Entrevista de Janaina Assis Cardoso
Entrevistada por Luiza Gallo
São Paulo, 05/03/2022
Projeto: Aquilo que me move: Mobilidade e Diversidade - Arteris
Entrevista número: PCSH_HV1160_Parte 1 e 2
Realizado por: Museu da Pessoa
Revisado por Luiza Gallo
P/1 - Para começar eu gostaria que você se apresentasse, dizendo seu nome completo, data e local de nascimento?
R - Janaina Assis Cardoso, idade 34 anos, data de nascimento 27/06/1987. Eu sou de Gravataí, Rio Grande do Sul.
P/1 - E quais o nome dos seus pais?
R - Delmar José Cardoso e Ana Janete de Assis.
E o que eles fazem ou faziam?
R - O meu pai é carreteiro também e a minha mãe é costureira. Foi a minha primeira profissão.
P/1 - E como você descreveria eles, o jeito deles?
R - Uau! Vou falar individualmente. Meus pais são separados também, hoje. O meu pai… vai ter choro gente. O meu pai é um guerreirão, eu tenho um baita orgulho dele, hoje estou aqui na profissão, exercendo do lado dele, como colega de profissão. Eu não sei como te descrever, ele é um baita homem para mim. Tem caráter, é uma pessoa correta, de índole, tem um coração gigantesco, ele é meio durão, meio travadão, eu puxei ele nisso, mas ele é uma pessoa maravilhosa. Teimoso! Mas é maravilhoso, não tenho o que falar. Ele é o meu herói, com certeza, eu falo de boca cheia. Amo demais o meu pai. E a minha mãe também, minha mãe nossa, ela é uma guerreira, tá sempre com um sorriso no rosto, ele é batalhadora. O lado que eu puxei ela é esse lado de não ter medo de encarar as coisas, vai lá e faz. E eu tenho muito orgulho dela também, demais, demais. E eu sou parecida com ela.
P/1 - E qual é a história deles, onde eles nasceram?
R - O meu pai nasceu em Canoas, Rio Grande do Sul. Ele foi criado a maior parte mais no interior, lá perto da divisa de Santa Catarina. Meu avô também era carreteiro, era motorista. E a minha vó, mãe dele, é costureira também. As minhas duas avós são, na verdade. Aí...
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Entrevistada por Luiza Gallo
São Paulo, 05/03/2022
Projeto: Aquilo que me move: Mobilidade e Diversidade - Arteris
Entrevista número: PCSH_HV1160_Parte 1 e 2
Realizado por: Museu da Pessoa
Revisado por Luiza Gallo
P/1 - Para começar eu gostaria que você se apresentasse, dizendo seu nome completo, data e local de nascimento?
R - Janaina Assis Cardoso, idade 34 anos, data de nascimento 27/06/1987. Eu sou de Gravataí, Rio Grande do Sul.
P/1 - E quais o nome dos seus pais?
R - Delmar José Cardoso e Ana Janete de Assis.
E o que eles fazem ou faziam?
R - O meu pai é carreteiro também e a minha mãe é costureira. Foi a minha primeira profissão.
P/1 - E como você descreveria eles, o jeito deles?
R - Uau! Vou falar individualmente. Meus pais são separados também, hoje. O meu pai… vai ter choro gente. O meu pai é um guerreirão, eu tenho um baita orgulho dele, hoje estou aqui na profissão, exercendo do lado dele, como colega de profissão. Eu não sei como te descrever, ele é um baita homem para mim. Tem caráter, é uma pessoa correta, de índole, tem um coração gigantesco, ele é meio durão, meio travadão, eu puxei ele nisso, mas ele é uma pessoa maravilhosa. Teimoso! Mas é maravilhoso, não tenho o que falar. Ele é o meu herói, com certeza, eu falo de boca cheia. Amo demais o meu pai. E a minha mãe também, minha mãe nossa, ela é uma guerreira, tá sempre com um sorriso no rosto, ele é batalhadora. O lado que eu puxei ela é esse lado de não ter medo de encarar as coisas, vai lá e faz. E eu tenho muito orgulho dela também, demais, demais. E eu sou parecida com ela.
P/1 - E qual é a história deles, onde eles nasceram?
R - O meu pai nasceu em Canoas, Rio Grande do Sul. Ele foi criado a maior parte mais no interior, lá perto da divisa de Santa Catarina. Meu avô também era carreteiro, era motorista. E a minha vó, mãe dele, é costureira também. As minhas duas avós são, na verdade. Aí eles vieram mais para a capital. O meu avô vendeu o caminhão, quando os filhos… são três filhos homens, o meu pai é o do meio e uma filha mulher. Quando eles começaram a crescer, começaram a mostrar interesse no caminhão, meu avô vendeu o caminhão que ele tinha, era sociedade, se eu não me engano, com o irmão dele, para os filhos não serem motoristas (risos). E não adiantou nada, porque os três filhos homens são motoristas. Meu pai foi criado assim, com dezenove anos ele já foi para a estrada, hoje ele trabalha na área ainda, ele é bem enxutão, meu pai é bem ativo, ele está com 58, 57. O que mais eu vou falar dele? Tá aí na rodagem, gosta muito de internet, está sempre conectado, com certeza ele vai assistir esse vídeo, ele assisti tudo que eu faço. E a minha mãe, eu tenho pouco menos convívio com a família dela, eles moraram primeiro no interior do Rio Grande do Sul, Frederico Westphalen, se eu não me engano, e depois foram para Gravataí. Os meus avôs se separaram há muito tempo também, ela era nova. Ela conheceu o meu pai com dezenoito anos, daí eles ficaram juntos, em seguida veio eu. As minhas duas avós são vivas, graças a Deus, são costureiras e a minha mãe segue a profissão da mãe dela. A minha mãe, hoje, é uma baita profissional também, ela tem as máquinas dela em casa, ela se vira, é impressionante, incrível.
P/1 - E você tem irmãos?
R - Sim! O meu irmão tem 32 anos. Eu sou a mais velha e tenho uma irmã de treze anos, que é de outro casamento.
P/1 - E como é sua relação com eles?
R - É boa nossa relação, tem pouco convívio, porque agora além da minha mãe está morando um pouco mais longe, pra eu ter o convívio com a minha irmã, foi morar na praia hoje em dia, realizou o sonho dela também. Minha mãe adora o mar, é a paixão, é incrível. “To indo na praia”, tá frio, ela não sai do mar, ela ama. E a minha irmãzinha, tenho muito amor nela, até brincava quando ela era pequena, que eu poderia ser mãe dela, porque quando ela nasceu eu tinha 21 anos e a gente tem uma proximidade bem boa. Estou até tentando bolar umas coisa para ela agora, ela é muito inteligente, estuda pra caramba, ela lê muitos livros, ela é muito, muito, muito, inteligente. E eu quero envolver ela para me ajudar em algumas coisas nas redes sociais, para ela trabalhar, ocupar, bem bacana. E o meu irmão, também é motorista, eu tenho duas sobrinhas, ele trouxe presente para nós na vida, uma delas é minha cara inclusive, a mais nova. E o meu irmão é um cara guerreirão, um cara bonitão, também motorista, batalhador, mas precisa dar uma melhorada, uma evoluída, vamos dizer, mas é um cara que tem um coração gigante também.
P/1 - E tem alguma história que você se lembra com os seus avós, hoje em dia ou de infância, algum momento que vocês passavam juntos que era muito marcante para você?
R - O meu avô, meu falecido avô, que era motorista, o vô, sempre que ele ia nos irmãos ele me levava junto, quando eu era pequena. Eu tinha onze anos quando ele faleceu, mas eu tenho essa recordação boa dele, quando ele ia visitar os irmãos em Canoas eu ia junto, esse convívio. A bisa também, a bisa e o biso. Com a minha vó, eu convivi bastante com ela, a mãe do meu pai, convivi bastante, a gente tem várias histórias, tenho um carinho gigantesco, tipo assim, umas coisas mais delicadas de falar, mas vou falar, porque todo mundo tem suas histórias, suas missões de vida, então os meus pais separaram, tiveram alguma separações, então teve várias turbulências na família, vamos dizer assim, coisa normal que todo mundo tem. Então com o tempo eu aprendi a valorizar muito mais, aproveitar muito mais deles. Entender o lugar de cada um da minha vida e como conviver melhor. Então, hoje a minha vó… eu tenho um pai que é o orgulho dela, ela tem 78 anos, e é a guerreirona, ativa, cara, ela não para. Eu puxei o lado dela acelerado, eu puxei a ela, tenho muito orgulho de falar dela. A minha vó mexe no WhatsApp, a minha vó tem Facebook e Instagram. Instagram menos que ela usa, mas ela tem WhatsApp, ela escreve, ela manda vídeo, figurinha, super ativa, com 78 anos, eu fico impressionada. Da parte da minha mãe, meu avô também já é falecido, porém minha mãe teve um padrasto, que é como um avô pra mim também, também já faleceu, infelizmente já foi já, mas tenho boas lembranças dos dois, foram presente na medida do possível, tenho um carinho gigantesco pela parte que eles fizeram na minha vida, foi importante. E a minha vó, mora com a minha mãe, ela fez oitenta anos, agora em janeiro, a minha vó, cara, ela é uma figura, se ela pudesse falar aqui agora, vocês iam estar rindo, ela fala cada coisa, báh, ela anima o lugar que ela está, é bem para frente também, sempre. Hoje ela está mais debilitada, problema de saúde, ela teve um AVC ano passado, mas vó é vó, não adianta.
P/1 - E Jana, na sua infância, quais eram os principais costumes da sua família, pensando em comidas, em cheiros de infância, datas comemorativas, tem algum?
R - Tem! Eu me lembro de comida sim, a mãe da minha mãe, a vó Zeniria, cheiro de fogão a lenha, ela morava numa chácara uma época, quando eu sinto aquele cheiro eu lembro dela, isso é uma coisa que com certeza eu sinto falta e vou sentir futuramente, porque a vó já não cozinha mais, então… Mas é uma coisa que está bem guardada, assim, em relação a isso. E da infância… você pode fazer a pergunta de novo?
P/1 - Claro! É só se tem algum costume familiar, se vocês tinham hábitos de fazer festa, comemorações?
R - Não! Na verdade, muito pouco, o pai sempre viajou bastante, o que tenho de mais recordação, em família, os quatro, é quando a gente viajava com ele. Eu não sei como ele aguentava a família inteira dentro do caminhão, sinceramente. Porque eu sozinha, as vezes eu carrego alguém junto, eu já sinto… imagina duas crianças e a esposa, nossa! Então é essa recordação que eu tenho, das viagens, que ia para o nordeste, ia para longe, ficava… Quando eu tinha oito anos a gente ficou dois meses praticamente de férias, viajando no caminhão, foi bem bacana. Essa recordação que eu tenho. A gente saia muito pouco, não tinha muita social, a gente era bem humilde também, as coisas eram mais difíceis.
P/1 - E você sabe a história do seu nascimento, ou como escolheram o seu nome?
R - O meu nome, seu eu não me engano, a minha tia tinha uma amiga com esse nome e minha mãe gostou do nome Janaina, que eu me lembro foi isso. O meu nascimento, eu sei que a minha mãe fez cesárea. Eu era muito feia, todo mundo falava que eu era horrorosa. A mãe da minha mãe, quando chegou lá, ficou com pena quando viu aquele bebê de tão feio que era. O meu avô, pai do meu pai, foi lá e comprou uns brincos, colocaram em mim no hospital. É isso que eles contam, eu era careca. Eu não acho tanto, porque eu tenho uma fotinho 3/4, não acho tudo isso, mas eles viram ali pessoalmente, a criatura.
P/1 - E da sua casa de infância, a rua, o bairro, você tem recordações?
R - Sim! A que mais marcou foi ali onde a minha mãe mora, onde minha mãe tem a casa dela, onde meu pai mora ainda hoje. Porque assim, eles se conheceram morando um na frente do outro, exatamente, por isso que marcou mais. Então as duas avós tem a casa ali, porém, a mãe foi para a praia, a vó também, daí as casas ficaram alugadas. Então meu pai mora ali ainda, com a mãe dele. Foi aquela rua que marcou muito, tem bastante história ali bem bacana. Até hoje eu frequento lá, bem bacana.
P/1 - E como era a sua casa?
R - Era a casa da minha vó materna, até primeiro a gente morou na casa da outra vó, nos fundos, depois a gente foi para aquela ali, quando ela se mudou para a chácara. A casa era uma casa de madeira, uma casa simples, tinha uma área grande, que a gente brincava ali, nos fundos também. Eu fiz uma arte nos fundo, no pátio. Um dia começou a chover, minha mãe estava lavando roupa lá no fundão, tinha uma peça assim, meio aberta e eu tinha ganhado uma sombrinha, eu estava andando de bicicleta naquele momento, naquele pátio, tinha sete, oito anos, por aí, eu estava de bicicleta andando no pátio, aí a mãe pediu para eu recolher a roupa que estava estendida. Aí peguei a minha sombrinha nova, para usar ela com a bicicleta e as roupas, aí eu caí, a bicicleta caiu em cima de mim e eu tenho dois pontos no supercílio, aqui em cima, graças a Deus não atingiu o meu olho. Nessa casa aí, mas eu não era arteira (risos). Eu era bem de boa, ao contrário do meu irmão.
P/1 - Quais eram as brincadeira favoritas nessa época?
R - A gente brincava de pegar… Eu e o meu irmão, a gente se pegava muito também, tinha bastante atrito, ele era o caçula, e eu sempre mandona. Brincava muito de pagar… Na viagem, o caminhão é muito presente na minha vida, até hoje. Quando a gente viajava, a gente escolhia as cores, tudo que for de veículo vermelho e azul era meu e branco era dele. Aí tipo, passava um caminhão lindo, não sei o que, aí quando era um caminhão feio, olha lá… Sabe? Eram umas coisas engraçadas, que eu me lembro. E aquelas artes de irmão, a gente tinha as artes de irmão, não dá nem para falar, que era cada coisa. Mas bem interessante.
P/1 - E Jana, qual foi a viagem mais marcante que vocês fizeram todos juntos?
R - Eu acho que foi a de dois meses mesmo pro Nordeste, a gente ficou uns dias na casa de uns amigos do meu pai, ali na Bahia, Juazeiro, tenho um pouco de contato com eles hoje ainda, por rede social. Acho que foi ali que marcou bastante, foram uns dias bem diferentes, e dois meses na estrada. Tem umas histórias também aí que não dá nem para falar, que até hoje eles “sarriam” de mim, uma história que aconteceu comigo, mas até hoje, minha mãe e meu irmão são muito “sarriados”, tirando o sarro, foi naquela viagem lá. Eu tive que usar… ______ do caminhão, você usa penico (risos). Eu tinha oito anos, daí aconteceu uma história ali, que até hoje tiram o sarro de mim, e foi nessa viagem, então teve muita coisa que marcou. Com certeza acho que foi aquela ali.
P/1 - E como era a dinâmica, vocês dormiam no caminhão?
R - Sim! Esse meu caminhão aqui, tem esse banco, do carona, mas a maioria, naquela época lá, era tirado o banco do carona e a cama vinha até mais aqui na frente, se chama cama gaúcha, é tipo uma cama de casal mesmo. Meu irmão, naquela época, tinha uns seis anos, ou ele dormia na rede, que pode colocar uma rede também aqui, que é rede de caminhão, que ela é um pouco menor. Ele dormia na rede e eu sempre dormia no chão, por ser maior. E o pai e a mãe na cama, no caso. Esse caminhão que eu trabalho hoje, ele tem beliche, não sei se vai dar para ver aqui, tá vendo aquela ali? Aqui ele tem um beliche, porque a gente faz Mercosul também, para outro país, aí.. Ao meu entender, eu nunca perguntei para alguém, mas eu acho que para se precisar trazer um colega, como vai estar em outro país, aí tem um cama reserva, eu acho que é por causa disso. Mas era assim que a gente dormia, amontoado (risos).
P/1 - E quando você era pequena, você pensava o que queria ser quando crescesse, com o que você gostaria de trabalhar?
R - Eu me lembro um pouco assim, de ser professora, sei lá, alguma coisa assim, não tinha uma coisa bem… Agora você me lembrou uma coisa, nessa época aí, meus seis, até os oito, nove anos, como meu pai é muito alto, a minha mãe achou que eu ia ser… eu tenho 1,71m hoje, mas a mãe achou que eu fosse ser mais alta e ela investiu em desfile de moda. E daí na minha cidade tinha um estúdio, não sei como se chama, naquela época, e ela me colocou lá, então eu ia desfilar as vezes. Naquela época, daquele tamanho, e contrariada. Mas eu to falando assim… eu ficava com vergonha, eu acho, eu sempre fui mais “corpodona”, sabe? Grandona, daí eu achava que eu não combinava muito, sei lá o que eu pensava exatamente. Mas marcou muito, teve uma época, que teve um desfile, deram tipo um questionário, perguntando qual era o meu hobby, qual era o meu sonho.. Nós tínhamos a fita cassete, cara, eu perdi! “Janaina gosta de não sei o que, sonho em morar sozinha”. Oito anos… (risos). E eu realizei com dezoito, com dezoito anos eu fui morar sozinha, segui no script ali, aconteceu.
P/1 - E qual é a sua primeira lembrança da escola?
R - Da escola? Só de arte, de peripécias. Faz tempo que eu não pensava nessas coisas. O pré, eu me lembro bem da professora, ela era bem boazinha, era Ione o nome dela. Eu me lembro que teve um dia que a minha mãe veio trazendo… eu vi ela pela janela, me levando material, alguma coisa nova, tinha comprado para mim, material escolar, e daí… Deixa eu ver, pra eu não confundir as histórias… Esse dia eu fiquei bem feliz… essa aí foi uma história. Mas a história que eu lembrei mesmo, um dia eu estava fazendo uma atividade lá e eu comi cola, guria, comi cola, não sei porque. Cola tenaz no caso. Sempre misturo as histórias, não sei se é porque é bem próxima, talvez no mesmo dia que ela passou, que foi uma coisa que eu fiquei muito feliz. Por que eu fui comer cola?
P/1 - E amizade, você lembra de alguém importante, algum colega?
R - Nossa! Como a gente morou na minha vó e depois morou de aluguel, então eu não fiquei num lugar fixo, a minha vida inteira, na verdade, foi de mudanças, até hoje. Então não tive assim, uma pessoa específica que eu tivesse uma convivência, eu tenho muitas pessoas, amizades, que eu levo comigo. Algumas hoje eu não tenho mais convivência, a maioria, mas eu tenho um carinho enorme, igual.
P/1 - E Fundamental II, Ensino Médio, você continuou nessa mesma escola, ou já estava em outra?
R - Então, eu parei de estudar na oitava série, eu repeti… Eu fiz tudo certinho, até a oitava série. A oitava série eu repeti o ano, aí dali para frente eu já comecei a trabalhar, começou a desandar. Eu não conseguia mais conciliar, fui tentar estudar de noite, ficou bem conturbado, aí eu parei de estudar. Aí eu dei prioridade ao trabalho, eu era costureira com a minha mãe, foi uma época meio conturbada. Aí depois eu tive um relacionamento, que eu morei junto, durante três anos, e quando eu terminei esse relacionamento eu voltei a estudar, para terminar pelo menos. Aí eu terminei a minha oitava série, fiz supletivo. E no Ensino Médio, eu não tenho ele, de escola, eu fiz aquelas provas do ENEM e conclui ele alí, pelo ENEM. Então eu sempre falo, não tem um dia de Ensino Médio, eu nunca frequentei o Ensino Médio, matriculada na escola. Acho que eu tinha uns vinte anos, não, tinha mais, depois que eu concluí a minha tia, irmão do meu pai, que ela é dez anos mais velha que eu, mas ela é super jovem, tem uma amizade boa, um dia ela falou assim: “Por que você não faz uma faculdade?” Eu disse: “Mas eu não tenho nem o Ensino Médio”. Ficava pensando assim. Ela me abriu aquilo ali, aquele dia, e a partir daquilo ali, eu continuei fazendo aquelas provas do ENEM e consegui uma bolsa de faculdade. E no dia que eu consegui a bolsa, foi impressionante, porque tipo assim, eu acho que eu passei bastante coisa na minha infância lá, eu to falando, você está percebendo até. Um pouco difícil em muitos momentos, fui independente muito cedo. Meus pais eram muito novos, minha mãe tinha dezenove, meu pai tinha 24, hoje eu consigo entender eles me colocando no lugar, porque eu não tenho filhos, eu tenho 34 anos, tipo, 34 no meu caso, minha mãe já teria uma filha de quinze anos, entende? Eu comparo assim, tem que compreender eles, como foi difícil, bem diferente de hoje, que tem tanta informação. A minha infância foi um pouco difícil sim, e eu sempre tomei conta de muita coisa, como eu vou te explicar, sempre peguei muita coisa para mim. E eu cresci muito rápido, evolui muito rápido. Só que ao mesmo tempo eu não me sentia capaz de muita coisa. Devido a questão da escola, eu pensava que eu não ia conseguir. “Eu nunca vou fazer uma faculdade, quem sou eu para fazer uma faculdade?” Depois com o tempo eu percebi que eu mesma me sabotava, não tinha aquela visão de que a gente pode tudo. Hoje eu já aprendi, e aqui no caminhão foi uma delas. Então no dia que eu consegui aquela bolsa na faculdade, foi uma coisa assim, que nossa, eu chorava, “consegui uma bolsa com uma nota pequena”. E aquilo ali foi abrindo a minha mente, que a gente é capaz de ir atrás. Foi bem bacana, marcou muito na minha vida, aquele dia lá, bem legal!
P/1 - Com quantos anos você começou a trabalhar?
R - A trabalhar com a minha mãe, em casa, com treze anos. Mas eu aprendi a costurar com onze anos. A minha mãe fazia em casa aquelas almofadas que tinha uma cara de bicho, então ela fechava o quadrado. Daí ela me ensinou, era uma máquina simples, era uma máquina Overloque, aí ela me ensinou ali, com onze anos, e com treze eu já comecei a trabalhar com ela. Aí foi e engrenou.
P/1 - E como foi esse período de começar a trabalhar, para você?
R - Foi difícil! Com treze anos você não pode trabalhar, com treze anos tu… E eu chorava, não queria ser costureira, até hoje minha mãe brinca comigo: “Viu, tu não queria”. Porque hoje eu chego lá, eu vou lá eu coloco os _______ na máquina dela. Hoje eu tenho orgulho de saber. Eu chego lá, quero arrumar, ou peço para ela fazer também, é claro. Mas eu sei mexer em qualquer uma daquelas que ela tem. Lá no início eu chorava, não queria, mas ajudava, trabalhei junto com ela.
P/1 - E já maior, sair de casa, como foi esse período?
R - Então, essa minha história de sair de casa com dezoito anos. Eu fui… meu pai teve um relacionamento, lá na fronteira, e eu gostei muito da cidade, em Gravataí eu não me sentia em casa, não tinha uma coisa assim. E lá eu gostei muito do povo, me chamou muito a atenção o lugar. E daí eu passei um período com o meu pai lá, e daí eu quis voltar. Fui embora, fiquei mal, fiquei com uma depressão, daí eu quis voltar para lá. Só que eu voltei decidida que eu ia trabalhar lá, como costureira, porque costureira… hoje em dia em qualquer lugar que tu vai, precisa, mão de obra hoje no Brasil tá bem escassa. Daí eu, naquela época, consegui um emprego de costureira. E olha como são as coisas, cara, Deus trabalha. Eu decidi que ia morar sozinha, eu decidi, mas nem sabia como ia fazer direito… Minha mãe estava longe, minha mãe me ajuda muito, sempre ajudou a gente. Pensei: “Bom, vamos ver o que vai acontecer”. Daí o meu serviço, eu tinha duas horas de intervalo, e era bem no centro da cidade. Eles não davam almoço, e eles não davam nem o vale para ti ir para casa. Aí o que eu comecei a fazer, eu comecei a caminhar naquele período, naquelas duas horas, procurando uma kitnet pra mim morar. Com dezoito anos, cara. E eu achei! Eu caminhei muito lá em Uruguaiana, o nome da cidade. Caminhei muito, muito lá, nossa senhora, eu ia longe, às vezes, que eu tinha aquele tempo. E eu achei praticamente do lado do meu serviço. E daí era numa kitinetizinha, pequeninha, mas bem arrumadinha. Aí a minha ex madrasta me deu umas coisas, me ajudou um pouco ali, mas não tenho boas recordações dela. E daí, ali eu arrumei aquele emprego de costureira e comecei a estudar. Eu tinha dezoito na época, mas acabei largando também, mas eu tentei ainda conciliar. No dia que eu fui mudar mesmo, não levei quase nada, só levei uma cama, que foi a que ela me deu, fogão dela, pia, um armário lá, e era isso. Naquela hora: “Nossa, morar sozinha”. Daí eu tinha arrumado um namorado, que foi o relacionamento que a gente morou três anos juntos, daí ele veio morar comigo, porque ele morava no interior.
P/1 - E esse relacionamento Jana, como foi pra você?
R - Foi bem bacana, ele era bem bom pra mim também, ele tinha vinte anos. Eu tinha dezoito e ele tinha vinte. Mas ele era, sem ofender, mas acho que a mulher amadurece mais rápido e eu amadureci muito cedo. Então tinha coisa assim, que eu tinha mais ambição, de conforto para a gente, e ele era mais molecão, umas coisas assim. Mas a família dele é ótima, agora mesmo, antes de falar contigo, o pai dele me mandou um áudio quase chorando, ele me considera uma filha e eu tenho ele no meu coração, sem dúvidas. A gente não tem mais o mesmo contato, que eles moram muito longe, hoje o contato é rede social, WhatsApp, mas eu não tenho nem dúvida, a família inteira dele mora no meu coração. Agora, nessa empresa que eu estou, eu tive a oportunidade de passar lá e rever alguns deles. Eles moram em Uruguaiana, na fronteira do Rio Grande do Sul com a Argentina e as primas dele, que eu vi pequena, uma hoje mora em Campo Grande, e uma mora em Três Corações, Minas Gerais e a outra Mato Grosso. E eu consegui ir de caminhão lá, ver as duas, é uma história bem legal. E eles eu tenho esse contato pouco, mas é uma consideração enorme, foram muito bons para mim naquele período que eu morei em Uruguaiana, carinho gigantesco. E a gente terminou e ficou tudo certo assim. Ele já tem outra família, ele tem a família dele, e tá tudo bem. Eu tive outro relacionamento também, tudo certo!
P/1 - E nessa época seus pais já tinham se separado oficialmente?
R - Sim! Eles se separaram quando eu tinha quinze para dezesseis anos. Quando eu fui morar sozinha até, a minha mãe foi lá ver onde que eu tava, ela se preocupou em saber o local, ver como eu tava. Ela é bem, muito guerreira, parceira, sempre ajuda, sempre cuida.
P/1 - E como que foi seguindo a sua vida?
R - Então, depois dali… nesse relacionamento a gente morou um pouco em Uruguaiana, um pouco em Gravataí. Como ele era novo, tentou desenvolver a parte dele profissional também lá, pela minha família ser de lá. Mas como o relacionamento não deu certo, ele acabou voltando e eu fui seguindo. Nessa época aí, que a gente se separou, eu também saí do meu serviço, eu tava num serviço, que eu trabalhava como vendedora de uniforme escolar, num colégio particular em Porto Alegre. Daí eu acabei saindo fora, porque eu ficava parada, sozinha na loja, surtava. Porque uniforme você sabe que vende só no início do ano praticamente, e depois no inverno um pouco. Então meu pai ficou doente naquela situação e ele estava no Rio, sei que eu peguei uma carona lá com o meu tio, e vinha junto com o meu pai, pra eu sair um pouco de lá. Acompanhar ele, cuidar dele, que ele tava ruim da coluna. E foi nessa viagem, foi impressionante, ele estava carregado para a Paraíba, nós entramos dentro da empresa e o rapaz falou assim: “Essa carga é para Natal, Parnamirim”. E lá em Natal tem uma prima do meu primo, que mora lá, a tia dele, por parte de mãe, e a prima, que eu tive bastante conversa com a prima quando nós éramos novas. Então daí o pai falou assim, já estava um pouco melhor, ele disse: “Ó”, se você quiser conhecer a praia aqui…” Nos descarregamos em Natal, isso era uma quinta-feira de tarde, sexta-feria ele me falou: “Se quiser conhecer alguma coisa de praia aqui, tu fala com a Aninha, porque eu não vou sair daqui do posto”. Eu já conheço meu pai, ele realmente não sai do caminhão. Aí eu consegui contato com ela, naquela época era Orkut até. E ela foi me buscar numa sexta-feira de tarde, ela trabalhava como garçonete na noite lá em Natal. É tipo assim, só que era um pub e o namorado dela era músico. Nossa, eu passei um final de semana incrível, virando noite, curtindo a night, nada de absurdo, mas curtindo mesmo, me apaixonei pelo lugar cara, nossa. Eu voltei para o caminhão na segunda-feira, meio-dia. Daí a Ana me convidou: “Jana, vem morar aqui, trabalhar aqui”. Eu tinha 22, 23 anos, por aí. E daí eu lembro que eu entrei no caminhão e falei: “Ô pai, o que tu acha? Muita loucura se eu vir morar aqui? Longe de todo mundo e tal”. Só que a família toda é caminhoneira, estrada, pra eu voltar para casa era só pegar uma carona, de certa forma, mas é bem longe Natal.
Aí ele me olhou e disse: “Com dezoito anos eu fui morar no Mato Grosso. Você tem vontade de ir?” Porque do meu pai eu sempre espero assim, um não, sabe? Mas aquele dia ele me surpreendeu. Aí eu comecei a pensar, fui lá, arrumei as minhas coisas que eu tinha, minha casa montada, arrumei as minhas coisinhas, fiquei dez meses em Natal, no Rio Grande do Norte, trabalhei ali no shopping, fiquei com seguro-desemprego um período. Aí fiquei na casa da mãe da Aninha, inclusive, ela foi uma mãe para mim, ela tem uma história de vida também maravilhosa, ela trabalha com índios, eu aprendi muita coisa com ela, como ser humano, ela foi uma mãe para mim. Daquele período lá fiquei dez meses ali, curti. Aí arrumei um namorado e daí voltei para casa, acabei voltando, mas é que era a minha hora. A minha irmãzinha estava com dois aninhos, cada vez que eu falava com ela, ela estava com uma coisa diferente, a fisionomia, e eu só perdendo tudo isso dela.
P/1 - E como foi essa volta?
R - Foi impactante, bem forte. Porque eu gostei muito de Natal, tenho carinho, uma lembrança muito boa de lá, cidade, boa qualidade de vida também. E eu gostei muito daquela pessoa que eu conheci lá, meu namorado que eu tive. E a minha volta foi bem forte, não foi uma coisa que eu tinha planejado, do nada praticamente eu decidi voltar, eu tinha necessidade de estar com a família, não dava certo a minha relação, porque daí aconteceu… a minha vida é uma história, tem muita história cara, de repente até escrever um livro. Porque nós estávamos em Natal quando a gente se conheceu, eu e ele, ele é gaúcho também, daí de Natal a gente foi para Brasília. Ele foi criado em Brasília, porque o pai dele é ex militar. Então eu fiquei vinte dias em Brasília e fui embora, foi isso que deu aquele impacto. Sai do meu serviço, eu trabalhava como vendedora numa loja no shopping, eu era vendedora de bijuterias lá, acessórios. Daí deu uma impactada gigantesca. Eu cheguei em casa, que choque. Mas tudo se cuidou.
P/1 - E como foi seguindo, depois voltando para a sua terra…
R - Aí eu fiquei com a minha mãe um período, fui ficar com ela ali, voltei a trabalhar, voltei nos uniformes padrão, trabalhei umas três vezes lá, como vendedora, aí passei para supervisora de vendas, porque como eu era costureira eu entendia dos tecidos. Aí ali eu fiquei um período com a minha mãe, aí decidi morar sozinha de novo. Aluguei uma kitnet, fiquei acho que uns três anos ali.
P/1 - Você ficou trabalhando nessa loja de uniformes?
R - Isso!
40:02 P/1 - E depois Jana, como foi seguindo?
R - Então, dali eu conheci meu ex marido. O mais recente, porque de repente eu me caso de novo (risos). Então, daí conheci ele, eu estava trabalhando lá nos uniformes e ele começou me dar um apoio pra eu comprar um lugar pra morar, que eu morava de aluguel. Daí eu comecei a abrir a mente para isso e fui atrás, financiei um apartamento, nessa época. Trabalhei com os uniformes, aí eu desisti, sai dos uniformes: “Chega, não quero mais isso”. Foi uma gratidão pela oportunidade, porque eles me tiraram da máquina de costura e eu fui para a loja, me deram uma promoção de vendedora, depois supervisor, mas eu não aguentava mais, porque era bem longe de casa, tinha que pegar dois ônibus, era bem puxado. Aí eu tentei como corretora de imóveis, numa imobiliária, só que não tinha salário fixo, aí eu peguei e sai fora. Dali, corretora, fui trabalhar num shopping, só que eu trabalhava final de semana, feriado, não queria isso naquela época, a gente saia muito, eu e ele, a gente era namorados na época e ele tinha uma vida muito ativa, na parte social, e eu ficava chateada, porque eu acabava perdendo, não tá junto. Daí eu saí das lojas, voltei a costurar de novo. Não, aí eu fui trabalhar de recepcionista num hotel, uma amiga minha me indicou lá. Aí nessa época eu era gordinha, eu sempre fui grandona assim, era um pouquinho mais que isso, mas eu não era contente com aquilo ali, me incomodou sempre, até hoje me incomoda. Daí eu comecei a emagrecer, emagreci bastante, comecei a tomar Herbalife na época, emagreci. Daí eu comecei a fazer academia, isso tudo no seguro desemprego eu estava, não me lembro de qual emprego agora, eu estava no seguro, aí eu me dediquei a me cuidar. E nesse me cuidar, surgiu uma vaga na academia de recepcionista, e aquilo ali deu uma virada na minha vida, porque aquele me cuidar, me fez tão bem, as aulas de ginástica, as coisa e tal. E daí comecei a trabalhar lá com eles, na recepção. Ai me abriu um leque: “Vou fazer Educação Física”. Daí eu fui fazer Educação Física. Eu desisti daquela faculdade que eu tinha ganhado lá, eu acabei desistindo, que era Administração de Sistema e Serviço da Saúde, do SUS, que era uma coisa… O primeiro semestre foi ótimo, para conhecer um grupo de amigos que nós somos até hoje. Acho que só uma prosseguiu ali, não sei nem se se formou. Daí nessa parte da Educação Física, foi como se eu tivesse me encontrado, porque.. quando foi? Foi antes deu entrar na academia, antes de entrar, teve uma situação que eu quis, deixa eu voltar um pouco mais atrás… Na época lá dos uniformes, que eu pegava aqueles dois ônibus, que eu achava complicado. Eu comecei a pensar: “O que eu quero para a minha vida? Eu quero ficar o resto da minha vida atrás de uma balcão? Pegando ônibus e tal?” Eu quero melhorar, eu quero evoluir. E daí eu comecei a pensar o que eu gostava de fazer, e eu gostava de dirigir, tinha tirado a carteira a pouco tempo, eu amava dirigir, sempre gostei de caminhão, de tudo isso. E daí eu comecei a pesquisar, como eu tinha acesso a internet lá já, tinha muito tempo parada, eu comecei a pesquisar coisas sobre caminhoneiras, mulheres caminhoneiras, foi assim que começou a procura. Inclusive, até no início ali, quando eu tava falando, eu lembrei, eu descobri naquela época, um pessoal que fez um documentário, um webdocumentário para caminhoneiras, quatro foram entrevistadas. Agora no início eu me senti lisonjeada por hoje estar fazendo parte disso também. E daí naquela época… duas delas eu conheci já, pessoalmente. Daí eu comecei a observar como era, porque daí eles falavam, como era a parte de família, de ficar longe, parte de perigo, segurança, dos medos, como era o trabalho, enfim, tudo. E tudo que elas falavam, eu me familiarizava, porque já tinha convivido muito no caminhão com o meu pai, já tive muito perto, toda a minha fase de adolescência também. Então eu me familiarizei, não, essas coisas eu já passo, já sei essa parte de postura, de como se portar, de tudo, eu me identifiquei. E daí eu senti que eu queria ir para essa parte. “Não pai, vou aproveitar agora”... Daí eu saí do serviço, peguei o seguro, eu me lembro que eu arrumei a minha mala tudo para ir com ele e ele não me levou, não me deixou. Aí eu desisti, naquele período deu uma abafada, mas eu tava bem decidida que eu queria. Só que o meu querer… naquela época eu queria que ele me apoiasse, tipo assim, me pega pelo braço e me ensina, eu queria que ele fizesse isso. Só que não é assim que funcionam as coisas. E ele não queria porque ele sabe como é difícil, não é fácil. Ele não queria que eu sofresse o que ele sofre, sofre até hoje, porque até hoje ele é motorista. Então ele não me incentivou ali nada, ele não me ensinou nem a dirigir, carro, nada assim, não me ensinou. Porque quando eu tinha dezessete anos… meu pai fazia Mercosul, nessa época ele morava lá na fronteira, fazia Mercosul, ele fazia Chile, São Paulo. E ele levou eu e meu irmão numa viagem e depois ele me levou sozinha. E nessa viagem que eu fui sozinha com ele, a gente trocou, ele me deu para dirigir um pouco, e aquilo ali… eu já era apaixonada, a gente foi sempre dentro de caminhão. Então, eu dirigindo ali, quando a gente trocou de volta, que eu sentei no carona: “Você quer que eu seja caminhoneira ou que eu case com um caminhoneiro?” Ele disse: “Nenhum dos dois”. E nunca mais me ensinou nada que envolvesse caminhão, nunca mais me deu a direção, nunca mais nada. Então nessa fase, com vinte e poucos anos eu tentei de novo, não deu. Aí a academia, tipo assim, aquela época lá, é como se fosse, não, é isso aqui mesmo, é isso aqui. Daí eu comecei, da recepção eu comecei a cursar Educação Física, e eles me deram oportunidade já como estagiária de hidroginástica e na musculação, até personal eu tinha, porque me dedicava bastante e cuidava muito também. Então, naquela época, nossa, é isso aqui que vai ser da minha vida. E daí eu fui crescendo dentro daquela academia, fiquei uns três anos e meio, ali trabalhando, e surgiu, eles abriram mais unidades, surgiu uma proposta de gestora. E daí naquela parte da gestão ali, eu dei um surtada, quando eu trabalho eu me entrego de cabeça, eu me jogo, eu me dedico total. E daí ali na parte da gestão eu me comportei, na minha cabeça, como se eu fosse a dona, eu ia para casa preocupada se iam fechar direito, e isso e aquilo. Coisa que não era nem da minha ossada. Daí ali eu pedi umas férias, uns dias, não quiseram me pagar, aí eu desanimei total. Nossa, tô me dedicando pra caramba, não tinha carteira assinada. Dalí, naquela situação que eu me coloquei, eu entrei numa depressão, eu comecei com crise de pânico, e entrei numa depressão grande, eu me sobrecarreguei demais. E eu tive sempre aquela cobrança, aquela pressão, porque eu tinha que estar sempre emagrecendo, sempre naquela função, até porque tá sendo professora… E eu era linda, estava com o corpo perfeito, mas eu me olhava no espelho e não achava. Hoje eu olho nas fotos e identifico, “nossa, como a gente…” mas é tudo um processo para a gente aprender a evoluir, são fases da vida, hoje eu consigo visualizar isso. Então dá aquela depressão. Nesse período eu já estava morando com o meu marido, agora por último. Eu financiei o apartamento, ele veio morar comigo, aí ficamos ali até recentemente. E eu queria muito um filho, eu tinha dois sonhos na minha vida, um era ser mãe e o outro era ser caminhoneira, só que eu sabia que os não dariam certo. Tem várias mulheres que são, tudo bem, cada um tem o seu pensamento, não critico, não tenho preconceito com isso, mas eu não conseguiria sair de casa. Então eu penso assim, que naquela situação ali, eu pensava assim: “Não, eu nasci para ser mãe, não para ser caminhoneira”. Eu me coloquei… Eu me senti incapaz de ser motorista e incapaz de ser mãe. E eu tentei, tentei no primeiro relacionamento lá atrás, aquele de três anos, eu tentei, não consegui. E depois, nesse relacionamento, eu tentei também, um relacionamento que durou dez anos, que a gente ficou junto, foram dez anos bem bonitos, um relacionamento bem saudável. Teve turbulências, mas foram poucas. Tenho um carinho gigantesco, consideração por ele, nós somos amigos. E eu tentei engravidar e não consegui, e nesse período da depressão eu engordei muito, eu engordei dezessete quilos, e querendo engravidar. Daí chegou um ponto que eu pensei assim: “Como eu vou engravidar agora, cara? Já engordei tudo isso”. Tava diferente, o oposto do que eu era. E daí eu disse: “Eu vou me judiar mais ainda, vou buscar a felicidade com uma outra coisa que não é dentro de mim, primeiro tem que ser em mim”. Aí eu comecei a buscar aquela parte de mim ali, de cura e tal. E foi quando um dia eu decidi, eu fui num templo budista, com uma amiga minha, quando eu voltei dirigindo assim, eu falei para ela: “Cara, é isso aqui que eu quero”. O templo era, sei lá, uns cem quilômetros, oitenta, da minha casa. Daí eu tinha um carro na época, eu voltei dirigindo: “Eu vou para a estrada”. Eu decidi naquele dia. Daí eu cheguei em casa, falei para ele: “Qual é o problema de eu arrumar um serviço que eu esteja com o caminha na frente de casa, é ciúmes? Qual é o problema? Eu quero realizar o meu sonho, mas eu quero estar dentro de casa feliz, não quero chegar e te ver de cara fechada, cara feia, senão não vai dar certo”. Sei que naquele dia ele não fechou, e eu falei: “Não, eu vou”. Daí eu comecei a correr atrás. Daí eu vendi o meu carro, para poder tirar a minha carteira, porque eu não estava trabalhando, estava sem dinheiro. Eu me separei dele naquele período, para poder correr atrás disso. E tipo assim, ó, eu corri atrás, é o que eu sempre falo, todo mundo hoje… como eu tenho rede social, eu falo muito da família e tal, as pessoas perguntam assim: “Ah, ela aprendeu com o pai dela a dirigir”. Não, eu não aprendi nada. Hoje sim, depois que eu subi para cima do caminhão ele me ensinou, até hoje eu pergunto para ele coisas, hoje tem coisas que eu já sei que ele não sabe. Mas todo mundo pensou que… E não, eu batalhei bastante, eu fui atrás. Eu fiquei na casa do meu tio em São Paulo, que é o irmão mais velho do meu pai, que ali tem o meu primo e minha prima que também são motoristas. Então ali eu fiquei na casa dela, ela me deu apoio e tal, me incentivou bastante, foi bem importante naquele período. Aí eu tirei a minha carteira ali e voltei para casa. Mas desacreditada que eu ia conseguir, categoria D no caso. Porque é uma coisa… eu tentava… deles mesmo, eles estão na rodagem, eles vão conseguir um emprego para mim, só que não. Daí eu fui, fui, fui, fui. Ela me ajudou muito, inclusive. Deu seis meses que eu tirei a minha carteira D, eu consegui um emprego. Seis meses, foi muito rápido, eu sou muito abençoada, e por isso que eu tenho mais é que mostrar mesmo na rede social que é possível, por isso que eu bato muito o martelo nisso hoje, sobre essa parte de que: A gente é capaz de tudo que a gente quiser. A gente só não é capaz do que a gente não quer. Se a gente não botar fé, não ir atrás, não querer com força mesmo, não vai conseguir. Daí eu voltei para casa e voltei para o meu marido, daí ficou aquela história: Eu voltei, mas eu vou para o caminhão. Aí ele aceitou de boa, foi indo, foi de passo a passo. Aí surgiu a oportunidade nesses seis meses, eu fui, a minha primeira viagem foi assim, nossa, uma loucura. A primeira viagem mesmo, foi uma viagem curtinha, que ele foi comigo inclusive, eu peguei um caminhão com quatro eixos, um Bitruck, caminhão automático, que naquela época eu estava querendo aprender. Cada caminhão… tem caminhão que tem seis marchas, oito marchas, doze marchas, é diferente. Então eu estava quebrando a minha cabeça para aprender, tanto peso, como ia ser para trocar a marcha, uma coisa assim que eu estava me quebrando. Carro são cinco marchas, né? Daí, quando eu peguei assim: “Então beleza, estou tranquila”. O serviço era um caminhão automático. Aí o serviço ficava a cento e poucos quilômetros da minha casa, 115, por aí, mas na serra do Rio Grande do Sul. Eu fui, cheguei lá, na hora do teste pensei: “Se eu passar no teste, deixa na mão de Deus, se eu passar é porque Deus… vai que ela consegue. Se eu não passar, depois a hora vai chegar”. E eu passei, isso porque eu fiz… lá é assim, terra, curva, guria, terrível, não conhecia a estrada lá. E eu dei conta daquela parte simples ali. Aí eles me deram essa viagenzinha curta, no final de semana, que eu fui buscar peixe na beira de um açude, literalmente, eles tiravam naquelas caixas de verdureiro, colocava no gelo para o peixe morrer, daí carregava o meu caminhão. Essa foi minha primeira viagem, aí o meu ex foi junto comigo e me ajudou, por mais que ele não seja da profissão, não tinha nada a ver, nem conviveu com caminhão, nada. Dali pra frente quando eu voltei, já fui para São Paulo, interior de São Paulo. Aí aquela sensação ali, nunca vou me esquecer, foi libertador, ai foi, foi, foi. Aí o meu sonho era carreta, era isso aqui, era o meu sonho, era maior, com seis eixos. Aquele sonho de carreta e tal, vou dar conta, não vou dar conta. A carreta é mais alta, é maior, mais pesada, tudo. Aquela situação ali. Eu comecei a pensar que eu não ia conseguir. Aí eu fui fazer a carteira, comecei a ficar nervosa, rodei, rodei duas vezes na carteira da carreta até conseguir passar. Também foi muito rápido, por isso que eu falo que eu sou abençoada, porque foi tudo muito rápido, eu tirei a carteira, consegui passar em junho, eu não tinha nem pego a carteira física na minha mão, eu já tinha conseguido um emprego na carreta, sem experiência. Aí eu cheguei lá… quando eu comecei a trabalhar, fiquei dois meses nesse emprego… Aí consegui emprego na carreta e eu vi que eu comecei a dominar o negócio, aquele medo que eu tinha, aquele negócio de eu não vou dar conta, eu não vou conseguir, que era muito alta, que era muito grande, belezinha, foi. Daí como eu não me adaptei naquela empresa, no sistema deles, não era o meu perfil. Não dei conta, vou para o Mercosul, que era o meu sonho, o próximo objetivo era Mercosul, que eu fazia com o meu pai. Daí foi onde eu comecei a procurar, tentar, tentar, e consegui aqui onde eu estou, que é uma das melhores empresas do Mercosul, cara, pode ter certeza disso. Aí eu consegui um emprego aqui e o meu próximo sonho era trabalhar num caminhão, num Volvo FH, e ainda tem vários, é uma empresa grande, tem setecentos caminhões, uma empresa bem grande. Então eu realizei o sonho de ir para o Chile, fui para o Uruguai, fui três vezes. Eu to só no Brasil agora, aí nessa estação, foi em novembro…olha só, em junho eu tirei a carteira, consegui o primeiro emprego, realizei o sonho da carreta, que era o meu sonho. Eu acabei me separando, eu consegui um emprego aqui, em setembro, que era outro sonho, Mercosul, fui para o Chile, que era o sonho. E em novembro eles me deram o caminhão do meu sonho e me deram nessa cor, e zero. Nossa, foi tipo assim, tum, tum, tum. Sabe, eu não tava nem conseguindo processar muito, tanta coisa acontecendo, tanta coisa boa, tanta confirmação que eu segui o caminho certo, que era por ali mesmo. E foi assim, aí to aqui na luta hoje (risos).
P/1 - Jana, como foram essas viagens do Mercosul, viajar para outro país, quais são as diferenças, as dificuldades, como é isso?
R - A maior dificuldade de ir para outro país é a parte dos trâmites das notas, nas fronteiras, da carga que está carregando e tal. Principalmente da Argentina para o Chile, é bem burocrático, precisa de ajuda a primeira vez que vai. Em alguns lugares… o GPS hoje salva a vida, nossa, assim como ele te enrasca às vezes também, ele te salva a vida. Então ali o GPS te ajuda muito, tem algumas cidades que você tem que passar por dentro. A primeira viagem que eu fui para o Chile, eu fui com colegas, me ajudaram. E pro Uruguai é muito barbada, é muito tranquilo também. Tipo assim, quando tem dedicação, quando tem fé, tem vontade, tu consegue desenvolver, é mais fácil, vamos dizer assim. E a parte de alimentação para lá é diferente, tipo aqui no Brasil, aqui eu engordo, porque tu para no posto tem salgado, tem refri, tem energético, qualquer coisa que precisa comer, tem marmita, e lá não, lá a comida é diferente, a moeda deles é diferente. Para começar, tem que ir preparado para isso, não tem postos que nem tem no Brasil, é diferente, lá é estação de serviço, estacionamentos no caso, para motoristas, aí tem alguns que têm banhos e tal. Nos pedágios tem banheiro com chuveiro. Eu quero, a partir de abril, voltar a fazer vivência, se Deus quiser, voltar e ter mais experiência. Hoje eu tenho bem pouco para te falar sobre, que só foi uma. Mas é desse tipo mais ou menos, é diferente. Tu se sente mais segura lá, pelo os outros falando, tem alguns lugares, não são todos. Lá no Chile mesmo, onde a gente vai é bem perigoso, bastante assalto, mas ali no caminho tu pode dormir no estacionamento, no acostamento, por exemplo. Porque aqui no Brasil, se você parar no acostamento, sem chance. É uma das diferenças.
P/1 - E as pessoas, você conhece muita gente na estrada?
R - Então, a Jana diferenciada. Eu não era assim, tá?! Essa parte comunicativa como eu sou hoje, foi devido a fazer vídeos e comecei a me soltar mais. Mas antes, na academia foi onde eu tive a minha vida para comunicação, fiquei mais comunicativa com as pessoas. E aqui, o que aconteceu, eu sempre priorizei muito o lado feminino, então eu acho até que é um diferencial meu hoje, porque eu faço a maior questão de conhecer outras motoristas mulheres, o que é raro tu ver, raro eu não digo, mas são poucas, tem muitas motoristas mulheres que são anônimas, e eu já faço questão de ser conhecida. Porque o que aconteceu, eu vim parar em cima do caminhão através de redes sociais. Elas que me mostraram, desde aquele webdocumentário, depois também na sequência, foi mostrando o dia a dia, foi me encorajando a ver como era, como estava hoje, na atualidade, o que fazer, onde trabalhar e tal e tal. Foi ali que motivou eu vir, aí foi onde eu comecei a procurar, o início, quando chegou na minha vez de ser o início, eu queria ver como foi o início delas, daí não tinha, tipo no youtube mesmo, não tinha a parte da carteira como foi, não tinha… tinha elas contando depois, mas não na hora, no ato. Porque o ato, é uma coisa que é tua essência, e o que está acontecendo, a tua emoção está ali a flor da pele, então eu comecei a fazer assim. Resolvi criar o canal do youtube, lá na minha categoria D, lá atrás, até hoje está parado, mas enfim, eu quis mostrar bastante das duas carteiras, da parte de conseguir conquistar os empregos. E hoje eu lido muito com o instagram, demais, demais. E daí nessa história de procurar por motoristas eu vou conhecendo muitas, essa semana mesmo, a gente conseguiu se reunir em três. Eu encontrei uma de manhã no posto, ela me viu até. Que também tem uma história incrível dela, posso falar? Nosso vídeo vai ficar comprido… A Nic, nessa época que eu estava nos uniformes lá, eu vi uma foto no Facebook dela, cara, foto de capa dela, ela de lado dirigindo assim, o marido dela tirou a foto dela. E parecia eu, eu me identifiquei no visual. E daí eu peguei e roubei aquela foto, porque no Facebook, naquela época, minha filha, não tinha hoje essas coisas, ela jamais iria descobrir. E eu peguei e coloquei na minha capa de Facebook, e uma mulher que conhecia ela, que não sei como viu o meu Facebook, falou para ela: “Estão fazendo um fake seu”. E daí ela me chamou, eu fiquei morrendo de vergonha, apaguei tudo, mas a gente criou ali. E a gente se conheceu agora, essa semana, inclusive. Hoje ela motorista, que na época ela não era também, ela estava acompanhando o marido, de onde veio a paixão dela pelo caminhão. E eu também não era. Aí hoje, depois de nove anos a gente se encontrou, agora essa semana. Então eu vi ela primeiro, depois eu encontrei uma ex colega minha, a gente seguiu junto e daí encontramos mais uma amiga que mora em Uberlândia. Então a gente se reuniu, as três no posto, foi a maior resenha, como diz, sabe? Foi demais, demais! O que eu tenho percebido ultimamente, eu estou conhecendo tantas que eu estou aproximando uma da outra também, de uma forma ou outra, a gente acaba se encontrando nos lugares, eu consigo marcar encontro. “Estou chegando em tal lugar”. Quando eu vou para aqueles lados. E eu gosto muito disso, porque aqui é muito masculino, é muito masculino, e é muito preconceito, e é muito em cima, muita avaliação, vamos dizer assim, de uma certa forma, tu sente, e se tu permitir é muito evasivo. Então tu fica muito sozinha, é muito solitário, e eu estou nessa fase agora, da solidão mesmo. Então essa parte da mulherada, quando encontra, uma entende a outra. Daí eu faço questão de encontrar sempre, inclusive estão até tirando sarro de mim, guria! Mas nada a ver, cada um, cada um.
P/1 - E como são esses encontros, essa rede de mulheres que você vem construindo? Isso dá um gás? Como é isso para você, qual a importância disso?
R - A importância eu acho que é a troca de conhecimento ali, e suprir aquela carência da solidão. Quando a gente se encontra é uma emoção, é uma coisa que não tem explicação eu acho, é demais. Sabe no colégio, quando tu vai para o recreio, quando tu encontra ali, porque a mulher, cara, no caminhão… Eu me sinto no Big Brother. É muito visada, demais ainda por causa da cor do caminhão, olha a cor do caminhão, ver dentro uma mulher. E daí eu sou uma mulher nova também, eu sou uma mulher bonita, então tudo isso influencia. Então aquela coisa ali te isola, fica sozinha. Então quando encontra as outras, cara… Eu sempre falo: “Estou indo para tal lugar”. Tento ir junto, a gente faz vídeo. Imagina duas mulheres, caminhãozão num posto, a macharada olhando, porque todos eles param para ver a gente, é engraçado, chega a ser cômico às vezes. Daí é gratificante, não sei! É bom demais! Mas o mais importante para mim é encontrar a família, guria, é a melhor coisa. Encontrar o meu pai é o melhor de tudo, nossa, primeiro encontro ele fez até um vídeo meu saindo com o caminhãozinho, daí eu vi na hora, sabe quando engole o choro? Ele falando, “Que Deus te abençoe”, não sei o quê. Eu vi que pesou pra ele, emocionou.
P/1 - Jana, como você se sente, sendo mulher e dirigindo nas estradas do Brasil, você se sente segura? Como que é para você?
R - Então, a segurança dependendo do lugar é pouca. Na verdade, hoje em dia nenhum lugar é seguro mais, é bem complicado. Eu acho que ainda lá no Sul, ali de Curitiba para baixo, eu acho que são os mais tranquilos para ti rodar, é onde eu me sinto mais segura, dali para baixo. Para cima eu acho muito perigoso, tenho bastante medo, mas tento controlar, porque tenho fé em Deus sempre, tem que se apegar muito ao lado espiritual, porque tu tá sozinha ali, na verdade tu não está, tu tá com Deus. Eu enfrento. Hoje… agora, momentaneamente, eu não to muito tranquila, essa semana foi pesada, porque eu estava em BH, Belo Horizonte, para vim para cá, para o Rio de Janeiro, são dois lugares que são bem ruins de local para ti ficar, postos perigosos, tenso demais, bem crítico, bem precário. Mas hoje eu tenho mais orgulho, já me superei bastante em relação a andar em São Paulo mesmo, já peguei marginal, que é uma coisa que eu tinha muito medo, nossa, eu tinha medo, medo, medo, e hoje eu estou bem mais tranquila. Aqui na empresa que eu trabalho hoje, eu me sinto mais segura, porque a gente não precisa rodar de noite, é bem mais tranquilo, não tem tanta cobrança. Daí tu trabalha melhor, você consegue superar essa parte dos seus medos melhor. Fui para o nordeste também, que eu não tinha ido ainda, aqui nessa empresa, não precisei rodar de noite, porque tem diferença, a noite é muito perigosa.
P/1 - Nesse tempo todo de trabalho, você se lembra de alguma situação inusitada, engraçada, ou curiosa na estrada? Ou algum “perrengão”?
R - Você já escutou a minha história de vida e já viu que tem história. Aqui no caminhão eu tenho muito mais história, todo dia é um lugar diferente, uma pessoa diferente. E que nem eu falo aqui, história de pescador é tipo história de motorista, porque é muita história. Você conta e as pessoas acham que é mentira, de tanta coisa que acontece. No início lá, eu peguei um perrengue forte, na minha segunda viagem estava indo para São Paulo, caminhãozinho menor. O caminhão estragou, não tinha sinal de celular, por isso que eu tenho várias operadoras, eu tinha duas na época, eu tinha a Vivo e a Tim, ali não pega nenhuma na verdade, na região. E o meu caminhão estragou, as mangueiras do radiador racharam, secaram, não tinha o que fazer, era guincho. Daí eu não sabia, tipo assim, tem seguro, vai vir o guincho buscar, esquece. Caminhão carregado, o seguro não busca. Naquele final de semana meu ex estava junto comigo, ele tinha ido até lá, onde eu tava, no interior do Rio Grande do Sul, me encontrar. Então ele tinha dado uma arrumadinha, mas estourou de novo, e eu pensei que ele ia voltar para me ajudar, porque eu tinha andado pouco, mas ele já tinha ido embora. “Não, Jana, você tem que aprender, porque vão ter lugares que você vai estar muito mais longe e eu não vou ter condições, vai ter que se virar sozinha”. Aí caiu a ficha ali, era eu e eu, na situação de [estar] sem sinal, eu tive que parar um carro, passar os telefones do meu ex e do meu patrão, para avisar eles, mas eu não podia ficar de braços cruzados esperando, porque eu não sabia se o cara do carro ia ligar. Aí eu fechei o meu caminhão, sinalizei a pista, peguei uma carona de caminhão e fui até onde tinha sinal, num posto lá em cima, de lá eu consegui avisar eles, me falaram mais ou menos o que tinha que fazer. Eu já estava apavorada, imagina, segunda viagem, totalmente crua. Nessa volta do pedágio até o meu caminhão, a carona que eu peguei, que era um outro caminhão, estourou o pneu dele no caminho, foi isso. Então tem história mesmo. Aí ele parou um pouco depois do meu, consegui também… A rodovia era pedagiada e eu não sabia, essas coisas eu não tinha conhecimento. Então já tinha ali um caminhão pequeno, esperando para me avisar que estava vindo um guincho maior me buscar, socorrer, e já socorreram ele também. Então bem de boa. As pessoas que eu conheci naquele dia lá, que me socorreram, foram maravilhosas comigo, porque eu fiquei num estado de nervos gigantesco, foram horas ali. Era um domingo de páscoa, estava lá sentada na beira da estrada, caminhão estragado, podia estar em casa, no meu conforto, no meu sofá, olhando a televisão, tava com meu marido na época, curtindo, mas eu tava ali, porque eu queria estar ali. Então foi bem impactante, e as pessoas que tiveram ali me deram palavras que até hoje eu sou grata. Então esse foi o perrengão maior, de sufoco, que eu me lembro agora.
P/1 - Jana, e algum momento você já pensou em desistir?
R - Pergunta difícil, mas… Essa semana eu fiquei muito desanimada, nos últimos tempos agora, na verdade, porque eu tinha objetivo de fazer o Mercosul, e acabei vindo parar nessa operação aqui, operação que se diz, é como se fosse um contrato, sou dedicada para uma empresa, a empresa que eu trabalho dedicou o meu caminhão a outra empresa, então eu só faço para eles, é um contrato que eles fizeram, só trabalho para eles. Tipo assim, eu criei uma expectativa grande de fazer aquele objetivo, e daí aqui já está cansativo pra mim, de uma certa forma, tô ansiosa demais, criei uma expectativa de lá e aqui eu fico muito tempo parada, nessa operação. Eu ando, às vezes, poucos quilômetros. Teve um dia que eu andei duzentos quilômetros, quinhentos e ficava parada na frente, tipo três, quatro dias parada. Tem uma caixa de cozinha, tem uma cozinha no caminhão, lá fora na carreta. Então nas empresas que não podem usar a sua cozinha, tem que comer, ou a comida deles, ou pagar. Andar de calça e ficar toda fechado no calor, tu vai tomar um banho ali, não pode voltar de chinelo, porque a gente no caminhão anda de chinelo direto, deixa o chinelo na porta, eu não entro de calçado no caminhão, então chinelo é super prático. Você vai tomar banho de chinelo, vai voltar no calor, tem que colocar uma calça jeans, tem que colocar um sapato fechado. É um descaso com o motorista, a gente sofre bastante com isso em geral. Mulher não tem banheiro feminino, às vezes, ou não tem banheiro limpo, ou às vezes o banheiro é aberto, os homens vão tomar banho no banheiro das mulheres, então tem umas coisas que dá uma desanimada. Vai juntando. Daí eu andei lembrando o que o meu pai falava lá no início, a parte do sofrimento e tal. Aí deu uma desanimada, mas eu sei que isso é uma provação pra mim, que é uma coisa que não é pra eu desistir. Agora é o momento de eu persistir, que agora tá dando o retorno de tudo que eu buscava. Aqui, ser reconhecida, e nas redes sociais também. Eu trabalho muito com isso, por isso que eu to falando bastante, porque é uma coisa que é uma companhia para mim, vamos dizer assim, onde eu interajo bastante, passo bastante horas quando tenho tempo. Mas a dedicação total ______, a liberdade no trabalho, então é um conjunto, aí dá uma pesada, mas eu sei que é uma fase. Agora eu acho que é a melhor fase, depois disso. Eu sei que está por vir.
P/1 - Quais são as maiores dificuldades, esse sofrimento que você já ouvia do seu pai e agora você pode sentir na pele?
R - Bom, agora por exemplo, que eu estou falando com vocês, to aqui suando, tá calor pra caramba, tipo, tu não tem conforto, nessa parte. Se eu não tivesse falando com vocês eu ia estar com calor igual, porque dentro do caminhão, está um sol de rachar, tá quente, é o conforto, essa parte. As pessoas… é muito descaso, é muita humilhação, palavra correta mesmo, é muita humilhação, a coisa que tem a parte do sofrimento que o meu pai fala. Chega em portaria, às vezes, os caras te tratam mal, como se eles fossem polícia, porque tem uma farda se acham mais que os outros, ou porque te vê em cima de uma caminhão e acha que tu pode se sentir melhor que ele, não sei o que ele pensa, mas te tratam mal, às vezes. As pessoas nas empresas, nos lugares. Ontem eu passei por uma situação que eu fiquei bem chateada, fiquei me sentindo muito mal, que eu fui arrumar… Meu caminhão é um baú, carga fria, frigorífico, é como se fosse uma geladeira. E o motor dele precisou arrumar ontem, uma peça ali, trocar o motor de arranque, e daí eu passei uma manhã inteira lá na oficina, dentro do meu caminhão, de boa. Aí eu falei assim: “Ah, vou no mercado comprar umas coisas para a minha caixa, porque eu ia vim pra cá”, e aqui é mais difícil e tal. E outra dificuldade da estrada é não ter mercado para a gente, na beira de via, a gente não pode ir com o caminhão até o mercado. Cara, você não tem uma farmácia, não tem um mercado, só tem aquele posto lá, aquele posto tem mercado, eu vou parar lá, não tem isso. Parte de higiene no caso, nem a própria comida, a própria parte, papel higiênico, desodorante, shampoo, essas coisas, se tu não te preparar antes, tem essa parte que sofre também. E daí eu pensei: “Vou lá no mercado, vou de UBER”, aí tentei pelo aplicativo ali, na frente da empresa, que era uma rodovia, mas tinha… Era um município industrial, vamos dizer assim, de empresa, “Ah, deve ter UBER aqui”. Não consegui! Aí eu fui até um posto próximo, caminhei um quilômetro no sol. Fui até o posto para ver se tinha lá, não consegui também. Daí eu cheguei até o frentista e perguntei pra ele assim: “Ô moço, tem taxi por aqui em volta?” Imagina a cena. Eu, uma mulher, chegando num frentista, do nada, se tem um caminhão perto eles vão identificar, mas eu chegando do nada, “é louca, essa mulher”. Daí ele falou: “Aqui não tem, não tem nada disso”. To com problema no meu aplicativo do UBER, e daí eu to usando o 99 POP, não consigo mais usar UBER, não sei o que aconteceu. Aí eu perguntei para ele se eu podia usar, se ele tinha o aplicativo do UBER, se ele poderia usar pra mim, para chamar, porque o mercado era uns três quilômetros dalí. “Coloca em dinheiro, eu vou pagar em dinheiro, tal.” Daí ele me olhou e fez um descaso comigo, ele e outro colega dele, “não tenho, não posso”. E eu fiquei chateada. Peguei e falei: “Vou voltar então, não tem o que fazer”. Tentei mais um pouco ali, pelo meu aplicativo, não tinha. Aí eu fui… tinha um trailer ali pertinho, fui pegar uma água pra mim, aí eu comentei com ela, ela falou: “Fala com a minha nora ali - sobrinha, sei lá o que era - ela deve ter, pergunta pra ela”. Daí a menina disponibilizou a chamada pelo UBER. Não tinha realmente na região, não tinha aplicativo, não tinha carro disponível ali. Aí eu voltei para o caminhão. Ai eu pensei: “Nem sempre a gente acha gente com uma boa disposição para as coisas, porque às vezes não favorece”. Daí aquilo ali judia, mas é mais ou menos isso. Tem vezes que as pessoas não te ajudam. Até a empresa que eu tava podia disponibilizar um carro, era três quilômetros. Mas eu também não pedi pra eles, você se sente humilhada.
P/1 - E você já sofreu preconceito por ser mulher? Isso é algo frequente na sua vida?
R - Sim! Preconceito é quase que diário, você vê no olhar da pessoa. E hoje, tanto nesse caminhão aqui, para chegar onde eu cheguei, aí você sente mais forte ainda o olhar das pessoas. Porque tipo assim, eu cheguei aqui, mas eu batalhei para estar aqui e hoje em dia tem muita empresa, tem muito caminhão novo. E as pessoas estão onde elas estão porque elas querem. Eu abri mão de estar em casa, a minha casa não é mais minha casa, é um passeio pra mim, hoje. Então eu abri mão, sei lá, eu fiquei dois meses e meio fora de casa, eu perdi minha família, então, pra mim, estar onde eu estou, eu tive que fazer sacrifícios, não foi em vão, não foi assim: Não, estou toda semana em casa. Não! Então tem esse preconceito gigante na parte… Além de ser mulher, que aí eles olham para ti, aí é bem tenso. Oficina também às vezes os caras… eu não entendo de mecânica, e também não sou obrigada a entender, porque eu sou motorista. Então tem coisas que existem alguns preconceitos… De não saber uma peça. Você tenta explicar o que está acontecendo, mas você não sabe o nome daquilo ali, você conhece o barulho, sabe o que está acontecendo, mas não sabe descrever, porque você não conhece, daí é onde: “Ah, então deixa, não sabe de nada. É mais ou menos isso.
P/1 - E qual foi sua viagem mais marcante?
R - Foi pro Chile, eu acho. Foi a que eu mais queria na vida. E lá é surreal, a paisagem de lá é diferente, eu já conhecia, mas aí eu fui sozinha, fui eu dirigindo. E lá eu tenho certeza que eu vou ter uma experiência para a minha vida, quem sabe única, vai ser surreal, certeza, porque é místico, estrada lá é mística.
1:23:58 - O que te encanta em estar dirigindo, Jana?
R - Tem momento que você está dirigindo assim, que não tem explicação, o que é o bom para o motorista. Até ontem eu estava conversando com um amigo. O gostoso é estar dirigindo, se tu está carregado, se tá vazio, vazio melhor ainda, que eu acho que fica mais leve, vai desenvolver melhor, e também já realizou o compromisso, já entregou para o cliente, já se livrou, digamos assim. Então a parte de estar desenvolvendo, de estar dirigindo, aquilo ali é a melhor parte, e é uma sensação, tem momentos que tu chora e rir, é um choro de gratidão, de um montão de felicidade de ter conquistado, de ter conseguido estar ali, é maravilhoso. Aquela sensação ali, não tem explicação, é ótima! Uma música alta, encontrar as pessoas. Que nem quando eu falei que encontro meu pai. Quando encontro o pai, pra mim, nossa! Encontrei ele esses dias, daí ele… hoje a nossa relação melhorou muito de pai para filha, hoje é bacana demais, eu vejo o orgulho dele também, de eu estar aqui, de eu ter batalhado, porque a família reconhece tudo que eu passei para conseguir estar aqui. Além deu saber, mas eles também reconhecem. É gratificante!
P/1 - E essa cabine, quem é a Janaina que fica nessa cabine?
R - Aqui, a Jana tenta se cuidar mais. Hoje eu tento ter… Eu troquei de emprego até, para… por ser objetivos, de sonhos, de tudo, é… minha qualidade de vida, eu queria ter um pouco mais de tempo para mim. Poder passar uma maquiagem, ter tempo para isso, porque às vezes você não tem. De comer direito, de poder conhecer as pessoas, encontrar pessoas, poder conhecer lugares. Amanhã mesmo eu acho que vou à praia, aqui no Rio de Janeiro, então tu tem essa parte de… Esqueci a palavra agora. E aqui dentro a Jana tenta se cuidar mais, gostaria mais, eu me cobro muito. Eu sou uma pessoa que me cobro demais, acho que todo mundo tem isso, mas eu tenho um pouquinho em excesso, estou sempre tentando ser uma pessoa correta. E às vezes não precisa tanto assim, às vezes pode relaxar um pouco mais, eu sinto isso. O espiritual também, eu tento me conectar ao máximo aqui dentro. Aqui é minha casa, aqui é minha casa. Aqui eu faço minha unha, aqui eu durmo, escuto música, leio. Eu tenho que criar o hábito de ler, mexo muito na internet. É a minha casa, é meu escritório.
P/1 - E Jana, você já passou por alguma experiência, algum caso curioso que você tenha vivenciado na Fernão Dias ou na Régis Bittencourt, que tenha te marcado de alguma forma?
R - Sim! Na Régis bateram em mim. Essa história eu nunca falei em público, comento com alguns amigos, pessoas próximas. Eu estava… era meia noite e quinze, na BR 530, era Barra não sei do que lá, São Paulo ali já. Eu fui ultrapassar um caminhão, graneleiro, ele estava devagar, eu também, bem tranquilo, no que eu passei assim, eu senti que a minha cabine chacoalhou. Daí eu olhei pelo retrovisor, o cara bateu em mim. E daí eu fiquei meio assustada, porque ali é uma região muito perigosa, de assalto, inclusive não tem sinal de celular, não tem sinal de nada. Aí eu tinha um colega junto, meu colega tinha ultrapassado ele primeiro, e depois eu fui na sequência. E eu fiz sinal para o meu colega parar, para ele poder me ajudar. Porque imagina, aquela hora… Enfim, meu colega parou, eu parei, esse caminhão parou, e a concessionária parou atrás também, o carro da concessionária do pedágio, acho que era Arteris, da Régis, parou junto. E daí eu desci, fui olhar, meu baú estava rasgado do lado, rasgou bastante, não prejudicou porque a carreta era ótima, aliás, os madeirites dela. Eu perguntei para ele: “O que aconteceu?” Aí ele falou: “Eu dormi”. Ele cochilou três vezes. Aí aconteceu o que? Eu estava ultrapassando ele, certo? Quando eu estava terminando de passar ele aqui, o caminhão dele, a cabine, bateu na minha carreta, quando bateu ele acordou, quando ele acordou ele puxou a direção para cá, no que ele puxou para cá, a carreta dele saiu rasgando o meu baú. Aí… enfim, ele assumiu a bronca, eu assinei meu gestor lá, peguei o documento dele e tal, o pessoal da Arteris na mesma hora já registrou tudo. E segui viagem, consegui seguir, não danificou minha carga, graças a Deus. Mas foi bem intenso, porque sendo mulher, com o caminhão daquele jeito, todo mundo olhando e falando: “Só podia ser mulher”. Mas tudo bem, superei.
P/1 - E o seu trabalho nas redes, como é para você poder conversar com outras mulheres, inspirar outras mulheres, poder dividir as suas experiências?
R - Sim! O que eu vejo um pouco das redes sociais também, tu acaba desabafando, às vezes tu fala coisas que é para ti mesmo ali, uma foto que tu posta, aquela frase que você coloca não é nem tanto para as pessoas, é pra ti. Para recordação com certeza, eu amo ir lá atrás, olhar o meu começo. Está sendo super importante, hoje, falar essas coisas pra mim, poder reviver. Eu sempre gostei muito de fotografia, sempre gostei muito de registrar, desde que que não era celular, era câmera, porque são coisas que tu revive, tu não tem ali, cara, tu não lembra de detalhes, às vezes uma foto tem detalhes, ou uma pessoa, uma coisa, muito legal isso. Então eu gosto muito, eu sempre gostei. Então aquela parte ali da rede social me ajudou a chegar onde eu estou hoje, com certeza, desde o meu primeiro emprego, eu tenho certeza. Foi tanto que eu persisti, ligando lá, pedindo a vaga, eles devem ter olhado os meus vídeos no youtube falando sobre o meu sonho. Então aquilo ali eu acho que me ajudou bastante, depois com um tempo que eu fui identificar isso. Então tudo que eu consegui adquirir, vamos dizer que foi com “facilidade”, foi por causa de ser reconhecida pelo amor que eu tenho na profissão. Então a rede social tem o lado ruim, tem muita crítica, você é muito vista. As pessoas parecem que te colocam ali… fica em destaque, para levar uma alfinetada, a qualquer momento. Só que tem o lado bom que você incentiva muita gente, tem o retorno disso, poucas pessoas se identificam, porque as pessoas são muito fechadas, as pessoas não se permitem se abrir, às vezes, ficam com vergonha, não sei. Mas é legal quando tem esse feedback. Dois homens já chegaram em mim e falaram: “Nossa Jana, eu assistindo lá me incentivou também”. Eu fiquei: “Meu Deus”. Gratidão por aquilo ali, muita gratidão, porque tu não espera. Um era um… eu encontrei ele esses dias. Ele era militar, ele se aposentou, e ele queria trabalhar com caminhão, e ele vendo minha história, minhas coisas, minha busca pelo meu sonho, ele foi atrás do dele também. Hoje ele é motorista de caminhão, meu colega de profissão.
[Parte 2]
Entrevista de Janaina Assis Cardoso
Entrevistada por Luiza Gallo
São Paulo, 08/03/2022
Projeto: Aquilo que me move: mobilidade e diversidade - Arteris
Entrevista número: PCSH_HV1160_Parte 2
Realizado por: Museu da Pessoa
Revisado por Luiza Gallo
P/1 - Jana, queria que você contasse para a gente o que você gosta de fazer nas suas horas de lazer?
R - Então, hoje eu gosto muito de sair ainda, eu gosto de natureza, gosto de ir para beira de cachoeira, fazer umas trilhas, gosto de estar em contato, um pouco. Mas hoje como eu estou bastante na estrada, ficar um pouco em casa é gostoso também. Tu perde um pouco a identidade do lar. Então, hoje deitar no meu sofá, dormir na minha cama, não tem preço.
P/1 - E o Covid, essa questão da pandemia afetou o seu dia a dia? Impactou a sua vida de alguma forma? Pensando em aspectos profissionais e também em pessoais.
R - Quando o Covid chegou, eu estava procurando oportunidade no caminhão, foi bem naquela fase ali, já no quinto, sexto mês procurando uma primeira oportunidade, é muito difícil. Exatamente no Covid, foi até bem impressionante, que eu tinha conseguido um serviço ali em janeiro, fevereiro, pouco antes do carnaval, que foi só… que não era caminhão, não era o que eu queria, mas eu peguei igual. E daí eu saí fora, e eu estava tentando um emprego, mas na serra, fazia tempo que eu estava tentando. Quando eu consegui nesse emprego que não era o que eu queria, ele me chamou, e daí eu agradeci: “Não, eu to aqui fechando, finalizando tudo”. Porque eu achei que ia ser caminhão lá onde eu tava conseguindo, lá em Porto Alegre. Aí não deu certo, fiquei bem chateada. E um dia eu estava indo na minha mãe, quando estourou a pandemia mesmo, minha mãe mora na praia, mora um pouco longe. Eu estava indo visitar ela, mas eu estava desesperada em relação a parte de serviço, porque eu estava dirigindo lá na estrada assim: “Nossa, eu queria estar aqui”. Daí eu chorando, pedindo para Deus, conversando: “Por que eu não estou aqui? Ajudando nessa época da pandemia, agora”. Aí eu fui na minha mãe, tive um dia incrível lá com ela, conversei muito, desabafei. E na volta - Deus é maravilhoso - na volta eu recebi a ligação desse senhor me chamando para eu ir lá fazer uma entrevista, fazer um teste com ele. Isso foi numa quarta, quinta-feira ele falou pra mim ir no sábado lá. Aí eu voltei chorando de novo, mas de gratidão. Então a pandemia marcou para mim essa fase, na verdade foi onde eu realizei o meu sonho, comecei ali, bem na pandemia, dia quatro de abril. Aliás, foi no final de março que eu falei com ele, esse período. Aí foi muito bacana. Depois, claro, que com medo eu fui, na estrada com medo, essa questão de poder pegar. E depois eu tive, eu peguei Covid, descobri na estrada. Eu saí de casa, na outra noite tive febre, eu não tenho febre nunca. Pra eu ter uma febre tem que estar doente mesmo. Aí eu tive duas noites de febre e eu percebi que eu peguei esse negócio. Aí eu consegui descarregar o caminhão tudo, e fui para uma UPA, acabei numa farmácia fazendo o exame do cotonete, deu positivo. Aí eu voltei para casa, mas eu entrei meio em pânico ali, porque tu não sabe como seu organismo vai reagir, ainda mais estando fora de casa. Mas eu consegui ir para casa, ficar bem, tudo certo, graças a Deus, mas foi bem forte.
P/1 - Quais os maiores aprendizados que você tira da sua trajetória profissional?
R - Aprendizados? Lidar com o medo, a mulher, uma das coisas que a gente… a sociedade mais põe na gente é o medo, você tem sempre que abaixar a cabeça, coisas de anos atrás. Eu acho que aprendi a lidar com isso. A gente consegue, a gente tem capacidade sim, de buscar o melhor, no profissional e no pessoal, é isso assim. Mas foi o medo mesmo que eu aprendi a lidar. E o lado espiritual, porque aí se junta, duas coisas que dão força para ti ir superando.
P/1 - E como é, para você, ser uma mulher, dirigir caminhão, trabalhar numa área que historicamente, culturalmente, costumava ser realizada por homens. O que isso representa para você, qual a importância disso na sua vida?
R - Nossa, isso é muito forte, é muito orgulho. Hoje eu tenho orgulho de mim, porque muitas vezes, como eu já contei na história aí, eu não acreditava na pessoa que eu era, e hoje eu tenho orgulho da mulher que eu sou, poder reconhecer que eu mereço onde eu estou, e ser feliz. O caminhão é superação, é desafio, pra mim é o amor. Não é fácil, a alguns dias que eu estou aqui, uma situação que eu não estou muito contente, mas estou tentando superar, e é isso que eu considero aqui, a superação, esse desafio, aguentar no osso literalmente.
6:32 - E Jana, quando foi essa virada de chave para você? Que você começou a perceber que você era capaz, que você acreditava em si mesma?
R - Eu acho que foi lá na academia, começou por lá. Eu tenho um complexo, hoje eu já estou bem mais evoluída, mais avançada, de ser gordinha. Eu sempre fui gordinha. Então desde criança sempre ouvindo isso, até hoje o meu irmão me chama: “E ai gorda?”. Então foi uma coisa que foi muito forte na minha vida, impactou demais, me judiou muito. E na academia eu consegui superar isso, eu consegui vencer, foi um dos momentos que eu aprendi que quando a gente quer muito alguma coisa, a gente consegue, mas tem que querer de verdade, não só querer. Então ali foi o primeiro momento, depois aqui foi só para concluir mesmo, caminhão foi a chave total.
P/1 - E quais são os seus maiores sonhos hoje?
R - Hoje… eu realizei tantos em tão pouco tempo. Para ser sincera, eu estou um pouco perdida hoje, posso te dizer, do que eu gostaria. Eu acho que eu quero viver bastante para poder inspirar e motivar muita gente ainda, a ser melhor, quero eu ser melhor para mim. Eu tenho vontade de mais para frente morar numa pousada, para contar umas histórias, ter uma pousada minha, na praia talvez, ou num… Não sei, penso alguma coisa assim. Dessa maneria, é o sonho de hoje. Família eu não sei se vou formar, isso aí que para mim era ser mãe, hoje em dia já não sei. Eu quero é aproveitar agora e concluir esse objetivo, que o meu sonho hoje em dia é conhecer o Mercosul. Eu quero viver isso, eu quero está lá vivendo aqui, ali, eu quero passar uns perrengue na neve lá, dar umas deslizadas, levar um susto, e é isso aí.
P/1 - E o que representa, para você, inspirar tantas pessoas, tantas mulheres, e ter essa troca com elas?
R - Ah, é uma satisfação imensa. Conseguir levar tua história, experiência para a vida de outras pessoas fazendo elas buscarem dentro delas o que para ti foi difícil um dia, pra ti um dia parecia impossível, acho que é mais ou menos isso. É surreal poder acompanhar uma história similar a sua, é gratificante demais, é divino. Esses dias eu peguei um… aqui mesmo, quando eu fui na praia ali. Eu peguei um UBER e o rapaz da volta, eu vim na frente conversando com ele, daí ele falou que ele quer ser motorista, que o sonho dele é ser motorista de caminhão. Nossa, aí eu comecei a conversar com ele assim, falei, falei. “Cara, você está preparado para isso, para isso, para isso?” E eu fui falando. E sabe quando uma coisa é divina assim, que você fala com o coração. Falei: “Não quero te assustar nisso, mas esteja preparado para isso, e assim, assim, assim”. E foi demais aquilo ali, uma conversa gostosa e é a hora que tu sente que Deus te toca assim, para você passar para o outro a tua experiência de vida. Eu amo isso, eu sinto que isso é como se fosse um dom meu. E um dia, inclusive, há muitos anos atrás, quando eu estava tentando resolver a minha vida, eu pensava em ser enfermeira para poder ajudar os outros, eu tinha isso dentro de mim: Eu vim para ajudar os outros. E daí eu pensava: “No hospital eu vou conseguir ajudar”, só que daí eu vi que não tinha sangue para aquilo ali. “Não, não vou conseguir, não é pra mim”. Aí quando entrei na academia, beleza, é isso aqui: Motivar outras pessoas, porque aí com a minha experiência de ter conseguido emagrecer, atingir o meu objetivo, eu conseguia atingir outras pessoas também, para incentivar, mas com o tempo… Daí eu fiz um… quando eu decidi ir para o caminhão eu participei de um - como é que se fala corretamente a palavra - não é um ritual, mas é a medicina que fala, da Ayahuasca. Eu tomei e aquilo ali me abriu a mente assim, que onde eu estivesse, independente do lugar que eu estivesse eu ia ajudar as pessoas com a minha palavra. Ali me mostrou. Daí com o tempo só foi agregando, eu tenho histórias na estrada, de conhecer pessoas no mesmo dia que eram fechadas, consegui atingir lá no íntimo delas e acompanhar… A esposa de um ex colega meu, de ver ela evoluindo, ali foi uma palavra que deu a virada nela, é demais, maravilhoso!
P/1 - Você lembra o que você falou para ela?
R - A minha história. Contei a minha história, porque eu trabalhava com Educação Física também. Senão me engano ela era advogada, ou é alguma coisa assim, e ela não é feliz, o que ela ama é a Educação Física, daí foi uma troca ali, impressionante, minha história de vida. Porque eu também saí da Educação Física para vir para o caminhão, literalmente. E hoje eu acompanho ela nas redes sociais e vejo que ela está evoluindo, foi!
P/1 - Jana, eu queria saber se você quer acrescentar algo? Alguma passagem da sua vida, alguma história, contar algum momento que eu não tenha perguntado?
R - Como a gente falou bastante da família… na minha história, eu tive bastante dificuldade de entender os meus pais no início, quando eles eram muitos novos, quando eles nos tiveram. E hoje eu pude compreender isso, mas até eu chegar nesse ponto, da importância que eles têm na minha vida, que eles são muito importantes, mas ao mesmo tempo eu tenho que ter a minha vida, buscar o meu querer, não o que eles querem. Dividir isso, conseguir estar longe, mas estar presente e amar eles da mesma forma. Então essa parte da superação dos desafios que eu tive lá no início que eu contei já na minha história, sirva de lição, isso eu também gosto de comentar com as pessoas. O ser humano… A gente carrega na vida adulta, o que aconteceu na infância, todos os traumas, as coisas, são lá de trás, quando tu conseguir superar isso e conseguir passar para os outros, porque você encontra muita gente: “Ah, não falo com o meu pai, com a minha mãe, tenho aquela mágoa”. E tu poder enxergar, é bem gratificante isso. E hoje eu só queria deixar bem grifado o quanto eles são importantes na minha vida, eu aprendi, sou grata por tudo que aconteceu lá, para eu ser essa pessoa que eu sou hoje.
P/1- E você gostaria de deixar alguma mensagem para essas mulheres que estão chegando, não sei, algum tipo de mensagem?
R - Hoje eu uso muito a frase: “Não desista dos seus sonhos”, porque é a minha frase hoje, eu sou a prova disso. Nunca desisti. Nós somos capazes de tudo, por mais que a gente pense que não é. Muitas vezes acha que é impossível, se tu te agarrar a Deus e buscar o que tu quer, vai conseguir alcançar. E não é fácil chegar aqui, não é fácil conseguir conquistar, e a conquista continua dia a dia. E não existe resultado sem sacrifício, tu vai ter que botar na balança, porque até chegar a trabalhar… que nem hoje, eu estou numa empresa que eu vou ficar bastante tempo fora de casa, é um sacrifício para mim, estou num caminhãozão, mas eu estou sacrificando essa parte de lazer da minha vida. Então as pessoas não enxergam um pouco isso, então é o que eu digo: “O resultado tem sacrifício”. É mais ou menos isso a mensagem.
P/1 - E por fim, queria te perguntar como foi para você ter compartilhado um pouco das suas vivências com a gente? Como foi estar aqui relembrando de vários momentos da vida?
R - Foi maravilhoso poder relembrar, poder compartilhar isso, compartilhar minha história, marcou bastante. Com certeza me impactou muito. Hoje eu estou muito emocionada, muita coisa está acontecendo. Fico muito contente pelo convite, poder repartir o que a gente tem dentro da gente. Eu sempre gosto de contar as minhas histórias, porque é que nem eu falei, eu acho que eu vim aqui para motivar os outros, e eu tenho muita história aqui dentro. Eu fiquei muito contente de falar para vocês, consegui me soltar, pena que está acabando, eu gostaria que continuasse, tenho muita coisa para falar ainda. Mas é gratificante demais, nossa, eu só agradeço muito, sempre.
P/1 - Querida, eu que te agradeço demais por esses dois dias, pela disposição e disponibilidade de dividir com a gente, de compartilhar. Desde que a gente se falou pela primeira vez, eu fiquei muito mexida, você tem muita clareza. É muito legal te ouvir, muito gostoso!
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