito importante, porque quando eu faço meus primeiros trabalhos já na prefeitura de Assis, ou para um banco, eu trabalhei pouco tempo com crédito rural. Eu trabalhei com crédito rural, financiei toda a destruição do interior. E depois avião, acho que eu vendo uns cinco aviões e por sorte só sobreviveu um daquela turma. Porque eu vendia colheitadeiras, vendia tudo, trator… Entregava isso na zona, uma bagunça total. E essa história, quando eu começo a vir para o meu trabalho, porque eu desisti de ser bancário. Foi uma carreira breve, muito breve, terminando em São Paulo. Acho que eu fiquei uns cinco anos com banco. Eu vou trabalhar depois com escotismo, olha que louco! E nessa época, em 1973, em Assis, eu já conhecia por conta das viagens, o que estava acontecendo com a Conferência de Estocolmo em 72, que foi a primeira conferência de meio ambiente. Então a minha formação já de quem gostava de meio ambiente, de natureza, vivendo muito essa história de estar viajando, conhecendo, eu conheci um programa que o escotismo lançou, que era um programa chamado Signa de Conservacionismo. Que foi juntamente, foi lançado juntamente com a conferência mundial de meio ambiente em Estocolmo, feito pelo “bureau” mundial de escotismo que era em Estocolmo. E isso traz todas as informações, em 1973 eu já tinha toda a base do que eu faço hoje. Já aprofundando inclusive, dados assim da poluição, do que é que era a poluição. Termos que vinham a ser usados muito depois, eu já estava trabalhando aqui. E quando eu venho para São Paulo, em 1973, nessa época eu fico acho que seis meses na Caixa Econômica de São Paulo, foi quando eu desisti de trabalhar e foi um horror aquele fim. Eu lembro que eu até mijei na samambaia da gerente, só para poder fazer uma saída em alto estilo, super ecológico naquela época. (risos) E eu trabalhava na Faria Lima, olha que era uma coisa ridícula, não tinha nada a ver. E eu ainda vinha de botina do interior, com um cara que trabalhava com crédito agrícola, usando aqueles cintos de cowboy, aquelas coisas. Imagina o tipo mais estranho do mundo na Faria Lima (risos), que era o novo coração econômico de São Paulo. O pessoal me olhava na agência e falava: "De onde é que veio esse cara?” E nesse tempo eu tinha ido para o Rio fazer vestibular para Engenharia Florestal. Entrar naquela cota do boi que eles chamavam, dizendo que o meu pai tinha fazenda na rural, que não deu certo. Mas eu me lembro que eu vim com a indenização do Banco Nacional, que eu trabalhava e daria para viver seis anos no Rio e eu torrei em seis meses. Puxa, foi a maior zoeira! Acho que eu fiz tudo o que não podia fazer. E não podia mesmo, eu fugi de lá e vim bater em São Paulo e decidi que eu gostava de uma coisa, porque era um tédio aquela faculdade no fundão do Rio de Janeiro. E eu vim conhecer a PUC, que era aquele agito, estava tendo a invasão. Puxa, aquilo era o máximo! E eu lá: "Meninas, calma porque a gente está aqui. Unidos venceremos!". Aquela história toda, que eu já vinha acompanhando muito desse movimento fora. Eu gostei muito daquilo, e era o tipo mais estranho. Imagina um cara escoteiro, vestido de escoteiro, chegando na PUC em plena ditadura, era o máximo. Nas Ciências Sociais ninguém entendia e nem eu, que história é que era essa. Mas era uma história que eu não tinha uma ligação com o movimento do ponto de vista do ideal do escotismo. Eu queria conhecer mais aquela experiência e começo a implantar no Brasil a Signa de Conservacionismo, crio fórum de jovens para dar voz aos jovens. E lógico que com todo o patrulhamento que tinha direito. E percebi uma coisa muito interessante, o movimento escoteiro que podia estar agregado com a questão ambiental, no Brasil não acompanhou. E aí começa a surgir as entidades e o movimento se distancia dessa questão ambiental, para quem tinha todo o ferramental para começar a trabalhar isso... Então isso foi uma das frustrações que eu tive dentro do movimento do escotismo, que depois eu venho a fazer, através da mobilização, do que eu conheço dentro da PUC, das questões sociais, engajado, eu depois me afasto do movimento por perceber que ele não respondia a isso. E é uma história interessante que também vem um pouco dessa coisa de conhecer o Brasil inteiro. Quando eu chego na PUC para estudar Geografia, eu ia discutir com a minha professora de Geografia do Brasil e eu já tinha estado em Tucuruí, eu já tinha estado em Xingu, eu já tinha estado na Amazônia, eu já conhecia Sete Quedas, já tinha estado na luta com Angra, então todas as discussões que apareciam, discussões de fundo social, Transamazônica ou qualquer coisa, eu já tinha vivido aquilo. Então o professor: "Era assim...". E eu dizia: "Não, não é bem assim. Eu estive lá e era diferente". E mesmo tendo sido o pior aluno da PUC, eu acho que eu tive essa categoria de ser o pior, era assim reconhecido publicamente, porque quando eu fui fazer Geografia, não era muito bem Geografia que eu queria. Eu queria Ciências Sociais, mas era impossível de entrar, era o curso da moda. E a Geografia eu descobri que era duas vagas para cada candidato e era na sala do lado, e na PUC tinha uma coisa louca, que você fazia conjunto os dois primeiros anos. Então depois eu pensava em passar para Ciências Sociais. Então você vê, é uma coisa assim, alguém que trabalhava no movimento, que podia-se dizer, de direita, que era o escotismo, que era ligado com aquela história de militares, estava dentro da PUC, que era o templo da esquerda naquele momento. Era a maior contradição do mundo.
P/1 - E como é que você era recebido assim? Chegar de roupa de escoteiro?
R - De escoteiro! Não era calça curta, mas tinha os símbolos todos, eu saia do escritório, porque eu estudava à noite na PUC. Eu viajava praticamente o Brasil inteiro. Nessa época eu ia para Brasília quase todos os dias, estava construindo a sede em Brasília. E eu vinha de Transbrasil ainda, olha que loucura, e vinha para assistir as aulas. Saia do escritório, vinha lendo o que é que iria acontecer, e quando não conseguia ler, dormia no ônibus até dentro da PUC. Os caras já me conheciam e acordavam: "Ô, chegou!". E eu fazia, na época, licenciatura e fiz o bacharelado juntos, nos quatro anos eu consegui terminar os dois. E o mais interessante é que eu venho a ser professor da PUC depois, na matéria que foi a única que reprovei, que era Geografia do Brasil. Porque, lógico, a professora não me suportava e nem eu a ela. E era uma coisa interessante, porque depois eu fui ser patrono da turma dentro da PUC e tudo o mais, porque tinha essa vivência, de mobilização, estava trabalhando na Juréia já nesse momento, que era um grande movimento, talvez o movimento mais forte que teve o Brasil. Foi acho que de Angra, muito forte. Na própria Sete Quedas, quando se enche lá o rio Paraná para fazer a barragem e você tem o movimento da Juréia que já ganha os ares da cara da SOS hoje. Que já tinha mídia, foi feito pela Denison, a melhor propaganda que eu já vi até hoje. Tinham as mesmas figuras que vêm formar a SOS. Então movimento da Juréia foi muito forte e muito emblemático. Então é uma passo para estar na direção do movimento em defesa à Juréia.
P/1 - Aí você vê o que é que você quer falar primeiro. Do movimento da Juréia. Como aconteceu? Por que foi? De angra? E aí você vê a ordem que você quer.
R - É interessante, porque o fato de eu caminhar nessa direção, de virar para o meio ambiente, não tem nada a ver com ideologia, não tem nada a ver com ter visto Jesus ou coisa assim, de um dia acordei querendo salvar o planeta. É nada. Tinha uma menina muito gostosa que eu adorava e que a gente curtia demais, queria ver estrelas junto inclusive e que tem uma trajetória até um pouco junto assim. E a coisa da aventura. Para mim era o grande barato, a grande ideologia era a aventura. Era a aventura de estar em lugares que não conhecia, de conhecer gente. Fui muito ligado com essa história de gente. E sempre fui assim, de estar atento às coisas. Eu acho que quando eu chego a São Paulo, em 1973, já venho definitivamente, que a mãe me dá um cobertor, que eu acho que é a única coisa que eu trouxe de Assis além da roupa no corpo. E venho morar em uma experiência, olha que louco, eu estava nesse momento fazendo uma experiência com um grupo de jovens de alta religiosidade, total religiosidade, um mergulho de uma experiência de viver em comum, com salário junto, todo mundo. Era uma experiência de altíssima espiritualidade, é muito forte, é uma coisa assim que marcou muito a minha vida esse momento em termos de espiritualidade. E era um movimento também jovem, e eu conheço um pouco disso em Assis e esse movimento quando vem para cá me abriga. Não é o escotismo, que eu venho encontrar um ano depois.
P/1 - Que movimento que era esse?
R – Chama-se GEN, que é dos seculares, que é um movimento muito forte. E eu mergulho fortemente nessa questão de espiritualidade, de colocar tudo em comum, de ver as experiências de cada um e moro em uma espécie de uma... não seria uma república, mas de pessoas que coordenam esse movimento e que vive essa experiência profunda de espiritualidade. Isso é legal porque não deixa despirocar, como aconteceu no Rio de Janeiro, quando eu saí para o tudo ou nada. Fui assim do céu para o inferno em pouquíssimo tempo. E vivi depois e me resgata, vamos dizer, de certa forma, essa experiência que está com esse movimento, e aí dá o equilíbrio para descobrir qual é o caminho que eu vou entrar. Porque eu era extremamente impulsivo, era não, sou extremamente impulsivo. E eu cheguei e vi um cara um dia na escadaria do Municipal vestindo máscara e com uma placa, isso acho que foi em 1973 também, e eu sabia das histórias que tinham vindo da conferência de Estocolmo e disse: "Você sabe de Estocolmo?". E o cara: "Que Estocolmo?" E eu falei: "Por que é que você está fazendo isso?" "Ah, porque o mundo vai acabar!”, sei lá que papo. E falei: "Puxa, vamos ajudar. É isso mesmo!". E eu fui usar máscara em 1973. Depois eu lembro, esse era o Abellá, uma figura ilustre do movimento ambientalista, figuraça que me inspirou muito pela determinação, por ser contra a corrente, uma coisa fortíssima e eu gostava daquilo. Então entrava em movimentos assim, como quem troca de roupa. Qualquer coisa que fosse extremamente mobilizadora, isso aconteceu com o movimento estudantil, algumas lutas, isso aconteceu com esse movimento de espiritualidade, isso aconteceu com o movimento de escotismo. Ou seja, eu era o cara mais movimentado da turma, eu entrava e nem sabia para quê. Aí o cara falava: "Nós estamos lutando para isso" "Puxa, é agora que você me fala? Eu já estou nessa faz um tempo". Bom, mas isso fez com que eu sempre tivesse essa cara de quem gostava de mobilizar. Aí quando eu começo a me afastar do escotismo, de ver que aquilo era uma coisa que frustrava muito e me aproximo da Juréia, eu já tinha tido essas experiências com essas pessoas, Arte e Pensamento Ecológico, esse pessoal que estava trabalhando com Angra, de participar de algumas reuniões em São Paulo, dentro da Geografia, ouvindo algumas coisas e tal. Então eu já tinha formado um pouco essa opinião que seria a luta do meio ambiente. E o movimento de defesa da Juréia foi um lugar que eu encontrei algumas dessas pessoas com quem eu já estava convivendo. E foi legal, porque nesse momento eu também passo a dar aulas na PUC. Logo depois de eu me formar, acho que dois, três anos depois, eu já dava aula. E eu trazia esse pessoal do Movimento da Juréia para dentro da PUC, para vir falar com os meus alunos. E aí eu já estava participando de algumas lutas, indo para Brasília, fazendo manifestação, porque eu já conhecia. E isso entra também com o movimento político muito forte, que vai depois desaguar nas diretas. E a gente traz essa questão ambiental para a política pública. Acho que eu encaro a questão da política pública muito rapidamente, tanto que eu já trabalhava muito próximo com a Assembléia Legislativa, vendo temas que depois vêm a ser incorporados, a questão da água, a questão de proteção de áreas em São Paulo, a legislação ambiental, que vem a ser a base da Legislação Ambiental brasileira. Para você ter uma ideia, a primeira resolução do Conama [Conselho Nacional do Meio Ambiente] sai em 81, mais ou menos, e já discutia algumas dessas coisas. Em 1982 eu venho para me aproximar do governo e venho trabalhar na Secretaria de Meio Ambiente. E aí mais dentro dessa questão da Juréia que eram os mesmos personagens, que eram profissionais que estavam... que eram do Grupo da Terra, gente que trabalhava no Vale do Ribeira, que eu já conhecia. Então eu acabei me enturmando e em 1984 eu estou dentro do governo, o governo Montoro, trabalhando com mobilização. E olha que loucura. Em dois anos eu visitei todos os municípios do Estado de São Paulo fazendo um trabalho de caracterização ambiental. E eu começo a fazer algumas coisas que são completamente distintas nessa história de mobilização. E inclusive uma trajetória diferente dos outros ambientalistas que começam comigo, que acabam ficando dentro do governo. Eu por essa coisa maluca de efervescência, até não sei muito falar dessa história aí. Eu sempre falo de nós porque sempre foi muito de movimento. Nesse momento, em 1984, nós estávamos fazendo os Conselhos Municipais de Meio ambiente, que eu já conheci em 80. Na realidade foi em 79, com a Judith Cortesão. Em 79, eu achava uma coisa interessantíssima, na região metropolitana já tinham algumas, ela foi a primeira pessoa que mexeu com esses conceitos. Quando eu venho trabalhar no governo Montoro eu trago a idéia de ter a participação da sociedade a partir de um movimento institucionalizado. Já tinha tido uma legislação primeira de meio ambiente, estava sendo criada a secretaria do meio ambiente. Eu achava que isso tinha que ser institucionalizado de qualquer forma. E saio pelo interior de São Paulo fazendo conselhos de meio ambiente, fazendo uma mobilização, tentando entender, caracterizando o Estado a partir do ponto de vista da sociedade e não do que o Governo falava. Porque havia muita informação falsa do Governo até então, Cubatão era uma dessas. A gente entrou muito forte na luta de Cubatão com Fábio, dentro da própria Secretaria do Meio Ambiente, na época a Cetesb, desmistificando o que era encoberto pela ditadura e pelos técnicos que tinha medo de dizer as verdades e tal. Então a gente sai pelo interior contando que o cara bebia água imprópria, que Cubatão estava matando gente. É um momento tão importante isso na história do movimento, que a gente até hoje não avaliou isso.
P/1 - Mas isso na época que você estava lá na secretaria do meio ambiente ou era...
R - Não, ainda em torno. Eu só vim para a Secretaria em 1984 e em 1984 eu já tinha todas essas informações e já coloco isso. Eu fui chamado, inclusive, porque eu trabalhava um pouco com essa coisa de escotismo, nessa coisa de mobilização, e venho para dentro, para trabalhar com educação ambiental. Acho que era com a Cazu e com a Moema Viés, gente muito boa. E a Moema me trás uma coisa que ela conseguia, ela tinha uma metodologia de participação. Até então eu fazia isso muito mais na intuição, então eu venho aprender um pouco metodologicamente o que é isso. Eu já conhecia da universidade, trazia coisas para a universidade, mas nesse momento, que eu ainda estou dando aula na PUC, eu venho pegar isso de forma metodológica, como é que se fazia a participação. E isso se transformou em um documento muito importante de caracterização do Estado, com parceiros muito interessantes dentro da Secretaria, mas também arranjei muito inimigo, porque eu trazia a demanda da sociedade e era assim criticando, batendo. Interessante que esses grupos que foram, de certa forma, apropriados pelos prefeitos na época, que não entendiam isso, esse pessoal acaba se transformando em ONGs, porque não queriam ficar sob julgo do prefeito ou ser domesticado ali pela situação local, e se transformam em grupos ecológicos. Muitos grupos que têm importância depois, determinante na história do movimento, que formam uma base do que a gente vem trabalhar depois com redes e tudo o mais. Mas aí uma coisa interessante que acontece. Todo esse movimento, vocês não conseguem ter ideia do que é que é estar todo dia em uma cidade de São Paulo, acho que eu destruí uns seis ou sete carros em dois anos. Eu destruí. Realmente cheguei a largar no interior um, quando eu estava no Pontal do Paranapanema atolou, eu falei: "Tchau. Vou embora!", peguei o primeiro caminhão que passou e nunca mais vi o carro. E o pessoal da Cetesb depois usou isso na minha demissão. Além de dizer que eu entrava em todos os motéis... Cada história que tinha! Com o carro oficial, isso é que era pior. Porque entrar em motel ninguém tem nada com isso. (risos) Mas o que é que acontece? Esse dinamismo todo me colocou em contato com todo mundo. E aí eu descubro uma coisa, que tinha lacunas terríveis que o movimento não conseguia atender. O movimento era quase que olhando para o umbigo, ele se bastava, ele tinha um pouco de autofagia, de ciúmes. Então, observando tudo isso, começo a fazer um outro caminho, já em 1986, eu me afasto desse grupo que me trouxe, que vem fazer a Juréia, e começo a fazer um caminho completamente distinto. O que é que é isso? Eu me interesso pela questão da água mais profundamente e nesse momento, em 1986, eu começo um trabalho com a recuperação de um rio no interior do estado de São Paulo, que é o rio Jacaré Pepira, que é onde vai surgir Brotas, que é hoje a conversa do turismo. E fazemos um trabalho de desobediência civil radical, que era criar uma gestão participativa da questão da água. Nós criamos o primeiro Consórcio Intermunicipal de recuperação de rios, que era negar o DINAI, porque a gestão de água era extremamente centralizada. Era criar uma forma onde a sociedade definisse como seria a gestão da água, já trabalhando no que seria a lei de recursos hídricos em 1991, em São Paulo, e mudando radicalmente a questão da participação. E depois a lei federal vem a ser só em 1997, com o Fábio. Então nós fizemos uma grande revolução. A partir daí surge o consórcio de Piracicaba e eu sou demitido pelo Quércia nesse momento, e é uma demissão escandalosa, daquela terrível, com George Willian não me deixando entrar na sala para pegar as minhas coisas. Foi muito pesado aquilo para mim. E uma coisa mais séria ainda, aquelas pessoas que conviveram comigo, que estavam no movimento em defesa da Juréia, de quando a gente vai levar o abaixo assinado para o Quércia, nesse momento, quando eu sou demitido, fazem como se nem me conhecesse, porque foi tão violenta a minha demissão. E isso acontece até hoje no Estado com algumas figuras que foram demitidas agora pelo Tripolli, porque essas pessoas se acomodaram. Elas foram domesticadas por ganhar aquele salariozinho, estar dentro de órgãos estaduais e coisa desse tipo. E eu não conseguia nem falar com essas pessoas mais. Então aí eu me vi praticamente no mundo falando. Bom, eu tinha acabado de ter uma filha em 1987, em um ano que era muito bom. O dinheiro que eu ganhava era maravilhoso porque foi o plano do Sarney, quando o dinheiro dava para fazer. Eu lembro que eu comprei carro, troquei de casa, fiz tudo. Mas tinha acabado de nascer a filha, e eu não podia achar um emprego em São Paulo. Eu vou dar aula no Estado, porque eu era concursado.
P/1 - Nessa época você não estava dando aula na PUC?
R - Estava dando aula na PUC também. Mas aí eu tinha feito o concurso do Estado e entrei em primeiro lugar na minha região.
P/1 - E assim, dá para você falar o porquê da demissão? Porque foi pesada ou?
R - É óbvio. Eu era o cara que detonava o Quércia, o maior corrupto. Eu falava em todos os lugares. E eu venho usando isso até hoje, gozado, e em todos esses anos eu acho que eu tenho falado em todos os lugares. Dou entrevista todos os dias praticamente. E eu detono essa questão de política. E a SOS tem uma coisa interessante. Nesses anos eu nunca tive que me retratar, olha que louco, chamo o cara de corrupto, detono, falo que é isso, que é aquilo, que é chantagem. No caso da Lei da Mata Atlântica e nunca tive problema, nem dentro da SOS, tendo a mídia total. No caso do Tietê a gente vai falar muito forte isso. Mas eu fazia de tudo para ser demitido, não tinha nem porque não ser demitido, seria até uma covardia. Até um tempo desses, eu encontrei com George Willian em um movimento aí com Campos do Jordão e eu disse à ele: "Olha, eu queria te agradecer". E ele não entendeu nada, porque eu merecia, eu tinha assim todos os motivos para ser demitido no mundo. (risos) E realmente eu era um cara que não tinha nenhum enquadramento, um caso perdido, daqueles casos que pode-se dizer perdido. Mas eu fiquei muito chateado com as pessoas. Porque eles sabiam como eu era, de certa forma havia... no governo Montoro eu tinha autorização para matar, vamos dizer assim. Eu podia usar o que eu queria onde eu queria. Eu me lembro do Werner Stulaf, uma figura muito importante, que na época, acho que fui chamado umas cinco ou seis vezes para dizer: "Meu, que cagada que você fez? Você foi lá em Lençóis Paulista dizer na televisão que eu e o pessoal estamos tomando cocô líquido? Que papo é esse, Mário Mantovani?". E aí já tinha ligado deputado da região, cinco deputados dizendo, “quem é esse louco que vem aqui fazer isso?” E os caras tomavam coco e não diziam. Então eu tinha autorização para fazer isso, para fazer conselho, mobilizar, para protestar contra o Estado. Quantas vezes a gente não combinava? Eu me lembro assim do secretário, o José Pedro que está na SOS: "Mário, bate pesado lá na assembléia, porque os caras estão querendo fazer isso". Nós combinávamos os jogos assim. Só que eu fiquei com a fama de mal e isso era terrível. Depois eu não conseguia nem um emprego, não conseguia nada. Onde eu ia procurar, portas fechadas. E o Quércia tinha isso. O governo Quércia era o seguinte, esse cara tem um carimbo, está marcado, ninguém dá chance, eu só fico no Estado porque eu passei no concurso. E aí de novo em encontro a minha turma daquela experiência de alta espiritualidade e encontro um desses caras como padre no Embu, ligado à Dom Mauro Morelli, que era extrema esquerda, da periferia. Sou chamado para fazer uma experiência de educação muito fantástica. Foi para mim um movimento muito forte. E eu gostei mais de dar aula no Estado do que na PUC, para você ter uma idéia, e nós pegamos uma escola, um desafio. E esse padre me chamou e falou assim: "Mário, essa escola, não tem quem consiga trabalhar". Aí eu vim conhecer o prefeito de Embu, que é hoje, eu venho conhecer o Padre Jaime, que está no Jardim ngela, olha, para você ver as figuras fantásticas. E a gente vem fazer uma experiência nas escolas onde as pessoas tinham que deixar a arma na entrada e ninguém pegava. Olha que gozado. Eu vou viver o mais profundo da periferia, eu vou dar aula no Jardim Julia, no Valo Verde, em uma região mais encrencada do Brasil, fazendo uma experiência. Eu andava armado, para você ter uma idéia, nessa época, de preocupação, porque todo mundo tinha arma ali. E eu ia dar aula armado e com a arma aqui na coisa, e um menino de doze anos quase me mata. Eu tiro o moleque assim na sala de aula, levo, chamava Mingau, e esse cara saca uma 765, eu não vi de onde saiu, e engatilha na minha cara, pá. E aquilo ficou tão forte que depois eu joguei a minha arma, porque eu falei: "Para quê essa arminha aqui?". Eu usava um 38, foi a primeira e última experiência minha com armas eu vi que eu era um cara fácil, um pato, eu ia morrer sem nem saber de onde vinha o tiro. E um dos meninos deu um grito com o cara, tirou a arma, jogou ele e isso ficou também muito forte para mim. Mas nós fizemos uma experiência de educação e eu descobri que eu tinha muito jeito para o negócio. Eu, nessa época... fizemos uma eleição para diretor direto. Invadimos no fim, tudo isso junto, gente, uma coisa muito louca, invadimos o Palácio do Governo. Aquelas mobilizações com a APEOESP [Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo] e tudo, eu adorava isso. E é uma experiência que foi forte. Levo os alunos para visitar, perco um aluno no Rio de Janeiro, que morre afogado, em uma excursão de terceiro ano. Também uma coisa muito forte para mim, que eu fiquei procurando esse aluno, eu conhecia bem o Rio, fiquei durante todo o tempo no IML, procurando, a família do cara e tal, foi um problema muito sério. E olha que eu tinha muita experiência de ver gente morrer, porque no movimento escoteiro eu cansei de resgatar cara morto nas trilhas, gente que desapareceu, porque eu era executivo da União dos Escoteiros. Mas esse caso estava sob minha responsabilidade. E foi uma coisa muito forte, porque era um cara que eu curtia muito, tudo isso muito forte. Acho que foi uma experiência, acho que foram dois anos intensos, de eu ganhar um salário, para quem ganhava um alto salário da Cetesb, eu passo a ganhar um salário de professor. E interessante aí uma coisa, a presença da Mari, que é com quem eu estou casado há mais de vinte e cinco anos. A Mari, que era uma profissional que trabalhava no Embu já, como arquiteta, ela segura a onda de casa. Fala: "Não. Você está querendo ir fazer essa experiência e vá fazer. Aqui a gente garante". E ainda construindo, a minha casa parecia uma igreja, cada pedacinho, era assim, o carro virava o telhado, depois comprava outra prestação, e como todo mundo consegue sobreviver hoje em dia. Mas eu começo a não ganhar nada, praticamente. E o que eu ganhava, eu me lembro, que eu comprei um TK em 1985, um computador com o meu salário de professor para dar para a escola. E a Mari falava: "Ah, você é um caso perdido, cara. Não tem mais o que fazer com você". Mas ela segura a onda nesse momento. E aí eu sou chamado de novo a trabalhar com o movimento ambientalista, por conta daquele trabalho que eu fazia com a gestão de água nos consórcios. Começa a proliferar consórcios no Brasil e uma coisa interessante, eu tinha feito um curso de especialização na Venezuela, com o cara que foi Ministro do Allende. E depois eu trago pra o Brasil, quando eu percebo que está proliferando essa história de consórcios, eu vou trabalhar com o Vitor Buaiz, que tinha sido o primeiro cara do PT eleito no Espírito Santo, com o rio Santa Maria. Eu fui adotado lá pela Heloísa, que é uma das fundadoras do Conselho do SOS Mata Atlântica, que eram do conselho da SOS, com quem eu me relacionava. E falou: "Meu, você fez essa experiência com o consórcio? Vem para o Espírito Santo". Aí nós trazemos o Pedro Idalvo, que é essa figura com quem eu fiz o meu curso de especialização na Venezuela e que trago já para ser inclusive o meu sócio quando eu abro a empresa. Já em 1989 eu estou abrindo uma empresa em parceria com esse cara, para atender essa demanda que existia no Brasil, então eu passo a ter um outro emprego de consultor, aí venho ter a minha empresa, venho trabalhar com ela até 1991. Isso eu já tinha visitado o Brasil inteiro, porque, olha que coisa interessante, como eu trabalhava com o município e com a questão dos conselhos municipais de meio ambiente, em 1986 quando eu estou fazendo a experiência dos consórcios. Eu dou uma delirada aqui, vim contando um pouco a história, mas quando a gente faz essa revolução da recuperação de rios, e isso vem até hoje. Isso existe hoje e eu posso depois falar um pouco. Quando a gente começa isso, eu também percebo alguma coisa assim, que os municípios têm um papel muito importante. E aqui acontece uma loucura, daquelas loucuras de Mário Mantovani, que isso um dia tem que ser explicado, não sei se por algum tipo de psicanálise avançada ou por alguma coisa que tenha que ser. Mas nós fomos criar em 1986, em Curitiba, e olha, isso eu tenho uma ação nacional já desde 1970, em 1986 nós criamos a Associação Nacional de Municípios e Meio Ambiente, que tinha tudo a ver com o que a SOS está fazendo hoje. São dois momentos muito fortes e aí eu trabalho para o CEPAM [Centro de Estudos e Pesquisas de Administração Municipal] com o Governo Quércia, que não me suportava, praticamente escondido, nós fizemos um negócio chamado Política Municipal de Meio ambiente. E essa Associação Nacional ganha um impacto muito forte, porque era o movimento dos municípios, e a Constituição abrindo em 1988, aí a gente faz uma política forte. Eu trabalho na campanha do Fábio também, que tinha toda essa mobilidade no Estado de São Paulo. Nós criamos esse movimento de uma associação de secretários e de estruturas locais de meio ambiente antes da Constituição, que vai ter o capítulo de meio ambiente na lei orgânica dos municípios, que é em 1988. Nós fizemos um evento em Belo horizonte, eu era secretário nacional, sem trabalhar com o municípios, mas porque tinha essa ação com o consórcio do rio Jacaré Pepira, em Brotas. Depois tem muita história de Brotas para contar. E aí são as sexuais, nem se pode entrar nesse capítulo. Mas o que é que acontece? Eu estou com essa associação, essa associação ganha um impacto, fazemos um encontro em Belo Horizonte onde tinha duas mil e quinhentas pessoas para discutir qual seria o papel do município, olha que loucura! E define aí o que é que é a estrutura de meio ambiente dos municípios, que está em vigor até hoje. Nessa época veio o capitão Sevilha, da Polícia Florestal, com quem a gente trabalhava muito em Campinas. A gente levou Édis Milaré, que ainda não era secretário e inclusive era da SOS também. As figuras da SOS estão sempre em volta disso. Levamos o Fábio, que era figura exponencial nessa história, para Belo Horizonte e dali a gente faz o primeiro documento da ANAMA [Associação Nacional de Órgãos Municipais de Meio Ambiente] com lei orgânica. E era ridículo, porque nós fizemos um modelinho de lei orgânica para os municípios, então dizia assim em uma delas lá: "Proteger os mangues". E Ribeirão Preto copia igual e coloca: "Proteger os mangues". Ribeirão nunca viu um mangue. (risos) Não foi só em Ribeirão, mas pelo menos uma centena de municípios tem na sua lei orgânica proteger os mangues, os caras copiaram igualzinho, era uma coisa muito louca. Mas essa associação prospera, ganha fôlego, eu venho ficar nessa associação até hoje. E hoje é um parceiro estratégico da SOS, como os consórcios são parceiros estratégicos da SOS. Como toda a lei de recursos hídricos. Então aquilo que eu vim construindo lá atrás com essas idéias malucas para aquela época, que fez com que desviasse um pouco do que era o movimento ambientalista, converge agora na história da SOS Mata Atlântica. E é interessante, que talvez aí eu, quando venho para a SOS em 1991, sou chamado para tocar a campanha do Tietê, que depois a gente fala um pouco dela. De 1991 para cá, a minha identidade com a SOS é total por conta da SOS ser uma entidade que trabalha com movimentos. A definição melhor que eu daria para a SOS é que ela abriga diversos movimentos. Ela tem uma dinâmica, como instituição, muito grande. Dentro da SOS de 1989, eu estava vendo dentro da SOS com todo o pessoal, mesmo não trabalhando na SOS... Em 1986 a SOS é criada, em 1989 já conhecia esse pessoal, mas 1988, 1989, começa a preparar a Eco-92, e cria o Fórum Brasileiro de ONGs. Você não tem ideia! Eu acho que foi para as entidades do Brasil, a SOS ganha notoriedade nesse momento, ela tinha uma notoriedade em São Paulo. Em 1986, 1987, com rescaldo da Juréia, trás o tema Mata Atlântica e começa a aparecer nacionalmente. E quando ela incorpora o Fórum Brasileiro de ONGs, a SOS ganha o que ele sempre fez, ela ganha a cara que ele tem hoje, de catalisador desses movimentos.
P/1 - A gente pode voltar só um pouquinho? Assim, em 86 é criada a SOS...
R - Isso.
P/1 - Nessa época, assim, como é que era? Você que transitou por vários movimentos, que estava sempre muito atento a isso, como eram esses movimentos? Aparece a SOS e alguns desaparecem e as pessoas vão para a SOS Mata Atlântica? Como é que era essa relação?
R - Era interessante, porque assim, o Capobianco, que era um dos caras que estavam na coordenação, ele vem nas minhas aulas contar da SOS, na PUC e em todos os lugares. O Clayton, que também era um dos primeiros executivos, aparece me dando subsídios para esse trabalho no interior. Eu acho que fiz muito de trazer esse pessoal para dentro dessa discussão. Então eu tinha muito a SOS como a minha base, a minha formação vinha dali, o João Allievi. “Olha João, eu preciso daquela informação, como é que se trabalha com essa questão de turismo”, alguma coisa assim, e falando de movimento. E trago essas figuras para conhecerem esses conselhos municipais que estavam se tornando entidades, para ajudar, para dar uma mobilizada, contar. Eu sempre tive muito essa facilidade de colocar gente em contato e por isso é que eu acho que essa história da SOS é muito ligada com o movimento, ela faz esse meio de campo. Mas essas personalidades, elas não desaparecem, elas se encontram permanentemente. O José Pedro, que estava lá em 1979, em 1980, 1981 e tal, e está aqui agora e vem nos ajudar em algum momento, está em Brasília. Isso tudo é muito dinâmico. Foi muito forte a presença de todas essas pessoas desde a discussão da constituinte até a consolidação da questão ambiental. E eu não falei, mas, por exemplo, quando surge a SOS nós estamos no Conselho Estadual de Meio Ambiente. Eu por entidades, que era a Juréia, ou pela São Francisco, que é uma que eu criei de interior, em Piedade, ou alguma coisa dessas. Ou seja, nós estávamos sempre juntos. Inclusive em uma estratégia de estar somando para ganhar espaço mesmo, político e institucional, e muito forte. Por isso a SOS cresce muito com um pouco dessas energias que também circulavam fora da SOS, que eram muito importantes. E que somam mais quando faz o Fórum Brasileiro de ONGs. Aí é forte, é total, aí é a projeção. O Capobianco participando no comitê que organizou o Fórum representando a sociedade civil, indo para a França, indo para todas as partes do Brasil. Nós tivemos encontros fantásticos pelo Brasil organizando a Eco-92 e tudo isso. Na ECO-92, a presença da SOS foi "A" presença da SOS, né? A SOS tinha um escritório lá, tinha os principais interlocutores da discussão. Tinha toda a característica principal da ECO 92 que foi um movimento forte para o mundo. Talvez um divisor de água na questão ambiental no mundo. A SOS teve e principal papel em cima disso. E aí eu já estava na SOS, coisa interessante, participando desse movimento, trazendo esse movimento para o Fórum Brasileiro de ONGs, e trazendo temas que não eram temas da SOS. Trazendo água, por exemplo, que é o tema que passa a ser o mais forte, porque a SOS tem um destaque muito grande depois na questão de água. Mas eu acho que a ECO-92 passa ser assim o grande divisor e aí surge a rede Mata Atlântica, as redes temáticas do Fórum Brasileiro de ONGs. Pode-se dizer o seguinte, tudo o que a SOS está hoje, dentro do Fórum Brasileiro, o grupo de trabalho de floresta, o GT Floresta, o GT de Água, o GT de energia, os grandes movimentos que têm no fórum, nós continuamos. E nisso a gente tem Conama, Conselho Nacional de Recursos Hídricos. Institucionalmente, o que apareceu na estruturação da política nacional de meio ambiente, de recursos hídricos, nessa discussão, a SOS esteve dentro de todas elas. E sempre no papel que é a cara da SOS, que às vezes não é percebido dentro da SOS e é até um problema isso. E foi um das crises que eu tenho também dentro da SOS, principalmente com o Rodrigo, com algumas pessoas que não entendem isso. A SOS faz o papel de articuladora política muito forte, a SOS traz uma força que ela não reconheceu inclusive. Quando surge a saída do Capobianco, que eu assumo a SOS, algumas pessoas diziam: "Olha, agora vai acabar a SOS, porque o Mário vai fazer uma zona. Vai trazer essas histórias dele que não são as histórias da SOS". A SOS tinha um vínculo com esses fundadores, uma coisa de um grupo que tinha uma ideia para a SOS e eu venho com uma outra coisa completamente distinta, que era a grande vocação da SOS. Era não, que é, está provado agora isso, que era essa capacidade de estar articulando com a rede Mata Atlântica, a gente lança uma campanha de desmatamento zero, invadimos o congresso várias vezes, fazemos coisas dentro do Congresso Nacional, que não têm nem como explicar como a gente sobreviveu. E continuamos fazendo grandes mobilizações. Fomos para a rua, fizemos manifestação no Parque do Ibirapuera, com o enterro da década de 60 e 50, ou seja, nós fizemos coisas que a SOS não imaginava. O Atlas, nós resgatamos o Atlas, que é o principal projeto da SOS Mata Atlântica agora, porque todo mundo, a partir do trabalho da SOS, que começa em 1986 quando, corajosa, faz o primeiro Atlas. Em 92 chega ao máximo, porque trás a informação para o público de quanto resta de Mata Atlântica, todo o Brasil começa a trabalhar por satélite. E o nosso trabalho poderia ser mais um, no entanto ele continua único e ele ganha agora aspectos completamente distintos. Ele ganha aspectos, por exemplo, da questão dos governos locais, o que tem de município por município. As pessoas se vêem a partir do momento que acessam o site nosso, a partir do momento que pega o quanto tem de floresta no seu município. Não é mais aquela informação: "O Brasil tem tantos por cento e só restam oito". Nós tivemos muito resultado com isso, mas chega um momento em que as pessoas precisam se ver, isso cai no dia-a-dia. E eu acho que a SOS faz esse papel. Tanto que, agora, o principal papel que a gente está colocando para o trabalho do Atlas é ele ser com a questão dos governos locais, criarem grupos locais. E aí acontecem umas coisas loucas. Quando assumo, em 95, eu vinha da campanha do Tietê, que acho que merece uma conversa especial em cima disso, que inclusive não é muito entendida dentro da SOS, nesse primeiro momento. Lógico que o Capobianco entendia, o Clayton entendia, mas o conselho não tinha a menor ideia. Achava que “o que é que esses malucos estão fazendo ai?”. Nós fazemos a maior campanha de mobilização do Brasil. não tem notícias, e na América, pode-se dizer. Nós fazemos o maior abaixo assinado da história. São um milhão, duzentas e sessenta assinaturas pelo Tietê. Começa com aquela história de...
P/1 - Isso em 95?
R - 1990 para 1991. Começa com a história da Eldorado, que faz aquele programa em cima do jacaré, o Teimoso, e que juram que fui eu que coloquei. Não fui eu que coloquei aquele jacaré. Mas o que é que acontece? Aparece aquele jacaré no Rio Tietê e sai um programa, uma pessoa vai falando para a outra, o bombeiro vai atrás, começam a chegar milhares de cartas no Eldorado, que nunca tinha feito esse movimento de chegar carta. E o João Lara chama o Capô e fala: "Meu, isso aqui é uma rádio, não é uma entidade. E como é que a gente faz?". Aí o Capô prepara uma ideia do núcleo, que foi muito genial, e consegue patrocínio do Unibanco na linha que a SOS trabalhava, diferente, trabalhar com parcerias também com empresas, e eu sou convidado para tocar essa campanha, ganhando uma mixaria, inclusive. Mas era o que eu queira, mobilização. Eu falei: "Puxa, tudo o que eu fiz com água, com consórcio, eu vou trabalhar com a recuperação do Tietê!" É o máximo, é o sonho do cara que trabalha com água. E aí, gente, a gente vai até em festa de criança errada. A gente errava mais ia lá levava abaixo assinado no que tinha, batizado, casamento. Olha, não tinha um lugar de São Paulo que nós não estivemos. Shows, manifestação de bairro, eu sei lá, coisa de carnaval, o que tivesse que juntasse mais que duas pessoas, nós estivemos dentro. E foi uma loucura em São Paulo, para vocês terem uma ideia, eu vou ser o primeiro presidente do comitê no Brasil como representante de sociedade civil. A SOS ajuda a implantar o Sistema Estadual de Recursos Hídricos, os primeiros comitês que vêm junto com a campanha do Tietê. Eles dão credibilidade para a SOS na gestão. Hoje nós temos a Rede das Águas, que é uma das redes mais dinâmicas que trabalham com o tema água, e até 1996, 1997, não entrava nem no tema da SOS isso. Quando nós assumimos e passamos a trazer esse tema para dentro da SOS, quase em 2000 e tanto, é que a gente consegue colocar no estatuto da SOS o tema água, olha que louco, que insano, e era a principal atividade. Depois da Eco 92, quando começa a diminuir o fôlego das entidades, que chega no ápice, as entidades ambientalistas, o movimento ambientalista, e o movimento social começa a descolar mais. O movimento ambientalista entra em uma descendente, a SOS está em uma ascendente nessa história. Porque ela está trazendo rede, está trazendo a questão de água, está mobilizando, está em visibilidade total. Tanto que aí, acho que de 1995 para 1996, quando eu estou assumindo a SOS, eu tinha feito um circuito já por vários países, conhecendo. Já conhecia muitos movimentos da Eco-92, e tentando ver que cara dar para a SOS. Uma coisa assim meio de fórum íntimo, mas que tinham um pouco do olhar do presidente, do Klabin falando assim: "Bom, vamos ver que maluquice que esse cara vai fazer". E aí nós conhecemos uma história, que eu acho que para a SOS ganha um fôlego muito interessante. Nós conhecemos a Legambiente, na Itália, e a Legambiente traz assim, umas campanhas que a gente agrega à campanha do Tietê, porque sempre querendo fazer, querendo mobilizar, querendo acontecer. Nós vamos buscar na Legambiente uma inspiração fantástica, uma campanha de poluição do ar que a gente nunca tinha feito, inclusive com o Fábio na secretaria, e dissociado do Fábio, uma crise sem tamanho. A gente trás a Respira São Paulo, que é colocar aqueles lençóis, a gente trás um negócio chamado “Mãos à Obra”, que é um processo de educação ambiental que a gente conseguiu mil e tanto quites. Mandar isso era um processo diferente de educação. E aí começa a pensar em uma coisa descentralizando, que é a cara da SOS talvez no futuro, que é pensar em ter grupos locais. Porque a gente aprendeu muito com a Legambiente, que cada grupo de trinta e tantas pessoas formam uma unidade de ação local. E a Legambiente são uma meia dúzia de pessoas que coordenam esse grande movimento. Então isso passa a ser um propósito e a gente leva o Klabin para a Itália, leva essa de direção nova para a Itália, para entender, o Belô vai conhecer voluntariado lá, a gente tem o ano do voluntariado, que ganha muito fôlego com isso, mas a gente trás da Itália uma inspiração muito grande, que tem a ver com a cara da SOS, de mobilização, de ação local e coisa assim. Então isso mostra muito uma cara, e aí então de novo o conflito dentro da própria instituição. Então, o que é que esses caras estão fazendo? E aí vem toda uma história de catequizar inclusive o conselho, para dizer da importância disso, que agora está aí consolidado na nova cara da SOS. Mas são esses movimentos que a gente consegue fazer, 1991 e 1992, com a Eco 92, é um momento muito forte, que ainda a SOS está até hoje ligada com isso; a história das redes é muito forte e essa história da cara da SOS com essa proposta de descentralizar. São três momentos fortes, que somam com essa história de um Mário Mantovani participativo, comunitário, mobilizador, qualquer coisa que eu possa chamar. Mas é o fato de que nós estávamos fazendo a história desse Brasil. Não teve nada que não foi construído da história, onde a SOS não teve, a gente esteve junto, os personagens da história ambiental no Brasil, todos eles foram protagonizados por essas figuras que estiveram na SOS, e eu sou um deles.
(Corte no vídeo)
R - Então, acho que esse período em que surge a SOS, eu não estou na SOS, é interessante, porque a SOS era referência. Esse pessoal, eles estavam, no momento, no governo comigo, alguns dos quais estão na SOS, aí nós temos essas coisas todas acontecendo, e tudo ao mesmo tempo, a Constituição, política, as legislações, os conselhos... Nós temos aí a SOS produzindo as primeiras informações e eu estou trabalhando nesse momento dando aula, participando da Juréia, dando na PUC, e estando como consultor, abrindo a minha empresa, trabalhando com alguns desses lugares e sempre os mesmos personagens, Clayton, Capô, Heloisa. O material que a SOS começa a publicar já passa a ser a minha referência, então, na realidade, eu estou muito ligado com a SOS por essas pessoas que são a minha referência e trazendo a SOS para algumas discussões já, acompanhando as denúncias que a SOS faz no sul da Bahia, a primeira contra a celulose, acompanhando o que a SOS faz com o primeiro mapeamento, tendo um número, um dado para falar. Então indo nas manifestações que a SOS promove, as primeiras manifestações e inclusive estando na reunião em que surgiu a SOS, lá na Ilha do Cardoso.
P/1 - Você participou dessa reunião?
R - Foi nessa reunião, que eu trabalhava com o Governo do Estado de São Paulo. E gozado, na época eu tinha uma coisa assim, que eu achava que não era legal quem estava dentro do Governo assinar, já tinha essa visão de que não tem nada a ver. E muita gente estava dentro do Governo. E eu falava: "Não é possível essas pessoas assinarem como entidade". Porque eu tinha tido esse trauma da demissão, tinha visto muitas entidades, muitos conselhos se transformando em entidades e via essa coisa, de certa forma, de tentar se manipular. E nós tínhamos visto uma transição de governo também muito forte. Então na época eu não sei nem por que é que eu não assinei aquela ata de ter participado lá, eu achava estranho. Eu acho que era alguma coisa desse tipo. Mas também não era uma preocupação, a gente estava junto e era o mesmo pessoal: Montoro, Randau - veio todo mundo - Padre João XXX, eu estava ali com todas as pessoas que eu conhecia. Então isso, eu nunca me senti fora, e isso é uma coisa interessante, via SOS. Não é porque eu sou funcionário ou deixei de ser funcionário, eu sou, vamos dizer, desde criancinha que não tem nada a ver, mas é uma coisa estranha, de vestir a camisa em qualquer lugar que vai. E por sentir que nunca houve uma separação, por mais que às vezes tivesse algumas coisas de opiniões diferentes, mesmo naquela época, onde dava para somar, sempre se somou. Um pouco dessa história de talvez, por ser ligado demais com a questão de movimento e até uma coisa interessante, a SOS é chamada nesse momento de “King ONG”, porque nasce diferente de tudo, isso foi muito forte para a história da SOS. O movimento ambientalista olhava e: “de onde vêm esses caras? Só riquinho, né?” Mesmo com o Klabin, acho que em 70 e tanto ele falava assim: "O que é que esse “playboy” quer aqui na campanha lá do aeroporto de Caucaia?". Eu estava fora, ainda não conhecia o Klabin, conhecia um pouco o Fábio e ele era ligado com algumas outras pessoas da Apedema [Assembléia Permanente de Entidades em Defesa do Meio Ambiente], que era um principal concorrente nosso, que aparecia, mas era uma assembléia permanente das entidades. E havia uma resistência muito grande disso, e eu transitava muito bem entre e Apedema e a SOS, porque vinha desse movimento meio marginal, com essas pessoas, Paioli, Rodrigues, no Embu. Até por isso eu vou morar no Embu, porque eu queria morar em um lugar que fosse protegido com a Lei de Proteção de Mananciais e que tinha um movimento muito forte desde a época da luta contra o aeroporto de Caucaia. E eu ficava: "O que é que esse “playboy” quer aqui?". E hoje ele é meu chefe, mas era uma coisa louca. E a gente via assim, e isso também hoje me ajuda muito, quando eu vou falar da SOS em uma discussão quando tem um empresário do porte do Klabin a gente dizia: "Esse cara não entrou para aproveitar a onda do movimento ambientalista. Esse cara vem de lá, meu". Na hora que ninguém falava e enfrentando a ditadura, porque a luta com a Juréia, a luta contra Angra, Sete Quedas, tudo isso são lutas contra a ditadura militar. E esse cara estava lá e hoje está aqui. Que bom que é um empresário bem sucedido e com esse ideal do movimento ambientalista, conseguiu ser um empresário e não um ambientalista eterno, assim, como eu talvez. Mas cada um na sua. E isso tem muito a ver. Então essas pessoas, todas elas, indistintamente, que estão na SOS, o Klabin, o José Pedro, o Rodrigo recebendo as informações que a gente passava, dando espaço no jornal para falar, no Jornal da Tarde, com Randau, e com o próprio Fábio, fazendo campanha. Cada um desses personagens, eles não se dissociam com a institucionalização da SOS. E confunde muito o que era o movimento de defesa da Juréia, o Belô vem de lá para cá. A gente transita muito nessas coisas, lógico que não com a responsabilidade de um dirigente, talvez o que diferenciasse a ação do Mário, o Belô, dessas pessoas que estão no movimento com quem está na SOS, é que a partir desse momento existe uma responsabilidade de quem tem a direção de uma entidade, de uma entidade que pagava salário, que profissionaliza. Pode-se dizer que a profissionalização do movimento ambientalista começa na Juréia, com o senhor Antônio, com o pessoal nosso que a gente começa a pagar, e depois é que veio vindo para a SOS Mata Atlântica, do movimento ambientalista e não do movimento social. Porque já existiam algumas entidades do movimento social com profissionais.
P/1 - Deixa só eu fazer uma perguntinha. Deixa eu ver se eu consigo formular ela direito. O Capobianco, o Rodrigo, o Fábio, que foram as pessoas que você falou, não vieram do nada. Tinha um nome, um peso. Você acha que isso ajudou? Contribuiu muito para a SOS ganhar espaço em um primeiro momento?
R - Não ajudou, isso foi determinante. Isso rompe inclusive, aquele círculo que existia que eu falei para você, de um pouco de “ciumeirinha”. Por que o que é que acontece? O movimento ambientalista, ele é extremamente nuclear, vamos dizer assim. Ele não é nuclear de um núcleo forte, ele é nucleado, vamos dizer. Porque de briguinhas em briguinhas surgia entidade. Era “ame mundial”, depois era “ame não sei o que lá” e cada um ia abrindo para um lado nessa história. Então tinha um outro que gostava de água, vai fazer a mobilização pela Billings…. E aí tem figuras fantásticas que aparecem. Uma pessoa que estava na Billings e que me inspirou muito na questão de água, Vitor, depois me lembro direito o nome, ele até já morreu... conheço figuras nesse momento, o Ben Hur, conheço figuras que não estavam no movimento mas que passavam a ser referência. E você começava a ver que dessas briguinhas que vão surgindo às entidades, e isso era um processo natural, não é negativo, era como o movimento social acontece, esse fato de estar criando vários grupos a partir desses interesses, desses conflitos que existem, éramos nós mesmos com a gente mesmo. Ou seja, era tudo farinha do mesmo saco. Quando vem a presença dessas figuras para formar a SOS, acho que por isso é que eu falei que é o início de uma profissionalização, trazem coisas diferentes. E traz um nome de família, acrescenta aí uns quatrocentões, essa coisa toda que ainda não tinha, do ponto de vista institucionalizado. Eram pessoas que estavam dentro do Governo, eram pessoas que estavam já se consolidando como profissionais e coisas desse tipo, que vem se juntar na SOS. Por isso que é a SOS é vista como a “King ONG”, né, de repente aparecia uma entidade com gente ganhando salário, com nome aparecendo em TV, coisas do tipo. Então é um choque para o movimento ambientalista isso, era muito marginal esse movimento. E ele estava em um processo de extrema ebulição, mas que ainda era marginal. E até não sei se saiu da marginalidade até hoje. Mas que era um movimento que tinha ali, ele era até muito sectário, de certa forma, e a SOS traz isso para o dia-a-dia, para estar em uma capa de jornal, uma coisa desse tipo, e era muito bom. Tanto que não houve assim, no meu caso, não houve esse trauma, porque eu conheci os dois lados. Já conhecia esse grupo, conheci o outro, e aí a gente trabalhava conforme interesses. Então você tinha uma ação muito direta com... eu não me lembro... com esse pessoal no Vale do Paraíba, algumas multas, no interior do Estado de São Paulo, na região de Ribeirão Preto, no Rio, quando há o acidente no Rio Mogi. Você tem momentos muito interessantes, que te colocam com essas lutas, que eram lutas desses grupos, que eram grupos pequenos. É o “Arte e Pensamento Ecológico” do Miguel Abellá, foi um movimento muito importante, o próprio movimento do Embu, que é uma das primeiras entidades no Brasil, mas que não tinham essa preocupação que a SOS vem ter, que causou muita estranheza, causou alguma coisa, mas que para a gente, e principalmente na minha relação com a SOS, não foi nada estranho. Foi uma sequência natural, e de querer muito mais, inclusive. Se das outras eu não consegui tirar nada, da SOS eu ia lá e: "E aí, estou precisando de vocês. Como é que é?".
P/1 - E assim, você acha que um outro momento é a Eco 92?
R - A Eco... nem tanto pela Eco. Eu acho que pela articulação da formação do fórum. A Eco, lógico que teve o momento, a Eco foi importantíssima. A SOS quando apresenta o Atlas no Rio de Janeiro arrasa a história que teve lá com o governador na época. Mas eu vejo claramente a participação da SOS como quem está no fórum. Foi muito mais dinâmico o resultado, por exemplo, da SOS participando do resultado em 1989, 1990, 1991, na articulação. Eu me lembro de ver circulando na SOS naquele nosso auditório, todos os personagens do movimento social hoje, quem está no governo, quem está nas principais organizações do Brasil, Fábio, Jean Pierre, ou seja, o que tem hoje desse caldo de cultura ambiental no Brasil, circulou na SOS nesse tempo. Os principais nomes, que estão hoje como dirigentes, estiveram circulando na SOS. Ou se estivem em encontros onde a SOS protagonizava isso. Então isso é um movimento importante. E a SOS, como todas as entidades no Brasil, entra em um declínio a partir de 92, porque chegou realmente no ápice, foi à explosão do movimento. E a SOS faz uma coisa que eu acho também que tem muita importância, que eu não sei se é colocado, mas que eu vejo diferente das outras organizações que hoje estão muito mal. A SOS não depende de projetos, como aconteceu com a maioria das entidades. As entidades começaram a ser domesticadas pelo poder público quando começa a fornecer dinheiro através do Fundo Nacional de Meio Ambiente, através das cooperações internacionais. A SOS tem o seu primeiro projeto em 1986, bancado por uma dessas organizações, e não foi legal. Eu lembro que o resultado foi um horror, eu participei de algumas avaliações e não foi muito legal. Foi bom porque mostrou a SOS como parceira, mas não foi legal. Tanto que depois a SOS vem fazer parceria com a “Conservation International” em uma outra forma completamente diferente do que as entidades fazem. Ela faz uma aliança e não uma dependência, como a maioria das entidades vive hoje, com recursos dessas organizações, prestando praticamente serviço para essas organizações. Isso faz com que a SOS quase quebre, porque ela não buscava esses recursos internacionais, ela não se adaptava a isso, a SOS vai viver dos projetos que ela começa a desenvolver a partir dela, das parcerias que ela faz com as empresas, da busca permanente de ter sócio, e aí o cartão de crédito começa a crescer e tal. Então isso faz a SOS ser distinta também do ponto de vista dos recursos. Eu nem tinha avaliado bem isso, mas eu acho que isso é um momento muito forte da SOS, de não ter caído no caminho que poderia ser o mais... foi para onde todo mundo correu quando começou esse declínio das entidades, todo mundo foi para fundo público. E por isso é que tem hoje esse monte de denúncia contra as ONGs, “porque ONG é onde some recurso e tal”, CPI das ONGs. A SOS está longe disso tudo. E isso é uma coisa muito distinta e muito interessante, nós tivemos uma grande oportunidade. Talvez aquele momento de crise que a SOS passa, inclusive não tem mais ninguém para tocar a SOS, não tinha como pagar, pensávamos até em trabalhar menos tempo, pensávamos em trabalhar meio período e coisa do tipo.
P/1 - E isso foi em que época?
R - 1995. Quando não tinha mais ninguém para assumir a SOS, falaram: "Vai lá você". "Não, pelo amor de Deus". Mas foi o momento que a SOS saca tudo isso e reverte esse processo, aí conhece a proposta da Legambiente, porque não via no universo das ONGs aquele caminho que as outras estavam seguindo. Nós vamos buscar a Legambiente, porque era o contraponto de todas essas outras, a Legambiente não dava dinheiro para ninguém, muito pelo contrário. A gente, acho que traz aí uns doze mil reais para fazer um trabalho com a Guarapiranga na época e era um tipo de cooperação completamente diferente. E a gente achou aquilo o máximo naquele momento, e passou a buscar esses projetos com a proposta que faz a Legambiente. Mas isso é uma coisa talvez muito importante na SOS, não ter seguido o lugar comum, de todo mundo, porque todo mundo caiu junto e nós seguimos um outro caminho, isso é interessante.
P/2 - E em 1995 você assume um cargo dentro da SOS.
R – A direção máxima. Eu sou superintendente e todo mundo falou: " Agora acabou de vez. Joga a pá de cal". (risos)
P/2 - E o que é que mudou quando você assumiu esse cargo? Quais eram as suas funções à partir de então?
R - Eu passo a ser o superintendente, que era o cargo máximo, aquele que tinha exercido o Capobianco, a Ana e depois eu. E eu venho da campanha do Tietê, então assim, o que eu consigo trazer é um pouco de buscar alguns recursos para sobreviver. Mas acho que assim, o que marca a diferença do Mário para a SOS até então, é que todo mundo está na chuva, todo mundo está se molhando, então vamos trabalhar. Cada um ganha a sua responsabilidade, quem está na loja tem que buscar, quem está na parte administrativa também tem que buscar, ou seja, todo mundo está buscando fazer a instituição crescer. Eu acho que começamos a fazer reuniões mais coletivas, ter mais espírito de corpo, echo que um pouco do que eu trago para a SOS nesse momento é isso. E é o que vem vindo até hoje, então acho que isso é uma coisa bem interessante. E trago coisas que o próprio conselho não entendia, a questão dos recursos hídricos, né? Eu lembro de muitas reuniões que eu ia fazer e o cara falava assim: "Bom, então vamos acabar o Núcleo". E Núcleo Pró-Tietê tinha uma importância fundamental. Acabou o recurso do Unibanco, “Ah, então vamos acabar o Núcleo?” “Não, não vamos acabar o Núcleo. Nós vamos incorporar a questão de água”. E ficou mais cinco anos sem incorporar a questão de água. E a gente já conseguindo recursos em Fehidro, tocando a instituição, participando de comitê de bacia. E é interessante, quanto mais a SOS vem se profissionalizando, quanto mais ela vem tendo um papel de mudança, de trazer sócio, de batalhar a aprovação do projeto de lei, de ter mais presença em Brasília, ela também se afasta um pouco do Conselho Estadual de Meio Ambiente, do Conselho Nacional de Meio Ambiente, começa a colocar sua energia em coisas muito mais dirigidas e conseguir se fortalecer mais como instituição, diferente de todas as outras organizações. Tem uma chantagem, que é uma cilada, uma armadilha para as organizações, que é quando você começa a entrar em um ativismo muito grande, você acaba saindo do eixo da sua organização. Nós chegamos a ter quase trezentas e trinta organizações na rede de ONGs da Mata Atlântica, um número fantástico, e a SOS foi da coordenação durante dez anos. Nós nos afastamos da coordenação, da rede, nós nos afastamos do Conselho Nacional de Meio Ambiente. Um afastamento de obrigação, mas uma presença muito mais forte, porque traz essa coisa que as organizações perderam, que é a mobilização. Então vamos para o máximo desse governo que conseguiu fazer em termos de mobilização, foi a Conferência Nacional de Meio Ambiente. Nós fomos lá fazer uma manifestação contra o Lula, e todo mundo: "Nossa, vocês são loucos". Eu me lembro que eu briguei com o secretário da Marina Silva, o tal do Langoni. Porque o cara: "Como é que vocês vêm por uma faixa dizendo que o presidente tinha lavado as mãos e estava se reunindo aos ruralistas?" Foi tão impactante aquilo que o presidente depois vai lá e toma satisfação com a ministra e tudo, e os caras vão para a aprovação do projeto de lei. Então nós saímos dessa coisa de ser abduzidos ou cooptados pelo poder público no qual a coisa é normal, há uma tendência. E eu me lembro disso, desde o começo da SOS, que eu ficava muito preocupado de ver assim o destaque que a gente tinha e você acaba sendo chamado, porque não tem quadros no Brasil para tocar muita gente. Então você é o cara que se quiser ir para um governo, para qualquer lugar, para uma empresa, você é chamado, você tem o currículo perfeito para isso, você é do tipo que todo mundo quer. E isso é muito ruim às vezes, porque acabou colocando todo mundo em um lugar fácil de domesticar. E uma coisa interessante, as pessoas das organizações que ficaram, por exemplo, você vai ao Conselho Nacional de Meio Ambiente, tem uma reunião, duas, três reuniões por semana de cada câmara técnica, você deixa de trabalhar, de ter a vida de organização, para ser uma extensão corporativa do governo. Então você é usado, de certa forma, e isso é uma coisa assim que as pessoas não começam a perceber, vai se envolvendo, vai se envolvendo, e eu hoje tenho claramente isso, isso é uma cilada, é um caminho sem volta. É a mesma coisa daquele que começou a buscar fundo de governo. “Ah, agora o edital é assim, tem o formato triangular, agora o formato é redondo”. E as entidades vão se adaptando a isso. Elas não tem mais a sua personalidade, elas tomam o formato que um edital tem e isso é péssimo, perde a sua personalidade. E a SOS tem personalidade hoje para dizer: "Quero fazer isso, eu quero fazer aquilo. Quero viver de sócios". E isso eu acho que é um pouco do que eu tenho contribuído à SOS a partir do momento que a gente assume. É não seguir esses caminhos que são os clássicos e os tradicionais das organizações. Nós rompemos. E isso traumatiza também, porque não foi entendido muito pelo conselho, que se afasta. O conselho original não aceita muito isso e aí tem uma coisa muito importante, o Klabin sustenta isso. Porque ele viu que aquele grupo que foi lá no fundo do poço se reergueu a partir dessas forças, e valoriza isso. E aí é uma coisa também importante. Por isso é que a SOS hoje tem uma cara completamente distinta. E ganha muito mais notoriedade quando você pode dar a sua entrevista. Hoje nós estamos mais presentes do que qualquer organização na mídia, hoje nós falamos mais, hoje nós somos mais ouvidos, hoje a gente está em todo lugar. E sem precisar ser a “King ONG”, sem precisar ser uma organização que não articula. A gente mais do que tudo hoje articula e articula da pequena organização à grande organização, com temas distintos. Conselhos: “Vamos trabalhar com turismo”, coisa que a SOS não trabalha. Isso é uma coisa muito forte para a SOS, hoje a gente está em conselhos que não estávamos, nós saímos do Conselho de Meio Ambiente. Nós vamos para o Conselho Nacional de Turismo, vamos para o Conselho de Recursos Hídricos, ou seja, nós saímos daqueles lugares que foram destinados às organizações. Nós vamos fazer uma organização que nós coordenamos hoje, que é de todas as organizações da sociedade civil ligadas com recursos hídricos. Nós somos a principal liderança hoje em termos de recursos hídricos. Nós criamos metodologias de monitoramento de água que ninguém tem, isso é uma metodologia da SOS, característica, ela tem um carimbo da SOS, é uma coisa que a gente traz, é data. Diferente do Atlas, que acabou sendo incorporado. Então nós conseguimos fazer coisas que são muito nossas, próprias. E isso dá o que a gente pode falar ao longo da história da SOS, essa característica do jovenzinho que passou pela puberdade, que passa pela juventude e que agora começa a ter sua característica de homenzinho, de ser humano, de menininha que está com dezoito anos, está formado, já está pronto com a sua personalidade. Foi formando essa personalidade e hoje a gente pode dizer que é uma entidade com uma personalidade muito característica. E que pode fazer a sua diferença. Então, o que é mais interessante é contar uma história dessas que eu estou contando agora, de alguém que passa por toda a história do movimento ambientalista, é de perceber que nós temos mais perspectiva daqui para frente do que a gente passou atrás. O que passou são histórias, nós agora temos muito mais perspectiva e eu consigo ver muito mais coisas a fazer a partir do que a gente construiu, do que o que está lá para trás. O que está lá para trás é uma história que já foi vivida e que não volta mais, e a gente tem hoje muito mais opções, muito mais condições de futuro do que tentar trazer uma dessas histórias do passado.
P/2 - E você falou em perspectivas com relação à SOS. Eu queria saber, em sua opinião, quais são as perspectivas com relação à Mata Atlântica?
R - Eu tenho uma avaliação que eu acho que é muito interessante. Não acho que a lei da Mata Atlântica... Falando isso aqui eu acho que os caras vão me matar, mas eu acho que a lei da Mata Atlântica não protege a Mata Atlântica. A Mata Atlântica só vai ser protegida o dia que as pessoas entenderem que é importante na vida delas, fora isso é balela. E eu acho que o papel que a gente teve de fazer, a discussão da lei, de fazer trezentos mil desenhos, quinhentas mil assinatura, invadir Congresso, estar todos os dias, fazer um observatório parlamentar, estar fazendo essa pressão, é que ao longo desse tempo, enquanto se fez a Lei de Recursos Hídricos, a Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação, a Lei dos Crimes Ambientais. A Lei da Mata Atlântica foi sendo a nossa linha de condução, ela foi o fio principal, o fio condutor, ela foi sendo melhorada por essas legislações que foram colocadas, ela foi sendo enxuta, de certa forma, pela forma que ela tem hoje, mas ela é uma lei que foi discutida pela sociedade. Então o que eu acho que é mais interessante da Mata Atlântica? Quando sai o Decreto 750 [10 de fevereiro de 1973], extremamente restritivo, que é feito lá pelo do topete, o presidente do topete, o Itamar, faz piorar, como a gente falava. Quando sai lá, de sei lá, Collor de Mello para Lutzenberger que teve um papel para esse trabalho que faz o Itamar criando o Decreto 750, que é extremamente restritivo. Muito mais restritivo do que a lei que tem hoje. Quando você pega isso e vem fazendo assim, cada estado do Brasil fez a sua regulamentação do que são os estágios sucessionais. Não tem como justificar isso do ponto de vista... Nenhuma organização do mundo conseguiria fazer isso em um país continental. Estamos falando de dezessete estados, três mil e quatrocentos municípios, sessenta por cento da população brasileira. O fato de nesses longos anos ter conseguido fazer uma legislação que não fosse aquela história que todo mundo fala: "Ah, essa mala aqui foi feita lá em Brasília, que não pensou na gente, nos pequenos", nunca vai se poder falar da lei da Mata Atlântica. Ela foi regulamentada estado por estado, nos conselhos estaduais, levada para o Conselho Nacional e discutida. Para dizer isso em tempo, não seria em dez anos que se faria isso. Um processo participativo desse tamanho só foi possível porque você tinha articulações com rede, você tinha reserva da biosfera, você tinha comércio dos municípios da Mata Atlântica. Você tem iniciativa em tantas iniciativas com a questão da Mata Atlântica, que isso fez com que ganhasse uma dinâmica tão própria que a vontade da SOS se superava em tudo o que acontecia. A SOS perdeu o controle do que estava acontecendo. Eu estava em Santa Catarina na Secretaria de Estado, na reunião da Reserva da Biosfera, na Bahia, na reunião do Conama, na reunião do Conselho Estadual de Meio Ambiente de São Paulo, em todos os lugares discutindo tudo ao mesmo tempo. Olha que loucura, gente! Isso não tem como explicar. E às vezes a gente tentava dizer isso dentro da SOS e as pessoas diziam: "Isso aí não leva a nada". Se você analisasse do ponto de vista isolado, podia estar realmente fraco. Quando você vê hoje isso no conjunto da obra, quando você vê que o foi construído de legislação, quando fez o observatório parlamentar, pegou tudo o que tem. Gente! É um universo de situações, que se tivesse mais trezentas organizações na rede nós não conseguiríamos ter tamanha mobilidade e tamanho resultado. Então eu vejo que assim, hoje, o que a gente avançou foi muito mais do que a Lei. Nós consolidamos o conselho, nós colocamos a Mata Atlântica como um tema do dia-a-dia das pessoas, ela passa a ser da educação, da mobilização. Não tem pessoas no Brasil que não saibam o que é Mata Atlântica. Pode não saber onde está e coisa do tipo, agora, que não tenham ouvido falar, que não sabe o que é, que não tenha ouvido falar do tema Mata Atlântica... Nós trouxemos isso para a sociedade. E a SOS fez o papel de uma espécie de guardiã disso tudo, porque até uma confusão muito grande, e tem muitas organizações que ressentem um pouco disso, pode estar no caso da aliança entre CI e a SOS. Ninguém fala Conservation Intenational - Conservação Internacional, como eles dizem agora - Fala SOS Mata Atlântica, rede SOS Mata Atlântica. O pessoal da rede fica bravo com isso, mas acontece, a presença da SOS é muito forte. E mais do que a presença da SOS, é o fato de nós estarmos em todos os lugares. Às vezes o Klabin fala, como quem está brincando, assim: "Nunca vi. Esse cara está em tudo. De batizado a velório, nós não perdemos nada. Nós estamos em todos os lugares do Brasil". Qualquer coisa que tenha uma manifestação de meio ambiente, a SOS está. Pode ser as histórias do Fórum Social Mundial, que eu falei agora a pouco, a SOS tem um papel de destaque. Nós tivemos umas articulações que, por exemplo, a SOS jamais imaginou participar. Por conta do Tietê, nós fomos denunciar o governo na época Fleury, que não estava sendo aplicado corretamente os recursos do Tietê. E com isso nós usamos, daí o termo usar mesmo, Organizações Internacionais que participavam e levavam as organizações do sul para fazerem essas denúncias, e inclusive ganhavam muito em cima da gente, para fazer essas denúncias em Washington. Eu fui para Washington por conta dessas organizações. Depois disso nós decidimos fazer uma articulação no Brasil, que chamou Rede Brasil, que acompanhasse os financiamentos multilaterais daqui. Então a SOS é uma das poucas organizações que está nessa articulação de acompanhamentos de organismos multilaterais. A minha ação hoje é muito mais dentro dessa rede, acho que são quase setenta organizações que acompanham os financiamentos multilaterais, porque não dá mais para ser aquela organização que fica só: "Somos contra estrada", nós queremos antecipar esses momentos. E isso não tem organização ambientalista dentro, somos pouquíssimos, acho que são duas ou três organizações, que ainda assim foram articulados pelo SOS, para vir para dentro disso. Só uma ou outra organização que vem junto, que nasce junto, as outras nós trouxemos para dentro, porque são caminhos novos, caminhos que nós temos hoje essa escolha. Não é o conselho que decidiu ou que percebeu a importância, mas é o dia-a-dia, é a vivência de quem está fazendo. Então essas novas oportunidades são construídas por nós e essas novas oportunidades, como monitoramento dessas multilaterais, como ver o BNDES, o Protocolo Verde, qualquer coisa, e financiamento hoje essas novas oportunidades, elas montam essa característica da SOS, de ser muito mais participativa, de ser muito mais presente, de ser muito mais organização de mobilização. Ela não perde essa característica de mobilização porque tem a Lei como fio condutor. O nosso ideal é a aprovação dessa legislação, mas ela agrega todas essas outras coisas. Ela pode trazer recursos hídricos, ela pode trazer empresas, pode trazer essa questão de monitoramento de multilaterais, ela pode trazer a questão da forma com que a gente trabalha no congresso, que é distinta. Ela traz a nossa presença hoje com o turismo, com gastronomia, ou seja, não tem assunto que a gente não se mete hoje. Qualquer discussão, inclusive de Amazônia, a gente é uma referência para a mídia. Tudo isso acontece por conta dessa nova forma de encarar a questão da lei da Mata Atlântica. É terrível você viver do passado, e tem gente que se apega.
P/1 - Só cortando um pouquinho. Na verdade a SOS ela não tem mais um foco. Ela tem vários focos. Então você acha que isso não faz ela se perder um pouco?
R – Eu sempre discuti muito isso no conselho. Se você quer uma “entidadezinha” focada, você não faz o movimento, você faz um projeto, vai lá e resolve. O fato de a SOS ter essa mobilidade é o que vai dar a característica da SOS. Não é a SOS que tem que fazer, que crescer, a SOS tem que ser a inteligência desse processo. Lógico, quando nós estivermos descentralizando, que eu acho, espero que venha ser a cara da SOS pelos próximos dezoito anos, o ideal seria nós termos três mil e quatrocentas entidades já de cara, um em cada município. Não entidades da SOS Mata Atlântica, ter uma “entidadezinha” pequena que está ligada com a gente, ou seja, você ter um eco local. Nós vamos trabalhar conceitualmente o que seria um trabalho voluntário com o meio ambiente e protegendo a Mata Atlântica, para que todos façam. Eu queria estar trabalhando política pública para ter um manual de guerrilha do cidadão, onde o cara pudesse entender como é que acontece o processo de proteção da Mata Atlântica no seu município, que ele entendesse como é que funciona a Câmara dos Vereadores, que ele pudesse interferir lá com a Comissão de Meio Ambiente da Câmara. E depois ele viesse no Conselho Municipal do Meio Ambiente e que cobrasse do prefeito educação ambiental, porque é constitucional em todos os níveis de ensino ele cobrar já a nível municipal. Depois ele cobrasse um orçamento no seu município para proteção de meio ambiente no seu município, que no Brasil não existe ainda. E a partir do momento que o cidadão consegue fazer isso ali, ele está participando dessa grande história que a SOS está construindo. E com isso o que é que vai acontecer? Ele consegue pressionar depois as Assembleias estaduais e com isso chega aos deputados. Então é a melhor forma de fazer política pública. Eu, como respondo por política pública, eu gostaria de ver isso, mas acho que isso pode acontecer com entidades adotando ações locais. Monitorar um rio, proteger um manancial, proteger um remanescente que tem ali de Mata Atlântica, escolher um patrimônio público, uma estação de trem para proteger coisas desse tipo, aí a SOS tem sua importância como movimento, senão vai virar o que aconteceu. As entidades hoje que são focadas estão morrendo, estão morrendo por olhar para o umbigo. Elas são autofágicas, elas se consomem ou elas se adoram, e isso não tem graça. Ou você tem uma importância como um elemento de agregação social, porque a sociedade é muito dinâmica. Ela não quer uma entidade focada. Hoje o cara que tem o seu conhecimento altamente especializado está fora. Ou você entende como acontece o mundo, ou você não tem mais nenhuma oportunidade. E o mundo muda, infelizmente a sociedade brasileira é muito difícil, ela é muito complexa, ela reage a uma matéria em uma TV, a uma novela. Passa a ser o tema que move as pessoas. Eu me lembro de uma situação em São Paulo, por exemplo, a questão dos reservatórios, que começou a sair muito na mídia. Todas as pessoas mesmo no bar começaram a discutir: "Olha, você sabe quanto é que está a Cantareira? Está com sete por cento, três por cento". Quando é que a gente imaginava que a sociedade ia se interessar por quanto tinha de água dentro de um reservatório? Isso passa a partir do momento que é uma crise da água. Agora, é uma sociedade que vive de espasmo, vive da mão para a boca, é complexo trabalhar nisso. E nós temos um tema que é salvar o planeta, é difícil você trabalhar com isso. Então eu acho que assim, esse patrimônio, esse histórico da instituição, essa coisa de ela ter conseguido aglutinar, de ela ter sido esse catalisador, ela não pode ficar sobrevivendo disso, ela tem que aceitar os desafios dos tempos modernos. E nos tempos modernos é cada uma muito mais individual, as pessoas estão vivendo cada um para si. Não tem mais aquela coisa, acabaram os movimentos, você não vê mais movimento estudantil, você não vê mais nada, acabou, isso já foi. É um passado e muito próximo, infelizmente ainda as pessoas se apegam a isso. Nós temos um grande desafio que é o seguinte, como fazer para as pessoas se mobilizarem. Isso é latente, isso está permanente nas pessoas. E a SOS chegou muito próximo disso com essa capacidade de entender se o projeto é de turismo, se o projeto é de água, se é de educação, se é um projeto social que tem a ver com recuperar uma escola, de recuperar uma área degradada e coisa desse tipo, plantando árvores... Eu acho que o grande projeto da SOS que vem agora é realmente essa questão do plantio de árvores, tem uma coisa de mobilização e de passionalidade. Nós trabalhamos com a passionalidade. Eu me lembro de distribuir árvore e as pessoas ficarem emocionadas com a arvorezinha na mão, que para a gente é ridículo. Não, mas vou dizer isso: "Minha filha, que ridículo". Mas tem que deixar mesmo, “Que legal e tal”. É pior do que distribuir pintinho no supermercado, antigamente, porque dava um trabalho em casa. Mas é o que acontece, é uma coisa insana e é o que há no retrato da sociedade hoje. Então eu acho que essa história da SOS, não que ela perca o foco, eu acho que a SOS precisa ter essa capacidade de quem está olhando de fora o processo e deixar as manifestações de meio ambiente acontecerem como elas quiserem. Se o cara é apaixonado por um: "Ah, eu me mobilizo porque estão jogando lixo aqui". “Parabéns fique firme e lute”. "Eu me mobilizo porque mataram os animaizinhos na estrada". “Que bobagem! Tanta coisa que aconteceu e o cara preocupado com o bichinho que morreu.”? “Parabéns, vai mexer com os bichinhos e tal”. Ou seja, é para todas as áreas. Se a partir do ato de que não pode ser individual, tem que ser coletivo, se a pessoa não tem capacidade de juntar o pai, a mãe, os irmãos ou três amigos em volta, não dá para você investir em um sujeito desses. Então essa ideia de a SOS formar talvez essa inteligência de quem adquiriu essa musculatura toda, de quem formou a sua personalidade, e conseguir talvez como irmão mais velho dizer: "Olha meu, pega teu caminho, olha está aqui, segue aqui, nós podemos te ajudar e tal". Isso vai ser a grande solução da SOS como organização. E eu conheço tudo o que está acontecendo hoje. Meio pretensão, mas eu conheço muito do que o movimento social faz no Brasil e no mundo hoje. Eu acho que o caminho que a gente está seguindo é um grande caminho, é um caminho de quem chegou aos dezoito anos e tem personalidade para dizer: "Agora que eu sou grande eu quero ser isso". Eu acho que a gente está indo muito por esse caminho. E eu fico muito feliz em poder estar participando disso, um pouco dessa história do Mário Mantovani, de ser um inconformado talvez, com essa situação, eu me vejo muito bem dentro desse modelo SOS. E se não fosse assim eu não estaria realmente na SOS hoje. Oportunidades não estão faltando, muito pelo contrário, ficam até com medo. Aí todo mundo: "Vai ser candidato o Mário Mantovani". O caralho, nunca vou ser candidato. Isso seria a traição. É o caminho das pessoas, e é uma coisa terrível, eu fico assim apavorado, todo dia me policio, olho para mim e falo assim: "Mário Mantovani, lembra aquela história? Você é mortal, né? Você é mortal, cara. Não vislumbre. Não aceite”. Muita gente te convida: ‘Mário, vem para cá, olha eu quero aprovar um porto, eu quero fazer um empreendimento desses, eu queria a sua ajuda nisso’. Todo dia você é super tentado a isso. Todo dia você é chamado para fazer política, porque hoje em dia está muito fraca essa questão da política e você passa a ter essa visibilidade que você tem de todo dia estar na mídia, de ter uma organização forte como essa. Você é chamado para tudo. Então todo dia eu me pego: “Cara, não caia nessa. Coragem. Mantenha primeiro aquele ideal que te fez mobilizar para isso. Acredita! Pula nisso porque... Não saia dessa linha porque você vai se foder”. Eu vi muito amigo meu que começou e naufragou na vaidade pessoal, naufragou porque não tinha suporte como pessoa, para aguentar alguma coisa e acabou traindo as suas convicções, os seus ideais, as suas pessoas amigas. E uma coisa assim, de ter muita atenção com as pessoas. Os meus inimigos, eu gosto deles, pode ser de um deputado ruralista, mas eu gosto de bons inimigos. E sou respeitado porque gosto de lutar francamente, de ir lá e dizer: "Olha, tu é muito filho da puta. Você é um sacana, você fez isso". E eu consigo ter resposta disso e olhar nos olhos quando falo. Isso é uma coisa fantástica de quem tem uma história, um passado e tem esse respaldo de uma instituição e tem um monte de gente que te acreditou. Então, quando eu enfrento lá o cara da Aracruz Celulose e vou dizer: “Olha aqui cara, você é isso". Quando a gente decide trabalhar com certificação florestal, a gente nem falou disso, de certificação de turismo. Quando a gente decide trabalhar nisso, a gente tem um puta de um respaldo. Isso é outra coisa, essa questão da certificação, mas a gente chega lá. Então isso é um respaldo muito forte, você chegar e: "Olha aqui, você fez isso". Você tem moral para dizer isso, porque você não foi o candidato, não é o cara que se frustrou, não é o que usou toda essa história para dizer: "Votem em mim". Então, pessoalmente, muita atenção. todos os dias, muita, muita atenção. E continuar sendo alegre, continuar não sendo chato de plantão, o “biodesagradável” de plantão, aquela coisa toda.
P/1 - Pelo que você está falando, esses dezoito anos de SOS, ela tem um saldo positivo.
R - Muito. Em um país como o Brasil , põe saldo positivo nisso. Onde as pessoas duvidam do dia-a-dia, onde a cada dia você descobre mais sacanagem, né? Você ter conseguido chegar até aí, foi um dos saldos mais positivos. Eu conhecendo todos os movimentos inclusive sociais, os movimentos ambientais, tudo o que aconteceu, eu acho que o da SOS é um resultado acima da expectativa, muito mais do que pudesse... os idealizadores da história ou mesmo quem participou em cada momento dessa história ter conquistado. Uma coisa muito legal da SOS assim que, o saldo não foi um saldo que você percebe na ação da SOS de, sei lá, “Conseguimos aprovar ou apoiar a aprovação de uma lei”. Para você ver hoje quem está fora da SOS, trabalhando com o movimento, tudo passou pela SOS. Gente que nós apostamos, hoje está aí com cargos de direção no país. E isso, institucionalmente falando, até mesmo em outras ONGs, e não é uma coisa do dirigente da SOS que conseguiu projeção, você pega o carinha que era estagiário de comunicação, hoje está puxando o Greenpeace. O carinha que era estagiário não sei do que lá da lojinha, hoje está mexendo nessa área bem para caramba. Ou seja, por mais simples que fosse o cargo do cara, administrativo, como tinha o Adauto, hoje é um dos caras que é um dos feras em captação de recursos. O cara cresceu dentro da instituição, para fora da instituição e traz uma contribuição que é fantástica, que só uma entidade com maturidade, com resultado como a o da SOS pode dar. Não tivesse isso, você não teria um Adauto, que é um contador que veio do interior, que veio pra controlar o Mário Mantovani, para não deixar fazer besteira, e que hoje é talvez um dos maiores captadores do Brasil. Um cara que sacou tudo. E nós não teríamos conseguido fazer com que o Rodriguinho, com quatorze anos de idade, com a nossa malinha, que foi monitorar a qualidade de água do Tietê lá, o projeto nosso do Tietê, conseguisse construir o Instituto Vidágua, fosse uma das principais autoridades em meio ambiente no Brasil, hoje no Conama fazendo o meu papel e que eu me orgulho muito de ver isso. E fazendo mais, criou o Clickarvore, um menino de dezesseis anos de idade! A Ísis, que com nove anos de idade a gente esteve com ela denunciando o governador Fleury. Uma coisa que, depois, é hoje talvez a pessoa que participou da Conferência Mundial de meio ambiente em Joanesburgo, porque criticou o presidente, e hoje vai ser quem mais trabalha com protagonismo juvenil. Ou seja, gente de fora, gente de dentro... O Samuel, que veio trabalhar comigo, que eu vou buscar na universidade, hoje é o cara principal de água no Brasil. Então esse tipo de coisa é o que mais anima a gente. Eu acho que o que me anima todo dia a acreditar mais nas pessoas, a investir, é esse saldo positivo, essa base institucional, e ver que tem gente que pode crescer a partir dessa história que a gente fez. Por isso é que essa história da descentralização é legal. Quanta gente tem hoje? Sete mil e quinhentas pessoas trabalhando com a gente hoje no núcleo pró Tietê. Você vai lá da beira da Parelheiros com os índios que fazem monitoramento de água, no Jardim Ângela. Quando você tem gente assim, como o padre Jaime, lá no Jardim Ângela, quando você tem grupos que surgiram como o Poeiras na cidade Tiradentes, que é um grupo ambientalista genial que surge à partir da pequena oportunidade que a gente dá e que sente isso, como a gente acabou de fazer um grupo em Rio Claro, agora, que vai trabalhar com a Floresta do Futuro à partir de uma pessoa que a gente conheceu vinte e tantos anos atrás e que mandou uma cartinha: "Mário, eu sou aquela pessoa que você ajudou, blá, blá, blá... Eu via sua carreira na SOS e eu quero fazer alguma coisa". E essa pessoa que mandou essa carta tem setenta e sete anos. Nós acabamos de criar um instituto, foi criado agora, segunda-feira, chamado Instituto Miraterra, que é o nome fictício que essa pessoa usa para escrever de dentro do asilo de velhos onde ela está. Porra, e a vida tem muito mais sentido, e isso é que é a maturidade da SOS. Isso é o que a SOS consegue fazer, que as outras entidades talvez não consigam. Eu pude, há duas semanas atrás, na véspera do Natal, visitar o asilo e olhar essa pessoa e falar: "Porra meu, vamos embora! O que você está esperando? Quer morrer aqui?". E ela mandou uma carta para a gente agora esses dias: "Desisti de envelhecer. Eu quero trabalhar" Isso é a coisa que talvez faça o Mário ter esse combustível, essa energia. A energia não vem do salário da SOS, não vem da instituição. A energia vem dessas pessoas que você conhece que são de carne e osso, que precisam de você. Que está doente como o João XXX e você vai visitar o e cara assim: "Mário, fica firme aí". E você fala: "Obrigado João! Você me falou isso trinta anos atrás, e hoje está me falando isso de novo". Isso é que te faz caminhar. Agora, esse é o saldo positivo da SOS. O saldo positivo da SOS nunca foi a aprovação da regulamentação do estágio seccional de mata secundária e estágio médio avançado no Paraná, isso não tem a menor importância. Isso muda, depende do louco que está de plantão lá. Agora, não mudam as entidades que a gente trabalhou no Paraná, a Teresa Urban, que é uma guerreira, fundadora da SOS que está lá, isso não muda. As pessoas que estão com a gente no sul da Bahia, o Norberto, que foi cortado no facão em 2004, levou quatro facãozadas, quase morreu. E a gente foi lá, interviu e conseguimos fazer com que esse cara fosse internado, fosse recuperado. Vamos atrás cuidar da vida desse cara. Isso é a SOS que as pessoas vêem. Aquele cara que está lá em Joinville, que transformou a área do pai, que é um madeireiro, um sujeito que a gente consegue fazer com que esse filho que estava metido com tantas coisas e que o pai já não acreditava mais no filho, consegue fazer com que o filho se recupere, porque acreditou nessa história. Criou a maior RPPN [Reserva Particular do Patrimônio Natural] que a gente tem, onze mil hectares. O pai era madeireiro, a maior RPPN que a SOS tem. E você vai lá e vê a alegria que se instalou nessa família, a gente conseguiu a partir de uma questão ambiental. Isso tem resultado, essa ninguém tira mais, é uma RPPN de onze mil hectares, de um proprietário particular. E aí você vai, as experiências se multiplicam pelo Brasil, não param mais. Agora, isso não é perder energia, isso não é perder objetividade, a objetividade ela é maior quando você identifica uma pessoa que se beneficiou disso. Se essa pessoa se beneficiou disso, as pessoas que bebem a água que sai desse rio Cubatão, dessa RPPN de onze mil hectares, é uma comunidade de uma cidade chamada Joinville. O nosso trabalho hoje é a água que Joinville... e aí o dia que a gente conseguiu dizer para Joinville: "Olha, vocês bebem a água dessa RPPN que está na Mata Atlântica, nós conseguimos fazer a proteção da Mata Atlântica". O dia que a gente foi falar que vamos brigar por causa da regulamentação do estágio inicial e secundário da Mata Atlântica, perdemos o sentido. Esse é o meu medo, porque muitas das organizações que trabalham com temas que são muito focados "Eu trabalho com biodiversidade", e tal, a cada dia tem um novo conhecimento. Não tem verdades que sejam imutáveis, a verdade é a das pessoas que podem dar o seu depoimento. “A SOS me ajudou. Eu pude criar uma organização, eu pude fazer isso”. Aí tem sentido tudo o que a gente está fazendo. E eu não quero ser piegas, “ai, que maravilha, temos uma criancinha”, nós trabalhamos com sete mil e só não trabalhamos mais porque não tem mais fôlego. Eu acho até que nós fazemos muito, eu queria é fazer milhares de outras entidades, milhares de outros Mários, de outras Ísis, de outros Samuéis, de outros Rodrigos, porque aí essa história vai continuar. Vai chegar uma hora que eu me canso, o Klabin se cansa, sei lá, outros, e a gente passa e passa muito rápido, como passaram muitas pessoas pela SOS e hoje estão aí fazendo algumas coisas, sei lá. O João Allievi é um consultor que leva um pouco dele e de SOS Mata Atlântica para o trabalho que ele faz. O Clayton, na Reserva da Biosfera, leva um pouco de SOS, cada um que passou pela história da SOS leva um pouco dessa SOS. E ela se multiplica, ela tem essa capacidade de ser em uma projeção geométrica. Ela não pára naquilo que eu sou capaz de fazer, mas naquilo que eu consegui fazer com que o Rodrigo fizesse, que aí depois o Rodrigo fez com que o Ivan fizesse... Falando da turma que criou lá a partir do Vidágua. E isso não tem mais fim. Essa é a conta que vale, a conta que faz a gente ter o trabalho com a sociedade, se você não tem essa perspectiva, esquece, fecha a porta porque tem jeito melhor de gastar o dinheiro.
P/1 – Mário, nesses anos, não só dos dezoito anos da SOS, mas toda a sua vida no movimento, o que é que você lembra que foi muito engraçado. Alguma coisa que tenha acontecido, assim, que tenha te marcado? Não só engraçado, pode...?
R - É difícil dizer o que marcou, não existe um dia igual ao outro. E olha que eu estou fazendo cinquenta anos. Eu vou até agora fazer o meu sabat, meu ano sabático, andar pelos Andes para tentar avaliar como foram esses cinquenta anos, porque não tem história que não fosse interessante, não tem uma coisa que foi mais interessante. Cada dia em um lugar, cada dia em um ponto do Brasil, cada dia uma história. Participar de todas as histórias, é difícil você dizer qual é a mais interessante. Lógico que a Juréia é a mais interessante. Eu já tenho com a família decidido o seguinte, se algum dia eu tiver um acidente e qualquer coisa, além de estar com o seguro em dia, eu pedi para jogar as minhas cinzas na Juréia, no Rio Verde ainda. Que ninguém ouça, porque é reserva ecológica. (risos) Ou então depois me façam uma estátua de um anjinho mijando no Tietê lá na ponte das bandeiras (risos). Mas isso é história que... Lógico que a da Juréia foi muitíssimo forte. Um pouco desse sair de outras experiências e manter a linha ambiental foi muito forte. Eu acho que também algumas coisas assim, a aprovação do projeto de lei, você fica doze anos batalhando e de repente você vê ali dentro do congresso, você negociando, você vai para plenário e vê sendo votado, é uma coisa que emociona, é muito forte. Mas eu acho que a coisa mais importante disso tudo, assim, que eu vejo, as amizades que construí, isso assim é uma coisa que eu tenho feito agora e que eu gosto demais e me dá muita satisfação com cinquenta anos de idade, é visitar cada um desses ambientalistas, o que eles vivem e o que eles fazem. Eu não tenho ficado em hotel, sou convidado, às vezes eu estou lá. Igual essa semana, eu estava no Pestana, em Salvador, não fiquei no Pestana, fui ficar na casa de um carinha muito simples, mas que é tão importante você ficar, porque aí você vê que aquele cara que você contou com ele em vinte anos de luta, ele mora em um lugar, ele tem um cachorro, ele tem um carrinho velho, ele não consegue nem ganhar para viver, isso é uma coisa muito importante. Então uma coisa que têm me dado muitas satisfação hoje é reconquistar as pessoas, refazer talvez o que eu tivesse feito lá quando conheci aquela pessoa pela primeira vez. Eu acho que você não conhece individualmente, você conhece sob coletivo, e altos paus e discussões coletivas e tal, mas hoje eu estou tentando resgatar cada uma. Isso sim tem sido o meu esporte preferido nos últimos tempos, de ir lá e viver, viver, vivenciar uma realidade com essas pessoas. Eu acho que isso aqui é um pouco de resgate, é um pouco de agradecimento, é um pouco de renovar o compromisso, eu acho que é uma coisa, assim, que tem sido muito forte. E aí de cada uma desses que eu me relaciono, eu lembrar uma história. “Ah, aquela vez que a gente foi lá e entrou na frente da máquina, aquela vez que a gente foi com os índios, aquela vez que a gente foi lá e que mataram o nosso amigo no parque, o Paulo Vinhas; aquela vez que nós fizemos isso, aquela vez que a gente enfrentou os militares em Peruíbe, aquela vez que capotou o carro”. Sabe, aí a história que você construiu com o carinha, ela liga e você faz um pacto, não um pacto de sangue, porque isso aí está fora de moda, isso é antigamente, é até capaz de dar aids hoje, é um saco. (risos) Mas você faz um pacto de alma, é um pacto assim “Ó cara, eu continuo firme. Esses cinquenta não me dobraram, eu quero mais”. E coisas assim de você entender: "Que história é essa que você entrou, cara. Que louco. O que é que você é? Que sentido tem tudo isso aí que você fez?". E o sentido está nessas coisas que eu falei talvez, agora a pouco, que a instituição é apenas uma instituição. O resultado dela é o que ela construiu para as pessoas e o patrimônio público ou essas coisas que é a Mata Atlântica, ela é a matéria prima onde a gente está vivendo, nós transformamos essa matéria prima. Então isso tem sido assim, a minha parte mais forte, lembrar essas história à partir desses caras. Você não faz história de... Eu detesto por exemplo, dizer: "Ah, nas Diretas eu levei um ônibus de gente para as Diretas", que é um momento muito forte na minha vida, a posse do Lula e coisa desse tipo. Você não é mais um que está naquela multidão, que foi lá, que invadiu Brasília ou que estava aquele milhão de gente que estava na posse. Aquele dia eu estava falando com a Marina Silva, naquele dia eu estava com aqueles caras que estavam assumindo a parte ambiental do Brasil e são pessoas com quem eu convivi. E o sentido da posse do Lula era um sentido da posse de estar trabalhando como um cara que construiu aquilo. O sentido de estar lá nas Diretas Já em Brasília, que correr das bombas e tudo, é de quem estava levando uma proposta de meio ambiente para dentro, que acreditava que o processo de democratização ajudaria a que o meio ambiente fosse uma política pública de verdade para o país. E aí me encontrar um daqueles caras, “lembra aquele dia que a gente foi, nós entramos nesse buraco aqui e os caras jogaram uma bomba em cima da gente aqui”, isso dá um sabor.E depois também, uma coisa assim, de ter uma filha de dezessete anos, que saca o que o pai faz hoje. Isso é uma coisa que dá muito mais prazer do que qualquer emoção que eu tive, porque ela está viajando com o pai agora e: "Pô, o Mário esteve aqui em 1900 e nada", Fomos lá no Morro do São Paulo onde ela foi feita. E aí alguém falar: "Pô, nós criamos uma entidade aqui, a Baiacu de Espinho, a gente continua lutando e tal". E isso faz dezessete anos que eu fiz essa menina lá, dezoito anos e as pessoas ainda lembram disso, então pô, que delícia, e essas pessoas dizerem para a minha filha o que é que eu fiz. Então isso é uma coisa muito legal, anima bastante. Então é muito mais gostoso, tem muito mais sentido. Agora a emoção... eu acho que é muito egoísta você falar: "Essa aqui foi a minha principal emoção", porque para mim o que foi uma emoção forte, é o fato de estar com o Pedrinho, por exemplo, na Bahia, que depois morreu, o meu grande irmão da Bahia, de estar um dia atravessando de barco pra Morro do São Paulo, e eu começo a contar uma história, paro e ele conta a história dele, e aí depois ele pára e eu continuo contando a mesma história. A gente não tinha se visto até aquela data, nos conhecemos aquele dia. E isso marcou tão forte a ele a mim. E depois uma coisa interessante, todos os três irmãos do Pedro hoje trabalham com meio ambiente, e o cara que eu mais curto hoje do ponto de vista de proteção da Mata Atlântica é o Rui, que era um menino que com doze anos de idade eu via com uma prancha e que não queria nem saber de proteger lugar nenhum, e esse é o cara que hoje tenho uma admiração muito grande por ele, por ter visto esse moleque crescer com essa história. E era irmão do cara que era meu grande irmão, e que eu descobri que tinha uma história com esse cara. Isso tem muito mais sentido, porque, sei lá, uma manifestação que a gente fez em Assis, na minha terra, depois que eu voltei, ou uma manifestação que a gente fez lá em Manaus, ou uma manifestação que a gente fez lá em Brasília, quando foi na conferência... Para aquela pessoinha que está comigo, aquele foi o maior ato de bravura que ele conseguiu fazer na vida dele. Esse é o meu grande ato de bravura, não é ter jogado bomba, ter dado porrada, partir para a ignorância, enfrentar uma polícia no Congresso, isso não tem a menor importância. Agora, aquele carinha que estava do meu lado, que eu lembro lá dos filhos do Ary Para-Raios, e o Ary um grande parceiro nosso, a sua família foi criada para circo e ele fazia questão de ser um palhaço. E esse era o meu grande amigo em Brasília. E a maior palhaçada que a gente fez foi desacreditar o Congresso e o... como era o nome dele? Presidente do Ibama de Pernambuco... era o presidente do Ibama, quando eles estavam tentando acabar com a lei da Mata Atlântica em uma reunião do Conama, dentro de Brasília, e estava tudo armado para acabar com o projeto de lei, deixar de existir e eu me lembro do Ary, o pessoal dele entrando dentro do Conama e cantando Bichos Escrotos. E o pessoal do Conama, militar, todo mundo, cantou junto Bichos Escrotos e o presidente do Ibama, é lógico que ele me odeia até hoje, é um deputado, não pode me ver aquele cara. Mas ele teve que escutar e a gente lá: "Bichos escrotos aqui na Terra, vocês vão se foder!". E o Ary entrou com todo mundo vestido de bicho. Puxa, que emoção! Mas essa emoção para mim não foi nada, foi bacana, agora, para o Ary foi o grande momento da vida dele, e isso fez com que ele continuasse a vida de palhaço dele. E os filhos dele o ano passado estiveram com a gente comemorando onze anos de Mata Atlântica. Eles fizeram uma palhaçada em cima da nossa bandeira, a nossa bandeira virou a capa da primeira revista da câmara dos deputados, com essas crianças que eu vi pequenininhas lá com o Ary e que depois a gente se abraçou e eu falava assim: "Meu, obrigado por vocês terem continuado e o seu pai ter feito isso". Isso dá sentido. Então aí essa história de apresentar a minha filha para essa galera e falar: "Ah, essa galera e tal". E esse pessoal falar: "Ah é? O meu pai desde pequenininho e tal". Isso é do cacete, isso te dá total sentido. Você fala assim: "Meu, se eu for embora agora, já fiz a minha parte!” E por isso é que eu falo, “Que se foda mundo, porque eu já fiz tudo”. E eu acho que isso é a alegria de fazer as coisas serem o que são. Não tem nenhuma ideologia, nunca tive. A minha ideologia é o quanto eu consigo fazer o bem, é o meu sentido, e aqui não estou parafraseando nenhum poeta, Fernando Pessoa, que eu gosto muito, mas eu não tenho nenhuma ideologia. A minha ideologia é a vida, e a sua plenitude, como é que pode ser vivida. E essa vida não é a minha, é o cara que eu consigo fazer o bem, porque aí se não fica egoísta e você fica com todos aqueles traumas e você precisa tomar Lexotan, e você precisa fazer todas aquelas coisas. E isso não tem tempo para quem quer viver. Quem quer viver tem que estar atento todo dia, toda hora, toda a história e tem que estar sentindo, cada ligação que você faz você renova essa amizade. A cada uma pessoa que você liga, é por aí para mim. Eu gosto muito disso e eu acho que esta é a cara que a SOS tem que ter e eu estou lutando para isso. Dentro do conselho eu vou encher o saco, “Tem que ser assim e tal”. E vou falar para a SOS o tempo todo.
P/1 - E Mário, me fala uma coisa assim, para a gente encerrar. Qual é a importância, qual o peso que a fundação tem na sua vida?
R - Olha, eu assim, aquela história que eu falei. A Fundação é um meio para eu estar fazendo tudo isso. Eu tenho quem pague a conta de telefone, quem dá o meu salário, quem me coloca pessoas importantes, que me ajudam a fazer essas coisas, quem me dá suporte, quem produz o material para eu poder estar falando. E eu acho que a Fundação hoje, ela dá oportunidade de eu projetar esse futuro, é uma coisa que é muito legal. E não ter nenhuma preocupação com o que passou. Já foi, né? É assim, essa possibilidade de você acreditar que aquilo que você fez, toda essa carreira, toda essa história, tudo aquilo que você bolou. E a cada dia, não tem um dia que eu não invento uma história. Essa da certificação é a minha última dentro da SOS. Ainda bem que a gente não falou disso, porque isso pode ser usado contra mim no futuro. Mas é uma história que eu acho que vai colar. Mas a SOS me dá essa oportunidade. Eu fico pensando, eu passo o ano novo sozinho há muito anos, há trinta anos. Estou acabando de chegar de um ano novo onde eu fico em uma cachoeira, para não escutar barulho de nada, meu ano novo eu não consigo entender que horas que foi a passagem nem nada, fica muito maior. E eu não avalio nada para trás, eu não olho uma única coisa que aconteceu no ano, eu não faço balanço. Eu penso sempre no que eu vou fazer no próximo ano, as figuras que eu vou encontrar, as pessoas que eu acho que são importantes. Eu nunca avaliei um ano atrás, olha que loucura, não faço, não faço conta, não goste de ver aquelas revistas que tem histórias do que aconteceu no ano, eu acho que isso é um atraso. Eu jogo muita coisa fora todo ano, eu não fico com amarra, eu não amarro o sapato, outra coisa que eu faço, sempre desamarro. Então é uma coisa assim que eu não quero ter nada o que me prenda no passado, porque isso é coisa de muito egoísmo. Então a SOS é aquela coisa, que é o porto seguro, o porto seguro que eu tenho com a Mari em casa, também isso é muito importante. É o porto seguro de pensar eu em uma nova aventura, uma nova história que eu vou começar, eu sei que ali eu tenho o ponto de partida. Então eu acho que a SOS tem essa importância. Você vai falar: "Se a patroa vê isso, vai meter o cacete, comparando o port seguro dela". (risos) Lógico que são distintos, a Mari é uma coisa de família, uma coisa muito importante e que me deu muita base, muita garantia para eu chegar aqui hoje. Se você não tem essa tranquilidade também, como família, é muito sério, muito grave. E isso ajudou demais, ter essa personalidade, poder encarar, porque sei que tem como dividir qualquer coisa. Mas guardada a proporção, a SOS representa muito disso para mim hoje. É muito uma extensão dessa minha família, dessa minha história toda, e eu gosto disso. Eu gosto de saber que se tiver alguma confusão, eu tenho a SOS um pouco para segurar. E essa história que eu construí a partir da SOS e que não tem a menor importância o Mário em termos disso. O que tem importância é toda essa história, todo esse movimento que se segue e essas histórias que se multiplicam, que se contam. Eu detestaria de fazer um dia ser um mito, uma coisa que ficasse no eu, acho que isso não tem absolutamente nada a ver. Não existiria nenhuma história de Mário Mantovani se não tivesse alguém junto, alguma coisa que acreditasse junto, é completamente irrelevante o Mário Mantovani enquanto Mário. ele tem sentido a partir do momento que ele está nessa luta e essa luta tem muito mais sentido a hora que você tem a SOS para segurar essa história. Porque se não tem uma entidade com essa característica, é lógico que eu não estaria aí, e se não tem uma entidade que desse essa certeza, que você se lança para uma coisa diferente de todo mundo... Porque há uma acomodação muito grande da gente, é muito mais fácil eu querer ficar em uma entidade que eu sei que tem um objetivo, que vai estudar a biodiversidade, é cômodo. Por isso é que talvez faliram as universidades que contribuem muito pouco eu acho que... alguém vai falar, “ah que revolta!”. Não tem nem tido as contribuições, o que se gasta hoje para produzir conhecimento no Brasil é ridículo pelo resultado que tem. Por isso é que você vê o poder público cada vez mais fraco, porque ele criou uma burocracia para se proteger e não para se expor. E nós estamos falando de expor, nós estamos falando de fazer uma história dos próximo dezoito anos, nós estamos falando de uma história que vai se construir por parceiras locais, de criar pequenas SOSs por todo o Brasil. Isso é o que faz a gente ter talvez essa cara de SOS, que dá essa tranquilidade que eu vejo. A SOS é assim, me dá a oportunidade de querer lançar esse projeto, de querer lançar esse desafio e fazer e entidade mais diferente do Brasil. A entidade que seja... mesmo tendo base em cima um pouco da Legambiente, mas ela já tem personalidade própria, porque é aquela história, do irmão mais velho, de a gente ter a nossa personalidade já e conseguir fazer isso. Então eu acredito muito nisso, a gente vai trabalhar agora essa coisa dos indicadores, para que todo mundo se veja a partir da sua relação pessoal, da forma com que convive na sua comunidade e acho que é do cacete, é um grande caminho.
P/1 - Mário, você queria falar alguma coisa que a gente não perguntou, que você?
R – Ah, acho que eu falei coisa pra caralho, já chega. (risos)
P/1 - Então a gente queria te agradecer por você ter vindo, ter dado o seu depoimento que foi maravilhoso.
R - É mesmo? (risos)
P/1 - É.
R - Eu acho que para quem fica fazendo isso todo tempo é muito fácil, né?
P/1 - Foi muito bom.
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