Museu da Pessoa

Uma vida de luta no São Domingos

autoria: Museu da Pessoa personagem: Cristina Coutrim dos Reis

Projeto Kinross Paracatu
Depoimento de Cristina Coutrim dos Reis
Entrevistado por Márcia Ruiz e Fernanda Prado
Paracatu, 10/06/2017
Realização Museu da Pessoa
KRP_HV14_Cristina Coutrim dos Reis
Transcrito por Mariana Wolff


P/1 – Dona Cristina, bom dia.

R – Bom dia.

P/1 – Eu queria agradecer em nome do Museu da Pessoa e da Kinross a sua participação, a senhora nos receber aqui na sua casa. E eu vou fazer algumas perguntas que já foram feitas mas é só para deixar registrado, tá bom?

R – Tá bom.

P/1 – Qual é o seu nome, local e data de nascimento?

R – Cristina Coutrim dos Reis, nasci no dia 24 de julho de 1939, São Domingos.

P/1 – A senhora nasceu em São Domingos, mesmo?

R – São Domingos, mesmo.

P/1 – E qual o nome dos seus pais?

R – João Coutrim Ferreira e Julia Ferreira Gomes.

P/1 – E os seus avós, por parte de pai ou por parte de mãe, a senhora chegou a conhecê-los?

R – Por parte de mãe, não. Por parte de pai, eu não conheci o meu avô, mas ele era Sabino Coutrim Ferreira e minha vó é Sa Luciana Lopes dos Reis.

P/1 – E eles nasceram todos aqui na Comunidade São Domingos?

R – Não, eles não foram nascidos aqui, não.

P/1 – Eles eram de onde? A senhora sabe?

R – Eu não sei, mas sei que tem descendência da África, né? Aí, eu não sei se os pais deles eram da África, se eles nasceram lá ou se foi aqui, aí eu não sei.

P/1 – E seus pais, qual era a atividade dos seus pais?

R – Meu pai era lavrador, o serviço dele era de lavoura, né, plantar, roça, e garimpeiro, vivia do garimpo. Garimpo, plantação da lavoura, pesca… Eram essas as atividades dele.

P/1 – E a sua mãe, ela fazia o quê?

R – A minha mãe ajudava também, minha mãe garimpava, minha mãe trabalhava também na roça e trabalhava também na fábrica de chapéu, né? Fabricar chapéus de palha.

P/1 – E essa fábrica de chapéu ficava aqui em São Domingos, mesmo?

R – É, cada um fazia na sua casa, mesmo, né?

P/1 – Mas eles eram vendidos nessa época ou era só para poder usar na plantação?

R – Não, era vendido, a gente vendia no mercado na cidade.

P/1 – E me fala uma coisa, Dona Cristina, quantos irmãos a senhora tem?

R – Filhos?

P/1 – Não, irmãos.

R – Éramos dez irmãos, aí faleceram dois, nós somos em oito.

P/1 – E nessa escadinha, onde a senhora tá?

R – Eu tô no segundo (risos).

P/1 – A senhora é a segunda mais velha?

R – É, a segunda mais velha.

P/1 – E conta um pouquinho pra gente, a senhora falou que nasceu na Comunidade São Domingos, onde a senhora nasceu aqui na comunidade?

R – Eu nasci bem lá no final da rua, onde o meu pai morava. Tinha a casa da minha avó e a do meu pai, coladinha uma na outra e eu nasci ali.

P/1 – E como é que era essa casa? Conta um pouquinho, descreve um pouco essa casa, como é que era a comunidade naquela época?

R – A nossa casa, na época, ela era… Ainda existia aquelas paredes de pau a pique, barreada de barro. A casa da minha vó, não, a casa da minha vó já erra de adobo, tinha aquelas portas bem grande, com as chaves, bem grande que usava, e tinha uma calçada alta, toda calçada de pedra na frente. Era casa assim, casa moderna, tipo antiga, né?

P/1 – E essa casa de pau a pique, o seu pai construiu quando ele casou ou já existia no terreno? A senhora não sabe?

R – A do meu pai, ele construiu quando casou, né? Agora a da minha vó já tinha a casa.

P/1 – E como era a comunidade quando a senhora era criança? Conta um pouquinho pra gente.

R – Olha, quando eu entendi por gente, a comunidade, tinha poucos moradores, tinha apenas no máximo umas sete casas que eu me lembro, né? Tinham três ranchos de palha e essas casas. Depois foi crescendo, o pessoal foi casando, foi multiplicando as casas. Aqui era uma comunidade também, só os parentes. Casava também parente com parente, primo com primo, iam casando, eu sou casada com o meu primo. A minha vó era tia do pai do meu marido, né? Então, a gente casava assim, não entrava pessoas de fora e nem saía daqui pra fora e foi crescendo a comunidade.

P/2 – A senhora sabe como foi o seu nascimento? Quem que fez o parto, ajudou a sua mãe? Se era alguém do bairro…

R – Era a tia Rosina, que era irmã da minha vó, ela era parteira aqui, uma senhora muito entendida e ela que fazia todos os partos aqui, todos que nasciam de parto normal aqui.

P/1 – E como é que ela preparava a mulher para ter o neném? A senhora sabe como é que elas preparavam a mãe a criança para nascer?

R – Preparava com banhos. Fazia o banho, tinha as ervas. Aí ficava esperando, até que graças a Deus, as mulheres tinham filho rápido, não era demorado e, quando nascia a criança, ela ficava ali naquela casa durante uns três dias, cuidando do neném, cuidando da mulher, preparando a comida, que tinha tudo uma ciência. Os medicamentos eram todos de ervas naturais, que ela fazia pra dar pras mulheres tomarem.

P/1 – E os chás, a senhora sabe que tipo de chá que dava para a mulher, a senhora falou que dava banho com raízes, que raízes que eram usadas?

R – Era mentrasto que é bom pra ajudar a dilatar [para] o parto, então fazia um banho de mentrasto, tomava o banho quente, bem quente, pra ajudar a abreviar o parto e, depois, usava muito fazer uma queimada, chamava de queimada: punha um pouco de pinga, de cachaça num prato, ali punha hortelã, salsinha, aipo, ali esfregava, punha na cachaça, riscava o fogo e ela queimava assim, por cima, chegava a ficar verdinha, aí dava pra mulher tomar na hora do almoço, na hora da janta…

P/1 – E pra quê que servia essa mistura?

R – Diz que era purificação, né?

P/1 – Pra limpar.

R – Pra limpar o útero.

P/2 – E a senhora viu o nascimento dos seus irmãos, acompanhou?

R – Não, não, não, não vi, não.

P/1 – E me diz uma coisa, Dona Cristina, e a criança, tinha um preparo especial para ela ou não?

R – O preparo era que eles davam banho. Cortavam o umbigo e curava, naquela época, com azeite de mamona, né? E pó de fumo que eles faziam e colocavam. Em três dias, o umbigo caía. Depois, caía o umbigo, a parteira já ia embora (risos), não ficava ali cuidando mais, não.

P/1 – E tinha alguma cerimônia especial para a questão do umbigo, tinha alguma lenda ou alguma coisa pra fazer com o umbigo da criança ou não?

R – Não, tinha só isso, de sete dias, não podia sair com a criança do quarto, ficava com a luz acesa de azeite, a candeia que chamava, acesa o dia inteiro no quarto e não tirava a criança do quarto, diz que era pro mal de sete dias (risos), eu não entendo ainda como que era isso, mas tinha. Depois, acabou.

P/1 – E a senhora comentou com a gente que eram só sete casas nessa época na comunidade. A senhora sabe quem deu origem, quais foram as famílias que deram origem aqui à comunidade?

R – Olha, primeiro foi a dos Lopes que veio, que era dono de quase tudo aqui, que era o meu tio, e o Coutrim, que é do meu pai e Ferreira e os Pinheiro, Costa Pinheiro.

P/1 – A senhora contou um pouquinho da casa onde a senhora morava e tal. A senhora, quando era criança tinha alguma brincadeira favorita? Com o que a senhora brincava? O que a senhora fazia? Conta pra gente.

R – Eram muitas as nossas brincadeiras, a gente tinha muita brincadeira, peteca, jogar peteca, pular corda, balanço na galha do pau, né? A gente pegava a corda da bananeira e trançava, amarrava na galha dos paus pra gente balangar e ai, a gente nem tinha medo do perigo, pra gente era tudo simples, cada um queria ir mais alto que o outro (risos) balançando nessa corda. Hoje, eu fico pensando: e se essa corda arrebenta? (risos) Mas graças a Deus, nunca aconteceu, né? E era muita brincadeira de roda, cozinhadinho, juntava as colegas tudo, dava domingo, juntava as colegas, ia pra casa da outra e ia fazer cozinhado, cada uma levava um pouquinho de uma coisa, a gente fazia cozinhado debaixo dos paus.

P/1 – E o que era essa cozinhado? Conta pra gente.

R – Cozinhado era comida, mesmo, que a gente fazia, levava um pouquinho de arroz, outro levava um pedacinho de carne, outro levava o feijão e a gente limpava na sombra debaixo do pau, fazia fogão lá com pedrinhas lá, colocava e a gente fazia comida lá. Fazia batizado de boneca (risos).

P/1 – E as bonecas, vocês mesmo faziam? Como eram as bonecas? Do quê que elas eram feitas?

R – Até uma galinha de pau (risos), duas galinhas. A gente enfiava uma roupinha nela e falava que era boneca, era sabugo de milho, a gente fazia boneca. Aí depois, mamãe fazia aquelas bonecas de pano pra gente, né? Aí, a gente fazia roupinha pras bonecas, guardava dentro das caixinhas, caixa de sapato e guardava as bonecas. Aí, quando dava domingo, juntava as coleguinhas, a gente ia pegar as bonecas e ia fazer batizado, um era o padre, outro era padrinho (risos), fazia aquela festa.

P/2 – E como eram as brincadeiras de roda?

R – As brincadeiras de roda era com música, todo mundo dava as mãos, juntava aquela turma, dava a mão, então quando a lua tava clara, que não tinha energia. A gente usava lamparina. Quando era noite de lua clara, o terreiro limpinho, varridinho, ficava clarinho, aí juntava a turma, a gente ia brincar, né? Era “Que pau é esse”, era de pique, de pega, era tanta coisa que a gente brincava, né, pulava corda de noite, eu lembro que ficava todo mundo lá no terreiro brincando, meu pai e minha mãe sentado lá na calçada olhando a gente brincar.

P/2 – Você se lembra de alguma dessas músicas de roda, que você talvez tenha passado para os filhos brincarem também?

R – Vixi, agora eu já esqueci quase tudo (risos). Aquela da canoa virou, outra deixa ela virar, era a Margarida, eu não me lembro mais mesmo as músicas toda, não. Mas a gente brincava muito quando criança.

P/1 – E Dona Cristina, durante, quando a senhora era criança, a senhora saía com o seu pai, com a sua mãe andando pela comunidade? Pelo morro do ouro? A senhora fazia alguma atividade assim, passeando com eles pela comunidade?

R – Não, a gente passeava quando era momento de festa, que tinham as festas, assim, aí a gente saía, né? Mas no morro, a gente ia pegar fruta, tem a época de mangaba, a gente ia muito, saía cedinho, todo mundo, ia pro morro pegar mangaba, pequi, essas coisas e a gente pegava muito, passava onde hoje é a Kinross, a gente ia muito pra ali, que tinha muito pequi lá, a gente ia muito lá pegar pequi e, depois, já grande, que eu já garimpava também, garimpava muito lá.

P/1 – Mas vamos voltar um pouquinho, a senhora contou dessa história de como era a comunidade, mas os seus pais contavam como surgiu a comunidade? Contava a história da comunidade, como é que tinha surgido? Ele falava isso pra senhora?

R – Não, nessa época, as pessoas mais velhas mesmo não conversavam muito assim com as crianças, não, né? O assunto era deles lá e a gente também não perguntava, mas a criação era mais rígida, se os mais velhos estivessem conversando, a gente não podia nem chegar perto, né? Tinha que ficar pra lá, cuidando das coisas da gente lá, então, a gente não tinha assim, de saber muitas coisas, não. Meu pai gostava muito de contar pra gente história, historinha, sempre contava pra gente, né, ficava à noite, lua clara, não tinha nada para fazer, a gente ficava sentado, aí ele contava as histórias, mas sobre a comunidade, não. Eu fui conhecer história da comunidade depois que eu já estava na escola, estudando. A gente aqui não conhecia todo mundo que tinha na comunidade, porque a gente quase não saía, depois é que a gente foi conhecendo as pessoas, mas a gente era criado praticamente em casa, não era de sair, não, era pro servido, pra casa, era assim.

P/1 – E que histórias que o seu pai gostava de contar? A senhora lembra de alguma história pra contar pra gente?

R – Ah, sempre essas historinhas, da onça e seu coelho (risos), de lobo, essas coisas de bicho que ele contava pra gente, né? História do Pepé…

P/1 – A senhora lembra de alguma para contar pra gente?

R – Ah, eu acho que eu não lembro tudo assim, de cor, de cabeça mais não.

P/1 – E a senhora me falou que o seu pai mexia com plantação, né? Nessa época em que a senhora era criança, a senhora lembra se era comum o mutirão aqui na comunidade? E o que era o mutirão? Explica pra gente.

R – Era muito comum. Mutirão na época de limpa de roça ou de planta, que é plantar, aí eles juntavam, combinavam a turma e iam todos pra roça de um. Juntava aquela turma de homem e ia pra plantar ou pra limpar, mais era para limpar, né, porque de capina e as mulheres juntavam pra fazer a comida, fazer aquele mundo de comida para eles, né? Aí, eles iam, trabalhavam, às vezes, quando chegavam, aí tinha festa depois da janta, aí tinha cantoria, tocavam, dançavam, isso aí a gente chamava de mutirão.

P/1 – Era combinado com o dono da terra, ele chegava… que horas? Era muito cedo?

R – Era cedo. Iam cedo, eles combinavam, o dono da roça ficava sabendo porque tinha que preparar as comidas, né? Mas eles iam cedinho, juntavam a turma e falava: “Vamos fazer um mutirão, vamos ajudar fulano hoje”, aí juntava todo mundo e ia de manhã cedo.

P/1 – E as mulheres faziam o quê? Elas iam junto acompanhando os esposos, os maridos, mas elas faziam o quê? Faziam artesanato, ajudavam na comida, o que elas faziam?

R – Elas faziam comida, ficavam preparando a comida em casa. Iam levar lá na roça. Preparavam a comida e ia levar.

P/1 – E aí, depois tudo, essa festa de noite tinha alguém que tocava? Conta pra gente um pouquinho, a senhora sabe como que era essa festa?

R – Só tocava sanfona, violão, cantava, dançavam assim.

P/1 – E me conta uma coisa, tinha escola aqui na comunidade?

R – Tinha. A escola que [eu] ia era na igreja, ela funcionava na igreja, tinha uma igrejinha antiga. Eles contam que essa igreja foi construída ainda pelos escravos, uma igreja bem pequena, de adobo e lá funcionava a escola, quando eu estudei, eu estudei aqui.

P/1 – E quem era a professora dessa escola nessa época?

R – Era Malfisa, ainda existe a Malfisa Lopes que era filha de Saturnino Lopes e Salviana, então, ela que foi a professora aqui, primeira professora.

P/1 – E como era essa rotina na escola? A senhora ia de manhã pra escola, ia à tarde? Conta um pouquinho pra gente.

R – Se estudava de manhã, a gente ia pra escola de manhã e a hora que a gente chegava da escola, almoçava e ia pra roça trabalhar; se estudava à tarde, a gente ia pra roça cedo, trabalhava até a hora de almoço, vinha, almoçava, arrumava e ia pra escola.

P/1 – E essa roca era do quê, Dona Cristina?

R – Era de plantação, plantava milho, mandioca, feijão, arroz, abóbora, tudo a gente plantava e tinha.

P/2 – E quais são os cuidados que tinha que ter nessa roça? O que vocês faziam todos os dias indo lá?

R – Quando era pra plantar, primeiro, tinha que capinar o terreno todo, a gente falava bater palha, nessa época: “Tá na época de bater palha”, ia todo mundo pra roça, capinar, aí depois plantava e, depois de plantado, tinha que limpar, né? E depois a colheita, ia colher. A gente, às vezes, nem ia todos os dias, não, só quando tava capinando, tirava semana e todo dia ia pra capinar, até limpar a roça.

P/2 – E como é que era ver a roça toda cheia na época da colheita, né, de ver que o trabalho de vocês tinha sido…

R – Muito bom, o arroz, quando o arroz tava desse tamanhozinho assim, olha, chegava na roça, o vento batia no arroz, nossa, pra mim aquilo era a coisa mais linda (risos) ver as folhas balançando. Quando tava maduro também, um cheiro, chegava pra colher, às vezes, a gente colhia de cachinho, ia quebrando os cachinhos e jogando na cesta. Quando tinha muito arroz, aí cortava e levava pro rancho pra bater, batia…

P/1 – E quem batia e socava o arroz? Quem fazia isso?

R – Socar o arroz? A gente é que socava, muitas vezes, mamãe… A gente colhia o arroz de cachinho, esfarelava na peneira, punha lá no sol, às vezes, mamãe dava uma torrada nele, para ficar mais sequinho, eu achava tão gostoso quando torrava o arroz e a gente socava no pilão, era o serviço de nós criança, era isso, socar arroz, catar feijão, porque feijão era batido no terreiro, na roça e vinha com muita pedra, então, a gente tinha que catar tudo, isso era serviço de criança, né?

P/2 – E as cestas? Você falou que levava as cestas. Como é que eram feitas essas cestas?

R – A cesta era igual a essas, essas cestas que tinha aqui, só que a gente que fazia de taboca, de bambu, só que fazia cesta maior, grande, punha alça e aí, a gente ia pra rua, levar as verduras, banana que dava muita banana, banana prata, principalmente, né? E a gente levava de tudo que a gente plantava, mandioca, batata, inhame, cará, abobora, quiabo, tudo a gente levava pra rua, milho verde, milho seco também, a gente debulhava, vendia o saco de milho seco. A gente criava porco, restante era abóbora, restante de mandioca que sobrava dava pros porcos, engordava, então a gente quase não comprava nada na cidade, a gente tinha de tudo.

P/1 – E a senhora levava esses balaios, essas cestas com as coisas pra vender, ia até a cidade?

R – É.

P/1 – E como é que vocês iam? Como é que era o caminho? Conta um pouquinho pra gente.

R – O caminho era trilha, né? Era trilha, essa comunidade que tem hoje aí do açude vizinho ali era tudo mato, só tinha uma estrada carrera que vinha de Unaí (MG), passava aqui na estrada carrera, poeira que você pisava, atolava até… que era essa estrada carrera, de carro de boi. A gente daqui até lá, a gente ia na trilha, a hora que chegava lá que encontrava a estrada carrera, ia pra cidade. Ali onde hoje é a rodovia, ali era um valo, a gente descia no valo e subia no outro lado pra entrar para a cidade.

P/2 – Tudo a pé, carregando?

R – Tudo a pé. E quando tava chovendo que ali escorregava (risos), aí a gente ia lá, cavava, fazia aquelas bancadinhas, pra passar pra subir e atravessar pro outro lado.

P/1 – E como é que era a cidade nessa época?

R – A cidade, eu lembro da cidade ainda pequena e muitos bairros que tem hoje ali não tinham e a gente ia de porta em porta oferecendo as verduras. As casas eram “tudo aberta”, você chegava, entrava e vendia as suas verduras e tudo: era frango, era ovos... A gente ia com o tabuleiro na cabeça, cesta e a penca de frango, botava no braço e ia levando as verduras e frango pra vender.

P/1 – Iam várias crianças junto? Criança e adulto junto para vender? Iam conversando? Como é que vocês iam?

R – As crianças não iam não, né, iam só depois de maior, até por conta da distância, tinha que andar de pé, chegar lá e andar nas ruas, então, criança não ia não, só depois maiorzinho, lá pelos seus 12, 14 anos, aí já ia, né? E a gente ia conversando, juntava a turma, subia conversando, né?

P/1 – Cantava também ou não?

R – Não, cantar quando a gente ia, não cantava, não, pesado (risos), mas a gente ia conversando, né?

P/1 – E o que vocês compravam? Porque pelo o que a senhora tá falando, tinha de tudo aqui, né?

R – A gente comprava macarrão, comprava o sal, comprava o querosene; carne de gado, a gente comprava. Pouca coisa a gente comprava, porque fazia farinha, tinha rapadura. A gente fazia rapadura, tinha rapadura, tinha frango, tinha ovos, tinha banha de porco, né, e as outras coisas, a gente tinha tudo, tinha feijão, tinha arroz, que a gente plantava.

P/1 – E como era feita a rapadura? A senhora chegou a fazer rapadura, como é que era?

R – Fiz muito, ixi, desde menina. A rapadura, a gente cortava a cana. O nosso engenho, o engenho do meu pai, era aquele engenho de madeira, então faz um barulho que de longe escuta o engenho, então todo mundo sabia: “João tá moendo, João já tá moendo”, que ouvia o barulho do engenho. Ele era de madeira e tocado a cavalo, o cavalo puxava. A gente tinha que ir cedo, levantava de madrugada. Nessa época, fazia frio, hoje não faz frio como fazia naquele tempo, não. Era muito frio e a gente levantava cedo e pegava naquelas canas geladas que a mão da gente chegava a ficar dura pra pôr a cana no engenho, a moeda do engenho. Aí, tinha garapa, a macera embaixo. Com a peneira, caía, coava, caía na macera e a gente pegava e punha nos tachos, carregava nossa garapa pros tachos, punha o fogo e aí, ia fervendo. Essa garapa fervia até… Ia aparando na espuma, a chamava espumadeira, a gente ia parando aquela espuma que ia andando por cima, ia aparando, tirando essa espuma, a gente também já punha na vasilha também que era para dar aos porcos. Depois, ela engrossava, fazia aquele melado. Quando tava no ponto, você punha na cuia com água assim, fazia aquela puxadura, já tava no ponto de tirar. Aí, tirava aquele melado, punha na macera e ia sovar, sovar, sovar até ela engrossar e começar a endurecer e punha nas formas, na hora que esfriava, desinformava. Aí, o açúcar, o meu pai fazia aquele açúcar mascavo também, aí tinha tipo um caixote furado, né, e aí, ele colocava um melado ali, tampava com barro e deixava dias, ali ia pingando, pingando, aí punha uma vasilha embaixo, ia pingando aquele melado escuro, ia pingando. Aí depois secava, né, para parar de pingar o melado, ele vinha e tirava, aí já tava o açúcar.

P/1 – E fazia pinga também de rapadura, também?

R – Fazia.

P/1 – E como é que era feita a pinga de rapadura?

R – A pinga de rapadura… Eu não sei bem como que é, não. Não sei se colocava também no coxo para curtir, porque a de garapa eu já ajudei fazer muito. Meu marido era lambicador, trabalhava lá justamente para esse Nicolau, nome do dono da cachaça, era o meu marido que lambicava, então, moía, punha a garapa nos coxos grandes. Hoje é um caixotão grande, mas enchia de garapa e deixava lá, né? Durante três dias, aí ela começava a ferver, aí ela ficava fervendo, eles punham fermento, quando ela parava de ferver, já tava boa pra lambicar, aí botava no fogo e ia saindo aquela aguinha branquinha limpinha que é a cachaça.

P/1 – E me fala uma coisa, Dona Cristina, a senhora contou um pouco o que era produzido, o que naquela época precisava comprar, querosene, o sal e aí, a senhora estudou até que ano?

R – Até a quarta série, só.

P/1 – E aí, a senhora parou de estudar por quê? E aí, o quê que a senhora foi fazer?

R – Parei de estudar porque tinha que ir para a cidade, aí já era mais difícil escola. Muitas vezes, tinha que pagar e os pais da gente não tinham condições. Eu até que gostaria muito, tinha muita vontade de estudar, mas não teve como estudar. Tive que parar de estudar e ficar só no serviço, trabalhando.

P/1 – E a senhora falou, então, que no trabalho, a senhora ajudava na roça e ajudava a garimpar, também?

R – A garimpar.

P/1 – Quem é que garimpava e como é que era isso? Conta pra gente como que é garimpar.

R – Todos garimpavam, né? Garimpar… Você tinha bateia que, na época, era feita de madeira, era o meu tio Agostinho que fazia as bateias. Às vezes, tinha uma mangueira velha, derrubava aquela mangueira e ele aproveitava as toras e fazia as bateias, fazia gamela, né? Então, a gente ia para o córrego com a bateia. Tinha a pá, a enxadinha e aí, a gente tirava o cascalho, punha na bateia e ia bateiando, ia jogando aquele cascalho fora até ficar só o esmerilzinho preto. A gente tirava aquele esmeril, o ouro era bem pouquinho, aqueles carocinhos de ouro, a gente ia juntando. Ou então, no caixotinho, né, nos caixotes também. O caixote tinha uma bica, faz o caixote, põe o ralo, furo grande e aí, tinha a bica coberto… Sempre punha linhagem, aquele saco de linha de primeira, antigamente que vinha com batatinha, aquelas coisas, que eles falam saco de estopa hoje, né, falava saco de linhagem na época, ele era bem fininho, aí cobria a bica e aí, ia pondo cascalho lá no ralo e lavando, pondo água e lavando, aí ia jogando o grosso fora e só descia o mais fino. Depois, você punha na bateia, sacudia aquele na bateia, dava de tarde e apurava na bateia e [punha] pra secar o ouro, você apurava, tirava. Faz assim com a bateia e o ouro sobe, fica tudo no fundinho da bateia, aí você tirava e punha num carumbezinho assim e punha no fogo, deixava secar no fogo, aí ele secava e você vinha com um imã, passava por cima e tirava toda a impureza, aquele todo resto do esmeril e o ouro ficava purinho. E a gente levava pra trocar. Muitas vezes, você trabalhava de cedo até duas, três horas, já apurava e punha na rua, já trocava e comprava alguma coisa que tava precisando.

P/1 – E usava alguma erva pra ajudar nesse processo ou não?

R – Não, não.

P/1 – E bateiar tinha uma ciência? Alguém ensinou a senhora a bateiar ou já sabia?

R – Não, não, tem que aprender, não deixar a água entrar demais e jogar tudo fora, né? Se deixar a água entrar demais na bateia, a água lava e joga fora, então, tem um jeito de a água ir entrando e saindo devagarinho, rodeando a bateia assim, vai mexendo, vai tirando o cascalho grosso e vai ficando só o fino. Tem uma ciência, não é qualquer um que faz, não.

P/1 – E vocês iam no córrego? Era muitas pessoas no córrego bateiando ou não?

R – Ia no córrego abaixo, qualquer lugar que você descia no córrego, você encontrava uma pessoa garimpando, né? Às vezes, juntava até turma no meio do córrego, outra ali, outra ali, tudo caixotinho. Nós, meninas, sempre com uma bateia, né, fazia umas bateia menorzinha, né, e a gente tava ali garimpando.

P/1 – E me diz uma coisa, Dona Cristina, a senhora comentou com a gente que às vezes, a senhora subia no morro junto com o seu pai e ele ia mostrando onde que tinha restos da comunidade quilombola daqui, né, que os negros estavam aqui. O quê que vocês encontravam?

R – Olha, a gente encontrava várias coisas, no quintal lá de casa mesmo, capinando, nós encontramos uma corrente com duas argolas assim, fechava. A gente não sabia e nós pegamos e levamos, aí o meu pai falou: “Isso aqui é de piar os escravos, isso aqui prende a mão e prende o pé”, só que essas coisas… Tinha muita coisa velha lá em casa guardada, que a gente, trabalhando, achava. No garimpo, a gente achava muito cachimbo, mas eles falavam que esses cachimbos parece que eram dos índios, né, que os cachimbos, às vezes, eram desenhados, tipo desenho de indígena, mesmo, né? E a gente guardava aquilo, mas depois foram aparecendo aquelas pessoas que já sabia do valor daquilo. A gente nem sabia que aquilo tinha tanto valor e eles foram vendendo a troco de mais nada, né? É igual lá em casa, tinha tanta chave antiga, meu pai tinha muito, assim, coisas de arreata de cavalo, espora de tudo quanto é jeito. O povo chegava, interessava e ia comprando (risos), e aquilo foi se perdendo. E aqui onde a gente chamava de Morro do Ouro, justamente porque tem muito ouro aí, que foi trabalhado pelos escravos primeiro. O ouro daí era levado para Portugal, então, tinha muito trabalho visível escravo aí, né, tinha os açudes, que eles faziam os tanques pra juntar água, muitas valetas cortadas na rocha, na pedra que eles cortavam pra água descer, o garimpo, e tinha uma mina subterrânea que tinha as escadinhas, desciam lá pro fundo, eu nunca tive coragem de descer lá não (risos), só olhava só de fora. Aí tinha uma outra que quando chovia, ficava cheinha d’água e derramava água, ficava escorrendo aquela água limpinha, escorrendo, era uma mina subterrânea que tinha. Aí tinha casa feita de pedra, tinha curral feito de pedra, hoje acabou tudo.

P/1 – O seu pai explicava para a senhora o quê que eram aquilo?

R – Eles falavam: “Esse aqui foi trabalho dos escravos quando os escravos estiveram aqui, que trabalharam aqui”.

P/1 – E aí, Dona Cristina, me conta um pouquinho, a senhora começou a mexer com artesanato quando e quem ensinou a senhora fazer os artesanatos?

R – Olha, quase tudo o que eu faço é de própria ideia minha, mesmo. Ninguém nunca me ensinou fazer nada, costura, eu costuro, nunca fui em corte e costura, que a minha mãe costurava, mas minha mãe também nunca tinha ido em corte e costura. Minha mãe não sabia ler, mas conhecia dinheiro; conta, ela fazia muito bem, mas ler e escrever, ela não sabia não. E então, a gente foi vendo e foi aprendendo, né? Igual ao chapéu; a trança, minha vó ensinou trançar, mas costurar o chapéu, eu fui vendo a minha mãe fazendo, fui olhando e tentando e dei conta de fazer, né? Hoje, acho que é só eu que faço. Todas as coisas, eu fui aprendendo a fazer e vi as pessoas fazendo, eu ficava olhando tudo, eu tinha curiosidade de ficar olhando, e ia tentar fazer também e foi assim, eu trabalhei aqui na Casa do Artesão dois anos, levando os meus artesanatos, depois eu parei por causa da distância. Os meninos ficavam falando comigo: “Mãe, é muito perigoso, a senhora fica trabalhando lá”, agora com negócio de roubo, de tudo, às vezes, eu ficava sozinha, lá pra cuidar do caixa, dinheiro e olhar tudo ali, né, aí eu peguei e sai, falei: “Não…

P/1 – Vamos voltar um pouquinho, a senhora falou que foi a sua vó que ensinou a fazer o chapéu…

R – A trança, é.

P/1 – A trança. Conta pra gente como é que faz o chapéu. Ele é feito de palha de milho? Do quê que ele é feito?

R – Ele é feito de palha de coqueiro-indaiá, que é o coqueiro que nós temos aqui, que nós chamamos de coqueiro-indaiá. Então, ele é tirado uma palha do grelo do coqueiro, que é palha nova e aí, você ferventa ela, põe pra ferventar, ferventa ela, depois você põe ela pra curtir no sol e no sereno, aí ela fica branquinha, aí você com uma agulha rasga ela as tirinhas e vai trançando, formou a trança, depois dessa trança, eu vou costurar também. Só tem uma forma redonda assim, que é feita de madeira e aí, você faz forma quase tudo na mão, só põe lá na forma pra formar a copa, por causa do tamanho, que tem maior, menor, cabeça maior, cabeça menor, então você põe na forma só pra formar a copa, a gente fala a copa do chapéu, né? Mas o resto você faz sem precisar forma, sem nada.

P/1 – E como é que era fazer com a sua vó o chapéu? Como é que ela fazia pra ensinar, vocês ficavam sentados em volta dela, como é que era?

R – Não, a trança, ela me ensinou trançar, mas logo ela morreu, né? Então, eu aprendi costurar olhando minha mãe costurar. A trança não, a gente sentava, ela sentava do lado, a gente tem que ir trançando as palhas Às vezes, a gente trançava errado, ela falava: “Tá errado, desmancha”, agora o chapéu eu aprendi por mim mesmo, só olhando a minha mãe fazer, fui aprendendo.

P/1 – Nessa época em que a senhora era menina, mais criança, que comidas que vocês faziam aqui, que a senhora lembra e, lembrando, a senhora sente saudade? E se a senhora aprendeu a fazer essas comidas.

R – As comidas eram simples, a gente tinha comidas, como diz, de roça, né? Era feijão, o arroz, era abóbora, era mandioca, era muito osso que comprava e cozinhava, era assim, essas comidas bem pesadas, que a gente comia, né? Agora, quando tinha uma festa, uma coisa assim, aí fazia tutu, fazia o arroz, fazia outra qualidade de comida variada, mas não tinha muita especialidade, não.

P/1 – E os doces, tinha algum doce especial, alguma coisa assim, ou não?

R – Os doces também sempre eram os doces comuns, né? A gente fazia muito doce, época de festa fazia latas de 20 litros de doce. Era doce de mamão ralado, era doce de batata doce, doce de laranja da terra, eram esses. Doce de canjica, que canjica é o doce de milho, né, que preparara a canjica, cozinha a canjica e depois moi ela e faz o doce, era muito bom o doce lá, doce de canjica, esses doces sempre fazia.

P/1 – E essas festas que a senhora comentou, quais festas eram e em que época que aconteciam?

R – Tinha Festa de Reis, que é a mesma de janeiro, fevereiro. Sempre fazia a festa de reis, tinha Festa de Nossa Senhora da Piedade e a Festa de São Domingos, padroeiro. Essas festas e São João, Santo Antônio, sempre foi festejada, sempre fazia. Agora festa que fazia muita comida, doces, era a Festa de São Domingos, Festa de Reis e São João da Piedade, aí São João já era mais bolo, bolo de cará, bolo de mandioca, pão de queijo de mandioca, era essas coisas, tudo que a gente tinha aqui na roça, tinha polvilho, né, fazia farinha, tirava o polvilho e a gente fazia.

P/2 – E como eram essas festas? Você falou das comidas, mas as pessoas se reuniam em que lugar?

R – Tinha uns lugares. Nessas festas religiosas sempre tem a missa, tinha a missa, aí depois da missa, tinham as comidas. A de Reis mesmo, tinha Folia, meu sogro era o folião com os filhos dele, os parentes, aí tinha os foliões, aí eles saíam no dia 25 de dezembro, giravam por essas comunidades afora, tudo, Lagoa, Santa Rita, isso tudo eles andavam, sei que eles ficavam um mês pra lá girando, cantando folia. Quando fazia um mês, eles chegavam, aqui era a chegada a Folia, aí tinha a festa, chegada a Folia, fazia comida, tinha danças, era na casa do meu sogro, né? Aí no dia da festa, tinha missa. Nessa época, ainda os padres vinham montados nos burros. O pessoal vinha tudo de longe desses lugares tudo onde a Folia girou, passou, eles vinham tudo a cavalo, era aquela cava… Na porta da igreja, tinha a missa, aí da missa, ia para a casa do meu sogro, era o almoço, as “pachada” de comida, doce, as “latadas” de doce que faziam. As mulheres ficavam a semana preparando, todo mundo, juntava a turma de mulher pra preparar as laranjas, as casas de laranja pra fazer os doces, ralar os mamões, a gente fazia. Aí, durante o dia, tava ali comendo, tudo, quando era à noite, era festa. Aí até o dia amanhecer, povo dançando.

P/2 – A senhora participava dessas festas? Gostava?

R – Muito pouco (risos), porque a gente tinha que ir com os pais e a hora que dava tantas horas: “Vão embora”, vinha embora, a gente tava querendo ficar, mas não podia, tinha que vim embora, né?

P/1 – E nessa Festa da Folia tinha algum traje que eles tinham que usar, alguma roupa típica que eles tinham que fazer?

R – Não, só usavam a toalha no pescoço, só. Hoje já tem uniforme, né? Hoje também, eles cantam somente aqui na comunidade.

P/1 – Ah, eles não saem pras outras?

R – Não, não saem mais, não.

P/2 – E a senhora recebe os foliões aqui?

R – Recebo.

P/2 – Eles ficam tocando à noite toda?

R – Não, os foliões, não. Os foliões cantam de casa em casa, com a imagem do menino Jesus e com os instrumentos e aí, nas casas, eles cantam, sabe?

P/1 – E quando a senhora recebe, a senhora tem que fazer alguma coisa ou não?

R – Às vezes, sim, aqui, junta eu e Irene e a gente dá o lanche pra eles, que eles chegam aqui bem lá pras duas, três horas, aí nós combinamos e a gente prepara o lanche pra eles, aí eu dou uma coisa, Irene dá outra, a gente faz um lanche só. Que antes de Irene morar aí, era eu que dava, né, aí depois Irene veio pra cá, a gente combina e divide, dá o lanche, lá.

P/1 – A senhora falou também da Festa de São Domingos, né? Por que ele é o padroeiro da comunidade, né?

R – É.

P/1 – E quando que é essa festa? E quando que acontece?

R – Essa festa acontece no mês de agosto, São Domingos é dia oito de agosto e é o dia dele, da morte dele e ainda onde celebra a missa, né, a gente, muitas vezes, faz novena, agora geralmente tá fazendo a tríade, três dias, tem barraquinha. A gente faz caldo, faz feijão tropeiro, faz uma galinhada, farofa, aí é vendido, né? Vende e a renda é pra igreja, pra reforma, pra alguma coisa na igreja.

P/1 – E a senhora sabe por que que a comunidade se chamou São Domingos? A senhora sabe por quê?

R – Olha, porque ela chama São Domingos, agora porque trouxe a imagem de São Domingos e começou a fazer a festa dele eu sei que foi uma promessa, mas eu acho que aqui já deveria ter o nome São Domingos, né? Porque eles fizeram a promessa que São Domingos ajudasse, acabasse, com a febre que tinha aqui, que matava muita gente essa febre; que acabasse essa febre, que São Domingos tirasse isso daqui, assim traria a imagem dele pra cá e festejaria todo ano. Então, disseram que acabou, não teve mais. Então, trouxeram a imagem pra cá e aí, começaram a fazer a festa dele.

P/1 – E a Festa de São João, como é? Conta um pouquinho como é essa festa? Quando que ela acontece? Quais são as danças que tem?

R – A Festa de São João é de muitos anos, né, fala que ela é ainda da época dos escravos, que é dança ainda dos escravos e essa festa acontece do dia 23 pra 24 de junho, que comemora do dia de São João. E essa festa, desde o meu avô, tem um velho aqui que depois, eu fui conversar muito com ele, perguntar a ele das coisas, ele me falou que essa Festa de São João foi o meu avô Sabino que trouxe pra cá. Então, desde o meu avô, tinha essa dança, todo ano, depois o meu avô morreu, meu pai continuou com essa festa, aí depois, meu pai morreu também, aí ficou com o meu sogro. Aí, o meu sogro também morreu, aí eu fiquei com a festa porque já vem assim, é de família. E a festa tem a dança. Aliás, tem um capitão que comanda a dança, então, [a função d]esse capitão é passada de família pra família. Não sai fora da família, porque até na música, já fala, já canta assim: “São João, se bem soubesse, quando era o vosso dia, ele descia do céu à terra com prazer e alegria”, e fala assim: [cantando] “Arera, areroá, tome conta da bandeira, derradeiros capitão”, então por isso é assim, quando um morre, o capitão é um outro da mesma família, né, eles vão tomando conta.

P/2 – Quem é o capitão hoje?

R – Hoje é Geraldo, meu sobrinho, ele até passou para o meu filho, que era meu cunhado, o pai desse Geraldo, aí o meu cunhado morreu, ficou o Geraldo, aí o Geraldo quis passar para o meu filho, mas o meu filho não tem muita paciência. (risos) Ele até começou, mas depois, parou, ele não tem muita paciência, não. Antes, dançavam só adultos e, hoje, já tem criança, já entra muito jovem, o jovem hoje é desobediente, então, eles querem que dance no ritmo certo, do jeito certo e eles, não, eles acham que tudo é brincadeira, né, então, ele não tem muita paciência, não, então ainda tá com o Geraldo, que é o capitão.

P/2 – As mulheres participam da dança? Dançam também?

R – Não, só homem. É, um veste de mulher e outro de homem, né? Sempre são 24 dançantes, 12 mulheres, que vestem de mulher e 12 que vestem de homem.

P/1 – E qual que é o papel da senhora, que a senhora tava dizendo que passou para o seu pai, veio para a senhora a responsabilidade pra carretagem, qual que é a sua responsabilidade?

R – A minha responsabilidade é honrar São João, né? Aquele lá, São João Batista, né? Então, é o que batizou Jesus, né? São João Batista, esse que era o meu avô, depois meu pai, meu sogro um tempo, né, aliás, foi o meu sogro primeiro e depois que foi o meu pai, porque depois, meu pai mudou pra Brasília, mas todo ano ele vinha, porque a gente tem que rezar. Tem a reza que a gente reza ou então celebra missa. Quando dá para celebrar a missa, a gente junta, reza e levanta a bandeira dele. E essa dança é assim, eles já começaram a ensaiar, todo ano eles ensaiam, porque entra novato, tem que aprender, né? Então, eles ensaiam muitos domingos, até o povo já ficar bem prático na dança, né? E quando é no dia de São João, aí eles vestem fantasia, reúnem e vão dançar, né? E levanta a bandeira. Eu, a minha responsabilidade, é de preparar aqui o ambiente para receber eles e preparar os comes e bebes. Então, eu faço essas comidas típicas, o caldo de feijão, caldo de frango com milho verde, farofa de frango, essas coisas assim que eu faço aqui, uma galinhada para servir para eles, faço quentão, faço pipoca. Primeiro, eu fazia muito cartucho, amendoim torrado, mas é muita gente, é muita gente pra não dar pra todo muno, aí eu parei de fazer as coisas, mas pipoca, a gente faz ainda, pipoca… Quando eles chegam aqui, eles dançam, aí depois, eles vão e comem, depois, dançam de novo, aprendem as danças e vai embora. São sete danças que tem, são sete danças: tem a contradança, tem o batuquinho, tem a cadeia grande, tem a dança marimbondo, tem a do verso, quem eles põem verso, tem cadeia grande, não sei se eu já falei e a música que é a despedida, que eles cantam na hora de ir embora, né?

P/1 – E essas danças têm um significado cada uma ou eles dançam todas as danças em todas as casas?

R – Não, não dança em todas as casas, porque tem lugar que não dá pra dançar a dança. Conforme a dança, eles têm que abrir roda, assim, então tem que ser um terreiro muito grande e, hoje, quase ninguém tá tendo terreiro, tem lugar que eles dançam é na rua, né? Então, às vezes, eles dançam uma volta só, uma dança só.

P/2 – É nessa festa que tem as máscaras, é isso?

R – É. Eles fantasiam, né?

P/1 – E como é que são essas fantasias? Conta um pouquinho pra gente.

R – As fantasias, hoje já mudaram. Antes, os homens vestiam mesmo de mulher, vestido, né? Fazia o cabelo, cabelo de pita, não sei se vocês conhecem pita, é uma planta que tem a folha muito grande, dura, então, quando ela tá madura, a gente corta ela, punha na água, deixava ela, depois limpava tudo e tingia. Então, ficava o cabelo bonito, “molezinho”, ficava brilhando o cabelo, né? Então, as damas punham esses cabelos, uns faziam trança, amarrava uma fita, outros deixavam solto e era assim. E os homens eram todo enfeitado de fita, de máscara, casquete que é esse aqui que eles põem, cada um faz de um jeito, né, põem na cabeça, mas todos têm o casquete na cabeça, uma bengala, todos eles têm a bengala, os cavalheiros e a dança era assim, a fantasia era essa. Agora hoje não, hoje tem hora que você olha, você não sabe a divisão de cavalheiro com dama, porque as damas estão tocando fita, plástico, tudo também, né?

P/2 – E o que a senhora sente quando assiste essas festas, vê que a cada ano, a festa continua?

R – Pra gente é uma alegria muito grande, né? A gente sente aquela emoção, lembra dos antepassados, aquelas pessoas mais velhas que tinham, que dançavam, né?

P/2 – Sente também a coisa da tradição, né?

R – É, da tradição, é. É igual Folia, vai mudando, né, Folia de Reis, a gente até chorava quando cantava. Eu tinha um tio que ele cantava, nossa, ele punha o verso assim… Se você pedisse: “Você canta pra uma pessoa minha que tá fora?”, ele tinha aquele verso, a gente até chorava. Hoje, quer dizer, já não estão dando conta de colocar, de ter ideias assim, dos versos tudo acertadinho, né? Mas ainda tem.

P/1 – A caretagem, a senhora falou que começa no dia 23 e vai até o dia… Então, quer dizer, eles dançam a noite inteira?

R – Dançam à noite inteira.

P/1 – E eles saem da sua casa, porque a senhora é a pessoa responsável e depois, vai para todas as casas da comunidade?

R – Vai para todas as casas. Aliás, eles até começam não aqui, né, porque eles deixam aqui pra depois, eles começam ali em cima. Dançam nessas casas ali em cima, aí depois que eles chegam, tá tudo aqui esperando. Tem vez que vem gente, que eu olho assim, tá coalhadinho de gente, é muita gente. Esse ano mesmo, eu acho que deve vim muita gente, que vai dar final de semana.

P/1 – E quem faz as máscaras?

R – As máscaras eu aprendi fazer também com uma pessoa que veio aqui, na época que quando tinha aquele projeto Rondon, Raquel, a moça em Belo Horizonte e falando dessas mascaras e ela me explicou mais ou menos como que se fazia. Aí, eu mesmo fui, tentei fazer a forma, fiz a forma e ela me ensinou como que fazia e eu fiz a primeira máscara e daí pra cá, continuei a fazer, foi embora, eu continuei fazendo as máscaras.

P/1 – E as máscaras, a senhora faz com o quê? O quê que a senhora usa?

R – Cola, papel, né, uso aquele saco de cimento. A gente aproveita o saco de cimento, você lava ele, bem lavadinho, deixa de molho, um tempo, depois você tira e põe ele de molho com cola e aí, você vai pondo a máscara, vai formando, vai pondo camada, camada… Daí você põe pra secar. A hora que seca, você desenforma, aí vai recortar, vai pintar.

P/1 – E a senhora falou pra gente que o seu pai foi pra Brasília, por que ele foi pra Brasília? Quando foi isso? Conta um pouquinho pra gente.

R – Meu pai foi pra Brasília na época que tava construindo Brasília, né? Então, as roças já… A terra já; como diz, como eles falavam: “A terra já tá cansada”, quer dizer, já não tá produzindo muito, então [ele] queria arrumar um outro meio de trabalho, e foi quando o meu irmão mais velho, então, foi pra Brasília. Na época, tava indo muita gente pra lá para trabalhar e o meu irmão foi e o meu irmão ficou trabalhando lá um tempo, aí o meu irmão levou o meu pai e eles montaram uma feira, vendia farinha, feijão, que tem lá na feira em Brasília. Aí depois, ele veio e buscou minha mãe com o resto da família pra lá, aí ficou só eu aqui. Eu já era casada, já tinha filho e fiquei. Quando eu fiquei viúva, que o meu marido morreu muito cedo, meu marido morreu com 42 anos, que eu tinha 37, na época que ele morreu, aí o meu irmão veio me buscar pra me levar para Brasília com os meninos, aí eu falei: “Não, não vou não, porque eu já tenho aqui o que é meu e eu vou sair daqui com esses meninos tudo pequeno pra ir pra Brasília. Chegar lá vai ser muito mais difícil. Não, eu fico aqui mesmo, aqui, eu consigo meus trabalhos, nós vamos pro garimpo e nós vamos mexendo, o que vocês puderem me ajudar, vocês me ajudam, mas eu não quero ir pra Brasília, não, vou ficar aqui, me deixe aqui”, aí fiquei aqui.

PAUSA

P/1 – Então, Dona Cristina, a senhora tava comentando que a sua família toda foi para Brasília e a senhora não quis ir por conta da morte do seu marido e por causa das crianças pequenas. Seu marido morreu do que, Dona Cristina?

R – Foi derrame cerebral.

P/1 – Ah, foi derrame? E ele trabalhava com o quê? Ele fazia o quê?

R – Trabalhava também com lavoura, plantação, plantar e limpar também.

PAUSA

P/1 – Conta pra mim, Dona Cristina, a sua família foi pra Brasília, a senhora já tava casada há muito tempo ou não?

R – Já. Já tinha meus filhos e tudo, já.

P/1 – E a senhora teve quantos filhos?

R – Eu tive oito filhos, perdi um, fiquei com sete. Tenho sete.

P/1 – E o seu marido era da comunidade também?

R – Era da comunidade, também.

P/1 – E como e que a senhora começou a namorar? Conta pra gente.

R – Vixi, um namoro… Primeiro era de carta (risos)

P/1 – Ah é? Conta pra ente como é que era.

R – Era escrevendo carta, né? Escrevia carta, respondia carta, era assim. Os pais da gente eram severos, não deixavam namorar muito não, mas eu casei com 18 anos, comecei a namorar com 17 anos, então foi o primeiro rapaz que eu namorei e casei. Eu não tive outros namorados, não.

P/1 – E a senhora conheceu ele como?

R – Uai, aqui mesmo, nos trabalhos. A gente trabalhava muito aí, plantando, que a gente trabalhava assim, na época de plantar milho, plantar arroz, as pessoas pagavam pra gente plantar e ele era solteiro, mas mexia com lavoura grande, ele tinha plantio de cana, canaviais, tudo. Então, sempre, a gente trabalhava pra ele, né? A gente era tudo aqui da comunidade, a gente conhecia, né? Aí, comecei a namorar, aí logo ele pediu casamento por carta também a meu pai (risos) e a resposta pra ele, meu pai mandou eu escrever, foi de tanto ele me escrever (risos).

P/1 – E a senhora lembra o que ele ditou para a senhora escrever?

R – Falando que aceitava e tudo, as condições e o meu irmão falava que se judiasse comigo, ele ia me buscava (risos), era assim, que o meu irmão tinha um ciúmes de mim, nossa, era apegado comigo, todo lugar que a gente ia, era nós dois, né? E aí, ficamos noivos, a minha aliança, foi tirado o ouro daqui, garimpou, o meu marido garimpou o ouro, levou no ourives, fez as alianças. Logo a gente casou. Agora dia 26 de julho, faz uns anos o meu casamento, eu casei dia 26 de julho.

P/1 – E a senhora foi morar onde?

R – Aí, eu fui morar numa casa perto da casa da minha mãe, né?

P/1 – E a lavoura dele era perto também?

R – Não, às vezes, era longe. Tinha lugar que era mais longe, mas não era tão longe, não, era perto assim, a gente ia e voltava, né? Aí, ele alugou uma casa do cunhado dele, que era perto da casa da minha mãe, a gente ficou morando lá um tempo. Aí, ele comprou um lote perto da minha sogra, que é lá perto da igreja e lá construímos uma casinha, eu fiquei morando lá. Aí depois, meu cunhado que era o dono desse terreno aqui, falou que lá era muito frio, que era beira do córrego, que não, que não dava pra gente morar e tal, e foi e vendeu aqui para o meu marido. Aí, o meu marido vendeu lá e comprou aqui e a gente construiu. A minha casa não era essa, era uma outra casinha aqui, que era feita de adobe também, madeira tirada do mato, mesmo, lavrada.

P/1 – E quem fazia os tijolos de adobe? Era aqui na comunidade mesmo?

R – Era aqui mesmo. Aqui mesmo nós fizemos a minha casa, minha primeira casa foi feita de adobe, primeiro, nós furamos a cisterna e puxava água da cisterna, amassava esse barro e formava os adobe aqui, aí secava e construímos a casa.

P/1 – A senhora sabe fazer tijolo de adobe?

R – Sei.

P/1 – Como é que faz? Conta pra gente.

R – Bom, tem a forma, né? Tem que ter a forma, agora o povo quase nem usa mais, aí secava a terra, vai molhando ela, amassando, molhando, amassando até fazer aquele barro bem visguento, aí você pega e você tem que passar uma cinza, uma coisa na forma assim pra não pregar e aí, você põe o barro, vai lá, bota a forma lá e puxa o tijolo, sai lá, fica lá, deixa lá quieto pra secar, ele seca.

P/1 – Nessa época que a senhora casou, a senhora trabalhava pra fora, fazia alguma coisa pra fora ou ficou só cuidando de casa?

R – Aí depois que eu casei, eu fiquei só cuidando de casa, mesmo. Cuidando de casa e ajudando na roça, que ele mexia com lavoura, ele punha muita gente pra trabalhar, então, eu ficava pra cuidar, levar comida, fazer o almoço, levar lá na roça, fazer o lanche, levar na roça, depois fazer a janta, para que quando o povo chegasse de tarde, a janta estar pronta, e era o arroz socado no pilão, água puxada na cisterna, né? Às vezes, o meu marido levantava cedo, enchia as vasilhas de água, puxava água pra mim, rachava lenha, deixava mais ou menos pra mim. Mas era assim.

P/1 – E essa produção que ele tinha, ele vendia onde? Ele vendia aqui na comunidade ou ele vendia pra fora também?

R – A gente vendia na cidade, as verduras, a gente vendia na cidade. Milho, feijão, ele vendia na cidade, vendia no armazém, ainda tem a Totti Costa ali, lá era lugar da gente vender milho, saco de milho, saco de feijão… A gente colhia muito, tirava da despesa, tirava de plantar e o restante a gente vendia.

P/1 – E como é que a senhora fazia para ver a sua família, porque a senhora falou que nessa época, a sua família morava tudo lá em Brasília, né? Eles vinham pras festas que aconteciam aqui? Como é que era?

R – Meu irmão, meus dois irmãos sempre vinham. Esse irmão que eu falo que ele é muito apegado comigo, foi o que morreu, abaixo de mim, mais novo que eu. Ele vinha sempre, ele vinha porque ele vinha ver como é que eu tava com os meninos. Eu lembro que ele sempre me ajudava, ele trazia os tecidos, nessa época de frio, ele comprava era peças de flanela e trazia pra mim, pra fazer roupa pros meninos. Ele sempre vinha. Eu nunca tinha ido lá, não. A primeira vez que eu fui também, com os meninos, tudo, foi a época de férias, mês de janeiro, ele veio e me levou com os meninos e tudo pra gente passear, pra ficar lá, para conhecer Brasília. Eu sei que eu fiquei um mês lá e ele que vinha, tinha muita coisa comigo.

P/1 – E como é que era Brasília, quando a senhora visitou? O que a senhora achou da cidade? Conta um pouquinho pra gente.

R – Tava começando, era barracaiada, né? Brasília mesmo ainda era bem pequenininha, só o miolinho lá no meio que tinha os prédios, mas tudo era barraco. Onde mãe morava mesmo quando eu fui lá, na época, era na Vila do Apeí, primeira vez que ele me levou lá, ali pertinho do Bandeirante, bem pertinho da rodoviária, era tudo barraco de madeira, né, casa da minha mãe lá nesse lugar, depois, ela mudou para Ceilândia também, era barraca, tudo barraco e depois, cresceu Brasília, mas eu não gosto de Brasília, não (risos), só mesmo porque minha família tá lá, eu vou lá e vejo, uns dois, três dias e venho embora (risos).

P/1 – E me fala uma coisa, a senhora comentou nessa época também que o seu pai vinha pras festas ou ele só vinha pra caretagem?

R – Ele só vinha pra carretagem, só na época da caretagem que ele vinha.

P/1 – E naquela época era a senhora que fazia as máscaras, também? Ou não?

R – Fazia já. Antes, era uma dona, Dona Julia, na cidade que fazia. Aí, a gente tinha que ir lá, encomendar, tinha que encomendar um mês, dois meses antes pra ela e ela fazia, né? Aí depois que eu aprendi, aí eu já passei a fazer.

P/1 – E ela fazia da mesma forma que a senhora faz hoje ou não?

R – Da mesma forma, do mesmo jeito, também era de papel que ela fazia, assim.

P/1 – E por que tem que usar máscara?

R – Olha, pra não conhecer os dançantes, mesmo, não conhece, porque na história religiosa, conta assim, eles estavam guerreando, eles usavam espadas. Hoje eles não estão usando espadas mais, todos eles usavam espadas na cintura. Então, fala que eles estavam numa guerra, né? E quando São João nasceu, né, que São Zacarias fez a fogueira bem alta, colocou fogo e levantou a bandeira que aí clareou e pra graça de Deus, fluiu um mundo e então, eles ao invés de guerrear, eles passaram a dançar, festejaram, passaram a dançar. E na outra história, porque tem essas duas versões, a outra história é que eles eram escravos e eles faziam a festa deles lá na senzala e eles se mascaravam, botavam máscara, fantasiava e os senhores não conhecia quem era quem, que estava ali fazendo a festa, dançando.

P/1 – Então, era uma forma dos negros participarem sem que fossem reconhecidos?

R – Reconhecidos.

P/2 – E quem são essas figuras representadas nas máscaras? Tem alguém? Tem alguma…?

R – Não… são…

P/2 – E quando a senhora faz, a senhora pensa em alguém para ter ideia? Para fazer um rosto diferente do outro?

R – Não, a gente não tem, assim, referencial, pessoa, né?

P/1 – E me diz uma coisa, a senhora logo após o seu marido, a senhora falou que a senhora ia sobreviver fazendo os seus trabalhos, o quê que a senhora fez para criar os seus filhos?

R – Olha, meus filhos, a gente continuou plantando lavoura, aí depois, eu vi que eu não dava conta, inclusive, eu tenho um irmão que na época de limpar as roças, ele vinha de Brasília e ficava aqui comigo, me ajudando, mas depois foi ficando difícil, aí eu deixei, mas garimpo, a gente sempre garimpava e aí, eu comecei a trabalhar lavando roupa pra fora, passando roupa, buscava trouxas de roupa na cabeça da cidade aqui pra lavar, lavava, levava trouxa na cabeça pra entregar, assim, e vendendo as verduras, o que tinha pra vender, a gente ia fazendo.

P/1 – E os artesanatos que a senhora fazia fazer, por exemplo, chapéu, a senhora vendia também?

R – Vendia. A gente fazia, vendia. Depois também que já veio vindo esse chapéu industrial, já caiu os nosso, já não deu valor, né?

P/1 – E a senhora vendia na cidade mesmo, o chapéu?

R – Vendia, vendia nos mercados, no armazém, a gente fazia vinte, 15 chapéus; levava e vendia.

P/2 – Como a senhora fazia para equilibrar as coisas na cabeça pra levar pra cidade ou para andar aqui?

R – A gente fazia uma rudia de pano, põe na cabeça até para não machucar a cabeça e levava. A gente buscava água no córrego, né, lata, pote na cabeça, assim…

P/1 – E como é que surgiu a associação de moradores aqui na comunidade?

R – A associação de moradores surgiu em 1985, não foi antes…

P/1 – Foi mais ou menos na década de 80?

R – É, que aí já foi ficando assim: tudo necessitava de ter alguém pra ser responsável, ter um líder na comunidade que, de primeiro, até falava líder. Eu já fui líder da comunidade, Nicolau já foi líder da comunidade, meu sogro já foi líder. Uma pessoa referência, que se precisasse de ir na prefeitura, precisasse de qualquer coisa, tinha essa pessoa que era referência, então, era os lideres, aí depois, surgiu [a ideia] de formar a Associação [de Moradores]. Tinha essa cisterna ou tinha que pegar água no córrego e nem todo mundo aqui tinha cisterna, aí quando chovia, a água do córrego ficava suja, barrenta. Tinha que ir onde tinha cisterna, primeiro fazia fila aqui em casa na minha cisterna para pegar água. Então, eles pensaram até foi um vereador, na época, o Felix Melo da gente formar uma associação e a gente pedir ao Estado que furasse um poço artesiano pra gente, então foi assim, aí nós nos reunimos, fizemos reunião e tudo e aí, formamos a associação. Então, desde essa época, eu trabalhei na associação, deixei a associação agora em 2008 que eu saí da associação, que eu parei.

P/1 – A senhora era presidente da associação?

R – Já fui presidente, já fui tesoureira, já fui secretária, em cada mandato, sempre a gente era eleito pra uma coisa, né? A gente formou a associação e a gente então pediu para o Estado que furou o poço artesiano aqui pra nós, foi através do deputado Moises Melo, irmão de Felix, então aí ele viu e conseguiu o poço artesiano pra nós, foi ele que furou o poço artesiano e daí a gente continuou com a associação, a gente requereu a luz, né, energia elétrica pra cá também e foi assim. Aí quando foi 2003, em 2003, começou a associação de remanescentes…

P/1 – Os quilombolas? [Associação de Quilombolas de São Domingos]

R – Quilombolas, foi quando veio o antropólogo pra cá, o Romeu Sabará, eu estava na associação de moradores, ele veio, me procurou para fazer o trabalho aqui, né? Então, ele trabalhou aqui durante uns três meses e foi aí nesses lugares tudo, onde a gente falou que tinha indício dos escravos, né? E foi, então, reconhecido como remanescente de escravos, né, inclusive, eles colocaram comunidade quilombola, ainda dizem quilombo é onde os escravos escondia, né? Aqui não foi lugar que eles esconderam, eles vieram a trabalho, né? E eles foram embora daqui, não sei como ficou três famílias aqui descendentes deles, que surgiu a comunidade, né? Então, seria remanescente, ficou remanescente de quilombola. E aí, a gente foi reconhecida pela [Fundação Cultural] Palmares como comunidade remanescente, que nós somos remanescentes dos escravos e ficou as duas associações, a de moradores e a associação de remanescente, né?

P/1 – E como é que se deu esse processo? Além do antropólogo que veio aqui, ele fez o quê? Ele conversava e fez entrevistas com vocês? O que mais foi feito?

R – Ele fez entrevista, ele fez a árvore genealógica, ele pesquisou muito, fez pesquisa na cidade, em museu, em todos os lugares, no museu histórico, em todos os lugares ele fez pesquisa, e entrevistou os mais velhos, andou muito aqui, ficou aqui durante três meses, vinha, ficava aqui.

P/1 – Dona Cristina, quando surge a empresa pra começar a garimpar, pra a fazer a extração do ouro, quando foi mais ou menos isso? E mudou a relação de vocês no processo de garimpagem, se vocês puderam continuar garimpando, como é que foi isso?

R – Toda vida que eu conheci, me entendi por gente, pessoal garimpava aqui, né? Vivia aqui a maioria de garimpo. Comunidade toda, todo mundo garimpava, todo mundo era garimpeiro. Aí depois, surgiu que não poderia garimpar, a gente não poderia garimpar, que tava estragando o córrego, que isso, que aquilo, mas só que o garimpo nosso não estragava córrego. A gente trabalhava manual, mas deixou entrar draga, veio pessoal com draga, arrendando terreno e colocando draga. A draga sim, acabou com o córrego. Acabou com o nosso córrego, porque o nosso córrego aqui, se garimpava de caixotinho, né? A areia se jogava ali mesmo, enchia e se tornava na limpar aquilo, a gente ia com a pá, garimpava ali o cascalho ali mesmo. A gente não estragava nada. Era proibido de garimpar no barranco, até porque cada barranco era de um dono, então a gente só garimpava no meio do córrego e era um trabalho manual, não usava nada pra apurar o ouro. O ouro era apurado simplesmente com fogo e esmeril, não tinha produto nenhum que colocava e sei que foi uma perseguição aqui, que a polícia vinha, quebrava bateia dos garimpeiros, quebrava os caixotes e depois, entrou draga. O pessoal com mais poder aquisitivo entrou com draga, trabalhando aí. E aí, foi indo, a draga acabou com o ouro do povo. Ainda tem, eu mesmo tenho um cunhado que ele garimpa direto, vive de garimpo, mas foi esse, aquietou, não perseguiu mais o pessoal não, mas hoje não pode também, que se o povo vem garimpar aqui, eles falam que tá pegando na mineradora, então o povo não pode garimpar.

P/1 – E as dragas, a senhora falou que arrendava os terrenos, os terrenos eram de vocês mesmo que vocês arrendavam pra outras pessoas colocarem a draga?

R – Não, nós mesmos não arrendamos, não, foram outras pessoas que arrendaram… os donos pra lá, dos terrenos. Igual veio o Pedro Rabelo, que comprou o terreno, comprou a cachoeira que tinha aqui, uma cachoeira bonita. Ele comprou esse terreno todo e foi o primeiro a colocar a draga e trabalhar aí… Morador da cidade, então, ele colocou draga pra trabalhar aí. E foi acabando com tudo, com córrego, com tudo, com cachoeira, com tudo.

P/1 – E como é que surgiu a fábrica de biscoitos?

R – A fábrica de biscoito foi na minha época, ainda, eu era presidente, que a gente em parceria, com a mineradora, com o Banco do Brasil. O pessoal do Banco do Brasil ajudou, nós fizemos a reforma da sede, porque tinha construído a sede, que era onde fazia reunião e tudo, associação. Aí, essa sede foi acabando, ficando toda quebrada, os telhados tudo quebrado, aí na época, a gente pensou em reformar. A gente fez um projeto, Almir Paraca nos ajudou muito nesse projeto e com a Fundação Banco do Brasil e conseguimos reformar o prédio, a sede e comprar algum material que a gente queria montar a fábrica de biscoitos e a fábrica de doce, né? Então, nós fizemos isso, a gente comprou muitos vasilhames e restaurou a sede. Depois, a gente fez um outro projeto já com a mineradora, na época, se eu não me engano, ainda era RPM [Rio Paracatu Mineração, atual Kinross Paracatu]. A gente fazia a parceria com eles. Tinha um processo de votação, tinham os projetos que toda comunidade se inscrevia e era feita através de votação e a comunidade que ganhasse, então, eles ajudariam com uma verba, né? Eu sei que quase toda vez que eu fiz, nós ganhamos, né? Primeiro, foi um moinho. Nós pedimos um moinho para moer açafrão que é outra renda que eu esqueci de mencionar, que a gente fazia muito aqui o corante, o açafrão, faz até hoje e era socado no pilão, a gente socava no pilão. Eu pedi, a gente fez esse projeto e, com esse projeto, a gente foi contemplado. Então, a mineradora deu pra gente o moinho que nós temos, que moi açafrão até hoje aí para o pessoal. A gente construiu a casinha ali, colocou ele lá bonitinho, tá lá, a gente moi açafrão para o pessoal. Depois, nós fizemos um outro e nós ganhamos uma bomba pro poço artesiano, que a nossa bomba só tava dando defeito, defeito, aí nós conseguimos, ganhamos essa bomba para o poço. Depois nós fizemos um outro projeto, também nós fomos contemplados com uma Kombi, nós ganhamos uma Kombi, porque nesse projeto que a gente fez com Almir Paraca e com a Fundação Banco do Brasil, a gente fez a criação de frango caipirão, então, pra levar os frangos pro mercado... A gente estava abastecendo o mercado e a gente não tinha condução, aí que a gente fez esse projeto também através de votação e nós fomos contemplados, aí ganhamos essa Kombi pra gente levar os frango pra cidade, que a gente abatia os frango, limpava, “embandejava”, fazia as bandejinhas, né? E aí, acabava, o mercado ligava pra gente, a gente ia levar, então, nós fornecemos muito frango e dava uma renda boa pra gente, mas depois também, a gente teve que parar porque não dava dando mais certo, não, porque começou o pessoal roubando os frango, e a gente gastava com ração, quando tava na época de abater os frango, o povo vinha e roubava e aí, o pessoal foi desiludindo e parou, mas pessoal sentiu falta, porque todo mundo gostava do frango nosso aqui. E nós fizemos um outro projeto também com a mineradora, com a Kinross e conseguimos o resto dos materiais, as coisas pra poder montar a fábrica de biscoito, que na verdade, era para ser fábrica de biscoito e de doces, que a gente fazia, eu mesmo, já fiz muito doce pra vender, depois que eu parei de fazer e então, a gente conseguiu. A gente trabalhou um tempo fazendo biscoito, aí em 2008, que eu saí, aí deixei tudo lá, material, de tudo lá para o pessoal trabalhar e aí, eles só usaram o que tinha, o dinheiro que a gente deixou em caixa, porque a gente tirava o dinheiro para deixar em caixa, para quando acabasse o material, a gente ter dinheiro para comprar, né? Aí, o dinheiro que a gente deixou em caixa, eles gastaram e, depois, não teve dinheiro para comprar e pararam com a fábrica. Aí, ficou parada um tempo e só as coisas acabando, destruiu tudo que a gente tinha deixado, só tava destruindo, aí o pessoal pegou e falou: “Não, nós temos que fazer outra eleição e colocar outro presidente, que esse não tá dando certo, não”, aí foi que entrou Irene, a Romilda, aí fizeram a eleição e montaram a outra chapa, aí Irene já assumiu a presidência também de moradores e a de remanescentes, também, junto com a Romilda. E eles levantaram de novo com a mineradora, conseguiram de novo, outro projeto pra dar continuidade à fábrica de biscoito e aí, graças a Deus, eles reformaram tudo de novo, também, que aí já foi nova a reforma pra botar tudo como necessário para funcionar uma fábrica e eles arrumaram e tá aí até hoje, trabalhando.

P/1 – E a fábrica… o biscoito é o biscoito de queijo?

R – Eles fazem pão de queijo, bolo de mandioca, bolo de fubá, peta, nhoque, roscas, eles fazem uma rosquinha recheada muito gostosa. Eu gosto demais dessa rosca, desses biscoitos…

P/1 – E as receitas… e quem trabalha na fábrica? E as receitas vêm da onde, Dona…?

R – Acho que foi o pessoal que fez o treinamento com elas que deixou as receitas, tudo certinho com preço, né, para ver o negócio de preço, de tudo e aí, tá indo, só não tá ainda colocando no mercado porque parece que tá faltando embalagem, não sei o que lá da nutricionista também.

P/1 – E quem trabalha na fábrica? São as mulheres da comunidade?

R – É, são algumas mulheres aí da comunidade, né?

P/1 – E me fala uma coisa, Dona Cristina, por exemplo, tem alguma comida que a senhora saiba que é de origem muito antiga que vocês continuam fazendo aqui?

R – A única comida antiga aqui que a gente continua fazendo é a feijoada, né? (risos) A feijoada mas já para o lado de feijoada rica, né? (risos) Que a feijoada dos pobres diz que era os restos que os senhores davam, né, era orelha, o focinho, o pé, né? Então, os negros aproveitaram, colocavam no feijão, né, e começou a feijoada. Agora, hoje, o povo põe linguiça, põe calabresa, põe não sei o que mais (risos).

P/1 – E me diz uma coisa, o bolo de domingo e o mané pelado também não é um doce típico dessa época?

R – O mané pelado, o pé de moleque, né, aqui mesmo, eles fazem muito o pé de moleque do coco indaiá, muito gostoso, tem a minha prima ali faz direto para vender, né, do coco indaiá, ela faz de amendoim, muito bom os doces dela, que ela faz. E o mané pelado também, hoje já é diferente. O mané pelado que a gente fazia antigamente, que eu já fiz muito, que eu levava o lanche na roça para os trabalhadores, para os peões, a gente fazia era da própria mandioca com rapadura, né, ralava a mandioca, espremia ela, tirava aquele caldo dela, que é o polvilho, goma e temperava às vezes com coco indaiá, que a gente socava ele também no pilão, e adoçava com rapadura, né, amassava aquela massa e punha pra assar na caçarola, numa palha de banana, aí ficava muito gostoso. Agora hoje, não, já faz incrementado, já põe queijo, põe isso, põe aquilo…

P/1 – E a senhora sabe por quê que chama mané pelado?

R – Tem história (risos)…

P/1 – Qual que é a história (risos)?

R – Eu não sei se eu ainda lembro bem dessa história, mas parece que era… Como é que foi, gente? Agora já me esqueci… Minha cabeça não tá lembrando mais não, mas eu sei que era comadre tava fazendo mané pelado e compadre chegou e chamou e ela foi e falou assim: “Entra que eu tô fazendo mané pelado”, aí ele achou que mané, era o marido da mulher que tava pelado (risos).

P/1 – E me diz uma coisa, como era antigamente e até hoje… que tem o cemitério hoje aqui, né, mas como é que era o velório, como é que fazia antigamente o caixão, como é que era feito o velório aqui na comunidade?

R – O velório era pessoa morria, botava num banco, tinha um banco. Em casa mesmo tinha um banco lá que mamãe, quando morria gente, levava esse banco, era um bancão largo assim, e levava esse banco. Aí, a pessoa morria, enrolava no lençol e punha ela no banco, tampava com lençol. Aí, o povo ficava ali à noite inteira velando enquanto o tio Agostinho tava fazendo o caixão, né, era o meu tio que fazia o caixão. Às vezes, ele trabalhava à noite inteira fazendo esse caixão, às vezes, trabalhava de dia. Depois que fazia o caixão, aí botava o defunto no caixão, que tinha vestido roupa e tudo, punha no caixão e ai, já punha no caixão pra ir pro cemitério.

P/1 – E esse banco só sua família que tinha? A senhora emprestava pras outras famílias também?

R – Emprestava, era o nosso e do tio Loriano, quando não pegava lá de casa, pegava do tio Loriano.

P/1 – Então, era o lugar onde se colocava o defunto, só vocês tinham?

R – Era esse banco.

P/1 – E eu queria que a senhora falasse um pouquinho se tem ainda alguma construção antiga, qual é a construção mais antiga aqui da comunidade?

R – Ixi, acho que a única que tem aqui agora é a do seu Adão, acho que ainda tem a casa dele, ainda velha, lá. Todo mundo reformou a casa, mas me lembro demais daquelas casinhas…

P/1 – E a casa do seu Aureliano que foi feito o museu, quando foi feito?

R – Ah é! Tem a de Aureliano que ele deixou a partezinha da casa velha também, ali. Inclusive, lá tem muita coisa minha lá que eu tinha feito um museu aqui na sede, fiz uma salinha com museu, né? E aí, depois quando ficou bagunçado aí, acho que a Isabel levou lá para a casa dela, então, lá tem muita coisa minha antiga que eles fizeram naquela casa dela.

P/1 – E o quê que são essas coisas, a senhora sabe? O quê que a senhora deixou, o quê que tinha nesse museu que a senhora fez e foi pra lá?

R – Tem muita coisa, tinha… Deve ter chapéu, não sei se eles ainda estão com chapéu de palha, tinha máscara, tinha roupa pra caretagem que eu fiz, tinha lamparina, ferro velho de passar, tinha um pote, umas coisas lá.

P/1 – E por que é importante a senhora acha montar esse museu e manter essa tradição?

R – Uai, porque hoje tudo é moderno, né? Então, os mais novos que vem chegando hoje não conhecem essas coisas que a gente usava antigamente, que tinha: pente de alisar cabelo, né, que hoje é escova, é chapinha, a gente usava com pente, punha na brasa, né, tem um pentinho de ferro, acho que esse pente também deve estar lá, pra alisar cabelo. Tinha máquina de cortar cabelo antiga.

P/1 – E essa coisa das danças, das festas, por que a senhora acha que é importante preservar isso?

R – Uai, porque é história, né? Se acabar, acaba a história, né, a única coisa que a gente ainda tem ainda das histórias dos antepassados que são essas danças, essas festividades, né, porque até os costumes, a maneira de vestir, de tudo já se mudou, né? Antes, a gente vestia roupa de algodão, né, tinha no balaio a roupa, que é a dança do balaio. Uma dança que eu resgatei também que já tinha se perdido e ainda consegui, não sei se resgatei ela toda, mas consegui resgatar um pouco, né que é a da colheita do algodão, na época da colheita do algodão, né? Então, as moças iam com balaio, pegando algodão, botando no balaio, né, e tem a música que a gente canta, né?

P/1 – Como é que é essa música? Canta pra gente um pouquinho. A senhora lembra?

R – [cantando] “Balaio meu bem balaio, balaio do coração, você que não tem balaio, sinhá, bota o algodão no chão. Balaio meu bem, balaio, balaio do coração, você que não tem balaio, sinhá, pega o algodão do chão. Mandei fazer balaio pra botar meu algodão, balaio ficou pequeno, não quero balaio, não.”

P/1 – E a colheita do algodão se dava em que época do ano?

R – Sempre é agora, nessa época de julho, agosto, setembro é época de colher o algodão.

P/1 – E aí, iam todas as mulheres da comunidade pra colher o algodão, depois tinha uma festa, é isso?

R – Era.

P/1 – Como que era essa festa? Conta pra gente.

R – Aí, era como se fosse o mutirão da colheita do algodão, né? Essa eu não me lembro bem, não, sabe, quando eu colhia algodão, colhia cada um da sua família, né? Eu não me lembro bem, mas sei que tinha o mutirão da colheita do algodão, onde juntava todo mundo pra colher o algodão, né? E aí, elas cantavam essa música.

P/1 – E tem muita plantação de algodão ainda hoje?

R – Não, hoje quase não tem mais, não, acabou tecelona que fiava no tear, acabou. Fiadeira de algodão, os mais velhos que faziam isso foram acabando, os mais novo já vai para outras profissões, né? Eu fiava, mamãe fiava na roda, mas eu fiava no fuso, né, juntava eu e mamãe, mamãe na roda e eu no fuso. A gente pega esse algodão, tinha escaroçadora, era uma maquinazinha de madeira também, a gente escaroçava esse algodão mais rápido nessa maquinazinha e depois bater era no batedor para ficar bem fofinha, aí depois a gente ia fiar pra costurar roupa e fiava também para tecer.

P/1 – A senhora falou que tinha dois tipos de fiação, a senhora fiava no…

R – No fuso.

P/1 – E a sua mãe no?

R – Na roda.

P/1 – Qual que é a diferença do fuso e da roda?

R – A roda é tipo uma máquina. A roda, você bate com o pedal e vai fiando, você tem que ter muito controle e eu ia fiar, minha linha arrebentava, saía grossa, saía fina (risos), aí eu não dava conta bem, não. Aí eu ficava no fuso, né? Acho que o meu fuso tá até lá na Isabel também.

P/1 – E o fuso, como é que era?

R – O fuso é uma roda assim, tem um pauzinho redondo e tem uma roda assim, você enfia o pauzinho no furo, aí você põe o algodão aqui na ponta e vai torcendo, aí você vai controlando, vai torcendo e vai torcendo a linha, você vai controlando a grossura que você quer a linha.

P/1 – E quem é que… depois de fiar essa linha…

R – A gente fiava para costurar chapéu…

P/1 – E pra fazer roupa também?

R – Fazer roupa também.

P/1 – E me contra uma coisa, Dona Cristina, a senhora contou um pouco do parto lá atrás, que tinha as raízes e quando as pessoas ficavam doentes, como eram tratadas as doenças?

R – Eram tratadas com o remédio do campo, né? Era com erva do campo, com raízes, meu pai mesmo, ele conhecia quase todo tipo de raiz, de remédio do campo caseiro. Nos finais de semana, domingo, ele saía cedinho e ia pro mato. Quando ele vinha, ele vinha com aquelas folhas, com raízes e ele separava tudo os pacotinhos, tudo separadinho e tinha remédio pra gripe, tinha remédio pra febre, né, lombrigueiro, tudo.

P/1 – E a senhora sabe pra que servem essas raízes? Quais são as raízes que servem para cada doença?

R – O cabo verde era pra febre, cortava a febre o cabo verde, o para tudo é pra gripe, era pra tudo, ele já chama para tudo porque era pra toda coisa (risos) servia, né? Tinha o chapéu de couro que era para reumatismo, né, tinha sofre de rim quem quer que era para rins, problema de rins, tinha uma tal de gritadeira também, que essa gritadeira eu não me lembro pra quê que era, rabo de tatu, que é tomba, nós chamávamos de rabo de tatu, que ela era uma raiz que vai ficando fininha, o rabinho assim, era para estômago, problema de desarranjo de estômago, tinha muitas coisas, muito remédio assim, até hoje a gente ainda faz, ainda. Ainda usa esses remedinhos.

P/1 – Mas tinha na comunidade uma pessoa que era referência como raizeiro, que todo mundo procurava porque era uma pessoa que sabia muito disso, fora o seu pai, ou não?

R – Não, aqui mesmo não, não tinha, não.

P/1 – E benzedeira, tinha aqui, Dona…

R – Tinha. Tinham várias…

P/1 – A benzedeira, ela benzia pra quê? Que doenças?

R – Tinha benzedeira de quebrante, benzedeira de dor de cabeça, benzedeira de dor de dente, carne quebrada que eles falam, quando machuca, eles falavam carne quebrada, tinha pessoas que benzia. Ainda tem, a vizinha aqui que mora ali atrás da associação, ela ainda benze dor de cabeça, benze quebrante.

P/1 – E me fala uma coisa, a senhora casou com 18 anos, a senhora casou cedo, a senhora também perdeu o seu marido cedo, mas quem fez os seus partos? Foram feitos aqui ou a senhora já ia na cidade? Quem fez os seus partos?

R – Foi aqui, só os três últimos que eu fui para o hospital, porque minha mãe tinha mudado daqui, já. Mas quem fez o meu parto foi minha sogra e minha mãe, todos os meus meninos, só os três últimos foi que eu fui pro hospital, que a minha sogra já tava velhinha e mamãe não morava aqui, tinha ido para Brasília, aí que eu ganhei no hospital, mas foi normal também, todos os três últimos filhos meus.

P/1 – E como é que foi ser mãe e ter o seu parto feito pela mãe?

R – (risos) É bom que a gente tinha mais confiança, né? A gente tinha confiança na mãe da gente, né? Tava ali o tempo todo com a gente, né?

P/1 – E a senhora contou que a senhora teve nove [oito] filhos, né? A senhora perdeu um, ele morreu do quê? E com quantos anos ele morreu?

R – Ele morreu com um ano e quatro meses, morreu de bronquite asmática.

P/1 – Ele morreu aqui na comunidade, mesmo?

R – Foi. Foi no médico. A gente foi no médico, levou ele no médico, no mesmo dia que a gente levou ele no médico, demos os medicamentos, injeção tudo pra ele, mas ele não aguentou, não, à noite, ele faleceu. Ainda não tinha hospital, tinha só uma santa casa, não tinha hospital, essas coisas assim, quando eu tive esse meu primeiro filho, né?

P/1 – Os seus filhos… desses nove [oito], um faleceu, quantos são mulheres e quantos são homens e se eles estudaram, o que eles fazem hoje.

R – Eu tenho dois homens e cinco mulheres. Os dois homens, um trabalha, a profissão dele é de pedreiro, ele estudou só até a quarta série também, mas tem a profissão de pedreiro e trabalha muito bem, essas casas todas aqui foi ele que constrói, todos nós aqui, ele que constrói, pega na planta, na base e entrega a casa pronta, ele só não faz serviço de carpinteiro. Mas ele trabalha muito bem. E o outro estudou até a oitava, esse é eletricista e bombeiro hidráulico, faz encanação de água, essas coisas, também pega prédio pra trabalhar, é a profissão dele, né? E minhas meninas, tem uma que é cabelereira, a Irene quando morou em Brasília, ela trabalhava lá, depois que ela casou, também teve os filhos, ela não trabalhou mais também, e agora ela trabalha aqui com a associação, faz trabalho voluntário. E as outras, a caçula é professora. Todos os meus filhos que formaram foram só três, Irene que formou, que quando o pai dela morreu, com 14 anos, 15 anos, ela foi pra Brasília com uma pessoa daqui pra trabalhar, lá ela trabalhou e estudou, e lá ela formou, né? Ela formou em Administração. E a Joana também formou, ela fez Magistério, mas ela tem a profissão, fez curso, foi pra Brasília, fez curso de seis meses lá de cabelereira, já tem o salão dela, ela trabalha de cabelereira. E Eliane, a caçula, essa que formou. Como foi a última, os mais velhos, nós ajudamos e ela começou também a trabalhar cedo, ela se formou com 18 anos, com 18 anos eu consegui serviço pra ela de professora na prefeitura e ela mesma já manteve a faculdade, fez faculdade, fez pós-graduação, então a mais formada é a Eliane, é essa que mora aqui, professora.

P/1 – E quantos netos a senhora tem, Dona Cristina?

R – Neto? Ixi, agora eu acho que eu tenho 14 (risos), 14 netos e quatro bisnetos.

P/2 – Como que é ver a família assim, grande, tudo em volta da saia da senhora?

R – É uma maravilha! Agradeço a Deus todo dia por essa oportunidade que ele tá me dando de ver meus filho, meus netos, meus bisnetos, né, e tudo aqui junto de mim, é muito bom.

P/1 – E como é que foi pra senhora contar a sua história pra gente?

R – Ixi, minha história é história muito triste, minha história é muito sofrida, né? Porque eu casei, antes de casar, minha vida era trabalho com o meu pai e o meu pai não deixava sair de forma nenhuma, a gente tinha que ficar era tudo ali, junto, ali trabalhando. Logo eu casei também, foi serviço, trabalhando. Aí o meu marido morre, e praticamente, subitamente que foram três dias: ele adoeceu, em três dias, ele morreu e então, eu fiquei com sete filhos pequenos. Eliane que é essa, minha caçula, ela nem conheceu ele, tinha 11 meses na época que ele morreu, não conheceu e foi uma luta pra mim criar esses filhos. Deus e eu criando meus filhos, então trabalhei muito, como eu contei no início, eu continuei plantando roça, mas aí eu não dava conta. Só com os meninos pequenos, os mais velhos já me ajudavam, mas era muito difícil, né? Então, logo já foi esparramando, Irene foi pra Brasília, uma senhora que era conhecida minha que pediu pra deixar ela ir com ela pra trabalhar, aí eu falei: “Como é com a senhora, eu vou deixar”, aí ela foi e lá ela ficou um tempo com ela, depois, ela já foi trabalhar com outra pessoa e assim ficou e ela ficou lá até casar. Veio pra cá depois com os filhos. E meus meninos estudando, pequenos, era uma luta pra mim, né? Aí, eu fazia doce de noite pra vender, fazia doce à noite, de dia eu tava no garimpo, meus meninos iam pra escola, a hora que chegava da escola, ia pro garimpo me ajudar, garimpando. Eu lavava roupa pra fora, às vezes, no sábado, eu passava roupa pra fora, era assim. E pondo os meninos pra cuidar das coisas em casa: punha eles pra lavar roupa, separava as roupas menores pra eles lavarem, deixava as mais pesadas pra mim, punha eles pra ir já cozinhando, fazendo as coisas em casa. A Eliane tava nova, eu tinha que sair e eles cuidavam dela, eu fazia mamadeira e deixava pronta, tanto que foi a única filha que tomou mamadeira foi Eliane, que os outro tudo foi amamentado até dois anos só no seio, dava muito leite. Aí, Eliane como eu já tinha que sair pra trabalhar, aí eu tinha que deixar a mamadeira pra ela, pros menino darem pra ela. E foi uma luta, mas graças a Deus, eu venci. Morava numa casinha que era de adobe e o telhado, as madeiras, foi madeira tirada, madeira branca mesmo, madeira comum, então já tava caindo o telhado, quando chovia, o chão era terra batida, né, chovia, a água escorria pra dentro de casa, tinha que fazer um buraquinho assim, a água ia caindo, ia tirando com a cuia e jogando pra fora (risos). À noite, eu tinha que cobrir os meninos com a lona, né, que era aquelas capas de lona que tinha, os cavaleiros usavam, aí tinha aquelas capas de lona. De noite, eu tinha que cobrir os meninos por causa de goteira, ficava goteando, é uma luta mesmo criar esses meninos, mas Deus me ajudou que eu venci, né, as meninas já foi trabalhando, a Irene já foi trabalhando e já mandava um dinheirinho pra mim, aí os menino também, o João, que é o menino mais velho, ele já começou trabalhando, as pessoas chamando ele, ele saía pra cozinhas, até para cozinhar em serviço em roça, que toda a vida ele gostou de cozinha e até hoje, ele cozinha, tem hora que chega do serviço, vai fazer comida, gosta de cozinhar. Então, as pessoas chamavam ele quando tinha serviço em roça assim, pra cozinhar, ele ia pra trabalhar cozinhando. E aí, era assim, o dinheirinho que eles faziam, e me entregavam tudo, sabe? Aí, o meu sobrinho também… Meu sobrinho era pedreiro, colocou eles pra trabalhar com ele de servente, foi o caso em que o meu filho aprendeu o serviço de pedreiro e aí, quando recebia o dinheiro, eles me entregavam, eu: “Não, meu filho, tira…” “Não, mãe, é pra ficar pra senhora. pra senhora comprar as coisas ai”, foi assim, toda a vida os meus meninos me ajudaram. Desde pequeno, foram me ajudando, foram crescendo. Quando João ficou rapaz, ele foi pra Brasília, entrou numa firma lá também, tal de Pneus Brasil, ele trabalhando lá e mandando dinheiro pra mim: “Mãe, vamos fazer uma outra casa, essa casa aí tá ruim demais, tem que ficar em ciam da senhora com os meninos pequenos. Aí eles iam mandando o dinheiro pra mim, aí eu ia comprando o material pra construir essa casa aqui. Levou tempo construindo essa casa aqui, aos pouquinhos. Graças a Deus construí. Não tinha móvel, não tinha nada, era banco, um tamborete, uma mesinha, o fogão era fogão de lenha, né, aí depois que eu construí aqui, aí eles me ajudaram. Tinha uma outra também que trabalha de doméstica, Irani, aí ela foi pra Brasília também, aí lá eles ficaram trabalhando e mandando. Aí, um já veio, me deu fogão a gás, meu filho já comprou a televisão, aí comprou uma estante, comprou uma geladeira, cada um deles foi trabalhando e eles ia me dando, comprando as coisas: “Aqui mãe, pra senhora, trouxe pra senhora, comprei pra senhora”, aí eu costurava pra fora aqui também pra ganhar um trocadinho, sempre eu fazia roupa pro pessoal, aí eu costurava numa maquininha de mão. Aí, o meu filho chegou: “Mãe, comprei uma máquina pra senhora”, essas de pedal, comprou pra mim: “Mãe, pra senhora costurar”, e foi assim até a gente montou a casa, graças a Deus. Então, meus filhos são meu orgulho, minha riqueza e todos são obedientes, ninguém tem vício, pessoal fala assim: “Nossa, esses meninos criado sem pai”, graças a deus, meus filhos nunca me deu trabalho, sempre foram obedientes, sempre me ajudaram, até hoje. Eu não posso falar assim: “Doeu isso aqui”, que já tá tudo aqui: “Mãe, tem que ir no médico, mãe vamos no médico”, é assim, desse jeito.

P/2 – E conta pra gente, a senhora falou da televisão, da geladeira, né, desses aparelhos elétricos, como foi quando chegou a eletricidade aqui, essa energia elétrica aqui, como é que foi ligar as primeiras coisas, as primeiras luzes, ver essa movimentação assim, na comunidade?

R – Se eu contar para vocês que essa energia aqui foi uma luta minha e eu acho que fui a última a colocar energia na minha casa (risos), nossa, mas eu lutei por essa energia aqui, né? Deus que ajuda dar um bom lugar a alma do finado Diogo. Quando ele entrou como prefeito, a gente já tinha uma amizade da minha mãe com a mãe dele, eu com a mãe dele, trabalhei muito com a mãe dele, então ele me ajudou muito. Na época que ele foi prefeito, ele me ajudou muito, ele falava: “Cristina, quando você chegar aqui na prefeitura, não precisa de ordem, nada, pra você falar comigo, não, basta você mandar falar que você tá aqui, que a porta já tá aberta pra você” (risos), e era assim. Aí, essa energia, a gente pediu a ele e fomos à luta, aí quando eles conseguiram arrumar energia, eles iam colocar porque aqui tinham poucas casas, aqui era só a minha casa que tinha, tinha outras casas mas era ali pra cima que tinham algumas casas. Então, quando veio colocar energia aqui, eles não iam colocar do lado de cá, só iam colocar do lado de lá, que diz que a comunidade mesmo era do lado de lá, onde era o povoado, que aqui só tinham algumas casas. Quando eu mudei pra aqui, era só eu e tinha duas casas ali em cima que era do Seu Saturio, hoje é do Planeta e a do meu cunhado, Antônio Lopes. Quando eu mudei, isso aqui era tudo mato, meu marido tinha comprado, a gente limpou, aqui era mato, vinha lobo aqui na porta pra galinha, isso tudo aí era mato. E então, a gente veio pra cá, comprou, construiu aqui e veio morar aqui. Então, eles iam colocar do lado de lá, que era o povoado, aí eles iam passar aqui no fundo do meu quintal, aí já tava tudo com as picadas, furando os buracos, eu falei: “De jeito nenhum que tu vai passar com fio no meu quintal, não. Meu quintal tem muita árvore, muito pé de manga, menino com vara no pé de manga, não aceito, não”, fui lá com o Diogo. Aí, Diogo: “Ela não quer que passa no quintal dela, não vai passar não, porque é propriedade dela, ela que manda”, aí, eles iam passar por lá, quando eu vi, eles já tava furando os buracos do pasto, passar lá no pasto, lá pra ir pra lá. Aí, eu vou lá de novo (risos): “Diogo, pelo amor de Deus. Melhor passar com a energia na rua, que nós também precisamos de energia e tal”, aí Diogo ligou pra lá, eu tava lá no gabinete, ele ainda falou: “Não, pelo amor de Deus, gente, atende aí, eu vou ajudar, vou aumentar a verba aí, vocês vão passar a energia por lá, porque Cristina tá aqui eu tô quase afogando aqui no gabinete com lágrimas de Cristina” (risos), aí foi que eles passaram a energia aqui, passou aqui pela rua. Aí, botou energia pra todo mundo e eu não tinha condições de comprar padrão, comprar os fio pra poder botar energia aqui, fiquei sem energia. Aí, foi que Moises Melo falou: “Não, Cristina, do jeito que você tem lutado, tanto que tudo que tá conseguindo aqui é luta sua, eu vou te dar o padrão”, aí ele me deu o padrão. Aí, o meu irmão veio de Brasília, arrumou os fios, veio e colocou energia pra mim.

P/2 – O quê que assenhora ligou primeiro? Uma lâmpada? Ou alguma coisa?

R – Primeiro foi a lâmpada, porque ainda não tinha nada de ligar ainda, né, porque não tinha energia. Aí depois, então é que os meninos compraram as coisas que já tinha energia. Eles compraram então pra ligar. E hoje, graças a Deus, eu tô aí com os meus filhos tudo criado, meus netos já com bisneto e é tudo aqui agarrado comigo.

P/1 – E pra terminar, uma última pergunta, qual é o seu sonho hoje, Dona Cristina?

R – Meu sonho? Ixi, meu sonho é pelo mundo, é a paz no nosso país, na nossa cidade, que tenha paz, porque é triste demais você ouvir que matou, que roubou, que fez isso, fez aquilo, quando a gente lembra assim, que a gente já viveu tão tranquila, que nem lembrava que existia essas coisas, roubo, morte... A gente ficava com porta aberta, você punha roupa no varal, ficava aí, um dia pro outro, passava à noite com roupa no varal, tudo… Hoje, você não pode deixar nada do lado de fora, tá perigoso. Aqui ainda tá mais tranquilo, ainda, na nossa comunidade, mas era uma comunidade que você nunca tinha visto polícia, agora já a polícia tá vindo aqui, dando ronda, vistoriando, vem gente de fora pra fazer coisas erradas aqui, ou rouba lá e vem pra cá, já apareceu tantos carros roubados aqui, né, rouba e vem pra cá, depenar carro por aí. Então, é uma coisa assim, que sonhava com essa paz novamente.

P/1 – Então tá bom, eu queria agradecer, Dona Cristina, seu depoimento pra gente, em nome do Museu da Pessoa e da Kinross. Muito obrigada.

R – De nada. Obrigada vocês.



FINAL DA ENTREVISTA