Museu da Pessoa

Visitando o Passado

autoria: Museu da Pessoa personagem: Benedito Paula de Oliveira

Projeto Museus em rede
Realização Instituto Museu da Pessoa
Entrevista de Benedito Paula de Oliveira
Entrevistado por Isabela de Arruda
Registro, 20 de fevereiro de 2011
Código: MMR_CB020
Transcrito por Bárbara Carvalho de Andrade
Revisado por Paola Feltrin Ramos

P/1 - Eu queria que o senhor dissesse o seu nome completo, o local e a data do seu nascimento.

R - Meu nome é Benedito Paula Oliveira, nasci no dia 15 de junho de 1945, foi na Guerra Mundial.

P/1 - E o local de nascimento?

R - Perto do Conchal e de Sete Barras, município de Santa Bárbara, mais no sítio.

P/1 - E qual é a origem da sua família?

R - Acredito que minha família começou em 1553 com um padre que chegou aqui como Eduardo da Costa, pelo que eu pesquisei, por nome de Leonardo Nunes, começou lá. Só que é família Nunes por parte do meu pai e tem Santos da minha mãe; acredito que tenha mais Nunes que são meus parentes. A origem ainda não chegou em um acordo.

P/1 - Onde o senhor morava quando nasceu?

R - Bairro Raposa, aqui perto de Sete Barras,

uns 15 quilômetros, eu acho.

P/1 - Como que era lá?

R - Era simples, uma época que a gente, para ir para a escola, não tinha nenhum chinelo, era com o pezão no chão, andava seis quilômetros para ir para a escola no meio daquela ____.

A gente nem falava em estrada, chamávamos de variante de estrada, muito curta, muito pequena. Era uma vida meio difícil, sem conforto. Hoje tem um chuveiro, televisão, a gente era ignorante, a verdade é essa. Não tinha meio de comunicação, de saber o que se passava em São Paulo, hoje a gente tem um esclarecimento e se interessa também por leitura, de saber o que se passa no mundo.

P/1 - Como era a casa de vocês?

R - Casa grande, simples. Naquela época não tinha banheiro, para fazer as necessidades fisiológicas, tinha que ir lá no meio do mato mesmo. Não tínhamos banheiro, água encanada, no rio que pegava água, fogão a lenha.
Eu tinha oito anos, lembro que minha mãe não tinha conforto, todos nasceram através de parteira, uma avó minha que era parteira de todo mundo. Hoje, se ela fosse viva, teria 153 anos, nasceu em 1857 pelas contas que eu fiz. Era uma época meio difícil, tinha comida, porque meu pai tinha um pedacinho de terra, tínhamos um mangueirão de porco, plantação, então tinha comida, falo pela minha família.

P/1 - E quantas pessoas moravam nesta casa?

R - Nós éramos, eu, meu pai, minha mãe e mais seis irmãos. Depois que meu irmão casou, ficamos só cinco, quatro homens e duas mulheres. Daí vim morar para cá, em 17 de setembro de 1953, passou mais ou menos uns dois anos, em 1956, época que vinha a ___, hoje não tem mais. Da cidade grande para São Paulo, Santos, você vinha com aquela mala ___.

Apareceu o Otávio, nunca me esqueço o nome dele, conseguiu arrumar emprego para as minhas duas irmãs em Santos, ela casou lá, ficou viúva, voltou para cá, mora aqui hoje e um irmão meu foi. Na época não é que nem hoje que ia de ônibus, ia até Juquiá de ônibus, passava pela balsa ____: ia de balsa até Juquiá, daí era de trem, levava horas e horas pra chegar de trem na época. Meu irmão trabalhou lá muitos anos, morou em 1978 lá, fazia 22 anos que não via meu irmão quando ele morreu. Morreu solteiro, nunca casou, com 45 anos, daí trouxemos o corpo dele aqui.

P/1 - Voltando um pouquinho, quando vocês moravam lá em Sete Barras, você falou que plantavam, tinham porco, mas vocês vendiam?

R - Era uma época que não tinha muito valor, que todo mundo tinha. Eu acredito que tinha poucas cidades, de uns anos para cá, muitos anos atrás começou a vir pessoas do sítio para a cidade, mas na época era mais no sítio que ficava. Não é que nem hoje que tem só grande fazendeiro, tinha bastante gente que tinha. Quando matava um porco, dividia com os outros, não dava para vender porque a maioria das pessoas tinha no sítio, pelo menos ali. Aquela lata de 18 litros, fazia torresmo, ficava ali cheio e dividia, tinha caça para comer também, coelho, jacu. As pessoas viviam bem em termos de comida, comiam bem, em termos de conforto não.

P/1 - E tomavam banho onde?

R - No rio mesmo ou na bacia, aliás. Dei uma olhada no registro, até mais ou menos 1969, nós mesmo ainda tomávamos banho de bacia, água fria, uma época que para falar a verdade, era banho “aqui e aqui”,

banho inteiro só dia de sábado [risos]. Sabão de pedra, água do poço de 18 metros, de manhã cedo que enchia o tambor para minha mãe e para o primo que morava com nós. De manhã trabalhava subindo em poça, ele que fazia. Na hora do almoço ele tava saindo para trabalhar em sol quente, sem camisa, no concreto. Depois começou a estudar em 1964, se formou, fez Letras, tem um livro escrito e aí a gente começou a ter mais oportunidade, chuveiro, fogão de gás, que não tinha.

P/1 - Cozinhava de que jeito?

R - Era fogão de lenha, mas paramos de ter em 1962, passamos a ter fogão a gás. Minha mãe tinha mais conforto, ela trabalhava muito. Eu com meu irmão mais novo,

meu irmão que tinha casado, outro em Santos, quando entrei na BR, aqui com 15 anos na CCB [Construtora Central do Brasil]. Nome CCB que tem essa BR, tempo do Juscelino Kubitschek, demos a ele.

P/1 - Vamos voltar só um pouquinho. Antes do senhor trabalhar e tudo mais, queria saber um pouquinho mais do trabalho no sítio. Todo mundo trabalhava? As meninas?

R - Não. Eu não cheguei a encarar, porque ia fazer 8 anos quando vim de lá. Mas minha mãe, os irmãos mais velhos, trabalhavam. A minha mãe ia para a

roça com meu pai, até poucos dias para gerar, quando estava grávida ia para a

roça. Parava só quando ia nascer um filho e estamos aqui, eu com 66 anos, meus irmãos todos grandes [risos].

P/1 - Por que sua família veio para Registro?

R - Meu pai com 48 anos teve derrame. Ele percebeu que meu irmão, que mora aqui até hoje, tem oitenta e poucos anos, tinha casado; esse meu irmão

que morreu em 1968, não tinha muita responsabilidade. Ele achou que no sítio não dava mais para ele. Por que não dava? A mão de obra, ia ter que pagar gente para ajudar; percebendo isso, ele achou bom comprar aqui. Em 1953 comprou uma parte lá onde é a feira, por 13 mil cruzeiros na época. Vendeu o sítio por 18 mil. Esse motivo fez com que meu pai viesse para a cidade.

P/1 - O senhor lembra quando chegou aqui? Como que foi a impressão?

R - Lembro. Onde nós moramos era cerca, nem pensava em fazer muro. Minha mãe há dez anos atrás contou um negócio, que meu irmão Osvaldo, que morreu agora [choro]... Foi o velório dele no ano novo, nós ficávamos ali na estrada indo no Hospital São José. Ali era a estrada antiga que ia para a cidade de Iguape, Jacupiranga e Eldorado, antes da BR. Então, minha mãe contava que os carros passavam ali, eu falava para o meu irmão: “Ô Dito, tá voltando aquele carro, passou e tá voltando”, era outro carro e nós achávamos que era o mesmo carro que estava voltando [risos]. E o carro que eu vi primeiro foi um ___ verde que trouxe nossa mudança, o primeiro carro que eu vi na minha vida. Esse carro tem até hoje no sítio dele, o neto do ___ me contou. Nunca tinha visto o que era um carro.

P/1 - Quando vocês vieram para cá,

o senhor era criança ainda?

R - Eu tinha feito 8 anos.

P/1 - O senhor lembra da infância em Registro? As brincadeiras, quais eram? Como era o dia a dia de uma criança?

R - Nossas brincadeiras eram até oito horas, ficava brincando na frente da rua na luz do luar, já que não tinha energia elétrica. O famoso “caetê”, o pega-pega, a molecada correndo uma atrás da outra. Nossos pais ficavam ali conversando, vendo os filhos correndo. Me lembro de um fato interessante: acredite quem quiser, uma noite nós correndo para lá e para cá, Ataíde, eu, Odenir e mais uma turma correndo, parou um moreninho do meu lado, olhou para mim, deu risada e sumiu na minha frente. Isso aconteceu comigo.

P/1 - O que o senhor fez?

R - Não me assustei, porque eu com 5 anos no tempo do sítio, chegando lá em casa, Chico e padrinho meu, olhei e vinha mais uma pessoa com eles, no meio deles, quando chegaram em casa, tinha só os dois. Na época chegava o padrinho, pedia a benção de mão dada. Aí eu perguntei: “Padrinho, cadê aquele outro?” Já não me assusta, trabalho à noite há 36 anos, a noite é misteriosa. Sou acostumado a ver coisas misteriosas. O segredo é não ter medo, mas também não abusar. A gente se acostuma com o tempo.

P/1 - Tem alguma história que tenha acontecido à noite aqui em Registro que o senhor lembre, dessas noites misteriosas?

R - Tem. Dia 12 de junho de 1994, duas da manhã mais ou menos, sempre comento isso. Tem um bar, em frente ao posto de saúde, o dono já morreu, hoje está alugado, Paulo Machita morreu. Eu estava lendo um livro sobre Martinho Lutero, reformista da famosa Reforma Protestante, porque

sou viciado em ler. Lendo o livro, daqui a pouco, no domingo, uma voz falou: “Paulo Machita morreu”. Quando a gente lê um livro, está concentrado naquilo e eu falei: “Que?”, a voz disse: “morreu”. “Como que pode se eu estou aqui sozinho?” Aí fiquei na minha, levantei para ler, fui até a copa, tomei um café, desci, me ajoelhei, é claro, orei e continuei a noite. O Paulo abriu o bar, o filho dele tinha ido para São Paulo, tinha namorada lá, tinha ido naquele dia à tarde. Quatro e meia da manhã, ele sempre abria o bar. Aliás, eu via ele acender a luz para preparar o bar, o frango assado para vender e cinco e pouco ele pegava a kombi e ia comprar pão na padaria Maré Verde. Nesse dia, não acendeu a luz, cinco horas nada, cinco e pouco olhei de novo, um papel na porta do bar. Abri a porta da frente e fui olhar, estava escrito “fechado, luto”. Tinha um cara em frente a Caixa Econômica, todo dia ele passava cinco e meia, estava aberto

ele ia tomar umazinha [risos]. Ele falou: “O que houve?” “É luto rapaz, tive um sonho, agora é luto”, disse para ele. Eu abria seis horas para os usuários entrarem no posto de saúde, daqui a pouco um senhor, que hoje é morto, Antônio Baiano, era taxista, no dia ele tinha perguntado também sobre, por que tava luto. Eu falei que não sabia. Contei do sonho só, mas não sabia. Ele falou “Dito, Paulo está lá no portão”. Cheguei lá, antes que ele falasse qualquer coisa, saiu lágrima nele. “Dito, mataram ___, o filho dele”. Só que me falaram Paulo Machita, mas foi um aviso, não foi? Tem outras coisas de noite, um barulhinho.

P/1 - O senhor falou que trabalhou na construção da rodovia, é isso?

R - Trabalhei.

P/1 - Como se deu essa construção? O que mudou com essa construção?

R - Na minha opinião, Registro passou a ser capital do Vale; depois disso, quem colocou esse título “Capital do Vale” foi o governador de São Paulo,

Laudo Natel.

P/1 - Como o senhor começou a trabalhar na construção?

R -

Aqui é uma escola, Chico Manuel, terminei de estudar em 1958,

parei em 1959, com 15 anos. Nunca repeti, é que meu pai era doente, quando era para terminar o ano minha mãe ia para o sítio por causa da doença do meu pai. Situação difícil, comia as custas de parentes, João Lopes, nunca me esqueço, era primo da gente, de situação boa, bananeiro. Quando parei de estudar em 1959, eu carregava comida para os porcos de uma mulher, em uma bicicleta, o nome dela era Maria, eu ia buscar comida em um restaurante aqui embaixo, do Luís. Aí esse tal de Zé Mota, apelido de Zé do pé quebrado, morreu há uns meses, ele arrumou serviço para mim na CCB, a firma que fez a BR, eu ia fazer 16 anos. Fui para a CCB, ficava em Jacupiranga, lá tinha um acampamento, às quatro da manhã tinha que levantar todo mundo, subir em cima do basculante, aquele pulo danado para depois a gente ir para o trecho. Eu era boeiro, que vai buscar boia para o pessoal na hora do almoço, mas eu subia de calça curta da primeira vez. Me lembro até hoje - comentei esses dias com um amigo -, um tal de João minhoca, eu nunca me esqueço,

que quatro da manhã quando subia no carro perguntou para a turma: “Quem é esse guri?” Comecei a trabalhar, pegava água, ficava em um tamborzinho, chamava "garrote" ou “gurote”, alguma coisa assim. Tinha que procurar um lugar que tivesse água,

para a turma tomar. Acho que deve ser Juscelino Kubitschek, em 1956, ele fala a frase famosa que ia fazer o serviço de 50 anos em 5 e fez mesmo: fez a BR, fez com que Registro crescesse, porque são duas capitais, São Paulo e Curitiba.Em 1961 eu saí, quando Jânio Quadros renunciou, entrou no dia 11 de janeiro de 1961, pronunciou no dia 25 de agosto, aí o serviço parou, por causa de política. No famoso corte, eu também saí, peguei 33 mil cruzeiros na época, dei na mão da minha mãe, pegava o dinheiro para ajudar na casa, ficava com dinheirinho para ir ao cinema, viciado em cinema e tomar guaraná. Comprei minha primeira bicicleta Caloi com 7 mil na época.

P/1 - O senhor falou que ia ao cinema, o que mais gostava de fazer aqui em Registro nessa época?

R - Cinema e futebol. Nunca dancei, uma vergonha falar que nunca pesquei, nunca fumei, graças a Deus, nunca joguei baralho.

P/1 - O senhor lembra de algum filme que assistiu?

R - Lembro de muitos, porque

passava matinê no domingo, chegou a passar sete filmes. Por que lotava e ia pessoa no domingo seguinte? Porque não terminava, que nem hoje essa série que passa, quando o mocinho ia morrer parava para continuação domingo, quando estava em perigo, a gente batia o pé para torcer, chegou tanto ao fanatismo que um cara, disse que morreu, chamamos de Durango, um faroeste com Durango Kid, Bufalo Bill, Tarzan que era o filme da época. Tinham dois, um é vivo ainda, ele ia para o cinema de chapéu, uma roupa de __, uma bota, e a mão assim, para dizer que estava sacando uma arma [risos]. Até hoje na turma é o maior sarro [risos]. Nós conversamos com os colegas às vezes na brincadeira.

P/1 - E com quem o senhor ia assistir esses filmes?

R - Colegas da gente. A gente com 17 anos arrumava namorada, era aquele namoro de infância.

P/1 - E esses colegas eram de onde? Do trabalho?

R - Nenhum deles trabalhava comigo na BR. Eram da cidade, da Vila Fátima, onde eu moro hoje.

P/1 - Quando o senhor começou a ter esse interesse de estudar, ler muito?

R - Eu me senti bem em uma pessoa, o meu primo. Ele é um cara muito ___, tem livro escrito, poesia, eu tenho o livro dele autografado, tenho livro em São Paulo, fui pesquisar, um dos quatro maiores oradores, ele participou de programa de televisão sobre política, debate e me senti bem com ele e gostei, Hoje eu leio. Só tenho um sonho que é me suportar bem para ter tempo para ler, mas o tempo é pouco, eu sempre gosto de ler, política, futebol, religião e biografia, gosto muito de biografia.

P/1 - Por que o senhor gosta de biografia?

R - Eu tenho isso de gravar, é um vício que eu peguei, chego a acreditar hoje que o cérebro vicia. Ontem mesmo quando surgiu esse projeto de vocês, as pessoas me falaram no meu serviço:“Dito você tem que ir lá”. Eu nem sabia, ontem um cara me falou, aí eu falei: “Calma lá, não é o que vocês pensam”. Eu falei que tem gente que sabe muito mais que eu, tem gente que sabe menos.

P/1 - Senhor Benedito, o senhor trabalha há muito tempo como vigia?

R - Trabalho há 36 anos e 5 meses. Sou o profissional mais velho da saúde. Se alguém falar que é mais velho do que eu, pode falar que é mentira. Se me perguntar porque eu trabalho de vigia, não sei explicar, talvez porque eu gosto da noite. E faço meus bicos de encanamento, pego encanamento da pia, ligo na caixa d'água, esse corpinho do baixinho soa, viu. No último exame que fiz, não tinha diabetes, colesterol, anemia, nada. O médico perguntou-me qual era o segredo. Perguntou se eu ando de carro, falei: “Doutor em 1961 comprei uma bicicleta, nunca mais parei de andar de bicicleta.”Ele disse para eu continuar na bicicleta [risos].

P/1 - O senhor tem algum lugar em Registro que gosta muito de frequentar?

R - Não. Eu não sou de sair à noite, baile, não danço, não fumo.

P/1 -

Mas mesmo de dia, um lugar para passear ou um lugar que o senhor goste.

R - Meu tempo é meio complicado, porque trabalho à noite, eu tenho meus netos que moram em São Paulo, sempre vou lá ver como que estão, meus filhos. Eu paro ali na Vila Fátima, tem um barzinho lá do Zé Sales, que é um brincalhão danado, chego lá, bebo uma cerveja, quando bebo uma cerveja, ele pergunta para a turma se não tem problema com o Conselho Tutelar [risos], diz que sou menor de idade. Mas, eu não sou de ___ , passou anos e anos, sou mais de ___, vou em Cajati, visito minha filha, Curitiba mora a outra filha. Sou muito da cidade aqui, não sou de sair muito.

P/1 - E como é o dia a dia do senhor aqui na cidade?

R - Meu dia a dia aqui é trabalhar à noite, chego em casa e ajudo minha mulher, ela também é funcionária da saúde, sou separado da primeira esposa, meus filhos ficaram comigo na época, dois filhos, não quiseram ir com a mãe. Tenho contato com minha esposa, ela liga as vezes, enfim, nos damos bem, mas não deu certo o casamento. Tem meus netos, são minha paixão, estão lá em casa, uma de 8 anos, Ana Carolina, outro moleque de 19 anos, está fazendo faculdade de Nutrição. Minha mulher faz parte daquele grupo de criação de animais, eu tenho seis cachorros. Lavo a louça em casa para ajudar ela. Me ocupo muito em casa e com meus bicos, não tenho muito tempo. Hoje às cinco e meia,

eu acordei e você pensa que eu parei até agora? Não parei.

P/1 - Tem alguma história marcante

que tenha acontecido com o senhor ou

uma história da cidade que gostaria de contar?

R - Vou contar uma que aconteceu aqui em Registro. Teve a escravidão, passou aqui, dizem que todo mundo que tinha escravo,

tinha terra aqui. Segundo o que dizem, esse Miguel Antônio ia para Iguape com os escravos na canoa. Disse que via a canoa sozinho, dizem que sumiu o corpo dele, dizem ____, é a história que contam. Não era um homem temente a Deus. Tem outra:
um médico aqui, Doutor Monteiro, primeiro médico de __, tem a casa que morava ali, um sobradinho velho. Naquela época eu era moleque, nós íamos na balsa, quando vinha pessoa de São Paulo, de ônibus, descia lá, pedia para carregar mala, 11 anos e esse doutor tava lá um dia. Daqui a pouco um senhor, esses caras que vem de lá achando que é o tal, ele falou: “Ô negão, carrega aqui minha mala”. Ele não fez cerimonia, só pegou a mala do homem e carregou, a turma ficou abismado. Doutor Monteiro carregando mala, único médico de Registro, com um chapéu, foi até ali no Correios, perto do Banco do Brasil. Chegou ali e o cara falou: “Aqui está bom, pega um gosta.” Ele falou: “Negativo, é tanto.” O cara perguntou se ele pensava que era doutor, ele disse: “Pois é, eu sou o doutor Monteiro.” Tem mais, talvez na hora eu não me lembre.

P/1 - Senhor Benedito, agora a gente já está indo para o finalzinho da entrevista, eu queria fazer duas perguntas a mais para o senhor. A primeira é se o senhor tem algum sonho ainda hoje.

R - Meu sonho são meus netos, meus filhos, são os netos dos outros, porque a felicidade não é só olhar a família da gente. Tantas pessoas perdidas por causa de droga, mãe chorando, pai chorando, se o governo se interessasse em montar clínica pública para combater isso, esse é meu sonho. Não é só pela minha família, pelos filhos dos outros, porque eu acho que não basta falar que sou feliz só porque minha família está toda boa. A felicidade consiste em ver os outros bem também. Até cito Manuel Garrincha em 1982 quando ele deu uma entrevista para Jacinto Figueira Júnior. O Jacinto pergunta pra ele: “Garrincha, você é feliz?” Ele fala assim: “Jacinto, eu sou feliz quando eu vejo as pessoas felizes”. Eu cito ele. Eu cito até Buda, em 567 a.C, ele achava que era feliz vivendo em um palácio, numa boa, comendo coisa do melhor, o pai dele não deixava ele sair de lá. No dia que ele saiu de lá sem o pai ver, viu como era o sofrimento, foge e vive __, ele não achou que era justo só ele ser feliz, aí surgiu o Budismo. Não adianta eu ter um castelo, do bom e do melhor e gente passando fome, frio. Eu estou seguro se a pessoa ficar bem também.

P/1 -

A última pergunta é, o que o senhor achou de contar um pouquinho da sua história para a gente aqui hoje?

R - Eu espero que eu não tenha desagradado. O que eu costumo dizer, a gente só dá aquilo que tem. Você tem um tempo para terminar, eu sei, reconheço. Se demorasse duas horas, não só eu, como mais gente que vem aqui teria assunto para essas duas horas, mas vocês têm o tempo. Fico feliz e agradeço vocês. É muito importante isso que vocês estão fazendo. Como é o nome mesmo?

P/1 - O Museu em Rede?

R - Isso! É muito importante, porque faz com que as pessoas fiquem mais conhecidas. E amanhã talvez encontrem com a gente [risos]: “te vi lá”.

A gente sempre procura falar aquilo que sabe, nunca se pode inventar, me perguntam: “Opa, você sabe isso?” Se eu não sei, falo que não sei, falo aquilo que eu acho que é. Tá bom?

P/1 - Está ótimo! Muito obrigada senhor Benedito.

R - Foi muito bom para mim.

----------Fim da Entrevista---------