Museu da Pessoa

Uma vida política

autoria: Museu da Pessoa personagem: Marijane Vieira Lisboa

Projeto Memória da Convenção da Diversidade Biológica
Entrevista de Marijane Vieira Lisboa
Entrevistada por Stela Tredice e Carolina Ruy
São Paulo, 15/05/2006
Entrevista número: BIO_HV024
Realização: Museu da Pessoa
Transcrito por Bruno Paes Mortari Justo
Revisado por Carolina Ruy e Luiza Gallo Favareto

P/1 – Então a gente vai começar pela sua identificação, qual é seu nome completo?

R – Marijane Vieira Lisboa.

P/1 – Qual o seu local nascimento e a data?

R – Rio de Janeiro, 1947.

P/1 - Qual é o nome de seus pais?

R – Aristides Lisboa e Judite Vieira Lisboa.

P/1 - Qual é a atividade deles?

R – Era! Eles são falecidos, meu pai era bancário e minha mãe dona de casa.

P/1 – Qual é a origem desse nome, do seu sobrenome Lisboa?

R – Não se sabe muito bem não, porque os pais dos... Os avós do meu pai, vieram de uma região do norte de Portugal, não de Lisboa, mais por alguma razão eles já tinham esse sobrenome, algum dia ainda vou investigar isso (risos).

P/1 –A senhora tem irmãos?

R – É eu tenho uma irmã.

P/1 – E o que ela faz, qual é a atividade dela?

R – Ela é bancária, aposentada.

P/1 – Agora vamos falar um pouco da sua infância, como era o bairro que você morava, a sua casa, o cotidiano assim?

R – Eu morava no Flamengo, no Rio de Janeiro, já era um bairro bastante verticalizado, nasci em um apartamento, nasci em um apartamento não, em um hospital, mas cresci em um apartamento, nono andar, já não tive a experiência de brincar na rua, andar pelos jardins, etc, tinha uma pracinha ali perto, mas já era uma situação bastante… Mais urbanizada. Mas meu pai comprou um sítio, no Sul de Minas, da onde a minha mãe era, e nós passávamos as nossas férias todas, que naquela época eram bastante grandes, eram três meses no fim do ano, eram dezembro, janeiro e fevereiro, depois julho, a gente passava sempre nesse sítio que virou uma fazenda depois, e isso ai me deu a oportunidade de ter o mínimo de natureza, fora a praia do Rio de Janeiro, obviamente (risos), que era boa naquela época, que não era poluída, que dava pra nadar (risos).

P/1 – Como que a senhora começou os seus estudos?

R – Bom, estudei normalmente em um colégio americano perto da minha casa, um Colégio Protestante, o Benet, hoje em dia é uma universidade particular, e depois eu morei um ano em Brasília, em 65, fui morar com uma tia que morava lá, fiz o Segundo Clássico, depois voltei, fiz o terceiro, naquela época nós tínhamos o Clássico e o Científico, fiz o Terceiro Clássico no Rio de novo e fiz o vestibular entrei na Federal do Rio de Janeiro, no curso de Ciências Sociais, que eu cursei durante particularmente três anos, 67, 68 e 69, em setembro de 69 eu fui presa, eu pertencia a um movimento, uma organização daquelas que era clandestina na época, porque não se tinha liberdade, obviamente, para se organizar, nem para pensar. Aí eu fiquei presa um ano e meio, sai em janeiro de 71 da prisão, fui presa de novo. Saí e fui presa de novo e aí eu me exilei na embaixada do Chile, aí eu fui pro Chile, era o Governo do Allende, e fiquei até o Golpe Militar contra o Chile, contra o Allende, e lá eu voltei a estudar Ciências Sociais de novo, só que o currículo era completamente diferente de modo que eu tive que fazer outras coisas, tive Materialismo Histórico um, dois, três, (risos), Materialismo Dialético, capital, porque aí o curso era todo com uma orientação assim marxista, de esquerda, mas aí veio o Golpe Militar, e eu saí do Chile e me exilei na Alemanha, e aí eu voltei a estudar de novo, também não valeu nada do que eu tinha feito no Chile, nem nada do que eu tinha feito no Brasil, de modo que eu comecei a estudar de novo, até porque não adiantava mesmo que eu tinha que aprender Alemão, não falava Alemão, e depois de quatro anos de estudo na Universidade Livre de Berlim, que naquela época era Berlim Ocidental, porque a Alemanha ainda tava dividida em duas partes, ai eu tirei o meu diploma, que lá, naquela época, acho que hoje ainda correspondia a um mestrado, porque se fazia uma tese, depois defendida a tese, fazia as provas escritas as provas orais, etc, e então eu tirei, tudo isso em fevereiro de 78. Ai eu passei um ano ainda na Alemanha antes que saísse, que viesse a anistia, esse ano eu trabalhei no Instituto do Governo Alemão, que é um instituto que faz cooperação com o terceiro mundo. Eu dava aula de português para os alemães que vinham para o Brasil e aí eu voltei para o Brasil. Aí eu cheguei ao Brasil em novembro de 79 e em setembro de oitenta eu comecei a trabalhar na PUC, como professora de Metodologia Científica, algo que eu não entendia absolutamente, mas foi o emprego que apareceu, e depois... Bom, desde então eu nunca deixei de trabalhar na PUC, às vezes eu entro de licença completa, às vezes eu entro de licença parcial, mas já faz, quer dizer, são 25 anos praticamente que eu estou na PUC.

P/2 – E Marijane, de alguma forma essa experiência da sua infância, voltando um pouquinho, lá do sítio do seu avô, você acha que de alguma forma te despertou pra essas questões relacionadas ao meio ambiente?

R – Eu não sei porque, na verdade quando eu fui chamada para trabalhar, convidada para trabalhar no Greenpeace que foi o meu primeiro contato assim profissional com a questão do meio ambiente, e claro, eu tinha uma certa simpatia pela causa ambiental, mas eu tinha como eu tinha por todos os chamados novos Movimentos Sociais, pelas Lutas Anti Racistas, Feministas, Pacifistas, era assim um bloco de questões novas que nós chamávamos, justamente nos novos Movimentos Sociais, nas novas causas, com as quais eu me identificava em geral, eu não tinha nenhum conhecimento particular assim da questão ambiental. Quando eu fui convidada para trabalhar no Greenpeace, o Greenpeace Brasil estava acabando de ser fundado e havia uma americana que estava organizando o Greenpeace e ela tinha aquele critério da cota sexual, de gênero, então tinha que ter não sei quantos homens, não sei quantas mulheres e não tinha nenhuma mulher, e alguém então falou: "ah, eu tenho uma amiga que não sei o que, que trabalha na PUC, ela é legal". E outra coisa, ela tava procurando por pessoas que tivessem experiência de América Latina, porque era pra montar a Greenpeace América Latina, não era Greenpeace Brasil, então tinha que ser alguém que conhecesse outros países da América Latina e que de preferência falasse bem o espanhol, e era exatamente o meu caso, eu tinha morado no Chile, etc, falava bem o espanhol, então ela me convidou. E eu, pra falar a verdade, aceitei por razões praticamente financeiras, porque a PUC pagava, naquela época, bastante mal, era um inferno cada semestre, porque a inflação comia o salário, tinha que fazer greves. Eu fui da associação de professores lá, fiz vária greves, e tinha dois filhos, era viúva, quer dizer, era difícil sustentar com aquele salário, vivia fazendo tradução, intérprete simultânea, aula de português para alemão, eu fazia várias coisas ao mesmo tempo, ai eu achei pelo menos era um bom salário naquela época, eu pedi licença da PUC em tempo integral e fui para o Greenpeace, mas com aquela sensação de que era um assunto que eu não conhecia e que eu não achava que eu gostasse de fazer. E eu fui trabalhar justamente não com natureza, eu fui trabalhar com poluição urbana, era uma campanha de substâncias tóxicas e eu não entendia nada de Química, eu tinha inclusive falado pra americana, falei: "olha, a única matéria que eu fui mal na escola foi Química, eu sou péssima pra Química, nunca entendi essa história", ela disse: "não, não precisa, o que você precisa entender é a lógica da política", e de fato depois disso a quantos anos eu estou nessa aí, eu vi que muitas vezes eu consigo entender melhor um assunto, justamente porque eu não sei a fórmula química do assunto, eu sei quais estão sendo as opções tecnológicas que existem, quais são as consequências, etc. Então não sei se aquela natureza ali no começo me ajudou não, eu acho que aquela natureza ali me deu um espaço de liberdade, era isso que eu sentia muito quando eu voltava para o Rio de Janeiro, a primeira vez quando a gente chegava em casa, naquele apartamento e fechavam a porta, eu andava por ele assim como uma fera presa, e aquilo só dava janelas, e outras janelas, e outras janelas e aquela sensação de que não tinha espaço. É, eu gostava demais da fazenda, mas eu não sei se inicialmente eu relacionei não, acho que muito tardiamente eu fui relacionando o quanto que a natureza, até porque eu não trabalhava com esse lado, então eu trabalhava mais com a poluição química, etc., acho que quando eu comecei a trabalhar com transgênicos, e aí eu comecei a ter que entender como é que era essa questão de agroecologia, aí acho que fui recuperando isso, que eu gostava, eu sempre gostei de fazenda, de natureza de bicho, etc.

P/2 – E essa sua experiência com transgênicos, o que você fez exatamente, o que você tirou dessa experiência?

R – Eu tirei acho que muita coisa, antes de tudo, pra mim, hoje, o assunto que eu mais gosto e eu acho que... Eu também fiquei muito gratificada, porque quando o pessoal do Greenpeace me convidou para olhar essa campanha, não existia essa campanha, havia uma pressão da Greenpeace Internacional, para que a gente abrisse uma campanha no Brasil e também na Argentina e a Greenpeace Brasil não queria e nem a Greenpeace da Argentina, eles achavam que era um assunto ingrato, que isso funcionava para países do primeiro mundo, onde o consumidor era um cidadão exigente e que portanto tinha base social suficiente pra desenvolver uma campanha, mais que no Brasil ia ser… Era um caso perdido e eu levei todo o material que eles me deram pra estudar porque era pra eu dar um parecer praticamente, se valia a pena ou não fazer alguma coisa, e eu levei e eu fiquei absolutamente encantada com a lógica, digamos, perversa que estava por trás da questão do transgênicos, quer dizer, essa história do violentar a natureza para que ela produza do jeito que a gente quer e do jeito que ela está produzindo, o problema que ela tem, já é decorrência de uma maneira errada da gente produzir, mais aquela onipotência humana, do bom, agora então a gente vai mudar. E eu achei que a causa era bem maior do que na verdade o problema dos transgênicos em si, e aprofundar de uma forma de lidar com a natureza, que pode ser fatal pela arrogância dela, pela pretensão em mexer em alguma coisa que a gente não entende, etc. E eu voltei ao pessoal da Greenpeace e falei assim: "eu acho que essa é a maior causa ambiental que nós temos a nossa frente, muito mais que a questão do clima, muito mais que a questão da poluição tóxica, etc., etc., e eu me disponho a trabalhar nisso mais, então eu quero todas as condições pra isso". E o pessoal do Greenpeace Brasil na verdade não queria ouvir isso, queria ouvir assim: não dá mais pra fazer, essa é uma causa perdida mesmo, deixa pra lá, a gente justifica de alguma maneira pro pessoal do Greenpeace Internacional que não dá pra fazer. Mas eles não gostaram de ouvir isso, mas a Greenpeace Internacional gostou, o que era bastante importante e eu comecei então a campanha dos transgênicos no Greenpeace, de certa maneira comecei no Brasil, porque tinha de fato algumas pessoas preocupadas com esse assunto, mas eram pessoas isoladas, aqui, ali, algum agrônomo que acompanhou o assunto, sindicato de trabalhadores, de indústrias alimentícias, mas praticamente não tinha nenhuma entidade trabalhando com esse tema, e então eu fui pro IDEC, convenci o IDEC a entrar na história e fui atrás então dos outros movimentos que eu achava que poderiam compor, de modo que, eu assim, acho que eu fui muito importante para esse movimento no Brasil e isso de fato me dá muita satisfação.

P/2 – E foi uma campanha, lembra um pouquinho como foi essa campanha, ela foi voltada ao que? Para as instituições, público em geral, para a mídia?

R - A ideia que a gente teve foi que ela tinha que ser uma campanha voltada para o público consumidor de classe média, a primeira coisa que a gente discutiu foi o nome, assim dentro do Greenpeace o pessoal dizia: "vamos chamar de organismo geneticamente modificado, vamos chamar de mutantes mesmo", um colega meu falou: "alimentos mutantes, alimentos mutantes, muita coisa é mutante hoje em dia, então não dá, organismo geneticamente modificado é um nome técnico, científico, a gente afasta as pessoas disso, vamos arranjar um nome que seja palatável, transgênicos", então assim, desde a decisão do nome, a gente já começou por aí, porque no começo nos jornais apareciam uma coisa ou outra, vários tipos de formas, e depois de um ano mais ou menos, tava consolidada essa nomenclatura para os transgênicos, a primeira ação que nós fizemos foi lá no porto de São Francisco do Sul, no Norte de Santa Catarina, com um navio americano que chegava.
A minha ideia foi: vamos fazer uma coisa bem grande assim já pra estourar desde o começo, lançar a campanha com toda aquela técnica, que normalmente o Greenpeace tem de uma ação direta, etc. Então nós sabíamos que vinha esse navio americano e nós ficamos cercando a chegada do navio, enfim, treinando gente, a Greenpeace Internacional mandou dez ou quinze pessoas muito treinadas que já tinham feito a mesma coisa que era abordar o navio e subir o navio até lá em cima, escalava o navio. Foi muito difícil porque o navio acabou chegando antes do previsto, os ventos estavam a favor dele, e isso é ruim, e a gente quando saiu correndo para segurar o navio, umas das lanchas pifou no motor, nós ficamos com duas lanchas só, era um domingo, o pior dia para mídia, toda a nossa aposta que ia chegar na segunda feira ou na terça… Era um domingo, São Francisco do Sul não tem acho que antena direta, de satélite, a gente tinha que levar até Joinville, alguma cidade ali perto, foi complicadíssimo. Na última hora a Globo tinha combinado tudo a gente tinha dado, prometido, nós tínhamos prometido exclusividade para a Globo, ai era domingo e a Globo não queria, aí nós saímos atrás de Bandeirantes, etc., mas já estava uma situação muito pior do que nós esperávamos. Então a gente não conseguiu segurar o navio no mar, o navio chegou no porto. Quando ele chegou no porto aí os barquinhos que estavam, os dois que tinham sobrado, dando a volta, o navio praticamente foi... Quer dizer, deram ordem para o navio ir atracando, então o navio quase que foi amassado, foi um momento assim complicadíssimo. E eu, eu já tinha avisado todo mundo, eu falei: "olha, esse negócio de subir em árvore, descer, não é comigo, a minha parte é mais política", pois eu tive que fazer coisas, eu entrei, pulei a cerca, fui lá atrás dos... Tinha contratado jornalistas nossos para cobrir, passar depois as imagens para os jornalistas, eles estavam sendo presos, ai eu tirei os caras da mão da polícia portuária, tirei o chapéu do Greenpeace, fingi que eu não era, falei que eu era de uma televisão, falei: "olha aqui vocês, esses caras tão pagos para trabalhar, vamos ____!" Então a gente vai filmar, não o pessoal tá sendo amassado ali, já porra! Os jornalistas mesmo foram lá correndo, com isso deu uma imagem incrível, porque o navio apertando o barquinho, etc. Aí a Globo chamou, disse que queria a imagem, aí nós passamos, nós entramos no fantástico às dez horas da noite assim estourando, então foi um começo difícil, mas perfeito (risos), como tinha que ser. Pela primeira vez os brasileiros souberam o que era transgênicos, que tinha navio, que estavam comendo soja, o governo teve que dar esclarecimentos a respeito. Aí depois a gente começou a acompanhar como estava sendo o processo de… Ganhamos, inclusive, entramos na justiça, ganhamos uma primeira liminar de que a importação de soja não podia acontecer sem que houvesse um processo de autorização, e aí junto com o IDEC nós formamos então, montamos uma estratégia de barrar a autorização para o plantio, porque poderia acontecer como acabou acontecendo, tivemos alguns percalços, porque, por exemplo, no dia de entrar no tribunal com o pedido de, a liminar, o advogado do Greenpeace não entendeu bem o que era, não foi trabalhar com os advogados de IDEC durante o fim de semana, ai na segunda feira a gente não podia esperar muito, o IDEC entrou sozinho, ai ficou uma coisa meio estranha, o Instituto de Defesa do Consumidor entrou com um recurso contra a possibilidade de plantar, e nós já tínhamos entrado antes com um recurso contra a possibilidade de consumir, tava tudo trocado (risos), o Greenpeace trabalhando na causa do consumo e o IDEC trabalhando na causa do plantio, mas foi o que deu pra fazer. E daí pronto, e aí nós fomos articulando então uma rede, a ideia foi… Desde o começo eu sempre pensei assim, uma campanha como essa deve pegar movimentos muito diferenciados, então tem que pegar consumidor, tem que pegar agricultor, ambientalistas, de preferência outros setores sociais que possam também aderir, mas basicamente a ideia sempre foi consumidor, ambientalista e agricultura ecológica, esse tripé, de base social.

P/1 – Só para eu entender, essa campanha em que ano que se deu?

R – Isso foi finzinho de 97, foi novembro de 97.

P/1 – Portanto foi posterior a 92, então já existia a convenção da diversidade biológica?

R – Sim, sim, sim.

P/1 – Vocês, de alguma forma, usaram esse documento para essas ações que vocês pensaram, essas ações foram pautadas pela CDB?

R – Não, é que dentro da CDB já tinha havido uma menção quando ela aconteceu, a possibilidade dos países membros estudarem a possibilidade de um protocolo de bio-segurança, então havia isso mencionado em um artigo de CDB, se não me engano, e aí em 95, finalmente, eu acho que se eu… Eu não estava acompanhando isso ainda, começa a se, a negociar então o Protocolo de Cartagena que seria um protocolo específico dentro de CDB para tratar disso. Então em 97, quando nós abrimos essa campanha, já tinham acontecido algumas reuniões do comitê intergovernamental - acho que chamava intergovernamental - de negociação do protocolo, eu não estava acompanhando ainda. Quando eu comecei a campanha, começo de 98, teve uma reunião em algum lugar, eu como estava começando a campanha... O pessoal do Greenpeace Internacional não queria que eu saísse daqui, porque ainda tava tudo muito no início, aí foi o David, eu só fui para o protocolo de Cartagena, no fim de 98 pra... Na verdade em fevereiro de 99, quando houve a reunião que era para ser a última e para ser aprovado o protocolo de Cartagena, em Cartagena na Colômbia, ai eu já estava a um ano na campanha. E aí eu fui, foi essa reunião que fracassou, porque os Estados Unidos se opôs absolutamente, ali tinha surgido o grupo de Miami, entre a anterior e aquela tinha se estrutura esse grupo de Miami que compunham-se os Estados Unidos, o Canadá, a Argentina, o Uruguai, o Chile, a Austrália, eu não me lembro da Nova Zelândia, mais acho que não, não, só esses aí, que foi uma estratégia muito inteligente dos Estados Unidos de romper com o G77. O G77 é uma agrupação dos países do, basicamente todos os países do terceiro mundo, quando ele surge o que não havia era... O que havia do outro lado era o G7, que hoje já virou sei lá qual, oito, nove, dez, já tem vários, e esse bloco em muitas negociações internacionais foi um bloco que funcionava como oposição em geral as políticas americanas, norte americanas, canadenses, sempre houve esse bloco, Estados Unidos, Canadá, Austrália, Nova Zelândia, sempre um bloco mais reacionário nas políticas ambientais internacionais e o G77 muitas vezes ganhava a parada porque justamente era um bloco grande, 77 países mais a China, a China vota junto com o G77. Então o que os Estados Unidos fez, ele fez uma reunião pelo visto acho que em 95, 96 não me lembro mais quando, e ele formou um grupo que reunia três países do terceiro mundo, que é o Chile, o Uruguai e a Argentina, e com isso ele quebrou o G77. O G77 não podia mais existir como tal, então essa reunião de Cartagena foi uma reunião que era pra terminar a negociação do protocolo e ela falha, não se chega a um texto comum, um acordo, por oposição desse grupo de Miami. Foi aí a primeira vez que eu fui participar do protocolo.

P/1 – E qual foi a sua impressão, o que você se lembra, teve algum evento, algum fato que tenha te marcado em especial em ter participado dessa reunião?

R – Pra mim foi… Eu trabalhei demais, porque o que aconteceu, a equipe do Greenpeace era uma equipe de umas de dezoito pessoas, tinha gente de todos os países praticamente, a equipe de jornalismo deles não falava espanhol, era um menino ótimo da Finlândia, eu me lembro que eu briguei com ele uma hora, porque assim, até pra telefonar pra pegar ficha ou sei lá, pedir cafezinho, eu tinha que fazer a tradução pra ele, eu falei: "pô, mas não é possível entender, como você não fala espanhol, você vem para cá e eu falo já quatro línguas. Eu sou Finlandês, falo Sueco, falo Alemão, falo Francês, falo Inglês seco". Eu falei: "tá bom. Desculpe (risos). Não dá pra exigir que fale tudo". Mas assim, eu trabalhei enlouquecidamente, eu cuidei de toda parte de lobby interno, toda parte de mídia. Eu que tive que fazer as entrevistas, tive que falar, tive que cuidar da libertação de colegas que foram presos quando fizemos uma ação direta. Chegou um navio também dos Estados Unidos com soja também pra Colômbia, e o Greenpeace tava também preparado. E aí cercou o navio, e aí a marinha prendeu o pessoal do Greenpeace que tinha feito a ação e eu que tive que negociar com o comando da marinha pra libertar, que foi uma negociação gozadíssima, porque acho que eles estavam no fundo, favoráveis, eles estavam satisfeitos (risos) com a história de ter sido pego o navio com soja sem ter autorização também para importar, e depois de várias negociações durante dois dias pra soltá-los, etc., etc., esse comandante da marinha que falava comigo me telefonou de novo e disse que queria entrar para o Greenpeace, aquela coisa que sempre acontece na Colômbia, é muito comum militares telefonarem e dizer que eles acham o máximo a história do Greenpeace, que eles queriam entrar, como é que eles faziam para entrar (risos).

P/1 – Mas ao seu ver o resultado do protocolo de não ter sido favorável, o que você sentiu, o que você pensa disso?

R – Bom, nós assim, os ambientalistas, não só o Greenpeace, todas as organizações que estavam lá nas últimas horas da negociação, nós estávamos preferindo que fracassasse, porque já se tinha cedido tanto pra que se tivesse um acordo que o que ia sair não se ia servir para nada, e aí de fato os Estados Unidos, nem aquela proposta super aguada, que era alguma coisa parecida com o que acabou acontecendo, quer dizer, eles iam aprovar a necessidade de identificação de cargas somente pra sementes e aí algum dia ia se reunir pra discutir se era o caso ou não de rotular, de identificar claramente transgênicos que estivessem sendo exportados como alimento ou ração animal, e aí nem isso os Estados Unidos aceitou. Então assim, eu me lembro do fim da rodada de madrugada, quando os Estados Unidos saem da salinha que eles estavam lá e aí vem assim: não, os Estados Unidos não aceitaram. E nós, cá entre nós, festejamos, porque nós achamos que ia ser muito ruim como resultado, embora a gente tenha ido para lá cheio de esperanças. O que nós vimos foi que quando nós chegamos em Cartagena, o presidente daquele grupo Inter-governamental que era um técnico acho que da Dinamarca, não lembro mais o nome dele, era uma pessoa bastante respeitada, ele tinha feito modificações no texto que estava sendo negociado, modificações radicais, que tinham desvirtuado o básico do texto, justamente em vez de os transgênicos serem tratados como um conjunto, ele separou nessas duas categorias, aqueles que são exportados ou enfim para serem usados para sementes e do outro lado ele criou essa categoria do FFP, que é Food Feed, e aí esses ai não estavam sujeitos a nenhum controle. Então nós fomos entender porque ele tinha feito isso, nós ouvimos falar que os Estados Unidos tinham chegado e dito: "olha, se você insistir nesta tentativa de identificação de todo o movimento, transgênicos, nós vamos dizer não, não, não, e não vai sair nada". Então o nosso problema é que nós não queremos que o comércio de grãos de commodities seja sujeito a este tipo de restrição de identificação, então você tem que procurar uma solução". E ele procurou, então o que ele fez? Ele separou, mas ao separar ele tornou o protocolo um negócio ridículo, porque importação de semente transgênica é uma coisa que se faz em pouquíssimos casos, porque se trata de transpor sementes para ecossistemas distintos, raramente isso se adequa, quer dizer, a gente pode ter entre a Argentina e o Rio Grande do Sul, Argentina e o Paraguai e olhe lá, porque algumas das sementes usadas na Argentina, não se deram bem no Brasil já, por causa da mudança climática. Bom, e ele, naquela situação que é muito comum em diplomata, o diplomata acaba achando que o mais importante é ele ter um produto final, não importa qual, a consistência desse produto final, dessa coisa que vai ser negociada. Então nós chegamos lá e quando vimos o texto que ele apresentou, de fato uma enorme decepção pra todo mundo, passou-se coisa de uma semana tentando negociar e nenhum progresso, foi a primeira vez que eu vi isso, porque eu já tinha participado de toda a negociação da convenção da Basiléia, que dia após dia não havia nenhuma plenária ou apenas havia plenária, se abria a plenária e se comunicava, o grupo de trabalho dos amigos do presidente não chegou a nenhum acordo, aí fechava-se a plenária, aí as pessoas ficavam fazendo qualquer coisa e algum grupo, os grupos mais importantes, poucas pessoas negociando a portas fechadas em algum lugar, e o grande negociador pelo grupo que defendia uma forma mais ampla de protocolo era o Vold, que era o Vice Ministro do Meio Ambiente da Etiópia, que é um personagem assim, extraordinário, um velhinho já, ele já deve ter uns setenta anos e ele sozinho passava noite após noite, dia após dia representando aquele grupo enorme de países que se auto chamou grupo que pensava igual, era uma coisa muito estranha, junto com os americanos, os australianos, os canadenses, os argentinos, que aí sim eram delegações de quinze, vinte pessoas que se alternavam, iam dormir, cada um cuidava da um tema, uma parte da negociação, etc. E o Vold cuidava de tudo, noite e dia, e as ONGs, nós, ficávamos do lado de fora da sala, até porque tinham várias das ONGs que são advogados, então eles são capazes de analisar coisas que o Vold não era, o que significava cada palavrinha daquela que vinha como proposta, vamos mudar isso, vamos tirar aquilo, vamos criar um artigo, etc., então tinham alguns biólogos, alguns advogados das ONGs, o Greenpeace, WWF e outras ONGs menores, tinha umas da América Latina também, ficavam do lado de plantão, nós nos revezávamos dormíamos quatro, cinco horas, etc., ficávamos ali do lado de fora para darmos assistência quando Vold saía, desde assistência jurídica até assistência do tipo, sanduíche, coca-cola, café, porque ele tinha que virar a noite. E foi a primeira vez que eu vi isso, passar uma semana inteira, sem objetivamente nenhuma plenária, a reunião termina sem nenhum resultado, fracassa, eles abrem. Não me lembro mais qual era a conferência, era uma conferência extraordinária da convenção da diversidade biológica para receber a proposta final do texto e aí aprovar, sem portanto proposta final aprovada. Abrem sobre a presidência do Ministro da Colômbia, que era o Juan Maer que é um personagem também absolutamente decisivo pra ter saído esse Protocolo de Cartagena. Ele então abre a conferência, recebe a informação de não há nada, ele já tava lá, porque ele era o ministro e ele então força durante mais três dias a discussão, só que ele muda totalmente o esquema, em vez dele deixar aquela reunião fechadinha ali, ele constitui vários grupos, ele dizia: "aqui nós temos grupos diferentes, temos realmente o grupo de Miami, temos o grupo da Europa Central", tinha um grupo que era um grupo assim, da Suíça, Japão, não sei o quê, que estavam interessados em ajudar a chegar a um acordo, mas eles não tinham posições próprias, a União Européia. E ele então força uma discussão, não chega a ser nenhum acordo, e aí ele declara que ele vai fazer duas reuniões informais durante o ano pra depois dentro de um ano tentar uma nova, quando tivesse uma nova conferência, ver se tinha um texto aprovado. E ele faz duas reuniões, uma em Montreal, que eu não fui, e outra em setembro em Viena, aí depois então o protocolo vai ser de fato aprovado, em janeiro de 2000, e ele vai pressionando, pressionando. Ele fazia coisa muito gozadas, por exemplo, ele fez o grupo de Miami, todos os outros jurarem, fazer um juramento, ele escreveu um texto assim: juro que em boa fé contribuirei para chegarmos a um acordo, etc. (risos), e ai os países assim, não mais porque tem, não. Ele falou: "eu gostaria de ouvir a sua, eu quis pôr nas atas, eu gostaria que cada um do grupo de Miami jurasse que está aqui de boa fé, pretendendo negociar e não esperando na verdade que a OMC...", porque é isso que nós sabíamos que estava em jogo, o Japão e o Canadá tinham apresentado uma proposta de formar um grupo de trabalho pra discutir como garantir um comércio de transgênicos flexível, rápido, menos regulado possível, seguro, etc., e dentro da OMC. Essa proposta ia ser votada naquela famosa reunião da rodada do milênio em Seattle, então quer dizer, um ano antes, o que fazia o grupo de Miami, obstava qualquer avanço dentro do Protocolo de Cartagena, porque se a OMC abrisse mesmo, criasse um grupo de trabalho sobre isso ela iria trabalhar rápido, ela estabeleceria certas regras, e aí o Protocolo de Cartagena tinha que ser colocado na gaveta, porque aí teria perdido completamente qualquer possibilidade de regular a questão do ponto de vista ambiental. Então eles estavam fazendo corpo mole, e o Juan Maer foi apertando, apertando, mesmo assim ele não conseguiu nada com as duas reuniões, a de Montreal e a de Viena, e quando... Mas aí o que aconteceu, em Seattle, as negociações fracassam da rodada do milênio e tava lá a proposta do grupo do Japão, do Canadá, e inclusive essa proposta era umas das coisas que serviam de moeda de troca, por exemplo, o Brasil tinha tomado posição, o Itamaraty, que ele topava aquela ação daquele grupo de trabalho desde que os Estados Unidos, obviamente a União Européia, se dispusessem em abrir a questão dos subsídios, dos produtos agrícolas, das cotas de importação de produtos, tava negociando.
Eu me lembro da gente lá em Seattle, nas reuniões que a delegação brasileira fazia pra mídia, pra explicar o que tinha rolado durante o dia, era o Pratini de Moraes que era o Ministro da Agricultura, Celso Amorim tava presidindo a delegação brasileira, e o Pratini assim. Eu perguntei sobre isso, falei: "Ministro, qual é a posição brasileira?" "ah, a posição brasileira é mais favor de formar o grupo de trabalho, qual é o problema?" eu falei: "o problema é que vocês estão entrando nessa área alheia, isso é um assunto de meio ambiente (risos), isso não é assunto de comércio, não é...", "ah, mas a gente tem que dar alguma coisa pra receber alguma coisa, as negociações sempre são assim", eu falei pra ele: "é vocês tão dando, tão fazendo a gentileza com o chapéu alheio, que é o meio ambiente, a biodiversidade do país, sem um representante dessa delegação brasileira aqui oficial, um representante do Ministério do Meio Ambiente. O Ministério do Meio Ambiente foi consultado a respeito, não bababa", bom, eu telefonei, era na época Sarneyzinho, telefonei pro Sarneyzinho, falei com metade do ministério e aí é claro, mandaram telefonar, foi criando um certo mal estar, aí o Celso Amorim até um dia que eu cheguei lá ele falou assim: "ah, vocês estão fazendo um excelente trabalho", que eu li assim, vocês estão atrapalhando pra burro, (risos) o que a gente estava fazendo aqui, mas fracassou Seattle, e aí fracassou Seattle. A próxima conferência, já estava marcada, Seattle foi finzinho de dezembro, era janeiro em Montreal, então como se chega lá e não se tem novamente um acordo, mas a grande estratégia americana tinha fracassado, eles tinham perdido a rodada, não tinha havido rodada do milênio. E aí sim foi uma enorme pressão, e como os EUA, numa reunião ministerial, Juan Maer tratou de fazer isso, que é fundamental também, quer dizer, quando se quer que uma convenção chegue a um resultado, a etapa final dela tem que ser ministerial, é a única maneira de politicamente, os ministros forçarem uma solução. O ministro não viaja para voltar e dizer assim: "fui a não sei a onde e não chegaram a nada", aí eles chamam os funcionários e dizem assim: "qual é o problema?" "Não o problema é que o Brasil, a França...", aí eles dão um jeito, eles se reúnem. Foi exatamente que aconteceu, então entram todos numa sala, durante três, quatro horas, os Estados Unidos mandou outro representante, o representante americano chegou lá e disse assim: "tudo que foi negociado até agora não vale, vamos começar de novo". Aí foi a pior coisa que eles podiam fazer, porque o ministro francês, o alemão, estavam todos lá, ficaram furiosos com o desaforo que isso significava diplomaticamente, pressionou-se, pressionou-se, e as quatro da manhã sai uma proposta e a proposta que sai é essa, que já foi bastante ruim, que era esse acordo que durante... Sim, ia rotular, ia identificar, mas eles iam esperar dois anos e depois da entrada em vigor do protocolo para discutir como iam identificar os produtos, o que exatamente iam pôr no texto, no rótulo, quando exportasse, e então o Vold que era, continuava o líder dos países do seu grupo. Ele chama o grupo todo, isso era quatro da manhã, assim já tava vencendo, todo o tempo pra essa sexta feira, quatro da manhã, quer dizer, quatro da manhã do sábado, e ele chama todos os países e dizem: "olha ou a gente aceita essa proposta ou a gente não tem nada na mão, porque o grupo de Miami não... Só negocia nesses termos", e vamos votar porque a essas alturas todo mundo em pé já não tinha nem mais microfone nem nada, eles votam, ainda teve um ou dois países que votaram contra, dos países africanos, e ai bom, ai sai o Protocolo de Cartagena.

P/1 – E na sua opinião a ausência dos Estados Unidos, na época, não terem ratificado tanto o Protocolo de Kyoto, quanto CDB, Cartagena, qual a sua opinião dos Estados Unidos nesse sentido?

R – É, quer dizer, eu acho que os Estados Unidos faz uma coisa que é típico nas negociações internacionais, e só faz quem pode, que é primeiro dizer: "assim eu não entro eu não assino se isso não sair do jeito que eu quero", e aí usa isso como forma de pressão, e aí depois, quando sai, mesmo do jeito que... Mais ou menos do jeito que ele quer, mesmo assim ele não assina, porque dessa maneira ele legalmente se protege e ao mesmo tempo ele esvazia, no sentido das convenções. Então no caso da CDB, no caso do Protocolo de Kyoto e no caso da Convenção da Basiléia, mesma coisa, ele também não é a parte, o que a gente tem, na verdade, é uma postura de não colaboração no cenário internacional, explicar isso do ponto de vista da lógica interna americana, eu não me sinto com competência para... Eu já ouvi muitas interpretações, uma do próprio Fábio Feldman que eu achei que fazia grande sentido, que se é um país, uma federação muito forte, na verdade a preocupação dos seus deputados, do seu governo em geral é com relação com o seu público, o eleitor, cada um de seus estados, e aí vale muito o interesse local, quer dizer, porque vamos nos prejudicar com isso, porque vamos nos prejudicar com aquilo, o que faz um pouco de sentido. Eu já ouvi também que o caso da Austrália, a mesma coisa. A Austrália é uma federação muito forte, a legislação ambiental deles até é muito boa, eles tem uma justiça especializada na área ambiental, como nós temos a Justiça Trabalhista que é uma coisa rara no mundo, mais a política externa ambiental da Austrália é um horror, e é um horror por causa disso, porque que eles não querem se comprometer com nada lá fora, porque depois eles são obrigados a se justificar para cada um dos sete ou seis estados, sei lá o que tem na Austrália, porque eles assumiram tais compromissos. Efetivamente as delegações americanas são muito bem preparadas, são grandes e bem preparadas, em geral com advogados especializados em cada um dos temas, com as partes técnicas, etc., sabendo o que estão falando, sabem explorar o máximo do espaço político que eles tem ali, são discretos, por exemplo, depois que não entram em uma convenção e portanto perderam o momento de participar ativamente, eles tratam de arranjar outros paises que falem por eles, e a Austrália é um país ideal pra isso e o Canadá é um país ideal pra isso, mais também a Argentina tem sido ou a Nova Zelândia, então é uma diplomacia bastante competente, não é uma diplomacia incompetente não, e eu acho que o grande impasse que o mundo vive nas negociações com os Estados Unidos na área ambiental e em outras áreas ambientais é que pelo visto a opinião pública americana não se preocupa muito ou se quer não sabe, provavelmente não sabe, o que o mundo pensa dos Estados Unidos, então essa possibilidade de fazer pressão via opinião pública americana não funciona, eu vejo as delegações de ambientalistas americanos nem se preocupando muito em mandar mensagens lá para dentro para os Estados Unidos do que as suas delegações estão fazendo, porque essas mensagens não saem na mídia ou não aparecem, o contrário dos meus colegas ambientalistas da União Européia, mesmo do Canadá, eles conseguem pôr na mídia denúncias do que o seu governo está fazendo e essa denúncia é o suficientemente forte para os seus países mudarem de opinião, e eu já vi mudarem assim de um dia para o outro e dizer: "puxa, como é que vocês mandaram dizer lá na Alemanha, na França que nós aqui estamos impedindo tal coisa, isso não é verdade, recebemos instruções", e ai eles mudam de posição, não é… Então eu acho que o nosso grande problema é que os Estados Unidos é o maior país do mundo, mais forte, mais poderoso, etc., etc., etc., e a opinião pública americana ainda não está aberta, esperta ou nós não encontramos jeitos de chegar a ela pra que ela possa exercer uma pressão sobre o seu próprio governo. Já os outros setores econômicos, em geral, que são aqueles que definem a política ambiental americana, esse pelo visto tem canais abertos fáceis, eles definem a política.

P/1 – Voltando um pouquinho no tempo, você teve algum envolvimento, você participou da Eco-92?

R – Eu estava entrando no Greenpeace quando começou a Eco-92, eu entrei na verdade em fins de 91 e aí eu participei da Eco-92, mas eu participei mais já montando a campanha dos transgênicos. Ah, perdão a campanha do... Contra substâncias tóxicas, então eu não participei das negociações internas, não participei, eu só participei dos movimentos fora, nós tivemos que fazer um planejamento com algumas atividades no Brasil que chamasse a atenção para os principais problemas. Eu escolhi... A gente teve que escolher um caso bem ilustrativo do problema de contaminação química, aí a nossa escolha recaiu no caso da contaminação que a Rhodia produziu em Cubatão, por várias razões, era um caso já naquela época, já tinha doze ou quinze anos que isso tinha acontecido e até então a Rhodia não tinha tomado nenhuma medida. O governo era completamente omisso também no caso, era uma empresa francesa, então a gente achou que tinha sentido fazer isso, nós fizemos uma ação direta no consulado francês lá no Rio de Janeiro, pusemos uns barris na frente, fechamos tudo e o cônsul veio sem saber do que se tratava e explicamos o que era, e nós levamos uma moradora da região de Cubatão contaminada com esses lixões lá de resíduos tóxicos pra Paris e ela fez uma entrevista na televisão e debateu com um dos diretores da Rhodia, traduzida por um colega nosso, foi um debate legal, porque ele dizia: "ah não, nós já indenizamos todo mundo", ela falou: "nós nunca vimos dinheiro nenhum, não teve indenização nenhuma, morreram tantas pessoas e etc.," Então eu participei, toda a minha participação na Eco-92 foi do lado de fora nos movimentos sociais, eu não participei das negociações lá dentro, sabia o que estava acontecendo, mas nem entrei, nem vi.

P/1 – Mas como você avalia os resultados obtidos na Eco-92, principalmente as convenções?

R – Ah, eu acho que foi um marco a Eco-92 em termos de consciência internacional, global, da questão mundial, da questão ambiental. Ela deu legitimidade para que se pressionasse, se avançasse nas negociações nas diversas convenções, e eu acho... Porque eu me lembro das preparações, das reuniões preparatórias pra Eco-92 e havia muita discussão, inclusive na própria Greenpeace, se valia a pena ou não participar, se aqui não seria na verdade uma grande encenação teatral, em que as ONGs, a medida que participassem, elas estariam legitimando alguma coisa, na verdade que não ia valer pra nada, e eu acho que foi o contrário, ninguém podia saber o que ia acontecer, mas na verdade foram as ONGs que deram esse tom de seriedade a Eco-92 e que forçaram inclusive muitos dos governos a ir além do que eles queriam ir. E hoje em dia que ninguém discute isso, e eu estou começando a pensar que talvez seja o caso de não ir a reuniões internacionais, a convenções internacionais, eu acho que nós estamos chegando a um momento de impasse tamanho em que não há mais progresso, praticamente desde Joanesburgo nós não temos progresso na área ambiental de negociações internacionais, nada do que aconteceu tem importância mais, porque talvez seja o caso de não ir, porque na medida que nós vamos, a leitura que é feita pra mídia é reuniu-se, reuniram-se os países, discutiram tal coisa, o assunto é importante, chagaram a bons resultados. Não é verdade, não chegamos a bons resultados, nem no Protocolo de Cartagena, nem... Bom, Joanesburgo foi um fracasso, Protocolo de Kyoto tá empacado, quer dizer, foi agora no Canadá, foi um horror, então…

P/1 – E da COP-8, qual é a sua impressão em relação aos resultados dos transgênicos, você esteve, você participou?

R – Agora né?

P/1 – Isso, em março.

R – É, eu fui, eu fui pro Protocolo, eu não fiquei pra COP, eu fui pra MOP3, que a COP já é a convenção mesmo, não foi muito ruim, quer dizer, nós já chegamos com... Primeiro com aquela expectativa toda do que o Brasil ia fazer, porque o Brasil que tinha junto com a Nova Zelândia, impedido, bloqueado, a definição de como ia ser essa identificação, esse rótulo, dos transgênicos comercializados no ano passado em Montreal, e eu fui pra lá eu tinha ido pra Montreal. Aí foi o Brasil e a Nova Zelândia, 120 tantos países dizendo que queriam o acordo e o Brasil e a Nova Zelândia dizendo que não, a mulher da Nova Zelândia era uma advogada especializada em comércio, acho que ela não tinha ideia do que era meio ambiente, eram duas pessoas, a Nova Zelândia tinha entrado, assinado o protocolo fazia seis meses, era o prazo regulamentar pra poder falar, esses casos que a gente tá chamando de mediunidade nas negociações internacionais, de repente aparecem uns países assim que tem uma atuação ativa de obstrução, enquanto os Estados Unidos pode ficar quieto. É o caso da Nova Zelândia e a delegação brasileira que tinha, sei lá, era grande, tinha quase vinte pessoas, ela tinha duas pessoas do meio ambiente, um gerente e uma assessora jurídica, e ela tinha acho que cinco, seis do Ministério da Agricultura, cinco, seis do Ministério de Ciência e Tecnologia e diplomatas, e os diplomatas diziam que eles tinham recebido orientação da Casa Civil pra defender aquela posição e nós sabíamos que tinham saído daqui do Brasil. O Itamaraty não tinha conseguido tirar uma posição de governo, a reunião aberta com convidados da sociedade civil terminava sempre, foram acho que duas ou três. Ministério do Meio Ambiente de um lado e do outro lado o Ministério da Agricultura, Ministério da Ciência e Tecnologia, Ministério da Indústria, enfim, não tinha posição. E eu telefonei pra Marina, na sexta feira de manhã quando a gente viu que o Brasil não estava cedendo em hipótese nenhuma, eu já não era mais do ministério, eu já tinha saído, eu já... Eu fui lá representando o IDEC inclusive, telefonei pra Marina e a Marina: "O que está acontecendo?" aí eu falei: "o que está acontecendo é que o Brasil está levando esta posição, está obstruindo as negociações". Ah, mas eu estou tentando falar com o Dirceu a dias e não consigo, pois ela mandou um funcionário pra cá com esta posição, porque eu tinha ido falar com um diplomata, o diplomata já muito nervoso, dizia assim: "eu não posso estou recebendo ordens, estou cumprindo ordens, Fulano de tal que chegou aí do Brasil está... Veio com a posição". Aí eu fui conversar, falei: "escuta aqui da onde, como é essa posição?" aí ele disse: "eu, o Ministro da Casa Civil, essa é a posição que eu recebi, as instruções que eu recebi",

eu falei: "mas você pode me dizer as razões pelas quais o Brasil está defendendo uma posição que é contrária a todos os nossos interesses em termos de preservação da biodiversidade?", ele falou: "eu não tenho mandato pra explicar isso", eu falei: "ah é? Quem é? Olha, eu lamento muito porque o Dirceu esteve preso com o meu marido, nós fizemos movimento estudantil juntos, nós lutamos para apoiar, pra constituir esse governo, pra depois ouvir um sujeito dizer..." (risos) eu fiquei tão nervosa com a história porque eu achei um tamanho desaforo de que se manda alguém com uma determinada posição que você não dá esclarecimentos pra sociedade civil, não tem mandato pra dar pra sociedade, tem mandato pra que então? Quem é que pode saber as causas pelas quais o Brasil adota posição X ou Y? Provavelmente o agro-negócio, esse sim, esse aí tem direito a todas as explicações, mas a sociedade civil não, essa não tem. Eu fiquei furiosa, "eu lamento por...", "não, mas a senhora venha conversar comigo", eu falei: "olha, eu não tenho mais nada pra conversar com você, entende?", "eu não tenho mais nada, esse governo é realmente lamentável", e aí eu escrevi uma carta para o Dirceu, um e-mail que fez um certo sucesso por aí na mídia alternativa, claro que não é grande, não vai fazer, nem que eu dizia, eu dizia: caro Dirceu etc., faz tempo que a gente não se fala, desde que eu saí desse governo por razões que não cabem comentar aqui, mas eu gostaria de saber quais são os motivos pelos quais você mandou a delegação brasileira defender uma posição aqui, que é prejudicial para os nossos interesses e que está barrando a negociação que faz não sei quantos anos que ela ta rolando. E bom, mandei a carta, obviamente que o Dirceu nunca me respondeu, até porque acho que uma semana depois apareceu aquele escândalo todo, que foi levá-lo a ele sair do governo, então quando a gente chega aqui agora em março, é muito, quase um ano depois, passou-se todo esse tempo esperando ver qual ia ser a posição do governo brasileiro, porque a reunião ia ser em Curitiba, portanto não ia ser fácil pro Brasil adotar uma mesma posição, contra os nossos interesses em termos de proteção da biodiversidade, mas até assim, até o dia que começou a reunião, a posição brasileira não estava definida, a gente sabia que a Marina tinha pedido ao Lula uma reunião e ele tinha voltado da Europa, prometeu se reunir com ela, passou direto por Brasília e foi pro Chile, e deixou a Marina esperando, a Marina já tava em Curitiba, aí ela viu que ela tava em uma situação super difícil, porque como é que ela ia presidir essa convenção defendendo uma posição que ela não conseguia defender, porque era demais, também seria um desgaste político pra ela total. Aí ela tomou um avião, foi pra Brasília, de noite ela tinha um programa na Roda Viva, ela foi pra Brasília, cercou o Lula lá, então a reunião foi aberta em Curitiba pelo Secretário Executivo, isso diplomaticamente é uma coisa inexplicável. Quer dizer, como é que uma reunião em um país é aberta pelo Secretário Executivo, fala-se que o ministro ficou doente, teve um empecilho grave, mas ela tava em Curitiba. Ela volta, então isso também foi uma forma de pressionar o Lula e o Itamaraty, porque a essas alturas o Itamaraty tava desesperado com essa situação constrangedora, pra forçar o Lula a tomar uma posição, e o Lula de fato concorda com ela, mas eles vem com uma posição péssima, porque a proposta que a Marina já leva era uma proposta, bom, típica de Brasil, aquela coisa assim tão ambígua que ninguém sabia do que se tratava, porque até hoje ninguém sabe, porque a proposta fala que aqueles países que têm um sistema de identificação, de preservação de identificação, de identidade, de preservação, a identity preservation, deverão já adotar um sistema de identificação dizendo: contêm transgênicos. Aqueles que não têm deverão se preparar para em quatro anos adotá-la, essa era a proposta que veio do Brasil. E aí quando a proposta é apresentada tem várias interpretações, então assim, teve gente que interpretou... O pessoal mesmo do Greenpeace, saiu com uma nota dizendo vitória do Protocolo de Cartagena, Brasil concorda com a necessidade, achando que teve um sistema de preservação de identidade, era por exemplo, ter uma legislação dizendo que tinha que ter rotulagem, já outros entenderam que não, que ninguém sabia o que era isso. Até hoje ninguém sabe que é esse sistema de preservação de identidade, eu entendi que não, quando eu li aquele negócio ali, isso não quer dizer nada, e eu no dia seguinte fui procurar lá os funcionários do Ministério do Meio Ambiente, "o que quer dizer isso?" "não, ó...", aí alguém me disse: "foi Fulano que inventou isso porque não tinha saída", então ficou na cara que eles inventaram já uma solução pra negociar. E aí a Marina mandou dizer que quatro anos era só pra negociar, mas que ela não era a favor de quatro, que ela era a favor de dois, mas aí o que foi que aconteceu? Aí os Estados Unidos já tinha arranjado os seus países médiuns, que iam incorporar a sua alma penada, que foram o México, o Paraguai e o Peru também. O Peru também já tinha aprontado lá em Montreal, mas depois recuou na última hora, mas aí os dois vão e ficam o tempo todo insistindo que isso não pode, que não pode, que é demais, que no comércio... Que vai prejudicar e que na… E no fim eles conseguem, mas não são nem quatro anos, quer dizer, a gente, em 2012, nós vamos estar provavelmente, e olhe lá, adotando uma identificação para cargas transgênicas dizendo: contêm. Mas até lá não, não são nem quatro anos, são seis, quer dizer, é um escândalo um negócio desse. Quando o Protocolo de Cartagena… Quando foi assinado ela já dizia: dois anos depois entrado em vigor. Foi assinado em 2000. Ele entrou em vigor em 2004, ele tinha que agora, em 2006, definitivamente estar com toda carga que fosse transgênicas dizendo: contêm transgênicos. E dizendo que tipo de transgênicos está contido ali, porque essa condição trás medida de proteção, de bio-segurança, um país pode autorizar um tipo de transgênicos, o país não autorizar, pode autorizar pra consumo humano e animal, pode autorizar só pra consumo animal, quer dizer, então saber qual é o tipo e eventualmente, inclusive pra fazer o teste, tipo que é impossível fazer teste se você não sabe do que se trata, no caso de soja sim, porque é única, único tipo de soja transgênicos que existe é esse RR, mas os milhos existem vinte tantos eventos. Então se não se sabe qual é o tipo de transgênicos, não se pode confirmar se a carga contém aquele ou não, tem que dizer qual é, tem que dizer qual é o teste que funciona com ele. Então assim, na minha opinião o Protocolo de Cartagena só não foi pior se tivessem dito: eu tenho dúvidas se não foi melhor, se não teria sido melhor dizer assim: não chegamos a nenhum acordo, porque o que teria saído para o mundo é cento e tantos países se reuniram e devido aos Estados Unidos, ao Canadá, ao México e ao Paraguai, não se permitiu identificar transgênicos. Porque o que saiu é vitória do Brasil. O globo ecologia fez uma matéria, eu fui inclusive entrevistada, eu vi na televisão, é uma tragédia o que eles puseram ali, o resumo deles é assim: chegou-se a uma ótima fórmula, vai

garantir a bio-segurança, sabe-se lá como. A vitória se devia ao Brasil. Aparece a Marina falando que isso se devia aos excelentes técnicos brasileiros e ao movimento ambientalista, não tinha uma linha, quer dizer, uma linha não porque o programa era de televisão, mas não tinha uma imagem, nenhuma fala sobre a presença durante os oito dias do movimento MST, dos movimentos de agricultores, dos movimentos ecológicos, fazendo manifestação de manhã à noite. Não teve uma fala a respeito disso e aparece como as coisas já estivessem sido resolvidas. E o programa é o mais bobo possível. Começa com aquela ideia básica elementar e arcaica de que as pessoas tem medo dos transgênicos, porque é novo, as pessoas têm medo sempre do novo, porque as vacinas do Oswaldo Cruz, que a vacina da varíola, imagina que o povo não queria ser vacinado, etc., que o Galileu coitado, foi quase morto lá pela inquisição, porque veio com uma ideia nova, quer dizer, diz que transgênicos… E como é que... Tem uma definição de transgênicos completamente errada. Ah, não é transgênicos, dizem que biotecnologias são transgênicos, quer dizer, como se fazer vinho, queijo, domesticar animais de certo não fosse biotecnologia, péssimo programa o tempo todo e dando impressão que foi tudo maravilhoso.

P/1 – É o discurso da mão santa!

R – É o discurso da mão santa. Eu levei 26 alunos do curso de Relações Internacionais, que ficaram, depois foram ver um filme, (risos) ficaram pasmos, como você pode desinformar, é absolutamente impressionante. Eu to começando a pensar que está na hora do Movimento Ambientalista, Social, etc., denunciarem o que são hoje em dia as convenções internacionais, elas são uma oportunidade de enganar as pessoas, dizer que algo está se fazendo, quando não se está fazendo e gastar dinheiro público. Ah, basta ver como mudou, e mesmo no Protocolo de Cartagena eu consigo ver essa diferença, como mudou a proporção entre dentro das delegações oficiais e fora das delegações oficiais, proporção entre sociedade civil e indústria. A delegação brasileira oficial tinha cento e vinte tantas pessoas agora em Curitiba, a parte dos observadores, mas pertencendo a delegação eram 63 ou 67. 37 deles, eram assim, da indústria, conhecidos, era o representante da Mão Santo, que estava lá como é o Conselho Brasileiro de Desenvolvimento Sustentável, CEDEBS, empresarial do desenvolvimento sustentável, o representante da Syngenta estava como representante da Associação Brasileira de Defensivos Agrícolas, que não se apresentava tanto, são em inglês das, já é um eufemismo a gente chamar agrotóxico de defensivo agrícola, defensivo agrícola de quem, deve ser defensivo agrícola das empresas, que é uma agressão ao meio ambiente, mas eles conseguiram traduzir isso por Association Plant Health, quer dizer, saúde das plantas. Portanto um duplo eufemismo, e aí era o casa da Syngenta, ali representando isso, a outra do SIB, daquela pseudo ONGs, dizendo que financiada pela Mão Santo, pela Novartis, tá no site dele, não é segredo nenhum, tava lá como membro de uma outra associação qualquer de soja, de sojicultura, enfim, eles tinham trinta e tantos representantes de indústria, empresariado ligado a agro-negócio, é uma proporção monstruosa dentro que uma delegação de observadores, depois o resto tinha professores, técnicos, ONGs tinha cinco observadores e eles 37. Aí quando a gente pega a delegação oficial, a outra parte tem trinta, eram sessenta e tantos a delegação oficial, diplomatas, funcionários de ministérios, etc., Ministério da Sgricultura tinha dezesseis representantes, e o Ministério do Meio Ambiente tinha oito, Ministério de Ciências e Tecnologia, tinha outros tantos, acho que dez ou nove. Tinha mais também que o Ministério do Meio Ambiente, então isso aí eu acho que é uma coisa que inclusive nós notamos desde Joanesburgo, muito claramente. Eu me lembro que o Boaventura Santos escreveu um artigo que eu guardo ele e dou pros meus alunos que ele diz assim: “a cúpula sequestrada” e que ele dizia o que mudou de Joanesburgo para a Eco-92 e porque ela foi tão pobre em termos de resultados, Joanesburgo foi tão pobre não se chegou a quase nada. O que mudou foi que em um processo de globalização, de globalização econômica, as grandes corporações passaram a ter um peso e uma influência nas negociações internacionais e junto aos governos do mundo, que mudaram radicalmente a correlação de força, então quer dizer, porque não sai nada em Joanesburgo, porque quem tava já negociando as preparatória de Joanesburgo, do Rio mais dez, já eram elas, elas estavam discutindo os tais acordos do tipo B, as coisas bilaterais, tinha toda aquela negociação com a ONU do... Como é que chamava lá, não sei, um programa que eles fizeram que as grandes empresas que assinassem um conjunto de princípios davam um dinheiro pra ONU, Compact, Gobal Compact, uma coisa assim, (risos) a ONU já estava se vendendo assim, as próprias corporações, as multinacionais, isso empresa assim com recorde de acidentes ambientais, desrespeito à legislação ambiental, não sei que lá, ganhando selinho da ONU, etc., porque estavam dando dinheiro Então eu acho que é isso assim, em todas essas, das primeiras convenções que eu fui a de Basiléia, não tinha indústria, tinha um homem da Câmara de Comércio de Metais, a gente acha ele ridículo, porque ele sozinho andava com uma caixa abrindo assim, mostrando um monte de coisinhas de metal, resíduos que ela achava, que ele dizia que eram valiosos, porque podiam servir para ser reciclado e era assim uma espécie de mascate, a gente dizia: "olha que coisa ridícula, esse homem vem aqui em uma convenção de meio ambiente andando com aquela malinha dizendo isso aqui tem valor, não sei que, não sei que". Hoje em dia é ao contrários, as convenções são cheias de representantes da indústria de lobistas e os ambientalistas é que parecem que são ridículos ali dentro, o que eles estão fazendo ali, não é... Porque quem na verdade é ouvido e conta são esses representantes do setor industrial.

P/1 – Para você qual é a relação entre política e meio ambiente, Marijane?

R – Não, não tem nenhuma separação, quer dizer, só se pode proteger o meio ambiente, ou escolher modos de conviver que seja ecologicamente correto através da política.

P/1 –Você acredita que é por meio da política?

R - Sim, porque não se trata, não se protege o meio ambiente individualmente, não se escolhe caminhos para uma sociedade sem que isso passe por políticas públicas, então é absolutamente indispensável. Este não é um assunto que a gente possa dizer assim, o estado deve refluir, deve deixar cada um fazer o que quer, não, não é, tem vários outros assuntos que são dessas modernas causas contemporâneas. Não, o estado não tem que se meter na vida pessoal, sexual, sei lá o que, moral dos indivíduos, muito bem, mas esse é o contrário, esse o estado tem que se meter, que é pra não deixar que outros se metam do jeito que se metem, que é de uma forma privada, analisando custos ambientais pra todos, na medida em que eles aproveitam ou usam o meio ambiente de uma maneira indevida, então não tem outro jeito, tem que ter política mesmo.

P/1 – E pensando neste sentido quais são as perspectivas e os desafios do Brasil, enquanto ao uso sustentável dos nossos recursos?

R – Eu acho que o Brasil tem... O desafio mais colossal do Brasil é pensar o uso da terra, sair desse modelo do exportador de grãos, energia e madeira, nós estamos no velho modelo da exportação ou do permitir que outros países explorem os nossos recursos naturais, e não no que, nesse tipo de discussão alucinatória que existe aí. "Ah, eles querem roubar a Amazônia". Não, não é isso, ninguém vem, é completamente ridículo achar que os Estados Unidos ou qualquer outro país hoje em dia vá invadir a Amazônia e ocupá-la, nós não estamos nem nessa época mais, em termo de imperialismo. Imperialismo não é imperialismo geográfico hoje em dia, é a pirataria, biopirataria está correndo solta com apoio do nosso governo, nós não temos uma legislação decente pra isso, pra evitar a biopirataria, e quando a gente exporta soja pra China, o que nós estamos exportando, o nosso solo, a nossa água com um monte de agrotóxicos. Índio guarani contaminado, nós temos que sair desse modelo, isso que o Brasil acha uma vantagem, termos muitos solos, muitas terras, não é, é uma desvantagem colossal. Nós estamos liquidando com o nosso meio ambiente, a soja, por exemplo, é mais um crime, soja, gado, ferro. Quer dizer, não pelo ferro em si, mas pela geração de eletricidade que nem alumínio, e elétricas e hidrelétricas pra alimentar as indústrias de alumínio de outros países que claro, vem pra cá, porque onde que eles vão ter energia financiada subsidiada, poluição garantida, legislação ambiental, nada não se cumpre, só aqui mesmo. Então acho que o desafio brasileiro é entender finalmente que existe uma coisa chamada desenvolvimento sustentável, que eles andaram discutindo lá em 72 e até agora não entrou na cabeça de ninguém, talvez assim dos funcionários do Ministério do Meio Ambiente, ponto, quando começou o governo da Marina, do Lula, a Marina veio com esse papo da transversalidade, as políticas tinham que ser transversais, que a questão ambiental não pode ser só executada pelo Ministério do Meio Ambiente, é pura verdade, então vamos envolver, porque os grande agente poluidor é o Estado, são os órgãos do Estado, é o Ministério dos Transportes, é o Ministério da Agricultura, é o BNVS, é quem financia a destruição do meio ambiente, o Estado, até as empresas particulares não fariam tudo isso sem essa ajuda. A Mão Santa teve um enorme financiamento do BNDES pra fazer uma fábrica de... Na baía, é uma coisa espantosa, quer dizer, o Estado financiando, então ela tinha essa ideia, bom, ai vai conversar com os outros ministérios. Quem é que ouve? Ninguém, nem o presidente. O Lula fica dizendo: "Ah, imagina, tem que... Não pode fazer nada só porque tem dois peixinhos se beijando" etc. Ele disse isso em comício, então a gente tem que parar de construir as coisas porque... Então na verdade é assim, eu acho que a questão… O Brasil continua, e eu inclusive acho que houve uma regressão do governo Fernando Henrique para o governo do Lula no ponto de vista ambiental, eu acho que no governo do Fernando Henrique havia certos setores do governo mais abertos a essa questão. Fernando Henrique ouvia aqui e ali, certamente na questão das mudanças climáticas, havia uma abertura maior, mas mesmo acho que o Sarneyzinho tinha mais cacife junto ao governo Fernando Henrique, talvez por razões extremamente políticas, porque ele era do PFL, mas ele tinha um acesso enorme a esse setor da sociedade civil então ele usava esse poder volta e meia pra junto ao Fernando Henrique, mas eu acho que as coisas foram menos ruins do foi no governo Lula. A sensação que a gente tem do governo Lula é que o agronegócio é quem manda, é como se ele tivesse ganho a eleição. A gente não sabe bem porquê, mas eles estão lá, e essa ideia da soja, da carne, a Petrobrás, essa coisa quase religiosa, santa, não pode ser tocada. Onde já se viu na Bolívia eles prejudicarem a Petrobrás. A Petrobrás é uma das empresas mais poluidoras desse país, é uma das maiores desgraças, não respeita minimamente ninguém, nem meio ambiente, nem pessoas, nem nada, o que tem de processo contra a Petrobrás por contaminação de gente, de família, de áreas. Olha, eu acho que esse país ainda está no início de entender o que é a questão ambiental.

P/1 – Portanto, o prognóstico pensando em termos globais, pensando em planeta, para os próximos quinze, vinte anos, o que você diria assim?

R – A eu nem me arrisco, eu nem arrisco a pensar isso, até porque eu acho que se a gente for objetivo, mais rigoroso, mais pessimista, talvez eu desanime, desanime. Então não sei porque a vida traz surpresas, recentemente a gente está vendo, eu tava lendo ontem no jornal o último número na Vanity Fair, lá nos Estados Unidos que é uma revista de badalação, fala sobre a nova ecologia, sobre a nova onda ecológica. Agora é moda que é a Julia Roberts, o não sei o que Clooney (risos), esses artistas aí da moda, a Julia Roberts, esse Clooney não sei o que é que assim, agora a última moda é ser ecologista e tem empresas grandes, eles entrevistam um sujeito que é um banqueiro e o cara financia uma entidade de proteção de florestas úmidas no mundo e entrevista não sei quem, e aí tem mais de duzentas cidades nos Estados Unidos que já fizeram individualmente um programa de controle das emissões de gases estufa, tem dois estados, que é a Califórnia do Schwarzenegger, com mais não sei quem, Nova York, que também estão com propostas até políticas, mais radicais, políticas mais radicais do que os Estados Unidos teria que assumir se ele tivesse aceito o protocolo, assinado o Protocolo de Kyoto. Quer dizer, o mundo traz surpresas também, de repente a gente pode ter o artista que já tinha saído da política, que diz que não queria mais voltar pra política oficial e de repente ele pode ser candidato nas novas eleições e a gente ter um salto em termos de...

P/1 - Desculpe Marijane, só um minutinho (pausa). A última questão, Marijane, é o que você acha de ter participado desse projeto de memória?
R – Ah, eu acho ótimo porque volta e meia penso que as coisas vão… Não ficaram registradas, tem muita coisa que eu participei e eu fico pensando em convencer algum aluno pra fazer uma tese de mestrado ou de doutorado, porque eu sei que as coisas se perdem. O Eric Hobsbawm que é um grande historiador ele disse que o pior de tudo é esse pedaço cinza que fica entre o que você viveu e o que ainda não virou registro na história, esse é pior pedaço, porque é aquele pedaço em que, quando ele for ser recuperado, ele já vai ser recuperado com fontes não mais primárias, quer dizer, alguém que escreveu, que contou pro outro, etc., porque aquele que viveram acham que na hora que estão vivendo aquilo não é importante e se alguém não faz isso como esse projeto está fazendo, vai-se perder, então eu acho que foi uma grande iniciativa.
P/1 – Muito obrigada!