Museu da Pessoa

Um recado aos mestres-cervejeiros

autoria: Museu da Pessoa personagem: Ulisses Grasseschi

P/1 – Seu Ulisses, vamos começar? Muito obrigada pelo senhor ter vindo e nos dar seu depoimento. Eu gostaria que o senhor falasse o seu nome completo, o local que o senhor nasceu e a data.

R – Bom, meu nome é Ulisses Grasseschi, eu nasci na Rua Formosa, naquele tempo era Rua Seis, porque o bairro era o Sobrado, perto da Praça do Correio e quase na esquina da Avenida São João.

P/1 – Nossa, e que ano foi isso?

R – 1914.

P/1 – 1914?

R – Sim, 13 de agosto de 1914.

P/1 – E os seus pais, eles moravam já em São Paulo?

R – Sim, eu e duas irmãs, uma já faleceu e a outra está na Argentina né? Então, nós éramos três irmãos e tinha o bar lá eu era moleque e ficava passeando, como eu era muito bem-comportado [risos]. A minha mãe me deixava de mulher para que eu não saísse na rua.

P/1 – Deixou o senhor de mulher para o senhor não sair na rua?

R – Porque eu era pequeno e só fugia para rua. Naquele tempo podia-se fugir, não tinha perigo, não tinha essas conversas.

P/1 – Então o senhor nasceu no centro da cidade?

R – Sim, mas naquele tempo ainda não tinha um centro, ainda não existia o correio, o correio veio depois. O correio foi inaugurado em 1922, depois do Epitácio Pessoa.

P/1 – Então o senhor lembra daquela época, o centro mudou muito?

R – Sim, o prédio lá do correio, tinha um prédio alto, grande, com quatro andares e tinha uma pensão, a pensão da Dona Ida, todo mundo ia comer na pensão da Dona Ida.

P/1 – Então o senhor brincava por lá, quando o senhor estudou?

R – Sim, brincava por lá. Em frente da minha casa tinha um prédio, que era de propriedade da Antarctica, mas a Antarctica, quando veio a guerra, os alemães mandaram todo o dinheiro para a Alemanha e não terminou o prédio e as chaves estavam com o meu pai. Eu ia de vez em quando pegar a chave e passear lá. Esse prédio aí foi comprado da Antarctica, pelo governo a troco de selo, primeiro a cerveja tinha que pôr o selo, então em vez de pagar em dinheiro, dava o selo e depois aí que ficou a Delegacia Fiscal em São Paulo.

P/1 – Ah, era ali o prédio?

R – Sim, depois foi demolido né? Demoliram e depois fizeram aquela porcaria que primeiro foi o Parque do Anhangabaú, não era assim feio não, era mais bonito viu? Toda segunda-feira ia a banda de música, tinha o coreto e tocava lá. E atrás tinha um monumento do Giuseppe Verdi.

P/1 – Então era muito diferente? [risos].

R – Ah, muito diferente, muito, muito, muito

P/1 – E o senhor estudou perto?

R – Estudei na Escola Bela Vista, na Rua Major Diogo que até hoje, não sei o que tem lá, tem umas siglas lá que não dá para entender, mas era lá, na Rua Major Diogo, esquina com São Domingos.

P/1 – E o senhor ia sozinho para a escola?

R – Subia a rua que era a da Praça da Bandeira, primeiro chamava-se Largo.

P/1 – Ah é?

R – Porque lá, vinha os tropeiros, vender as coisas, então vendia ali. Então parava as cocheiras e tinha bebedouro de água para os cavalos, parava ali. Não tem o obelisco? Então, era o Largo de Santo Antônio, Santo Antônio estava na escola. Era pertinho, 10 minutos da escola.

P/1 – E o seu pai tinha um bar?

R – Hein?

P/1 – O seu pai tinha um bar?

R – Na Rua Formosa. Bar porque meu pai gostava muito do bar [risos]. E em frente ali do prédio tinha um teatro que chamava Teatro Porteana, eu não sei quem fez lá, mas puseram fogo no teatro.

P/1 – Nossa!

R – Queimaram, queimaram o teatro. Eu, minha mãe e minhas duas irmãs, meu pai mandou nós todos subir lá na Avenida São João para ver o fogo. E onde hoje tem a que é da Light, na Ramos de Azevedo era o teatro São José, também pegou fogo, agora é o shopping, fizeram um shopping lá, saiu a Light e virou um shopping. Depois veio o Mappim, uma loja de departamentos, tudo isso.

P/1 – E o pai do senhor sempre teve bar?

R – Sempre.

P/1 – A vida toda?

R – Fomos criados no bar mesmo, ficávamos todos lá ajudando, ajudando a não fazer nada[risos].

P/1 – O seu primeiro emprego então foi no bar? O primeiro emprego do senhor.

R – É, é emprego não. O bar era do meu pai e minha mãe cozinhava, e só vendia produto Brahma [Brahma é uma marca de cerveja brasileira criada em 1888, no Rio de Janeiro, pela Manufactura de Cerveja Brahma Villiger & Companhia, que depois mudaria de nome para Companhia Cervejaria Brahma, e depois seria sucedida pela AmBev- Anheuser-Busch InBev].

P/1 – Só produto Brahma? Sempre vendeu produto Brahma?

R – Meu pai era meio bravo assim, não quer essa aqui, nós não temos outra, pode ir embora, mandava embora.

P/1 – Ele gostava da Brahma?

R – Da Brahma, é que na esquina tinha o Bar Americano, que era da Brahma, entendeu?

P/1 – E o senhor estava falando da cerveja Fidalga né? Naquela época, que o senhor era criança, que o pai do senhor tinha o bar, o que que vendia?

R – Vendia cerveja, vinho, cachaça, vendia muita pinga, essas coisas todas.

P/1 – E quais eram as marcas de cerveja dessa, que tinha nessa época?

R – Ah, naquele tempo tinha a Fidalga.

P/1 – Só a Fidalga?

R – Depois começou a sair a Brahma Rainha, a Brahma... como é que chama a outra? Brahma com rótulo branco né? Mas foi a primeira, depois veio a Teotônia, que foi a melhor cerveja que a Brahma teve.

P/1 – A Teotônia?

R – Mas não vinha pra São Paulo, ia uma parte para Minas Gerais, a melhor cerveja que a Brahma teve foi aquela azul que o cavaleiro, como é que chama? O São Jorge, aquela que tem o rótulo, aquela é azul, a melhor cerveja que a Brahma teve, 1922, 1923, mas não vinha pra São Paulo, vendia todas quase no Rio.

P/1 – Ainda era muito pouco aqui?

R – Sim.

P/1 – Só alguns que tinham?

R – Sim, quando sobrava eles mandavam aqui pra São Paulo, porque lá vendia muito.

P/1 – Seu Ulisses, me conta uma coisa, qual foi o seu primeiro emprego?

R – Esse aí. Na Brahma.

P/1 – Foi esse?

R – Não, meu primeiro emprego, como eu falei, eu fui para o Rio trabalhar na Companhia Hanseatica de cerveja, que fazia a cerveja Cascatinha, fiquei 2 anos lá e depois eles montaram o depósito aqui em São Paulo, eu fui transferido para trabalhar aqui na Cascatinha. E quando foi em 1944 a Brahma comprou, eles escolheram os empregados, entre eles eu que fui vendido para vir [risos], da Cascatinha para a Brahma.

P/1 – E quando o senhor foi para o Rio, o senhor tinha quantos anos?

R – Senhora.

P/1 – Quando o senhor foi para o Rio, o senhor tinha quantos anos?

R – Uns 23, 24 anos. Mas o Rio também não era essa porcaria que é agora. Sexta-feira passada, eu estive lá, porque inaugurou um novo espaço e estava o Goulart de Andrade então ficamos conversando, e ele contando da vida e eu não sabia que ele era carioca, e ele me perguntou: “O senhor se lembra da rua, tal lugar? ” E eu respondi: “Me lembro”.

Ele disse: “E conheceu o bar das marrecas?

Conheci.

P/1 – E senhor Ulisses, como que o senhor foi trabalhar no Rio? Como que foi isso?

R – Foi no Rio. Na época eu fui para jogar futebol, mas não deu certo no futebol e eu fui.

P/1 – Ia ser jogador de futebol?

R – Não deu certo e arranjei esse emprego. E essa fábrica asiática era de um senhor português, Severino de Oliveira. Ele sozinho tinha cinco indústrias, a cervejaria, uma fábrica de vela, uma fábrica de sabão, uma fábrica de louça e uma outra fábrica, sozinho, sozinho! Ele, quando era 7 horas da manhã estava na fábrica, que é a fábrica asiática lá na Tijuca né? Em 1943 deu 20 e quantos litros do sabão português dele, era dele também, e existe até hoje no Rio o sabão português. Ele tem um filho, mas bom deixar para lá.

P/1 – [risos].

R – É o Mariozinho de Oliveira. Ele nunca foi na companhia nem nada, o pai dava carro para ele, ele era amigo do pessoal que fundou aquele Clube dos Cafajestes.

P/1 – Hum, sei.

R – Então ele ia só passear de carro, o pai dava carro para guiar. Quando o pai morreu ele queria ser diretor da cervejaria, mas não podia ser porque os dois da diretoria eram o Amarante, que foi sócio, da Brahma e João, que tocava a parte da cerveja né? E ele, ele nunca foi lá, nem sabia onde é que era a fábrica. Até hoje está vivo esse infeliz aí.

P/1 – Está vivo?

R – Está vivo sim. E o João Goulart conhece ele. Falei: “Você conhece o Mariozinho? ”.

Mas não falei o que era.

P/1 – Mas perguntou e ficou sabendo.

R – Sim, eu estava falando, digo é esse mesmo, que é o filho dele.

P/1 – É Mário Luís de Oliveira, é isso?

R – Mário de Oliveira.

P/1 – Mário de Oliveira.

R – Tanto é que na cerveja Cascatinha tinha uma abelha, e eu perguntei: “Seu Severino, que quer dizer isso aqui? ”. E ele respondia: “Isso aqui sabe o que quer dizer? Significa: trabalho”. É o português só isso, às 07 horas ele estava lá.

P/1 – Então o senhor começou a trabalhar lá com 23 anos, é isso?

R – É.

P/1 – E o senhor conheceu já alguém por lá ou o senhor...

R – Já, tinha conhecidos lá. Depois eu fui transferido aqui para São Paulo por ele, quando foi vendida eu estava aqui, e fui, embarquei na canoa. Eu já fui vendido três vezes viu?

P/1 – Foi vendido três vezes?

R – Duas vezes. Uma, da Cascatinha para Brahma, agora da Brahma pra Ambev [risos].

P/1 – E senhor Ulisses me fala uma coisa, o senhor trabalhou quantos anos na Brahma?

R – Eu? 59 anos.

P/1 – 59 Anos?

R – Nunca faltei um dia. Faltei três dias pelo falecimento da minha mãe que eles me deram licença. Nunca faltei, nunca cheguei um dia atrasado e não tive uma falta. Um dia cheguei um minuto atrasado e já foram dizendo: “Você precisa fazer...” “Não faço, não faço...”. Então cheguei com o chefe do departamento pessoal, não sei como é que chama e disse: “Escuta, me diga uma coisa...” Era muito meu amigo, não tinha ninguém eu não brincava. “Quando eu venho aqui eu entro todo dia às 07:30, tenho que entrar às 8, e vocês vão me cobrar essa meia hora que eu venho trabalhar aqui, por um minuto que entrei 8:01, os senhores estão me chamando a atenção? Está certo? Eu não faço papel nenhum, faz o que o senhor quiser. ”.

Acabou o assunto, no outro dia mais nada. Entrava 7:30, 20 para as oito...

P/1 – O senhor estava com a razão!

R – Entravam lá 8 horas e essa meia hora que eu entrava, quem paga? E não podia assinar o ponto, só podia assinar na hora que eles queriam, porque isso dá encrenca né, com o fiscal do Trabalho. O que que eu ia dizer? Que nem agora, por exemplo, eu sou aposentado, se por um acaso eu quiser comprar alguma coisa eu não posso comprar, tem que pedir para um funcionário comprar, porque meu nome não consta na lista de empregados e vai dar muita encrenca nisso aí. Dizer, quem é fulano de tal? Não pode, não tenho cargo nenhum lá. Vou todo dia, todo dia eu vou.

P/1 – O senhor vai todos os dias?

R – Todo o dia.

E sempre me dei bem com os diretores, um atrás do outro, o que saía me apresentava, esse aqui é fulano.

P/1 – E o senhor vai todo dia aonde, lá no Itaim?

R – Eu ia na Mooca, mas não vou mais porque é muito ruim viu, como é ruim lá, Nossa Senhora! Vai me desculpar, mas é um povo que não casa comigo, eu estou acostumado com esse pessoal do Itaim, somos todos amigos, como vai, como não vai e bom dia. Tem um fulano que ele senta perto de mim, eu estou lá desde o dia 17 de abril, nunca ouvi a voz dele. Não dizem bom dia, não dizem não!

P/1 – Mas isso lá na...

R – Na Mooca. E para almoçar tem que andar 1 km e voltar 1 km.

P/1 – Nossa!

R – Eles passam por mim, algum perguntou: “O senhor já almoçou, vai almoçar, vamos almoçar”? Não. Me prometeram, isso deixa para lá, como tem muito carro aqui, tem carona e você pode pegar uma carona. Nunca peguei uma carona, um dia estava chovendo fiquei lá no meio da chuva esperando o ônibus, e eles passaram e nem olharam. Passou carro da Brahma, da Pepsi, da Skol e da Antarctica, ninguém disse nada. Também não ligo, também chego lá e é cada esporro que eu dou lá. Ele perguntou quem eu era. Eu digo: “ É muito fácil, o senhor conhece um senhor que fica lá? O senhor vai lá e pergunta para ele quem eu sou”. Quando foi? Há uns 15 dias atrás, eu fui na Brahma, eu estava descendo as escadas, subindo, descendo as escadas e ele estava subindo: “Como vai, está bom? ”. Me deu a mão. Quando chegou no topo digo: “Você está ficando muito folgado viu?

Vou lhe arranjar um serviço”.

Brincadeira né? [Risos]. Ele é muito meu amigo, o Adilson Miguel, o Fernando, todos eles são meus amigos, me tratam bem, isso é verdade, porque a pessoa precisa tratar bem, para ser recebido bem. Com educação a gente brinca tudo, mas dentro da educação, sem falar palavrão, sempre na educação.

P/1 – Tem razão.

R – Quando eu estava no Rio, chegava lá tinha o segurança, o senhor Greg, então dizia: “Oh como vai? ” Chegava, visitava toda a fábrica, do primeiro até o último andar e quando era para baixo ia no consultório médico e o médico dizia: “Onde é que você esteve até agora hein? 9 horas! ” Já era, muda a figura porque muita gente confunde amizade com as coisas, não pode entregar que foi diretor, o Sr. Francisco Alves Leite, quando não tinha ninguém eu falava: “Oh Seu Chiquinho, tudo bom? Mudava até o nome.

P/1 – Seu Ulisses me fala, o senhor começou fazendo o que na Brahma?

R – No departamento comercial.

P/1 – O senhor trabalhava no departamento comercial?

R – Sim, porque naquele tempo não, agora não sei como é que é, trocaram o nome. Era fiscal, então a gente tinha um determinado número de depósitos e um número de visitas para fazer por dia, visitar os bares para ver se estava sendo bem atendido, se não faltava nada, se tudo estava correndo bem. E tinha um senhor que dizia: “Olha quando vocês passarem na rua e verem que é uma construção, procura saber o que tem. Pode ser uma farmácia, pode ser um bar, pode ser qualquer coisa, mas você tem que ver.

P/1 – Ah tá. E quando o senhor veio pra São Paulo, aonde que é que o senhor ficava?

R – Ficava na minha casa.

P/1 – Não, não, trabalhando na Brahma?

R – Ah, na Tupinambá.

P/1 – Na Tupinambá?

R – Tupinambá, 33.

P/1 – E quando o senhor veio do Rio para São Paulo o senhor trabalhava nesse departamento fiscal?

R – Já estava, eu estava aqui em São Paulo quando vendeu né? Aí nós fomos transferidos da Mooca, ali perto da Bresser para a Tupinambá. Uns 10 só que foram aproveitados, três choferes, uma coisa assim, nós ficamos lá, tinha a garagem e tudo ficou lá. Saí do Brás, na rua, agora não me lembro, um depósito que era da Asiática, que o trem entrava lá, descarregava a cerveja e ia embora.

P/1 – Nossa!

R – E vou dizer uma coisa para senhora, um dia roubaram um vagão de cerveja e até hoje ninguém, sabe onde é que é esse vagão foi parar [risos].

P/1 – Levaram o vagão embora!

R – Onde foi parar um vagão, um vagão cheio de cerveja?

P/1 – Se deram bem não? Esses...

R – Agora eles assaltam os caminhões. Agora tem assalto no caminhão os dois rolando dentro do caminhão.

P/1 – É verdade. Mas é mais fácil um caminhão do que um vagão de trem.

R – Que nem no Mato Grosso, eles andavam em uma espécie de jangada de cerveja. Quando eles viram, viraram toda a cerveja e o homem, tudo no fundo do mar [risos].

P/2 – Daí o senhor veio pra São Paulo e o senhor ficou na filial do Paraíso?

R – No Paraíso. Porque a primeira filial da Brahma foi lá, porque lá para mim era companhia de cerveja Germânia, depois passou a cerveja Guanabara, em 1922 a Brahma se juntou com os comerciantes, que eram da firma alemã, Hélio Açucena, que é do depósito e ficaram sócios até 1922.

Em 1927, a Brahma se tornou a primeira filial, na Rua Tupinambá, filial de São Paulo.

P/2 – E quais os produtos que eram feitos, quais as marcas que eram produzidas nessa...

R – Cerveja, aí já começou a fazer a Brahma Chopp, já fazia a Bock, a já fazia a Malzbier, o guaraná foi feito em 1918, o de limão. Porque a Brahma tinha limão, guaraná e água, então fazia lá.

P/2 – Certo. É aqui no mercado de São Paulo né?

R – Sim, São Paulo. E primeiras aquelas garrafas, quando mandava para o interior, ia para fora, eles mandavam por trem né, então mandava as garrafas e tinha as caixas para não quebrar as garrafas. Pegava 60 garrafas e punha em caixas, agora já não, porque lá no Norte tinha garrafa da Brahma que não parava mais, saía mais caro mandar elas de volta do que deixar elas lá, então eles deixaram lá as garrafas. E agora não, agora que têm a fábrica né?

P/2 – Certo. Aí o senhor começou na área comercial...

R – Sim, na área comercial.

P/1 – E aí algum tempo depois o senhor...

R – Me enfiaram lá, até gelo eu já fiz. Fiz gelo, cerveja, já fiz o diabo a quatro. Já fiquei dentro da Brahma 48 horas por causa de uma greve, tomando conta do prédio. Nem saía de lá, dormia, comia, tudo dentro da Brahma, e outra vez faltava água, então a água vinha e tinha que experimentar para ver se essa água estava boa, senão mandava o caminhão de volta. Não tinha hora para chegar, ficava o dia inteiro lá, três dias só recebendo água.

P/1 – Recebendo água? E a greve foi do que seu Ulisses?

R – Uns operários que queria aumento, o diabo a quatro, eu sei lá o que eles queriam. Uma vez eu entrei numa greve e quando cheguei eles tinham feito um corredor. “O senhor não vai. ”

Eu disse: “Eu vou.” Quando eu fui na metade se juntaram: “Como és velho? Vai trabalhar? Não tens vergonha na cara? ” Eu peguei e fui embora. Quando acabou a greve, depois de uns dias fui no pátio chamei e disse: “Oh, vem cá, você, vem aqui. Como é que você falou outro dia que eu era velho? Bom, eu sou velho e aqui cheguei, você não vai chegar. Agora faço o que eu faço e aí você vai ser o que é.”

Aí ele não disse nada. Nunca mandei embora, e eles diziam: “É bom. ”

Ele dizia. “Não é bom, não serve para trabalhar. ” Eu fui em Jacareí, então, tinha a seleção para aprendiz de cervejeiro, aprendiz de fábrica, então chegou um e disse: “Posso fazer uma pergunta? “Pois não. ” “O senhor pode me informar, a que hora que eu entro? Qual o turno e quais os horários? Quando é que é a minha folga? ”. Ah eu que estou aqui não sei quando é minha folga. E “Quanto eu vou ganhar? ” Eu digo: “O senhor está vendo aquela porta lá? Vai lá perguntar para ele. ”

Mandei ele embora, nem começou a trabalhar já quer saber quanto vai ganhar, quando é a folga, tudo isso, que que isso? Eu estou aqui e não sei, nem sei quanto eu ganho. Não, eles não querem me deixar ir embora por causa da cerveja. Sem acompanhante ninguém toma cerveja, essa cerveja aqui, não sabe. Não, não, não, eu não sei nem beber, nem nada, só olhar e cheirar já sei que é boa ou não é boa.

P/1 – Mas o senhor trabalhava no departamento fiscal, aí depois o senhor foi fazer o quê?

R – Fui ser cervejeiro.

P/1 – O senhor foi ser cervejeiro?

R – Cervejeiro.

P/1 – E o senhor aprendeu dentro da Brahma ou o senhor foi fazer um curso?

R – Tanto é que a única companhia no Brasil que forma cervejeiros é a Brahma.

P/1 – Ah é?

R – A Brahma tinha uma faculdade, em Curitiba, que o senhor Luís Vega, bom cervejeiro e era professor, formava cervejeiros. Depois eles iam para a Alemanha, naquele tempo ia na Alemanha, ficava dois anos estudando. Agora não, agora tem uma fábrica alemã, montou uma fábrica na Universidade da Cerveja em Vassouras, no Rio de Janeiro. Todos vão lá, vem e vão lá. Vão para a Bélgica, para Itália, Espanha, Estados Unidos, fica um ano lá, depois que eles voltam. Porque eles voltam por caça-palavra, mestre-cervejeiro, porque na legislação brasileira não tem valor nenhum, porque aqui seria engenheiro industrial, que agora já não é mais engenheiro industrial é diretor de fabricação [risos].

P/1 – Diretor de fabricação agora?

R – É. Eles mudam tudo, agora é diretor industrial.

P/1 – Seu Ulisses, então conta um pouquinho para nós, que não sabemos direito o que faz um mestre-cervejeiro.

R – O mestre-cervejeiro é o que faz todas as misturas da cerveja né? Porque tem as caldeiras lá, a panela de pressão cabe 100 litros de água sabe, fica lá esquentando. Então, adiciona-se a cevada que o cervejeiro manda pôr, a quantidade com uma hora cozinhando, depois adiciona-se o lúpulo também mais uma hora. E fica lá, cozinhando, depois para e ela vai para o resfriador, para a purificação, é filtrada, porque a cerveja ela é dessa cor quando saí, quanto mais clara melhor é a cerveja, quanto mais espuma branca melhor é a cerveja, esse é o segredo. Então deixa lá, ela vai para as adegas e ficam 18 dias descansando, a 4° graus abaixo de zero.

P/1 – Nossa!

R – Ninguém mexe na cerveja, ela fica lá sozinha tranquila mexendo, né?

P/1 – E mudou muito o processo de fabricação da cerveja nesses anos todos?

R – Não, mudou as máquinas, mas o processo é o mesmo. A mesma coisa, cerveja é a mesma coisa. É água, lúpulo e cevada. Não tem quem dizer que é uma cervejaria diferente, mas tem que comprar porque não tem malte que nasce a 10 graus abaixo de zero e é importante na produção. É tudo comprado, a cevada, a Brahma tem na encruzilhada, no Sul lá na fazenda, mas a cevada é fraca. Às vezes dá, mas eles vendem para o pessoal de segunda categoria ou jogam fora, porque não dá para fazer a cerveja. Única cevada que está aparecendo agora é vinda do Uruguai, essa está parecendo boa. A cerveja argentina é uma porcaria porque não tem a cevada, é a base principal né?

P/1 – O senhor conhece todas as cervejas, nacionais e as importadas?

R – Agora tem uma cerveja que trouxeram e me deram de presente, que cerveja boa alemã!

P/1 – É?

R – Um copo grande assim, uma cerveja inteirinha, 500 miligramas que ela tem. Que cerveja boa que é, boa mesmo viu, sem brincadeira! Eu digo na cara que quando tinha o campeonato de futebol e jantamos, veio a cerveja, era para tomar no mínimo meia dúzia cada um, tomamos as cervejas, ele olhou para mim e eu cheguei para o professor: “Sr. essa cerveja está ruim. ” “Como está ruim?!” Está ruim, porque o cervejeiro está ruim! ” E estava mesmo, para tomar uma cerveja só em um jantar, ah não dá não, não dá.

P/1 – E o senhor experimentava toda cerveja, todo dia?

R – Ah sim, tem que experimentar, de hora em hora, umas seis garrafas de cerveja e eu disse para ele sobre o cheiro, bebe um pouquinho e joga fora, para provar, para dizer se está boa ou não. Porque se ela não estiver boa, quem vai pagar o pato é a companhia, que gasta, não compra. Eu aprendi com um mestre cervejeiro que era um alemão, austríaco que chegou ao ponto de dizer, estávamos lá no pátio da Tupinambá:

“O senhor onde vai? ” “Como onde eu vou, eu sou o gerente. ” “O senhor não é nada, a fábrica aqui é minha e o senhor vai para lá, quem manda aqui sou eu e a fábrica é minha. ” Disse que a fábrica era dele, o único que tinha passe livre era ele, e ele que fez a Brahma Chopp.

P/1 – Ah, foi ele que fez a Brahma Chopp

R – 1934.

Cervejeiro bom viu, mas era bravo, mandou eu tomar 9 litros em Itapetininga e sem gelo, com um calor desse, Nossa Senhora, aquilo gelado já não é bom, imagine sem gelo [risos].

P/2 – Então o senhor está falando dos espaços, dos bares e dos espaços de lazer de São Paulo dessa época?

R – Sim.

P/2 – Era uma tradição que as empresas de cerveja mantivessem diversos espaços de lazer né? -

R – Sim.

P/1 – O que o senhor pode falar desses espaços, como no caso da Antarctica em São Paulo, como o Parque Antarctica, o teatro Cassino, o senhor tem lembranças disso?

R – Sim, o Cassino, o Parque Antarctica é aquele que era na Água Branca? E o Cassino Antarctica era aquele que está na Prestes Maia?

P/2 – Sim, antiga Avenida Francisco Matarazzo.

R – Antiga Avenida, eles mudam o nome, mudam tudo.

Para eu me achar já é um problema porque eles mudam tudo.

P/2 – E como eram esses espaços, como era a frequência?

R – Lá era teatro. Trabalhava como que chama? O Oscarito, o Grande Otelo, tinha bons artistas lá sabe?

P/2 – Nesse teatro Cassino?

R – Tinha uma artista portuguesa, a mais famosa que tinha lá, era uma companhia de revista. Ainda está, tem o prédio ainda. Ficou um depósito, agora parece que é um depósito de carro, uma coisa assim, é o prédio da Avelar, é deles na esquina e em frente também, aquele prédio é propriedade deles.

P/2 – E como era a vida, o agito social dessa época, os bares e como se davam as relações entre as pessoas?

R – [risos]. Porque o bar mais antigo que tem é o Ponto Chic, de 1922 do Odílio Cecchini, e o irmão dele tinha um restaurante onde hoje tem o teatro na Av. São João, chamava UFA e era do Carlos, derrubaram e ele foi embora. Então da Rua José de Barros até à Ipiranga nós chamávamos aquilo de prainha, e lá se juntava a boemia, tinha o pessoal lá, era uma farra dos diabos, tinha farmácia, se brigava ia na farmácia e costurava [risos]. Tinha o bar Vermelhinho, nós chamávamos de Bar do Vermelhinho porque era tudo de tijolos compreendeu?

Então, o Passos que era dono dizia assim: “Se está bom ou se está amargo fica a sonhar comigo. Não precisa pagar, vai embora”.

A melhor canja que eu comi até hoje foi lá, 1 real, chegava, “Sr. Passos não tem...” “O que é que não tem? Come! Amanhã você paga. ”.

Mas no dia seguinte tinha mais coisa para pagar. Tem o Bar do Moraes, o Bar do Moraes era na Rua Conselheiro Crispiniano, mas não era o Bar do Moraes era o Bar do Salvador, o Salvador era um português, naquele tempo tinha carne fresca e ele pegava a carne assoviando, cortava e fazia o contrafilé, o melhor contrafilé. Tanto é que levaram eles e ele morreu de tristeza. O português era bom. Arranjei uma briga lá com o filho do Fernando Costa, cheguei lá era umas 6 horas da manhã e vejo uma briga, o homem queria jogar a máquina de café na rua, essas máquinas de café boas, briguei, bati não sei em quem e fugi né, e aí veio a polícia. E perguntaram para ele: “Quem foi? ” “Ah, não sei. ”.

“Vais embora que a polícia está te procurando, vai para casa. ” Vai para casa?

O Salvador é uma boa pessoa. Chegava, dizia assim: “Não tens dinheiro né? Podes comer, comes depois tu pagas. ” Ah é. Era o melhor contrafilé, chegou com um copo de cerveja e disse: “Eu quero um bife bem assado. ” “Aqui não tem, ou tu queres assim ou podes ir embora, se quiser é assim, se não quiser vades embora. ” Quiproquó terrível.

P/1 – E como que era namorar naquela época seu Ulisses?

R – Ah não sei, porque eu não tinha tempo [risos].

P/1 – Não tinha tempo? O senhor só trabalhava? Não!

R – É porque na Brahma tinha hora de entrada, mas não tinha hora de saída, 8, 9, 10 horas, trabalhava Carnaval, Finados, Páscoa, Natal, trabalhava tudo né? Agora não, agora é uma beleza, se tiver feriado não vai hoje, vai amanhã, em vez de entrar às 8 entra às 10, vai almoçar fica 3 horas almoçando, nunca vi uma coisa dessa. Em todo caso a Ambev naquele pedaço na prainha era uma beleza, tinha o Bar Arco-Íris, que era o bilhar, tinha o Zé do Brinco, um português que usava brinco. Se tinha dinheiro pagava se não tinha dinheiro pagava no dia seguinte [risos].

P/2 – E qual era a cerveja mais consumida nessa época?

R – Naquela época era a Hamburguesa.

P/2 – Hamburguesa?

R – Hamburguesa, que aliás foi uma boa cerveja viu? Que depois eles passaram a fazer ela com faixa azul, e que ficou muito tempo com faixa azul, mas era uma beleza, era boa viu, era muito boa.

P/2 – E nessa época existia uma variedade muito grande de cervejas né? Tinham vários tipos.

R – Não, não tinha muita não.

P/2 – Junto com a Hamburguesa quais eram as outras mais populares?

R – Essa que você me falou do Chopp, dois chopes. Tinha a Pretinha, que cerveja boa que era, essa era só meia garrafa, cerveja escura, da Antarctica, Pretinha que ela chamava.

P/2 – Pretinha?

R – Pretinha. Depois começaram a inventar uma porção de cerveja aí. Quando veio o presidente de Portugal, fez uma cerveja no nome dele. Cada dia aprecia um nome de uma cerveja, mas durava pouco. A que durou mesmo foi a Hamburguesa.

P/1 – O senhor lembra quantos anos seu Ulisses ela ficou?

R – Mais de 10 Anos.

P/1 – Mais de 10?

R – Mais. Era garrafa e tinha a faixa, depois eles mudaram da Hamburguesa e puseram na cerveja Antarctica da faixa azul, mas já não era a mesma cerveja. Porque, infelizmente, eles estragam os produtos. Eles compram a cervejaria e estragam. Lá em Caxias no Sul, tinha a cerveja Imaculada, uma das melhores cervejas do Brasil, tinha a Boemia em Petrópolis e tinha a Original de Ponta Grossa, boas mesmo. Tinha também em Ribeirão Preto uma cerveja boa, com rótulo amarelo, eles tinham o melhor refrigerante. O que eles tinham acabaram estragando.

P/2 – E qual era o refrigerante?

R – Agora não me recordo o nome dele, mas essa de Ribeirão Preto é uma boa viu, boa cerveja, boa mesmo.

P/2 – E sobre os tipos de cerveja? Por que existem vários tipos assim, a pilsen...

R – Pilsen é a cerveja, porque é original da cidade de Pilsen que fica na República Checa, então Pilsen qualquer cervejaria pode ser servida Pilsen que é o nome internacional, e pode ser feita em qualquer cervejaria, porque o nome é internacional, como é a Malzebier, porque uma vez a Antarctica brigou para ganhar com a Malzebier, porque é uma palavra internacional, não pode, não está registrada né?

P/2 – Foi por isso que ambas as empresas poderiam produzir seus produtos.

R – Tanto é que a Skol só pode vender essa Skol aqui, para o exterior não pode, cerveja é outra sociedade, o máximo que chega é até a Argentina, mais para lá não pode ir, está? Porque a Skol é uma sociedade internacional, tem muito sócio, tem muito sócio português. Tinha uma cerveja portuguesa boa, agora não lembro, como é que chamava. Tem essa que tu tens agora, Cintra, isso é uma porcaria dos diabos, Nossa Senhora!

P/2 – E o senhor trabalhava como mestre-cervejeiro, como era o seu cotidiano no trabalho? O senhor entrava...

R – Entrava, separava, tem que separar e pesar o lúpulo e a cevada né?

P/2 – Isso era função do senhor?

R – Sim. E deixava cozinhar, cozinhar, cozinhar.

P/2 – Aí passava pelo processo de fervura e fermentação?

R – Passava sim, porque ela tem lá em Jacareí 78 tanques, não 87 tanques com 1000 litros cada, uma porque eles não tratam em litros, só em hectômetros, em 1 hectômetros são 100 litros de cerveja, e com 100 litros de cerveja se engarrafa 153 garrafas inteiras e 362 meias.

P/2 – Nossa! E o senhor também cuidava do aspecto ligado à qualidade da cerveja?

R – Ah sim, sim, sim.

P/2 – E como é essa diferenciação de um produto bom para um produto ruim?

R – Tem, começa pela cor dela, pela cor você repara que ela não é boa. Só olhar na garrafa em um bar eu sei e digo: “Esse Chopp não quero, porque vocês são jacaré, porque não era a mesma cor, era meio turvo. Que nem o Chopp, às vezes quando é turvo sabe por quê, agora não, eles aprenderam a trabalhar. Eles pegavam abriam o Chopp, o gás ligado e o Chopp saía turvo, por causa do gás. Agora não, deixam o gás aberto, trocaram também as bombas, reformaram tudo, agora fica tudo mais fácil para trabalhar. Naquele tempo barril de madeira tinha de 5 litros a 110 litros, um barril de carvalho, tinha que pôr ali, empurrava a rolha e servia. Quando ia para lavar tinha que tirar o pedaço do meio para tirar a rolha de dentro. Tirava os arcos, parecia uma mexerica. Passa abrindo toda ela e depois fechava de novo e ia embora. Agora não, com esses aparelhos é muito mais fácil, a própria máquina sabe, se está sujo, tem alguma coisa, joga fora. É a mesma coisa com a latinha de cerveja, enchia de baixo para cima, em Jacareí tem uma seção lá só para ela. Fabricava 2000 latas de cerveja hora, cada linha, e tem quatro linhas sempre correndo [risos]. Lá se tiver 10 funcionários é muito.

P/2 – De antigamente o senhor disse que a Hamburguesa era a melhor cerveja né? E hoje, das produzidas hoje, brasileiras?

R – Brasileiras?

P/1 – Qual é a melhor cerveja?

R – É a Brahma Chopp. A Brahma nos Estados Unidos ganhou cinco prêmios. Tem cinco prêmios ganho nos Estados Unidos. Tanto é que exporta para os Estados Unidos, tem bar lá, não sei que cidade é, tem cerveja Brahma Chopp, manda para lá. Porque tem uma coisa: “É sempre a mesma cerveja, sempre a mesma coisa”. “É a mesma coisa, é o mesmo sabor”. Coisa que os outros não, muda de sabor. Eu não sei porque, se é o cervejeiro, ou que raio que eles fazem para tomar. Agora tanto é que eles dizem que é produto de qualidade e é mesmo, tem qualidade. Não, nesse ponto a Brahma não dá moleza, não dá moleza para aprendiz de cervejeiro, não sei o que que o cara fez na adega lá, deixou a garrafa errada, mandaram embora na hora. Foram ver, em vez de sair cerveja saiu água, o material são todos lavados, ficaram tudo, que nem as latinhas, quando chegam lá são lavadas todas, depois é que vai para o trabalho né?

P/1 – E seu Ulisses, quantos mestres cervejeiros o senhor conheceu?

R – Ih, conheci uma porção. Agora o melhor mestre-cervejeiro, hoje em dia, é o, como é que ele chama, está em Jaguariúna, o Otto.

P/1 – Está em Jaguariúna?

R – Cervejeiro bom. Aliás não só como cervejeiro, como pessoa, só vendo que delicadeza que ele é, ele é alemão, mas é bom. Conheci o Shuab, o Franhole, o Pedrinho, uma porção daqueles, porque eles mudam muito compreendeu? Que nem quando eu estava lá, tinha três, o Chicarelli, o Wilson e o outro, eles foram para a Alemanha. Quando voltaram um foi para o Rio Grande do Sul, agora o que estava no Rio Grande do Sul está lá em João Pessoa. Eles mudam muito.

P/1 – E eles, normalmente assim, como mestre cervejeiro, no caso do senhor, o senhor começou na Brahma e se aposentou pela Brahma?

R – Sim.

P/1 – Isso acontece sempre ou eles acabam trocando de companhia?

R – Não, é difícil trocar.

P/1 – É?

R – É muito difícil. Se trocou uns cinco foi muito. Porque, na Schincariol, todos os cervejeiros lá eram da Brahma. Lá tem um cervejeiro, o Afonso, é verdade, fui falar com ele uma vez porque toda a cervejaria pega os cervejeiros da Brahma. É que a Brahma forma os próprios cervejeiros, agora eu acho que tem uns 10 meninos aprendizes de cervejeiro lá, entra como aprendiz de fábrica né? Se entrar ele entra como aprendiz de cervejeiro, aí fica. Aí ele vai para a escola lá, se dá fica como cervejeiro prático, fica como primeiro auxiliar do mestre cervejeiro. Aí é responsável por todo o serviço.

P/1 – E seu Ulisses, me fala uma coisa. Como é que a gente sabe que uma pessoa vai ser um bom mestre-cervejeiro?

R – Ah, pelo trabalho dele.

P/1 – Porque de repente, assim, uma pessoa tipo um dentista. Ele pode ser dentista e pode ser bom, mais ou menos, pode ser ruim, mas ele continua trabalhando. E o mestre-cervejeiro?

R – Porque eles ficam com o mestre cervejeiro, ficam com a cerveja, quando a cerveja não sai de acordo é porque ele não serve, né? Porque a cerveja da Brahma é tudo um gosto só, como é o Chopp, um gosto só. Que nem eu falei para ele, o Chopp é mais velho que a cerveja, porque ele é cru, a cerveja é uma só, tanto a da garrafa quanto a da lata, mas só que o Chopp não vai para esquentar, a cerveja não, pasteurizada, o Chopp é cru, e o melhor que tem é aquele que está em Jacareí, porque a gente chega lá com a serpentina, lá nas adegas é Chopp da manhã, tem cinco dias e é bom olhar melhor o Chopp que vocês tomam.

P/1 – O senhor está falando tão bom que eu já estou ficando com vontade, com essa carinha que o senhor está fazendo.

R – Agora, uma coisa só. O único que tomou um banho, foi em Agudo, porque primeiro tinha a visita em Agudos e Jacareí né? Eu levava o pessoal para visitar. Então teve um superintendente que estourou a válvula de segurança e ensopou tudo de Chopp [risos]. Tive que ficar no sol para enxugar.

P/1 – Sr. Ulisses, deixa eu falar uma coisa eu gostaria que o senhor contasse para nós qual foi o momento mais marcante nesses anos todos de Brahma para o senhor, o que mais marcou o senhor?

R – Foi quando me aposentei em 1967, não 1976, 1973. Eu fui lá, o diretor geral era o Frederico Júnior, e disse assim: “Ai Ulisses, eu sei que você vai se aposentar, mas amanhã você vai estar aqui. ”.

E quando eu recebi a minha estrelinha, agora eu não sei se tem mais, aquela estrelinha de ouro, me chamaram lá em cima, quando faz 25 anos, ganhava a estrelinha e um salário.

P/1 – E o senhor ganhou também?

R – Ganhei! Até hoje tenho a estrelinha, quiseram me comprar digo: “Isso aqui não tem dinheiro que pague”.

P/1 – Não vendeu então?

R – O próprio diretor, eu sempre me dei bem com a diretoria, o primeiro diretor é o Cristian um alemão, que alemão chique que ele era, saía às 6 horas da tarde e ia para cidade para engraxar o sapato. Foi o primeiro freguês a ter crédito no Mappin!

P/1 – Nossa!

R – Alemão bonito, bem vestido, sempre elegante, eu sempre me espelhei nele. “Olha, quando você ficar velho você tem que se vestir melhor senão você fica um velho malvestido [risos]. O senhor também, o Ernesto Christopher trabalhava com ele.

P/1 – Ah, trabalhava com ele o Ernesto Christopher?

R – Ernesto Christopher.

P/2 – Trabalhava aqui na filial do Paraíso?

R – Sim. E depois ele foi para o Rio. Sabe onde é que ele morreu? No restaurante, caiu no restaurante e morreu. E o filho dele é fotógrafo, estava nos Estados Unidos, agora não sei onde é que está. Mas já teve muitos diretores bons aí, muitos, o Sr. Francisco, o Sr. Álvaro, o irmão dele o Sr. Mauricio, o primeiro cervejeiro que eu conheci foi o Sr. Sting Wagner no Rio, também ele é mão firme.

P/1 – Foi o primeiro cervejeiro que o senhor conheceu?

R – É. O Sting Wagner, mas era bravo viu? Não era sopa não! Não é que eles eram bravos, eles queriam as coisas direito, tinha que fazer a coisa direito, fazia errado eles chamavam a atenção, então dizia que ele era bravo, mas o Sting Vagner que nem tem um fulano, não sei se vocês vão lembrar da história, que moveu uma ação contra a Brahma? Ele era cervejeiro e se tornou alcoólatra, agora ele disse que bebia 10 cervejas por dia, 2 semanas, 5 dias, são 50 certos? Em um mês são 50, vezes 30, são 150 garrafas, certo? Num ano, 10 por semana, o juiz não sabe quanto ele bebeu. Agora tem uma coisa, ele saía de lá, onde é que ele ia no bar tomar cerveja é que não sabemos.

P/1 – Ah, não era lá dentro que ele bebia?

R – Lá fora, porque nunca nenhum cervejeiro, que todos que eu tenho conhecido se tornou alcoólatra. Olha que todos experimentaram, experimenta e joga fora a cerveja, não bebe. Ele diz que bebia cinco garrafas por dia, mentira, só se ele bebia escondido, roubava a garrafa e bebia, só se fazia isso porque não pode. Porque lá às vezes no laboratório técnico da cerveja, passou cinco cervejas, abre, bebe e joga fora, não tem um que bebe.

P/1 – E aí o senhor põe na boca...

R – Experimenta.

P/1 – Experimenta e joga fora?

R – Sim, a mesma coisa que o café. O café não se toma, coloca ele põe a água e depois outro cafezinho, e não pode fumar, porque se não perde o sabor.

P/1 – E por que que o senhor se tornou um mestre-cervejeiro? O que que aconteceu que o senhor falou, vou ser um mestre-cervejeiro?

R – Porque eu tive comigo de visar e procurar estudar e ver como é que é feita as coisas, entendeu? Coisa que hoje em dia ninguém se importa. Sai derrubar a chaminé você nem sabe onde é que está. Sempre procurei, sempre me dei bem com todos os cervejeiros, que o Sr. Luís Vega, professor da faculdade que trabalhou comigo, bom cervejeiro viu, o pai era tesoureiro, Tomas Vega, se faltava um tostão na conta, ficava a noite toda procurando o tostão, porque naquele tempo não tinha banco né, era o dinheiro tudo lá, tinha a caixa pequena e a caixa grande, então o Sr. Tomas era o tesoureiro, trabalhou quase 40 anos, como tesoureiro. Tem gente que mete o pau, mas não é assim não, não é assim. Eles não fazem as coisas direita, tem que chamar atenção. Nunca fui chamado a atenção, nunca perdi um dia, nunca faltei nada. Aqui tinha o diretor e tinha o Sr. Ari Amarante que era diretor da companhia e trabalhou na Asiática, então naquele tempo a mocidade era tudo boemia né, isso não se deve contar, mas se conta, e de repente uma briga e vejo ele lá no meio, era meio carequinha tinha um nome aqui sabe, que isso! Vi que ele estava brigando, e eu pus ele para fora e me pus a brigar, fui preso, está bom, vou preso. No dia seguinte eu não fui trabalhar, porque fui preso a noite toda. No dia seguinte fui lá, seu Ari quer falar com você, está bom. “Por que que você não veio ontem? ” “Seu Ari, eu vi o senhor na briga, ia deixar o senhor brigar? Diretor da companhia brigando num cabaré? Não ia ficar bem né? Eu me meti e apanhei e bati né? E no fim fui preso. ”. Sabe o que ele disse?

“Está suspenso, hoje você não trabalha, está suspenso um dia, vai para casa. ” É essa a gratificação que eu ganhei.

P/1 – [risos]. O senhor foi suspenso?

R – É, um dia. Porque eu não vim trabalhar naquele dia.

P/1 – Gente!

R – E tinha razão. Mas eu também não podia sair da cadeia á àquela hora [risos].

P/1 – Não tinha como?

R – Como é que eu podia trabalhar? Fatos curioso, quando saiu um gerente deram um jantar para ele e chegou o novo, Dr. Álvaro, disse assim: “O Sr. que é Ulisses? ” “Sou, sim senhor. ” “Olha a minha porta está aberta como até hoje esteve lá. ” Eu e ele se vestimos de macacão e fomos comer no restaurante dos operários feijoada, para ver se estava boa, na Rua Tupinambá. Sabia o nome de todos os funcionários.

P/1 – Todos os funcionários?

R – Todos. Um dia eu fiquei lá e ele fez assim: “Se você tem direito a essa importância que você quer eu lhe pago senão não vai receber. ” Ele é muito justo, e o irmão dele era advogado, diretor jurídico, Mauricio Correia de Oliveira, a Brahma teve diretores bons viu, muito bons e muito justos. Não faziam que nem o, como chamava ele? Tinha um diretor que dizia: “Eu precisava de 10 de você aqui para trabalhar viu? ” Eu digo: “Vamos arranjar aí. ” Quero sair ele não quer deixar eu sair.

P/1 – Não?

R – Não, porque eles não bebem, eles bebem só suco de laranja, guaraná, essas coisas todas, como é que pode saber? Que nem um tempo que colocaram uma moça para trabalhar no departamento de Chopp. Ela foi falar com o Pedro, que era o cervejeiro, que já se aposentou, falou assim: “Você quem é? Vai, vai, vai embora” Como ela passou? Senão bebe não pode provar, não pode dizer se está boa ou não está, é muito natural como é que ela vai dizer se a cerveja está ruim se não sabe? Como é que ela pode dizer que a cerveja está ruim?

P/1 – Aí não tem como.

R – Nunca mais ela subiu lá em cima, o Pedrinho também era bom cervejeiro. Mas agora quem está na crista é outro veio aqui me visitar.

De São Paulo, foi pra Guarulhos, Jacareí, foi para fortaleza e foi para Águas Claras e agora ele está em Jaguariúna, mas é bom viu?

P/1 – E o senhor vai sempre lá em Jaguariúna?

R – Não, fui uma vez só. Fui com uma besta que não sabe nada, ficou lá conversando e acabou a festa, digo: “Agora vou falar com o Otto. ” Vocês podem ir embora e eu fui e subi, lá no Otto, fez uma festa dos diabos.

P/1 – E o senhor conheceu o Otto de onde?

R – De São Paulo.

P/1 – De São Paulo?

R – De São Paulo e de Jacareí, trabalhei com ele. Bom cervejeiro viu, alemão fino mesmo, não é brincadeira. Eu cheguei lá em Jacareí ele abriu a gaveta e disse: “Escolhe. ” Tinha duas garrafas. “Como vou escolher? ”

“Escolhe. ”

Ele me deu uma gravata de presente, está aqui, que é da como é? Ele me deu, me deu duas.

P/1 – Nossa!

R – Mandou de Jaguariúna no envelope e as duas ele me entregou, duas gravatas, porque aquela está muito velha você joga fora, usa essa.

P/1 – O senhor ganhou muito bem.

R – É essa aqui, olha, aqui está.

P/1 – E senhor Ulisses como que o senhor viu essa fusão da Brahma com a Antarctica? [Risos].

R – Porque eles são um povo muito ruim viu? Não são amigos.

P/1 – É?

R – Não são. Porque eu, praticamente, devia ficar lá na Sé né, mas eles arranjaram um jeito de me levar para a Regional 2, nunca fui funcionário na Regional 2, nunca, e eles não cumprimentam ninguém, não informa para ninguém. Agora mudaram os crachás lá, foi uma confusão dos diabos. Sabe quando é que eu vou agora buscar isso aqui?

P/1 – [risos].

R – Não eu não minto, falo a verdade.

P/1 – Ah os tíquetes. Uma vez por mês o senhor vai lá?

R – Essa é a primeira vez que eu fui. Então me perguntaram: “Como é que você foi? ”.

Eu estava de férias. São 16 férias que vocês me devem, a últimas férias que tirei foi em Porto Alegre porque fui trabalhar pela Pepsi, fiquei dois anos em Porto Alegre na Pepsi, em 1986, faz a conta, de 1986 a 2003 são 17 anos eu tenho direito a 16 férias. Agora se eles perguntarem outra vez, está de férias, ainda falta 15! [Risos].

P/1 – Ainda tenho para tirar.

R – É.

P/1 – Mas como é que o senhor trabalhou tantos anos? Que o senhor ficou na Brahma, vê que a sua concorrente não é tão mais concorrente, está ali junto.

R – Sim, boa pergunta porque teve um fulano lá que me disse assim: “O senhor já experimentou a cerveja? É boa? ” “Olha o senhor vai me desculpar eu nem sei que gosto tinha a velha. Eu nunca tomei, como é que eu vou saber? Se der para dizer alguma coisa eu digo, senão eu tenho que acreditar, se eu não experimentei eu não posso falar. ” Ele ficou quieto, não disse nada, não falou mais nada, é verdade.

P/1 – Mas assim, o senhor não experimentava outras marcas? Para saber assim como...

R – Sim experimentava, mas lá na Brahma né, as canequinhas, lá vai cerveja, a Brahma compra todas as cervejas de todas as fábricas para experimentar né, para saber como eles estão como não estão. É a Schincariol, a Malta Chopp, que é da Schincariol também e uma outra do interior que é dele também. E tem que experimentar, mas na rua só tomo Brahma Chopp, quantos jantar eu não perdi, quantos almoço por não ter cerveja Brahma. “Tem Brahma Chopp? ” “Não tem. ” Então tchau, ia embora. Verdade! E isso está errado. Até hoje fui no bar: “Tem Brahma Chopp? ” “Não tem. ” “Então me dá uma água mineral. ” Bebi água mineral e não tomei a cerveja. “Não, mas tem a Bavária. ” “Não, Bavária eu não quero, o que que é isso aí, Bavária? É cerveja? Não quero não. ”

P/1 – Só Brahma Chopp.

R – Eu quero uma cerveja, isso não é cerveja. E não é mesmo. A Bavária, a outra que eles fizeram agora como é que é, essa aí, essa que tem a Schincariol, experimenta.

P/1 – Ah essa da Schin, Nova Schin.

R – Mas não experimentei até agora. Nem a Nova Schin eu não experimentei. Não, eu só gosto de tomar cerveja, e para tomar tem que ser uma cerveja. Para tomar água colorida, qualquer uma, eu falei para um que trabalha comigo, eu não sei beber de graça, tomo até purgante né? Porque é de graça eu vou tomar? Foi no ano passado, no Centro Empresarial, eles foram lá na Kaiser, eles montaram agora um escritório lá. Puseram um telão, estavam fazendo propaganda da Bavária e da Kaiser. Os meninos estavam dando Chopp com coisa, num carrinho a Bavária. “Quer tomar?" “Não, obrigado. ” "Como não quer? ” “Eu sou obrigado a beber? Não sou obrigado a beber, que isso! ” Não bebi não. Tanto é que disse: “E o Ulisses foi beber a Kaiser? ” “Não ele não bebeu não, ele não bebe. ” E não bebo mesmo, isso é verdade, não bebo mesmo.

P/1 – E refrigerante o senhor toma?

R – Pepsi, é a Pepsi.

P/1 – O senhor toma a Pepsi?

R – Pepsi é boa hein?

P/1 – Esse o senhor gostou? [Risos].

R – Agora a melhor que tem é a Mirinda, que é feita no Rio Grande do Sul, a Mirinda é muito boa viu?

Mas o refrigerante só Pepsi. Agora tem Pepsi com limão [risos].

P/1 –É verdade, agora já tem a Pepsi com limão.

R – Pepsi com limão dá certo, é essa aí mesmo [risos].

P/1 – E o senhor acha que mudou muito as coisas seu Ulisses, nas fábricas do tempo que o senhor trabalhava?

R – Mudou. Mas não para melhor viu?

P/1 – Não? O senhor podia contar um pouquinho como era, como é que ficou depois?

R – Porque primeiro, nós éramos que nem uma família, entendeu? Tinha festa de Natal, fazia amigo secreto. Tinha festa de aniversário fazia bolo, tinha o diabo a quatro, agora não tem nada, primeiro prometeram que era os empregados que tinha festa, teve três festas lá, só entre eles, é sim!

E diziam: “Você não veio aqui? ” “E você me falou alguma coisa? ” Eu sou adivinho para adivinhar que vai ter festa aqui, na quadra? ” “Como é que eu posso saber que vai ter festa se vocês não me falam? ” Não, mas mudou muito viu. E depois eles não se dão muito com a gente.

P/1 – É?

R – Não se dão. O que dão é algumas moças lá, mas o resto.

P/1 – E seu Ulisses o senhor acompanhou a fundação, a criação da Fundação Brahma. Quando a Brahma fez uma fundação.

R – Não, a Brahma já tinha que como é que era, Ibcs – Instituto Brahma de Seguridade Social e agora se associaram ao BB, Ambev- Previdência Privada, porque a Antarctica também tinha a sua.

P/1 – Fundação.

R – Fundação. Que é muito boa hein? Ele tem lá no Largo do Cambuci, eles têm uma escola, faz tudo lá. Tem hospital, o Hospital Santa Helena é deles também, mas a Fundação deles é boa. Agora como ficou porque eles não explicam nada como é que ficou essa Fundação, eu não sei, dizem que nós temos os mesmos direitos que eles têm lá na Ambev, nós temos na Antarctica, agora eu não sei como ficou. Porque a Brahma vendeu muitos prédios, mas até hoje não disse para nós para onde foi o dinheiro, vendeu 17 propriedades.

P/1 – Nossa!

R – Uma na Padre Machado, onde tinha o campo de futebol, nós todos éramos sócios, pagávamos, fizemos reforma, fizemos a quadra no fundo, quando a gente foi perguntar, sabe o que eles disseram: “Ah, mas não tem o livro de Ata. ” Como não tem livro de ata? O presidente tinha tudo, como é que não tem? Sumiram com os livros de Ata, não sabe onde está o dinheiro, onde pôs o dinheiro eu não sei. Venderam a garagem. A garagem em frente à Brahma na Tupinambá tinha garagem, venderam o terreno lá que estava a fábrica. Venderam lá no Brás onde tinha outra fábrica, venderam um terreno em Santos que tinha outro depósito da Brahma, depois o depósito na Rua Pirassú, outro na Mooca, na Rua Rio Grande, mas até agora não falaram onde que está o dinheiro. O dinheiro não sei onde é que está sabe?

P/1 – [risos]. E Seu Ulisses, o senhor lembra de algumas campanhas, da televisão, ou campanhas que tenham saído em revistas? Falando das cervejas da Brahma que marcou o senhor assim que o senhor fala: “Nossa, como foi bonito aquilo! ”

R – Tem, agora eles pararam um pouco, mas já teve bons programas viu? Na Vejinha sempre faz. Tanto é que agora esse restaurante que abriu na Rua Itaim, como é que chama? Aí no Itaim, tem Chopp Brahma, tem uma choperia bonita, só vendo que beleza de bar, a casa era muito bonita.

P/1 – É?

R – Era para inaugurar na quarta-feira, mas como o fiscal não foi, teve que abrir na sexta. Ficou sexta, sábado e domingo cheio. Era na Av. Bandeira, não é Av. Bandeira, é uma avenida que sai lá de Campinas e vem para cá, que atravessa a Santo Amaro.

P/1 – Que sai de Campinas?

R – É uma avenida grande que não acaba mais, vai parar perto da Carlos Berrini.

P/2 – Água Espraiada?

P/1 – Não, não vem de Campinas a Água Espraiada.

R – Vai terminar na marginal.

P/1 – Eu não lembro também.

P/2 – Também não.

R – Mas é bonito. Lá está bom, e se você for em 10 de agosto seu Ari que é o dono, e você fica quieto, é Chopp Brahma, agora não vamos falar nada, eu mesmo fiz, não falei nada para ele, fui diretamente falar para mandar o pessoal tomar as medidas, tudo para ver o que ele queria, Chopp Brahma. Ah, se não tiver Chopp Brahma fecha o bar. Eles têm quatro restaurantes nos Estados Unidos e agora vai abrir o quinto.

P/1 – Nossa, e seu Ulisses quando o senhor começou a trabalhar na Brahma, o seu pai ficou contente porque ele tinha um bar que só vendia Brahma?

R – Sim, ficou.

P/1 – Imagina se o senhor tivesse que trabalhar na Antarctica?

R –Ah não, ele me matava! [Risos].

P/1 – Ele matava. Então ele ficou feliz? E o que ele achou quando o senhor se tornou um mestre-cervejeiro?

R – Ah, outra Brahma, tinha Brahma Rainha, Brahma Cristal a Fidalga e a Teotônia, as quatro.

P/2 – As quatro marcas.

R – Mas a vedete mesmo era a Teotônia, depois a Fidalga, a Fidalga que teve muita saída, como saía a Fidalga, é a concorrente da faixa azul, de primeira categoria. Era de segunda né? Mas era boa, que cerveja boa. Aquela de rótulo amarelo com o São Jorge lá. E eu fui lá, o da Continental, ele foi buscar uma porção de coisas e eu vi, tinha um livrinho lá com a história da Fidalga, eu ia pegar, mas depois eu me esqueci. E tem um quadro do Getúlio Vargas, no Mato Grosso, tomando cerveja Brahma Cristal. Está ele, o Ministro da Marinha e o Gregório Fortunato que é guarda-costas dele, em Mato Grosso. Seu Getúlio tomando cerveja Brahma. Tanto é que depois eles fizeram uma porção de cópias, lá na Continental tem a fotografia do quadro. Eu conheço a fotografia. Lá no acervo, dá pena contar, chegavam com Vai-Vai, tinha fotografia de casamento, tem uma porção de coisas lá, tudo jogado, um por cima do outro, tudo jogado numa sala que tinha lá.

P/1 – E nessa época que tinha a Teotônia, a Fidalga, quase eram as outras também do outro...

R – Era a Hamburguesa, a Pretinha, Chopp não sei que que era, tinha umas três, quatro. Tinha a de primeira linha e de segunda linha né? Era a mais fraca.

P/1 – As de primeira linha são as mais encorpadas?

R – São as melhores.

P/1 – São as melhores. As de segunda...

R – A Brahma Chopp era uma cerveja de segunda categoria.

P/1 – Era de segunda?

R – Porque naquele tempo que saiu tinha Brahma Rainha, Brahma Cristal e era as vedetes, então saiu a Brahma Chopp, e pegou a Brahma Chopp. E por isso que agora só quer Brahma Chopp

P/2 – Está aí até hoje né?

R – Até hoje. Eu vi no rádio, tem uma enquete aí que diz que a Brahma e a Skol está em segundo não sei que firma aí. Que nem aquela vez que saiu na Playboy, dizendo que a cerveja Brahma tirou em último lugar, e a Playboy vai saber como é que é a cerveja? Tem que procurar pessoa que compreende as coisas.

P/2 – Exatamente.

R – Porque esses repórteres que fazem as coisas fazem tudo ao contrário, fazem tudo errado. Puseram assim sobre o bar que é na Rua Boa vista, eles puseram Rua Bela Vista, não existe essa rua, não. Eu falei para o dono: “O senhor mudou a rua aqui? ” “Por que? Não, aqui é Boa Vista. “Mas aqui está Bela Vista. ” O Girondino era um café na Av. São João, 1914, 1910, eu não tinha nascido ainda, o café já estava lá, Café Girondino. Agora está na Rua Boa Vista, mas, infelizmente colocaram isso aqui. Porque a Kaiser, o Chopp da Kaiser é fermentado também.

P/2 – Ah é?

R – É. É fermentado.

P/2 – Então o senhor é fiel à Brahma mesmo? A Brahma Chopp e ao Chopp da Brahma.

R – Como Brahma Chopp não tem. Quiseram criar...

P/2 – Não conseguiram ainda.

R – Não conseguem. Os cervejeiros lá são tudo a mesma linha, eles são feitos lá mesmo, eles são cria da casa né? A Brahma já fez uns 20 cervejeiros lá, tudo fabricado lá.

P/2 – O senhor chegou a ir para Vassouras nessa...

R – Não, não, Vassouras há pouco tempo que tem. É uma cervejaria alemã que montou uma faculdade lá, e pode ir qualquer um, Antarctica, Brahma, Schincariol, qualquer um pode ir lá. Fica uns dois meses para ver a avaliação que tem, depois vai para o exterior. Agora vai para a Bélgica, Espanha, Itália, Estados Unidos. Na Bélgica ainda tem uma das melhores cervejas viu? Na Bélgica.

P/2 – Bélgica?

R – Uma das melhores cervejas que tem.

P/1 – E vem gente de outros países, para fazer curso aqui?

R – Não naquele tempo não tinha essa mamata aí, não tinha essa sopa [risos].

P/1 – Vamos só dar uma paradinha, de 5 minutos?

P/2 – Para quem é leigo no assunto de produção de cerveja, como o senhor explicaria assim bem detalhadinho para a gente entender, como que é?

R – A cerveja é feita na panela de pressão. Cabe 100 litros de líquido, então ela fica em 40 graus. Aí põe-se a cevada. A cevada chega, vai para o moinho para ser moída.

P/2 – Então ela é colocada já moída nessas panelas?

R – Sim, aí fica uma hora rodando sozinha. Primeiro tinha os cozinheiros, os que cozinhavam a cerveja né? Depois acrescenta o lúpulo, outra hora a 40 graus, fica rodando as duas, vai, vai. Depois o malte, feito de cevada, é um líquido. Depois ela é passada vai para os filtradores, passa nos filtradores para clarear a cerveja, porque a cerveja tem que ser clara, quanto mais clara é melhor, quanto mais branca a espuma.

P/2 – E a cerveja escura?

R – Hein?

P/2 – Como é feita a cerveja escura? A cerveja escura é o mesmo processo?

R – Sim.

P/2 – Só que tem algum diferencial porque a cor dela é diferente né?

R – Sim, sim.

P/2 – Qual é esse diferencial?

R – Não tem diferença.

P/2 – Tem diferença, ela é torrada.

R – É como eles fazem a Malzibier né?

P/2 – Que é com caramelo né?

R – É porque tem caramelo. Agora para fazer uma cerveja escura é muito fácil, tinha o bar Guanabara aqui na Avenida São João, ele pegava um Chopp e punha metade de Malzibier. Está aí o Chopp escuro, é assim que faz o Chopp escuro. Eu não tenho ciúme. Porque a base principal é a água, a água tem que ser pura. A Brahma tinha três terrenos aqui, só que tinha muita areia, e não pode, então tem que ser pura. E a cevada e o lúpulo só, não tem mais nada. Não é que nem aquele infeliz que diz que tem eu pôr o álcool, pôr álcool na cerveja? Está maluco [risos]. E o bagaço depois é vendido para vaca leiteira, para os cavalos também, o Jockey Clube compra, compra muito, para o cavalo é muito bom, alimento para eles.

P/2 – E qual a diferenciação de uma cerveja com maior grau alcoólico de uma menor, se ela é feita da mesma maneira e não é acrescentado álcool? É o tempo de fermentação?

R – Mais lúpulo e mais cevada.

P/2 – É a quantidade de lúpulo e da cevada?

R – Sim, a Brahma só é mais forte que a Brahma Chopp por causa do lúpulo e da cevada em maior quantidade.

P/2 – Então quanto mais cevada e mais lúpulo a cerveja é mais forte e o teor alcoólico dela?

R – Ah sim. Não tem outra coisa, não tem outro jeito de fazer mais forte se não puser isso aí. Então tem que ser o lúpulo e a cevada.

P/2 – Certo.

R – Primeiro vinha em sacos. Agora vem a granel, o lúpulo é muito bom, ele é amargo sabe? A gente pode comer ele, mas é amargo para diabo. Eu não falei para você? Você quer fazer as coisas como você quer, faz! Cada um cai como quer.

P/2 – Claro. E o senhor que é o grande apreciador da Brahma Chopp né, o senhor estava falando, ela desde quando foi lançada no mercado até hoje continua a mesma...

R – A mesma coisa. Ela foi lançada em fevereiro de 1934. O dia não sei. Era no Carnaval. Tanto é barril ela era boa e continua a mesma coisa, só mudou o rótulo. Esse é o terceiro rótulo que tem.

Eles reformaram porque aquele primeiro rótulo tinha que passar seis vezes o rótulo tinha seis cores. Isso aí é muito caro.

P/2 – Que era o das mãos segurando o caneco né?

R – Isso, esse é o rótulo mais bonito que tem.

P/2 – E foi o primeiro?

R – É, mais custava muito caro compreendeu? Então eles estão barateando por causa disso, mas aquele é o rótulo mais bonito que tem, que tinha a mãozinha tomando Chopp. Eita Brahma Chopp. Ahhhh Brahma Chop [risos].

P/1 – Carnaval. E seu Ulisses, o senhor estava falando agora fiquei curiosa, teve alguma mulher que foi mestre-cervejeira?

R – Teve. Ela era pernambucana, era a Rita. Ela trabalhava em Pernambuco e ela foi para a Alemanha e se formou como mestre-cervejeiro, ela veio trabalhar em Guarulhos. Boa cervejeira viu?

P/1 – É?

R – Boa, chegava lá e dizia: “Oh Ulisses, vem cá comigo. Experimente a cerveja”. Eu disse para ela: “Fala uma coisa com sinceridade: a senhora quer elogio ou quer a verdade? O que que a senhora quer saber? ”. Ela respondia: “Não, quero a verdade. ” “Então o Chopp está bom. ” E estava bom mesmo, ela agora está nos Estados Unidos, não sei se agora está trabalhando em cervejaria ou no que ela está trabalhando. E agora tem outra moça que está em Jacareí, é a Ana Maria, é cervejeira lá em Jacareí. Foi para Espanha, fez o curso na Espanha.

P/1 – E voltou para o Brasil para trabalhar aqui.

R – Voltou para o Brasil. E é cervejeira lá em Jacareí, porque lá precisa, lá trabalha 24 horas. Das 7hs às 3hs, das 3hs às 10hs e das 10hs às 3hs, são turnos, lá não para.

P/1 – Então tem três mestres-cervejeiras? Ou um só?

R – Tem mais. Fora os aprendizes, tem o superior de tudo que supervisiona tudo, mas tem mais, porque trabalha 24 horas por dia. Não para. Parece que só para os dias do Carnaval, no Natal e no fim do ano.

Mas trabalha sempre, 24 horas. Pega fogo, vai embora, porque a cerveja é uma coisa, começa a fazer, não pode parar. Se parar, tem que jogar fora.

P/1 – Ah tem que...

R – Ah, tem que continuar, não pode parar. Lá tem 88 tanques, cada tanque tem 100 mil litros de cerveja.

P/1 – Então quer dizer assim, se tiver fazendo a cerveja e acontecer uma paralisação ou qualquer coisa aquela cerveja é perdida.

R – Perdida.

P/1 – Tem que jogar fora.

R – Vai para o ralo. Porque lá tem cerveja para dois meses, e fica com data porque para engarrafar tem que ser a data certa. Nos tanques põe Brahma Chopp, tal data. Skol, tal data. Porque agora as fábricas faz tudo, faz todas as cervejas, agora em Jacareí eu acho que só faz Brahma Chopp e Skol.

P/1 – E o que que acontece, a gente escuta muito as pessoas falarem, vai tomar uma cerveja, vai abrir uma cerveja, ou quando vai tomar um Chopp, que ela está choca, o que que aconteceu com essa cerveja?

R – Aconteceu que é velha.

P/1 – É velha?

R – É velha. Eu já encontrei cerveja no bar no lado de Moema que o homem estava reclamando, o senhor tem a cerveja aqui, mas ela está velha. E eu fui olhar, estava velha porque você quer, porque vocês esperam aumentar a cerveja para comprar a cerveja e deixa a velha aí estocada, vê a data que está aqui. E eu vou jogar esses outros tudo fora, jogo sim senhor, jogo fora. Porque não pode, nem em uma câmara frigorífica não adianta. No bar que eu fui o homem me disse: “O menino disse aí tem Chopp de um mês”. E o patrão sabe? O patrão não sabe nada. Você imagina, Chopp de um mês, que porcaria é.

P/1 – Mas seu Ulisses, quando acontece isso com a cerveja em garrafa, antes né, antes, uns anos atrás, não tinha data de validade a cerveja, hoje já vem com a data. Como que as pessoas sabiam.

R – Sabe por quê? Eles punham na geladeira, vinha as novas, vendia as novas e deixava as velhas, ficava um ano na geladeira e fica congelada fica ruim, porque eles não se dão o trabalho de pôr as velhas na frente e as novas atrás, eles colocam na frente e vão vendendo, entendeu? É por isso que saí. Se saí choca às vezes, é por causa do copo. O copo tem que lavar com água e açúcar, não pode lavar com sabão nem nada e nem pôr a mão tem que pôr água com açúcar e chacoalhar, pôr numa torneira e enxaguar, não pode pôr a mão.

P/1 – Ah, assim que lava um copo para tomar cerveja?

R – Ah sim, não pode pôr a mão no copo. Porque, por exemplo, dali a pouco você toma e não tem mais espuma é porque a gordura do lábio fica no copo. É a gordura que é inimiga. Eu fui num bar que me mandaram lá na Vila Maria e perguntei:

“Me diga uma coisa patrão, onde é que fica o barril de Chopp aqui? ” “Aí”. Aí aonde eu falei? Tinha verdura, tinha frango, tinha manteiga, tinha tudo. Naquele tempo era barril de madeira. Eu digo: “Olha, ou o senhor tira tudo isso aqui, porque isso aqui era só para ser Chopp. ” Porque pondo um pedaço de manteiga em cima da madeira estragava o Chopp. Pondo um camarão, a mesma coisa, verdura, tudo. E quando eu voltei outra vez, ele estava lá, e eu disse: “Eu vou lhe tirar o Chopp! ”. E ele foi me acompanhar e ele falou assim: “Ah foi um alemãozinho assim um Chopp”.

Porque já tinha encontrado com o funcionário, fazia relatório todo dia, não sabe o que me acontecia.

Mandou me chamar: “É esse aqui o alemão? Esse mesmo, eu dei a ordem para ele, ele não avisou para o senhor tirar tudo que estava em cima do barril de Chopp? Você tirou? ” “Não. ” “Então ele não cumpriu o serviço dele. ” Porque não pode, o barril de carvalho absorve, agora não, agora de alumínio pode pôr o que quiser em cima, até barril de Chopp na sua geladeira, nada mistura com ele. Eles punham carne, verdura, peixe, camarão, manteiga, tudo em cima do barril e estragava. Outro então no Sumaré. Você vai lá, o Chopp está saindo tudo verde. Como vai sair verde? Escuta, o Chopp sai verde? Esse verde é da serpentina, isso é zinabre que está aí. Aí chegou o fabricante, italiano: “Eu sou da serpentina, o senhor solda a serpentina 5 metros, mais de 5 metros o senhor não solda, porque esfria, vai soldar 20 metros e isso vai ficar tudo verde, a choperia vai ficar tudo verde, é zinabre, porque é do cobre. Porque a melhor serpentina é de cobre, aliás de estanho, mas como estanho é muito caro, eles passam a fazer isso, porque primeiro era tudo de estanho as serpentinas, e a serpentina era 10 metros, tinha a caixinha, tinha serpentina lá e às vezes furava, então tinha que concertar. Eu ia lá com o seu Antônio, nós chamávamos o funileiro, ia eu e ele, ele era argentino e ele consertava. Numa confeitaria lá na Av. São João, o homem disse: “Esta porcaria aqui não sai, está quebrada, tudo. ” E eu fiquei quieto. Não sei, vem mexe e remexe, fui pegar o barril não tinha Chopp. “Oh vem cá seu ilustre, como é que o senhor quer que sai Chopp se está vazio o barril? ” Aí desapareceu, foi embora. Outra vez, na feira do Anhembi cheguei lá e a moça estava dizendo: “Essa porcaria desse Chopp e não sei o que. O que será que foi que aconteceu aqui? ”. Eu disse: “Vem cá a senhorita, faz favor. Isso aqui é para fazer assim oh, puxar a alavanca e abre a torneira, mas está fechado, como é que vai sair, não sai! ” [Risos]. Ela não disse nada, tem que abrir né?

P/2 – É o mínimo né?

R – É. A alavanca, abre vai e fecha, não sai o Chopp. E esse era o português da Av. São João ele ficou bravo, depois ficou manso. Ele conseguiu congelar o Chopp, ele pôs tanto sal no gelo porque quando coloca sal conserva, com o sal ficou tão gelado que não saía Chopp, o que vai fazer? E o senhor vai tratar do povo que o senhor não entende porcaria nenhuma. Congela o aparelho. Porque o sal não congela, compreendeu? Ajuda. Mas ele pôs tanto que não saiu Chopp nenhum, tem cada caso aqui que é de amargar sabe?

P/1 – E esses casos que aconteceram era tudo quando o senhor era mestre-cervejeiro?

R – Não, no comercial.

P/1 – Ah tá!

R – Quando tinha qualquer embrulhada, lá ia eu. Que nem agora, vai o Ulisses na frente saber o que está acontecendo viu? Dá risada é? [Risos].

Eu já falei:

“Não vou mais em nenhum lugar viu? Não vou mais em nenhum lugar”.

Quando tem alguma encrenca é comigo mesmo.

P/1 – Chama o senhor?

R – É. Antigamente tinha a como é Polícia de Alimentação Pública de São Paulo e as garrafas, quando era no mês de aumento salarial, os funcionários faziam sabotagem, como é que podem passar? Porque o que põe na cerveja é que nem uma caneta, a ponta de uma caneta, não pode, como é que pode passar um rolo de papel higiênico ali dentro? E eles punham. E eu fui na Rua Nascimento e o português pegou e mostrou a foto na mão dele, não deixou eu pegar a fotografia. Aqui tem a empresa à quantos ele me deu a garrafa e pum! Não tem prova mais. Quebrei a garrafa [risos]. O senhor não tem prova. Como é que pode? Agora barata, mosca entra e tudo mais, não pode. Agora não tem não, agora vem filtrada, tudo, não tem mais, não aparece casos assim. Mas de vez em quando aparece. Eu tenho uma garrafa aqui suja, quanto é que vocês vão me dar? A metade de outro tanto [risos]. Ele ficou bravo.

P/1 – E seu Ulisses, como é que o senhor vê assim, da Ambev estar construindo esse acervo né? Com todas as coisas.

R – Bom, é muito bom. Mas só que está em um lugar infeliz hein?

P/1 – O senhor acha que lá não é bom?

R – Não é bom. Tanto é que, quando cheguei lá foi uma turma lá, umas 10 pessoas que queriam comprar tudo para demolir, mas depois não apareceram mais. Agora demolir para quê? Não disse se vai fazer o supermercado, hospital não vai. Viu que não tem nada?

P/1 – Nada.

R – Nada, nada. Não tem uma farmácia, perguntei para eles: “Escuta, tem Bradesco aqui? ” “Tem sim, mas vocês não podem ir. ” “Por que? ” “Porque você tem que atravessar aquele pontilhão e embaixo tem os maconheiros, eles sobem em cima e te assaltam, então ou você vai com segurança ou senão eles assaltam. Ou o senhor tem que ir de táxi. ”

P/1 – Quer dizer que não pode.

R - Não pode. Não tem nada e às 11 horas, 11:30 hs é a hora que eu vou almoçar, passo não encontro ninguém na rua, nunca vi uma rádio patrulha, nada lá, nada. Há pouco tempo, faz uns 15 dias, assaltaram lá, mas sabe o que roubaram? Os tíquetes-restaurante.

P/1 – Ah.

R – Agora, pode ser que seja funcionário porque como é que eu estava vestido como vendedor e sabia onde estava os tíquetes? Só roubaram os tíquetes porque o dinheiro não tem. Como é que eles sabiam desses tíquetes?

P/1 – É verdade!

R – Roubaram os malotes, até jogaram, pularam o muro e saíram correndo na rua.

P/1 – Na Presidente Wilson?

R – Presidente Wilson.

P/1 – Mas o senhor acha que é importante as pessoas olharem o que tem lá? Os cartazes, toda a história, o senhor acha que é importante os novos funcionários conhecerem?

R – É importante, mas sabe o que é? Tem muitas pessoas que não conhecem, não sabem o que eles fazem. Nós temos algumas fotografias lá, mas como está vestido sabia de quando era essa fotografia, tem 50 anos essa fotografia aqui, e 50 anos não é que nem agora, é tudo, mulheres com chapéu não pode, tem essa mentalidade.

P/1 – Mas o senhor acha que é importante?

R – Importante, isso é importante. Porque o Museu da Antarctica era muito bonito hein? Quando você entrava no 5º andar, abria às 2 horas e fechava às 5 hs, visitação pública grátis. Tinha um senhor lá que trabalhou 70 anos na Antarctica, o Pepe, ele que explicava tudo o que tinha no museu, eles ao invés de mandarem uma pessoa para entregar, mandaram o homem embora, e fecharam o acervo lá do 5º andar. Que é bonito lá, tem coisa bonitas, tem umas canecas lá bonita viu?

P/1 – É?

R – Tem umas choperias bonitas lá. E eu sei porque ia lá com o seu Jaime que era superintendente, eu fui lá e ele me mostrou. Porque dentro nós estamos no de cá né, em frente, atravessando a rua é onde estava a administração da Antarctica primeiro, tinha um bar que era uma beleza lá.

P/1 – Um bar?

R – Um bar. Eu ia lá sempre, ficava tomando Chopp lá.

P/1 – E como o senhor vê essa outra iniciativa da Ambev, de estar colhendo o depoimento de pessoas que trabalharam muitos anos, de pessoas que trabalham [risos].

R – É bom, é um exemplo para os futuros entendeu? É uma boa coisa. Que nem eles fizeram agora, mas já faz tempo, uns dois meses, fizeram uma palestra para doenças, entendeu? Uma palestra médica, foram todos os aposentados lá. Do coração, da diabetes, explicaram, deram a explicação de tudo. Muito bom.

P/1 – O senhor acha que isso é importante?

R – Oh se é!

P/1 – Esse tipo de ação que eles têm?

R – Agora eles falam mal da companhia, mas a companhia nunca atrasou um dia de pagamento, nunca! Atrasou uma vez, mas eles foram na revenda e pegaram o dinheiro e pagaram. Dia 30 o funcionário está recebendo o dinheiro dele e não tinha esse Ibcs, não tinha esse Instituto Brahma de Seguridade Social e agora está junto com eles né, com a Fundação Antarctica não tinha. Eu por exemplo, na Antarctica, não tinha o que nós tínhamos. Não tinha 13º mês, não tinha uma porção de coisas, o que nós tínhamos eles não tinham.

P/1 – Ah não?

R – Não.

Agora eles são revoltados, eu não sei o que eles fizeram com os aposentados, que estão tudo revoltado. O porquê eu não sei, ninguém me explicou.

P/1 – Mas o senhor não está revoltado?

R – Eu? Eu não sou da Antarctica, eu sou da Brahma. Um dia um se fez de besta e eu disse: “Você cala a boca que você está em casa alheia, aqui agora é propriedade e companhia cervejaria Brahma. Sabe o que ele disse? “A Brahma não existe mais”. Eu respondi:

“Não existe na tua cabeça, não existe na tua cabeça viu, isso aqui é propriedade da companhia cervejaria Brahma, comprou de vocês”. E de fato comprou, a Brahma comprou a Antarctica, comprou mesmo.

P/1 – O que que representa e eu vou falar da Ambev porque hoje é Ambev, estão todas juntas.

R – Sim, sim.

P/1 – Mas o que representa na sua vida?

R – Melhorou bastante. No internacional melhorou muito. Tanto é que abriu uma porção de cervejaria por aí fora, tem seis cervejarias não sei onde, no interior não tinha nenhuma, a primeira foi a da Venezuela. Tem na Venezuela, Argentina, Paraguai, Uruguai, Peru e agora tem na Guatemala.

P/1 – Quer dizer, está ganhando mercado?

R – Tanto é que na Guatemala não pode, assim me falou uma pessoa que foi lá né, que não pode falar da Brahma por causa dos insetos. Sei lá, e a cerveja chama-se Brava, não chama Brahma. E duas semanas atrás já começaram a lançar a cerveja lá.

P/1 – Ah, é um bom nome!

R – Brava.

P/1 – Não é?

R – E tem, mas na Argentina o nome é Brahma e na Venezuela Brahma também, agora no Paraguai não sei como se chama, no Uruguai tem, eles compraram junto com a da, como é o nome? É cerveja Maltaria e tem a água também, uma água mineral deles lá. Só que lá tem uma diferença, as garrafas são de 1 litro.

P/1 – Ah, é de 1 litro?

R – É um litro de cerveja.

P/1 – E seu Ulisses, deixa eu falar uma coisa para o senhor nós estamos terminando o nosso depoimento e eu gostaria de saber se o senhor queria falar alguma coisa que a gente não perguntou ou que o senhor não falou antes.

R – Não falei tudo.

P/1 – Se o senhor queira deixar uma mensagem pra Ambev.

R – Que continue assim que está muito bem viu? Muito bem, muito bem. É uma companhia que não deixa faltar nada ao funcionário, tem médico, dentista, tem aposentadoria e tem outra coisa, eles dão o 13º salário aos aposentados, aposentado tem direito. E, por exemplo, o salário que dá o Instituto é mais alto e o da Brahma é menor, mas eles cobram a diferença.

P/1 – Nossa!

R – Agora se empatar ou a Brahma for mais alta, aí não. Muitas vezes, porque o pessoal é meio caduco, os aposentados é tudo comigo, quando querem alguma coisa vão falar com ninguém, eu quero falar com o Ulisses, eu que tenho que responder. “A Brahma está me roubando. ” “Roubando em que, você tem holerite? ” “Quanto você ganha? ” “Tanto. ” “E quanto está aqui? ” “Tanto, então, quem está roubando? Não está roubando nada. ”

P/1 – Aí resolve tudo? [Risos].

R - Ah resolve. Porque agora nós temos que mandar o holerite para Guarulhos, lá para eles guardarem. Agora eles mandaram um questionário, só vendo o que que é para fazer, Nossa Senhora! É o nome, o Rg não sei que, eu mandei tudo, tudo escrito.

P/1 – E o senhor quer deixar uma mensagem para os mestres-cervejeiros? Os que vão começar na carreira?

R – É, que eles estão em um bom caminho, que tome juízo por aí né? Não faz besteira, não se meter à besta. Que nem arranjei um emprego para um menino, ele foi trabalhar na fábrica. Dali uns dias ele veio: “Eu não quero mais trabalhar. ” “Por que? ”.

Escuta: “Vocês não leram o contrato que podia trabalhar de domingo a qualquer hora? E como é que o senhor está reclamando, você aceitou no papel. ” Porque lá trabalha sábado e domingo, nem todo domingo trabalha porque um dia ele trabalha das 7hs às 3hs, no outro dia das 3hs às 10hs, no outro dia das 10hs às 7hs e no outro dia ele folga, assim vai fazendo. Porque se não domingo, outro na segunda-feira, então eles mudam. Justamente, você tem que lavar a fábrica, você é aprendiz de fábrica, você tem que lavar a fábrica, eu lavei muita geladeira de madeira para pôr a cerveja, tirava a cerveja velha e lavava, porque naquele tempo não tinha esses frigoríficos, era tudo barril de madeira, era gelo e o gelo criava um ________ muito grande, então tinha que lavar, lavar a geladeira, para pôr a cerveja. Você não quer lavar a fábrica? A fábrica tem que ser lavada aos sábados, isso desde a Alemanha, toda a fábrica tem que lavar e estar limpinha.

P/1 – Todo sábado?

R – Ah, todo sábado, de cima para baixo são lavadas, e ele achou que tinha que lavar a fábrica e eu não vejo mais minha esposa, você não leu o que estava escrito no papel. Você leu? É só um papel para ver se está de acordo, trabalhar no sábado, trabalhar no domingo, trabalhar feriado, fazia isso, fazia aquilo de te entregar, aceitou então tem que aguentar o galho.

P/1 –Seu Ulisses, então a Ambev agradece pelo senhor ter vindo aqui e ter dado o seu depoimento [risos].

R – Muito obrigado, quando quiser sempre às ordens.

P/1 – O Museu da Pessoa agradece, muito obrigado pelo senhor ter estado com a gente hoje.

R – Muito obrigado.