Museu da Pessoa

Um pernambucano em Araraquara

autoria: Museu da Pessoa personagem: Olívio Alves Bezerra

Depoimento de Olívio Alves Bezerra
Entrevistado por Ary Meneghini e Flávia Darre Barbosa
Araraquara, 18 de Setembro de 1999

P/1 – Para começar, qual o seu nome?

R – Olívio Alves Bezerra, sou conhecido por Pernambuco.

P/1 – Por que é conhecido como Pernambuco?

R – Porque, certamente, vim de Pernambuco, então o pessoal gosta, os paulista gosta de criticar o nome, então em vez de falar o nome, fala Pernambuco.

P/1 – E qual a cidade e a data do seu nascimento?

R – A cidade é Venturosa, nascimento é 04 de abril de 1931.

P/1 – E onde fica Venturosa?

R – Venturosa fica no, quase no sertão de Pernambuco. Entre o sertão e o agreste.

P/1 – Qual o nome de seus pais?

R – O nome do meu pai é José Alves Bezerra.

P/1 – E da mãe?

R – Maria Tenório Bezerra.

P/1 – E nome dos avós paternos?

R – Ostinvaldo Bezerra e Cândida Torres Galinto

P/1 – E dos avós maternos?

R – André Bezerra Vasconcelos e Felissa de Vasconcelos

P/1 – Pode repetir o nome da avó materna?

R – Felissa Vasconcelos Bezerra. Esqueci do Bezerra.

P/1 – E qual era a atividade profissional, o que seus avós faziam?

R – Trabalhavam na agricultura. Era sitiante.

P/1 – O que eles plantavam?

R – Plantavam algodão, milho, mamona, mandioca, às vezes plantavam um pouco de cana.

P/1 – E eles mesmo vendiam os produtos?

R – Vendiam

P/1 – E vendiam onde?

R – Vendiam lá em Venturosa, mesmo.

P/1 – Então, onde seus avós vendiam os produtos de agricultura?

R – Lá na cidade mesmo.

P/1 – Na feira? Como é que eles vendiam isso?

R – Na feira.

P/1 – Tinha mais algum jeito de vender os produtos?

R – Vendia para os amigos também, né? Entregava nas casa e tal, né?

P/1 – O senhor tem irmãos?

R – Tenho.

P/1 – Quantos?

R – Três irmãos e eu, quatro.

P/1 – E irmãs?

R – Seis.

P/1 – Seis? Eram dez irmãos?

R – Dez.

P/1 – O senhor chegou a conhecer seus avós?

R – Não. Conheci uma avó. A avó materna, conheci. Agora, o avô materno e os avós paternos não conheci, não.

P/1 – Onde morava, o senhor se lembra como era, voltando lá na infância, quando era menininho? Lembra da casa onde morava?

R – Lembro.

P/1 – E como era a casa?

R – A casa era de tijolo. Tijolo à vista, casinha boa, confortável.

P/2 – Tinha jardim?

R – Cidadinha pequena.

P/1 – E fogão, como era o fogão?

R – Fogão à lenha.

P/1 – Era uma casa assim, o teto era alto, baixo?

R – O teto era, bom, praticamente, era casa com tijolo, tal, não tinha forro, não tinha nada.

P/1 – E o que mais o senhor lembra que tinha na casa?

R – Tinha mobílias, mobiliada. Dormia em rede.

P/2 – Vocês dormiam em rede?

R – Dormia em rede.

P/2 – É? Aonde ficava a rede?

R – Tinha um negócio para amarrar de uma parede na outra.

P/1 – Essas redes nos quartos?

R – Alguns dormia nos quarto, outros dormia na sala. A casa não era grande e tinha muita gente.

P/2 – E tinha quintal?

R – Não, quintal não tinha. A gente morava mais no, às vezes morava na cidadezinha, às vezes morava no sítio. Mas na cidade, quando a gente morava, já tinha cama. Agora, no sítio mesmo, só tinha rede.

P/2 – Ah, era um sítio. Tinha pé de tudo quanto era fruta?

R – Tinha. Muita plantação.

P/2 – É? do quê?

R – Tinha goiaba, tinha pinha, tinha banana, laranja, na época da safra. tinha plantação de melancia, mamão.

P/1 – E como era o dia-a-dia? O senhor levantava a que horas? O que fazia,

R – Eu sempre levantei cedo.

P/1 – Quando era pequeno. A gente está falando quando estava criança.

R – Era pequeno, levantava cedo já. Pra trabalhar para a minha mãe, né? Levantava, já passava, fazia alguma coisa.

P/1 – O que fazia para ela?

R – Levantava, já começava fazer as coisas que não devia fazer, pra chamar a atenção, ela já chamava atenção, ficava nervosa e tal, né? Eu dava risadinha, saía e tal, depois voltava, brincava com ela. Sempre levava ela na brincadeira.

P/2 – E ela dava algum trabalho de casa para o senhor fazer, ajudar?

R – Às vezes ela mandava fazer alguma coisa. Às vezes ela mandava fazer alguma coisa, fazia que estava fazendo mas não fazia quase nada.

P/1 – O que tinha mais na casa? Tinha ferro de passar roupa?

R – Não. Tinha ferro de passar roupa. Mas só que o ferro naquela época, não era elétrico, nada. Colocava lenha no ferro, tocava brasa. Então lá, naquela época, ninguém falava passar roupa, falava engomar roupa. Botava, fazia aquela, polvilho tal, na água, jogava na roupa e passava o ferro e a roupa ficava meia dura, né? Então não era, não se falava de se passar ferro, era engomar.

P/1 – E o senhor se lembra se tinha rádio?

R – Não, na época lá não tinha rádio. Depois, já tinha já. Já mocinho, já, meu pai já comprou um rádio.

P/2 – Quem morava? Seus avós moravam no sítio? Morava todo mundo?

R – No sítio.

P/2 – E quem tomava conta da casa?

R – Quem tomava conta da casa mesmo, era a minha mãe.

P/2 – Sua mãe que mandava?

R – É. E meu pai ficava sempre na cidadezinha que ele tinha cartório e ficava trabalhando. E eu ficava sempre tomando conta, porque maiorzinho já comecei a tomar conta da criação e tal, né?

P/2 – Criação do quê?

R – Criação de gado, cabra, ovelha.

P/1 – Tinha muita?

R – Tinha, uma porção. Cabra tinha bastante, ovelha também tinha. A vaca tinha umas, tinha umas pouca também.

P/1 – E esse sítio aí era de vocês? Não era alugado, não?

R – É. Não, não.

P/1 – Era próprio, né?

R – Era do meu pai mesmo.

P/1 – E essas criações, esses animais que eram criados, onde eram vendidos?

R – A criação a gente, quando estava na época que precisava vender, já vendia. Aí os comerciante compravam, levavam para outro lugar e matavam e vendiam a carne.

P/1 – Como era vendido isso? Tinha uma, onde é que,?

R – Vendia na cidade, mesmo. Venturosa.

P/1 – Mas se eu fosse lá de Venturosa, onde é que ia vender isso? A gente ia em que lugar? Falar com quem? Quem é que comprava?

R – Lá por perto vendia a criação que, agora, por exemplo, a criação, tinha uns cabrito a gente vendia muito para uma cidade que o pessoal levava muito para Garanhuns cidade de capoeira.?? O pessoal comprava a criação e levava. Porque a criação de cabrito, geralmente, era mais, né? Agora, gado mesmo, vaca ou boi, qualquer coisa que matava a, gente ia lá em Venturosa, mesmo.

P/2 – E levava como? Como que transportava?

R – Transportava. Não era em caminhão naquela época, não. Era, tangia tudo, levava tudo, tocando pela estrada pelas cidadezinhas, até chegar lá na cidade,

P/2 – Levava vivo?

R – Levava vivo.

P/2 – Comprava vivo?

R – Lá que matava na, cidade.

P/1 – O senhor se lembra dessa feira de Garanhuns? O senhor chegou ir nela alguma vez?

R – Fui uma vez.

P/1 – E como é que era essa feira?

R – Era, vendia de tudo, né? O pessoal levava criação para vender, mantimento. Tudo que é de se comprar na feira, tinha, encontrava-se lá.

P/1 – E essa feira era onde?

R – No centro da cidade.

P/1 – E ia muita gente?

R – É, aquele pessoal, aquele sitiante, ia na feira e, ia vender alguma coisa e muita coisa ele ia comprar na feira para a casa também.

P/1 – E os cantadores? Tinha cantador na feira?

R – É, tinha repentista, gostava de cantar, fazer, cantar e tal, tocar sanfona, tocar viola, realmente, lá em Pernambuco, naquela região o pessoal gosta muito de, gosta muito, é repentista, assim.

P/1 – E o senhor gostava?

R – Ah, gostava. Quando era garoto, né? Pessoa quando é garoto, tudo tá bem, né? Tudo é bom, tudo é festa, tudo é divertimento.

P/1 – E o que o senhor fazia quando era pequenininho lá? O que o senhor brincava? O que o senhor gostava de fazer?

R – A gente brincava. Brincava com brinquedo que a gente fazia mesmo, com brinquedo de madeira mesmo, que a gente fazia para brincar. A gente fazia o brinquedo para brincar.

P/2 – O senhor mesmo fazia?

R – A gente fazia.

P/2 – O que o senhor fazia?

R – Fazia, pegava madeira, cortava. Pegava o martelo, pregava e tal. Fazia brinquedo para brincar.

P/1 – E o que eram os brinquedos?

R – O brinquedo era, a gente fazia, pegava e fazia um bichinho qualquer, fazia como se fosse um cachorrinho. A gente fazia um desenho parecido e imitava qualquer coisa e estava na vida. E fazia parte da brincadeira.

P/1 – E o senhor tinha alguns amigos? Tinha grupo de amigos quando era pequeno?

R – Tinha um grupo de amigos.

P/1 – E a molecada fazia o quê?

R – Fazia as mesma coisa que a gente fazia, eles fazia também.

P/1 – E aprontavam alguma coisa?

R – Aprontava. Às vezes aprontava, a minha mãe ficava sabendo, meu pai, chamava atenção. Daí a gente entrava na brincadeira e fazia, praticamente, a mesma coisa outra vez.

P/1 – E seus pais eram rígidos?

R – Não. Era com o malfeito, o meu pai chamava a atenção, minha mãe, mas, nunca foi de bater nem coisa, chamava atenção, só.

P/2 – O senhor freqüentava escola, lá?

R – Freqüentava.

P/2 – Como que era a escola? Conta.

R – A escola?

P/2 – É.

R – A escola é, estava no Grupo, tinha a professora, ela dava aula de tudo, né? Então, quando chegava no dia da. a primeira semana, a gente fazia um teste. Então, aquele teste que ela fazia pra ver quem é que estava mais esclarecido e tal, fazia as pergunta, aquele que não respondia as pergunta, quem respondia, pegava a palmatória e dava a palmatórinha na mão. Brincadeira, né? Só que um dia dei com força na moça e ela começou a chorar e a Professora falou, ela me chamava de Gaguinho: “Oh, Gaguinho, não é assim, para bater com força não, é para brincadeira.”

P/2 – Chamava o senhor de Gaguinho?

R – É a professora me chamava de Gaguinho. Daí ela me pegava, colocava em cima da mesa, era o menorzinho da turma, da escola. Me botava no braço, me botava em cima da mesa. Fazia eu brincar, falava que eu ia fazer discurso.

P/2 – O senhor gostava de falar bastante?

R – Gostava de fazer, tudo quanto é matéria que, era pertencia fazer farra, eu gostaria.

P/1 – O senhor se lembra das festas que faziam?

R – Lembro.

P/1 – Na escola?

R – Na escola, naquele época, era coisa pouca. A gente fazia as festa de brincadeira e tal.

P/1 – E da cidade?

R – Da cidade lembro, também. A gente fazia festa, ia pra lá. Ficava até à noite na cidade, na festa. Até quase amanhecer o dia.

P/1 – E o que tinha na festa?

R – Tinha o pessoal tocando viola, outros tocando sanfona, outros fazendo, passeio, que vinha gente de fora pra levar o circo. A gente participava de tudo.

P/2 – E vocês iam como? A escola era onde? A escola era na cidade?

R – A escola era, que freqüentei era no sítio mesmo.

P/2 – No sítio mesmo?

R – A escola que estudei foi no sítio.

P/2 – E quando vocês iam para a cidade, vocês iam como? Nas festas, assim, como vocês iam?

R – A gente ia, que a cidade ficava perto, a gente ia de a pé. Às vezes ia, gostava muito às vezes de ir, pegava a sela, colocava no jumento e ia no jumento. Às vezes ia a cavalo. Eu gostava, eu gostava mais de andar de jumento do que a cavalo.

P/2 – Por que?

R – Porque o jumento era mais manso, era mais fácil de lidar com o jumento porque eu tinha um jumento que era muito manso e eu gostava muito de ir lá com ele.

P/2 – E aí, onde que parava o jumento? Quando chegava para ir na festa, como fazia?

R – Na cidade tinha, amarrava ele lá num lugar. Ainda mais, quando o meu pai tinha casa na cidade tinha um quintal, que a gente já colocava lá e ficava preso. Quando o meu pai não tinha casa, então a gente colocava na, ficava amarrado lá no pé de árvore, qualquer coisa. Naquela época, o pessoal não tinha esse negócio de roubar. Podia ficar à vontade, que não tinha problema.

P/1 – O senhor morou no sítio até que idade?

R - Morei até 17 anos. Morei um pouco tempo na cidade, depois vim para São Paulo.

P/1 – Lá na escola, o senhor fez até que ano, fez o primário, depois continuou os estudos?

R - Só o primário.

P/1 – E o senhor parou por quê?

R - Porque vim para São Paulo e trabalhar e tal, e não deu mais certo para estudar. Vim pra, por isso mesmo.

P/1 – Quando o senhor era assim, perto dos 17 anos, 15, 16, 17 anos o senhor tinha um grupo de amigos?

R - Tinha. A gente ia em baile, né? Quando tinha baile à noite. No baile, então a gente ia com os amigos.

P/1 – O senhor se lembra dos amigos?

R - Lembro.

P/1 – Quem eram?

R - Tinha o Durvalino. Tinha o João. Ele chamava João de Antônia. Tinha o João Maroca. Tinha mais outros. O João Maroca, eu estava brincando com ele e falei: “Ah, você é o João Maroca.” Aí pegou o apelido João Maroca.

P/2 – Voltando um pouquinho, tá? Tinha assim, quando o senhor era pequeno, alguma lenda, alguma coisa assim que o senhor ouviu falar lá? Tipo essas coisas de saci, coisa assim, de assombração, que contavam?

P/1 – De assombração?

R - Saci, Papa Figo, não sei o que, isso aí não existe. Não fui de acreditar nessas coisas, não.

P/2 – O que é Papa Figo?

R - Papa Figo era um bicho que pegava criança. Criança que era levada, dava trabalho para os pais. O Papa Figo pegava criança. É lenda dos mais velhos. Mas nunca tive problema de ter medo dessas coisas assim. Eu nunca acreditei nisso aí.

P/1 – E quem contava estas histórias aí?

R - Minha avó, que contava, Tinha uma senhora que estava sempre em casa. Então, ela falava, então eu saía assim, ela falava: “Vai então que o Papa Figo vai te pegar.” “Que Papa Figo, vai pegar ninguém.”

P/2 – Depois o senhor saiu do sítio, quando mesmo? Por que foi morar na cidade? Quantos anos o senhor tinha?

R - Tinha 17. Fiquei na cidade um ano e pouco, depois já vim para São Paulo.

P/1 – O senhor ficou pouco tempo na cidade? Morando na cidade de,

R - É queria ficar na cidade, mas ia quase todo dia para o sítio. Praticamente, passava o dia no sítio e à noite ficava na cidade.

P/1 – Nessa época aí, o que gostava de fazer com os amigos?

R - Eu fazia um pouco de bastante coisa. Brincadeiras e tal. Inventava história para ele ficar nervoso.

P/1 – O senhor se lembra de alguma história?

R - Não. No momento assim, esqueci. No momento não lembro história que contava, não.(riso)

P/1 – Não lembra de nenhuma?

R - No momento, não.

P/2 – E vocês passeavam, vocês saíam, para onde vocês iam? Na cidade o que tinha? Como era a cidade?

R - A cidade era pequena. Tinha de tudo um pouco. Uma vez por semana tinha feira, na cidade. Aí a gente ia na feira. Quando não ia pra comprar nada, aí ia só pra ficar lá. Brincando e tal, e ia ver os amigos. Passar o dia.

P/2 – E namorar? O senhor namorava?

R - Quando eu ia na cidade, eu namorava.

P/2 – Nessa época já namorava?

R - Depois de 15 anos, já namorava.

P/2 – Aí ia na feira para namorar.

R - Ia para namorar, e brincar e tudo mais.

P/1 – E onde é que arrumava namorada lá? Quais eram os melhores lugares?

R - Lá mesmo, na feira, na cidade. Lá tinha bastante mocinha.

P/1 – Tinha baile também?

R - Tinha baile também.

P/1 – E o baile era bom para arrumar namorada?

R - Ah, era bom. No baile, dançava com uma e namorava e tal. Depois, achava que não dava certo, passava para outra. Então, uma vez eu estava dançando com uma moça, larguei e fui com outra. Ela chegou e me chamou: “Ô, você é um vira folha.” Eu falei: “Por quê?” “É que você estava comigo, agora já está com outra.” Falei: “É, vai esquece, vai pra lá.” (risos)

P/2 – E nessa feira, o que tinha assim, o que, vendia comida também? Coisa para beber, o que tinha?

R - Tinha alimentação. Tinha bebida também. O pessoal comprava o gelo, colocava no copo, naquela época, falava que era sorvete. Era gelo com água, né? Pegava aquele negócio, misturava com água e o pessoal tomava. Água com gelo. Raspadinha de gelo, raspava e ia colocando. Pessoal falava: “Olha, o sorvete.” Eu já falava assim: “Isso aí não é sorvete, isso aí é água com gelo.”

P/2 – Que mais que tinha, que o senhor lembra?

R - Tinha o pessoal que ia fazer a feira pra levar para a casa. Arroz, feijão, milho, para alimentação, farinha. Naquela época usava muito comprar farinha, feijão. O arroz usava muito pouco, mas o feijão era indispensável, feijão com farinha. E arroz, também.

P/1 – Como o pessoal levava para casa ?

R - Colocava no saco e ia, no lombo do animal e levava. Outro levava no ombro, pedia para os amigo levar no carro de boi.

P/1 – Você comprava de saco fechado ou podia comprar pouco?

R - Não, comprava por quilo. Dificilmente comprava saco fechado de mantimento. Era mais aquela medida que dava para a semana.

P/1 – O senhor se lembra como era a balança? Como se pesava?

R - Naquela época, porque agora mudou muito, né? Dificilmente usava balança, pegava uma vasilha, media e, vendia por medida. Um chamava de litro, outro falava uma medida. Aí comprava, por exemplo: “Essa medida aqui é tanto, do feijão. Isso aqui é tanto milho.” Então, o pessoal ia comprando.

P/1 – E variava muito de barraca para barraca a medida, a vasilha?

R - Não. Era tudo igual.

P/1 – O que era? Era uma lata de óleo?

R - Era, tipo uma lata de óleo. Outro pegava aquela, cabaça fazia aquela, uma espécie de uma cuia serrava e fazia aquela vasilha que o pessoal usava para medir. Era medida para vender feijão, milho. A maioria usava isto. Balança era muito difícil.

P/1 – E na feira tinha cantador vendendo livrinho de cordel?

R - Tinha. Vendendo livrinho, aproveitava saía uma música qualquer. O pessoal imprimia aqueles cartãozinho e o pessoal comprava isso daí para decorar música. Eu nunca gostei de comprar esse negócio. Não gostava muito de decorar música, não. Já ouvia o pessoal cantar, já ia aprendendo.

P/1 – Você lembra de algum cordel? De alguma historinha de cordel na época?

R - Não. Isso aí, de momento assim, não lembro muito não.

P/2 – O senhor falou de carro de boi que tinha na feira para levar.

R - O pessoal levava de carro de boi. Outro levava, animal, jumento. A maior parte era transportado de jumento. Botava cangalha no jumento, uma espécie de cesto e tocava. E tinha o carro de boi. Eu mesmo, gostava muito de botar o boi no carro e tocar o boi para ir pra cidade. Quando ia buscar coisa a mais e tal. Quando ia buscar ração pras vaca, ia com carro de boi.

P/2 – E como que era? Descreve, assim, o carro de boi.

R - O carro de boi é uma madeira, coloca no varão que eles chamavam, as rodas. Depois tinha a canga, colocava no varão novo do carro, um boi de um lado, outro do outro e ia tocar lá. Às vezes, colocava na roda do carro, bem apertado, para o carro cantar. O carro andava cantando, fazendo barulho. Naquela época, como era jovem, gostava muito de ouvir a roda do carro de boi, cantando. Embora fosse igual como uma cigarra, assim, mais ou menos. E fazia parte da vida, né?

P/2 – Tinha igreja lá na Vila? O senhor...

R - Tinha igreja.

P/2 – O senhor era de que religião, os seus pais eram católicos, os avós.

R - Católico.

P/2 – O senhor freqüentava?

R - Muito pouco. Às vezes tinha os festejos da religião católica, eu ia na cidade, mas não era muito de ficar na igreja, não. Eu ficava brincando na cidade.

P/2 – E procissão, essas coisas, tinha? Passava?

R - Às vezes tinha, eu acompanhava. Às vezes eu falava: “Ah, não vou perseguir a procissão hoje não.” Eu não falava de acompanhar, eu falava de perseguir.

P/1 – E nessa época, entre os 15 e 17 anos, o que as pessoas vestiam, o que o senhor vestia na época? Para ir nas festas.

R - Para ir nas festas, geralmente, usava terno, né? Calça, paletó, camisa, naquela época usava muita gravata, o pessoal gostava muito de colocar gravata para chamar a atenção. E qualquer festa que tinha, usava gravata.

P/1 – A atenção das meninas?

R - É. Que cada festa, usava gravata, né?

P/2 – E as meninas, o que elas usavam?

R - Usava vestido. Naquela época, dificilmente via uma moça com calça comprida. Era tudo vestido.

P/2 – Vestido comprido, vestido curto?

R - Quando era na época de vestido curto, era vestido curto. Quando era na época de vestido comprido, era comprido. Aí quando eu via as moça de vestido comprido, eu falava assim: “Essa aí é já, tá, tá “vaziada”. Vai varrer a rua com essa roupa comprida.”

P/1 – E era difícil se aproximar das meninas? Como é que

R - Não, não era difícil. Era fácil. Falava e tal, né? Agora, às vezes tinha uns amigos que ficava assobiando para a moça, eu falava: “Ah, isso daí é fácil ficar assobiando pra moça, vai lá e fala. Que negócio de ficar assobiando, o que é isso? Vai lá e fala com a menina, seja homem. Se não é homem pra falar, fica calado já de uma vez.”

P/1 – Depois disso, com 17 anos foi que o senhor veio para São Paulo?

R - Não. Já com 19 anos. 18 para 19 anos.

P/1 – E o senhor saiu de lá por quê?

R - Saí de lá para procurar serviço e aventurar.

P/2 – O senhor saiu sozinho? O senhor veio sozinho para São Paulo?

R – Vim sozinho.

P/2 – E como foi? O senhor resolveu sair, como foi?

R - Não. Eu vim porque tenho um amigo que foi daqui de São Paulo pra lá. E vim de Venturosa até Recife com ele. Aí, cheguei em Recife, tinha um tio que morava em Recife e um irmão que já trabalhava em Recife e morava em Recife. Fiquei na casa do meu tio uma semana. Depois, vim para São Paulo, vim de avião. Naquela época, nem luz elétrica não tinha, era candeeiro e tal, pra clarear, pra gente sair. Então, estava escuro ainda, peguei o avião estava quase escuro. Não tinha luz elétrica no aeroporto de Recife, que era o campo de aviação que chamava. Depois fizeram um belo campo de aviação que é o Guararapes. Precisa ver que bonito.

P/1 – Era a pista de terra?

R - Eu saí já estava noite, era cinco horas da manhã, estava escuro, não sei se era terra ou não era. Mas acho que devia ser asfalto, mesmo. Aí não posso afirmar muito. Sei que subi na balança, naquela época, pego avião, a moça veio clareando para ver o peso e tal, para ver quanto pesava. Aí perguntei para a moça: “Quantos quilos estou pesando?” “54 quilos.”

P/2 – E por que pesava?

R - Não sei qual é o motivo. Agora acho que não usa mais, né? Depois disso ninguém me pesou. Naquela época, todos os passageiros que veio foi pesado.

P/2 – E como que era o avião?

R - Eu vim pela Transcontinental, era avião cargueiro. Vim pousando em várias cidades. Ai cheguei no Rio e já peguei avião de passageiro pela Real e vim até São Paulo.


P/2 – O senhor já tinha vindo alguma vez ou nunca tinha vindo?

R - Não. Primeira vez. Depois, voltei lá em dezembro de 60 e voltei em janeiro de 61. Fui de avião também. Fui pela Varig.

P/1 – E quando chegou em São Paulo, já foi logo trabalhar? Ou demorou um pouco para conseguir?

R - Eu fiquei um mês e pouco parado, depois comecei trabalhar lá na empresa de ônibus Vila Galvão e depois tive convite do meu primo pra vim para Araraquara ficar com o bar, porque o meu primo que tomava conta do bar, ele prestou um concurso para fiscal federal para o Instituto do Açúcar e do Álcool e ele não ia deixar o emprego para ficar com o bar. Então meu primo que era irmão dele disse: “Olha, se você gostar, se você se der bem aí com o bar, você fica com o bar.” Aí trabalhei alguns dias e “Não, fico com o bar. Aí comprei.”

P/1 – Isso foi quando?

R - Em 51. Julho de 51, comecei.

P/2 – Voltando um pouquinho, quando chegou em São Paulo, como foi. Tinha parente lá? Tinha os primos lá?

R - Tinha os parente.

P/2 – Então foi direto para casa deles?

R - Fui direto para casa deles. Depois já comecei trabalhar, aí fui para uma pensão.

P/1 – Aonde? O Senhor lembra onde era?

R - Lembro. Morei na pensão em Vila Galvão. Morava, no momento não lembro nem o nome da rua, mais. Que a Vila Galvão tinha, no domingo, tinha um lago lá que o pessoal fazia piquenique lá. Ia bastante gente e quando não estava trabalhando ficava lá, lá perto do lago, na represinha. Tinha o pessoal que ia por lá. Daí o dia que tinha trabalho, estava trabalhando, aí já não dava, porque aí, aquela época tinha muito movimento os ônibus, aí não dava pra ficar brincando, olhando o pessoal que estava passando, na brincadeira, na festa. Piquenique.

P/1 – E o senhor foi para São Paulo para trabalhar como? Qual foi a sua profissão em São Paulo? Primeiro emprego?

R - Trabalhei de cobrador de ônibus.

P/1 – E quantas horas o senhor trabalhava por dia?

R - Oito horas. À vezes faltava funcionário, então, fazia as horas extras. Mas, o horário normal era oito horas.

P/1 – O senhor viu muita diferença da cidade de onde o senhor veio para São Paulo?

R - É um pouco diferente. De uma cidade pequena para uma cidade grande. Mas não foi, teve problema não porque sempre me acostumei. Quando se trata de uma coisa que é melhor, é fácil se acostumar, né? O duro é a gente acostumar com uma coisa que é inferior. Mas quando se trata de uma coisa que é melhor, então é fácil.

P/1 – Nessa época que o senhor estava em São Paulo, além de trabalhar, o que fazia, além dos piquiniques?

R - Trabalhava. Quando tinha folga ia ao cinema. Quando não dava vontade ia dormir cedo. Às vezes ia dar uma volta pra ver se arranjava alguma garota. Fazia parte da vida, né?

P/2 – E o senhor ia muito para o cinema? Dava para ir bastante?

R - Às vezes, estava folgado, não ia trabalhar, então ia cedo no cinema. Ficava lá, entrava de manhã saía à tardinha, à noite. Ficava o dia todo no cinema. Era dia de folga mesmo, então, aproveitava ficar no cinema.

P/2 – Ficava direto?

R - Ficava direto. À vezes, repetia o filme, ficava lá. Ficava assistindo. Às vezes aparecia aqueles garotos que começava fazer barulho no cinema, acho, acompanhava também.

P/1 – Nessa época, o senhor conseguiu fazer grupo de amigos em São Paulo?

R - Fiz bons amigos em São Paulo.

P/1 – Foi fácil? Foi difícil?

R - Ah, foi fácil. É só procurar pessoa e se comportar bem, a gente arranja amizade. Agora, quando eu, a pessoa começa botar dificuldade, aí é difícil fazer amizade, né? Agora, sempre procurei fazer boas amizades. Porque minha mãe falava assim “Você nunca procura amizade com quem você não conhece porque sempre dá, pode dar problema.” Então sempre procurava fazer amizade com gente que achava que merecia ter confiança de fazer amizade. Mas se eu achava que era gente que não era “bonível”, mau caráter eu já despistava. Diz um ditado aqui: “Antes sozinho, do que mal acompanhado.” Então sempre segui isto.

P/1 - E o que lembra de São Paulo? O que chamava a atenção do senhor?

R - Naquela época que cheguei em São Paulo, o que chamava atenção era, foi em 1950, foi quando saiu a televisão. Então, quando tinha folga eu ia, tinha um bar que tinha televisão, então eu ficava lá assistindo televisão, porque era novidade. Que a televisão, não se você lembra, apareceu em São Paulo em 1950. Nem todo lugar não tinha televisão era alguns bares que tinha televisão. Então a gente ficava assistindo. Para mim era novidade. Então tinha um amigo que falava pra mim: “Parece um caixote de cebola que fica passando as imagens dentro.” Falei: “Vai dormir, rapaz. Não está vendo que isso daí é uma televisão, que caixote de cebola.”

P/1 - E onde era esse bar que o senhor ia?

R - Era lá em Jaçanã.

P/1 - Jaçanã. Zona Norte de São Paulo.

R - E às vezes eu estava de folga e assistia na Praça da Sé. Tinha um lugar que tinha televisão, também, e eu ficava assistindo. Lá no Largo São Francisco, tinha um bar também que tinha televisão.

P/1 – Você se lembra o nome do bar lá no Largo São Francisco?

R - Não, não lembro. Não lembro mais. O nome não lembro mais. Sei o local, se for lá sei onde é o local mais, o nome não lembro mais.

P/1 - E depois de trabalhar na Companhia de ônibus veio para...

R - Para Araraquara.

P/1 - Para Araraquara, cuidar do bar do...

R - Que era meu primo. Mas já com promessa de que se gostasse, que eu nunca tinha trabalhado com bar. Também foi fácil para se adaptar, foi fácil.

P/2 - Por que não quis mais ficar em São Paulo? Por que decidiu vir aqui?

R - Por causa do convite do meu primo. Aí achei melhor vim para Araraquara, que ia ficar com o bar, comprar a parte que comprei.

P/2 - O senhor achou melhor?

R - Eu achei que tinha mais progresso. Trabalhar de empregado, né? A gente tem que procurar o que é mais vantajoso. Para ficar estacionado, aí dá problema, né?

P/1 - O que o senhor teve que aprender para lidar com o bar?

R - Não, foi, olhei o meu primo fazer café, já aprendi logo. Vender bebida, trabalhar, fazer sanduíche, muito fácil. Não tem problema nenhum, não tive dificuldade. Foi tudo muito bem.

P/2 - Nessa época o senhor tinha quantos anos?

R - Eu estava com 19 anos.

P/2 - 19 anos.

R - 19 para 20.

P/2 - O senhor ficou quanto tempo em São Paulo?

R - Fiquei um ano e um mês.

P/1 - No bar, quando o senhor começou, o que se vendia?

R - De tudo vendia, era um bar como hoje mesmo. Vendia café, refrigerante, sanduíche, salgados, doce. Perto do bar tinha um Departamento que era D.R., então tinha um senhor que era mão fechada, né? Então ele ia lá e falava: “Ô Pernambuco, quanto é esse doce?” “Tanto.” Olhava e tal: “Quanto é que é mesmo?” “Tanto.” Daí ele se retirava e ia embora, nunca comprava nenhum doce, só perguntava o preço. Eu falava: “Chegou o perguntador dos preços. Gastar que é bom, não gasta nada.”

P/2 - Você lembra o nome dele?

R - Não sei mais se era , ou se era Melo. Mas não sei se o nome dele era esse mesmo. Era um senhor já de idade. Então, tinha um freguês que chamava: “Esse daí é o Durim, não gasta nada.”

P/2 - E onde que era o bar?

R - O bar?

P/2 - É.

R - No mesmo local que é hoje, Avenida Duque de Caxias, 663 Entre a Rua 3 e 2. No mesmo local.

P/2 - No centro?

R - No centro. Hoje tem a Prefeitura, naquela época não era Prefeitura, na Prefeitura não era Prefeitura, era o Teatro Municipal, que tanto que os artistas de São Paulo tavam pra dar show e eu fazia amizade com a turma que tomava conta do teatro, que era funcionário da Prefeitura, tinha uma entrada por trás, né? Então quando vinham dar show, então eu entrava por trás e ia lá assistir, não pagava nada e tal. Me divertia, sem pagar.

P/1 - Quais os shows que o senhor assistiu que o senhor gostou lá?

R - Ah, tem vários shows. Lembro um show com a Dercy Gonçalves. Teve um show com uma moça, uma artista que não lembro o nome. Naquela época dificilmente passei, era umas artistas de ensaio e tal. Então para mim era novidade, então, quase todo dia ia assistir o show. Tinha um artista bom que trabalhava, no momento não lembro o nome dele. Teve aquela Consuelo Leandro, que fazia show em Araraquara. Eu assisti. Teve o Nelson Gonçalves. Assisti no Teatro Municipal. E mais outros artistas que no momento não lembro. Gregório de Barros. Cauby Peixoto. Uma vez veio, o Cauby Peixoto veio no Clube 27 de Outubro, dar um show. E eu fui assistir também.

P/2 - E eles iam para o bar, depois?

R - Depois, iam pro bar. Tinha uma orquestra que naquela época vinha sempre em Araraquara fazer show, Cassino de Sevilha, e às vezes os artistas saíam de lá e iam no bar. No carnaval, por exemplo, porque o Teatro Municipal fazia Carnaval, tinha o 27 e tinha o 22, que era na Avenida Portugal, então ali o bar ficava num, o pessoal ia do 22 para o 27, para o Municipal, passava aí pelo bar. Ficava bem movimentado.

P/2 - O 22 e o 27 eram clubes?

R - Era clube. O 27 mudou, o local dele era na Rua 9 de Julho, entre a Avenida Espanha e a Feijó. O 22 de Agosto ficava na Avenida Portugal ali ante aquele Edifício. Depois mudou para Avenida Brasil e está hoje até lá. E tinha Clube Araraquarense também, que é aquele mesmo local onde está hoje, na Rua Três, que passa na Prefeitura. Porque naquela época não tinha a parte lá de cima que hoje é onde é, antigamente tinha lá o Tênis, que o pessoal ia lá para fazer, tinha as piscinas e tal, né? Hoje os bares são tudo feito lá e tudo mais, né? Que no momento, ele está reformando e está fechado a sede, o Clube Araquarense.

P/2 - O senhor ia lá?

R - Às vezes, eu não era sócio, mas às vezes ia lá de furão, entrava lá e ficava lá. Fazia amizade com o porteiro e tal e ficava lá sapeando.

P/1 - O senhor se lembra como era a cidade nessa época? Em 1950, 51, né?

R - É, 51. Por exemplo, o centro da cidade mesmo não era asfaltado, era paralelepípedo. A rua era estreita, foi alargada depois, começou com Rômulo Lupo. Quem começou a alargar a rua foi Rômulo Lupo, depois os outros prefeitos foi continuando. A Cepatel ali onde é o cemitério hoje, até o cemitério era só paralelepípedo, pra trás era tudo mato. Não tinha casa, não tinha nada. A Vila Xavier, por exemplo, até na Igreja Santo Antônio era, tinha paralelepípedo, para passar na igreja , não tinha. A igreja mesmo não tinha asfalto, não tinha nada. Já ficava mesmo é na terra. A Igreja do Carmo também não era asfaltada. A São Geraldo também não tinha asfalto, a Igreja São Geraldo, era feito na terra. Não tinha asfalto, não tinha paralelepípedo. Depois foi indo foi, até a Rua Oito, que é a Voluntários da Pátria, ali era asfaltado, mas para a Nove já não era asfalta, era paralelepípedo, mas a Nove já não era, era terra. Sei que a cidade era pequena, né?

P/1 - O senhor se lembra dos carros na época?

R - Os carros era, carro nacional não tinha, era tudo importado. Era Ford, Chevrolet, depois apareceu o Studbaker, pessoa de posse comprava ele.

P/1 - Nessa época, o senhor freqüentava os bailes de Carnaval, os bailes de ...

R - É freqüentava. Tinha o baile de Carnaval da Ferroviária, freqüentava a do 22, 27. Sempre freqüentava. Tinha um baile de Carnaval que fazia ali onde é o Parque Infantil, e gostava muito, ia ali, não pagava nada, e passava muito Carnaval lá.

P/1 – Nesses bailes o senhor conheceu, era onde se namorava antigamente?

R - É, no baile a gente arranjava namorada e tal, né? Eu mesmo achei, foi ser a minha esposa, terminei casando, no 27, no Carnaval.

P/1 - Conheceu ela no baile de Carnaval?

R - No baile de Carnaval. No Clube 27 de Outubro. Comecei a brincar no Carnaval com ela e depois passei a namorar e terminei casando.

P/2 - Como foi que o senhor conheceu? Ela estava no baile e o senhor também,

R - Ela estava no baile com a irmã, aí convidei ela para brincar, ela aceitou e daí surgiu o namoro. Naquela época, fui bem sucedido que fiz um bom casamento, tanto que fiquei viúvo, não casei mais porque dificilmente vai arranjar uma pessoa igual a ela. Então já desisti. Foi o motivo de, até hoje estou viúvo. Casar uma vez já é difícil, casar a segunda já, o pessoal fala que é burrice, né? Eu acho que não é. Em todos os casos.

P/1 - E como eram esses bailes?

R - O baile não era como são hoje. Hoje é conjunto. Naquela época era mais orquestra, baile de Carnaval, a maior parte era orquestra que tocava nos bailes de Carnaval. Tinha uma orquestra que gostava muito, era uma orquestra que tocava bem, era a Orquestra Marabá. Tinha outros tipos de orquestra.

P/2 - A Orquestra Marabá era daqui?

R - Era de Araraquara, mesmo. Tinha uns moço que morreram quase todos já. Acho que não tem ninguém vivo mais. Era umas das orquestras melhores que tinha na cidade.

P/2 - O senhor também conhecia o pessoal?

R - Conhecia. Quase todos eles eram meus clientes. Freqüentava o bar.

P/2 - Como era o bar? Como era o balcão, essas coisas como era?

R - Quando comprei não era assim, depois que fiz aquela reforma coloquei o balcão de madeira, com mármore em cima. Depois aqui fiz a reforma, aliás foi o segundo bar de Araraquara que fez com fórmica, foi o meu bar, foi o segundo.

P/2 - Qual foi o primeiro?

R - O primeiro foi o, abriu uma, tipo pizzaria, na Avenida Portugal, mas também durou pouco tempo, fechou. O por quê, não sei. E fui o segundo.

P/2 - E tinha mesinha? Tinha mesa?

R - Tinha. Antes, era mesa de madeira com mármore em cima, depois troquei para mesa com fórmica. Foi feito em 55, fiz essa reforma, e está lá até hoje.

P/2 - Aí o senhor nunca mais mudou?

R - Não, não mudei mais. Já tá bom demais, pra arranjar mais trabalho, pra quê? Mais dor de cabeça.

P/1 - Como é que o senhor chamava a freguesia? Como arrumava freguesia para freqüentar o bar?

R - Ah, eu, a turma ia lá porque gostava, né? Eu tenho cliente que desde aquela época, até hoje freqüenta. Tem muita gente que é freguês até hoje.

P/2 - Tinha propaganda? O senhor fazia?

R - Não.

P/2 - Nada?

R - Nunca fiz propaganda. Eu tenho muitos cliente que freqüenta até hoje. Sempre tão lá, às vezes vão de manhã, às vezes vão tarde, às vezes à noite. Uns já estão velhinhos, outros já morreram. Tá participando.

P/2 - E tinha alguma coisa que o senhor vendia que eles gostavam muito? Que eles iam lá no seu bar e pediam sempre aquilo?

R - É sempre aquilo mesmo, nunca mudava. Na época de Carnaval sempre a gente fazia muito era, batida de limão, chamava chibóca, então a turma, bebia aquilo lá e saía para brincar no Carnaval, enchia a cara depois saía para brincar no Carnaval. Naquela época eu já brincava e dizia “Pra brincar o Carnaval não precisa encher a cara, não precisa beber nada, vai lá e brinca, arranja uma companheira pra brincar, vai agora precisar encher a cara?” “Não, uma pinguinha é bom, porque dá mais entusiasmo. Fica com mais força para falar com a moça.” Esse negócio de beber para ficar com mais força para falar com a moça, não precisa de nada disso, isso é tolice.

P/1 - Quem mais freqüentava o seu bar?

R - Ah, uns amigos freqüentava. Naquela época, tinha a Casa Barbieri, tinha muitos funcionários então às três horas da tarde eles saíam para fazer lanche. E era o bar mais perto ficava ali, o pessoal ia tudo lá no bar. Ficava lá das 3 horas até às 4 horas, então era o horário que dava mais movimento. De manhã, às 10 horas da manhã, também dava bom movimento. E a gente ia levando, como até hoje estou lá, tocando.

P/1 - Tinha gente que fazia muita bagunça?

R - Tinha. Mas era bagunça, não era como hoje. Fazia bagunça, tal e eu já falava: “Olha, vamos manerar.” E o pessoal obedecia, não formava atrito, nada. Até porque era tudo amigo, né? Então sempre, eu sempre mantive, falava para os clientes: “Olha, manera porque esse negócio de bagunça exagerada já é passado, isso daí já não serve.” Então sempre procurei, falava: “Você respeite para ser respeitado.” Então sempre fui respeitado, o pessoal brincava e tal, mas dentro dos limites, nunca tive problema.

P/1 - E qual é o horário de funcionamento do bar?

R - Naquela época abria de manhã, às 7 horas e muita gente ficava até às 4 horas da manhã. Chegava depois da meia noite, com os amigos e tal, estudantes, e ficava até às 4 horas da manhã. Teve uma passagem de ano, natal, cheguei às 7 horas da manhã e saí no outro dia às 7 horas da manhã, fiquei a noite toda trabalhando.

P/2 - E foi bastante gente no Natal lá?

R - Ah, tinha. Tinha bastante gente. Aí, quando chegava lá pras 4 horas aparecia aquele pessoal que estava nos baile e tal, né? Aí já estava tudo com a cara cheia, aí falava: “Eh! Tá com a cara cheia.” Tinha um bom ditado “Quando a pessoa bebe demais, vai pra casa pra descansar e não dar trabalho para os outros.”

P/1 - Naquela época, logo que montou o bar, as mulheres freqüentavam também?

R - Freqüentava. Só que tinha muita moça que falava que não gostava de ir lá porque o pessoal falava que bar não era para moça e tal, falava: “Ah, o que tem isso. Bar é para homem, moça, jovem, todo mundo. Não tem problema nenhum.” Naquela época, você não via uma moça ou senhora acender um cigarro na rua ou até ir no bar pra fumar. Ela comprava cigarro, pedia para embrulhar, para levar, porque ninguém sabia que ela fumava. Hoje não, hoje está liberado. A moça fuma na rua ou fuma em qualquer lugar, não tem problema. Acho que o direito é igual, né? Tanto um homem pode fumar como uma moça pode fumar, ou uma senhora, não tem problema. Mas naquela época não, inclusive, às vezes, tinha uma moça que ia tomar um aperitivo qualquer “Põe escondido para ninguém ver.” Eu falava: “Ah, vá, pra quê escondido. Você é maior de idade.” “Não, porque não posso beber, sou moça e não fica bem uma senhora beber no bar.” É, tudo é igual, não tem problema nenhum. Eu sempre achei que não tinha problema, porque o meu interesse era para vender e achava que também uma moça, uma senhora tinha o mesmo direito de um homem, de um rapaz, o que é que tem? É normal.

P/1 - O senhor vendia bebida alcóolica, salgadinhos e o que mais?

R - Café, cerveja, às vezes fazia refrescos.

P/1 - Tinha sorvete?

R - Tinha. Tinha uma sorveteria no meu bar, fabricava sorvete. Depois parei também, muito trabalhoso, tal e trabalhei com isso enquanto minha senhora estava em frente, fazia sorvete, depois fiquei sozinho, parei. Porque aí era difícil para fazer muitas coisas sozinho. Comecei trabalhar com sorvete das companhias e parei de fazer, de fabricar.

P/2 - O senhor fazia sorvete do quê?

R - Fazia sorvete de laranja, limão, abacaxi, fazia um sorvete que era muito procurado, chamava, creme do Pará.

P/2 - Do que era?

R - Creme do Pará eu fazia com leite, creme para dar cor e comprava umas frutas importadas e colocava, botava na batedeira e fazia o sorvete. E vendia muito bem.

P/2 - E tinha torta, essas coisas, o senhor vendia?

R - Torta também. Tinha. Tinha Toddy, suco de tomate. Quando comecei não tinha nem liqüidificador, então tinha um negócio, a batedeira dele sempre botava o leite, o Toddy o açúcar e batia. Colocava naquela caneca, como se fosse uma batedeira, então ligava e batia. E depois, veio o liqüidificador.

P/2 - E torta, doce?

R - Tinha também.

P/2 - Quem fazia?

R - Não. Eu comprava da padaria. Tinha uma confeitaria que trabalhava muito bem com doces e comprava. Naquela época, vendia muito bem doce.

P/1 - As crianças iam lá comprar alguma coisa?

R - Ia. Ia muita criança.

P/1 - O que tinha para as crianças?

R - Para criança tinha doce, balas, refrigerantes.

P/1 - Quais eram os refrigerantes que...

R - Naquela época , vendia mais era, tinha Cotumba, não existe mais.

P/1 - O que era isso? Tubaína?

R - Tubaína, nunca trabalhei com Tubaína. Trabalhava com a Mimosa, depois a Mimosa parou de fabricar em garrafa, fabricava só aquele... então a gente, estou trabalhando com uma empresa que vem de Jaboticabal que é mais ou menos que nem a Mimosa.

P/1 - A gente vai no seu bar, a gente vê que lá tem um monte de cartaz de futebol, não é? Quando começou esse negócio de colocar cartazes de futebol, notícias de jornais de futebol?

R - É que tinha um rapaz que trabalhava na gráfica, e ele era palmeirense e ele percebeu que eu não gostava muito de torcer para o Corinthians, né? Então saiu aquela história do jogo tal e ele fazia e levava lá. Eu torcia para a Portuguesa, que em 1956, jogava a Portuguesa e o Palmeiras, numa noite, numa quarta-feira; e eu tinha um amigo que tinha um escritório do lado, que até hoje é meu amigo, então ele veio tomar café e tal e falou: “Oh! O Palmeira está ganhando da Portuguesa de 6 a 4.” Não, 4 a 2 era, e eu falei: “E porque acontece isso, já acabou o jogo?” “Acabou o primeiro tempo.” Eu falei: “Mas pode virar o jogo, pode ganhar o jogo ainda.” “Não tem condições, você não viu que na frota do português tem uma mulher?” eu falei: “Tem uma moda do Luís Gonzaga que fala: ‘Paraíba, mulher macho sim senhor’ pois a Portuguesa pode dar uma de mulher macho e ganhar o jogo, e daí.” “Ah, não acredito.” Daí começou o segundo tempo, entrou um jogador da Portuguesa um tal de Babazinho e marcou o terceiro, então esse mesmo jogador marcou o quarto, empatou. E marcou o quinto e o sexto e ganhou o jogo de 6 a 4. Eu dei a volta no balcão, fui lá no escritório do amigo, que até o nome dele é Arnaldo Frigo, cheguei lá, abri a porta e tal, entrei, peguei uma cadeira, subi em cima do balcão e falei: “Vou dançar um frevo aqui em cima do balcão em homenagem à vitória da Portuguesa.” “Que, a Portuguesa não ganhou.” Eu falei: “Ganhou.” “Não, não ganhou.” Eu falei: “Ganhou de 6 a 4, vocês ficaram reparando , continuou marcando gol, ganhou de 6 a 4.” Daí dei uns passos de frevo em cima do balcão, ele falou: “Você está ficando louco.” Eu falei: “Não, não estou ficando louco, não. Estou me divertindo.” Aí comecei chamar a Portuguesa de machona do Canindé. Porque ele falou que ela não era macho para coisa, que era mulher e tal. Eu falei que pode ser que tem uma mulher macha, que é do Luís Gonzaga e tal. Aí aproveitei o gancho e comecei chamar a machona do Canindé. Até hoje, todo mundo me chama e fala: “E a machona, ganhou ou perdeu?” Eu falo: “Ganhou. Perdeu.” Às vezes quando ela perde eu falo: “É, nem sei se ela jogou.” E a gente vai levando.

P/1 - O senhor acha que esse negócio de torcer para a Portuguesa, ter aqueles cartazes lá, ajudou bastante vim, é, discutir futebol no bar ajuda a subir cliente?

R - É ajuda. Ajuda, porque muita gente, por exemplo, a Portuguesa ganhou o jogo, daí o pessoal passa aí para ver se coloquei cartaz alguma coisa. Agora, também, estou mais relaxado, não estou mais colocando cartaz. Então o pessoal vem ver o cartaz que tinha colocado. Às vezes o Corinthians perde e coloco o cartaz e tal. Uma vez fiz uma torre ali em cima do balcão com mais de um metro, cada vez que o Corinthians perdia colocava uma caixa com dizeres. E foi pondo aqueles cartazes, e o pessoal falava: “Que é isso aí? É a Torre Eiffel?” Um dia eu estava mexendo lá e a Torre caiu, aí não coloquei mais. Mas ficou bastante tempo. É, cada jogo que fazia eu botava um dizer na caixa e colocava uma em cima da outra. Ia colando. Depois, estava muito alto já e eu falei: “Ah! eu não vou mais perder tempo com esse negócio aí, não. Chega já.” E um dia eu estava mexendo, estava em cima de um baleiro que tenho, tinha um baleiro e tal, então colocava em cima e foi subindo aquela, ficou até alto. E depois, desisti de colocar os dizeres lá. Às vezes, coloco cartaz lá “Corinthians pau de fumo” o pessoal fala: “Mas por quê pau de fumo?” “Porque em 1977, vocês pararam o campeonato e melaram o campeonato, então, não é ‘melaram o campeonato’ que vocês falavam?” “É.” “Então, parou o campeonato, melou o campeonato. Na minha terra que nasci e me criei tinha um senhor que vendia fumo, e ele pegava aqueles pau limpo, branquinho, enrolava o fumo e colocava melado para o fumo, ficava macio. Depois de dois ou três dias, aquele pau estava tudo sujo, tudo melado. Então, a gente chamava pau de fumo, então melou o campeonato é pau de fumo.”

P/1 - O senhor fazia, os seus clientes, lá, fazia caderneta, anotava a conta? Fiado?

R - É, fiado tem muito pouco.

P/1 - Mas tinha antes?

R - Antes tinha um pouco. Eles eram funcionários do comércio e tal, a gente vendia um pouco de fiado. Mas para gente que a gente achava que tinha condições de pagar, porque o fiado é o seguinte, ele começa comprar fiado, se ele pode gastar 10 reais ele já quer gastar 20, 30, depois não pode pagar mesmo, né? Porque tem um ditado “Quem gasta mais do que ganha, quase sempre é caloteiro, né?” Esse é o negócio mais sério. Eu tinha até uns cartaz naquela época que eu colocava lá: “Quem gasta mais do que ganha, quase sempre é caloteiro.” Porque é a realidade, se for ganhar “x” e gastar mais, não tem daonde sair. Como vai pagar? Não tem condições.

P/1 - E o senhor tomou algum calote já?

R - É, muito pouco. Há pouco tempo um camarada ficou devendo um negócio, depois, morreu, esse, coisa pouca. Morreu de uma hora para outra, estava bom. Também é coisa que não tem problema. Para vender fiado, tem que saber para quem vai vender, né? Porque senão, aí não dá, aí á calote, como você falou, na certa.

P/1 - O senhor se lembra das marcas que o pessoal mais gostava de pedir?

R - Cigarros, por exemplo, o quê?

P/1 - Cigarro, bebida,

R - A bebida aqui que sempre vendeu mais era cerveja Antártica, guaraná Antártica, a coca cola que sempre foi, sempre comandou o comércio, é a pioneira no ramo. A Brahma, naquela época, o que vendia mais era a Brahma e a Antártica, porque as outras cervejas quase não tinha. Tinha cerveja que vinha, tinha a Pocker, vinha e vendia bem também. Tinha a cerveja Paulista, Tinha a Caracú que sempre vendia bem. E o cigarro que se vendia mais naquela época era o Lincon Continental, Hollywood, era o cigarro que vendia mais.

P/2 – E bebida destilada? Destilada, tinha o quê?

R - Destilado? Naquela época vendia muito era pinga Pirassununga 21, era a pinga que vendia mais. Tinha uma pinga aí de uma cidade que era Providença e vendia muito bem. Vendia mais.

P/2 – E tinha outras coisas, assim, conhaque?

R - Tinha, Conhaque Palhinha. Naquela época não tinha o Conhaque Dreher, o que vendia mais era o Conhaque Palhinha, aquele Conhaque São João da Barra, tinha um conhaque chamado Luís XV, era os conhaque que vendia mais. Então tinha o Martini, já naquela época vendia o Cinzano, pinga com Cinzano, que o pessoal chamava de rabo de galo. Que até hoje fala muito pouco, mas naquela época era: “Me dá um rabo de galo.” Então, era pinga com Cinzano. Outro chegava lá, acho que ficava com a cabeça meio quente, não sei o quê, e falava: “Me faz uma ‘farmácia’.” Então eu misturava pinga, vermute, conhaque, licor de cacau e groselha, fazia aquela misturada e falava: “Olha aí, tá a ‘farmácia’. Vai encher a cara que você vai ficar bom.”

P/2 – E o senhor tinha funcionário?

R - Tinha. Tinha muito garoto que trabalhava lá.

P/2 – Até hoje tem?

R - Hoje tem um rapazinho e tem a minha filha que me ajuda lá. Naquela época tinha uns três, quatro garotos, sempre que trabalhava.

P/2 – O que eles faziam?

R - Faziam de tudo. A parte da limpeza, atendia cliente, lavava copos, o que precisava fazer, fazia. Há pouco tempo o Jornal o Imparcial fez uma reportagem comigo, então, tinha um ex-funcionário que trabalhou comigo, pelo que ele diz foi em 1971, veio fazer uma matéria e tal e ele lá nos Estados Unidos, pela Internet ele pegou e mandou uma correspondência para mim, falando: “Eu sou aquele garoto que trabalhou, não lembro a data, mas foi quando inaugurou o Viaduto da Duque de Caxias e eu trabalhava com o senhor e tal.” Aí lembrei que o viaduto foi inaugurado em 1971. Quando vi ele trabalhou, ele estava lá no Estados Unidos, na cidade de Boston e mandou essa correspondência para mim. Só que interpretei, que tinha um que trabalhou comigo na mesma época que ele foi para Brasília e pensei que fosse ele, mas não foi. Depois ele pegou o jornal que publicou qualquer coisa e tinha falado que ele tinha ido para Brasília e ele falou que não foi aquele que tinha ido pra Brasília, vim para Boston, Estados Unidos. Eu sou aquele assim, assim.

P/1 – Atualmente, hoje, o que as pessoas mais gostam de beber? Quais são as marcas preferidas?

R - É, nós estamos numa época que o pessoal não tem preferência mais. Um dia toma uma bebida, outro dia toma outra. O cliente entra no bar então, vê um outro cliente que está com uma cerveja, por exemplo, Antarctica, ele olha no balcão é Antarctica e fala: “Dá uma Antarctica.” Depois outro chega e vê, tem um tomando uma Brahma, é o único que está tomando Brahma, chega na mesa e fala que quer a Brahma “Me dá uma Brahma.” E assim por diante, não tem mais, ultimamente já não tem a preferência. Antigamente já tinha aquela preferência, tomava aquela cerveja e era aquela mesmo, não mudava. Hoje já está, já misturou tudo, o pessoal já não tem mais aquele paladar como era antes, eu sei lá.

P/1 - E quando tem alguma propaganda de cerveja, assim, mais forte, uma campanha de uma cerveja, o senhor sente que aquela cerveja vende mais?

R - É, sempre aumenta a venda. Quando tem promoção, qualquer coisa. Sempre a venda aumenta. Porque diz que a propaganda é a alma do negócio, então é a realidade.

P/1 - Falando em propaganda, o senhor já fez alguma propaganda do bar?

R - Não. Nunca fiz.

P/1 - Nunca? Nem jornal, rádio, nada?

R - Nunca fiz. Uma vez, há muitos anos atrás, que o representante da Folha de São Paulo, que ele era meu vizinho, então ele pediu: “O, é aniversário da cidade você quer fazer uma propagandazinha na Folha de São Paulo? Fica baratinho, fica tanto.” Eu falei: “Então faz.” Foi a única vez que eu fiz.

P/2 - E como que foi? O que saiu escrito, como foi?

R - Bar Café São Jorge, bebidas alcóolicas, refrigerantes, café, pra mim não aumentou nada a venda com isso daí.

P/1 - O senhor se lembra de alguma época que ganhou dinheiro, foi muito, teve muita venda no seu bar? Alguma época, algum ano, algum mês que estourou a venda, que vendeu mais do que o normal?

R - A época que vendi mais que o normal foi em 1954, mês de dezembro. Foi o mês que vendi melhor.

P/1 - Que o resto, até hoje?

R - É, pelo menos a base que apresentou de lucro foi, bateu o record até hoje, foi esse ano 1954 em dezembro.

P/1 - Porque que foi bom?

R - Foi o mês que vendi mais.

P/1 - O senhor consegue se lembrar por que vendeu mais?

R - Não. não lembro. Eu sei que foi um mês que vendi muito bem.

P/1 - Então, queria que o senhor contasse a história do Sartre.

R - Ah, o Sartre, ele chegou lá no bar, junto com três professores, pediu café, tem um professor pediu água mineral, tomaram café e tal, ficaram conversando. Depois chegou outro professor, não lembro o nome: “É, não vou tomar café, não. Vou tomar um conhaquezinho.” Daí ele tomou conhaque e tal, ficaram conversando e depois o Sartre pegou uma nota de 100 peso chileno. Mas ele, mais por brincadeira, porque no Brasil, naquela época, não circulava dinheiro do exterior. Então eu falei: “ Anota essa nota aí.” Ai o outro falou: “Quem vai pagar sou eu.” Pegou e pagou, aí ele falou: “Já que você não queria receber a nota, fica para você de presente essa nota aí.” Eu sei que a nota está comigo até hoje.

P/1 - E o senhor sabe o que o senhor Jean-Paul Sartre veio fazer aqui?

R - Ele veio parece que, parece que era professor Faustino, não sei como é que é que, estava muito ligado com ele, com a França, com ele qualquer coisa e tal e ele veio. Para fazer esta palestra com, o professor naquela época era, professor de filosofia, né? Ele veio até Araraquara. Veio ele e a senhora dele, parece. Ficaram aqui em Araraquara uns dois ou três dias, não sei.

P/1 - E os estudantes, os professores das faculdades freqüentavam?

R - Freqüentava. A turma da Faculdade da Filosofia, eles freqüentavam muito o bar. Era de manhã, à tarde, à noite. Às vezes ficava até duas horas da manhã. Tinha uma turma muito boa, uma garotada, então a gente ficava agüentando eles até umas 3 horas da manhã, 4 horas. Hoje têm uns que são médicos, outros são advogados.

P/1 - E eles continuam freqüentando o bar?

R - Tem uns que freqüentam. Tem um amigo que mora no Rio de Janeiro, há poucos dias ele apareceu lá. Chegou, parou “Oh! Você está aqui ainda?” Eu falei: “Eu não morri, é lógico que estou aqui. Se tivesse morrido não estava mais aqui, mas ainda estou vivo.” Aí ele bateu um papo comigo e tal, ficou de voltar depois, mas depois dizem que teve que voltar para o Rio, não voltou mais. E tem um que hoje é médico e mora em Ribeirão Preto. Há uns dois ou três anos atrás ele, um amigo telefonou pra ele lá do bar mesmo e eu falei com ele “Ah, qualquer dia vou aí tomar um café.” Mas não apareceu, também.

P/1 - O senhor se lembra na época da ditadura, da revolução. O senhor se lembra de alguma coisa assim,?

R - É eu lembro de alguma coisa..

P/1 - Alguma coisa que aconteceu lá no bar, que os estudantes falaram?

R - Não aconteceu nada, não. A turma de estudante que ia lá, brinca e tal, um dia apareceu um policial: “Vocês são subversivo, não sei o quê.” quis formar atrito com os estudantes e tal, mas, depois acalmou e ficou tudo normal. O policial achou que os estudantes estavam certo. E teve um policial que, na época começaram falar que ele bebia e tal, então vendi a bebida, parece que era um tenente, não sei, do DOPS. Então, ele: “Eh! Essa bebida está fora do preço.” Falei: “Não sei qual é o preço, o preço que estou vendendo é esse.” Aí falei: “Parece que o senhor é subversivo.” “Subversivo, não. Eu sou do DOPS, combato essa classe de gente.” Falei: “Então tudo muito bem. Você combate, então, está tudo bom. Retiro o que eu falei.” Eu não vou criar atrito com policial, né, ainda mais que era um tenente, não sei o que lá, né? Então procurei maneirar e tal, “tudo bem!”.

P/1 - E o senhor se lembra de algum caso, alguma coisa que tenha acontecido na cidade, nessa época da ditadura?

R - Não. Porque Araraquara foi sempre uma cidade calma, não tem esse problema.

P/1 - E 1970, na época que o Brasil ganhou a Copa do Mundo, terceira vez, o tri-campeonato, o senhor fez alguma coisa no bar?

R - Não, não fiz, porque para evitar o excesso de festejo, até fechei o bar naquele dia. Terminou o jogo, fechei o bar. Fui para a casa. Porque percebi que o pessoal estava muito exaltado, falei: “Ah, não vou arranjar confusão, vou descansar que é melhor.” E fechei o bar e fui para a casa.

P/1 - E nas outras Copas?

R - Em 58, o último jogo do Brasil terminou era uma hora da tarde, mais ou menos, eu estava com o bar aberto, foi tudo calmo, não teve problema nenhum, eu estava ouvindo o jogo pelo rádio, porque naquela época não tinha televisão aqui em Araraquara, em 58, teve o jogo prorrogado e tal, terminou o jogo, era um domingo à tarde, aí fechei o bar, fui para a casa, não tinha carro na rua, não tinha nada, não tinha barulho, não houve desfile de carro, não houve nada. Tudo normal. Depois, em 62 a mesma coisa. Agora em 70, o pessoal estava mais entusiasmado e tal, percebi que para evitar algum problema, já fechei o bar. Tava meio cansado, falei: “Ah, vou descansar.”

P/1 - E depois nas outras Copas? Você chegou a abrir o bar?

R - Nas outras Copas abri. Não teve problema, tudo normal.

P/1 - Você colocava televisão no bar para ver o jogo?

R - Colocava, a primeira vez que a televisão foi instalada aqui em Araraquara, coloquei lá no bar, eu coloquei lá no bar. 1960. 59/60. Teve uma Copa aquela época, então coloquei a televisão, 1960, 59 – 60.

P/1 - Foi a segunda televisão de Araraquara?

R - Foi a primeira que vendeu aqui em Araraquara, foi pra mim. Até comprei na loja que era Mercantil do Lar, que era um amigo, Oscar Palamoni ele me vendeu a televisão e tal, foi um funcionário, Luís, não lembro o sobrenome dele, ele foi lá, pegou a madeirite lá, colocou lá na coisa, a televisão lá. Ficou funcionando bastante tempo.

P/1 - O senhor se lembra a marca?

R - Era Ribratel.

P/1 - Ribratel?

R - Até tenho essa televisão em casa até hoje. Só que não funciona, né?

P/1 - O senhor usou máquina registradora?

R - É tenho até hoje máquina registradora.

P/1 - Do começo, foi a primeira que o senhor teve?

R - É, foi a única que tenho até hoje, está funcionando. É uma máquina registradora National. Até hoje ela funciona.

P/2 - E é a mesma?

R - É a mesma. Nunca deu defeito, nunca teve problema. Porque acho que se comprar agora, depois de um certo tempo já começa dar defeito, né? Porque agora o pessoal, é tudo descartável Já fabrica mesmo para...

P/1 - Qual que é a diferença dos clientes de antigamente e dos clientes atuais? O público que freqüenta o bar?

R - Ah, não há muita diferença, não. É quase a mesma coisa, vamos dizer assim. Não tem muita diferença, não. Tudo amigo, tudo pessoa que sabe se comportar.

P/1 - E o pessoal vai no bar por quê?

R - Porque ou precisa comprar alguma mercadoria, ou tomar café, ou tomar aperitivo, ou comprar um cigarro, então, eles vão ao bar.

P/2 - E drinks o senhor faz?

R - Quando o cliente pede, a gente faz.

P/2 - Quais são os drinks que o senhor faz?

R - É, tem um misturado, conhaque com Cinzano. Antigamente vendia muita Cuba Libre, aquela coca, que era rum com coca cola, com limão. Hoje, por exemplo, se a pessoa pede uma Cuba Libre, a gente faz, continua fazendo.

P/1 - O senhor tem estoque no seu bar?

R - Antigamente a gente tinha que trabalhar com muito estoque, agora já, como nós estamos numa época que não existe mais inflação, então não há motivo para a gente fazer estoque, porque a mercadoria não sobe, então não é, então o estoque é pouco.

P/1 - E na época de inflação, que mudava muito o valor do dinheiro, era difícil de trabalhar?

R - Não, era fácil. Eu tinha muito estoque de mercadoria porque comprava e ganhava, o lucro era um negócio ilusório, que, o mês que vinha estava custando o dobro, praticamente. Mas, aparecia o lucro, mas quando ia comprar já estava custando o dobro, então a gente sempre comprava estoque, que ganhava na compra. Apesar que não aparecia muito. Porque inflação é o seguinte, mais é ilusão, né? Comprava uma coisa hoje, vende mais caro, mas quando vai comprar, tá do mesmo tamanho. Então...

P/1 - E os clientes não se confundiam, com a mudança de moeda?

R - Com a mudança de cruzeiro novo para, coiso, o pessoal fazia confusão. De cruzeiro para cruzeiro novo, depois veio o segundo cruzeiro novo. Passei por todas essas diferenças, né? Foi o Castelo Branco que fez essa mudança de cruzeiro novo.

P/1 - E os clientes comentavam da vida com o senhor?

R - Tinha uns que comentavam. Alguns comentavam. Outros não.

P/1 - E o que o senhor fazia, escutava, dava conselho?

R - Escutava, às vezes quando falava um negócio que achava que não estava certo eu falava: “Isso daí não está certo. Não é como o cara pensa, é como tem que ser. Você pensou uma coisa mas não é isso. Tem que ver a realidade qual é que é.” Porque não adianta pensar uma coisa e querer ser aquilo que ele está pensando.

P/1 - O senhor acha que teve alguma pessoa que o senhor ajudou, nestas conversas de bar?

R - Eu tenho uma pessoa que ajudei, procurei ajudar. Porque acho que, o meu ditado, a melhor coisa que a gente faz é “se puder ajudar, ajuda, não procurar atrapalhar.” Sempre que puder, ajudar, porque atrapalhar é um negócio que é meio complicado. Se pode ajudar muito bem, se não pode ajudar, também não atrapalha. Eu sempre, minha filosofia foi esta: procurar ajudar, não prejudicar, porque isso daí, você não deve prejudicar ninguém. Ninguém tem o direito de prejudicar ninguém. Eu acho, pelo menos penso assim, né? Agora tem gente que já pensa ao contrário, sente bem quando vai prejudicar alguém. Meu sistema já é diferente.

P/1 - E, vamos falar um pouquinho de empregado, como eram os seus empregados? Foi fácil cuidar de empregado, foi difícil trabalhar com empregado?

R - É difícil, trabalhar com empregado é difícil.

P/1 - Por quê?

R - Porque o empregado sempre arranja muita coisa, muita dor de cabeça. Muita mudança de lei, mas sempre, funcionário sempre dá muito problema. Apesar que nunca tive problema com funcionário. Eu sempre procurei resolver, às vezes o empregado saía ou precisava mandar embora, eu falava: “Pode ver os cálculos,” que é o que ele tinha direito e tal: “Seu negócio é ter isso e isso”, então já procurei acertar de acordo com o que ele tinha direito que era para evitar de ter reclamação no departamento de trabalho, na Junta Trabalhista. Sempre procurei resolver os problemas entre funcionários.

P/1 - Mas sempre foi difícil ter empregado?

R - Sempre é. Sempre é difícil. Porque têm uns que são bons, têm outros que não são bom. Mas a gente vai levando, né? A gente vai levando de acordo com, de acordo com a música que toca a gente dança, não é isso? Então, tem que seguir.

P/1 - O que é um empregado bom para trabalhar no seu bar?

R - O empregado bom é aquele que cumpre com as obrigações, respeita o cliente, não chega atrasado, procura manter o horário dele, é o principal.

P/1 - E atualmente o senhor ainda fica bastante no balcão?

R - Fico, geralmente, fico da manhã até nove horas, nove e meia, no máximo dez horas já fecho. No domingo, porque 42 anos abrindo aos domingos e feriados, falei: “Tssãã, vou parar de trabalhar aos domingos e feriados porque o que tinha que fazer já fiz.” Eu acho que já cumpri muito bem a minha obrigação, meus filhos já estão criados, então não vou mais trabalhar no sábado e domingo, parei de trabalhar. Faz três para quatro anos que parei de trabalhar no domingo.

P/1 - E quem é que trabalha com o senhor, atualmente, no bar?

R - Tem um funcionário e tem a minha filha que trabalha aqui, me dá uma mão.

P/1 - Qual filha que é?

R - A Gislaine.

P/2 - Quantos filhos o senhor tem?

R - Quatro filhas. Tenho duas casadas e duas solteiras.

P/1 - E netos, quantos netos o senhor tem?

R - Um neto e uma neta. A Verônica e o Lucas.

P/1 - E o senhor gostaria que eles fossem comerciantes?

R - Olha, do jeito que está o comércio, acho que, não aconselho muito o pessoal entrar no comércio, não. Principalmente essa época que está, atualmente, não aconselho entrar no comércio, não. Está muito difícil o comércio, não está fácil.

P/1 - Nesses anos todos que trabalhou no bar, o que o senhor aprendeu? O que acha que tirou de lição de vida desses tantos anos que trabalho no bar?

R - Pra mim? É normal, né? Adquiri muita experiência na parte do comércio. Fiz umas coisas boas, muita coisa de deixar a gente contente, muita coisa de deixar chateado. E vai, mas faz parte do comércio. E a gente vai levando.

P/2 - Tem uma coisa que deixou o senhor mais, o que lembra assim, que o deixou mais chateado e o que deixou mais contente, assim, um acontecimento?

R - Não.

P/2 - Algum específico?

R - Não. Tudo mais ou menos dentro do normal. Não tenho nada que deixou triste ou que deixou muito contente, também.

P/1 - Bom, senhor Olívio, Pernambuco.

R - Isso.

P/1 - A gente está encerrando a entrevista e queria saber o que o senhor acha de ter participado dessa entrevista, falando da sua experiência de comerciante, da sua experiência de vida?

R - Achei muito bom. Bom, normal, fiquei contente. Eu acho uma satisfação estar aqui presente. Então, faz parte da vida. Isso é muito bom demais. Eu acho que quando a pessoa pode participar de qualquer coisa que é bom, isso é muito bom e é bom demais. Mas participar do que não é bom, aí já não devo não, porque, isso daí já é prejudicial. É o que tinha a dizer. Obrigado. Quando dá tempo, a gente participa da reunião, quando às vezes, telefona que vai ter reunião, não dá para mim ir, não compareço. Mas sempre quando dá certo que tenho tempo disponível, vou nas reuniões.

P/1 - O que o senhor acha que tem que ser melhorado aqui em Araraquara para melhorar o comércio?

R - Olha, isso aí é uma pergunta que, eu, francamente, não tenho resposta para isso. Porque é difícil isso daí. É, realmente é muito difícil responder isso aí, porque, se fosse feito tal coisa melhoraria, depois para tentar fazer, não dá certo também, então, fico sem te responder isso daí.

P/1 - Tá bom, então. A gente agradece mais uma vez.

R - Disponha.

P/2 - Muito Obrigada.

R - Qualquer coisa estamos lá, vocês podem procurar, porque a gente está sempre atento para participar de qualquer coisa que seja de benefício. Que possa ajudar.