Entrevista de Antônio Prol Gondar
Entrevistado por Bruna Oliveira e Natan Torres
São Paulo, 28/10/2021
Projeto: Porto & Cidade: BTP/Ultracargo
Realizado por Museu da Pessoa
Entrevista n.º: PCSH_HV1086
Transcrita por Selma Paiva
Revisada por Bruna Oliveira
P/1 – ‘Seu’ Antônio, queria que você começasse se apresentando, dizendo seu nome completo.
R – Meu nome é Antonio Prol Gondar, nascido no O Grove, Espanha, em um porto pesqueiro, um porto onde a maioria ou 95% dos habitantes trabalham da pesca e vivem da pesca. Eu fugi a isso porque fiquei com medo da imensidão do mar, a imensidão do mar me assustava e dessa forma eu fugi para um serviço terrestre.
P/1 – Quando o senhor nasceu? A data.
R – Oito de março de 1935, um dia importantíssimo, porque é o Dia Internacional da Mulher, então eu me identifico bastante.
P/1 – E qual o nome de seus pais?
R – Meu pai é Juan Prol Porto e a minha ‘nai’, é uma pronúncia galega, a ‘mãe’ em galego é ‘nai’, então o nome da minha ‘nai’ é Francisca Gondar Domingues.
P/1 – E no que eles trabalhavam?
R – Eles eram exportadores de pescados e mariscos. Quero dizer, como falei anteriormente, a cidade O Grove é a capital do marisco na Europa e na Espanha e nós éramos compradores dos mariscos e pescados dos marinheiros e exportávamos para Madrid, Valência, Valladolid, para inúmeros locais da Espanha.
P/1 – E como você os descreveria, como eles eram?
R – Bem, na verdade, é assim, vamos lá, aí há uma história a ser contada, tá? Meu pai, quando eu já o conheci, poderia considerar-se que ele era meio inútil, ele havia sofrido um acidente na Guerra Civil Espanhola e ficou um pouco, diríamos assim, desequilibrado, não mentalmente, mas do corpo. De antes do acidente, eu tenho recordações mínimas, lances rápidos dele, tenho uns dois ou três lances rápidos. Então, eu convivi com ele já nessa situação após o acidente. E a minha mãe, eu poderia...
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Entrevistado por Bruna Oliveira e Natan Torres
São Paulo, 28/10/2021
Projeto: Porto & Cidade: BTP/Ultracargo
Realizado por Museu da Pessoa
Entrevista n.º: PCSH_HV1086
Transcrita por Selma Paiva
Revisada por Bruna Oliveira
P/1 – ‘Seu’ Antônio, queria que você começasse se apresentando, dizendo seu nome completo.
R – Meu nome é Antonio Prol Gondar, nascido no O Grove, Espanha, em um porto pesqueiro, um porto onde a maioria ou 95% dos habitantes trabalham da pesca e vivem da pesca. Eu fugi a isso porque fiquei com medo da imensidão do mar, a imensidão do mar me assustava e dessa forma eu fugi para um serviço terrestre.
P/1 – Quando o senhor nasceu? A data.
R – Oito de março de 1935, um dia importantíssimo, porque é o Dia Internacional da Mulher, então eu me identifico bastante.
P/1 – E qual o nome de seus pais?
R – Meu pai é Juan Prol Porto e a minha ‘nai’, é uma pronúncia galega, a ‘mãe’ em galego é ‘nai’, então o nome da minha ‘nai’ é Francisca Gondar Domingues.
P/1 – E no que eles trabalhavam?
R – Eles eram exportadores de pescados e mariscos. Quero dizer, como falei anteriormente, a cidade O Grove é a capital do marisco na Europa e na Espanha e nós éramos compradores dos mariscos e pescados dos marinheiros e exportávamos para Madrid, Valência, Valladolid, para inúmeros locais da Espanha.
P/1 – E como você os descreveria, como eles eram?
R – Bem, na verdade, é assim, vamos lá, aí há uma história a ser contada, tá? Meu pai, quando eu já o conheci, poderia considerar-se que ele era meio inútil, ele havia sofrido um acidente na Guerra Civil Espanhola e ficou um pouco, diríamos assim, desequilibrado, não mentalmente, mas do corpo. De antes do acidente, eu tenho recordações mínimas, lances rápidos dele, tenho uns dois ou três lances rápidos. Então, eu convivi com ele já nessa situação após o acidente. E a minha mãe, eu poderia descrevê-la como mandona, porque após o acidente do meu pai, ela assumiu a casa com seus erros e seus acertos, claro como todo ser humano, não é? Mas acredito eu que ela pecou em ter colocado meu pai na outra extremidade, ou seja, não deixou mais ele assumir, acredito que se ela não falasse: “Não, você sofreu o acidente e não tem mais condições”. Se o deixasse um pouco, ele era muito visionário nos negócios, provavelmente fosse melhor. Por minha vez, eu, com uma idade de uns doze, treze anos praticamente assumi essa parte da exportação, de importação de compra de pescados e tudo mais e passei a organizar um pouco, apesar que eu já trabalhava como ajudante de pedreiro, ajudante de pedreiro foi a minha iniciação.
P/1 – Então, o senhor ajudava o seu pai, quando era mais novo?
R – Ah, sim, ajudei sempre. Na verdade, tem uma historinha pequena aí que eu vou contar, que eu deveria ter, sei lá, uns doze, treze anos e houve uma pesca muito abundante de um peixe que aqui chama ‘carapau’ e nós lá chamamos de ‘jurel’ e ficou o preço muito baixo, muito, quase era dado e eu, em nome do meu pai, usava porque o meu pai era o nome do comprador, eu fui, lá tem o que se chama ‘lonja de contratación’, ou seja: os barcos chegam com o peixe, entregam lá e isso basta, os compradores estão ali e arrematam o navio com tudo que tem dentro, com os peixes que tem dentro, né? E eu fui lá e comprei o peixe de um navio que estava cheio desses peixes, porque estava muito barato e fui para minha mãe, falei: “Olhe, a senhora chame as mulheres, que eu comprei o peixe de um navio e vamos tratá-lo, vamos limpar e vamos salgá-lo”. Nós tínhamos “tinas”, “tinas” são meio ‘bocões’, assim, de madeira e tínhamos muito sal e eu mandei as mulheres limparem, colocarem nesses tonéis e salgá-los e guardei aquilo para o inverno. No inverno, eu vendia aquilo ricamente, nós ganhamos muito dinheiro com essa minha atitude e eu tinha provavelmente treze anos, por aí.
P/1 – E o senhor tinha irmãos?
R – Sim, nós éramos na verdade sete irmãos, nós éramos uma família numerosa, quando eu, às vezes, falo aqui para meus filhos, que a casa dos meus pais era uma casa muito grande e a porta sempre estava aberta, a cozinha era lá no fundo e tínhamos uma mesa enorme, onde estávamos normalmente almoçando de onze a treze pessoas, porque éramos sete irmãos, meu pai, minha mãe e meus avós, que eram os pais da minha mãe, que também estavam lá. Então, eu sou dos sete irmãos o mais novo, então eu tenho a minha irmã mais velha, tem uma filha que é minha sobrinha, da minha idade, somos da mesma idade, na verdade, temos uma diferença de noventa dias apenas, da minha sobrinha comigo.
P/1 – E o senhor sabe da história dos seus avós? Você chegou a conhecê-los, como que era?
R – Eu conheci, sim, vamos lá, vamos falar primeiro dos pais do meu pai: o pai do meu pai eu não cheguei a conhecê-lo, porque já havia falecido, mas era também um homem da pesca, tinha um barco de pesca e tal. A minha avó, mãe do meu pai, durou até os 102 anos, acabou ficando cega, não enxergava mais, a gente ia visitá-la sempre e tal e eu já os conheci muito idosos, né? Os pais da minha mãe, esses viviam com a gente, então eu conheci melhor o meu avô, pai da minha mãe, acredito eu que ele era, vinha de descendência de árabe judeu e ele era muito cuidadoso com todo o campo, ele cuidava do vinhedo, cortava, apesar que ele também tinha um barco de pesca, pescava e tal, lá todo mundo pesca, só que ele que cuidava muito das terras, nós tínhamos várias terras, muitas terras e a gente plantava batata, milho, feijão, aquelas coisas todas. E eu gostava do campo e eu ia com ele e ele me ensinava, eu pequenininho, sei lá, deveria ter cinco, seis anos e ele me ensinava como fazia enxerto nas plantas, como se enxertava uma planta na outra, ele era muito cuidadoso e era uma pessoa boníssima, boníssima, boníssima, o meu avô Francisco, o nome dele era Francisco Gondar Vilar. E da minha avó, mãe da minha mãe, era Manoela Domingues e Domingues e a do meu pai era Juana Porto Versada e o do meu avô, pai do meu pai, era Juan Prol Otero, eram os sobrenomes desse pessoal todo. Então, é um conjunto de nomes aí bem grande.
P/1 – “Seu’ Antônio, o senhor sabe como foi escolhido seu nome?
R – Olha, provavelmente, vamos lá, outra historinha pequena: como eu falei, acredito que os meus bisavós eram judeus, acredito eu. Por que isto? Porque os irmãos do meu avô Francisco, o nome deles eram todos Jacó, Isaac, tinham esses nomes todos. Quando houve uma lei dos reis da Espanha, em que quem não fosse católico teria que sair da Espanha ou seja, os judeus acabaram sendo expulsos da Espanha, se não se convertessem, eu acredito que os meus bisavôs se converteram para o catolicismo. A ponto do meu avô ser o filho mais novo e já se chamar Francisco e não mais Isaac, Jacó e essas coisas. Na verdade, então, o Antônio meu vem dessa conjuntura toda, dessa conjuntura dos conflitos naquele tempo, que havia entre as religiões e tudo isso, desses conflitos. Então, o meu avô era Francisco, era muito natural que o seguinte fosse Antônio, então eu era neto Antônio. Os meus irmãos homens, que somos três homens e quatro mulheres, os homens é Juan, porque era o nome do meu pai também e Francisco, que era do meu avô. Então, tinha Antônio, Juan e Francisco.
P/1 – E tinha, quando você era pequeno, alguma coisa que você gostasse de comer, que sua mãe fazia, que a sua família fazia?
R – Veja, eu era comilão, gostava de comer, diz, contava a minha mãe que eu não me satisfazia só com mamar o peito, que logo que nasci, que eu chorava, chorava e não sabiam que eu tinha, me davam de mamar e eu continuava gritando, até que me deram um prato de sopa de mingau, aí parei de chorar e fiquei todo satisfeito da vida. (risos) Então, isso quando já nasci. Agora, na verdade, viriam os pratos, assim, como somos de porto de mar, eu sempre gostei muito e continuo gostando de peixe, peixe é o meu prato preferido. Se você me der para escolher entre uma carne e um peixe, eu vou para o peixe e não vou para a carne. Agora, gosto muito é de frutas e legumes, eu adoro, frutas e legumes é algo que eu gosto muito.
P/1 – ‘Seu’ Antônio, me conta mais da casa onde o senhor morou, quando era pequeno. Como era a casa?
R – Como era a casa? A casa era muito grande, a casa dos meus pais era enorme, eram dois andares, tinha o térreo, no térreo tínhamos a sala de jantar, a cozinha, tínhamos três dormitórios no térreo, tínhamos o quintal lá no fundo, tínhamos o que chama aqui de edícula lá no fundo e no pavimento superior tínhamos uma cozinha, uma sala e tínhamos quartos, um, dois, três, quatro, uns seis dormitórios, mais ou menos. Era uma casa rica, na verdade, não é por querer aqui dizer que sou... mas era uma casa que, naquela ocasião, no O Grove, que era uma cidade pequena, de poucos habitantes, já era uma casa, vamos dizer assim, de classe média alta.
P/1 – E quando o senhor era pequeno, o senhor gostava de brincar do quê?
R – Ah, naquele tempo as brincadeiras eram mais saudáveis, acredito eu, do que as de hoje. Não tínhamos televisão, não tínhamos rádio e não tínhamos nada. Então, a gente brincava muito ou de carrinho de rolimã, ou de um aro de uma roda qualquer com um gancho, que a gente corria com aquilo, brincávamos também de pião, pião que roda, aí a gente joga com barbante e um brinquedo que aqui não tem, eu já quis até ensinar para os meus filhos, mas no fim não foi para frente, é o que nós chamamos de bilharda, bilharda o que era? É um pedaço de madeira redonda, mais ou menos de uns cinquenta a sessenta centímetros de comprimento, para pôr na mão e um outro menorzinho, de uns dez centímetros, com as pontas afiadas. A gente colocava na terra, em cima de um buraco que a gente abria, colocavámos essa bilharda, se chamava bilharda esse de dez centímetros e havia que levantá-lo com o outro pau, levantá-lo no ar e bater nele e jogá-lo longe, aí o outro rapaz tinha que correr para buscá-los e jogá-los para não fazer pontos, aquelas brincadeiras. Então, eram brinquedos que fazíamos e também fazíamos brincadeiras de fazer procissão, juntávamos as meninas todas, os rapazes todos, aí inventávamos um andor, colocávamos flores e uma santa qualquer e fazíamos essas coisas, era muito gostoso e eu era muito de contar histórias. Então, em frente a minha casa, tinha um cinema e tinha um alpendre, uma cobertura antes da entrada do cinema e de noite ficávamos ali, todas as crianças e eu era o contador de histórias, contava as histórias e todo mundo ficava rodeando em volta assim, no chão, sentado, contando as histórias, era interessante a criançada.
P/1 – E o senhor contava que história?
R – Todo tipo de história eu contava, principalmente as da ‘Mil e uma noites’. (risos) As da “Mil e uma noites” eu contava. Eu gosto muito de ler, eu leio constantemente, eu estou lendo diariamente, agora mesmo estou lendo obras do Borges, argentino; do Garcia Marquez, colombiano; do peruano Vargas Llosa, eu leio muito. Eu leio também os brasileiros, o baiano que escreveu Capitães de Areia, o Jorge Amado. E eu gosto muito de ler, gosto muito de ler.
P/1 – E me conta como era na escola, quando era pequeno.
R – Ah, eu era ruim de escola, era ruim quando era pequeno. Então, vamos lá, lá não era nota em número, era B de bom, M de mal ou R de regular. Eu cansei de tirar R, nunca passei do R, (risos) eu sempre era regular. (risos) Nunca fui mais, até que saí. E aí, o que aconteceu? Quando eu comecei, outra pequena história, a querer trabalhar em terra, porque o meu irmão acima de mim tinha cinco anos mais do que eu e ele me falou, disse: “Olha, esquece que você vai para o mar também”. Falei: “Para o mar eu não vou, mas de jeito nenhum, nem que me leve amarrado, eu não vou”. Porque eu tenho medo do mar, o mar me assusta. Aí eu comecei a pedir para começar a trabalhar de ajudante de pedreiro e meus pais não me deixavam, eu tinha que ficar no mínimo até os quatorze anos na escola, antes dos quatorze não podia sair da escola de jeito nenhum e eu chorava, chorava, chorava e até que tinha uma empregada nossa em casa, que tinha um sobrinho que era empreiteiro de obras e falou com a minha mãe, disse: “Ah, o deixa ir”. E aí me deixaram, com os doze anos, começar a trabalhar de ajudante de pedreiro ali. Então, dessa forma, só que aí aconteceu o seguinte: houve uma reviravolta na minha cabeça. Eu prometi que eu ia estudar de noite, se me deixassem ir trabalhar de dia, como ajudante de pedreiro, eu estudaria à noite. E fui estudar à noite e, ao fazer isso, eu me destaquei, tinha um professor muito bom lá de língua espanhola, de gramática e ortografia. Ele era muito bom, nós escrevíamos em espanhol corretamente, que não tínhamos uma falha. E ele, nós éramos uns dez alunos provavelmente, mais ou menos e tínhamos lá entre os dez, uns dois ou três que éramos os mais destacados e ele nos ensinou tudo, éramos os craques mesmo. E recordo que uma determinada noite lá, eu cheguei e os outros e falei: “Fulano, como é que é? O que vem depois disso? Porque o senhor já nos ensinou tudo que o senhor sabe, agora o que vem após isto?” Regra de três composta, regra de três simples, regra de descontos, de ganância, de não sei o que, todo comércio, sabíamos tudo. Aí ele nos contou, disse: “Olha, após isso vem a álgebra”. E a álgebra dele era provavelmente primária, não era um professor de faculdade e ele também não sabia muito bem, mas ele nos deu a primeira dica, qual foi? Ele falou, disse: “Olha, o princípio da álgebra é todo com letras”. E vinha um sujeito pela rua e viu um bando de pombas e gritou: “Adeus, bando das cem pombas”. E essas responderam: “Com essas, outras tantas dessas, uma quarta parte dessas e você ‘gavilán’ - que chamavam ‘gavilán’ que andava na rua - “as cem pombas serão! Quantas pombas iam lá?” Aí fomos para o quadro negro resolver o problema e resolvemos, resolvemos. E eu, chegando em casa, nós tínhamos... lá chama-se ‘faiado’, aqui se chama lá debaixo do telhado, como chama mesmo? Sótão, chama-se sótão e eu achei um livro de álgebra lá. Aí eu peguei esse livro e comecei a estudar álgebra e resolver problemas de álgebra e foi assim. E aí tem uma curiosidade aí: depois de algum tempo, em um dos invernos, eu abri uma pequena escola em casa para ensinar aos meus sobrinhos e aí vieram os amigos dos meus sobrinhos todos e acontece que, às vezes, eu chego lá no O Grove e um senhor de idade me encontra: “Olha, eu estive na tua escola”. (risos) Na minha escola. É curioso isso, é curioso, muito interessante essas historinhas curtas.
P/1 – E o senhor passou a juventude lá? A adolescência.
R – Sim, sim. Eu era um namorador nato, eu namorava demais, namorava todas as garotas, onde eu estava, estava rodeado de mulheres. (risos) Eu era terrível, era terrível. E eu gostava muito de dançar. Por que eu era terrível? Vamos lá! O meu irmão, acima de mim, tinha cinco anos mais do que eu. Então, eu tinha treze e ele tinha dezenove, ele nunca tinha tido uma namorada com dezenove e eu com treze já tinha tido duas ou três, já ia para o baile, já dançava e ele não. Então, havia uma diferença muito grande entre nós e eu gostava de festas, até hoje gosto muito de festas, depois vou falar de duas festas importantes da minha vida, mais pra frente. Então, lá, não só no O Grove, mas como em todas as pequenas cidades, se comemora muito o dia da cidade, o santo da cidade, o dia de São Benedito é o dia da cidade, desta cidade. A prefeitura chama orquestras e tal e se apresenta em praça pública, lá é tudo em praça pública, para o povo se divertir, não é necessário ir para o salão e pagar, não. É em praça pública, tudo em praça pública e, inclusive, quando vem alguns andantes fazendo comédias e tal, também se apresentam em praça pública e cada um dá alguns centavos e se paga dessa forma.
P/1 – E me conta mais do trabalho de pedreiro. Como que era?
R – Também era interessante. Eu, às vezes, digo que eu devo ser um chato, por quê? Porque eu sou meticuloso, eu me preocupo muito na produtividade, é necessário produzir para você ganhar mais: “Ai, eu quero ganhar mais”. Está bem, se você quer ganhar mais, produz mais. Se você fabrica um par de sapatos por dia, eu não consigo te pagar um bom ordenado, agora se você me fabricar dez, eu já consigo melhorar o seu salário, está certo? Então, produtividade é a coisa mais importante. Então, eu comecei a resolver alguns problemas, por exemplo: tem um andaime em uma parede lá em cima e o pedreiro está lá em cima, você é o ajudante e está aqui embaixo e o cara está lá rebocando uma parede, você subia um balde de massa, aí levava, despejava, descia e subiu outro. Eu cheguei à conclusão que aquilo era uma falha terrível, estava perdendo um terço do tempo. Então, eu falei: “Você não pode ter aqui dois baldes, você tem que ter três baldes” “Como três?” “É, três”. Então, o que acontecia primeiro? Primeiro subia o balde, o sujeito deixava a corda parada lá, levava o balde até o caixote do sujeito e já voltava, descia e subia. Eu não, eu fiz três baldes: um, quando a corda chegava lá, já tinha um balde vazio esperando, enquanto ele levava o balde lá para despejar, o outro balde já descia, já subia o outro. Então, eu ganhava um terço de tempo nisso e falando nisso, no peneirar areia, tinha que peneirar dois caras, um de lá, outro de cá fazendo, eu falei: “Isso está errado, estão dois sujeitos fazendo uma coisa que um só pode fazer”. Então, coloquei uma tela, assim, em pé e jogava areia com uma pá seca e ia caindo do lado de lá, então, um só fazia o mesmo serviço que dois faziam. Enfim, eu era todo cheio de minúcias e isso, diga-se de passagem, me ajudou o resto da vida, porque segundo os engenheiros de todas as firmas em que eu trabalhei até hoje, fala-se até hoje que, em todas as minhas obras, todas onde eu participava, o custo delas era 30% menor do que qualquer outro mestre geral de construção, do que qualquer outro engenheiro. Uma vez um diretor de uma firma me falou, disse: “Olha, Prol, eu já mandei você com o engenheiro João, com Pedro, com Manoel, José e não adianta, de onde você está o custo é sempre mais barato, não é um engenheiro que muda o custo, é você que está mudando”. Ele me confessou uma vez, isto. Eu sou minucioso, eu sou muito, muito cheio de coisas, sei lá. (risos) Enfim, querem uma historinha pequena, rápida? É assim: lá no O Grove, os rapazes vão muito para o mar, pescar e tal e nascem verrugas com o frio lá, nascem verrugas nos dedos, cheio de verrugas, ficam feios os dedos das mãos deles e tal. E a 13 quilômetros dali do O Grove tem uma paróquia que se chama São Benedito e eles faziam umas promessas a São Benedito e no dia do santo, iam lá e, quando voltavam, voltavam limpos. E aquilo me chamou a atenção, falei: “Ah, vem cá, como que foi?” Ele disse: “Olha, eu fui lá, fiz a promessa, fui lá, ouvi a missa, passei lá, passei o óleo de São Benedito e caiu”. E teve um ou dois que não caiu e eu falei: “O que aconteceu com você? Como é que foi que as verrugas dele caíram e as suas não?” “Não, eu fui lá, fiz a promessa, assisti a missa, vi tudo e aí tinha que passar o óleo de São Benedito, só que tinha uma fila enorme e eu não passei, vim embora e as verrugas não caíram”. Aí, no ano seguinte eu fui lá, falei: “Eu quero saber porquê”. Aí fiz toda a cerimônia e quando chegou a hora de ir passar o óleo, eu fiquei na fila, eu não tinha verruga nenhuma, mas fiquei na fila e fui até lá. E o que era a situação? A situação era que tinha uma panelinha assim, de cobre e, naquela época, as moedas também eram de cobre, estava cheia e tinha o azeite de oliva lá no cobre criava, tem um nome que se dá, um ácido que cria em volta, era aquilo que passavam e caía, ou seja, era o óleo. E eu fui lá descobrir, eu falei: “Ah, como se fala isto? É o milagre de São Benedito”. Disse: “É milagre, mas eu quero ver como funciona esse milagre, eu tenho que saber como funciona”. (risos) E essa é a vida, a vida é assim. (risos) Tem que procurar o sentido das coisas, tudo tem um sentido.
P/1 – ‘Seu’ Antônio, me conta como o senhor decidiu, o que aconteceu, pro senhor decidir sair de lá.
R – Bem, dois ou três motivos, vamos lá! Estávamos na época do Pós Guerra, havia terminado a Segunda Guerra Mundial, a Guerra Civil Espanhola e a Europa estava mal, estava passando por uma crise. Então, não havia trabalho suficiente, havia pouco trabalho e essas coisas. Por minha vez, eu tinha um amigo meu, íntimo amigo meu, que saíamos sempre juntos lá e andava nos bailes e ele veio embora para o Brasil em 1951.. Na verdade, a gente se chama de primo, porque tem o sobrenome de Prol também, ele é Prol Conde e eu sou Prol Gondar, somos família diferentes, mas aqui falamos que nós somos primos, como tínhamos o mesmo sobrenome. E, na ocasião, tem uma historinha aqui pequena, que não sei se vale a pena contar, que era para eu ir para Argentina e eu tinha um tio lá e tinha me chamado para ir lá. Acontece que a Argentina já estava cheia de imigrantes. Então, começaram a inventar que os espanhóis estávamos todos tuberculosos. Então, o que acontece? Eu fiz toda a papelada para ir para a Argentina, quando eu estava esperando o visto de entrada, a minha mãe recebeu uma carta do irmão dela, que era meu tio, dizendo que não permitiram a minha entrada, porque eu estava tuberculoso e eu dei risada, porque eu era forte que nem um touro. (risos) Disse: “Como é que eu estou tuberculoso?” (risos) Aí esse meu primo: “Não, vem para o Brasil, vem para o Brasil, não sei o quê”. E dessa forma eu vim para o Brasil, esse seria o motivo principal. Tem um outro motivo de servir o Exército, lá se servia o Exército dois anos. Então, eu tinha que servir o Exército, tinha que perder dois anos na Marinha, no Exército, na Aeronáutica, em qualquer uma das Forças Armadas, para ficar dois anos e eu falei: “Eu não vou ficar dois anos aí perdido, eu vou embora para o Brasil e depois eu resolvo o que faço da vida, né?” E a outra, terceira, seria a amizade com esse meu primo, que falou: “Não, vem para cá, o país é ótimo, aqui o Brasil é um país novo, tem tudo para crescer aqui, vem para o Brasil, que é muito bom”. E aí me entusiasmei e acabei vindo para o Brasil. E tem um detalhe aí importantíssimo: eu saí da Espanha sem dinheiro, porque tinha aqui esse meu primo, vários vizinhos, então não precisava trazer dinheiro. O navio que eu vinha parou no Rio de Janeiro e do Rio de Janeiro à Santos eu ganhei cem reais, cem cruzeiros, naquela época era cruzeiro e o pessoal, falava: “Como?” Então, aconteceu um caso muito curioso: no camarote que nós estávamos, eram seis pessoas em cada camarote e no Rio de Janeiro desceu um rapaz, que estava vindo da Espanha e chegou um senhor lá que entrou no Rio de Janeiro e perguntou: “Quem é que vai ver descer em Santos?” Eu falei: “Eu vou descer em Santos” porque os outros iam para Argentina, para o Chile e não sei o quê. “Ah, então você me faz um favor?” Eu fiquei já com um pé atrás. “Não, é que a minha mala está no camarote da minha esposa e a dela está aqui no meu, trocaram as malas, eu queria que me fizesse a troca das malas”. Falei: “Ah, não tem problema”. Aí eu levei a mala dele lá, trouxe a mala para cá e tal, aí ele tirou uma nota e me deu, eu falei assim: “Não, eu não quero, não, imagina” “Não, não, não. Você vai descer em Santos e isso é dinheiro do Brasil”. Aí depois que eu vi e era uma fortuna, era cem cruzeiros, era como se falássemos hoje em quase quinhentos reais ou por aí, mais ou menos. Então, eu já cheguei trabalhando, do Rio à Santos. (risos) Essa é a vida.
P/1 – E o senhor veio sozinho?
R – Sozinho. Na verdade, em Santos, tinha vários vizinhos lá do O Grove e esse meu primo, que era vizinho também, que estavam já em Santos, instalados.
P/1 – E foi por isso que o senhor escolheu Santos? Por causa do seu amigo?
R – Não, na verdade, pode-se dizer que foi Santos, pelo porto em si, por ser a beira-mar, porque eu vinha de um local de beira-mar de pescadores, Santos era um local de pescadores e de navios de cabotagem. Então, era importante ter um porto e tal. E foi curioso, porque um dos primeiros empregos que eu tive como pedreiro, foi nos silos das docas de Santos, eu ajudei a construir os silos das docas de Santos em concreto, que existem até hoje lá. Porque se importava o trigo da Argentina, vinham em navios e era estocado nesses silos. E aí vinham os vagões de trem e ficava embaixo desse silo, enchiam e levavam embora para os moinhos. E eu já ajudei a construir os silos das docas de Santos.
P/1 – E como foi a sua primeira impressão de Santos? O que o senhor achou, quando chegou?
R – Na verdade, a minha primeira impressão foi na entrada, ainda dentro do navio: eu estava arrumando a mala e o navio estava entrando aqui e olhei pela escotilha, escotilha é a janelinha e vi uma cidade plana completamente e me chamou atenção. Eu saí correndo para olhar e aí eu vi aquela ‘planitude’, naquele tempo não tinha prédios ainda, tinha um ou dois e era uma planície enorme, grande, tudo, de casas e adorei, falei: “Que coisa mais bonita, mais linda”. É aqui que eu vou ficar mesmo. Então, ou seja: gostei, me admirei logo na primeira visão.
P/1 – E como era o Porto de Santos naquela época?
R – Bem, naquela época havia bastante, diríamos assim, problemas. Vamos lá a citar alguns problemas. Alguns problemas eram ocasionados pela importação de mercadorias, que vinham em pacotes separados. Hoje temos os containers e vem tudo dentro de um container e não se rompe. Imagina você que naquela época existia um sindicato que se chamava Consertadores de Cargas. Ou seja, eles eram chamados para ir nos navios, para consertar as cargas. E por essa ocasião havia furtos de mercadorias, havia coisas. E isso era uma das coisas. Hoje o porto é outro, a cabotagem hoje é outra coisa, os containers acabaram com tudo isso. Tinha um outro problema trabalhista naquela ocasião, por que o que acontece? Após eu estar aqui alguns anos ou logo após eu chegar aqui, eu abri uma firma de construção civil, como empreiteiro de construção civil e por isso eu estou sabendo destas coisas. Eu fui contratado pela Anderson Clayton, era uma firma de exportação de café para os Estados Unidos e eles me contrataram para dentro dos armazéns das docas, para instalar banheiros, chuveiros e para trocar de roupa. Ou seja, os carregadores de café não tinham nem onde trocar de roupa, era grave a situação. E eu fui, vamos dizer assim, dos primeiros a instalar - dentro destes depósitos externos da companhia Docas de Santos, naquela ocasião, era companhia Docas de Santos - o vestiário, banheiros, chuveiros. Então, quando terminavam, ficavam todos imundos de café, aquele pó, depois e eles tinham que ir embora para casa daquele jeito. Era um absurdo, né? Então, eu fiz esses para a firma Anderson Clayton e fiz um outro depósito, que era de uma outra firma exportadora, Montenegro, Ponte Negro, eu não me recordo agora o nome, mas são histórias interessantes, essas. Agora hoje é diferente, hoje eu tenho um filho que trabalhou, está aposentado hoje, mas trabalhou a vida toda em firmas de cabotagem, trabalhou nessas firmas. Então, ele conhece muito a respeito do cais. Ele até trabalha em algum processo de aprimoramento, tem ido à Brasília, conversar com ministro, não sei o que, que estão bolando em fazer um programa para o cais, para dar uma melhora no atendimento e no despacho de documentos e tal. Ele conhece bem esse assunto.
P/1 – ‘Seu’ Antônio, e como que foi, como que o senhor, que tinha medo da imensidão do mar, entrou no navio e veio para cá? Como foi a viagem?
R – A viagem, de modo geral, é gostosa. Na verdade, um detalhezinho e outra pequenininha história aí, vai, que não tem nada a ver, mas tem a ver. Do O Grove à Vigo, porque o navio sai de Vigo, são sessenta quilômetros, só que naquele tempo sessenta quilômetros, nem havia ônibus direto. Hoje tem, vai de carro, mas naquele tempo ninguém tinha carro, era ônibus, era difícil e tal. Então, o que acontece? Eu já dormi em Vigo na véspera do meu embarque e tinha essas festas populares e eu fui nessas festas e conheci uma garota. Não conheci, vi uma garota que eu tinha visto no O Grove, falei: “E aí, o que está fazendo aqui?” “Oi, tudo bem, eu estou aqui em Vigo e tal”. E dançamos ali juntos e não sei o que e aí ela foi embora e eu fui embora e no dia seguinte, quando o navio começou a afastar-se do cais, tinha uma grade e estava o povo todo despedindo-se das pessoas, eu olho para lá e vejo a garota lá e ela: “Ei, onde vais? O que está fazendo?” (risos) Eu falei: “Estou indo para o Brasil e tal”. Não tinha nada com ela, mas era apenas uma menina, mas foi um caso curioso, porque na hora em que o navio se afasta começam a tocar músicas alegres, bonitas, para que ninguém fique triste e para alegrar o ambiente, né? Os autos falantes a todo vapor, com músicas alegres, para você não chorar, porque na verdade é uma tristeza, você está se afastando dos entes queridos. E depois, no navio, é aquela vida, são doze, ou treze dias que demoram, o navio. E tem cinema, tem jogo, no navio tem tudo, né? A gente vai fazendo as coisas.
P/1 – E quando o senhor chegou aqui, começou a trabalhar com o quê?
R – Na verdade, quando eu cheguei a Santos, esse meu primo e vizinhos meus já estavam aqui. Então, eles haviam alugado um quarto numa casa de família e tinha instalado três camas: uma para mim, uma para um vizinho, a outra para esse meu primo. Então, fomos morar na Rua Oswaldo Cruz, número 86, em Santos, foi a minha primeira morada. Rua Oswaldo Cruz, número 86, em Santos, foi a minha primeira residência em Santos, no Brasil.
P/1 – O senhor falou que o senhor trabalhava e estudava nessa época, quando chegou? Estudava?
R – Na verdade, é assim: eu cheguei em 1953 e comecei a trabalhar. Então, cheguei em agosto de 1953. Em 1954 ainda não tinha entrado na escola, mas já estudava, eu estudava datilografia e secretariado. Em 1954 eu entrei na Escolástica Rosa em Santos, a estudar desenho de plantas, desenho arquitetônico e estudava por correspondência desenho mecânico. Então, eu estudava de noite, para responder a correspondência, saía às quatro da tarde e eu ia estudar o secretariado e datilografia, porque naquele tempo estudavam datilografia, não era o seu tempo, porque você é jovem, (risos) mas naquele tempo era assim, eram aquelas máquinas Remington. Então, eu estudava e depois foi assim.
P/1 – Nessa época o senhor já trabalhava nas construções do porto ou não ainda?
R – Sim, isso veio depois. Um dos primeiros empregos foi este trabalho nos silos. O que acontece? Eu fiquei quinze anos trabalhando por conta própria, mas por conta própria não me dei muito bem, eu me dei bem, mas não muito bem, que eu fui muito bonzinho, sabe, muito bonzinho. E depois de uns quinze anos, eu fui trabalhar em firmas grandes, como mestre geral de construção civil. Foi aí que eu fui trabalhar, então, na Refinaria Presidente Bernardes, na Cosipa Siderúrgica, hoje é a Siderúrgica Nacional, no terminal de containers do lado do Guarujá, no terminal de granéis sólidos, do lado de Santos. Foi aí que eu construí vários armazéns, armazém do Cais de Santos. Hoje é impossível, passei lá e demoliram quase todos, porque estão com esse evento dos containers, estão fazendo pátios para containers e demoliram vários galpões daqueles que eu construí. O exportador de granéis sólidos, esse não, esse existe até hoje, que está lá, que é para carregar os navios da soja, hoje vem muita soja do interior e vai por esses, é um sistema de... como chama isso? Correntes. Não são correntes. Esteiras, vai por esteiras e em cima dessas esteiras vai a soja e vai cair lá nos navios. Então, eu trabalhei muito no terminal de containers do lado do Guarujá, lá existe uma caixa d'água famosa que está no ar, fui eu que construí. Aliás, devo ter fotografia, depois eu vou mandar para vocês as fotografias, vou separar e mandar, que é um trabalho muito... foi um trabalho muito... foi um dos mais famosos. Eu trabalhei em obras muito grandes, muita coisa e esta caixa d'água elevada foi concretada, feita no chão e com cabos de aço foi levantada e colocada lá em cima. Então, foi muito interessante isso e eu que fiz todo esse trabalho, é gratificante, a construção é muito gratificante, é muito gostosa. Teve, na Cosipa também teve, na aciaria, teve uma expansão da aciaria em que nós fizemos, eu fiz naquela ocasião, um bloco de concreto de 32 metros por oito, em cima deste bloco nascia dois pilares, de onde ia apoiar a panela do aço quente, que virava em cima dos... a gente lá chamava de ‘picolé’, porque pareciam uns picolés que era a gusa, o ferro gusa, que ficava lá quente e ficava aqueles picolés e depois iam para serem desarrolhados na aciaria e aquelas coisas todas. Então, eu trabalhei muito lá, nessa parte e nos galpões, aqui no lado de Santos, do cais, os galpões externos também, fiz vários, três ou quatro galpões ali embaixo, trabalhei muito lá.
P/1 – E o que o senhor sentia, quando terminava uma construção? Qual era o sentimento que o senhor tinha, quando terminava?
R – Ah, o sentimento de quando você termina é algo fantástico, é uma criação, porque você lembra as vezes que chegou no local e tinha um terreno cheio de mato, um ano depois ou um ano e meio ou seis meses ou o que for, você vê lá uma construção bonita e pronta e tal, para a utilidade, para o que ela foi feita. Então, é uma satisfação imensa, é como se você tivesse criado aquilo, é como um filho que nasce de repente, é muito gostoso, a construção é muito, muito gostosa, muito satisfatória.
P/1 – E por quanto tempo o senhor trabalhou em construções?
R – Por quanto tempo? A vida toda, a vida toda. Eu trabalhei porque, na verdade, é assim... vamos lá, vamos contar um pouquinho desta história toda: o tempo em que eu trabalhei por conta própria, que foram de quinze a dezoito anos, mais ou menos, então foi desde que eu cheguei ao Brasil, até a idade de 36 anos, aí eu tive uma inúmera gama de trabalhos, eu tive bar, eu tive loja de roupas, eu tive depósito de material de construção civil, eu era eclético, sabe? Eu fazia tudo, tudo, eu procurava ver onde havia condição de ganhar dinheiro, a verdade é essa. Você está à procura de ganhar dinheiro, tem que ganhar dinheiro, então vai procurar. Ou se dá bem ou se dá mal. Ou isso, ou aquilo. Nesse tempo, eu construí uns dois prédios ou três, meus, que vendi os apartamentos. Então, eu já tinha uma rendinha aí, porque era financiado por eu mesmo. Ou seja, naquela época, você construía, vendia e recebia 40% mais ou menos durante a construção, o restante, 60%, era dividido em dez anos pela tabela price. Era um desastre, porque aí a inflação te comia tudo. Imagina você, tem aqui uma historinha interessante, que um destes prédios que eu construí teve um dos compradores que ficou os dez anos pagando as prestações, foram dez anos correto. E eu fui presidente da Juventude Espanhola aqui em Santos, eu sou um líder da Colônia Espanhola em Santos, muito conhecido. E o que acontece? Eu estava no clube, tomando uma cerveja, um dia e vejo este sujeito entrar no clube, falei: “O que está fazendo aqui?” Cláudio era o nome dele, Cláudio Nogueira, nunca esqueci o nome dele, Cláudio Nogueira. Falou: “Tudo bem? Eu vim aqui te pagar”. Eu falei: “Me pagar, ainda me deve?” Aí ele falou: “Olha, eu te devo as cinco últimas parcelas, eu vim te pagar as últimas cinco parcelas, da compra daquele apartamento”. Aí ele me pagou as cinco parcelas e tal e eu falei: “Toma um copo de cerveja”. O valor das cinco parcelas, eu paguei duas cervejas, acredita? (risos) Imagina! Dez anos, a inflação tinha comido tudo, mas tudo bem, vamos dizer, eu ganhei algum dinheiro, claro, esse é um caso específico, podia ter me dado melhor, não me dei. Enfim, todos os negócios por conta própria você pode ter grande sucesso, como pode ter um fracasso e ir à ruína. Quantas pessoas hoje multimilionárias foram à ruína duas ou três vezes, para chegar depois nisso. É assim mesmo, faz parte da vida, faz parte do conhecimento e do aprendizado, faz parte do aprendizado. Eu deixei de responder algo que você me perguntou?
P/1 – Não, está ótimo, está muito bom. ‘Seu’ Antônio, me conta se na época da construção dos terminais teve alguma história engraçada, seja de sufoco, uma história engraçada. Teve alguma historinha que o senhor lembra, dessa época?
R – Na verdade, tem ‘N’ histórias, né? A primeira delas é nestes silos quando, logo que cheguei, quase morri, porque eu pulei e tinha uma porção de andaimes e eu pulei de um para outro e a tábua quebrou e eu me pendurei, fiquei pendurado em uma tábua de cima, para não cair, aí me acudiram lá e me pegaram, se eu caísse, me matava ali. Então, essa já é uma pequena história. Histórias, o que te diria? Tem muitas histórias bonitas, bonitas e boas. Como eu te falei, eu sou muito minucioso e muito preocupado com a produtividade. Então, vou contar uma história interessante aqui, que essa é só para você ter ideia: eu trabalhava em uma firma lá na Cosipa e ficamos sem trabalho lá, só que a firma não mandava as pessoas embora, não dispensava as pessoas, porque estava esperando um novo contrato e tal e pagava-nos lá, ficávamos lá. E o pessoal que estava construindo uns galpões aqui no cais de Santos sabiam da minha fama lá: “Puts, o Prol é o que você precisa aqui, é de um Prol, para resolver os teus problemas”. E aí me chamaram, aí eu fui falar com o engenheiro, disse: “Olha, eu quero...” “Ah, não, não dá, não vamos liberar você aqui” “Não, me libera e eu prometo o seguinte: quando sair a obra aqui, aí você me avise e aí eu volto, não tem problema. Eu vou para não ficar parado aqui, que eu não tenho paciência de ficar aqui, só enchendo o saco”. Aí fizemos esse acordo, disse: “Olha, mas então fica certo: quando sair a obra aqui, eu vou te ligar e tem que vir para cá”. Eu falei: “Tudo bem”. Muito bem. Cheguei lá, imagina você uma obra com mil e cem homens? Mil e cem homens! Aí tinha um senhor, um engenheiro alemão e tinha um outro engenheiro, na verdade mais dois engenheiros de campo e eu cheguei, me apresentaram. E eu falei: “Muito bem, me dá relação de todo mundo aqui, eu quero a relação dos mil e cem homens que tem aqui, dos encarregados, dos feitores, de todo mundo”. Comecei a fazer uma limpeza, com trinta dias eu tinha reduzido para 750, mas não é reduzido, é que não apareciam, sabe? Batiam cartões, sumiam o dia todo, ninguém sabia onde estavam. Aí eu peguei outros, porque tem que ter também um método. Então, você tem que ter, para cada treze homens, um feitor, não adianta, senão você perde o controle, não sabe onde estão. Então, todos os dias, às sete horas da manhã, queria saber: “Onde estão os seus treze homens?” “Estão aqui, estão fazendo isso, isso e isso” “E o seus?” “Estão fazendo isso, isso e isso”. Então, você tem o controle da obra inteira, né? Então, tinha também uma turma da droga lá misturada e uns caras que usavam drogas e tinham problemas. Aí eu comecei, na verdade, dispensando quem não aparecia, cruzava os cartões, como quem disse: “Olha, esse aqui não aparece” “Então, dispensa esse, acabou”. Então, dos mil e cem ficou 750 depois de 30 dias, mas não é propriamente dispensar, é que já não apareciam, estavam de araque lá. E isso me deu um nome muito grande, porque quando cheguei de volta, porque depois de noventa dias me chamaram e aí voltei para a firma anterior e a minha fama lá era: “Pô, Prol a turma lá do cais disse que você acabou com todos eles, não sei o que, a turma da fumaça, a turma do não sei o quê”. Eu tinha uma fama muito grande. Então, é assim, sabe? A vida tem que ter atitudes, atitudes e nada, nada vem por acaso. Toda vez que chega o pagamento na obra, eu também dei sempre muita atenção ao peão, se o peão me vinha reclamar: “Olha, me falta uma hora”. Eu era o primeiro que o pegava pela mão e ia lá no apontador e disse: “Olha direito aqui, vê se falta realmente uma hora e tem que pagar. Eu não aceito que não receba, tem que pagar a hora, porque não pode faltar hora nenhuma”. Assim como eu cobrava dele a produtividade, então eu falo, disse: “Olha, está vendo esse dinheiro que você está recebendo? Isso é porque você trabalhou, se você não tivesse trabalhado, você não receberia isso. Não podia. Então, para receber tem que ter o trabalho, tem que trabalhar, tem que produzir”. E é isso.
P/1 – ‘Seu’ Antônio, e como que o senhor conheceu a sua esposa?
R – Ah, isso é outro instante! (risos) Na verdade, é assim, vamos lá! Eu te falei antes, eu morei, enquanto solteiro, em casas de família, alugávamos um quarto e nós tínhamos nossa cama, mudamos para lá e depois de algum tempo comecei a morar eu e esse primo meu, os dois num quarto, com as suas camas lá e tal. E eu fui morar na Rua Campos Mello, em Santos, Rua Campos Mello, 192. E eu inclusive cheguei a ser lá presidente do Oswaldo Cruz Atlético Clube, que era a sede lá na Campos Mello e eu fui diretor por muito tempo. Bom, um belo dia eu abri - o nosso quarto era de frente para a rua - a janela e vi de frente, na casa de frente, a minha esposa abrindo a janela: “Essa moça não estava aí”. E, por sinal, a dona da casa onde eu morava era sogra da moça que morava em frente, aí eu perguntei: “Escuta, quem é aquela moça?” “Ah, é uma prima dela, é prima que veio do Rio de Janeiro, não sei o que, mas ela é de Santos, ela foi criada em Santos”. Na verdade, a minha esposa foi criada sozinha em um orfanato, o pai e a mãe... a mãe acho que tinha falecido já depois, quando ela já era criança, o pai... enfim e ela, aos dezoito anos, teve que sair do orfanato, ela foi criada na Ismênia, Ismênia de Jesus é um centro espírita que existe em Santos, famoso, é o centro espírita Ismênia de Jesus e ela foi criada lá. E aos dezoito anos, ela teve que sair e ela foi morar com uma tia, no Rio de Janeiro, aí depois de alguns meses lá essa prima que estava em Santos a chamou para vir para cá e ela foi ali. Aí eu comecei a conversar com ela e tal, a minha mulher é uma santa, é uma verdadeira pessoa, sabe? Não teve um estudo e tal, não sei o que, porém é de uma fineza, assim, fora de série, quietinha, bonitinha. Bom, aguentou a mim nesses anos todos e eu era um ‘randa’. ‘Randa’ quer dizer, a gente fala em espanhol, não sei como se fala em português, um ‘malandro’, vamos chamar assim, não sei bem se ‘malandro’ é a palavra correta ou não, mas é algo parecido. (risos) Então, aí começamos a conversar, começamos a namorar, eu tinha uma namorada na Espanha e existe também uma historinha interessante para te contar: eu mandei uma carta para esta minha namorada na Espanha, dizendo o seguinte: “Olha, eu já resolvi não sair daqui, não vou voltar para Espanha, então eu quero que você venha, nós casamos, você vem e mora aqui comigo”. E fiquei esperando essa carta e essa carta não veio. Quando eu conheci a Ivone eu falei, disse: “Olha, você fica tranquila, que eu vou cuidar de você”. Ela era muito pura, era uma pureza fora de série, a Ivone. E aí mandei uma carta para outra, disse: “Olha, eu te perguntei há quase um ano e você não me respondeu”. Aí ela me mandou uma carta dizendo que sim, que tinha respondido. Dois dias depois de receber essa carta, recebo uma outra carta, dentro dessa carta um envelope de um ano atrás. Tinha, em vez de colocar, Campos Mello, 192, ela tinha colocado Campos Mello, 92. Então, a carta veio, voltou e então chegou um ano depois, chegou a resposta daquela carta que eu esperava há um ano atrás. Mas a essa altura eu já tinha prometido casar com ela, disse: “Olha, infelizmente o destino quer que assim seja, né, o destino que quer que assim seja”. Aí eu falei para a Ivone, que também é curioso isto, porque eu falei para ela, disse: “Olha, você pode...” - fomos passear em um domingo ou um sábado no Guarujá, almoçar juntos e tal e falei para ela - “... que a partir de hoje estamos noivos” “Ah, e não precisa de aliança?” “Não precisa da aliança, o importante é a minha palavra, não é uma aliança, é a minha palavra, nós estamos noivos e pronto”. E ela encontrou um tio dela na cidade e falou: “Eu estou noiva”. E o tio: “Mas, cadê a aliança?” Aí ela falou: “Não, o meu noivo falou que não precisa, que o que vale mais é a palavra dele, do que uma aliança”. (risos) E é verdade! E estamos até hoje aí, 66 anos de casamento. Nos casamos em 1956, nos casamos em 1956, fazem 68, 66 anos, por aí.
P/1 – E o senhor tem quantos filhos e quais os nomes deles?
R – Na verdade é assim: eu com a Ivone tenho quatro, só que eu tenho cinco filhos, porque eu tenho uma filha fora do casamento que, imagina, como é minha esposa, ela morou com a gente a vida toda, até hoje mora com a gente, a outra minha filha, ela trata como se fosse uma filha, mesma coisa. O importante é uma palavra: perdoar. O perdão é algo que não tem preço. Você perdoa, eu perdoo, se perdoamos, não existe remédio, sabe? Mas você me perguntou qualquer coisa que eu...
P/1 – Os nomes dos seus filhos.
R – Ah, o nome! Então, vamos começar pelo mais velho: Antônio Carlos, Horácio, Inês, Paulo e agora a Alinah, que é a quinta.
P/1 – E como foi se tornar pai? O que a paternidade mudou na sua vida?
R – Ah, muda tudo, né? Na verdade, após eu ter casado e eu me casei, éramos nós sozinhos, imagina! Eu era sozinho, porque não tinha família nenhuma aqui e ela era sozinha. Então, resolvemos nos casar, para criar uma família. Após nos casarmos, na verdade, já na minha cabeça estava que eu queria ter um filho, que eu queria saber como é, o que eu produzia na vida. (risos) Aí nasceu o Antônio Carlos e, na verdade, o Antônio Carlos veio mudar completamente a nossa vida, por quê? Porque a Ivone, a minha esposa, me acompanhava para todo lado, para todo canto. No momento que nasceu Antônio Carlos, nunca mais quis ir comigo para canto nenhum, se dedicou aos filhos e acabou e eu falei: “Ivone, vamos?” Ela nunca gostou de festas, nunca gostou de bailes, eu já adorava bailes e eu sempre a convidava: “Vamos comigo”. Depois que nasceu o filho, aí então, disse: “Olha, Antônio, vai você”. Ela sempre me mandou: “Vai você, se diverte, mas eu fico aqui com os meus filhos”. Ela se preocupou a cuidar do Antônio Carlos, depois o Horácio, Inês, o Paulo, a preocupação dela foi e será os filhos para sempre. Hoje acredito que a preocupação dela sou eu, porque ela quer que eu esteja ao lado dela 24 horas por dia, falei para ela ficar em casa hoje, que eu vinha aqui, ela falou: “Não, eu vou contigo”. Ela quer ficar ao meu lado o tempo todo, mas ela é muito... como se diz? Nobre, a palavra correta é nobreza, ela é muito nobre.
P/1 – E o senhor tem netos?
R – Então, eu tenho nove netos e onze bisnetos, eu tenho onze, ou seja: cinco filhos, nove netos e onze bisnetos, é uma fartura. Nos nossos Natais a casa enche, porque vem todo mundo. Então, fica umas quarenta pessoas, normalmente. Agora eu vou te contar uma história dos meus aniversários: quando eu fiz oitenta anos, eu fiz o meu aniversário lá no O Grove, onde eu nasci e eu chamei os meus sobrinhos todos e tal e fizemos uma festa, um jantar, para comemorar meus oitenta anos. Só tinha ido lá, nos oitenta anos, dois filhos meus, a Inês e Horácio e eu e a esposa, claro e os sobrinhos todos, a família toda de lá, gostaram demais e aí aqui resolvemos fazer uma vaquinha, para quando eu fizesse 85, ir todo mundo para lá, celebrar lá e foi assim. O ano passado, em 2020, eu fui fazer 85 anos lá no O Grove. Foi uma festa, assim, que ficou na história, ficou na história porque tinha conjunto de gaitas galegas, tinha uma pequena orquestrinha tocando, baile, janta, foram 36 pessoas do Brasil, entre amigos, família e uma porção de gente que me conhece, para lá. 36 pessoas do Brasil e mais umas oitenta lá, tinham umas cem pessoas, mais ou menos, no aniversário de 85 anos, mas foi muito bonito, muito bonito. Aliás, deve ter alguma coisa, deve ter algum disquete disso. Foi muito bonito.
P/1 – Eu quero ver, depois. ‘Seu’ Antônio, e hoje, para o senhor, quais são as coisas mais importantes da sua vida?
R – Veja, não é hoje, para mim a mais importante da vida inteira sempre foi a família. A família, para mim, é algo muito... eu não sei se falei, eu posso falar, porque quem me conhece não é segredo: eu fui muito mulherengo. Então, diríamos assim, eu nunca tive um relacionamento fora do casamento que eu não colocasse primeiro essa cláusula, pétrea: “Eu sou casado, em primeiro lugar está a minha esposa e meus filhos, você quer ir comigo? Tudo bem, só que em primeiro lugar é isto aqui, há uma cláusula pétrea”. Então, para mim continua sendo a família, foi a vida inteira a família, para mim é família. Não tem preço.
P/1 – ‘’Seu’ Antônio, e o que Santos significa, na sua história?
R – Veja, Santos, na minha história, diríamos que significa tudo, né? Porque eu vim para cá aos dezoito anos de idade, praticamente ainda criança que chamam, nós não, que já somos jovens com dezoito anos, quando saímos da Europa, saímos para o mundo e tal. Eu tenho um irmão que trabalhou a vida toda em navios de cabotagem, passou várias vezes por Santos, por aqui. E o outro irmão que já faleceu, era capitão de alto mar, de barcos de pesca, não era de cabotagem, era de barcos de pesca. Então, todos estão ligados ao mar, menos eu, que eu fugi do mar, como te falei antes, e o que acontece? Santos, na verdade, é uma cidade muito bonita, muito e representa tudo, foi aqui que criei a família, foi aqui que conheci a minha mulher, que se tornou para mim a mulher da vida inteira. E é fantástico isto, é fantástico. Ah, é claro que eu amo O Grove, O Grove é a cidade onde eu nasci. Hoje os meus filhos adoram O Grove, tanto assim que alguns deles vão quase todo ano lá, alguns vão todo ano. É que são, também, muito bem recebidos porque, como eu te falei, eu sou o filho mais novo de sete irmãos e fui o único que saiu de lá, está todo mundo lá, ninguém saiu de lá, só eu, eu sou o único. Então, quando eu chego lá, eu sou como o filho perdido, né, eles: “Ah, chegou o nosso irmão!” Me abraçam, me beijam: “Ah, que chegou o Antônio!” Então, todo mundo é muito bem recebido, muito bem tratado, então eu adoro. E inclusive os meus amigos, alguns amigos, eu tenho um último amigo lá, deixei de falar dele, o Isolino, é um amigo de infância, de quando tínhamos doze, treze anos. Então, nós nos comunicamos a vida inteira, antes de ter um celular, era por carta, todo Natal, não havia Natal que eu não mandasse cartão, ele mandasse cartão. Hoje já nos comunicamos pelo celular e tal, mas somos muito amigos, ele é o meu procurador lá, quando eu precisei vender algumas coisas que eu tinha lá, ele que cuidou disso tudo, o Isolino.
P/1 – ‘Seu’ Antônio, a gente já está chegando no fim, é a última pergunta que eu vou fazer. Na verdade, são duas em uma. A primeira é se o senhor queria contar alguma coisa que eu não perguntei. E o que o senhor achou de ter dado essa entrevista e contado a sua história, hoje?
P/1 – Veja, eu acho importante, porque o conhecimento que a gente tem, quando chega na idade que eu estou, realmente tem que ser passado para frente, eu acho isso muito importante. Eu não sei se te falei já, antes, que eu já dei uma entrevista parecida com esta, para o Museu da Imigração Espanhola em Santos. Não sei se foi à frente, porque o rapaz que estava fazendo as entrevistas me deixou antever ou eu entendi assim, que ele estava montando para vendê-la para o instituto lá, para oferecê-la, me deu essa sensação, posso estar equivocado, não sei, mas me deu essa sensação, que ele estava montando umas entrevistas importantes da colônia em Santos, para ele chegar no Instituto de Imigração na Galícia e dizer: “Olha, eu tenho essas entrevistas, vocês ficam com elas e me ressarcem”. Acredito isso, não sei. Então, eu fiz também uma entrevista e a pessoa que me entrevistou, esse rapaz, também ficou muito maravilhado com tudo o que eu falei, porque falei algumas coisas que eu não falei aqui, porque também ele perguntou. Uma delas que de repente interessa a você, ele me perguntou o que eu mais lembrava da minha infância, você também me perguntou, diga-se de passagem, também me perguntou, só que as respostas foram diferentes. Naquela ocasião eu falei para ele que o que mais me recordava da minha infância, eram as mulheres lá no O Grove, todas de luto, todas vestidas de negro, uma tristeza tremenda, tudo mundo, jovens, velhas, senhoras, por quê? Porque no O Grove as barcas eram pequenas e todo ano morria alguém, ou um irmão, ou um pai, ou um tio, ou um avô, uma avó. Então, todo mundo andava de negro e aquilo me entristecia muito. E eu acredito que a minha reserva com o mar vem desse trauma de infância. Eu tenho muito medo, mesmo porque eu vi, crianças, amigos meus pequenininhos, morreram no mar. Então, eu acho que isso me deixou um pouco chocado e me deixou... e vale a pena, inclusive, citar isso aqui na sua entrevista também, porque é forte. É isso.
P/1 – ‘Seu’ Antônio, eu queria agradecer muito, muito, muito, eu fiquei muito contente de ter ouvido a história.
[Fim da Entrevista]
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