Museu da Pessoa

Um mestre em percepção, natureza e arte

autoria: Museu da Pessoa personagem: Roberto Poci Bandeira

Projeto SOS Mata Atlântica 18 Anos
Depoimento de Roberto Poci Bandeira
Entrevistado por Beth Quintino e Rodrigo Godoy
São Paulo, 15/12/2004
Realização: Museu da Pessoa
Entrevista número: SOS_HV009
Transcrito por Marlon Alves Garcia
Revisado por Luiza Gallo Favareto


P/2 - Bom dia, Roberto.

R - Bom dia.

P/2 - Para iniciar, eu queria que você dissesse seu nome completo, data e cidade de nascimento.

R - Roberto Possi Bandeira, nasci na cidade de Osasco, Grande São Paulo em dez de dezembro de 1959.

P/2 - Certo. E qual o nome dos seus pais?

R - Rubens Bandeira e Ivone Possi Bandeira.

P/2 - Seu pai fazia o quê?

R - Administrador de empresas.

P/2 - Administrador?

R - É.

P/2 - E sua mãe?

R - Professora. Depois ela fez Psicologia e aí foi psicopedagoga, trabalhou na Secretaria de Educação do Estado, na Secretaria de Educação do Município de Osasco, trabalha com educação. Até hoje ela atende pacientes.

P/2 - Certo. E você cresceu onde?

R - Eu cresci uma parte da minha infância em Osasco, e depois já a partir do ginásio eu fui estudar em São Paulo, ali no Colégio Liceu Coração de Jesus, que é um colégio de padres, perto da antiga rodoviária, ali na Júlio Prestes. E depois, aí depois já fiquei meio que em São Paulo, fiz faculdade. Voltei, trabalhei em Osasco, fiz faculdade de Economia em Osasco, depois eu voltei a estudar em São Paulo. Então fiquei e cresci um pouco em Osasco, um pouco em São Paulo.

P/2 - Quais são as lembranças da sua infância que você tem de Osasco?

R - De Osasco, as coisas... Da minha infância, praticamente é o que hoje direcionaram mais ou menos a minha vida para as coisas que eu faço hoje. Porque assim, meu pai, apesar de trabalhar como administrador, trabalhar em escritório, ele é fotógrafo amador e que revelava em casa, então tinha equipamento. Desde criança eu estou ligado a fotografia por conta disso, do meu pai. Ganhei a primeira câmera aos cinco anos de idade - que obviamente destruí logo depois. Mas foi assim que eu comecei. Depois comecei a fotografar com a câmera dele, aquela câmera que você olha por cima, que usava em casamento, que é um pouco mais antiga. Eu via os fotógrafos de casamento, então a gente tem uma câmera desta - que inclusive está comigo. E a gente saía muito para andar na mata. Osasco, na época, era uma região de várias chácaras. Tinha um centro urbano um pouco pequenininho, e praticamente eram chácaras e fazendas, então com muita Mata Atlântica, com muito riozinho. O que eu me lembro da minha infância lá era sair com meu pai, porque ele adorava comer frutinhas - gabiroba, araçá... - então tinha muito; e a gente ia catar isso e fotografar. Então essas coisas que mais lembro, assim. Depois um pouco mais tarde ganhei a primeira bicicleta, sair de lá, a gente ia até o Pico do Jaraguá de bicicleta e voltava escondido dos pais, era óbvio. Mas fazia um grupo de amigos. Então o que eu me lembro muito de Osasco era essa possibilidade de poder viver jogando bola no campinho de terra, empinando papagaio, pião, bola de gude. E estas coisas que foram... Ali eu comecei já a curtir fotografia, conhecer sobre natureza, que ele conhecia muito de plantas, de árvore, então eu lembro bastante de uma infância tranquila, gostosa. Depois um pouco mais adolescente, aí já vivi mais em São Paulo. Meus pais eram fanáticos por cinema. Meu pai, até quando ele faleceu, eles iam sempre que podiam ir a um passeio e era cinema. Minha mãe assiste todos os filmes que estão em cartaz, compra coisa da mostra. Desde criança ia muito ao cinema. Então eu lembro muito da minha infância, já aí com oito, nove anos, cinema, sempre cinema. E eu passei toda minha adolescência, que era o começo dos cines clubes em São Paulo. A gente não tinha muito acesso ao cinema da rede convencional, onde passavam os filmes mais comerciais, então tinha muito cineclube pequenininhos. Então lembro muito disso, já com dezoito, vinte anos, assim, indo muito à cineclube. Mas com meus pais assisti muitos filmes, desde muito cedo.

P/2 - E que tipo de filmes eles te levavam, qual filme mais te marcou, que ficou marcado?

R - Na época era muito Disney, tinha todos os filmes da Disney. A gente ia muito a teatro infantil, então era uma época que São Paulo tinha muita peça infantil. Acho que São Paulo, o divertimento era um pouco diferente. Hoje é uma mega cidade do entretenimento, tem muita coisa. Mas São Paulo tinha poucos lugares, restaurantes, era uma coisa bem mais... Então tinha muito teatro. Eu lembro de teatros, de cinemas, de filmes, eu lembro muito dos filmes da Disney. Eu sempre fui fascinado por documentário, então sempre que tinha alguma possibilidade, algum documentário. O que mais me lembro, de criança mesmo é Disney, dos primeiros, os antigos filmes.

P/2 - E até o ginásio você disse que você estudava em Osasco mesmo?

R - Estudei até a sétima série, depois eu fui estudar em São Paulo.

P/2 - E até a sétima, como era essa época de escola para você?

R – Eu estudava muito perto de casa, voltava, fazia a lição muito rápido para poder jogar bola na rua até escurecer. Lembro muito bem o dia que iluminaram a minha rua, foi maravilhoso, porque a gente podia jogar bola até de noite. Então era bem isso. Ou na época que ia chegando perto das férias, ficava muito dentro de casa fazendo papagaio. Eu lembro que a gente fazia pilhas de pipas, já deixava guardado porque não podia perder tempo. Se perdia uma, ia lá, já pegava outra que estava pronta e já voltava a brincar. Osasco era uma cidade... Eu lembro até, sei lá, os seis, sete anos a minha rua era de terra, então a gente podia ficar jogando. Tinha um campinho atrás, aquela coisa da turma do bairro vizinho jogar contra no campo, então é coisa bem de... Apesar de estar dentro de São Paulo, tive uma infância bem rural mesmo. A região que a gente morava, perto do centro, mas era uma ocupação bem esparsa, não tinha muita gente como é hoje. Hoje, praticamente Osasco tem um milhão e duzentas mil pessoas, em trinta anos, 35 anos a população explodiu. Então Osasco era uma cidadezinha tranquila, você conhecia todo mundo. Ia para a escola, da escola voltava a pé, já passava no campo, às vezes já ficava por lá mesmo. Então foi isso. E muita brincadeira de carrinho de rolimã, todas as brincadeiras. A gente tinha uma turma enorme que já juntava. E as férias era bem isso. Aí depois algumas épocas ir para a praia, como a temporada.

P/2 - Ir para onde?

R - A gente ia para São Vicente.

P/2 - São Vicente?

R - Ali perto da Biquinha. Não tinha água, tinha que buscar na Biquinha. Então era em São Vicente. E ficava ali, São Vicente, Ponta da Praia. Tinha uma praia ali que atravessando a Ponte Pênsil, que era, eu acho, a Praia das Vacas, alguma coisa assim, que era uma praia mais distante ali do movimento. A gente ia para lá. E que eu lembro muito, que eu adorava, que eu ia com a minha avó. A família da minha mãe é do Vale do Ribeira, toda família de imigrantes que se estabeleceu ali no Vale do Ribeira quando se deu as primeiras ocupações ali. Eu não conheci o avô por parte da minha mãe, mas dizem que eu sou muito parecido com ele, porque na época - ele morreu antes de eu nascer, eu nasci em 1959 - ele tinha um mapa de São Paulo que ele punha um alfinete em todas as cidades que ele já tinha ido, e que era completo. Então ele gostava muito de viajar. Ele teve empresa de transporte que ia de Iguape, subia todo o Rio Ribeira levando pessoas e trazia - de barcaça - a produção para Iguape, que era ali a cidade portuária. Tinha empresa de ônibus de São Paulo para lá. Então a família toda era de lá. E a minha bisavó, eu tive a felicidade de conhecer e conviver, eu ia com a minha avó passar as férias ali no Vale do Ribeira. A fazenda era de produção de gado e banana, e na beira do rio. E na época das férias de julho, quando fizeram ali a barragem, a primeira obra ali, que acabou inviabilizando o porto de Iguape, que foi aquela passagem que eles fizeram ligando para não dar a volta pela Barra do Icapara e ligando o Rio Ribeira ao estuário, a Laguna, e que depois isso abriu e assoreou todo o rio, e aí depois fizeram uma represa. Quer dizer, é uma obra que até hoje é um negócio que não conseguiu se resolver ali. Eu lembro muito bem das inundações todinhas. Então você já acordava num dia a casa, era aquela casa alta, chegando às canoas na beira da casa. Então você vivia num mar. E lembro de andar de canoa, aprender a andar de canoa de tronco, que era a embarcação da região; pescar com os meus primos mais velhos. Então a gente passava as férias ali na fazenda na beira do rio. O rio era uma água transparente, todo o fundo das praias de pedrinhas e areia, então era uma coisa maravilhosa. Eu lembro que a coisa que eu mais esperava eram as férias quando a minha avó ia para lá e a gente ficava lá. Aí a casa, fogão à lenha, comer queijo coalho feito ali, então aquelas coisas de roça, de fazenda. Então sempre essas coisas, sempre eu gostei muito, até hoje o tempo que eu tenho e gosto de sair aí para conhecer lugar novo, viajar, fotografar e ir para o meio do mato.

P/2 - E muitas outras pessoas, nesse período que você frequentava Iguape, ainda quando criança, quando jovem, era o destino de muitas outras pessoas também de fora?

R - Na fazenda juntava os primos, porque a família da minha avó era oito ou nove irmãos. Como tinha a bisavó, então sempre que podiam iam os tios, aí iam os sobrinhos. Mas não tinha muito destino de gente, assim como destino turístico.

P/2 - Isso.

R - Não, não. Não era destino, eram fazendas. Às vezes chovia, você demorava dois dias pra chegar, tinha que ficar na cidade, não dava para ir para a fazenda, era bem retirado. O Vale do Ribeira, que eu lembro de uma coisa, eu estava lá e presenciei, uma coisa que me marcou, que agora falando eu lembrei: na época que o Lamarca saiu aqui do quartel e se infiltrou pelo Vale do Ribeira e foi lá que ele deu o maior samba no exército, de um lado e para o outro e ficou bem na região, eu lembro das conversas dos tios. Até que um belo dia estava todo mundo lá na fazenda, daqui a pouco... A casa era uma casa altona, aquelas palafitas por causa das enchentes, então era alta, tipo um segundo andar, e a porteira, uns oitocentos metros a um quilômetro da entrada. E a fazenda tinha o rio de um lado, a porteira aqui, assim a casa. E a gente estava lá, daqui a pouco veio o pessoal todo alvoroçado, fomos ver e estava vindo o batalhão do exército. Parou lá na porta um tanque, canhão, jipe, aí veio o comandante pedir autorização para poder ultrapassar, e acabaram dormindo ali no pasto perto da casa. Então, era uma região, para você ter ideia, pra onde ele fugiu e ninguém conseguia catar, capturar. Eu não lembro, mas ele ficou muitos anos ali, eu acho que ficou mais de um ano correndo de um lado para o outro. E era ali no Vale do Ribeira. Então até hoje é uma região muito pobre, ela é encaixada entre montanhas, o acesso é muito difícil. Tem regiões ali que até hoje são ainda de pouco contato com a cidade. Então na década de sessenta era bem rústico. A gente ia para lá, era gerador, não tinha luz, ficava lá isolado. Se chovia, às vezes a gente chegou há ficar vinte dias sem sair de lá, não chegava carro de jeito nenhum, você saía só de barco. E para você ir de barco para a primeira cidade, que era Registro, eram dois dias de canoa, descendo o rio. Então a gente ficava, e eu adorava. Hoje vejo que era meio que uma catástrofe, para o pasto, para as plantações. Passavam ilhas com criação em cima, descolava, descia uma ilha com bananeira, com criação em cima. Era um negócio super diferente, sair de canoa, chegar do lado da casa, era uma coisa diferente para caramba, eu adorava. Mas hoje eu vejo que era um belo de um estrago em toda região.

P/2 - Você falou que a partir da oitava série começou a estudar em São Paulo, mas você continuou morando em Osasco?

R - Continuei.

P/2 - Até quando você ficou em Osasco?

R - Fiquei em Osasco até mais ou menos, morando lá em 1987, mais ou menos.

P/2 - E aí você então ia e voltava todo dia para estudar?

R - Ia e voltava, ia e voltava.

P/2 - Aí você fez o colegial, né?

R - Não, eu fiz o ginásio lá, e no começo eu ia de perua escolar até a sétima. E a oitava eu ia de trem, eu pegava trem porque ali era do lado da Júlio Prestes. Então eu saía de Osasco, tinha ali a estação, pegava o trem, ia até lá, estudava e voltava. Estudava de manhã e voltava na hora do almoço. Aí depois o colegial eu fui fazer em Osasco. Eu fiz colegial técnico de eletrônica, era uma Escola Técnica. E voltei a estudar em Osasco. Aí eu fui trabalhar. Eu, nessa época, eu fui trabalhar em São Paulo. Então eu estudava em Osasco e trabalhava em São Paulo. Foi meu primeiro emprego, porque foi quando eu entrei no colegial. Foi no primeiro colegial que eu fui trabalhar nesta empresa, que era uma empresa que instalava som em carro e tinha uma assistência técnica que consertava amplificador, toca-fita, som em geral. E eu fazia, na hora que o cliente trazia o equipamento eu testava, via qual era o defeito e na hora que ia entregar o equipamento eu testava para ver se estava funcionando, se tinha sido sanado o problema. E aí nessa época eu estudava à noite em Osasco e trabalhava de dia em São Paulo. Então eu vinha cedo em São Paulo, trabalhava o dia todo, voltava, estudava à noite, aí ia para casa. Depois de lá eu fui trabalhar em Osasco. Aí eu trabalhei no Bradesco, no Centro de Processamento de Dados, que na verdade eram três computadores, um em cada andar, era 1-58, não é qualquer computadorzinho não, eles ocupavam muito espaço, dos de hoje, caberiam meia dúzia. Aí trabalhei lá um tempo. Depois disso, eu estava fazendo eletrônica, fui trabalhar numa assistência técnica da Philco, de televisão. Daí eu prestei teste, entrei na Polivox, no controle de qualidade. Aí na Polivox eu fiquei sete anos. Aí a Gradiente comprou a Polyvox, comprou a Garrad inglesa e a Polyvox, criou o Grupo Gradiente. Aí eu fui trabalhar com desenvolvimento de produtos que a Gradiente ia desenvolver. Então eles pegavam os produtos. Na época a gente já estava desenvolvendo - isso em 1980, 1981 - CD, vídeo-disco, um monte de coisa. Desenvolvemos teclado de telefone da Gradiente. Esse teclado digital foi o primeiro, foi a Gradiente que fez, e foi desenvolvido aqui, eu participei do desenvolvimento de empresa. Então eu pegava o que precisava e ia para as empresas. Como eu trabalhei muitos anos com controle de qualidade e conhecia todos os processos de fabricação, nessa época a gente implantou um sistema que hoje, virou hoje o ISO 9000, que era Círculos de Controle de Qualidade (CCQ). Você criava um círculo de controle dentro da empresa, com todo mundo envolvido naquele conceito de qualidade que você queria, para que todos fizessem, seguissem a mesma qualidade. Era o começo do desenvolvimento, acho que também, da indústria mais fina. Então você tinha na empresa uma pessoa cuidando de uma parte que na produção, aquilo ia ficar dentro do aparelho, então não tinha a necessidade, e outra parte não era. Então a gente criou isso. E nisso eu acabei conhecendo os processos de fabricação, para poder resolver todos os pepinos, porque eu acabei ficando lá. Logo aos dezoito anos eu acabei ficando chefe do Controle de Qualidade e acabei assumindo o controle de entrada, controle de saída, fui fazer um monte de cursos. Acabaram investindo, eu gostava da história e acabei fazendo uma série de cursos que até hoje eu uso, que são bons para você saber produção, como que é. E aí depois disso eu fui fazer desenvolvimento de produtos, por causa desse conhecimento. Eles criaram o Centro de Desenvolvimento da Gradiente e me chamaram para fazer parte. Eu atendia as várias diretorias, de acústico, de eletrônico, designer, mecânica, de tudo que envolve na produção de um equipamento de som, e aí eles falaram: “Olha, nós vamos fazer esse equipamento e sair atrás de empresas que poderiam fazer aquilo, até fazer um piloto, para a gente fazer a linha piloto para ver se o produto...” Alguns não entravam em linha, outros entravam. Então a gente fazia isso, o que foi muito bom, eu fiquei vários anos rodando e tal, aí eu aprimorei mais ainda o conhecimento de produção, de praticamente quase tudo que me envolve, isso me ajudou e ajuda até hoje. Em vídeo, por exemplo, na Bahia eu desmontei uma câmera de vídeo com um canivete, para consertar o backing vocal; assim, o cara olhava, no meio do mato, ninguém falava! Precisava, tinha que fazer. Vimos que estava fora de foco lá o negócio: “Ah, seu sei o que é isso!” Fui lá desmontar, e “boom”. Então ajuda sempre. Mas eu mudei. Aí foi em 1984 que eu saí da Gradiente, e dei uma guinada. Larguei a Economia, fazia faculdade de Economia, trabalhava no processamento de dados. Fui prestar vestibular para Biologia no Mackenzie e Geografia na PUC. Era o que eu queria, ou era fazer Biologia, aí Biologia tinha. Lógico, prestei USP também, mas tinha parado de estudar, voltado. Eu estava fazendo faculdade, não fiz pré-vestibular, então falei: “Vou ver o que vai acontecer, dentro das minhas possibilidades.” Aí entrei na Biologia no Mackenzie, mas eu detestei logo de cara, assim, o dia do vestibular. E a PUC, na época

das “Diretas Já!”, toda uma história acontecendo, eu falei: “É a PUC mesmo que eu vou fazer.” (risos) E foi aí que eu mudei para Geografia, fui fazer faculdade de Geografia. Foi aí que eu comecei a encarar profissionalmente que eu ia ser fotógrafo, que na verdade a Geografia era uma coisa que juntava meio às duas coisas. E aí que foi que eu, falei assim: “Eu vou para essa linha.” Isso em 1984. Larguei a faculdade, larguei emprego, pedi demissão do emprego. Eu tinha trabalhado muitos anos, eu tinha um dinheiro que eu poderia ficar pagando faculdade, estudando. Morava com os meus pais, então eu falei assim: “Eu vou.” Até ver o que eu queria. Foi aí que eu arrumei logo com um amigo que era fotógrafo, estava com um estúdio meio parado, só fazia foto de formatura de escola de balé e queria entrar na área mais de comercial. E eu conhecia um monte de empresas que precisavam de um lado técnico, que faziam peças, mas que precisavam de fotografia. E eu falei assim: “Tudo bem, eu vou, eu faço essa parte comercial, de contato, só que eu quero fotografar no estúdio junto.” Não era a minha praia, porque eu não saí de uma empresa que eu tinha salário, mordomia, para virar um representante comercial. Eu saí porque eu queria fotografar. Aí então a gente entrou num acordo e foi aí que eu comecei a fazer, junto com a faculdade, entrei nessa com esse amigo, que foi amigo até o primeiro ano (risos). E a gente montou (risos). Primeiro sócio a gente nunca esquece! (risos) Aí a gente montou, não deu certo, brigamos. Era até uma ideia bem de vanguarda, porque a gente saiu um pouco da agência. Então tinha uma pessoa de criação, eu de mais comercial, um cara de estúdio, técnico em fotografia. A gente logo de cara fez Valisère, Valmet, conseguimos um monte de coisas, fizemos lançamento do Santana, fizemos um monte de negócios, deu muito certo. Deu tão certo a história, que deu a briga, porque começou ver que o negócio ia crescer muito. E esse cara que era o cara que na verdade ele tinha a casa, era onde ele morava e era o estúdio, e a gente foi para lá, então ele sentiu que o negócio ia crescer muito e a casa era dele então tirou a gente da jogada e não deu certo. Deu certo um período e acabou indo porque ele voltou sozinho a trabalhar, não dá certo, você tem que ter equipe. Para você crescer sozinho, você cresce até um ponto. Então foi daí que eu fui para a W Brasil. Porque também foi uma história ligada à coisa. Na época eu fazia Geografia, tinha saído disso, já estava fotografando, tinha comprado meu primeiro equipamento e falei: “Vou sair dessa história, vou fazer uma viagem.” Viajei com meu irmão para o Pantanal, de Fusca, ficamos um mês e meio viajando de Fusca. Os dois alucinados, Pantanal, Mato Grosso, para onde ia a gente pegava uma carona. E conseguimos carona do Ibama, fomos de barco, atravessamos. E eu fiz um material legal. Aí já fazendo lá Geografia na PUC, pintou o cara que hoje é meu sócio nas empresas que eu tenho. Ele fez Engenharia, também não tinha se dado muito bem com a Engenharia. Foi para os Estados Unidos, tinha voltado, não sabia direito, não queria muito trabalhar com Engenharia, queria uma coisa mais ligada à cultura, arte. E a gente tinha conhecido um chileno que tocava violão, um charango, e compunha muito bem. E um amigo nosso, que até faleceu muito cedo, era saxofonista, compositor, já tinha tocado com Hermeto Pascoal com dezoito anos, o cara era um gênio, tão gênio que foi embora logo. E aí rolou da gente fazer um negócio que chamou “Percepção, Natureza e Arte”, que era assim: eram slides, dois projetores com um carrossel de slides projetando com syncrotape, dois poetas declamando ao vivo e dois músicos tocando ao vivo. A gente montou essa história com coisa de natureza. Poesias que foram compostas falando sobre coisas ligadas à natureza, preservação. E a música foi toda composta. A gente foi, estreou lá no MASP. Assim, do nada, juntou, conseguimos um espaço no MASP. E o negócio ficou muito legal. A coisa até que incomodava um pouco as pessoas, porque apagava a luz, elas achavam que iam assistir um cinema, daqui a pouco uma pessoa declamando, entrava uma música ao vivo, começava a acender as coisas. Então esse negócio deu tão certo que tivemos que fazer uma temporada, a gente ficou um ano em cartaz rodando e fomos terminar no Centro Cultural São Paulo. Passamos em vários teatros em São Paulo, apresentamos em vários lugares. E foi super legal, porque a gente montava... Apresentamos, eu acho que na PUC também, ali no Pátio da Cruz. Juntou todo mundo, fechou, porque entrava neguinho tocando, e com projeção. Então foi super legal. A gente saiu daí meio, assim, o que me trouxe bem dentro da questão de meio ambiente, que a gente montou quase todos os audiovisuais de ecologia que passaram para as entidades de 1984 para cá. Então a gente ficou muito conhecido dessa história de montar audiovisual por esse “Percepção, Natureza e Arte”. Nessa história, a esposa de um dos poetas era fotógrafa da W Brasil, que é a Ana Teófilo, uma pessoa super conhecida, de Pernambuco e veio para cá. E tinha uma coisa com Luz de Capricórnio, que ela tinha que focar debaixo do Trópico de Capricórnio aqui em São Paulo, que era muito diferente. E ela viu essa luz. Eu estou até lembrando disso porque eu estou fazendo um projeto que é do Trópico de Capricórnio, e eu lembrei disso. E que ela via e gostou das fotos e me chamou para trabalhar na W Brasil. E aí que eu fui trabalhar num estúdio de publicidade, fiquei lá um tempo. Aí esse amigo que era músico, o saxofonista, ia fazer uma pesquisa de música no Pernambuco. E por isso que eu saí da W Brasil (risos). Ele me chamou e eu saí fora. Larguei a faculdade, larguei o emprego, fui para o Pernambuco. Ficamos em Olinda também uns sete meses fazendo, tocando, passando projeção, fotografando. Foi muito legal, uma experiência, de música, de cultura. A gente juntou as coisas, pintaram várias propostas em fazer animação, que acabou assim... Olinda é assim, fora do carnaval, você vivendo ali no lugar, é um centro de produção cultural muito intenso, você tem muita coisa. Na época tinha um pessoal que fazia uma TV super legal, que tinha um patrocínio da Alemanha, que eles iam para as comunidades, filmavam e passavam na praça para as pessoas se verem e era um delírio. E filmavam de novo a apresentação. E tinha um monte de ideias, de coisa rolando. Aí algumas coisas deram certo e outras não. No fim a gente ficou um tempo lá e voltou. E esse meu amigo, o Chuck, que é meu sócio, falou: “O negócio está fervendo aqui, o negócio de ecologia, tão chamando, tem várias histórias e tal.” E eu lá meio que fazendo. Foi aí que eu falei: “Não, vou voltar para São Paulo.” E foi aí que a gente tocou sério mesmo, levou em frente. E aí criou a Integração Natureza, que eu acho que até falei a data de criação errada para você. Foi aí que a gente voltou, com um festival de música, onde a gente apresentou esse audiovisual. E foi a época da Juréia, da campanha da Juréia, estava a Pró-Juréia, com os bonequinhos, aquela campanha do origami, que foi, eu acho, uma das detonadoras dessa que eu considero a onda mais recente do movimento de conscientização, do movimento ambientalista. Foi a hora que profissionalizou mesmo, que surgiu a SOS. Então eu considero, assim, que o Pró-Juréia foi acho que alavanca. Porque foram cem mil pessoas num abaixo-assinado, depois a entrega envolveu todo o Palácio do Governo no Morumbi, com crianças. Então foi um negócio que entrou a campanha. Foi aí que entrou, eu acho, a primeira agência de publicidade para fazer uma campanha séria. Então foi aí que eu voltei nessa história. E aí voltei à Geografia da PUC e voltei para o Pró-Juréia. Aí entrei no Pró-Juréia, acabei acho que concorrendo à chapa e fiquei, fui vice-presidente. A nossa chapa foi vencedora e eu peguei o cargo de vice-presidente do Pró-Juréia, que foi aí que eu peguei mesmo sério na militância. A gente fez um monte de coisa pelo Pró-Juréia. Aí daí surgiu a SOS, que já estava na coisa. Surgiu o Pró-Tietê. Então foi minha introdução aí no coisa. Não sei se eu avancei muito?

P/2 - Não. Roberto, sabe o que eu queria que você falasse um pouquinho, nessa época do Pró-Juréia, quem eram essas pessoas que trabalhavam junto com você que participavam da militância, como que era essa militância?

R - Era todo mundo voluntário, como todo trabalho, como a maior parte do trabalho de meio ambiente na época, acho que praticamente todo o trabalho era voluntário, tinha algumas entidades com mais verba para fazer. Eram pessoas de todo tipo, estudantes, tinham pessoas dona de casa, contador, tinha de todo tipo de gente, não tem um perfil. Tinha umas pessoas que tinham mais tempo, se dedicavam mais, outras não podiam dedicar. Todo mundo queria ajudar. A campanha dos origamis mexeu muito com o subconsciente, porque parecia uma brincadeira de criança. Apesar de que aqui no Brasil não é uma coisa muito popular, assim como bolinha de gude, papagaio, o origami é uma coisa que até ficou mais conhecido depois com a campanha. Mas você mexe com os bichinhos, a dobradura, e os bichinhos eram um coisa que vai, ou liga a historinha, porque não era uma carinha da oncinha. Então até hoje eu vejo, às vezes me chamam para dar uma palestra, uma conversa, eu vejo que as pessoas lembram. Às vezes pessoas que eu olho, em escolas, eu falo assim para ele: “Essa era uma criança muito pequena na época que isso estava na televisão.” E lembra da oncinha, e lembra do negócio. Então foi uma campanha que mexeu muito com o interior das pessoas. E aí juntou, eu lembro a gente, na feira da Vila Madalena, no auge da campanha na televisão, no jornal, a gente colhendo assinatura, a gente programou... Tinha, sei lá, vinte pessoas para colher assinatura. Daqui a pouco a gente arrumou quarenta e fazia fila. Você já viu um negócio, assinar um abaixo-assinado no meio da feira da Vila Madalena, com a prancheta aqui, preenchendo e quatro, cinco pessoas esperando para poder preencher. Eu falei: “Puxa, a pessoa faz fila para poder preencher um negócio.” Então as pessoas queriam de todo jeito ajudar. Como sempre a gente tem outras experiências em outros projetos de ecologia, as pessoas têm muita disponibilidade para ajudar, têm muita vontade. Difícil é você canalizar, porque a gente tinha muita dificuldade de coordenar isso, era mais difícil coordenar as coisas do que você ter gente, porque gente sempre tinha. Então tinha, tem gente que estava lá, está hoje na SOS, que ficou, que estava ali como militante e hoje já trabalha na área. Então foi uma experiência legal essa da Juréia.

P/1 - Assim, seu interesse pelas causas ambientais, você acha que foi sem querer, ou tem alguma coisa que te marcou, que você falou: “Não, é isso que me chama a atenção!”?

R - Não, eu sempre gostei, eu gosto de natureza, eu me sinto bem, gosto, gosto de ir, viajo. Até hoje, nas minhas férias sempre são alguma coisa de expedição e tal. É uma coisa que, mesmo no caso da Juréia, eu entrei para lá porque a gente tinha casa em Peruíbe, eu ia para lá, eu já conhecia a Juréia e achava importante ser preservado. E eu acho importante a questão hoje em dia. Na época era uma coisa assim: “Olha, precisa conscientizar, porque o planeta não vai suportar, não vai.” Hoje em dia já não é, não penso muito assim, não é essa a questão de você ter que conscientizar outros, não são muito mais as pessoas. Não acredito muito mais em você divulgar para as pessoas, eu acho que você tem que fazer um negócio muito mais político, mais de gabinete do que de mobilização. Mas na época era muito isso, com as pessoas. E na verdade as pessoas não tinham muito conhecimento, então era uma época da gente divulgar as coisas para as pessoas terem o conhecimento. Eu acredito que esses movimentos tiveram um resultado positivo. Hoje você vê, as pessoas em qualquer pesquisa, a preocupação com meio ambiente está entre os primeiros tópicos de qualquer pesquisa de opinião. Então as pessoas têm consciência, as cidades ficaram muito mais difíceis de viver, então as pessoas sentem muito mais próximo essa coisa de poluição, falta de água, está chegando mais perto, calor excessivo, chuva excessiva. Então as pessoas estão tendo mais consciência. Mas eu acho que o grande, a alavanca saiu daquela época de 1987, 1988, 1989, até a Eco 92, quando foi que deu mais uma profissionalizada. E até na Eco 92, deu uma baixada, eu acredito que o movimento baixou um pouco mais a poeira. Mas veio tudo dali. E da Juréia, eu acredito que foi um dos primeiros mesmo.

P/1 - E você quando estava na Pró-Juréia, era uma coisa muito isolada ou vocês trocavam informações com outras ONGs? Quem eram essas ONGs?

R - Não, tinha ajuda, né? Depois saiu, foi criada a SOS. A gente brincava que era a irmã rica, a irmã pobre, porque era uma Fundação, já tinha verba, e a gente era Associação, era doação. Então sempre teve um intercâmbio, até hoje a gente tem um intercâmbio, as pessoas estão meio espalhadas nas entidades. Mas não tinha, a informação era um negócio muito novo, está todo mundo muito aprendendo. Mas tinha uma troca. A gente tinha o pessoal da Biodiversitas, de Belo Horizonte, trocava aqui, a gente tinha umas informações, algumas experiências de fora, mas não era uma coisa que fosse... Porque na verdade estava todo mundo meio que experimentando, as coisas estavam acontecendo.

P/2 - E nos anos 1980 foi quando começaram, como você mesmo disse, esse crescimento da questão das ONGs voltadas ao meio ambiente, né? Anterior a isso, você tem alguma lembrança de algum fato marcante ou de alguma instituição que tivesse algum tipo de trabalho voltado nesse sentido, antes dessas que, como você disse, já foram mais profissionais mesmo?

R - Olha, o que tinha, na verdade era pioneira, o pessoal de Porto Alegre, acho que é a Apedema, Associação Porto-alegrense, que foi o... Até esqueci o nome dele, mas foi considerado como o papa ali do movimento ambientalista. Mas eu acho que antes disso não me recordo não, de entidade que tenha feito questão de meio ambiente.

P/2 - O assunto também não era um assunto muito presente na mídia, nos meios de comunicação?

R - Não era, não era, nada. ONG surgiu dessa época, esse termo ONG. Na verdade poderia ter ONG, mas que trabalhava com assistência social, criança, mas não eram chamadas de ONG. Esse ONG, eu acredito que essa palavra, Organização Não Governamental, vem muito da questão do movimento ambientalista, eu acho que surgiu ali e surgiu depois com as entidades que trabalham com direito, com as pessoas, mas dessa época. Antes disso eu não me recordo nunca de ter ouvido falar alguma coisa sobre ONG. Era Associação do Amparo ao Menor, associação, não tinha essa coisa de ONG. ONG é uma coisa recente, acho que vem de 1990 para cá, assim, que a gente chama ONG, que todo mundo sabe: “Ah, trabalho numa ONG!” Então todo mundo já sabe o que é. Antes disso: “Oh, o quê?” (risos) Mas não lembro nada disso, de entidades que trabalhavam.

P/2 - E você acha que essas ONGs brasileiras, ambientalistas, elas tiveram uma influência muito grande, na sua constituição, das ONGs internacionais, como Greenpeace, WWF [World Wide Fund for Nature], que já existiam ou que já tinham algum renome internacional, ou você acha que elas têm uma…?

R - Não entendi.

P/1 - Você acha que na constituição dessas ONGs ambientalistas brasileiras houve algum tipo de influência no modelo das ONGs internacionais ambientalistas?

R - Cada ONG tem uma linha de ação bem característica, você tem um DNA de cada uma. Elas mantiveram esse tipo de ação. Eu acho que uma coisa ou outra tem de influência, em alguma ação, mas eu vejo todas elas diferentes, eu não vejo, não tem nenhuma, assim, ONG brasileira que atue como o Greenpeace. A SOS tem um estilo de coisa. A WWF, que poderia ser mais parecida com a SOS, tem um outro tipo de trabalho. Elas têm algumas coisas que elas são parecidas, em algumas linhas de ação, mas elas têm uma personalidade. Eu acho que o movimento brasileiro tem uma personalidade, assim, cada grupo trabalha de um jeito e teve um tipo de ação. Não tem muito esse tipo de influência, não vejo isso.

P/1 - A Pró-Juréia dividiu o mesmo espaço que a SOS, a Fundação, espaço de escritório mesmo, sede?

R - Não, era ali perto de PUC, ali na [Rua] Cardoso [de Almeida] . E lá ela tinha uma sede toda dela, própria. E depois, quando ela já estava no último ano de funcionamento, os arquivos foram para a SOS. Porque toda ONG quando encerra, toda informação, arquivo, foi para a SOS, até porque o último presidente, o Belô, trabalhava na SOS, e acabou indo para lá. Então ela teve um espaço, uma época de arquivo ali, mas já não estava mais funcionando, já não tinha mais essa atuação, já estava só uma ação mais política em algumas coisas, em algumas questões. Mas a gente teve um apoio, no final. Agora não lembro, acho que não teve um momento que teve uma divisão de espaço comum. Ela esteve, acho que no comecinho, junto com a Oikos, que é do Fábio Feldmann, que começou quando… Ele se eu não me engano, era aqui na... Acho que teve uma época que ela estava lá. Não me recordo muito.

P/1 - E, assim, você acha que desse período que você estava na Pró-Juréia mudou muita coisa em relação ao meio ambiente, a questão ambiental?

R - Olha, ela ficou uma coisa bem mais profissional, acabou essa coisa de militância. Você não vê coisa, não tem muito mais de campanhas e tal. Eu acho que ficou bem mais profissional, mais segmentada. Deu uma bela mudada. A gente na época da Pró-Juréia todo mundo era com a vontade, com o coração. Hoje você tem uma coisa mais profissional, mais técnica. Que é legal, eu acho que dá continuidade ao trabalho, porque a grande dificuldade do voluntário é isso, você dar, manter todo mundo animado e trabalhando de graça. Não é uma coisa fácil de você fazer. E as pessoas não têm muito mais tempo. Então você vai cada vez piorando mais seu tempo, o trânsito é maior, acaba consumindo o seu tempo livre. Então eu acho que hoje as pessoas têm um pouco mais de dificuldade de se doar. Eu vi esses dias, escutei uma pesquisa que foi feita, que pesquisaram acho que sete países sobre voluntariado, e o Brasil ficou em último, sendo que a maior parte dos que no Brasil fazem alguma coisa de voluntariado estava ligado à igreja. Então ninguém faz nada, o que eu acho que é a coisa mais importante nessa questão toda, por cidadania. Essa questão, na verdade, quando você briga por uma floresta, por um parque, por uma coisa, você está exercendo um ato de cidadania, porque você não está brigando, você quer aquele parque para você, ou aquele bichinho para você levar para sua casa. Não é uma briga sua, particular, é uma briga de cidadania. Você quer aquilo para que aquilo seja preservado para a futura geração. Então é esse aspecto de cidadania que é o que envolve o voluntário. O voluntário vai fazer porque é cidadania. E o brasileiro não tem essa coisa de cidadania, ele não sabe o que é, o que é direito dele, isso é meio confuso. A gente foi estrategicamente feito para que você não tenha essa consciência, então as pessoas não sabem defender e falam assim: “Ah, eu vou brigar para não cortar essa árvore.” “Por quê?” “Porque ela faz sombra, porque vem os passarinhos.” “Não, porque é um direito seu respirar um ar melhor, de ter uma coisa, e você tem direito àquela árvore ficar ali.” Então na verdade esse fato nunca foi abordado com clareza. E hoje, quando eu até escutei essa pesquisa e falei assim: “Puxa, realmente, as pessoas fazem porque: ‘Ah, eu estou com dó, com pena, eu vou ajudar porque ele está passando fome ou porque está passando necessidade.’” Você vê que o Brasil, quando acontece alguma catástrofe, a quantidade de doação, todo mundo vai lá, doa roupa, alimento e tal: “Caiu terremoto não sei aonde!” Todo mundo vai e ajuda. Porque tem dó, não porque é uma cidadania, nada disso. Então essa consciência de cidadão, eu acho que é o que falta e é o que deu uma morrida no voluntário. Hoje você não vê movimento ambientalista voluntariado, você não vê. Eu participo de um que é, mas é de uma certa forma, e porque algumas pessoas têm interesse, que é o Alcatrazes, que é a ilha aqui. Eu acho que é a maior briga de cidadania em todos os aspectos, é uma ilha protegida, a Marinha infringe não sei quantas leis, desde a Constituição, passa por cima tratorando tudo e ninguém fala nada. Parece que agora no Rio de Janeiro uma faculdade de Direito recebeu um e-mail aí, criaram um grupo de discussão sobre o direito à cidadania. Qual é o direito da Marinha ir lá e atirar em Alcatrazes? A Galápagos brasileira agora ficou oito dias pegando fogo, queimou. Tem vinte espécies endêmicas que estão estudando. A gente tem, todo mundo do projeto é voluntário, ninguém recebe nada. Nós estamos a quinze anos brigando lá. São quinze anos (risos). Eu vi outro dia as minhas fotos, eu estava fazendo um material para montar uma exposição, eu não tinha cabelo branco. O Capô, que é da SOS, eu liguei para o Capô e falei: “Capô, vamos criar um parque, porque senão nós vamos de bengala, não dá!” Então é uma briga de cidadania. Lá a gente tem essa consciência, o grupo que trabalha. A gente briga para criar o parque, porque não interessa se a Marinha fala: “Ah, o parque daqui a pouco vão invadir.” Não interessa se vão invadir, isso é outro problema, isso é problema de fiscalização, administração. O que interessa é que a Marinha não tem direito de ir lá e dar tiro, porque ninguém no Brasil pode fazer isso. Se você matar qualquer bicho ou espécie silvestre, ou se colocar fogo, você vai preso, qualquer um, está na Constituição. Por que a Marinha tem essa então? Essa é uma coisa que a gente coloca muito, da cidadania, nesse aspecto. E lá o grupo, que basicamente são pesquisadores, são voluntários. Mas alguns conseguiram verba de pesquisa para desenvolver, outros têm interesse em pesquisar porque é um negócio que vai dar, tem a possibilidade de escrever, de conhecer uma espécie nova para um pesquisador. Então são voluntários, mas voluntários com interesse. Mas acho que fora isso eu não vejo, assim, grupo de... O Greenpeace tem um grupo voluntário, mas tem um grupo de ação mesmo, é um grupo profissional, contratado. E aí você chama alguns voluntários para determinada ação, mas não participa da organização, da discussão. Nesse grupo do Albatroz a gente discute, todo mundo tem voz ativa. Então eu acho que é um pouco por isso que deu uma esvaziada. Depois da Juréia deu uma bela esvaziada de voluntários, as pessoas. Eu acredito que é isso, um pouco de falta de tempo das pessoas que aumentou a dificuldade; e outro, um pouco dessa falta de consciência, que tem direito de estar lá e brigar, exigir as coisas.

P/1 - Você participou da Eco 92?

R - Participei.

P/1 - E qual a importância que ela teve na sua visão?

R - Olha, da questão política... Porque são duas ECOs (risos). Tem a Eco 92 que todo mundo viu, que todo mundo foi, que na verdade era uma grande feira para mostrar o que estava sendo feito no mundo todo. Eu acho que foi legal para ter esse intercâmbio. Eu particularmente não mantive grandes outras coisas, mas a gente conseguiu fazer algumas coisas. Em função de Alcatrazes a gente conseguiu que as pessoas conhecessem, levar isso para fora, deu uma ajuda na divulgação, estava todo mundo ali discutindo. Eu acho que foi importante nisso, das pessoas verem, discutirem, ver que foi uma feira legal, sem quase nenhum tipo de problema, de confusão, todo mundo ali convivendo legal. E tem a questão política. A política, fizeram a Rio+2, Rio+5, Rio+10, Rio+15. É aquela história, as pessoas têm algumas coisas planetárias que têm que tomar, têm que ter decisão global. E tem os interesses... Os americanos não assinam o tratado... As questões continuam as mesmas daquela época. Isso não resolveu muita coisa. Para a outra questão da Eco 92, foi legal, acho que muita gente aqui viu, teve oportunidade de ver que tinha coisas, experiências em outros países. Foi uma troca legal de experiências, de contatos, de discussão sobre vários temas. Mas a resolução eu não sei muito o que foi na prática, o que resolveu, o que avançou.
A primeira gestão da SOS foi o Capobianco, que foi o primeiro presidente da SOS Mata Atlântica. Aí saiu o Capobianco, que foi a primeira gestão da diretoria da Pró-Juréia, e a segunda gestão foi o Aaron, presidente e eu vice-presidente. Aí depois teve a terceira gestão e eu fui o presidente (risos). Então a SOS saiu depois disso, depois foi todo mundo, foi o Capô, foi uma parte da galera Pró que foi para lá para a SOS. Eu não participei do grupo interno, participei prestando serviços, sempre fazendo, montando projetos, trabalhando junto. Até hoje eu cedo material para o Banco de Imagem, eu sempre cedo o material que eles precisam de fotos. Eles ligam lá, eu envio. Mas foi meio que a junção com a SOS, foi uma coisa que foi indo meio que naturalmente, não teve: “Ah, eu vou para lá!” Mas teve, a gente fez coisas engraçadas. Não para a SOS, mas para o Greenpeace, a gente fez o único - o que é até usado pelo Greenpeace como exemplo hoje em cursos no mundo todo -, a gente conseguiu, foi o único que conseguiu fazer um ciclo completo desde a denúncia do “coiso”. O negócio foi o seguinte: conseguiram fotografar lá na Inglaterra uns containers com resíduo de siderurgia que estavam vindo para o Brasil. Aí fotografaram os containers, aqueles containers de navio, enormes, que têm um número pequenininho (risos). Com cinco algarismos, dez letras. E aí passaram, tinha um número, as fotos e o número desses containers, e eles estavam vindo para o Brasil de navio. Aí passou para o Greenpeace daqui e o Greenpeace precisava de uma empresa, de um grupo que fosse para filmar. E precisava entrar no Porto de Santos: “E como é que ia fazer e tal?” Aí vieram falar com a gente se a gente não topava fazer, botar a Integração Natureza como a empresa que estivesse fazendo um documentário sobre importação e exportação, pra pegar isso aí. “Ah, tudo bem, vamos fazer!” Mandamos o pedido para o porto e entramos. Porque a gente estava fazendo um documentário e entramos com a equipe, com Betacam, monitor, luz. E eu era o diretor. E a gente tinha que ficar vários dias ali para achar um navio com setecentos, oitocentos containers, e tinha que achar três containers. Então não tinha jeito, tinha que ficar. Montava o set: “Não, isso aqui tá ruim, a luz tá aqui!” Pega e desmonta tudo e monta em outro lugar, e o pessoal de binóculo olhando o navio - chamava Argentina Star o navio - descarregando o containers. Aí ficamos nisso três dias. Entrava, saía, ia para cima e para baixo, e montava, e a equipe toda com câmera e tal, montava, apresentador. E o cara fazendo, e o cara errava: “Refaz, refaz!” Nem fita, às vezes, a gente colocava na câmera porque o negócio era enrolar. E ficamos lá durante três dias fazendo isso, até que vimos o containers, filmamos, fotografamos: “Ah, tá legal.” Aí o container sai de lá, vai para a aduana ali. Nesse processo todo, o pessoal que trabalha, os estivadores começaram a desconfiar: “O que esse bando tá fazendo?” Não dá para ficar enrolando muito tempo, e vieram nessa: “Não, o que é, qual é que é e tal, não sei o quê!” E procura container daqui, número. Aí abrimos para os caras e falamos: “Olha, é o seguinte, o container.” E eles ficaram do nosso lado porque eles ganham adicional de insalubridade quando é resíduo tóxico. E o negócio veio para o Brasil, na nota fiscal, como micronutriente para indústria de adubo, para uma empresa de Suzano. E aí os caras ficaram do nosso lado porque ficaram bravos: “Não, é um absurdo, estamos trabalhando aqui!” E ficaram. E isso daí foi para uma aduana e passou um, dois, três dias, e a gente ficou todo mundo de prontidão aqui em São Paulo, até o dia que ligaram, falaram: “Olha, vai sair hoje, vai para Suzano.” Aí a gente desceu, ficou lá esperando, veio acompanhando, veio para Suzano. Em Suzano, tudo armado já com Cetesb, com polícia. Só que enquanto está lacrado o container, ele faz parte do outro país. Ele só faz parte do Brasil, mesmo estando aqui já há quinze dias, quando deslacra o container. E quando chegou aqui em Suzano, que foi deslacrar, a gente arrumou um buraco, abriu um buraco no muro com um ferro (risos), para poder montar a câmera. Outro subiu, tal. A hora que a gente conseguiu fotografar tudo, fazer as imagens que eles tinham deslacrado o container, aí foi acionada a polícia, foram lá, pá, e lacraram tudo. Pegaram as amostras todas e lacraram o container. E aí foi todo o processo. No outro dia do container ser preso, o Greenpeace falou assim: “Nós temos que filmar a empresa que ia receber isso. É a empresa tal lá em Suzano.” “Então tá, vamos lá!” Fomos olhando e a empresa era no fundo de um vale, tinha uma mata bonita até, atrás e era nascente. E os caras jogavam aquele negócio e passava no meio de uma vila, a céu aberto, um absurdo. E a gente nada, e não tinha muito jeito, e falamos: “O jeito, nós vamos ter que dar a volta, entrar pelo meio da mata e vir por trás, invadir a propriedade dos caras para poder filmar” E, puxa, nesse dia tinha um capinzinho queimando, os cara estavam botando capim mais longe da mata, lá do lado, botando fogo num pasto. Estava botando fogo, a gente passou, foi, entrou, parou o carro, o câmera entrou, a produtora, mais um assistente, eu fiquei de motorista com o carro para cima e para baixo para ver. Por azar nosso, o vento virou, o capinzal, veio o fogo para a mata e saiu a brigada de incêndio da fábrica para o meio da mata para apagar esse incêndio, e deram de cara com a gente saindo do meio da mata com tripé, câmera de vídeo (risos). Eu sei que deu uma confusão, que filma daqui e fita de lá, e que eu vou pegar. Eu sei que a fita foi, foi, foi. Eu sei que numa confusão entregamos uma caixinha vazia de fita para o cara, ficamos com a fita - óbvio - gravada, e saímos fora. E os caras queriam bater na gente, era uma confusão. Saímos meio corrido, fomos embora. Aí eu sei que esse processo todo, por conta disso daí, os containers ficaram interditados. Foi visto que era dioxina brava dentro dos negócios. Tinha de tudo dentro daquele resíduo. Era uma areia preta, de cor de cinza, chumbo, uma coisa estranha. Aquilo de micronutriente não era nunca, era um lixo tóxico pra caramba. Os containers voltaram, foram reembarcados e voltaram para a Inglaterra. Quando chegou na Inglaterra o navio e não entrou nem na área do porta lá da Inglaterra, não chegou no porto. Eu não sei se acabou voltando, não sei o que eles fizeram com o container lá. Mas enfim, foi o único ciclo que conseguiu filmar a chegada lá, a chegada aqui, a destruição, voltar, e a gente foi para o Porto de Santos para embarcar. E para entrar no Porto de Santos nessa segunda vez foram batedores, tinha dois guardas vigiando a gente o tempo todo, não deixava a gente nem um segundo sozinho. Puxa, o mesmo carro, uma equipe, nós fomos de novo filmar. E foi embarcado tudo e levado de volta. E até hoje o Greenpeace usa isso como material de uma ação que teve o ciclo completo. E essa estratégia de mandar lixo para o terceiro mundo, no Brasil, devem continuar fazendo, e mandam para outros países, o que é um absurdo. Porque é muito caro você manter resíduo tóxico em país de primeiro mundo. Isso é o resto da sua vida, dos seus filhos. Se você tem uma empresa que produz lixo, o resto da sua vida alguém vai ter que cuidar daquele lixo. Então os caras mandam pra gente, jogam na beira do córrego, do lado de criança e tal. E passava o córrego no meio da vila, era uma coisa terrível. Então isso foi um negócio que foi bem engraçado, a gente deu uma dentro. Teve uma outra com o próprio Greenpeace, que a gente quase foi dar, em Sorocaba, num descarte de uma fábrica de bateria. Não lembro o nome, não vou falar, porque se lembrasse eu denunciava (risos). Mas para fazer confusão, pode ser uma, pode ser outra. Mas uma fábrica de baterias de Sorocaba, que está situada em Sorocaba, bateria de carro, automotiva. E eles jogavam tudo atrás da fábrica, as carcaças com chumbo, num riacho também, manancial de abastecimento da cidade. E nós fomos lá filmar esse negócio todo. Filmamos o médico do sindicato, muita gente intoxicada por chumbo. E nesse dia os cara saíram correndo atrás da gente com a polícia. Com a polícia não, com a segurança privada da empresa. Meu, os caras pularam o muro tão rápido (risos). Era um murão, a gente em cima do muro: “Ah, os cara. Vamos pular o muro!” Nossa, eu não sei o que os caras fizeram, mas pularam o muro tão rápido. Vieram com cachorro. Meu, esse dia foi. Mas a gente escapou também, não conseguiram pegar. Em Alcatrazes a gente tem um monte de histórias com a Marinha, mas que foram meio saia justa. Tem um monte, de entrar em área, a gente sempre dá um jeitinho de entrar numa área que tinha sido poluída. Lá na Juréia estava toda... E o vigia não queria deixar entrar, e que não deixava e que não podia. Tinha uma área que era uma nascente, abastecimento, captação de água, e tinham desmatado e a gente precisava fotografar aquele pedaço. Aí paramos o carro, os cara falaram: “Vai lá você que tem voz grossa”. Então fui eu. “Não, não, não pode entrar!” Eu falei: “Não, eu sou jornalista, precisamos fotografar e tal.” “Não, não pode entrar, não pode entrar, o dono falou que não entra ninguém.” E falei: “Puxa, mas ele desmatou, a gente precisa ir documentar o negócio.” “Mas ele falou que não entrasse, só com papel.” E falamos assim: “Ah, precisa de papel?” “Não, se tiver papel entra”. Ah, eu cheguei no carro de novo, peguei a pastinha: “Dá umas folha de papel.” “Mas que papel?” “Dá papel aí para mim, não interessa” (risos). Botei o papel na pasta, voltei lá para o rapaz: “Eu tenho papel!” “O senhor tem papel?” Falei: “Tenho. Está aqui o papel.” Abria e fechava e botava a pasta debaixo do braço. E o cara: “Não, não sei o quê!” E eu: “Não, mas o papel está aqui, lê.” Quando ele ia ler eu fechava e botava. Aí sim: “Não, com papel pode entrar.” Entramos, fomos lá fotografar a área que tinha sido desmatada. E para a SOS a gente fez um trabalho grandão, mas que teve algumas coisas interessantes também. A gente fez o primeiro levantamento de campo do Atlas do Remanescente, o primeiro levantamento de campo do Atlas do Remanescente da Mata Atlântica. E a gente fez de carro, de Toyota. Foram, sei lá, uns quarenta mil quilômetros pelo Brasil. Foi da Bahia até o Rio Grande do Sul. E de avião, voando, sei lá, umas cinquenta horas, sessenta horas de sobrevôo. E aí a gente voou em todo tipo de aeronave. Em Minas a gente pegou uma que chegou na metade, o cara tinha feito uma adaptação, para botar um GPS no acendedor de cigarro do avião. O avião, o Cessna, tem um acendedor de cigarro (risos). E ele adaptou o GPS no acendedor de cigarro. E aí o negócio entrou em curto, queimou, deu pane elétrica no avião. E a gente lá para cima do Vale do Jequitinhonha, divisa de Minas com a Bahia, sertãozão. Eu sei que de pane no avião e o piloto pegou e falou: “Olha, dá uma olhada, eu vou dar um rasante no capinzal, que é uma pista abandonada, pra a gente ver se aterrissa. Olha, se não tem buraco, tronco, pedra.” Puxa, a 170, 180 por hora passando. Aí aterrissou. Aterrissou, abrimos um buraco no meio do capinzal. Aterrissamos, o cara foi lá, não deu jeito de consertar a pane. Aí eu falei: “E agora, como é que nós vamos ligar o avião?” Ele falou: “Ah, não tem problema não, só segura.” Fui eu, eu estava na frente: “Segura, acelera aqui que eu vou lá e vou virar.” Eu falei assim: “Que nem desenho animado?” (risos) “É, exatamente.” Foi lá, deu a partida no avião. E a gente fez o resto do trabalho todo, deixou a gente no aeroporto e voltou - ainda voltou à noite - para Belo Horizonte. Um cara maluco! E no finalzinho da tarde ele deixou a gente, tinha combinado com o carro, que a gente estava, ele veio pegar a gente ali no meio do caminho e a gente seguiu para o Espírito Santo. Mas esse trabalho foi muito legal, a gente viajou a Bahia todinha, de atolar o carro depois do dia inteiro trabalhando. A gente trabalha no campo e sai antes de amanhecer, e trabalha até a hora da luz. Depois para, e aí que você vai almoçar, jantar, tomar banho e tal. Então a gente estava fazendo uma volta e aí a gente passou na Chapada Diamantina, passou por uma cachoeira que a pedra era cor-de-rosa. A pedra da cachoeira todinha era cor-de-rosa, parecia um mármore cor-de-rosa e lisinho. E a gente ficou e a luz estava maravilhosa, e a gente foi, foi, e aí cansadaço, mas não abria mão de fazer as imagens. E uma estradinha, e longe de onde a gente tinha marcado a janta na cidade, que era almoço e janta, então tinha que ser caprichado. Aí eu sei que ficamos até de noite, voltamos à noite. E a estrada é meio alagada, boa parte da estrada a água cobria rasinha, porque era beirando uma serra, então descia muita água dessa serra. E a gente parava e descia, ia andando para ver onde estava alagado, se não tinha buraco. Fomos, fomos, fizemos duzentas. Aí chegou uma: “Não, essa aí!” “Ah, não vamos fazer.” Já tinha passado o tempo, assim, decidimos que vamos passar sem olhar. Dito e feito, passamos e pá, atolamos a Toyota nessa daí. Eram umas oito da noite. Eu sei que o cara que estava de guia, ele já saiu e falou assim: “Eu vou buscar um boi para tirar o carro, que a gente não vai conseguir.” Mas estava assim, quarenta, cinquenta quilômetros da primeira vila. A gente estava pegando uma trilha que ninguém faz, que era a trilha dos garimpeiros, então não ia passar ninguém ali. E o cara falou: “Não, vamos.” Aí eu sei que a gente tirou o carro, era uma meia-noite a gente conseguiu tirar o carro. No começo, na lama, você vinha e botava assim o macaco embaixo para levantar. Com cinco minutos você estava nadando na lama (risos). Meu, voltamos, chegamos no restaurante, fomos direto para o restaurante, morrendo. Imagina, estava com fome as oito, meia-noite, depois de desatolar uma Toyota. A gente levantou e abaixou aquela Toyota acho que, sei lá, cem, duzentas vezes. Porque levantava, botava uma pedrinha e saía catando pedra. Mas tiramos. Chegamos no restaurante, do jeito que a gente estava, de lama, para comer direto, porque não estava aguentando mais. Mas sempre tem. Quando você trabalha no campo, você está sempre sujeito a umas coisas.

P/1 - Roberto, me fala um pouquinho, você presenciou a formação da SOS, né? Como é que você vê essa formação, o que levou as pessoas para ter essa atitude de estar formando a Fundação, essa importância?

R - Olha, a SOS hoje em dia eu acho que é a entidade mais importante do Brasil, que é determinante, tem um papel muito relevante na legislação nova, tem uma atuação de gabinete, de política, super forte. Eu acho que se tem uma referência, hoje é uma coisa que dá certa tranquilidade até. Eu não tenho participado mais ativamente do movimento ambientalista, mas olhando hoje um pouco mais de fora, dá até certa tranquilidade, de se saber que tem um pessoal lá que está de olho no que está acontecendo e vai gritar qualquer coisa que estiver saindo do caminho. Eu acho que é uma entidade que tem um papel de fiscalização, de gerenciamento, de trazer alternativas para a preservação, principalmente da Mata Atlântica. Mas a Mata Atlântica engloba vários outros ecossistemas, tem no litoral brasileiro todinho. Então ela trabalha muito nessas ilhas que sobraram e está de olho em outras coisas que estão acontecendo. Hoje tem uma atuação até em outros ecossistemas que saem até um pouco fora da Mata Atlântica, ela ultrapassou o limite de atuação dela. E tem um trabalho profissional exemplar. E o trabalho com outras ONGs, como WWF, que vem o modelo de fora. E o modelo da SOS é um modelo profissional, de padrão internacional de trabalho. Acho que tem uma importância. Esse trabalho do Atlas do Remanescente, que eu tive o prazer de trabalhar no primeiro levantamento, é fundamental, porque até aquele momento você achava que tinha tantos por cento da Mata Atlântica. Depois do Atlas, você sabe onde está, o que está acontecendo, o que está indo para trás, o que está indo para frente. Então você sabe exatamente onde estão as ilhas, o que é mais importante, onde trabalhar. Então não só para a estratégia de fiscalização e preservação, mas para a estratégia de governo, de trabalho e planejamento, é fundamental. Então a gente teve o prazer de poder voar e viajar na Mata Atlântica do Brasil inteiro. Eu, como um geógrafo, aliás, nem sou geógrafo, mas como um ex-estudante de Geografia, poder ter essa visão global, aérea do que tem a Mata Atlântica, no meu modo de entender foi determinante esse trabalho. Eu acho que foi um dos trabalhos mais importantes feitos no Brasil, pela importância que a Mata Atlântica têm, por estar ligada a todas as grandes cidades. É onde vai estourar a bomba primeiro. Já estão estourando. Em São Paulo a gente já vive meio que um racionamento de água e de um apagão, tem essa coisa. Vive dentro de uma situação de ar complicada, que hoje até nas áreas verdes a poluição é tão grande, hoje em dia com muita poluição tem alto índice de ozônio e vira uma área intransitável. Mas é assim, a cidade é inacreditável. Eu tenho voado bastante, não tem nada, é uma mancha de cimento e asfalto enorme. É onde vai estourar e onde está a Mata Atlântica. Então eu acho que ela vai ter um papel nessa de direcionar a política. É que as coisas são muito demoradas. E as coisas no meio ambiente chegaram a um ponto que não dá muito para você esperar. Determinadas coisas, preservação dos mananciais aqui, Guarapiranga, Billings, isso não tem mais o que discutir, tem que tirar, preservar e acabou, senão você vai inviabilizar o resto. Tudo bem, tem favela no lugar, população de baixa renda. É horrível isso, mas por uma população de duas mil, três mil, cinco mil, dez mil pessoas, você vai inviabilizar às vezes, sete, oito milhões de pessoas. Então você tem que adequar. O custo de meio ambiente é altíssimo, o ônus. É que ninguém botou isso na conta. Então uma empresa de bateria joga todo lixo lá. Eu fiz um negócio para dioxina - agora esse negócio do presidente que foi envenenado, lá do candidato, pela dioxina, que a cara do cara explodiu toda. Eu fiz um trabalho para o Greenpeace, da Solven, essa eu lembro, que é uma bandida de uma multinacional que produz organoclorados, subprodutos do cloro. Eu fotografei, sobrevoei a área, um aterro de descarte da indústria. Depois eles pegaram aquilo - e vira um tipo uma argila, eles jogam na lagoa de decantação, aquilo seca, e vira uma argila. Eles estavam pegando - e dioxina brava, tem muita dioxina -, estavam pegando aquilo para fazer o calçamento de um bairro de baixo padrão, como sendo aquilo... Ainda falando assim: “Está vendo, nós preocupados com a comunidade, estamos colocando calçamento onde era lama, que eles não conseguiam sair de casa, nós estamos colocando.” “O quê? Resíduo de dioxina, amigo!” “Puxa, que coisa legal.” Então esse tipo de coisa que você vê, que é o custo. Primeiro que ele não ia fazer dioxina em país do primeiro mundo porque ele ia pagar muito alto o imposto. Segundo, ele faz dioxina num país de terceiro mundo, nós brasileiros aceitamos a indústria vir aqui, que exporta organoclorado para o mundo inteiro, o valor agregado que fica no Brasil é minúsculo porque todo mundo ganha salário mínimo. Aí ele pega esse resíduo de dioxina que ele deveria manter lá sob vigilância e controle de quantos milhões de anos aquele negócio vai ficar inerte. Ele pega aquilo, põe na vila, levanta aquele pó com dioxina que o cara vai respirar, e ainda se passa de bacana, que está fazendo um negócio para a sociedade. Então esse tipo de coisa que é importante. Foi lá o Greenpeace e detonou, botou na imprensa, saiu no Estadão e tal. Esquece, põe um processo, neguinho fica mais esperto e tal. Então hoje as ONGs fazem na verdade um papel de fiscalização de um custo que na verdade devia ter sido pago no começo dos projetos, já devia ser pago para o governo. O custo, hoje, de meio ambiente é um custo altíssimo. Você preservar uma área, manter, você recuperar ou então você fazer exploração sustentável, tem um custo maior. Só que ninguém põe isso na conta. A conta desse custo fica diluída para todo mundo, porque ninguém vê. Então esse é assim, o papel dessas entidades de peso. E a história que a gente tinha, voltando na Juréia, era um bando de louco. A história não, o rótulo que a gente tinha, era um bando de louco, um bando de apaixonado, de bicho-grilo, doidão, que vai aí brigar por uns bichinhos. É essa a imagem que ficou. E hoje, por conta de entidades como SOS, por conta de várias coisas, hoje são técnicos, são pessoas que são respeitadas, você não é mais considerado um maluco, você é em alguns lugares considerado um visionário porque há muito tempo você vem falando um negócio que está batendo hoje na porta das pessoas. Então esse aspecto profissional, essa mudança se deve a entidades como a SOS. E a SOS, eu acho que o maior representante de um trabalho sério, que são pessoas sérias, pessoas que estão preocupadas com um negócio que todo mundo deveria estar preocupado. Então isso eu acho que a mudança da militância, do profissionalismo e daquela história da Juréia, de paixão, virou uma coisa mais profissional, mais séria mesmo.

P/2 - E você, com essa questão do mapeamento, você teve acesso a essas áreas todas da Mata Atlântica. O que você pode observar, analisando esse contexto e com a situação atual, quais são os principais problemas enfrentados hoje?

R - Na Mata Atlântica?

P/2 - Naquela época, da Mata Atlântica específica.

R - Hoje eu acho que o maior problema da Mata Atlântica é a falta de continuidade dos remanescentes. Isso tem haver inclusive com a legislação, da não-fiscalização e de aplicar a legislação. Hoje você tem uma propriedade rural, você tem que deixar uma área de mata. Mas você escolhe a pior área, é óbvio. Se não está escrito qual área que você vai escolher, você vai escolher a pior área, que você não consegue fazer pasto, que você não consegue plantar. Então hoje, o que você vê voando, e eu tenho voado muito. Até uma especialidade que hoje trabalha como fotógrafo, surgiu dessa história de estar trabalhando com a SOS e ficar o cara: “Ah, quem voa?” “Ah, o Roberto voa.” “Ah, quem faz foto aérea?” “Ah, o Roberto.” E hoje eu sou super requisitado para fazer foto aérea para empresa, em função de ter voado muito para entidades. Então o que a gente vê muito... Eu voei para esse projeto o Brasil quase todo. Agora eu voei o Mato Grosso do Sul para a WWF, quase inteirinho, ali a bacia do Rio Miranda. A gente voou, praticamente demos a volta no Mato Grosso. Voei agora, fui para o Petar, desci em São Paulo até o Vale do Ribeira de helicóptero. Fui num dia e voltei no outro. E o que a gente vê, com exceção dessa parte aqui no Estado de São Paulo, indo para o Paraná, é maravilhoso, você tem uma continuidade. Mas você vai para depois do Rio de Janeiro, a Mata Atlântica está bem atrás, então você a mata de tabuleiro, porque o Espírito Santo foi detonado isso na década de 1970, tiraram toda a vegetação, hoje é reflorestamento, você só tem a mata de galeria que sobrou. Você hoje tem, eu acho que a problemática da Mata Atlântica, para você manter uma floresta saudável, com espécies, é você ter ligação entre esses vários pontos. Eu andei vendo agora há pouco tempo que eles já estão fazendo uns corredores, tentando juntar várias reservas de mata legal num corredor. Porque, na verdade, isso devia ter sido feito quando você tem a área. O governo devia falar assim: “Essa área vai ter fazenda, pasto, então esse é o corredor de mata, é aqui que não vai mexer, porque aqui liga com a nascente, preserva a nascente.” Fazer um planejamento disso e depois o resto. Mas não foi. A reserva de mata tem lá 20% da tua área tem que ser a mata, então o cara escolhe. E isso criou uma colcha de retalhos, é tudo muito espalhado. Então você tem hoje alguma fauna de aves que migram, mas a fauna menor não migra de um lugar para o outro. Então você tem hoje fauna, tem algumas ilhas de mata que você tem macaco, você tem até um gato do mato, até possivelmente uma onça. Dependendo, se você tem uma propriedade muito grande, você tem uma área de mata grande, de reserva. E você não tem ligação, e essa população vai implodir porque vai ter cruzamento, ela não é consanguíneo, não vai ter mais coisas. Então você não tem uma coisa saudável. Quando você tem ilhas, é a tendência. E sem contar que uma estratégia, que toda vez ele vai botar fogo no pasto, ele vai deixar queimar um pouquinho da reserva. Isso eu vejo, eu tenho foto disso. O cara taca fogo no pasto e está na mata dele lá: “Deixa torrar um pouco.” E queima a borda da mata. No outro ano ele já queima mais um pedacinho. Então o que acontece com essas ilhas de mata, ela tende a diminuir, diminuir, diminuir, diminuindo. Nunca, dificilmente o cara vai lá: “Ah, vou replantar em volta para manter uma certa coisa.” Não faz isso. Então falta. Hoje eu acho que o problema da Mata Atlântica é muito disso, você não tem um corredor que liga essas várias ilhas. Você tem várias áreas, você anda em São Paulo, Mato Grosso, você tem várias áreas, grandes até, preservadas, mas tudo ilha, tudo ilha.

P/2 - E tendo em vista isso que você falou, quais são as perspectivas a médio e longo prazo para a Mata Atlântica?

R - Olha, a Mata Atlântica está mais restrita hoje a Serra do Mar, essas encostas que até de certo lado tem um, não está livre. Até esses dias foi aprovado agora a discussão do critério de ocupação do litoral. Porque ali em Maresias, aquele pedaço, o Litoral Norte, o negócio da Cota cem já estava todo mundo lá para a Cota trezentos, quatrocentos. O negócio ia indo para cima. Então hoje a perspectiva é você ter uma área restrita, que é essa região sul aqui. O que a gente tem que fazer é preservar isso aqui a qualquer custo. E assim, eu tenho o privilégio de conhecer o litoral do Brasil quase todinho. Não existe área tão linda como essa nossa de São Paulo aqui, entrando de Angra para cá, você pegando o Rio de Janeiro até Juréia, até a Ilha do Mel, não existe uma coisa dessa, você vê uma coisa maravilhosa, uma mata, uma serra de mil metros com a mata, cachoeira. Porque para cima não tem mais nada disso. Então essa eu acho que é grande região da Mata Atlântica. Então são os parques, a Juréia, o Petar todinho. Por um lado essa consciência, uma consciência maior das pessoas da questão ambiental trouxe essas pessoas para dentro da mata, e trouxe as pessoas a consumirem esportes radicais e uma série de coisas, e essas pessoas procurarem o refúgio e fazer seu sitinho. Então de um mesmo lado que você vem lá, divulga a questão da natureza para as pessoas preservarem, em alguns lugares a gente nem divulga, fotografa e guarda porque você tem um fluxo e você não tem implantação de coisa. Eu tenho feito, três anos fazendo um trabalho nos Lençóis Maranhenses. Teve uma super divulgação, saiu na novela e tal. Não tem nada implantado, a situação é terrível, é difícil você ver. Fui agora para Bonito, tem uma estrutura de turismo, mas as atrações estão todas dentro de fazendas, é um negócio altamente rentável, então deu certo, está aparentemente dando certo. O que acontece é que as pessoas vão, elas deixam lixo, gostam, mas você vai lá conversar com a pessoa: “Eu amo a natureza!” Joga o cigarro do lado, a bituca do negócio. Aconteceu isso comigo várias vezes, você conversando com a pessoa: “Não, porque eu adoro ficar aqui na natureza.” E fumando. Não tem nada, cada um fuma. “E não sei o quê.” Pum, joga o cigarro ali do lado, no chão, na trilha. Então muito pouca gente tem isso. Tem aquela vontade: “Eu gosto da natureza!” Tem essa. Eu acho que isso é uma coisa que faz parte do organismo. A gente, na verdade veio desse negócio. Na cidade é que a gente se isolou, botou roupa, teto, ar condicionado, casa, luz, tem luz à noite. Até uns anos atrás você tinha o horário teu, era das oito às seis, às seis morreu, até às sete ia dormir e acabou, não tinha mais nada para fazer. Hoje você tem a possibilidade, vara a noite. Então a gente criou um meio ambiente artificial para o ser humano viver. Então nós criamos esse meio ambiente, mas a gente tem essa ligação com a natureza. Eu já levei grupo de pessoas que não tem nada haver, não tem uma prática de natureza, e as pessoas se soltam. Então eu acho que isso é uma coisa que está meio intrínseco nas pessoas. Mas elas não sabem às vezes como, ela tem aquele amor mas acaba arrancando a planta, fazendo aquilo. Ela quer tanto que vai levar para a casa dela. Então você tem essa relação meio de paixão e ódio, as pessoas não conseguem... Que é uma coisa que eu acredito que vem muito do ser humano e ela não consegue decodificar isso direito, como, o que ela vai fazer, o que ela pode... “O que eu posso fazer para ajudar o meio ambiente?” E às vezes faz coisas... Então essa relação do ser humano com o meio ambiente vem de muitos anos, e ela volta. Mas ela demanda. Hoje é assim, essa mesma pressão demanda para o cara fazer a casa em Maresias, lá no topo, no meio da mata. Mas ele abre o espaço dele, ele vai fazer mudar o leito do rio, vai fazer não sei o quê, tem essa demanda de ocupar. Eu fiquei impressionado, aqui indo para o Vale do Ribeira, a gente saiu ali da USP de helicóptero e foi numa linha reta para o Petar, e foi seguindo mais ou menos paralelo a BR-116, a Raposo. A quantidade de chácaras e a quantidade de buraco. Você vê que é loteamento novo de chacrinhas de mil, dois mil metros. O que eles estão fazendo de destruição na mata é inacreditável, inacreditável. Você vê o negócio indo assim, você vê que é tudo novo, e o cara abre o mil metro, ele vai lá e detona a mata. Então está comendo de borda, e vai comendo pelas bordas. E o negócio está indo, você vai vendo. Eu voei há uns anos atrás ali, e pensei: “Mas eu já voei nesse lugar aqui, eu já fiz esse voo. Mas está muito diferente.” Eu fiquei impressionado com a quantidade de sítio. Aí você vê, é região de expansão de chácara: “Tenha sua chácara, viva na natureza!” Só que você chega lá, o cara... Têm alguns que mantêm a mata, e cada um detona por si só. E tem aqueles que já vão e detona por ele mesmo, faz aqueles movimentos de terra que você olha. E nós estamos discutindo sobre qualidade do ar, estamos discutindo sobre falta de água. E isso está a vinte quilômetros, trinta quilômetros em linha reta daqui da cidade. O que ainda mantém um pouco a cidade, daqui a um tempo São Paulo vai ter 45 graus, ninguém vai conseguir mais andar na cidade. Você vai entrar no seu ar condicionado, todo mundo de ar condicionado. Esse bolsão que a gente tem em volta. Muita coisa, bolsão, cinturão verde para a agricultura, que serve para horta. Só que esse preço de você botar horta lá a cem quilômetros e vai custar para trazer aqui, que é o custo do cara que produz, não é custo nosso, social, é o cara que tem que se virar, é problema comercial dele. Só que o problema da água para buscar a duzentos, trezentos quilômetros, ou custo da poluição, esse é um custo social. Então você abre mão, todo mundo defende: “Ah, mas tem que plantar para comer!” Concordo, só que isso é um problema comercial. Se o cara tem que plantar a duzentos quilômetros e ele tem a margem de lucro dele menor, problema dele. Eu não quero é que destruam a mata daqui, e daqui a um tempo todo mundo não consiga viver, você tem que sair da cidade. Então esse cinturão que tem em São Paulo é o que faz segurar. A gente tem a vantagem de ter uma serra aqui e outra aqui, e São Paulo se desenvolveu aqui. Isso é que ainda mantém a coisa, porque você mantém vento para tirar a poluição, você mantém dois bolsões de resfriamento em cima e em baixo para uma área super quente. Se você come essas áreas, como está acontecendo, você não para de comer isso, você vai além, você tem uma mancha. O Milton Santos, grande geógrafo, grande urbanista, eu fiz curso com ele na época que eu fazia Geografia, em 1985, 1986, ele falou que a cidade de São Paulo não tinha chance de sobreviver, era uma cidade fadada a implodir. Ele falava assim: “Olha, vocês acham que eu estou sendo muito claro, mas é isso, São Paulo não tem, pela estrutura que ela tem, a cidade tem que mudar todos os parâmetros da coisa.” E aí muda tudo. Para você mudar uma coisa assim, você tem que mudar os conceitos de lucro, um monte de história para você dar... Então é um negócio complicado. Mas você tem hoje, o governo é omisso, ele tem ferramentas para poder minimizar e o negócio ter numa velocidade menor. A velocidade é muito grande. Sem contar que a gente, a população, essas mudanças todas vêm da revolução industrial para cá, você não tem muitos anos. E dos últimos trinta anos, que eu vejo, da minha vida, do que eu vivi, dos últimos trinta anos e dos últimos dez anos, a velocidade vai cada vez aumentando mais. Então você tem que arrumar formas de brecar, para você manter. Não acredito muito naquelas coisas meio catástrofes e tal. A mudança do clima é uma mudança que ela demora, é uma mudança muito mais lenta, mas de você falar: “Ah, temos que preservar, porque senão o planeta todo vai morrer!” Não, nós vamos viver e vamos gastar mais, nós vamos continuar. O ser humano se adapta e consegue. Eu acredito que vai conseguir viver, mas nós vamos pagar muito mais por isso, nós vamos ter que ter alternativas. Imagina você ter ar condicionado em todo lugar, o quanto você tem de geração de energia. Para você gerar mais energia ou você vai para a energia nuclear ou você vai fazer mais hidrelétricas, que vai ocupar mais área alagada, você vai modificar. Então você tem que ter umas coisas de... Para o planeta como um todo, a gente tem que baixar o consumo. Esse consumo padrão implantado pelos americanos, e consumo de coisa, não é um padrão que dê para o planeta todo sobreviver bem, numa condição boa, com o crescimento populacional que tem. Então a gente vai ter que diminuir padrões de consumo mesmo na cidade, de água, de energia. Você vê em dois anos, quando terminou o racionamento, todo mundo entrou numa economia e baixou tanto que tiveram que aumentar o preço da energia, porque as empresas estavam indo à falência. Acredito até que as empresas não divulgaram todos os dados, mas a economia foi muito alta, que os caras falaram assim: “Meu, agora tem que fazer os caras consumir, porque senão a gente vai para o buraco.” Então você que tem um excesso. Ninguém parou de tomar o seu banho, ninguém parou nada. Então tem muito desperdício de embalagem, desperdício de energia, a gente desperdiça muita energia porque a gente viveu... Então a população, o planeta todo na mordomia, não tinha preocupação de petróleo que vai acabar, você não tinha um monte de coisa. Então hoje a gente tem que ter coisas mais racionais, de reciclagem, de economia de água, de uma série de coisas para você melhorar. E essas coisas, essas ONGs estão trazendo. Porque elas não trazem a solução em si - algumas até - mas elas trazem a problemática. Quando você vai a uma usina para criar mais energia, você vai provavelmente alagar áreas e isso vai ocupar a coisa. E vai ter uma ONG que vai brigar. Então as ONGs fazem muito esse papel de fiscalização, de alerta, é mesmo de alarme. Porque com exceção das grandes, o poder de ação não é muito grande, o poder de fogo não é muito grande, pelo próprio tamanho, mas ela grita. O menorzinho pode ter uma pessoa, mas o cara vai lá, ele grita e muita gente escuta. Então eu acho que essa posição de alarme, de falar, é um pouco, “não estão sabendo o que está acontecendo com a Mata Atlântica. Mas eu sei que se estiver acontecendo qualquer problema a SOS vai estar divulgando.” Então você mais ou menos fica ali meio que tranquilo porque você tem alguém ali que olha.

P/1 - Roberto, deixa eu te perguntar uma coisa. A gente está chegando ao final. A SOS, você sabe, está completando dezoito anos. Eu queria que você fizesse um balanço desses dezoito anos de atuação dela.

R - Eu posso falar das coisas que eu participei, que a gente fez algumas coisas, esse do Projeto dos Remanescentes, que eu considero um projeto, tanto que depois foram repetidos. É um dos projetos mais importantes. E eu participei também, ela faz bastante coisa em divulgação, de conscientização, de educação. Sei que ela tem um apoio grande a entidades menores que ela agrega e dá força. Eu acho que ela deu uma. Eu acho que o balanço maior mesmo é esse que eu falei, ela deu uma cara séria para o movimento e deu uma importância para a Mata Atlântica que as pessoas acabaram entendendo um pouco mais a Mata Atlântica dentro da coisa que elas estavam vivendo, porque as pessoas vivem, a maior parte da população brasileira vive dentro da Mata Atlântica e não tem muito conhecimento do que é. Então acho que esse papel dela estar divulgando isso é importante. E o papel político que ela tem na aprovação de leis, na regulamentação de coisas, é esse papel de estar lá em Brasília e pegando e ficando atenta, esse papel acho que é fundamental.

P/1 - E, assim, o que ela representa para você na sua vida, nesses anos que você está envolvido com as causas ambientais?

R - Eu me sinto muito orgulhoso de ter trabalhado para todas essas ONGs. Eu acho que eu contribui para criar, para preservar algumas áreas mais diretamente, no caso da Juréia, eu me sinto meio dono do negócio por ter estado lá e ter ajudado. E da SOS, ela possibilitou eu fazer, eu acho, um dos trabalhos de documentação mais importante, para mim o mais importante, que é esse trabalho que foram seis meses de trabalho de campo. Então durante um ano e meio a gente ficou viajando seis meses. Então foi uma experiência incrível de ver. A possibilidade de voar tantas horas. E eu tenho o maior orgulho de estar, eu sinto, de ver quando acontece alguma coisa, quando ganha alguma coisa, que sai na imprensa, eu tenho, eu vi junto, ajudei ali. Então todas essas entidades, eu trabalho para algumas, às vezes até contratado, remunerado, mas em boa parte é voluntário. No caso da SOS vem o arquivo, eles sabem, elas já mandam os caras: “Falaram que você libera as fotos!” Então eu tenho um material que são deles, que a gente usa em comum. Para mim é assim, é uma coisa meio... Me sinto assim, realizado como cidadão, de estar participando, de ter atuado, de ter conseguido fazer algumas coisas, de ter mudado algumas coisas. E a SOS é uma das entidades que me possibilitaram fazer isso. Então eu fico muito feliz de ver as coisas e estar trabalhando nesse aspecto aí para tentar melhorar as coisas.

P/1 - E você quer deixar, uma mensagem, um recado para a SOS, nesses dezoito anos? O que ela deve fazer? (risos)

R - Pô, agora é maior de idade, né? (risos) Agora é sério o negócio. A mensagem acho que é continue fazendo esse trabalho sério e profissional. E com dezoito anos a gente fica velho (risos). Todo mundo. Acho que é só parabéns. Dezoito anos é bastante tempo para manter uma ideia e uma chama, de uma briga de estar no mesmo objetivo. É um tempo bem grande, não é fácil você manter coerência durante tanto tempo. Acho que nesse período ela sempre fez, não me lembro de nada que eu tenha visto e falado assim: “Olha, a SOS pisou na bola nisso.” Eu acho que ela sempre foi positiva no que fez e conseguiu os resultados. E tem que dar parabéns mesmo pelo que está conseguindo e pelo lugar que ela está dentro das ONGs. Acho que dentro de várias, Greenpeace, WWF, Conservation International, tudo cheio de entidades internacionais, e uma entidade brasileira, com a bandeirinha do Brasil, acho que tem tudo... Não sei, dentro das entidades internacionais acho que no mundo todo, a SOS tem uma posição de destaque, é uma coisa genuína. Porque as outras coisas vêm mais ou menos um perfil, e uma coisa que foi feita aqui, criada aqui, pessoas daqui, de todo tipo, ter, estar no mesmo nível, você fica contente de ver uma coisa bem brasileira estar lá no top.

P/1 - Você acha que a gente não perguntou alguma coisa que você acha importante falar?

R - Não, acho que da SOS, do trabalho de meio ambiente, acho que a gente falou tudo, não lembro de nada. É tanta coisa, uma hora e meia (risos). Já nem lembro o que eu falei no começo.

P/1 - Bom, então a gente queria te agradecer, Roberto, por você ter vindo e ter ficado aqui com a gente um tempão.

R - Obrigado, estou à disposição.