Museu da Pessoa

Um flamenguista pelo mundo.

autoria: Museu da Pessoa personagem: Francisco Moraes

Projeto Museu do Flamengo
Entrevista Francisco Moraes
Dia 25 de Janeiro de 2001
Entrevistado por José Santos, Manuel Manrique e Eliane Barroso
Transcrito por Marília Eira Velha

P/1- Moraes, boa tarde.

R-

Boa tarde.

P/1- Queria iniciar a entrevista pedindo para você falar o seu nome completo, data e local de nascimento.

R- Francisco Albertino de Moraes. 16 de Agosto de 52. Teresina, Piauí. Que ninguém saiba disso. (risos) Brincadeira, eu tenho muito orgulho da minha cidade.

P/1- Queria que você falasse o nome dos seus pais e qual era a atividade deles.

R- O meu pai, José Albertino de Moraes. E minha mãe, Raimunda Pereira de Moraes. Minha mãe tinha grana, meu pai não tinha e eles se entenderam. Depois, meu pai dinamizou a grana dela e eles ficaram bem. Veio para o Rio, ganhou muito dinheiro. Foi trabalhar para a governo e se deu muito bem.

P/1- E a origem da sua família?

R- Que tipo de origem?

P/1- A sua mãe é do Sul?

R- É do Sul, mas foi morar no Piauí cedo. Não sei porquê, parece que a família dela foi extrativista. Esse negócio de lavoura, essas coisas, no Sul. Lá, conheceu meu pai, que não tinha grana, mas ele dinamizou isso legal. Eu tenho muito orgulho. Depois, veio para Brasília e para o Rio. E a gente chegou a isso.

P/1- Você chegou no Rio com que idade?

R- 4 anos.

P/1- E você tem mais irmãos?

R- Por parte dele, tem. Eu sou filho único da minha parte. A parte dele tem quatro ou cinco irmãos. Porque, primeiro, ele tinha um relacionamento e, depois, casou com a minha mãe e eu nasci.

P/1- Entendi. Só vieram vocês três para o Rio?

R- A princípio, sim. Os outros ficaram lá. Teve dois que vieram para cá. Uma, agora, foi embora, teve um problema de pessoal. A outra tem... Até hoje vê-la amanhã.

P/1- Vocês foram morar aonde?

R- Quando eu cheguei no Rio, Praia do Flamengo. Um lugar fantástico, adoro aquilo lá. Eu fiquei lá até 82. Depois, fui para Copacabana e, agora, estou em Jacarepaguá.

P/1- Aqui, no Rio, qual era a atividade do seu pai?

R- Meu pai foi trabalhar para o governo. Na realidade, a atividade dele, mesmo, era mais lobista. Foi muito bom para ele. Para mim, também. A gente viajou muito, morou muito fora, porque ele era deslocado para esses lugares. Até que teve um enfarto em 78, véspera da Copa do Mundo. A gente ia viajar Sábado, ele morreu na Sexta. Foi um negócio terrível, mas me obrigou, praticamente, a ir à Copa do Mundo de 78. Foi a terceira Copa. E lá deslanchou legal.

P/1- Moraes, como é que era a Praia do Flamengo, seu bairro na sua infância?

R- Era a melhor coisa do mundo. Prestou até 80. Era um lugar fantástico porque, primeiro, a gente, na época, estava construindo... Em 60, o Lacerda começou a construir o Aterro do Flamengo. Aquilo não tinha praia, a praia era longe. Tinha aquele murão, um muro que água batia. A gente tinha que andar para pegar onda lá no final. O Lacerda, em 60, começou a construir o Aterro do Flamengo, que foi a melhor coisa do mundo, ficou um negócio fantástico. Quando começou mesmo a Praia do Flamengo em si, era um lugar legal. As pessoas vinham de subúrbio, de Nova Iguaçu para a praia, mas não tinha essa farofada que tem hoje. A gente não é contra. Sou contra o seguinte: o cara chegar na minha praia, com meu IPTU, pegar, comer, jogar tudo no chão. Naquela época não existia isso, apesar da cultura ser menor. Eram famílias que saíam do raio que o parta, de Nova Iguaçu, Méier e iam para a praia. Passavam o dia todo inteiro lá, depois deixavam o lixo bonitinho. Então, a gente adorava aquilo lá. Prestou até 79, 80. Depois disso, começou a decadência, como hoje é Copacabana. É decadência que a gente não agüenta mais, também.

P/1- Você estudou nas redondezas?

R- Eu estudava sempre ali perto. Em Copacabana, eu estudei. Depois, fui estudar em Laranjeiras. Vim para a Faixa, que é o curso superior que era aí. Foi uma das primeiras faculdades que teve no Brasil, fora de particulares.

P/1- E você fez o quê?

R- Jornalismo, mas nunca exerci. Na realidade, a minha profissão... Eu sou meio alérgico a trabalho. (risos) Desde que meu pai me botou no antigo Insi, que foi em... Eu tenho problema de datas, mas foi, se não me engano, em 68. De lá, era uma atividade que já... Eu já começava a ver futebol, já transava, então não tinha tempo de trabalhar. De 70 para cá, praticamente eu não trabalhei. Tive bons chefes, Dario Corrêa, Roberto Parreira, que hoje é chefe de gabinete da vice-presidência. Celso Amorim me ama. O Celso Amorim é o atual chanceler da ONU. Todos eles me davam... As pessoas sempre tiveram a idéia o seguinte: “O Moraes não trabalha, mas é competente.” Então, eu passava três, quatro dias por mês na empresa e supria eles o mês inteiro. Tanto que a legislação de cinema toda, no Brasil, é Dario Corrêa e o Moraes. O Dario como advogado e o Moraes como redator, uma pessoa que conhecia, até por ser entrão, e dinamizava aquilo. Só que a parte final era do Dario. E eles gostavam disso. Trabalho, mesmo, dá um pouco de alergia. (risos)

P/2- Moraes, voltando um pouco. Ainda quando criança, garoto, como é que você começou a torcer pelo Flamengo?

R- Bom, o cara que nasce e não nasce flamenguista já é maluco, para começar. Desde pequeno, no Piauí, tinha um chamado Flamengo do Piauí. Então, desde os 2 anos de idade. Na minha casa, quem não fosse flamenguista seria deserdado. Já vim para o Rio flamenguista, daquele flamenguista louco. O Flamengo do Piauí é desse tamanho, ninguém ouve. Todo mundo com rádio. Naquela época, não tinha televisão. Para ver o Flamengo jogar... Aquela era a época de Dida, de Evaristo, de pessoas que te motivaram. Eu vim para o Rio, com 4 anos, flamenguista roxo, de não dormir. O Flamengo perdia, eu não falava. Até 1994, o Flamengo perdia um jogo, eu passava três dias sem falar. Se você falasse comigo, eu te dava uma porrada. Sério! Eu era louco, era uma loucura. Começou 96, eu esqueci. O ímpeto começou a diminuir pela violência, por essas coisas. Hoje, eu vou ao Maracanã, quando vou, vou lá em cima. Não vou nem mais em arquibancada. Mas essa é a razão do Flamengo. Quem não é Flamengo odeia. Como hoje é a relação Flamengo-Vasco. As pessoas estão odiando não o Vasco, mas o Eurico Miranda. É essa relação que tinham com o Flamengo, quem era botafoguense odiava o Flamengo. Não está tão mais ódio, está o ódio do Eurico Miranda. E é graças a Deus para mim, porque o Vasco vai se estrepar enquanto esse cara estiver aí. Se o Vasco perder 100 partidas, eu estou cada vez mais feliz.

P/3- Você freqüentava o clube quando era pequeno?

R- Fiz natação no Flamengo. Na época, as piscinas eram medíocres, mas depois, começou... O Flamengo, hoje, é o melhor parque aquático do Brasil, tanto que me deu uma base. Eu sou triatleta dos bons, pode botar isso aí, com a natação que eu tive no Flamengo. Eu não freqüento o clube desde que o Cléber entrou. Foi uma grande decepção. Há uns seis anos, cinco anos que eu, praticamente, não vou ao clube.

P/1- Como é que era a Gávea nessa época que você foi fazer natação?

R- Família. Os pais levavam os filhos, todo mundo se conhecia. Essa minha grande relação de amizade com essas pessoas, de Flamengo inclusive, é porque a Gávea era família. Até 78, 79, era família e todo mundo se conhecia. Era um congraçamento legal. Quando começou a disputa, cada um querendo, principalmente a selva de pedras quando construíram aquilo lá, acabou isso. Hoje, o Flamengo é o quintal do Leblon. As pessoas saem de casa para brincar no quintal, no clube. Não é mais aquele congraçamento que tinha antigamente.

P/3- E o Estádio você assumiu?

R- O Estádio da Gávea? Era aquilo lá. Não mudou muita coisa, não. Todo mundo ia, os caras bonitinhos. Eu sempre andei largadão mesmo. Era uma das poucas pessoas que ia de bermuda para o Estádio. Todo mundo ia de calça. Eu parecia um mendigo, mas era o Flamengo e era o Moraes. Graças a Deus, as pessoas gostavam, e muito!

P/1- Falando nisso, qual é a primeira vez que você foi no Maracanã?

R- De data eu não lembro, mas eu não fui à Copa de 50. Eu já tinha 8, 9 anos. Meu pai jamais deixaria. Parece que em 54, num jogo com o América, que nós levamos um sacode de 2 a 0, 3 a 0. O primeiro jogo que eu vi o Flamengo perder em Maracanã. Na Gávea, a gente ia. Foi com o América, se eu não me engano, no Maracanã.

P/1- E você se recorda da primeira vez que você viu o Flamengo jogar?

R- Recordo. Nós chegamos no Rio numa Sexta-feira. No Domingo, eu estava vendo o Flamengo em Madureira, lá em Conselheiro Galvão. Naquela época o estádio era fantástico, pequenininho e, também, iam famílias. Foi a primeira vez que eu vi o Flamengo jogar. Foi muito choro, foi muito legal! Porque tu era moleque de cabeça chata, veio do Piauí, está no Rio de Janeiro. Ver o Flamengo jogar, a maior paixão da tua vida, na hora a emoção é muito grande, muito legal.

P/1- Quem é que te levou?

R- Meu pai, flamenguista roxo, louco. Eu fui à Copa do Mundo em 70, ele me levou. Em 74, eu já fui só. Mas ele me pegou na semifinal. Então, hoje reencarnava nele, pé frio, perdemos para a Holanda. Ele estava em Nova Iorque e me levou. Não, eu fui sozinho em 74, ele foi me pegar na véspera do jogo. O Brasil perdeu, quase que eu dei porrada nele. (risos) Flamenguista roxo!

P/1-

R- Não. Na realidade, em 68, 69, eu estava morando, se não me engano, em Barcelona e o Brasil fez um jogo na Suécia. Essas datas eu não recordo há muito tempo. Se eu não me engano, foi em Estocolmo que o Brasil foi jogar, em 68. Estava pertinho e a gente foi ver o jogo. Adorava, gostei muito. Mas não tinha essa idéia de Copa do Mundo. Em 69, o Flamengo fez a excursão pela Europa. Eu já fui ver, isso acho que eu até conto no livro. Eu vi dois jogos do Flamengo. Um foi em... Foi num país comunista, até que deu problema para entrar no... Se eu não me engano, foi em Berlim. Eu não recordo essas datas. O Flamengo fez dois jogos. Como era... Seleção brasileira porque era teu país. Eu estava morando fora. O Flamengo era meu time. Eu fui ver e gostei, mas não tinha essa idéia de viajar. Em 70, a Copa do Mundo. Meu pai: “Vamos?” “Vamos lá.” Aí foi que começou legal, desde 70 até agora, até 96.

P/1- Então vamos falar da Copa de 70, que é uma Copa boa de ser lembrada.

R- Fantástica! Até porque a gente ficou no mesmo hotel dos jogadores. É um hotelzinho... Está no livro, também. Essa coisas tem que ler para recordar. Desde 70. Eu fui com um amigo meu, Pita, que hoje mora num apartamento nosso alugado, em Copa, um gringo. Ele: “Vamos à Copa do Mundo?” Meu pai levou, dois moleques. A gente foi em 70. Guadalajara, o Brasil ficou um tempo lá. Mas era um negócio tétrico, porque ninguém acreditava no Brasil, na época. Todo mundo achava que o terceiro jogo a gente ia perder. O Brasil perdeu um jogo preparatório para o time Leon, tipo um bangu desses da vida. Perdeu. A empresa sentava o pau. Só quem acreditava era o João Saldanha, que foi um inferno para ele chegar lá. Nessa época, a gente já começou... Em 68, 69, eu já conhecia o João, que ficou um pai para mim, um cara que eu tenho um orgulho muito grande. Bebia, mentiroso pra caramba. Tu falava qualquer com o João Saldanha: “Eu estive lá, na conchinchina.” Mentira, a gente sabia que era mentira. Mas ele...

P/1- Devia estar na Grande Marcha com o Mao Tsé Tung?

R- (risos) Ele falava com tanta ênfase que a gente fingia que acreditava e ria. Era um cara...

P/3- Como você conheceu ele?

R-
Aqui, se eu andar, é maluco, todo mundo anda. Lá fora, eu só ando com a camisa do meu clube. Com a camisa do Flamengo, conversa vai, conversa vem, começamos a conversar e ficamos amizade fantástica. Tanto que, nas eliminatórias no Rio, nos ficamos praticamente irmãos, conversamos no Paraguai. Uma grande mágoa que tem da imprensa contra o Saldanha é porque ele falou que o Pelé era cego. Isso é mentira! O Pelé estava duro, eu sou testemunha. Se chegar aqui e chamar o Pelé... Ele é meu amigo. Hoje, a gente perdeu o contato, mas se chegar aqui, vai me abraçar e me beijar. O Pelé estava sem um puto, estava falido, não conseguia jogar. O Pelé jogou bola... De 68 a 70, o Pelé

jogou duas partidas boas. Uma pelo Santos e uma Brasil-Paraguai. Lá dentro, nós ganhamos de 3 a 0. Aliás, o Pelé não jogou nada. O Saldanha: “Vou barrar!” A imprensa... Ninguém é louco de se barrar o melhor jogador do mundo se não tiver um motivo. Ele não estava bem, completamente falido. Uma coisa que poucas pessoas sabem é que o Pelé estava falido, falência fraudulenta. Falsificaram a assinatura dele num projeto que ele tinha em Manaus, ele podia ser preso. A imprensa não sabe disso, pouca gente sabe disso. Eu estou falando isso em público e em frente à câmera. Ele estava desesperado, não tinha dinheiro. Aí disseram que o cara era cego. Não, ele botou o Pelé no banco, em 69, pôs Dirceu Lopes e peitou. Foi uma das razões que ele saiu, peitou. O Pelé estava sem um puto. Foram pedir um empréstimo ao Havelange para cobrir um empréstimo do Pelé, até para cobrir isso. Foi negado, só levando porrada. Até que na Copa do Mundo, em 70, o Pelé arrebentou. Por quê? Porque sanear os problemas dele. A CBF, na época, deu 200 mil dólares. Seria, hoje, 2 milhões de reais para cobrir isso. Uma das poucas pessoas que ficou do lado dele, que ficamos amigos, fui eu, porque eu sabia da história. Disseram que o Saldanha falou que o Pelé era cego. O Pelé estava duro, desesperado, não tinha um puto. Mesma coisa que você trabalhar sem um dinheiro com o oficial de justiça para te prender a qualquer momento. Por isso foi a amizade que a gente ficou legal. Eu fiquei do lado dele até o último. Tanto que ele morreu em 90 e uma das poucas pessoas que visitou, juntou com a TV Manchete, fui eu. Eu estava lá. O jogo do Brasil... Terminava o jogo, eu ia para o hospital. Eu não consegui vê-lo. Mas Luiz Mendes, Washington Rodrigo, todas essas pessoas são testemunhas do amor que eu tinha pelo cara. Um grande amigo, eu tenho a maior amizade. Eu tenho o maior orgulho de ter conhecido ele e da gente ficar amigo, legal até hoje. Morreu, está lá em cima bem, com fé em Deus.

P/1- Voltando, então, ao México. Você era um torcedor solitário? Ou você e seu amigo, do seu pai, ou...

R- Eu, meu pai e o Pita. Meu pai era um cara jovem, mas com idéia de velho. Ele ficava no quarto, na piscina, e a gente ficava rodando o hotelzinho. Um hotelzinho simpático. Não lembro o nome, mas deve ter alguma foto aí. Não sei se tem. Na época, não tinha essa de vender jogador, de jogador não poder falar com ninguém. Todo mundo era uma família naquela Copa do Mundo. Véspera da partida, só se via negozinho dizer: “Vamos tomar...” A Tchecoslováquia era o tchan, todo mundo achava que ela ia ser campeão do mundo. Você pode ver os jornais da época, era o melhor time. O Pita, na véspera do jogo, eu também escrevo aí: “Vamos ganhar mole essa Copa do Mundo.” E falava isso na beira da piscina, todo churrasco que a gente fazia no México com jornalista, com tudo. “Vamos ganhar mole. Está maluco.” “Vamos para o estádio.” No dia do primeiro jogo, pimba, 1 a 0 eles. Fiquei assobiando, sabia que era mole. Até está numa passagem que o gringo fala: “Moraes, fodeu.” “Fodeu nada, vamos ganhar mole.” Não deu uma. Era para ser 15 a 0, você pode ver o jogo. Eles tiveram duas chances de gol, fizeram 1 a 0. Depois, tiveram uma chance que a bola passou raspando. Só deu a gente, quer dizer, 1 a 1 ia acabar com o jogo. Foi 4 a 1. Era para ser 9, 15. Porque negozinho, no Brasil, começa a rebolar depois do terceiro gol. Todos nós sabemos. Senão, mete 15 naquele jogo. No dia seguinte, mudou tudo. A imprensa: “É o melhor time do mundo.” Porra nenhuma, isso é minha bronca. Quando é bom é bom, quando é ruim... Naquela época, quem é que podia ganhar aquele time do Brasil? Tinha a Inglaterra, que era o bicho-papão. Aquela jogada chuveirinho, que é o mesmo que o João Felipe faz hoje no time dele, que é o Ferão. Ferão porra nenhuma. Bota um bom zagueiro lá, vai ganhar todas.

P/3- Como é a arquibancada?

R- No México?

P/3- No México.

R- Comum. O estádio não mudou quase nada. Eles construíram o Estádio de Jalisco exatamente igual. É um estádio fantástico, a arquibancada é tipo o Maracanã. A planta, não sou engenheiro, mas eles fizeram naquele modelo. Remodelaram agora, para a Copa de 96. Uma arquibancada normal, todo mundo sentadinho, bonitinho. A violência só começou de 85, 86 para cá, 84 para cá. Antes disso, você não via isso. Os ingleses... Se você vai a um jogo em Londres, se você diz que é brasileiro, eles te protegem. Entre eles sai porrada à toda hora. Mas quando é brasileiro, em qualquer lugar do mundo, exceto a Argentina e em alguns lugares, te tratam assim. A maior linguagem do mundo é futebol, principalmente o brasileiro.

P/3- E já na Copa de 70 tinha muito brasileiro?

R- Do Brasil, mesmo, tinha pouca gente. Mas aquelas pessoas que moravam por ali, Estados Unidos... Teria hoje 1500, 2 mil pessoas. Porque tem uns brasileiros o seguinte: no primeiro jogo, não vai, espera. Ganhou, no segundo já vai uns dez. Ganhou, no terceiro vai 15. E assim. Na final, tinha 300 mil brasileiros. Entres aspas, claro! Mas tinha uns 5, 6 mil brasileiros porque ganhou. Final de Copa do Mundo, quem não quer ver? Quem tem dinheiro vai. Como agora na França. A gente ralou, porque ingresso, na França, foi terrível. No final, tinha paulista pagando 3500 dólares por um ingresso. Se eu tivesse ingresso sobrando, eu tinha feito a festa. (risos) Chegaram... Isso eu não sei se está gravando. No último dia de Copa do Mundo, a gente estava na Galeria Lafaiete, para quem conhece Paris. Me chega um ônibus com 44 pessoas da Fiat. “Beleza, mais gente para ver o futebol.” Porra nenhuma, os caras cambistas. Todo mundo queria vender o ingresso a 4 mil dólares. “Vai à merda!” Comecei a xingar legal os caras. No final, venderam ingresso por mil dólares, 1500 dólares. Se eu roubo eles, eu ia ganhar a festa. (risos)

P/1- Moraes, conta um pouquinho, então, só para a gente terminar a passagem México. Qual foi o jogo que mais te emocionou?

R- Uruguai. Foi terrível aquele jogo! Véspera do jogo... O Gérson, se ele vier aqui, é testemunha. Estava todo mundo preocupado. Quanto à Inglaterra, ninguém entrou preocupado. O primeiro jogo, na ordem, foi Tcheco-Eslováquia...

P/1- Inglaterra?

R- Não. Inglaterra, 1 a 0 nós e, depois, Romênia. Ninguém estava preocupado. Contra o Uruguai, todo mundo entrou preocupado. Balela com esse negócio de que 50...

P/1- 30, 50...

R- Não era nada disso. Todo mundo preocupado porque eles tinham um timaço e futebol sul-americano. Pode jogar Brasil e Inglaterra, Brasil e Espanha, a gente pode até perder. A gente dá um calor neles. Contra a Argentina e o Uruguai fora sempre foi osso duro. Então, estava todo mundo preocupado. Eu lembro bem que o Gérson, o desgraçado, fumava na frente de todo mundo. Todo mundo com um cigarro atrás do outro. A gente via, pela expressão dos caras, que eles estavam preocupados. Mas, também, não passava nem caroço de avião, estava com o maior medo. Estava, realmente, um jogo preocupante. Quando entramos para jogar, eles colaram no Gérson, que o Gérson era o maestro. Pegava a bola, pimba para o Jairzinho, para o Pelé. Pode olhar todos os jogos da Copa do Mundo. Pegava e lançava. Botaram um cara em cima do Gérson, acabou o jogo. Até 15 minutos de jogo, você pode ver, não jogamos nada, não tinha jogado. 16 minutos, fizeram 1 a 0. Acabou o jogo. A sorte foi que esse cara, que não sei se ele seria um bom técnico, mas um cara de uma inteligência incomum, recuou e adiantou o Clodoaldo. Porque a gente jogava com o Clodoaldo atrás, Gérson e Rivelino. Ele veio, trouxe o marcador dele para a cabeça de área e liberou o Clodoaldo. Isso já com 30 minutos de jogo. Começamos, o Clodoaldo empatou o jogo. Respirou. Com 1 minuto de segundo tempo, eles perderam um gol incrível. Se entra, acabou! Depois, só deu a gente. Mas foi um dos piores jogos da minha vida, porque bum... E olha que eu era moleque. Hoje em dia, eu morria. Até que 3 a 1, acabou o jogo. Na final, a gente sabia só o placar. Brasil e Itália, naquele jogo, a gente sabia que ia meter 3, 4. Eu estava discutindo na piscina qual era o placar: “2 a . Está maluco. É 3 a 1, 4 a 1, 5 a 1. Devagar!” 4 a 1, ganhou fácil. Você pode olhar o jogo, foi um jogo fácil de ganhar. Foi a Copa mais teta que eu já ganhei na minha vida.

P/1- E a comemoração? Você entrou em campo...

R- Todo mundo. Praticamente, eu era um, “mascote”. Não era careca mas, era um mascote, porque ficava o dia inteiro lá. Terminou o jogo, todo mundo lá. Pode olhar. Estava todo mundo, antes de terminar o jogo, ali na beira do campo, a galera inteira. Eu queria era uma camisa daquela. Não peguei nada, ainda levei porrada, me pisaram. (risos) Mas foi legal, foi muito legal! No dia seguinte, eu viajei. Terminou o jogo, a gente foi para o hotel, jantou. No dia seguinte, eu voltei para os Estados Unidos. Comemoração, nada! Eu vim para o Brasil dois meses depois, não vi mais nada. Nunca passei a comemoração aqui, nunca. Nem do Flamengo. Na realidade, passei um Flamengo e Grêmio em 83. Terminou o jogo, eu peguei um avião desgraçado: “Eu vou comemorar no Rio.” Vim dormir, não tinha nada! Todo mundo falava, não tinha nada. Eu fui para o Bip-Bip, no Leblon, não tinha nada. Tantos caras bebendo. Eu não bebo, vou fazer o quê? “Vou para a casa dormir, ver o
do jogo.” A Copa do Mundo de 70 foi legal.

P/1- E depois de 70?

R- Vim embora para o Brasil, que a gente estava morando lá. Começamos alguns joguinhos e a gente via. Viajava para São Paulo com o Flamengo, com a seleção brasileira, que eu sempre gostei de ver. Começava a viajar. Em 73 mesmo, o Zico já estava... Em 72. O Zico saiu do Juvenil, que era um (timaço?). O Cantarelli, Zico, Rondinelli, Julinho, Geraldo. Tinha um cara chamado Fidelis que era um monstro. Hoje é um... O Zico vai falar nele. O Fidelis jogava mais do que o Zico. Só tinha fera, era um Júnior do Flamengo. Então, a gente saía mais cedo do Maracanã para ir para o Maracanã para ver o Júnior jogar. Às vezes, era até melhor que o Flamengo. (O principal era Tinteiro, Bugica... Bugica, não. Era Fio, Tinteiro, um monte de cabeça de bagre. A gente ia ver o Júnior, que era um (timaço?), depois complementava o jogo profissional porque era o nosso clube legal. Final de 72, em 73, o Zico começou a jogar uma partidinha lá e a gente já via que o cara era monstro. Tanto que meu visto era o Zico em 73, no Ceará. Meu pai não me deu dinheiro, eu fui de ônibus para o Ceará. Naquela época, era 70 dias indo, 86 voltando. Era uma desgraça! Não, era 70 dias entre aspas. Quatro dias para tu ir. O Flamengo, 0 a 0 com o Ceará.

P/1- Sozinho você foi?

R- Não. Eu e um amigo meu, Mauro, fantástico. Nós vimos o jogo, o primeiro jogo do Zico . Acabou com o jogo, Flamengo 0 a 0. Perdeu um gol desgraçado, daquela que consagra ele. Isso foi em 73. Aí, o Zico começou a estourar. Eu fiz uma viagem com os caras, a primeira viagem que eu fiz, para ver um
Brasil.

P/1- Moraes, você podia contar a viagem que você fez para acompanhar o Flamengo, em 73?

R- Foi a primeira que a gente fez. Eu e dois amigos. Hoje, eles moram em Copacabana ainda. Um é diretor da Bolsa e o outro é advogado. Fofão e Guilherme. Eles tinham um Karmann Ghia, não sei se vocês lembram. Um carro zerinho que ele tinha ganho. “Vamos fazer esse jogo?” Eu enchi os cornos do cara: “Vamos, vamos.” “Está maluco?” No final, convenci os caras para ir de carro. O primeiro jogo era na Bahia. O primeiro jogo beleza, Bahia, praia. O segundo jogo era em Recife, contra o Esporte. Aí, negozinho já começou a xingar porque as estradas eram ruins, não tinha comida, essas coisas. A gente se enchia de biscoito. Bahia até Recife, tudo bem. Depois, na Paraíba. Negozinho já queria me comer vivo dentro do carro, querendo me matar. Mas a gente se agüentava. Jogando em João Pessoa, de noite, terminou o jogo meia-noite. “Vamos dormir no hotel, galera. Amanhã a gente volta.” “Não, vamos embora agora.” Ninguém agüentava mais. Eram dez dias de carro por essas estradas malucas. Às vezes não é... Com grana. A gente tinha grana. O negócio é que não tinha um lugar para comer legal. E começamos a voltar. Mas, aí: “Crioulo safado, mete a gente em friaiada. Vou te matar!” E ouvindo, entrava aqui, saia aqui. Os caras queriam me comer vivo, mesmo. Estavam começando a matar. E pau, pau, ele revezando na estrada. Certa hora, já na Bahia, se não me engano, dirigindo 24 horas por dia para vim embora... Até que o Flamengo jogava com o Madureira aqui e a gente não queria perder o jogo. O carro pifa no meio da estrada. Se tu abrisse o olho, tu não enxergava nem um mosquito. Pifou o carro de madrugada, 6 horas da manhã, 4 horas da manhã. Escuro que nem um cão. “E aí, galera? Vamos?” “Calma.” “Calma?” Nessa hora, minha mãe já era puta, meu pai era filho da puta, era um negócio incrível! Os caras querendo me matar, mesmo. E a gente conversa daqui, conversa dali, até que a gente avistou um clarãozinho maluco lá longe, longe pra caramba. Eu disse: “Vamos lá.” “Não, eu vou sozinho.” “Ninguém vai.” “Vai todo mundo.” Encostamos o carro na estrada e fomos atrás daquele clarãozinho que estava lá. Era uma taberna, dessas casas no meio da estrada. Aquelas casas de tijolo maluco. Não é nem tijolo, como é?

P/1- Pau a pique?

R- Isso. Com 1 milhão de cachorro na porta. Tu chega na porta... Cachorro desse tamanho assim, tudo de fome: “Au, au!” (risos) E os cachorros tudo de pau na mão para ninguém morrer. Veio um senhor. Eram umas 5 ou 6 horas da manhã. O Fofão gritou, que era o mais babaca de todos: “Você conhece algum...” Como é que chama?

P/1- Mecânico?

R- “Mecânico por aqui?” “Bom dia.” Não é nem bom dia. É: “Dia, senhor.” Deu uma civilização na gente: “Bom dia, senhor. O nosso carro pifou daqui há uns 15 minutos, 10 minutos a pé. Como é que a gente faz para ir no mecânico?” “Tem um bombeiro aqui, daqui há uns 10 minutos. Amanhã de manhã, eu mando o meu filho ir buscar para vocês. Agora, relaxa.” Relaxa em termos. O cara falando na linguagem dele, tipo caboclo. “Você tem água?” “Tenho. O riacho está aí para beber.” Puta que pariu! Mas aquela água limpa, negozinho acostumado em Copacabana. Ele foi buscar um copo para a gente, nós bebemos aquilo lá. Morrendo de fome, só com biscoito há dez dias. “Vocês querem comer alguma coisa?” “Estamos morrendo de fome.” “Espera um pouquinho.” Eu não peguei o nome do cara, ninguém pegou o nome do cara. Fizeram um negócio chamado biju, não sei se vocês conhecem. É um negócio que fazem. E a gente comeu. De manhã cedinho, o filho dele pegou um cavalo e foi buscar o mecânico para consertar o nosso carro. Ele foi matar um bicho para a gente comer, um bode. Hoje, quem é que mora em Copacabana e conhece bode? (risos) Deram uma porrada no bicho, mataram o cara lá, fizeram uma comida que eles chamavam de frito. A gente comeu. Fizeram um farofão dentro da... Eles não tinham prato, eram paupérrimos. Eles botaram um pano mais ou menos branco, botaram aquela coisa lá e amarraram. Era para a gente comer na estrada.

P/1- É uma espécie de uma farofa. Com pedaço de carne?

R- Pois é. Matou o bicho, passou na nossa frente e fez uma massaroca, farofa que eles chamam, para a gente comer. Chegou o mecânico. O carro, na realidade, consertou. Era uma merreca. E a gente comendo aquela gororoba. Comia aquilo e botava água. A barriga inchou, ninguém era acostumado a comer aquela. Deu uma caganeira, cara! A gente usou cueca... Não tinha papel, não tinha nada. Era jornal, era papel, era revista, cueca, meia, no meio da estrada. (risos) Terrível! Mas valeu a pena. Os caras deixaram de falar comigo dez anos. Hoje, são meus amigos de novo.

P/1- Dez anos? (risos)

R- Ficaram traumatizados com a parada. Foi fantástico! De lá para cá, depois disso, aí sim, começamos a deslanchar. Até porque tinha o Zico. Tanto que a gente estava contando que o Zico fosse convocado para a Copa do Mundo de 74. O Zico foi convocado para o pré-olímpico, arrebentou. Teve um jogo, Brasil e Bolívia, que ele fez seis gols. Eu não sei porque não está na estatística disso, é até bom vocês perguntarem. O Brasil ganhou de 8 a 0 lá em La Paz, na Bolívia. O Zico fez seis gols. Isso não está na estatística dele, nunca perguntei isso. Acabou com o jogo. Nas Olimpíadas, ele não foi convocado. Foi um trauma terrível! Depois, na Copa do Mundo, o Zagalo não convocou porque achava que o garoto era muito jovem. Foi uma decepção. A galera que ia para a Copa do Mundo com a gente eram umas 30 pessoas, para ver o Zico. E, depois, o Brasil. Amarelou. Eu fui praticamente sozinho. Foi quando eu conheci, lá, o Jaime de Carvalho. Mas, de 73 em diante, começamos a deslanchar. Aí, eu não ia com torcida, eu ia sozinho. O Flamengo em São Paulo. Eu não ia para o exterior, mas para todos os jogos por aqui, São Paulo, Belo Horizonte... Não tinha Brasília na época. Tinha, mas não tinha futebol. Eu ia sozinho, às vezes com uma ou outra companhia. De lá começou a deslanchar, de 73 para cá.

P/1- Essas suas viagens foram documentadas pela
?

R- Foi. Porque de (70 e?)...

eu estou ficando velho, mesmo. Eu tenho dois álbuns com jogos desses 20 anos. A partir de 73, 74, todos esses jogos... Jogo Flamengo e Bangu dia tal, a gente botava isso. Colei isso em torno dos dois álbuns, que são duas coisas monstruosas. Em 96, eu fiz a liqüidação da Embrafilme e acabou a grana, eu fiquei meio duro. E morava em hotel. Um hotel chamado Malibu, que fica ali na Sá Ferreira. Fiquei lá quase dois anos. No final, esqueci de pagar a conta. Eu vim lembrar dois anos depois que tinha que pagar a conta. Eu não sabia que em hotel tinha que pagar conta. (risos) O que aconteceu? Eu estava realmente sem grana e fiquei lá. A gerente, flamenguista daquela pior do que eu, “Vai morando aí. No dia que o dono chegar, a gente tem que dar um jeito.” O dono morava, não sei bem, num país, fora. Ele chegou e tinha que liqüidar as contas. Eu não tinha grana para pagar o hotel, não tinha mesmo. Era merreca, tipo 2 mil reais, 2500. A Denise chegou: “Espera aí, vamos dar um rolé.” Foi o meu erro. “Pega aqui teus documentos e vai saindo todo dia com as roupas.” “Legal!” E eu fui saindo. Todo dia, eu saía cedinho e botava na casa de uma amiga minha. Mas os álbuns do Flamengo, que estão tudo isso registrados ficaram no hotel e eu tenho vergonha de ir lá, porque eu tenho que explicar para o cara: “Esqueci de pagar a conta.” Isso é um negócio meio chato. Eu tenho que voltar lá um dia. (risos) Mas tem todos esses ingressos. Eles me procuraram em...

P/1- O
?

R- É, o Joça, Editora Três, que é
no Brasil. Quando o Joaquim estava fazendo esse livro de 100 anos do Flamengo e ele escolheu as 100 personalidades, me pediu uma matéria. Eu fiz e isso deu uma matéria fantástica. Eu fui no Jô, eu tive uma matéria no Fantástico e os caras anunciaram no Fantástico. Eles, da Editora Três, me procuraram, o Fabiano junto com o Tom Lopes, que está hoje na Globo: “Queremos ver isso. Tu tem isso documentado?” “Tenho.” Nós fomos no hotel e os caras foram receptivos, mostraram todos. Eles documentaram e botaram o carimbo em tudo isso para sair na edição de 95 ou 96. Não sei, parece que a edição internacional saiu. Eu nunca me preocupei, até me lixei para isso. Mas eu tenho documentado todos os jogos e todas essas matérias do mundo inteiro, editoriais que saíram. Tanto que, na revista, eu falo, boto o jogo e boto a matéria de jornal. Isso está tudo documentado.

P/1- O seu
é creditado o quê?

R- Dos jogos. Porque vai no Flamengo, vê a estatística de todos os jogos oficiais do Flamengo e vê todos os meus ingressos, bate um com o outro.

P/1- Sim, mas você é caracterizado no livro como o
de quê?

R- De torcedor, o fanatismo. O torcedor mais fanático, de 20 anos de jogos oficiais do clube sem perder nenhum. Nenhum mesmo! Eu saía daqui na Quinta-feira para ver um jogo... O Zico me ferrou, eu vou cobrar dele isso. Quando ele foi para Udine... O Flamengo jogava Domingo, eu não ia. Mas, se o Flamengo jogasse na Quinta, eu ia ver o Zico jogar Domingo. Isso é uma passagem. E o Milão? O Milão-Udine? Chegar aqui na Segunda-feira é meio terrível. Então, jogo oficial eu não faltei em nenhum jogo. O Zico é testemunha. Na realidade, o Flamengo é testemunha disso. O Aide Andrade, o Zico. Quem passou nessa época toda... O Kléber Leite, se chegar a fazer o

depoimento dele, vai ratificar embaixo. É um cara que era meu fã e eu era fã dele. Ele é meu fã porque ele achava que a torcida tinha que pagar. Como eu também acho. Quem quer ver o Flamengo jogar tem que pagar, seja quem for, do presidente ao roupeiro. Se você quer um time bom, você tem que pagar. O cara que morre de fome... Você não tem idéia do que é a Raça. A Raça é um núcleo que 15, 20, 30 pessoas e o resto o povão do lado. Aquele povão, aquele cara que está lá, está há três dias sem comer para guardar dinheiro para ver o Flamengo jogar. Se esse cara paga, porque eu, que tenho dinheiro, não vou pagar? Essa é uma bronca que eu tenho do Edmundo, e ele sabe disso. O Cléber chegou e cortou isso. A torcida pressionou, ele deu. Não tem que dar 400 ingressos para a torcida. Por que é que vai dar ingresso para a torcida? Se eu pago é porque você tem que pagar também, senão você vai ter o caldeiro no teu time.

P/1- Você estava falando da Copa de...

R- De 74, que ele levou um monte de cabeça de bagre. O argumento do Zagalo era que o Zico era muito jovem. Foi o maior erro porque, se o Zico joga Copa Centro, vai para o banco. Joga uma, duas partidas. Pegava já a cancha, pegava mais experiência para a Copa de 78. O Zagalo não levou. Quebrou a cara, porque o Brasil só jogou uma partida razoável e ficou contra a Polônia, que nós perdemos. Ficou em terceiro lugar. Levou o Geraldão, um monte de cabeça de bagre que não jogou nada. Ele tinha um problema pessoal com o Ademir da Guia, que era o melhor jogador do meio de campo do Brasil. Ele levou o cara pela pressão e esse só jogou uma partida. A gente gritando: “Zico! Zico!” Questionamos o Zagalo. O Zagalo, hoje... A gente bateu de frente duas vezes em 74. Ele sabe que a gente, a torcida... Na época, não era o Moraes, era a torcida. O Moraes veio a partir de 78 em diante. Se era o Moraes na época, ele teria levado o Zico na marra, porque a gente ia fazer pressão. Na época, não tinha pressão. Ele não levou porque era muito garoto. O mesmo erro que o Menotti fez com o Maradona em 78. Se o Maradona joga em 78, poderia, na Copa de 82, que ele foi muito mal, já ter mais experiência. E o Zico, em 74, levava e botava no banco. Como fizeram com o Ronaldinho Gaúcho em 94, deixaram o garoto no banco.

P/1- O Ronaldinho?

R- Não é o Gaúcho. Deixaram ele no banco e se transformou num monstro, num jogador com mais experiência. Foi uma decepção do Zé. Eu não gosto dele como técnico, acho que ele está ultra-ultrapassado. Foi isso, uma decepção nossa muito grande, de todo mundo. Inclusive do próprio Zico não ter ido nas Olimpíadas de 72 e à Copa do Mundo de 74. Ele vai confirmar isso agora.

P/1- Certo. Seguindo a ordem do tempo, passa a Copa de 74.

R- Aí, sim, já era Flamengo. Eu conto também isso. Todos os jogos. No Rio, impossível de perder. Eu já era, realmente, um torcedor fanático. Eu conheci o Jaime de Carvalho na Copa do Mundo de 74.

P/1- Como é que foi esse encontro?

R- Eu sabia que o Jaime estava lá. Eu fui só, sabia que o Jaime ia. O Jaime foi duro. Eu encontrei o Jaime no aeroporto, em Frankfurt, no dia que eu cheguei: “Mais um brasileiro!” Porque Copa do Mundo é um público que não vai a estádio, não é um pessoal que vai ao Maracanã, ao Morumbi. Copa do Mundo são as pessoas do interior do Estado, aqueles fazendeiros que vendem boi, são “ricos”. Se você pedir 50 reais a um cara desse, ele não tem agora. Mas ele vende um boi e consegue mil. Copa do Mundo é esse público que vai. Tanto que você vê os caras: “Brasil, olê, olá!” Eles não sabem nem o que é futebol, entendeu? (risos) Em Frankfurt, eu estava descendo no aeroporto, estava o Jaime com uns 60 malas. Tudo paulista, aqueles coroas todos barrigudão. O Jaime era o líder deles, era o chefe da torcida do Brasil. “Mais um flamenguista!” Eu sabia quem era o Jaime lá do Maracanã, mas eu não tinha nenhum contato, nem “oi”. Ele é do Flamengo, pegamos amizade. Só que ele estava duro. Então a gente dividiu isso. Ele ficou no meu quarto no hotel, porque eu fui produzido. Em 74, eu fui com excursão, bonitinho, com hotel. Não tinha essa experiência. Ele ficou comigo no quarto e a gente ajudava nas despesas, assistia a todos os jogos. Eu tenho uma mágoa dele porque eu levei dinheiro para mim. Seria, hoje, 5, 6 mil dólares. Estava dividindo com outra pessoa. Começou a ficar apertado para todo mundo. Os jornalistas souberam que ele estava duro e fizeram um almoço de adesão. Isso, véspera do jogo. O Brasil perdeu para a Holanda e jogou contra quem antes? Não lembro. Nós ganhamos. Foi Zaire? Não. Zaire e, depois, teve mais um. Teve um jogo... Argentina! Ganharam de 2 a 1. Depois do jogo da Argentina, os jornalistas fizeram um almoço de adesão para arrecadar fundo para o Jaime. Arrecadaram como se fosse 2, 3 mil dólares e ele me deixou. Eu fiquei meio triste porque é o tal negócio, eu estou com você aqui. Eu fui sozinho, podia me manter legal, mas eu estou contigo. Já acostumei estar contigo o dia inteiro. No momento que você está na boa e você me deixa, tu fica meio perdido. E eu fiquei meio balançando. Tanto que foi o jogo Brasil e Argentina, depois teve outro jogo. Nós perdemos para a Holanda. Eu não lembro. Três...

P/1- Contra a Holanda, 2 a 0.

R- No jogo da Holanda, eu já estava com a cabeça meio cão, porque eu fiquei puto com o cara. O termo é esse. Ele estava lá e eu aqui. Mas você está com dinheiro, eu sou teu amigo. Você está duro, eu não sou. Eu fiquei muito puto, então eu não quis ficar com eles. Eu fiquei meio perdido. O Brasil perdeu, eu não quis ver o terceiro jogo. Ficou em terceiro lugar. Fui para Zurique e, depois, vim embora. Foi o contato que eu tive com ele. Quando chegou em Maracanã, a gente se encontrou: “Desculpa, não te encontrei mais.” Mentira, ficou aquela mágoa. Mas eu já era Flamengo, já estava nesse lance de ver todos os jogos. Só que eles não viajavam. Viajavam para São Paulo, para Minas, quando tinha jogo. Eles não viajavam muito. O Flamengo ia jogar em Salvador, eu ia sozinho. Não tinha ainda uma companhia, até porque ninguém tinha grana. Eu tenho “1 milhão de amigos” e uma ou duas pessoas que eu mantenho contato. Nesse ponto, eu sou um cara que conheço o Rio de Janeiro inteiro e não conheço ninguém. Esse garoto é, praticamente, o cara que eu ando 24 horas por dia porque é uma maneira minha. Eu conheço todo mundo lá. Na hora de estar junto mesmo, eu procuro me afastar. Então, eu ia aos jogos sozinho. Os caras não tinham grana. As pessoas mais chegadas não tinham muita grana. Tinha até grana para eles, mas não queriam gastar para Rio-Salvador-Rio para ver um jogo de futebol. Eu sou um cara que gostava muito, maluco. Comecei a viajar só em 74, 75. Até 78, a Copa do Mundo, eu fui só. Não tinha, também, ninguém. Nesses intervalos, eu fui à Europa duas ou três vezes com o Flamengo. Isso está escrito. Me interessava um jogo na Inglaterra, eu ia ver o jogo e voltava. Não ia com delegação. Eles iam Quinta, eu ia na Quarta. Para chegar no aeroporto... Até de longe. Eu não sabia entrar, a realidade era essa. Eu não era tímido, mas não sabia entrar junto com a delegação. Até que, depois, quando eu comecei a entrar com eles, eu ia no mesmo vôo, ficava no mesmo hotel, comia no mesmo restaurante. E cada um pagava a sua. Eu era uma pessoa que estava comigo, para estar comigo, pelo menos os jogadores que estavam comigo. Mas até 78, eu não tinha esse lance de ficar junto com eles, de pegar amizade. Eu achava o seguinte: jogador é jogador, torcedor é torcedor. Não tinha essa tietagem. Eu odeio tietagem. Eu odeio esse negócio de pegar jogador, botar no ombro. O Zico vai dizer isso aqui, com certeza ele vai dizer. O Raul vai dizer isso, o Leandro: “O Moraes é o torcedor perfeito. Ele fica na dele, na arquibancada e no campo. Ele me cobra dentro de campo e eu cobro ele na torcida.” É por isso essa moral, que os caras gostam muito. Eles vão reafirmar isso. Torcedor é torcedor e jogador é jogador. Saiu do jogo, ele pode estar na esquina, fazer o que ele quiser, que eu não tenho nada a ver com a vida dele. Dentro de campo, ele tem que cumprir, ele tem que honrar a camisa do clube. Como lá em cima eu tenho que gritar o tempo todo para incentivá-lo. Mas eu não sabia chegar nisso. Só comecei a chegar com a criação da Raça, em 77. Começamos a ir viajar com o clube. O Cláudio já apresentava com o jogador: “Beleza? Tudo bem? Como é que esta?” Foi aí que a gente começou a amizade, mesmo. Com o Zico, foi a partir de 77, 78.

P/1- Moraes, só para a gente situar a quem for assistir essa entrevista. Toda hora você fala: “Está escrito no livro.” O que é que você está citando? Está escrito onde?

R- Aí, eu repito. O Joaquim, quando me chamou para fazer os 100 anos de Flamengo... Eu sempre tive a idéia de botar no papel todas essas viagens que eu fiz. Na verdade, são 20 anos de histórias fantásticas e, a meu ver, quem lê, gosta. O que a gente fez? Quando o Joaquim teve essa idéia de fazer o livro, eu: “Também vou contar isso. 100 anos de Flamengo, eu também vou contar a minha.” A gente fez um livro meio que nas coxas, de quatro, cinco meses, em plástico, que eu banquei. E botamos para vender.

P/1- Qual era o nome?

R- “Flamengo até morrer. Histórias de um torcedor”. Botei para vender, não durou 15 dias, dez dias.

P/1- É mesmo?

R- A gente mandou fazer o livro. Eu paguei, na época, quase 8 mil reais para fazer o livro. Cheguei na Siciliano: “Eu tenho esse livro para ler.” A mulher me olhou: “Deixa eu ler. Posso ler? Passa aqui amanhã.” Pegou o livro e dois dias depois estava ligando para mim: “Traz.” Não durou 15 dias, acabou. Tanto que eu fiquei com um exemplar que me tomaram. Meu filho me tomou, levou para a namorada e sumiu. (risos) Não fiquei com nada. Véspera de Flamengo e Vasco, em 96, cinco dias antes do jogo, um jornalista chamado... Eu não lembro. Cláudio, Marcelo... Leu o livro: “Cara, vamos ganhar dinheiro?” Eu falei: “Estou duro. Eu adoro ganhar dinheiro.” “Vamos botar isso em banca. O Flamengo joga Domingo com o Vasco.” Se empatasse, era campeão, pode ver isso. Isso, no Sábado anterior, isso era no outro Domingo. Eu falei: “Não tenho grana para bancar isso.” O livro eu banquei, eu ganhei... Na realidade, eu gastei 8 mil no livro. Se eu ganhei três, eu ganhei muito, porque o distribuidor leva tudo. Eu gastei oito e perdi cinco, mas foi uma história minha, as pessoas gostaram. Não sei quem comprou. Ele falou: “Eu não tenho um puto, não posso bancar isso. Vamos no Jornal O Povo que ele banca isso.” Cheguei no Jornal O Povo: “Vamos fazer?” “Pode botar alguma coisa do Flamengo?” Eu disse: “Pode. Bota o nome da Raça.” Eles bolaram a Revista Raça Rubro-negro, uma torcida diferente.” Botou em banca para sair na Segunda. Se o Flamengo ganha, acabava, vendia tudo. Se o Flamengo perde, nem minha mãe ia ler. O Flamengo foi campeão em cima do Vasco e empatou de 0 a 0. No dia seguinte, estava na banca. Uma semana depois teve que reeditar. Vendeu bastante, salvou o almoço lá de casa dois dias. Inclusive, um tênis para o Marquinho, que está ali atrás. (risos)

P/2- Como é que se deu a sua chegada à Raça?

R- Eu viajava com todos eles. Um dia, eu ficava mais atrás do gol e via o Cláudio e o César... O Cláudio é um cara que vocês tem que entrevistar. Esse foi o Zico das arquibancadas, que foi o fundador da Raça, que era da Dragões. Hoje é um cara que, se ele te pedir dinheiro emprestado, não empresta. Se tu emprestar: “Vai pagar amanhã.” No dia seguinte, ele fala contigo e tu empresta mais, porque ele consegue. É um cara carismático, um cara fantástico. E eu via o Cláudio e o irmão dele correrem o Maracanã chamando as melhores cabeças para formar uma torcida líder. Na época, ele era da Flamante, se eu não me engano. Não tinha uma torcida líder. Era tudo naquela coisa, hino do Flamengo. Não tinha nada. Eu só ouvindo, todo mundo falava: “Está formando a Raça Ultra-negro. Tu vai?” “Não, não vou.” Mas eu fiquei com uma inveja desgraçada dos caras. Ele já era de torcida. Desde pequeno que o Cláudio era líder de torcida. Fundei Raça Ultra-negro, Flamengo e Vasco. Tomamos de 3 a 0. O que aconteceu? Todo mundo em pé. Eram, mais ou menos, umas 100 pessoas. Gritou o nome de todos os jogadores. Em vez de cantar o hino do clube, ninguém cantava. Eles começaram a cantar as musiquinhas que eles mesmo inventaram. Pegava a música da Simone, por exemplo, e botava a letra de Flamengo. Começou isso. Estourou! O Maracanã em peso adorava. A Raça, ainda hoje, é uma coisa para você ver. É uma plasticidade fantástica, de lenda, para quem vai ao Maracanã e vê a torcida.

P/1- Foi a primeira vez que você gritou o nome dos jogadores um a um?

R- A primeira vez que citou o nome dos jogadores, a primeira vez que a torcida ficou em pé, a primeira vez que teve calor humano no Maracanã. A Raça... Perdeu de 3 a 0, acabou a torcida. Droga nenhuma! No jogo seguinte, Flamengo e Bangu, eram 100, tinham 300. E começou. Eu via a torcida, eu não era da Raça. Aí, sim, começou a alugar ônibus para ver jogo em São Paulo. A Raça alugava ônibus. Eu não ia com eles, ia de avião. Fica do ladinho com uma inveja desgraçada, doido para entrar na torcida. Mas eu não tinha essa. Amigos, amigos, negócio à parte. Eu não tinha essa de começar a falar. Mesmo a minha própria família, que tinha uma ascendência social maior do que eles: “Vai entrar em torcida? Só tem bandido, só tem uns caras paupérrimos.” Os “amigos”, que achavam que você entrar na torcida era um negócio meio baixo nível, te tolhida. Tu ia com três, quatro pessoas. Os caras: “Vamos ficar aqui do lado.” Mas todo mundo com vontade de entrar. Até que teve um jogo em Belo Horizonte, que o Cláudio chegou: “Neguinho!” A gente nem se conhecia. “Vem cá. Tu está sempre com a gente, fica aí no meio da torcida.” Uma distância de uns 50 metros. “Fica no meio da gente.” Eu comecei a ficar mais perto, mas sem entrar oficialmente. Teve a primeira excursão em 81, que foi a primeira excursão que a gente fez, em 80, para a Libertadores. A primeira vez que eu fui com eles. Não, minto. Foi antes. Eu entrei na Raça antes, foi muito antes. Eu entrei no final de 77, início de 78. Um jogo em Belo Horizonte, num desses lugares aí. Eu fui. Como o Flamengo fez uma excursão fora... Isso, o Flamengo foi à Hungria, foi à Itália. Foi a primeira vez que um time do Brasil jogou na Cortina de Ferro. Espanha, Itália e Hungria. Eu fui e levei a faixa. Fui nomeado diretor de Relações Públicas Internacional da Raça. Não tinha nem esse cargo. (risos) Eu entrei, foi quando eu comecei a deslanchar, em 78. Foi na época do Coutinho, a gente ficou muito amigo. Tinha um título que era da torcida, carteirinha, essas coisas.

P/1- Como é que era essa organização?

R- A Raça era o Cláudio e o César. A Raça em si, 500 pessoas. A cabeça de uma torcida é o seguinte. Tem 100 pessoas, 40 trabalham. O resto são bicões. A Raça era o Cláudio e o César e as pessoas do lado deles. Aí, vinha o Moraes, vinha o Edu, as pessoas do lado. Uma organização é o seguinte: “Você vai cuidar das carteirinhas. Você vai cuidar do bambu. Você vai cuidar da bateria. Você vai cuidar das bandeiras.” Tudo de boca. Cada um cuida do seu. Porque tanto com um jogo grande... Hoje, não. Mas um Flamengo e Vasco que era Domingo, a gente começava a trabalhar Sexta-feira, às 7 horas da noite. Sexta-feira era a reunião na porta do Maracanã: “Você vai fazer isso, você vai fazer aquilo.” Ficava até meia-noite e ainda aproveitava para encher a cara. 10:30, 11 horas eu ia embora e eles viravam a noite. Sábado trabalhava o dia inteiro pegando bambu lá no raio que o parta, vendo a bateria, vendo tudo. Dormiam no Maracanã.

P/1- Como?

R- Lá em cima. Tem as salas da torcida lá. Agora não tem mais. Dormiam no Maracanã. Domingo, 7 horas da manhã, estavam trabalhando para picar papel. Só pararam depois do jogo. Você não sabe o que uma trabalheira de um jogo desse, você não tem a menor idéia. São três dias sem dormir. Bebida, sanduíche e biscoito. É terrível. Quem viu um jogo lá não imagina o que tem por trás daquilo. E são pessoas que não ganham 1 centavo. As torcidas só desvirtuaram a partir de 92, 93, quando o dirigente começou a inventar dinheiro. Um jogo em São Paulo, a Raça aluga um ônibus. 100 reais o ônibus, por exemplo. Você divide com 42 lugares. Dá 2 reais para cada um. Vai todo mundo, volta todo mundo. Quem não tem dinheiro não vai. Quando começou o Flamengo a dar o ônibus e dar o ingresso, o que acontece? O cara sai daqui para São Paulo, para assistir o jogo, sem 1 centavo no bolso, com o ônibus de graça. E o ingresso está lá. No meio do caminho, ele vai roubar para comer. Como é que ele vai arrumar dinheiro? Então, os marginais se apoderaram disso. As torcidas hoje, as pessoas de bem não viajam mais com as torcidas. Isso que é a grande mágoa que eu tenho com o Jorge Lau, porque com ele começou isso, em 84, 85. A gente ainda passou oito anos tentando segurar. Hoje em dia, se o Flamengo não dá 800 ingressos para o jogo, os caras quebram aquilo tudo. Pergunta ao Edmundo se é mentira, ele vai vim aqui. Hoje em dia, por política, eles são obrigados a dar ingresso. Obrigação droga nenhuma! Chama a polícia. Você não pode dar ingresso para ninguém. Quem quer ir ao jogo tem que pagar, seja quem for, do presidente ao porteiro. Porque, para você manter um bom clube, você manter um bom atleta, você tem que pagar ele no final do mês. Ele quer receber o salário dele. Para você ter moral para gritar com um cara desse, você tem que pagar. Se eu grito com você: “Tu não paga nada. Vai embora!” Tu tem que ficar com a cabeça baixa. Eu tenho essa moral no Flamengo. E o prestígio que eu tenho hoje, que eu sento na mesa de um presidente, é porque eu não te devo nada. Eu viajei o mundo inteiro, eu gastei 400 mil dólares, mais ou menos isso, e vi o Flamengo jogar. No dia que tu sair da presidência, tu não vai ver. Eu não vejo nenhum deles, quando saem da presidência, ver jogo do Flamengo. Nenhum! Eu desafio qualquer um deles.

P/1- Moraes, voltando aqui. Você estava falando da Raça. Queremos ouvir as histórias das viagens.

R- Tem muita coisa fantástica. Uma das histórias mais fantásticas da gente foi... A primeira viagem internacional foi a Raça que fez. Foi bonito porque foi a primeira viagem internacional, mas não teve tanta ênfase como a gente... Depois, eu vou contar. O Flamengo se classificou com o grupo no Paraguai, que pegava o Olímpia e outro clube do Paraguai.

P/2- Cerro?

R- Cerro Portenho.

P/1- Espera aí. Isso, você está dizendo...

R- Na Libertadores de 80.

P/1- 81?

R- 81.

P/1- Que ele foi brasileiro em 80 e o grupo era Cerro, Olímpia e Atlético Mineiro.

R- Essa do Atlético Mineiro... Eu conto isso legal. A gente foi ver um jogo lá, da semifinal. Fomos de ônibus. Tem um restaurante chamado Cupim no meio da estrada para quem vai para Belo Horizonte. Eu entro dentro do carro, no nosso ônibus... Eram uns 30 ônibus. Negozinho com lata de água, com lata grande. Eu falei: “Que porra é essa dentro do ônibus?” “Vamos entrar no Cupim que só tem umas coisas bonitas.” A gente já tinha ido para esse restaurante, tinha passado lá várias vezes. Ele tinha um aquário monstruoso que tinha uns peixes desse tamanho. Eu falei: “Tem negozinho armando alguma coisa.” Não deu outra. Nós chegamos no restaurante, negozinho comendo, eu só via o Cadoca meter a mão, pegava os peixes. Roubou todos os peixes do aquário, tudo. (risos) Tinha uns faisões. Eu vi só negozinho correndo atrás dos pássaros. Pegaram os faisões e botaram dentro do ônibus. Eu não sei o que eles fizeram com aquela droga, eu sei que os peixes morreram tudo. Desespera o dono do restaurante. Quando ele chamou a polícia, o ônibus já tinha ido embora. Levaram todos os peixes do restaurante. Foi fantástico. Lá, nós perdemos o jogo de 1 a 0. Depois voltamos aqui, ganhamos. Fomos campeão das Libertadores, campeão do Brasil.

P/1- Do brasileiro.

R- Depois, pegamos o Atlético, o Cerro e o Olímpia. A primeira viagem que a gente fez internacional...

P/1- Olha só, para eu te refrescar.

R- Eu não enxergo. O que é? A Libertadores, é isso mesmo. Foi primeiro o Atlético, depois o Cerro. Dia 11 do 8 e 14 do 8, nós fomos jogar lá. Aí, fizemos a primeira viagem internacional de uma torcida no Brasil. Fomos numa agência de turismo, bonitinho, alugamos um ônibus com mordomia total. Não teve muita graça. Só teve graça dentro do estádio, da porrada que comeu lá entre flamenguistas e... Um jogo contra o Olímpia. Mas foi tudo bonitinho. Foi a primeira viagem que marcou.

P/1- Eram quantas pessoas?

R- 45 pessoas... Não, menos. 35 pessoas, mais ou menos isso. Foi a primeira viagem internacional que a torcida fez. Nem na Argentina eles faziam isso. Quando iam, iam de avião. O argentino viaja mais do que a gente, mas eles iam de avião. De ônibus, nunca ninguém tinha feito isso na América. Tanto que, depois, eu fiquei com muito orgulho. Um dos caras da torcida do Boca Júnior ligou para a gente para saber como é que foi, porque eles nunca tinham vindo ao Brasil de ônibus para os jogos deles. Vinham de avião aquela meia dúzia de abastados, depois voltavam. A gente alugou um ônibus. Ficamos em Foz do Iguaçu e, dia de jogo, a gente saía de manhã. O jogo era à noite, saía de manhã, ia até Assunção. Ia para o estádio, roubava o que tinha perto. Naquela época, existiam os joguinhos. É diferente do furto e do roubo. A gente entrava nos restaurantes, comia e esquecia de pagar a conta. É questão de memória, ninguém lembrava. Quando dois pagavam, o restante não pagava, saía por ali. Questão de ninguém lembrar, também ninguém sabia que tinha que pagar conta, essas coisas. E tinha... entrava naquele supermercado, comprava um biscoito, roubava dez. Mas tudo uma coisa sem maldade, não tinha... (riso) Foi a primeira viagem que a gente fez, isso foi em Assunção. Aí dali para cá começou um
legal. Aí depois a gente voltou de Assunção, fomos porque eu queria matar o Cláudio, teve aí... foi uma das histórias mais incríveis, que a gente chegou de Assunção... que dia foi o jogo? Dia 14. Foi numa terça-feira.

P/1 - 14 do 8, o Olímpia, 0 a 0. Aí tinha um jogo... foi na terça-feira o jogo lá, que a gente chegou na quarta de manhã, e tinha um jogo contra o Atlético, que era o desempate, na sexta, em Goiânia. Caramba, não tinha ninguém para ir. Não tinha ninguém para ir, eu: "Pô, vou encarar isso sozinho?" E meu velho: "Não vou te dar dinheiro, está maluco, não vou." E eu tive que encarar um ônibus, pegamos um ônibus na rodoviária... Putz! Até Brasília, Brasília, Goiânia, para ver o jogo, para chegar na hora do jogo. E chegamos lá quatro horas da tarde, o jogo era à noite. E os amigos, que era Claudio, Guilherme, ninguém queria ir. Quando eu cheguei no estádio, estava os putos lá, foram de avião, então deu vontade de matar os caras, sacou? Matar.

P/1 - Você foi sozinho, eles foram de avião?

R - Sozinho, eles foram de avião. "Não, ninguém vai." Eu cheguei quatro horas da tarde sozinho, sozinho. E tinha o Bocão, que ele estava depois, no ônibus eu conheci o Bocão e mais um cara lá, mas não eram meus amigos. Chegamos quatro horas da tarde... Eu tinha chegado dois dias antes do Paraguai, eu estava morto. Quatro horas da tarde, chega os caras lá. O jogo durou dez minutos, o ______ expulsou todo mundo. Eram dez minutos, durou dez minutos o jogo. Eu tive que pegar um ônibus até Brasília, porque não tinha direto para o Rio, só no dia seguinte. O Flamengo jogava no domingo, ele tinha que chegar no domingo aqui. Fui até Brasília, Brasília-São Paulo, São Paulo-Rio. Eu cheguei seis horas da manhã de domingo, sabe, naquela... tu querendo matar teu pai? Foi uma das coisas mais cansativas que eu já fiz. E, porra, valeu pena, Flamengo campeão da Libertadores, e ganhou no dia Fluminense... foi um jogo grande, Botafogo. Está aí uma relação de jogos, pode ver.

P/1 - Não, é verdade. Agora seguindo essa história da Libertadores, quer dizer, você tem uma história muito boa dessa viagem à Cochabamba, contra o Wilstermann.

R - Essa aí tem... o Joaquim vai filmar isso, a Odisséia no Oriente, que é um livro do Carlos Eduardo Novaes, que é baseado nessa história. O filho da puta não colocou nem os créditos da gente. Foi eu, o Cláudio e o César. Tem o livro, o Joaquim já tem os direitos, ele vai filmar, eles estão precisando de grana para filmar isso.

P/1 - E foi em cima dessa viagem?

R - Desse livro, dessa viagem. Foi. Na realidade ele adaptou, botou o Japão, mas foi essa viagem que ele fez o livro. Ganhou uma fortuna. Na época o Flamengo ganhava tudo. O Flamengo bem vende até a mãe da Joaquina.

P/1 - O Novaes é Flamengo?

R - Não, botafoguense. Mas fez o livro baseado na gente. Pelo menos eu estive com ele em 82, na Copa do Mundo. Não, mas pelo menos o crédito: baseado na história de três torcedores... afinal, nem isso. Mas tudo bem.

P/2 - E o que aconteceu? Qual a história?


R - A gente... bom, jogo na Bolívia, em Cochabamba. Na época era ditadura militar aqui e lá. Então dava até medo de você falar em jogo na Bolívia, que vinha um general, te dava um tiro na cabeça. "Vamos, não vamos, vamos." Na época, 300 pessoas queriam ir, porque já tinham o histórico nosso, nessa viagem que a gente estava fazendo já. Paraguai, Flamengo, estava levando a excursão. "Vamos, não vamos." Na época apareceu 30, todo mundo vai. E aproximando o jogo, e aproximando o jogo, 15. Aí a mamãe morreu, minha tia está doente. No final, três. "Vamos aqui?" "Vai." O jogo domingo no Maracanã. "Quem vai?" Só apareceu eu, o Cláudio e o César. O César morava no Piauí, era gerente de uma agência lá, pediu... no Piauí, no Banco do Brasil. "O César..." O Cláudio chegou para mim: "Não conta com esse cara não. Não vai ninguém. Vamos nós três." "O que tem que fazer?" "Cuida de tudo?" Eu falei: "Passaporte, vacina..." Mas eu esqueci de ver lance de visto. Eu esqueci mesmo, que tinha que tirar visto para ir para a Bolívia. "Está bom. Quem for, vai todo mundo aqui no Maracanã na quinta-feira." O jogo era terça-feira. A gente programou de cinco dias para chegar lá. Então Flamengo jogou na terça, e tinha um jogo na quinta, depois embarcava. "Pô, quem vai, quem vai?" E o Cláudio e o César: "Vamos? Vamos?" "Está bom." Aí documentação em dia, fomos no Flamengo pegar uma carta, pelo menos como indigente a gente não ia morrer, com carta autorizando, dizendo que éramos torcedores, dez camisas do Flamengo para cada um, todo mundo de camisa do Flamengo, bermuda, e... O Flamengo jogou no Maracanã contra a Olaria, se não me engano, um jogo pequeno. Terminou o jogo, nós pegamos um... tinha um amigo nosso chamado Alan... "Vamos!" Levou a gente até a rodoviária. Era onze e meia mais ou menos. Pegamos um ônibus à meia-noite para São Paulo, chegamos em São Paulo seis da manhã. Toma um cafezinho, lava o rosto, pegamos um ônibus oito da manhã para Campo Grande. São mais 18 horas. Chegamos em Campo Grande... está. Aí em Campo Grande tinha uns amigos do Dario, aí dormimos lá na casa dele, no dia seguinte pegamos ônibus para Corumbá. Nós chegamos em Corumbá... isso sem parar. A comida, só biscoito, não tinha nada. Era um negócio, porra, não é brincadeira. Aí chegando em Corumbá, tivemos que pegar a Transpantaneira, que atravessa todo o Pantanal. O menor mosquito era do tamanho dessa sala, dava para matar com um pedaço de pau, sem brincadeira. Era um negócio que eu nunca vi. Vocês conhecem o Pantanal, alguém conhece? Você já viu aqueles mosquitos pequenininhos, um metro e meio, um negócio, assim, absurdo, não dá para ver. Um calor desgraçado, um calor... tinha quatro pessoas dentro do trem, dentro da Transpantaneira, nós três e mais uma senhora. Atravessamos aquela porra toda, ônibus, estrada, barrento... aquilo era um negócio fantástico. Eu não faria hoje isso de novo. Hoje só com instrutor. Naquela época não. Porque não tinha nada. A gente pára numa tenda no meio da estrada, tinha um biscoito que devia ter 800 anos e uma coxinha de galinha verde, verde, devia estar lá há 300 anos. Não é que o desgraçado do Cláudio comeu a coxinha, cara? Era uma fome insuportável, a gente não comia há três dias, não tinha nada para comer, não tinha mesmo. Até que chegamos em Corumbá à noite, fomos para um motel que era hotel escrito. Alguém tinha feito uma transação, um bacanal lá, que a gente dormiu num lençol todo gosmento, um negócio, assim, de louco, era um negócio de louco. Até no dia seguinte, a gente pegar o trem da morte.

P/1 - Deixa eu te interromper: nessa parada, você até cita na revista, que o César, ele...

R - O Cláudio. Começou a falar em portunhol: "Por favor, senhor, tiene una... poder comer una coxinha?" "Vai tomar no cu, tu está no Brasil ainda, filho da puta!" (riso) Ele já estava treinando. O Cláudio é Hilário, ele vai contar essa história aí, é fantástico. Então a gente... ele comeu a cozinha... aquilo não tem barriga, tem bucho. Eu nunca vi. A coxinha devia ter lá 60 anos. Quando abriu aquela porra morreu tudo que foi mosca do lado. Ele comeu aquilo, gosmento, nojento, dá até raiva. Nós chegamos em Corumbá, à noite, tinha que pegar o trem da morte, atravessar a fronteira para Quijarro, para pegar... o trem saía à uma hora. A nossa sorte: "Vamos cedo para comprar passagem." Pegamos um táxi, o motorista falava um pouco de português, era portunhol, pegamos um táxi e fomos até Quijarro para pegar o trem da morte, comprar ingresso, comprar bilhete do trem. A polícia federal... época de ditadura, então tem que passar por várias barreiras. Primeira barreira, os brasileiros. Na segunda barreira um tenentão legal, já chegando em Quijarro, o chefão da polícia federal lá, grandão, nós três com camisa do Flamengo, short, todo largadão: "Pô, flamenguista!" Começou a baixar papo. "Vocês vão para onde?" "Vamos ver o jogo do Flamengo em Cochabamba" "Pô, legal, vocês..." Aí contamos a história, que estávamos há quatro dias sem dormir, já desesperado de fome. "Pô, legal, invejo vocês", falando. "Tudo bem, vamos passar aqui. Vocês estão com visto?" Aí um olhou para o outro, aí os dois me olharam assim, já com ódio. Não. Eu tinha esquecido a porra do visto. "E aí?" "Pô, sem visto não entra, cara, não vai dar para entrar." Aí começamos a falar: "Pô, negão, como é que faz isso com a gente..." Começaram a xingar. O Cláudio estava com o olho cheio de sangue de ódio, babando, querendo me morder. O Cláudio também com raiva, eu falei: "Caralho, o que eu vou fazer? Qual é a solução?" O cara falou: "Olha, vai na casa da Consulesa, explica, vê se ela te dá o visto na hora." Os caras: "Vamos lá." Isso eu não conto na revista. Eu lembro bem que o César falou: "Está bom." O nome do cara era Normando, Nonato, um negócio desse, do policial federal. A gente estava saindo para pegar o táxi, ele voltou: "Seu Nonato", "Tenente Nonato", ele chamou o policial lá: "Você tem quantos pares de algemas aí?" "Não, porque eu vou matar esse crioulo filho da puta se a gente não conseguir o visto." Mas ele não estava falando brincando não, ele estava falando sério, ia morrer ali, eles iam me matar. "Calma, calma, vamos lá." Aí o pior foi o seguinte: deu para rir, porque o motorista do táxi fica aqui, tem o banco e tem dois aqui atrás, três pessoas. Eu sento sempre na... "Tu vai sentar aqui atrás." Falei: "Puta, eu vou apanhar." Mas não deu outra. Ficou o Cláudio de um lado, o César do outro e eu no meio. Mas era dedada, cascudo, mas me xingaram o tempo todo. Eu: "Caralho, tenho que ficar quietinho." Chegamos lá na Consuleza, era a última pessoa que ela estava tendendo lá, um cara legal. Entramos, olhou, olhou: "Que necessitas?" Aí ele falou em portunhol também, eu não conto isso. "Precisamos do visto! Necessitamos, senhor." A mulher cortou logo ele. "Necessitamos do visto." Ele olhou e carimbou na hora, a gente pagou a taxinha, merrequinha, mas não falou nada. Carimbou e fechou a porta. O Consulado estava fechando. Assim, um minuto atrasado, a gente perdia tudo. "Não vou apanhar mais." Pelo menos me deixaram ir na porta da frente. Aí voltamos para comprar bilhete para os trens. Aí foi a vez dele. Ele perdeu... ele tinha uma bolsa que ele carregava na frente, o resto tudo na mala do carro, que tinha os documentos, essas coisas todas, dinheiro. E ele esqueceu dentro do táxi. A gente chegou lá em Quijarro, na fronteira, fomos comprar os bilhetes, e ele esqueceu a bolsa dele. Pegamos todas as nossas malas, botamos lá. A sorte é que o motorista do táxi tinha ficado conhecido, conhecia a gente, mostrou a casa onde ele morava para a gente: "Eu moro aqui!" A nossa sorte. Cadê? Que meia-hora antes de viajar, que só conseguimos terceira, terceira categoria, que era um povão, Central do Brasil mesmo, não conseguimos primeira. Uns 40 minutos, uma hora antes de embarcar, ele sentiu falta da bolsa. Aí foi a minha vez de xingar. Aí descontei tudo. Pegamos um táxi, fomos até a casa do motorista, o cara estava lá, cinco horas da tarde, quatro horas, lanchando, ele: "Ah, estou com a bolsa aqui." Legal, pegamos a bolsa, voltamos, embarcamos no trem. Cara, tinha um milhão de pessoas sentadas e seis milhões em pé, não dava nem para se mexer, aquelas pessoas paupérrimas. A água... Você é boliviano, sabe como é que eles pegam aqueles... água... a água lodosa, concha.

P/2 - De balde.

R - De balde, exatamente. A gente estava desesperado já de fome e sede. E entrava a polícia e o exército de dez em dez minutos no nosso vagão, abria tudo, jogava no chão para revistar, era ditadura cão. Foi um perrengue cão, foram 26 horas dentro daquele trem maluco. Ele parava, não podia ver uma estação, o desgraçado andava dez metros, parava, 15, parava. Aquelas aldeias pequeninhas... então a viagem de 26 horas durou 70. E psicologicamente durou um mês. Até que, já chegando em Santa Cruz de La Sierra, a gente conseguiu ver no rádio, foi o único jogo do Flamengo que eu perdi, oficial, isso está escrito também, porque foi no domingo, Flamengo e Maracanã, três a zero para o Flamengo em Madureira. Eu conto isso aí. A gente conseguiu ouvir no rádio três a zero Flamengo. Mas a gente já estava oito dias nessa trajetória. Foi de terça, e era domingo isso. Terça, quarta. Terça, quarta, quinta, sexta, sábado, domingo. Eram seis dias já. Aí chegamos em Santa Cruz de La Sierra oito horas da manhã. Fomos correr atrás de ônibus para chegar até Cochabamba. "É Cordilheira dos Andes, não dá para passar nela. Não tem ônibus, só amanhã à noite." Corre daqui, corre dali, corre daqui, encontramos um cara chamado Cabrita, que primeiro era jogador do São Paulo, diz ele que jogou no São Paulo. "Cara, só tem uma solução: vocês irem para o posto da polícia rodoviária, e pegarem uma carona." "Leva a gente lá?" "Levo." Ele pegou o carrinho dele, levou a gente no posto da polícia rodoviária, falou com os bolivianos lá. Aqueles caras legais; aparece um caminhão de banana aberto até a metade, a carroceria, só com a parte coberta, o resto tudo banana. "Vocês querem ir aí, vão aí." Puta que o pariu. Subir a Cordilheira dos Andes... isso era oito e meia da noite. Tinha que subir, um frio desgraçado, descer até Cochabamba. "Vamos ou não vamos?" E subimos lá, pelo menos foi uma festa. O que eu comi de banana. Todo mundo. (riso) Era a única coisa que tinha, não comia nada. Era comer e jogar fora, comer e jogar fora. Lá em cima, Cordilheira dos Andes... isso foi em outubro?

P/2 - É.

R - Outubro. Devia estar lá em cima 12 graus abaixo de zero. Por mais agasalho que tenha, no meio de banana, não dá. A gente já estava ficando doente já, desesperado, e começava a cantar, e brigar, e comia banana, para ver se se aquecia legal. Até que chegamos de manhã cedo em Cochabamba. Aí fomos procurar um hotel, bonitinho, dormimos, que era para esperar o Flamengo quatro horas da tarde, que o Flamengo ia chegar de avião, isso já na segunda-feira, o jogo era na terça. Ninguém aguentava mais, ninguém aguentava mais. Já estava, assim, no limite. Aí dormimos o dia inteiro, fomos comer uma comida, que é tudo muito barato na Bolívia. Fomos na feira umas três horas, roubamos o que a gente podia, aquelas bolsas, tudo artesanato. Aí fomos para o Flamengo, no aeroporto, a Consulesa estava lá, muito simpática, nos atendeu super bem, o Flamengo chegou, aí ela esqueceu a gente, ficou só com os jogadores, Zico.

P/1 - E qual foi a reação dos jogadores da comissão quando chegaram e encontraram vocês lá?

R - Louco. "São uns loucos". "Vocês estão malucos!" Xingando. Pergunta ao Zico isso. Mas eles já conheciam a gente. Eu ia a todos, eles já tinham um respeito legal. Tanto que no Japão: "Até aqui?" Bateram na cabeça. Mas tinham respeito. O Zico vai dizer isso, ele tem o maior respeito por mim, como eu tenho por ele, porque a gente ia ver o jogo. Quando eles chegaram: "Ah, estão loucos, cara?" Aí conversa daqui, conversa dali, eles foram para o hotel deles, a gente foi para o hotelzinho nosso, isso já era à noite. Eles dormiram, no dia seguinte, seis horas da manhã, fomos filar o café da manhã. Porque não era falta... a gente tinha dinheiro. Pô, na época... seria hoje... na época eu tinha grana, muita grana. Mas não tinha nada. Na Bolívia, Cochabamba, o que você vai comer em Cochabamba? Até comida! Nós obrigamos o hotel a fazer um macarrão. Porque não tinha nada, nada. Eles têm uma sopa lá maluca, não sei se você conhece, eu não como aquilo nem preso. Aí fomos para o hotel do Flamengo bem cedo, tomar o café da manhã lá com eles, pagamos dois dólares o café da manhã, e os jogadores desceram meio dia: "Porra!" Aí... tinha televisão do mundo inteiro. O Flamengo já era o melhor time do mundo na época. Todo mundo já falava isso, que o Zico já era o melhor jogador do mundo na época. Então tinha televisão do mundo inteiro. Então a gente fez 300 matérias, o hotel já olhava diferente. Até... aí desceu todo mundo, meio-dia, nos convidaram para almoçar, e a gente ficou meio a contragosto, que a gente era contra radicalmente pegar alguma coisa do Flamengo. Se eles tinham um almoço, um copo d'água, a gente era contra. "Não, almoça com a gente." Era o Duche que era o presidente, e o Paulo Louro que era o vice-presidente. Aí ficamos lá num cantinho, e tinha um cara chamado Domingo Bosco, que era o Zico, ele resolvia tudo. O Bosco, já era amigo nosso: "Vocês estão precisando de alguma coisa?" "Precisa de ingresso, a gente não tem ingresso." "Está bom, vou te dar ingresso." O filha da puta me deu da Tribuna de Imprensa. Mas nesse intervalo o presidente da Aerolíneas...boliviano, que era o Gerson, que ficou amigo, ficou conversando com a gente, era o presidente lá do..., foi para receber o Flamengo. Aí começou a conversar com a diretoria do Flamengo, conversar, e a gente não sabia o que era. Mas a minha idéia... eu tinha 2 mil dólares. O Cláudio e o César estava zerados, tanto que eu estava bancando. Eu tinha ainda uns 2 mil dólares. Falei: "Não, não dá para voltar de jeito nenhum." Que a passagem, as três, custava 2 mil e 400 dólares, mais ou menos isso, assim, em termos de valores. Dá para pegar 400 dólares aqui, eu dou um cheque meu, pago, porque não dava para voltar. Não tinha condições físicas nem psicológicas, não dava não. Aí de repente o Bosco: "Eu quero falar com você." Eu falei: "Puta, houve alguma merda aí." "Vocês vão voltar de avião." Eu: "Pô, preciso de 400 dólares." "Não, o presidente da Aerolíneas cedeu três passagens para vocês de avião." "Ôpa. Ufa." Aí o cara veio, ficou irmão. Tanto que quando ele saiu do Brasil ficou um negócio chato, porque ficou amigo. Veio morar no Brasil, ficou amigão mesmo, mas... bolsa, aí liberou bolsa para a gente, até para a gente botar os nossos ganhos lá, que a gente tinha feito lá na feirinha, aquelas bolsas lindas. A gente comprava duas e levava seis, que os caras não olhavam nada, a gente não tinha culpa. Deu umas bolsas bonitas. A gente voltou, aí fomos para o estádio. Voltamos para a nossa terra, fomos para o estádio. Pô, estava um frio desgraçado, calça de moletom, uma calça por baixo, camisa do Flamengo, agasalho, e outra camisa do Flamengo por cima. Vem a ordem pelo rádio, que o ditador de plantão era o Banzai, ia ver o jogo. Ele estava saindo de La Paz para ver o jogo. "Puta que pariu." Aí vem os ingressos: Tribuna de Imprensa. Aí que foi o sufoco. Que a gente chegou na Tribuna, era revistado de dois em dois minutos. Chegamos na Tribuna, estava os capangas do cara lá. Na Bolívia matavam um hoje, e assumia amanhã. Sumiu aquele cara, eles matavam. Você lembra disso? E a gente com medo. Porque o ditadores chegou todo pendurado, com aquelas medalhas desgraçadas. Ele andava curvado, com medo de um atentado, que acontecesse alguma coisa. A gente do lado do cara aqui, do lado do cara, assistindo o jogo. Não podia fazer isso. O Flamengo ganhava: "Gol!" Aí o Cláudio me dava uma porrada. Nós ganhamos o jogo, até o Lico entrou. Nós ganhamos o jogo de dois a um se não me engano.

P/1 - Dois a um.

R - Dois a um. O primeiro gol que eu gritei, eu levei uma porrada. "Pô, o cara é boliviano." Ele vai torcer pelo time dele, eu vou torcer pelo meu. Não pude nem gritar pelo meu time que não podia. Os caras... tudo aqueles... Mas cada segurança desse tamanho com o cara. Terminou o jogo, ganhamos, o Lico arrebentou, entrou no segundo tempo, arrebentou com o jogo. Saiu o barulhinho, entrou o Lico. Aí ficou firme, nunca mais o Lico saiu do time. A gente foi para o hotel, dormiu, no dia seguinte embarcamos de volta, mordomia total, chegamos com 15 quilos a menos, quase que me matam na minha casa. Eu já era casado com essa minha ex-mulher, que conheci no Maracanã, viajava comigo alguma coisa, e depois começou a encher o saco. Realmente com dois... casados, já tinha os garotos, não podia toda hora estar pam, pam, pam..
P/1 - Quantos filhos?

R - Dois. Mas quiseram me matar. Cheguei desesperado de cansado, foi uma das histórias mais fantásticas. E esse filme eu faço questão que saia do papel, para botar isso para as pessoas verem o que é torcida organizada.

P/1 - E, quer dizer, aí vem a etapa aí cobreloa.

R - Ah, sim, foi em Montevideo.

P/1 - Foram três jogos? Você viu os três jogos.

R - Eu vi todos os jogos. Aí nós ganhamos, depois que saímos da Bolívia, que a gente veio para o ... depois foi...

P/1 - Mas aí foram os dois jogos no Rio.

R - Não, um aqui, o outro lá.

P/1 - Porque o jogo da Colômbia foi antes do da Bolívia.

R - Não, não jogamos com a Colômbia.

P/1 - Deportivo Cali?

R - Não, isso não foi da Copa de 81, nós não jogamos com o Cali. Nós jogamos Paraguai... Não, nós não jogamos com a Cali. Nós jogamos acho que com o Cerro e com o Olímpia.

P/1 - Isso na Preliminar. Depois outro grupo foi o Cali e o Wilstermann.

R - Ah, não. O Cali nós fomos de avião. Deportivo Cali fomos de avião, um avião fretado, do Flamengo, o jogo foi...

P/1 - Comecinho de outubro.

R - Sim, quanto foi?

P/1 - Um a zero.

R - Um a zero. Nós fomos num vôo fretado, o Flamengo fretou um voo, exatamente... Esse não teve história. A gente foi num vôo fretado, ganhamos. Depois o jogo no Rio. E depois teve o Wilstermann, que foi esse jogo. O Cali não teve quase nada. Foi um vôo que saiu daqui, chegou lá, jogamos, ganhamos e vamos embora. Não! O Cali não teve uma loura maravilhosa? Não foi essa?

P/1 - Ah, é, a história da loura. Você podia contar.

R - Em Cali. Exatamente. Foi um vôo fretado. Que aí... mas não foi essa história. Foi, foi, foi isso mesmo, foi em Cali, nós fomos num vôo fretado. Chegamos lá no hotel, estava Zico, Leandro, todo mundo lá bonitão, e aparece a Babalu da Colômbia, um mulheraço. "Puta, que gata." "Vai dar mole para mim, baixinho, careca!" Tem alguma coisa errada aí. E a mulher respirava, e passava do meu lado, eu falei: "Tem cobra." Aí o Nunes começou a me sacanear: "Pô, qual é? Vai comer não?" (riso) O Nunes. "Está bom." Eu peguei, sentado lá na mesa, e a mulher sentou, estava eu e o Zé. A mulher sentou, e me cantando descaradamente. O Zé falando: "É furada!" Eu: "Claro que é furada, está maluco?" "Vai levar um teco aí, é a mulher do chefão aí." Eu: "Zé, eu não vou comer ninguém, fica calmo." E a mulher... No final ela veio: "Eu tenho um primo em São Paulo, que é amigo meu, que está muito doente, pensei em levar uma caixa para ele, para levar..." Eu falei: "É furada.” Vou entrar nessa. Fico na mão 700 anos, mas não vou estar louco." Mas me sacanearam, até hoje os caras me sacaneiam. "Não, come, depois vai embora." E como? E a mulher vai..., eu levo um tiro no aeroporto, está maluco?" Foi hilário essa parte, no aeroporto todo mundo me sacaneou. (riso) Foi legal, mas não teve muita coisa não.

P/1 - É, o Flamengo ganhou os dois jogos também, né? E aí veio a final, que foram três jogos, dia 13, 20 e 23.

R – Primeiro jogo aqui, nós ganhamos de dois a zero.

P/1 - Dois a um.

R - Dois a um. Nós fizemos dois a zero, eles fizeram dois a um. Aí lá vai o Cláudio com a gente: "Vamos alugar o ônibus para ir para..." O jogo era para ser em... no estádio deles, que é uma cidade lá no raio que o parta. Nem sei se é antes, depois a Fifa obrigou... a Federação obrigou que fosse a Santiago. "Nós vamos alugar um ônibus para ir para Santiago." Só tinha 13 pessoas. O ônibus seria... um valor hipotético, um milhão de reais. Mil reais. Só dava para pagar 200 pratas. "Só vai quem tem dinheiro." Ditadura Pinochet, ninguém vai sem dinheiro. Pô, aí foi terrível, que a gente teve que chegar no... amigos nossos, que queriam ver o Flamengo jogar, mas estavam sem um centavo. Só quem pagou a passagem pôde entrar. Dureza. Aí a gente liga para as rádios, a rádio Globo sorteou quatro passagens, e algumas pessoas foram pagando, outras botando amigos. No final foram 26 pessoas. O que aconteceu? Foi um dia que eu briguei com o Cláudio, porque eu treino de manhã, depois praia, quando dá tempo eu vou trabalhar até duas horas, depois volto para a academia. (riso) Os caras chegaram... eu morava na praia do Flamengo, os caras chegaram na minha casa oito horas da manhã. Eu estava na praia. Eles ficaram esperando na portaria até meio-dia e meia. E o Cláudio já tinha vendido um carro, e o irmão dele já tinha vendido outro carro, para poder bancar a passagem.

P/1 - É?

R - É, eu conto isso também. Eles venderam o carro deles para o pessoal. E faltava aí tipo... em valores, como eu vou dizer atualizado? Tipo mil reais. Que eles foram atrás de mim para bancar isso. Eu chego na portaria do prédio, a portaria principal é aqui, e a de serviço e aqui. Eles estavam na portaria principal os três. Eu vi de longe, peguei o porteiro, entrei por trás, para ninguém me ver. "Vão me morder." A saída era cinco horas da tarde. Aí entrei. E fiquei lá. Quando foi três e meia... escondido, no quarto de empregada, para ninguém me ver. Três horas da tarde o Cláudio pergunta... tinha mudado a portaria... aí o porteiro: "Não, a bicicleta dele está aí, ele já está em casa." Aí sobe os três. Era para sair o ônibus cinco e meia, seis horas. Toca lá. Aí a Lúcia: "Não, ele não chegou não." "Chegou sim, que eu sei que ele está aí." Aí entraram, até que eu atendi os caras. "Não, vamos embora, falta mil reais. Dá um cheque?" Bom, aí fomos viajar. Chegamos no Maracanã, era para sair às cinco horas, saiu sete e meia da noite. Quem não tinha dinheiro foi embora. Só foram 26 pessoas que tinham alguma condição financeira para ir. Saímos daqui para Santiago, são 72 horas de ônibus. E segue, segue o caminho, mas estava um ambiente meio... porque primeiro que tivemos que botar amigos nosso para fora do ônibus, que queriam ir ver o jogo. Mas não tinha a menor condição de bancar ninguém. E eu tinha brigado com os caras, eu estava meio puto, porque por que que eu tinha que ter... todo mundo tinha que se quantizar. Não deu, não deu, não vai. Eu ia de avião, já tinha conhecido o Zé. E fomos, tal, aí depois fui relaxando, aí o pessoal da União da Ilha: "É hoje o dia, da alegria", aquele sambinha... eles estavam... o presidente da Ilha, o Beto, estava com a gente. Aí começaram a cantar. Aí fomos embora. Aí passamos pela Argentina, Rosário, e chegamos em Mendonça, isso já era a véspera do jogo. Chegamos em Mendoza à noite: "Galera, vamos comer uma papa fritas." Conhece Mendonça, não conhece? Vocês têm que ir. É a terceira cidade mais bonita do mundo, e fica aqui do lado, dá para ir de carro. Aí comemos. Aí: "Vamos dormir aqui hoje, que amanhã são quatro horas até Santiago, a gente... vamos dormir em Mendonça." Se quotiza dali, ficou todo mundo num hotel, hotel simples, dormiu todo mundo em Mendonça, uma cidade fantástica." Eu tinha ido na Copa do Mundo, eles adoravam. Está bom, no dia seguinte era para sair às seis horas da manhã, dorme... aquele pessoal que vai transar com puta, aquelas coisas... chegamos dez horas, começamos a sair. O ônibus, no meio da Cordilheira dos Andes, em cima, quebra. O ônibus quebrado no meio. Não tinha o que fazer. O ônibus quebrado. "E aí? Como é que vamos fazer? Temos que ver o jogo." Não tinha o que fazer. Quando foi umas três e meia, quatro horas da tarde, o jogo era oito horas da noite. Três e meia, quatro horas da tarde, me passa um ônibus argentino regular, que tem uma vez por dia, para ir para Santiago. Na porrada. Todo mundo entrou, não teve jeito. O motorista: "Não, senhor." "Não, senhor, o cacete." Entrou todo mundo, e fomos, chegando em Santiago, na rodoviária de Santiago, sete e dez. O jogo era oito. Aí esse movimento dali, todo mundo de táxi, que a Delegação do Flamengo já tinha saído. Mas aí, como os caras estavam preocupados... o Bosco era fantástico, estava preocupado com o ônibus que não tinha chegado, pegou os ingressos, deixou na portaria do estádio, e deixou recado em todos os lugares, inclusive com a polícia, para saber quando a Delegação do Flamengo chegasse, que estava lá. Cara, incrível, nós chegamos na rodoviária, já tinha três caras da polícia secreta dele lá sabendo de todo esquema para levar a gente para o estádio, com ônibus, ônibus. Eu conto mais ou menos isso. Tinha um ônibus do exército, porque não podia entrar ninguém, só a gente. Chegamos no estádio dez para as oito. O jogo era oito. O time já estava em campo. É a mesma coisa que entrar dez caras da torcida do Flamengo no meio da torcida do Vasco. Entramos no meio da torcida deles. Uma porrada, dedada no cu, te tirando a roupa, e jogando laranja. Mas era ótimo que eles jogavam. Batia aqui, a gente pegava, descascava, comia. Uma fome desgraçada. Não tinha nada para comer. Cara, no meio deles a porradaria comeu. Porra, foi a primeira vez que eu agradeci ao exército na vida, porque eles fizeram cordão de isolamento na gente. Íamos ser massacrados. O Gustavo saiu quebrado. Pilha, pegavam pilha do rádio e jogavam na gente. O time estava bem, o jogo estava bom para a gente. O primeiro tempo foi bom. Vocês viram? Quem lembra do jogo?

R - Eu lembro. Pô, uma porradaria no campo.

P/1 - Conta um pouquinho disso aí? O Flamengo foi caçado em campo?

R - Caçado. A direção... todo mundo saiu sangrando, não teve um. Até o Raul saiu sangrando daqui. Se o Raul vier aqui, ele vai te dizer isso. Todo mundo saiu sangrando. Porrada, porrada dentro. E fora. A gente apanhava aqui, os caras apanhavam lá dentro. Com ódio. Ódio, ódio, ódio. Mas cão, sacou? O cara jogando com a pedra na mão. Fazia assim no jogador... escanteio. O Lico saiu todo rasgado, o Nunes saiu todo rasgado, camisa rasgada. Camisa e couro mesmo, pele. Porrada no campo. O jogo estava bom, o empate era nosso. 38 minutos, aquele gol bobo, que bate no Leandro, e entra. Ali foi uma ducha de água fria... um a zero para eles. Terminou o jogo, a polícia... mas também a polícia sentou o cacete neles, na torcida deles, mas sentou o cacete. A gente ficou preso no estádio de meia-noite até três e meia da manhã. Não deixava a gente sair, só depois que todo mundo fosse embora. Às três horas da manhã botaram a gente num ônibus deles, mas aí o nosso ônibus tinha sido consertado, tinha chegado, chegou lá em Santiago. Aí eles fizeram cordão de isolamento no nosso ônibus, levaram a gente fora da cidade, num restaurante deles, ninguém pagou nada. A polícia secreta deles botou a gente para comer. Que a gente estava desesperado de fome, mas sabe, de olhar para você e não reconhecer, de três dias com fome. A última refeição tinha sido em Mendonça. E não tinha. Se você fosse no bar, o cara te matava de porrada. A polícia não deixava você sair. Sacou? Três horas da manhã pegamos um ônibus, fomos nos arredores da cidade, comemos por conta deles, legal, e vamos embora, vamos para Santiago. Vamos para Montevideo, que tinha que atravessar para ver o jogo seguinte, não dava tempo de voltar. O ônibus para Montevideo. Atravessamos a Argentina inteira, até a cidade... como é que chama a cidade? É Rosário? Não. É uma cidadezinha que faz fronteira com o Uruguai, que a gente tem que atravessar de balsa. Eu não lembro, deve estar aí. Quando chegamos na cidade foi pior. Era... de 26, a gente teve que mandar 12 pessoas embora, o ônibus tinha que voltar. Porque as pessoas não tinham mais dinheiro, não tinham mais saco, não tinham... tinha Laura, Teresa, à toa, ficamos 13 o resto teve que ir embora. Aí foi uma choradeira. O cara viagem, seis dias, para ver o time ser campeão, e depois, na hora do filé, aí foi... foi muito triste. A gente mandou os caras embora, o ônibus voltou, a gente pegou a barca, atravessamos até Montevideo. Chegamos em Montevideo no dia do jogo, já de manhã, o jogo era à noite. Não, o jogo ia ser no dia seguinte. Nós chegamos de manhã, passaria o dia inteiro, o Flamengo chegava de manhã para chegar à noite. Aí já tinha muito... quando chegamos em Montevideo já tinha muito flamenguista que foi de avião fretado, essas coisas. Aí melhorou o astral. A gente juntou dali, juntou... Eu, o Zé, tinha uns três ou quatro que tinham grana, que davam um pouco mais do que os outros. Aí juntamos a grana, ficou todo mundo num hotel, eram 13, dava para segurar mais, porque se fosse 27 não dava para segurar. Todo mundo no hotel, fomos dormir, fomos na Delegação do Flamengo, que tinha chegado. Até tem a história hilária, que é o Guilherme, o mesmo Guilherme, o mesmo Guilherme da primeira história. Quem conhece Montevideo só tem uma rua, que é a Cinco de Julho, uma rua monstruosa, que estão os hotéis, os bancos. A gente vem andando na rua, e vejo aquele moleque mijando no meio da rua. Quando a gente estava chegando perto, chega a polícia correndo atrás do cara porque o cara estava mijando no meio da rua. A polícia correndo atrás dele com o cacetete e o cara segurando o pau mijando (riso), até entrar num hotelzinho deles lá. Foi hilário, todo mundo riu muito. Aí as pessoas começaram a relaxar, porque estava todo mundo tenso. A viagem, o Flamengo perdeu, tinha uma final no dia seguinte. Você estava sem força, sacou? Aí fomos dormir, acordamos no dia seguinte, o jogo era à noite, passamos o dia inteiro na Delegação, cidade, visitando aquilo lá, e chegando gente do Brasil, acho que estava uns cinco ou seis aviões lotados. Isso melhorou o astral. Quem podia, mamãe mandou dinheiro para segurar. Até que fomos para o estádio. O Flamengo foi extremamente gentil nessa coisa, tinha um ônibus daqueles beirinhas vip, que vão assistir o jogo, entrou todo mundo no ônibus, fomos assistir o jogo, chegamos lá na arquibancada, o estádio vazio praticamente, tinha a torcida do Brasil, a torcida uruguaia estava torcendo pelo Zico e Flamengo. Não era pelo Flamengo, era pelo Zico. E Flamengo tinha meia dúzia de gato pingado de chilenos.

P/1 - E tinha argentinos também?


R - Bastante argentinos. Tudo pelo Zico. Na época Maradona não estava surgindo não, eles adoravam. Adoravam o Zico, o Júnior e o Leandro, era a paixão deles. Aí o jogo em si, na véspera, a gente... eu tive esse prazer da minha vida, que na preleção, como Paulo Sérgio Carpegiani é muito amigo: "O seguinte: eu queria que você ouvisse a preleção da gente." Falei: "Pô, não dá. Não dá, porque o Bosco não vai deixar." Mas a gente ficou meio mais ou menos colado, e eu sei que eles disseram o seguinte: "O Carpegiani me disse isso: "Moraes, o grupo está fechado. Nós não vamos perder esse jogo de jeito nenhum. Pode avisar para a galera que esse jogo vamos ganhar na porrada." Falou isso. Pô, a gente já saiu... se o técnico do teu time fala isso, na frente de todos os jogadores, é porque tu sabe que eles vão comer grama." Então a gente já saiu: "Ô, galera, o jogo é nosso, vamos para o estádio." E estava todo mundo pirado, principalmente o pessoal nosso, que estava há oito dias sem ver mulher, sem ver ninguém, sem nada. Fomos para o estádio... puta, não eram dois minutos de jogo, a gente sabia que ia ganhar. Porque o Andrade era o termômetro do time. Se ele jogasse bonitinho, dando toquinho, frescurinha, o jogo podia complicar,
mas quando o Andrade jogava sério, jogando bicão para tudo que é lado, ninguém ganha, ninguém ganhava. E foi a segunda maior exibição que o Zico fez em todos os tempos, a terceira maior exibição que eu vi o Zico fazer. Então em dez minutos de jogo a gente sabia que ia ganhar, não sabia... ia saber qual era o placar. Então fizemos um a zero, jogo nosso, perdemos uma porrada de gol, mas aí o Andrade é expulso. Aí começou a amarelar. A gente ficou mais preocupado. Dois a zero, aí no finalzinho, pô, foi hilário, porque na hora do segundo gol, do gol do Zico de falta, o nosso grupo, todo mundo gritando, e a gente chorou, sentou para chorar, porque a gente jogou para fora aquilo lá. Ninguém viu. Eu não vi nada, por isso que eu quero ver esse jogo. Eu não vi nada. Depois de dez minutos, todo mundo chorando, chorando. "Não, tem um tempinho." Termina o jogo...

P/1 - Vocês nem viram o lance lá do Anselmo?

R - Não vi nada. Eu vim saber na televisão. Depois eu vi foto. Eu não vi esse jogo, eu gostaria muito de ver. Eu já pedi a todo mundo, ninguém me mostra. Acontece. Terminou o jogo, Flamengo campeão, volta olímpica, a gente faz lá. Vamos comer

alguma coisa, três horas da manhã tinha que voltar para o Brasil, sem ônibus, sem nada. Tinha que pegar ônibus de carreira. Então os caras estavam de avião, passaram a noite inteira comemorando. Como é que eu ia comemorar? Tinha que fazer mais... Do Uruguai ao Rio são três dias. Caralho... E aí? Aí nosso grupo... não tinha força física nem emocional mais. A gente saiu os 13, fomos jantar. Na época também tem ditadura no Uruguai, fechava tudo à uma hora, tudo... à uma hora tinha que estar tudo fechado. Jantamos, fomos para o hotel, de meia-noite e meia, tomamos um banho, fomos para a rodoviária pegar um ônibus. Pegamos o ônibus de Montevideo até o Chuí. São 16 horas de ônibus. Chegamos no Chuí, ninguém aguentava. Do Chuí mais oito horas, do Chuí a Porto Alegre, 12 horas do Chuí a Porto Alegre. Sabe? Chegamos em Porto Alegre três horas da tarde, mas, sabe, se arrastando. "Galera, não dá mais." Aí: "Junta ali, vamos conversar?" Isso o Cláudio foi fantástico: "Vamos ver o que a gente tem de dinheiro e vamos tentar ir de avião." Nós vamos de ônibus, quem não puder... Quem puder vai de avião, quem não puder via de ônibus." Pô, não vamos poder abandonar os caras aqui." Aí fomos... chegamos, direto na rodoviária pegamos um ônibus para o aeroporto. Vamos ver qual é. Chegamos quatro e meia da tarde, mendigo, fedendo. Mendigo. Chegamos no aeroporto, quatro e meia... eu lembro bem disso... quatro e meia, cinco horas da tarde tinha um vôo da Varig às oito horas. Aí faz o cálculo. O Zé tinha pedido à avó dele uma grana no Uruguai, uns 2 mil dólares mais ou menos, alguma coisa, eu tinha alguma coisa, tinha o Beto, que é bicheiro, que era presidente da Grande Rio, da Ilha. Junta daqui, junta dali, ficamos duro, zero, mas deu para comprar as 13 passagens de avião. E o funcionário lá só olhando, eu falei: "Esse puto vai aprontar." Eu não sei porque estava me dizendo que ia aprontar mesmo. Chegamos, compramos os bilhetes: "O vôo está cancelado. Falta de passageiro." "Putz, espera aí. Como está cancelado?" "Não, está cancelado. Vôo só amanhã de manhã. Vocês vão embarcar" "Não tem mais, a gente está fodido." Aí explicamos. "Está cancelado." Aí chamaram... "Chama o supervisor." Aí começamos a gritar, fazer escândalo. "Foi cancelado, ordem de Rio Grande do Sul", que a Varig é de lá do Rio Grande do Sul. "Está cancelado o vôo." Puta que pariu. Aí o Zé estava lá, o pai dele foi o vice-presidente da República, o pai do Zé, era um almirante desses malucos aí, ele pegou o telefone e ligou para a avó dele. O avô dele que foi o presidente da República. Era aquele general, o ...

P/1 - Rademaquer?

R - Rademaquer, exatamente. Ligou para a avó dele, dez minutos depois a Varig: “O voo tal, tal foi reaberto no Rio de Janeiro." Pô, é brincadeira!

P/1 - Escuta, e quem é esse Zé que você tanto comenta?

R - O Zé? Conheci o Zé em 81, viajando para o Chile. Esse foi um irmão... um amigo irmão, mas hoje ele mora em Londres. Ele é um vice presidente da Informática da IBM, um cara... ele vem agora para o carnaval, se vocês quiserem a entrevista dele, ele morava nos Estados Unidos, casou. Nunca tinha arranjado namorada... isso eu vou dedar ele. Se vocês falarem, eu mato. Nunca tinha namorado. Não é gay não. (riso) Aí foi trabalhar... o pai dele, o avô dele, a família muito rica, e ele nunca trabalhava, ele também tinha alergia à trabalho, mas cismou de trabalhar. Aí foi trabalhar na família, que tinha torrefação de café. Nesse Rio-Sul, a Brás-Can, eles eram... aquela empresa que tinha... o Ponto Frio? Não. Aquela empresa monstruosa de eletrodomésticos?

Não sei, não lembro. Era deles também. O que aconteceu? O Zé: "Ah, vou trabalhar." Trabalhou um dia, em 20 dias estava casado. Se apaixonou pela secretária dele, que era secretária dele (riso), que era 20 anos mais velha, ele nunca tinha visto a fruta, gostou, casou. Aí foi morar nos Estados Unidos, agora está morando em Londres, e vem no carnaval. Me mandou um e-mail ontem, ele sabe disso, ele quer falar, ele gostaria muito de fazer isso.

P/1 - Ah, que legal.

R - Ele gostaria muito. Um cara trilhardário, mas um amor de pessoa, sabe? Tem dez reais na cabeça, moleque, moleque.

P/1 - E, Moraes, vamos dar uma parada de cinco minutinhos, para dar uma acertadinha?

Moraes, eu queria que você contasse um pouquinho: durante esse tempo dessas longas viagens, o que vocês fazem para matar o tempo?

R - Olha, cara, nessas viagens longas, nos dois primeiros dias, a gente se diverte. Porque quando é avião, você desce num lugar, aí você tem loja para ver. Mas na maioridade, na Raça viajava mais de ônibus, uma viagem de oito dez, dias. O primeiro dia tem papo, o segundo dia tem papo, o terceiro dia já começa a xingar a mãe do colega, porque está todo mundo cansado. O que a gente faz mesmo, além de... nas paradas, sempre rola as brincadeiras. E, para explicar bem, um lance importante. Na nossa época, esses pequenos... não era nem roubo, era furto, ele sempre existiu, e a gente fazia, assim, com prazer, mas era até de sacanagem. Chegava num restaurantezinho, numa venda, comprava um pacote de biscoito, levava dois. Dava prejuízo para o cara, mas hoje os caras levam a caixa registradora e dão porrada no cara. É a diferença da nossa época com as torcidas hoje. Sempre houve esse lance de... era brincadeira:

"Olha, consegui um pacote de bala!" Uma criançona que está viajando conseguir um
de roubar uma bala, um biscoito, de um cara, um comerciante. Isso a gente fazia sempre. Visitava... quando parava, o que acontecia? Quando tinha, para dormir, eu e o Zé, a gente jantava, dormia até para descansar o dia inteiro. A maioria da galera ia para o puteiro, ia beber. Vida normal, como se fosse aqui. Até porque as mulheres estavam aqui, as namoradas estavam aqui, a gente estava viajando. É um lance normal, que você faria aqui, em São Paulo, em qualquer lugar. A única diferença era essa, essas brincadeirinhas de pegar alguma coisa, de jogar carta, dentro do ônibus. Porque você viaja 24 horas com a mesma pessoa dentro do ônibus. O que rola? Rola brincadeira, eles iam dormir, bata baton em você, esse tipo de sacanagem, tira tua calça, amarrar tuas pernas para tu cair. Coisa que qualquer criança faz, que adultos faziam de brincadeira. Essa era a idéia que a gente... nunca teve uma briga entre a gente, entre a gente, entre as pessoas. Porque era realmente torcida, a gente ia em função do Flamengo. A gente ia em função do Flamengo, procuro enfatizar isso muito. Ia sabendo que ia ter perrengue, sabendo que ia perder emprego, muita gente perdeu o emprego. Porque passa dez dias, o patrão te manda embora. As pessoas sabiam que iam pelo Flamengo, e sabiam que iam com o risco de perder mulher, perder emprego, de se estressar, de pegar uma doença, de passar fome. Passar fome. Passei muita fome, e é terrível, por isso que eu não posso ver uma pessoa com fome, porque a pessoa está com fome porque não tem dinheiro, eu com dinheiro no bolso passei fome, e muita. Fome olhando para o Flamengo. É por aí.

P/1 - E fala um pouquinho então, antes da gente falar da viagem para Tóquio, que time era esse do Flamengo? Por que ele conseguiu ser esse time com essa potência toda de ser o melhor time do mundo na época?

R - Era o melhor time do mundo. Olha, nessa viagem para Cochabamba, para você ter uma idéia, a gente estava... a Cordilheira dos Andes são quatro, cinco mil metros de altura. A gente estava aproximadamente uns três mil metros, que a Cordilheira dos Andes não é assim. Ela é assim, depois faz isso. Quem conhece sabe bem. Ela não é uma inclinação. Ela sobe, que o pneu do carro fica assim, depois ela desce. Você tem idéia, como você perguntou. Tinha uma vendinha a três mil metros de altura, que

não tinha rádio, televisão impossível, não tinha nada. A gente estava parado nisso, até que o motorista estava tomando cachaça fumando um baseado que me deu um medo desgraçado, o cara dirigindo. Aparece um garotinho de uns oito anos de idade... se tinha oito anos, pelo menos fisicamente oito anos, pode ter até 13, 14 anos, são pessoas mirradas. "Ustedes são de Flamengo, Flamengo? Donde está Zico?" Isso eu conto na revista. Um lugar... três mil metros de altura, que não tem rádio, não tem nada, o cara conhece um cara chamado Zico, conhece o Flamengo, você tem idéia do magnetismo que esse time tinha. Zico, na minha opinião, é o melhor jogador que eu já vi jogar. Zico, Maradona e Pelé, nessa ordem. Você tem o Zico, tem o Leandro e tem o Júnior. Impossível. É uma base que time nenhum não tem. Então você... é um time que jogava junto desde o juvenil. São oito jogadores dividindo a divisão de base. Quem era forasteiro ali? O Nunes, que tinha jogado, depois saiu, voltou, e o Raul. O resto é tudo... Mozer, o Marinho também entrou depois, o resto tudo tinha formado a divisão de base, o Lico, que era de fora. Uma coisa que poucas pessoas sabem, que o Lico veio para o Flamengo jovem, não teve chance, voltou, foi embora, depois voltou. Então eram oito jogadores do time de base, que a gente conhece desde pequenininho. Jogava por amor à camisa, um magnetismo, que você via... além da camisa que chama qualquer coisa, porra, jogar do lado do Zico, o cara tem que ter muita estrutura, que o Zico é chato pra cacete. Se você tem o melhor profissional do mundo ao teu lado, você tem que no mínimo acompanhá-lo, porque senão tu vai dançar. E o Zico é chato pra caralho. Jogando, ninguém pode morcegar com ele. Você tinha um time com o maior jogador do mundo. O cara que não sabe jogar vai aprender. Ou se estrepa. Neidir são sabia jogar. Foi titular do Flamengo, na Libertadores, em vários jogos. O Marinho era um jogador razoável. Foi considerado um dos melhores zagueiros do mundo porque tinha o Zico, tinha ali formado, tinha um magnetismo. O Lico era um monstro, o Adílio sabia jogar, o Andrade melhor cabeça de área depois do Falcão e do Paulo César Carpegiani. Era um time fantástico. Não vai ter igual no Flamengo, eu vou morrer... nem meu neto vai ver mais isso, sacou? Igual não vai dar. Então hoje em dia qualquer jogadorzinho médio é craque, e ganha 270 mil. O Zico veio a ganhar dinheiro depois de 30 anos quando foi para o Japão.

P/3 - E o técnico?


R - Começou com o Coutinho. O Flamengo, na realidade, teve um técnico chamado Gilbert, que o Zico é apaixonado, que eu particularmente não gosto. O Gilbert a gente chamava de vai e vem. O Zico é extremamente grato dele, vai falar isso, que lançou ele. O Gilbert era um Zagalo de hoje: "Olha, você joga aqui, você pela esquerda... Você vai, o lateral, e você fica." Então você vê lá, estava olhando para o gramado, para o técnico, você via o Gilbert fazer isso. Pô, irritava. Porque a única jogada que tinha era essa. O lateral ia, voltava, ia voltava, com um time daquele. Aí depois veio o Coutinho. Eu conto isso aí, eu não falei, o Coutinho foi o maior técnico que eu já vi jogar. Era um discípulo do Zagalo, que depois abandonou tudo que o Zagalo fez. Era o Zagalo, o Coutinho e Parreira. Era um técnico fantástico, e o Zico vai dizer isso para vocês. Era, sabe, ele... o Coutinho era um estudioso de uma maneira, que o Flamengo ia jogar com o Madureira, o Coutinho ia ver o Madureira jogar antes, para ver como é que o Flamengo ia jogar. Porra, o Flamengo com o Madureira não tem nada a ver. "Tem. Moraes, eles não vão me perguntar... se eu perder, eu perco meu cargo." Então era um cara extremamente fantástico. O Zico brigou com ele, entre aspas, na Copa de 78, era uma pressão insuportável. Que o Zico jogou uma partida muito boa contra a Suécia na Copa de 78, depois não jogou mais, não podia. Quem lembra da Copa de 78, o (Gramado?) não deixava ninguém jogar. Zico e Reinaldo juntos, a melhor dupla do mundo, não vai desistir tão cedo igual. Os dois não jogaram. Aí para botar Roberto Dinamite, Serginho Chulapa... não, não foi nem Serginho, foi Roberto e Mauro Mendonça, não sei...

P/1 - Jorge Mendonça?

R - Jorge Mendonça. Então a bronca do Zico com o Coutinho depois se dissipou. Que o Coutinho chegou da Copa do Mundo, reviu todo o critério dele, todo, e eu conto isso na revista, esqueceu o Zagalo, e tornou o Flamengo o maior time do mundo. Tanto que o Carpegiani era jogador dele, assumiu como técnico, e manteve a mesma filosofia, e o Flamengo foi considerado quatro anos o melhor time do mundo. Fomos jogar na Inglaterra, se dizia isso, infelizmente eu tenho essas notas no meu álbum, na Alemanha dizia isso... Passou quatro anos sendo o melhor time do mundo. Isso Coutinho e Paulo César Carpegiani. Era o melhor técnico, foi o melhor técnico que eu já vi. A gente foi jogar na Hungria, também na Hungria, que o Flamengo jogava praticamente de dois em dois anos na Hungria, isso foi fantástico. No último jogo, o Flamengo, se empatasse, seria campeão. E o jogo dele, quando ______de Belgrado, os caras marcavam pela camisa. Entrava: "Olha, tu marca o seis...", o time deles, "tu marca o oito, eu marco o dez." O que o Coutinho fez? Botou o Toninho Baiano, você lembra? O Toninho Baiano, lateral direito, com a camisa nove, e botou o Cláudio Adão com a camisa dois. Então que o técnico deles...? Ficou louco. O ______no dois, no Adão, e colou outro no Toninho. Começou o jogo, eles trocaram de posição. O Cláudio Adão começou como lateral direito, o Toninho de Centroavante. Mudou o jogo, dois minutos de jogo, estava três a zero para a gente. Quando os caras notaram, um abraço. Não é qualquer técnico que faz isso. É um cara que tem que ser muito vivo, um cara muito inteligente. Foi o melhor técnico que eu já vi, depois o Paulo César Carpegiani. Infelizmente errou. Eu não falei com ele depois disso. É um irmão, mas errou nesse Flamengo e Vasco, tomamos de cinco a um, foi erro dele, ele assumiu. Mas depois do Cláudio Coutinho, deveria ser o técnico da seleção brasileira por 30 anos.

P/1 - E Moraes, então... quer dizer, depois a gente pode até contar na próxima rodada, daquela sequência enorme de jogos que o Flamengo teve, eu queria já dar um pulo para a viagem a Tóquio.

R - Que foi uma semana, de seis a zero no Botafogo, foi uma alegria que eu tive, e eu tenho que dizer isso, olhando para lá, que a torcida não queria sete a zero, não queria dez a zero, queria seis a zero. Porque o Botafogo, quando meteu a gente, em 72, seis a zero, tiveram seis chances de gol, seis, meteram as seis. Nesses seis a zero da gente, que a torcida empurrou, fizemos três a zero no primeiro tempo, segundo tempo... é hoje. E quando foi seis a zero, a torcida parou de grita gol. Ou melhor, pedindo para marcar mais gol. Porque se perde, o time fazia. O próprio time estava consciente que tinha que ser aquele seis a zero. Aí foi a seqüência de jogos, fomos para Tóquio. Ganhamos a Libertadores, aí: "Vamos para Tóquio." Quem não queria ir para Tóquio? Mas a agência, a Imperial Turismo essa do Batou Muche, encheu o olho, e publicou, no dia seguinte que o Flamengo ganhou do Cobrelone: "Imperial Turismo leva você com o Flamengo para Tóquio." O preço de 15 mil dólares. Exemplo, eu estou falando... 15 mil dólares. Aí todo mundo ia já para saber o preço, legal. Cocei a cabeça: "Zé, não pode ser isso. Cláudio. Vamos batalhar, vamos correr atrás." "Está bom." Não, a Imperial que eu falei... não foi a Imperial, a Imperial era a operadora do Japão. Foi essa do Batou Muche, como é que chama? Não sei como é o nome. A Imperial Turismo que fazia todos os pacotes para o Japão. Eu falei: "Eu vou lá." Botei um bermudão. "Não vou de calça porra nenhuma, vou de bermuda, camisa do Flamengo." E fui lá, eu, o César e o Cláudio. Pô, vamos para Tóquio. Depois eu lembro. Chegamos na Imperial Turismo, o diretor nos atendeu muito bem. "Queremos ir para Tóquio." "Eu sei que vocês estão querendo ir para Tóquio, mas..." Eu falei: "O preço está muito caro." Ele falou: "Olha, esse é o preço da agência. O nosso preço é 3 mil reais." Como se fosse hoje 3 mil dólares. Levamos um susto. Agora nós não podemos vender direto, nós somos operadora. Nós estamos trabalhando só com o Japão receptivo. Vocês procuram essas duas agências, que eles vão fazer um preço para a gente. Saímos de lá correndo para as agências, fechamos o pacote, como se fosse uns 3 mil dólares com tudo. Um via Havaí, Rio-Los Angeles-Tóquio-Havaí-Rio, e outra Rio-Tóquio-Rio via Los Angeles, barato. Isso era 2.800 numa e 3.200 na outra. Aí o Cláudio e o César não tinham grana, a mulher falou o seguinte: "Dez passagens, mando vocês de graça." Eu falei: "A minha eu não preciso de graça, que eu faço o menor preço a minha, você abate o preço das outras pessoas. Para ficar tudo mais barato, quanto mais gente levar melhor." O César e o Cláudio queriam correr atrás das passagens de graça dele. Então ficamos com duas agências, dividiu a galera. Fecha daqui, no final, eles não conseguiram. Eles fecharam 12 pacotes só. A minha estava bem mais barata, as pessoas preferiram fechar comigo, até por causa do Moraes também. Eu não quero ser pernóstico, mas porque o Moraes ia naquela. Eu fazia Rio-Tóquio-Rio, via Los Angeles. E eles queriam fazer via Havaí. Eles não puderam ir porque a agência só dava... eles fecharam 13 pessoas, só dava direito a uma passagem. Com eram três: "Ou vai os três, ou não vai nenhum." A agência: "Então não vai nenhum." Aí foram comigo 46 pessoas, dois bicões. Foi um tricolor e um botafoguense, que até hoje eu tenho vontade de matar os dois. Porque era a torcida do Flamengo. O preço estava bom, o cara queria conhecer o Japão. Hoje são meus amigos, mas foram nesse bicão. A gente fechou, éramos 46 pessoas. Tóquio. Rio-Nova Iorque, Rio-Los Angeles direto. O Flamengo foi para Los Angeles, o Flamengo ganhou do Vasco na quarta-feira, campeão carioca, domingo. Embarcou domingo à noite para Los Angeles, para fazer adaptação, e a gente foi na quinta-feira. Pegamos o time em Los Angeles na sexta, chegamos em Tóquio sábado de noite, o jogo era na segunda ou terça-feira. Foi a galera inteira, os 46. Na volta, parte pelo Havaí, parte parte direto para o Rio. Chegamos em Tóquio na segunda de manhã, o jogo era terça, isso mesmo, chegamos no domingo. Segunda de manhã já estava aqueles brazuca que moram lá. Eu tinha levado a faixa da raça, bonita, mas queria outra. Aí peguei um brazuca daquele: "Vamos fazer uma faixa em japonês?" Aí fomos correr atrás do Japão, para comprar pano vermelho e preto. Puta que pariu, foi foda para conseguir, conseguimos duas tiras. O esparadrapo, fizemos uma faixa lindíssima da Raça rubro-negro, botamos "Raça Rubro-Negro" em japonês, o cara escreveu, e boa sorte. Botamos a faixa no estádio.

P/1 - Isso com esparadrapo?

R - Com esparadrapo. Essa faixa está... a fotografia está no meu álbum que o ... eu vou pegar essa porra, nem que eu tenha que assaltar o hotel. (riso) Aí fizemos... mas antes do jogo, fomos fazer umas compras lá, que chamam de táxi-free, são umas lojas tipo Mesbla antiga. São 10, 12 andares, que você... tem o caixa lá em baixo, e você chega e compra, e paga lá embaixo. A gente esquecia de pagar, era um negócio, assim, de memória, pegar uns tênis, botava, descia, chegava no carro, tirava o tênis. Eu trouxe 13 tênis. Até hoje, quando eu voltar ao Japão eu vou pagar. Juro, eu lembro da vendedora, eu vou pagar.

P/1 - Mas como é que vocês entravam? Eu não entendi.

R - A loja é tipo seis andares. Caixa um aqui em baixo. A mesma coisa os restaurantes. Restaurante eu não paguei um dia em Tóquio, um dia. A gente estava no maior hotel do mundo, Takanawa Príncipe. São 14, 15 restaurantes, e um caixa aqui. Com várias saídas. Você comia aqui e ia embora. Fazer o que? Ou passar aqui no caixa, pegar fila? Terrível. Podia pegar um resfriado. Esquecia de pagar, não paguei nada. A refeição não estava incluída. Mesma coisa nas táxi-free. Só tinha um caixa embaixo, no primeiro andar. Então todo mundo roubou. Só tem dois ou três jogadores... O Zico não roubou, que ele nem foi. Mas tem muito bicão aí dizendo: "Que o tênis". Tem um que vocês vão entrevistar que meteu dois tênis.

P/1 - E como é? Vocês estravam descalços, e lá calçava um tênis, e saía?

R - Não, a gente pegava o seguinte: o primeiro tênis meu. Esse já ficou. A gente pegava o novo, os carros estavam lá embaixo, chegava, botava um tênis novo. Tirava o tênis, botava o tênis velho, subia lá em cima. Não era descalço. A gente pegava o tênis antigo e descia com os tênis novos, e deixava no carro, por esquecimento. Outros pegavam as calças, botavam aquelas calças de moleton bonitas, e botava a calça por cima, descia lá e tirava. (riso) Todo mundo roubou, cara. Foi fantástico, todo mundo roubou. Mas tem um negócio: quando chegou isso, saiu na matéria, saiu em tudo que foi matéria em jornal, a gente contou até de brincadeira. Um mês depois o Maluf foi com a comitiva dele para lá. Foi todo mundo preso. Ficaram sabendo... (riso) Eles pegaram...

P/1 - Em flagrante, a comitiva do Maluf?

R - Tu não soube disso? Saiu em jornal, foi tudo em jornal. Pegaram várias pessoas roubando na loja, várias, da comitiva do Maluf. Foi de lá que o Maluf aprendeu e começou a roubar, até hoje. (riso) Mas foi legal. E o jogo em si... a gente foi nesse táxi-free em véspera do jogo, os jogadores do Liverpool entraram. Olhavam para a gente, sabe, com desprezo. "Cara, vai ser mole." O Zico vai dizer isso pra você. A gente falava: "Vai ser mole. Vamos meter três, quatro... mole." E se o time não rebola depois dos três a zero, metia quatro, cinco mesmo, mole. Foi um dos poucos jogos da minha vida que eu entrei já rindo. Porque eu sou chato. O Flamengo joga, vai jogar às cinco horas da tarde, a partir de dez, 11 horas, meio-dia, não fala comigo. Não fala. Ele sabe disso, que vive comigo. Não fala. Não fala, porque eu vou responder um palavrão. Eu fico concentrado, é o meu jeito. Durante o jogo eu não falo nada, eu não grito gol. Porque o coração fica a 300 por cento. Se ganhou, depois... agora se perdeu, não fala comigo dois, três dias. O Dario é testemunha, que vocês vão conhecer, que é advogado dela. Eu chegava na Embrafilme, as coisas estavam na minha mesa, eu fazia: "Não fala comigo." O Flamengo perdeu, eu não falo. É um direito meu. Nesse jogo eu cheguei no estádio rindo. Eu sabia que ia ganhar fácil. E ganhamos fácil, não tece nem comemoração. Três a zero com 20 minutos de jogo. Terminou o jogo, o nosso vôo era cinco horas da tarde. Vibrando. Eu peguei o avião à noite, voltei para o Brasil, vários jogadores voltaram, a maioria foi para o Havaí, descansar, Zico, Sandra todo mundo. A maior alegria não foi o Japão, a maior alegria foi a Libertadores. Porque esse teve emoção. Mas Japão não teve emoção. Se fosse um jogo chato, mano a mano... Eu já saí daqui do Brasil sabendo que ia ganhar. Não tinha como. Tinha o Zico. O time que tem o Zico jogando tudo, não perde.

P/1 - Bem, Moraes, nós estamos encerrando essa primeira rodada de sua entrevista. A gente queria agradecer aí a sua boa vontade, o seu tempo, e vamos continuar a entrevista então na semana.

R - O dia que vocês quiserem. Só que de uma às três, porque de manhã eu tenho praia e de tarde tenho academia, fica meio ruim. (riso)

P/1 - Bom, Moraes, continuando com o bate papo do outro dia, nós ficamos na Copa de Espanha. Como é que foi a organização daquela Copa?

R - Foi a melhor Copa que eu jáfiz. Foi fantástico. A gente tinha um grupo... na época, o Flamengo e Raça Rubro Negra estava sobressaindo, só se falava nisso. Então nós levamos na realidade quase 120 pessoas para ali. Foi um negócio incrível, porque tu tinha que organizar isso tudo. As pessoas que vão em Copa do Mundo... eu falei isso na entrevista anterior... são pessoas que vão ao Maracanã e olhe lá. Daí uns 15% vão ao Maracanã, o restante são amigos do amigo, fazendeiro, vão visitar a Espanha, e ver jogador de futebol. Então arranjar passagem, botar todo mundo junto...

P/1 - Moraes, nós paramos na Copa de Espanha. A pergunta é como é que foi a organização para aquela Copa?

R - Foi a melhor Copa que eu já fiz, que foi uma organização fantástica, porque na época estava o Flamengo e a seleção brasileira com um grupo maravilhoso, com o Zico, Falcão, Sócrates, Cerezo, Reinaldo, que depois do Zico foi o maior jogador que eu já vi. Então era um momento muito bom do futebol brasileiro. A gente levou 120 pessoas, foi um negócio, assim, incrível, porque você tinha que alojara todo mundo no mesmo avião, tinha essas pessoas que vão em Copa do mundo, 70% não são acostumadas ao Maracanã. São pessoas amigas dos amigos, fazendeiros, essas coisas. Como Moraes ia... na época, o Moraes, sem ser pernóstico, era o Zico das arquibancadas, então todo mundo queria ir no grupo Zico, grupo Moraes, grupo raça rubro-negro. O que

eu fiz? Eu fui na Aero... não, do Uruguai. Como é? Plina. É uma desgraça. Você já foi para jogo em Plina, não? Você fica lá atrás: "Quem quer comer?" Levanta o dedo, joga para o canto e come. É uma desgraça. Mas era o preço mais barato que tinha. A gente praticamente fechou 60% do avião, que era um 737, e fomos todos juntos, 120 pessoas, eu quase fiquei louco. Mas a gente saiu Rio-Madrid, todo mundo era obrigado a ir com camisa do Flamengo. Quem não tinha Flamengo, não ia no meu grupo. O grupo era "Raça Rubro-Negro" e a Copa do Mundo. Eu lembro bem que na viagem... o raça foi com instrumentos para o Galeão, fizemos uma festa fantástica para o embarque, e todo mundo via Madrid. Nós compramos a passagem Rio-Madrid-Rio... desceu o grupo todo, ninguém entendeu nada aquele monte de maluco com camisa do Flamengo, gorro de criança, o diabo. Mas como era Brasil, isso era muito... que eles chamam a gente de Pachecos lá. Chegamos em Madrid, todo mundo pegou o metrô, fomos para a estação de trem, isso direto também, e fomos para Sevilha. A primeira fase do Brasil foi em Sevilha. O Brasil vai jogar com a Soviética, a Escócia...

P/1 - Nova Zelândia?


R - Não. Nova Zelândia três a zero, os três jogos. Aí tinha uma garota que tinha sido minha namorada, chamada Glaucia, aqui no Brasil, que estava morando em Barcelona. E ela organizou tudo para a gente. Na realidade fechou em um hotel pequenininho chamado Fernando Pessoa, em Madrid, um hotel desse tamanho para... coube lá... era 160, 180 pessoas. O nosso grupo todo ficou, um hotelzinho fantástico, e ficou todo mundo junto. Mas era uma Copa do Mundo que tinha vibração, tinha energia. A gente chegava, ficava dormindo até dez horas. Eu, no caso, treinava, levantava cedo, mas a galera ficava até dez horas, depois ia para a cidade. Quem conhece sabe. Sevilha sabe, pequenininha, a cidade na época devia ter 100 mil habitantes. Mas éramos os donos da cidade, realmente um ambiente fantástico. E Sevilha a gente descobriu que tinha como falar com o Brasil de graça, sem gastar. A gente pegava café com leite e jogava dentro do telefone. O bicho ficava maluco, falava com o Brasil sem pagar. Aí a polícia descobriu. Quando via dez, 15 brasileiros na fila, sentava o cacete, a gente saía correndo. Teve até um Natal que na seleção brasileira ... O primeiro jogo foi Brasil e União Soviética. A gente... Meio de campo Falcão, Cereso, Sócrates e impossível perder. O Reinaldo se machucou, esteve com o Serginho Chulapa titular, e o Roberto Dinamite foi convocado de última hora. Aí o time jogava com música, fantástico. Primeiro jogo Brasil e União Soviética, o time entrou tenso. Aí foi um pega para capar, eles fizeram um a zero, a gente empatou aos 38 e virou aos 42. Aí foi... um dia antes, chega em Sevilha um... não, não foi em Sevilha foi em Barcelona que chegou um navio de brasileiros fantástico, foi em Barcelona, não foi em Sevilha. E foi o primeiro jogo, ganhamos de dois a um. Aí o segundo jogo era contra a Escócia. O que rolava era que os escoceses batiam até na mãe, iam dar porrada em brasileiro, aquela coisa toda. Aquele babaca que vos fala, como líder da torcida, começou a agilizar, pegar pau, pedra, para a gente enfrentar os caras, que achava que eles iam massacra a gente. Televisão filmando, eu: "Não, mais pau, mais pedra." E a polícia espanhola, que adora dar um cacete... Quem fala que a polícia brasileira bate, não conhece a polícia espanhola... já estava cheio de dentes pra me pegar. Desde o jogo, João Saldanha soube da história, foi no hotel, mas me deu um esporro. "Tu está maluco?" Aí me levou... me deu um esporro geral. Ele e o ... do Jornal Brasil. "Pô, você está maluco? A polícia está atrás de você?" Aí me levou até o chefe da polícia espanhola, que era o responsável. Mas levei um esporro do cara espanhol. Não sabia o que ele estava falando. Não dizia nada, não tem nada a ver. Eles trocavam a camisa com o pessoal do Brasil. Quem conhece... o maior idioma do brasileiro é o futebol. Falou em futebol, falou em Zico, em Pelé, agora Romário e Ronaldinho, todas as portas estão abertas. Foi um jogo fantástico, ganhamos de quatro a um, quatro a zero ou quatro a um, agora não me recordo bem. Não teve briga, não teve nada. Um vez cada vez melhor. Cada vez que a televisão mostrava, mais brasileiros chegavam. E mais trabalho para o Moraes. Porque chegavam 30, 20 pessoas sem hotel, sem estrutura, sem ingresso, sem nada. E era uma oportunidade porque eu levava o neghuinho almoçar, almoçava junto, eu pagava a conta, ainda roubava uns dez dólares. Mas numa boa, só brincadeira. Foi uma Copa realmente fantástica. Ganhamos no terceiro jogo, aí mudamos de sede, para Barcelona. Tinha... metade do grupo foi de avião, metade de trem, outros de carro, para Barcelona. Eu fiquei meio preocupado, porque Barcelona é mais cosmopolita, é uma cidade grande. E a gente estava sem estrutura lá. A Glaucia, como morava lá, foi no hotel chamado Regência Colón, de um grande amigo meu, que era inclusive
do Barcelona na época, que tem uma cadeia na Europa inteira. E fez um pacote, a gente aluga o hotel. Vocês pagam metade agora, metade depois. Está bom, vamos lá. Eu fui de carro, a galera metade de avião, metade de trem. Fomos para Barcelona, também fantástico. Chegamos em Barcelona, o hotel de 12 ou 16 andares, completamente vazio, esperando a delegação Raça Rubro-Negra. E tinha que dar 50%. Eu tinha 120 pessoas lá, 60 quartos, tinha 240 apartamentos no hotel. Eu tinha que assumir aquilo ou desistia. Aí cheguei, o dono do hotel estava esperando, um brasileiro porque gostava muito. Ah, vamos, fecha, não fecha. Vamos reunir o grupo. "Galera, vamos assumir isso? É muita grana." Aí o Zé, caladão, porque o Zé era o meu braço direito, era o Marquinhos de hoje. O que eu falava ele endossava, resolvia. Eu ficava... o paizão, um italiano... um espanhol que mora no Brasil há 60 anos, o maior brasileiro... entre Brasil e Espanha ele torce pelo Brasil. Eu chamo ele de paizã, no livro eu devo dizer, um velho fantástico. Embora ele seja vascaíno, eu acho que ele devia até falar alguma coisa, porque ele foi em oito Copas conosco, fantástico. O paizão: "Não, fecha, que a gente paga. Se não tiver..." Aí o Mário dizia: "Não, não fecha, é muito apartamento." Os caras... estava empatado. "Zé, e aí?" "Ah, tu está... Fecha essa droga que a gente vai lotar isso." Fiquei preocupado. Ele falou: "Tudo bem. Vamos fechar o hotel, eu dei do meu dinheiro uma parte." E a galera que estava lá pagou. Éramos 40 quartos, faltava fechar só 200. Aí começamos a divulgar. Saiu nota, que tinha um hotel só de brasileiros, hotel raça rubro-negro. Cara, no dia seguinte eu tinha que escolher quem podia ficar, porque já tinha um milhão de pessoas na porta. Aí eu tinha que escolher, era INPS, a fila do INPS, todo mundo querendo ficar no hotel da gente. Quem tinha camisa do Flamengo já era, quem estava com a camisa do Brasil a gente ia pensar. E ficou... o Parreira era técnico, se não me engano, de um país... desses países lá do...

P/1 - Emirado?

R - Por aí. Parreira e a mulher, a Sandra, a mulher do Zico, a esposa do Edinho, tinha a Matilde, a mãe do Zico. Então todo o pessoal alternativo, que ia cobrir, ficou lá com a gente. Em meia hora eu fechei o hotel. Estava fechado. E, pô, a torcida brasileira numa terra estranha, era zona 24 horas por dia. E o cara fez um negócio legal: almoço, café da manhã e janta. Só que janta tinha que ser até nove horas, porque em Espanha dez horas, 11 horas, eles começam a fechar, só restaurante. Incrível, incrível. Foi uma Copa de uma energia fantástica. O primeiro jogo, nós fomos farrear, Brasil e... Itália? Não, Brasil e Argentina. Maradona era... mas nós tínhamos um Zico. Eles tinham um timaço também, um timaço. Eu sabia, a gente não tinha como perder aquela Copa do Mundo. É uma das maiores decepções que eu tenho até agora. Não tinha como perder. O Brasil e Argentina dava para saber o resultado. Eu me lembro que eu fiz muita matéria lá na época, eu fiquei muito famoso, tem uma Revista, a Le Chipo, eu fui capa da Le Chipo, capa da Lê Chipo, a entrevista toda lá. Eu comecei a ficar com medo pelo oba, oba, inclusive da torcida. A gente já estava ultrapassando, isso há dias. Eu já disse isso e repito: quando tem jogo que me interessa eu fico um cara intragável, eu fico... não falo, eu fico chato. Mas o ambiente estava tão bom, que para mim não tinha... a gente foi para ver o resultado. Cara, foi uma rebolada total. Ganhamos de três a um, se a gente jogasse sério dez minutos, a gente tinha 15. Metia 15, até o Maradona foi expulso. Foi um negócio, assim, incrível. E o Brasil... foi a pior exibição do Brasil naquela Copa. O Brasil não jogou nada, foi três a um, não jogou nada, porque era bundinha para lá, bundinha para cá. Só quem jogou sério naquele jogo foi Falcão e Zico. Ninguém jogou nada. O Juninho, se vier aqui, ele vai confirmar. Todo mundo rebolou. Ganhamos de três a um. Ganhamos, amanhã a imprensa está no pau, sentou no pau. Mentira. A imprensa vem todo mundo. Futebol de outra galáxia, futebol daquilo. Aí eu comecei a me preocupar, e eu escrevi isso na época. Eu fiz até uma matéria para o William Prado, antes do jogo, que ele não publicou. Eu disse: "William, eu estou muito preocupado com esse jogo Brasil e Itália. Se a gente jogar sério, a gente mete cinco neles. Se rebolar, vamos perder." "Tu acha?" Eu falei: "Acho. Se a gente fizer... se a gente tomar um gol? Até dez minutos de jogo, a gente ganha deles mole. Se a gente ficar rebolando, vamos perder." Aí antes de ir para o estádio, meio-dia, a televisão dinamarquesa foi me entrevistar. E eu disse isso em português, saiu para a Europa inteira. O João: "O que que tu está achando?" Infelizmente ele está morto, não pode confirmar, mas quem pode confirmar é aquele careca daquela TV Manchete, que está viva ainda hoje em dia, que é uma reporter da TV Manchete, é um repórter de muito tempo.

P/1 - Roberto Leo?

R - Leo! Ele: “O que tu acha?" Eu falei: "Cara, se a gente tomar um gol até dez, 15 minutos, a gente ganha mole. Se passar daí o rebolado está muito grande." Aí o William Prado fez uma matéria linda, que era a matéria do dia seguinte: "O Brasil ganhou." Mas ele dizia isso, que o rebolado estava muito grande. Aí estava eu, a televisão dinamarquesa que chegou, que era amigo do João, e eu disse isso, que a preocupação era muito grande. E fomos para o estádio. Nesse ínterim, tinha chegado um navio mercante do Brasil com 6.000 marinheiros. "Como é que eu vou botar 6.000 no estádio?" O comandante do navio... na época não era o João Avelange não... era o João Avelange. Mas veio o Moraes. Como vou arrumar os ingressos, as 6.000 pessoas no estádio. Era só Brasil. A Topper, era o Aristélio... vocês devem conhecer, o jornalista, que tem 10 mil camisas para distribuir no estádio. A gente botava... era camisa assim, jogava para as pessoas. Ambiente Brasil. Estádio todo amarelo, tinha meia dúzia de italianos. Pô, eu fui... aí sentei antes do jogo, a Ana Luíza, uma grande amiga minha: "O que é? Está querendo chorar?" “Nós vamos perder essa porra, está muito difícil esse jogo.” Não deu outra. Foi a maior decepção que eu já tive. Perdemos, perdemos a Copa do mundo. Se o Zico ganha a Copa do Mundo, seria o maior jogador do mundo. Porque o Zico, além de ser flamenguista, era irmão. E eu fiquei... ainda hoje eu fico puto por isso. Porque foi a maior chance da vida nossa. Aí fiquei muito puto, perdemos o jogo. Estou voltando ao normal. Aí o William Prado e... não vou lembrar o nome dele, que é um grande amigo também, que é da TV Cultura... não lembro. Ah, lembrei: alugamos um carro para depois do jogo a gente comemorar em Andorra. Andorra é um Principado que fica nos Pirineus, que é lá em cima, vocês têm... não pode morrer sem conhecer. É fantástico. Alugamos um carro para sair quatro horas da manhã depois do jogo. Tomamos a porrada, eu fiquei desesperado. "Pô, vamos embora." Não, não vamos embora porra nenhuma. Vamos para Andorra." Passei o dia em Andorra, aí chegou às cinco horas da tarde: "Vou embora." Peguei minhas coisas. "O grupo está aí, cada um se vira. Acabou a Copa do Mundo com o Moraes." Te vira, te vira.” A Glaucia me arranjou um vôo Barcelona-Madrid e Madrid-Rio. Então no dia seguinte, praticamente no dia seguinte, eu estava no Rio. Pô, nesse tempo eu morava na Avenida Atlântica. Chego em casa, com a cabeça... puto, puto, puto, aí liguei: "Olha, estou chegando amanhã de manhã, às dez horas." Pô, me espera pra não dar uma encrenca, pelo menos para me confirmar. Chego em casa... cheguei no Aeroporto, liguei. Não tinha ninguém me esperando. Não tive cabeça. Cheguei, ninguém me esperando, fui para casa. Tinha um filho de dois anos de idade. Chego em casa, ela abriu a porta para mim, eu com duas malas na mão, pequenas. "Ou eu ou o futebol." Falou na minha cara. "O futebol." Virei as costas, fui embora. Me separei ali, com filho pequeno, ainda hoje eu lembro, depois de 22 anos que agora que a gente retomou praticamente a família se desfez ali. Então foi uma Copa 90% fantástica e 10% esse lado ruim. Que eu perdi o futebol e perdi a mulher, perdi o meu filho, que eu fui recuperar... não recuperei não, tem as sequelas ainda, a gente está... até de vez em quando eu vou lá, vou ficar mais uns dois meses, depois eu vou ver minha vida, para ver se recupera essa parte. Essa Copa da Espanha foi isso.

P/1 - Você já tinha acesso, como você teve em 70, com os jogadores?

R - Não. Tinha... eu lembro bem que... em 70 fiquei direto, fiquei no mesmo hotel. Em 74 o Zagalo inventou de botar o Brasil dentro de um bosque chamado Floresta Negra. Então para você chegar... eu tinha que fazer... eu saía do hotel, a gente andava 40 minutos de táxi, e chegava no portão, com arame farpado, com oficiais, com metralhadora. Você não podia entrar. Uma vez por semana entrava a torcida e ficava à distância de 500, 600 metros dos jogadores. Tinha alguma ascendencia, até por causa do Jaime de Carvalho, que estava com eles, o jornalista, a gente chegava... eu falei com um ou dois jogadores. Não tinha... em 74 não teve. Em 78 foi Argentina, foi uma Copa ruim, eu já era muito amigo do Coutinho, fiquei no hotel em Rosário. Mas em 82 a gente só viu os jogadores em véspera de jogo, no apronto final e dentro do campo. Eu estou falando que era um negócio tão movimentado. Até eu que sou do meio, acordar quatro horas da manhã para correr, essas coisas, a gente não tinha tempo, era 24 horas, porque só tinha brasileiro, só tinha festa, festa, festa. Quando não estava bebendo cerveja, estava bebendo Coca-Cola. Eu vi o Zico duas vezes na Copa do mundo, ou de longe, e assim mesmo não tive contato não, em 82 não tive.

P/1 - E a volta lá?


R - Aí foi, eu voltei para o Brasil. Aí o Flamengo estava bem, o Coutinho... em 82 já tinha morrido também. Quem era técnico do Flamengo era o Carpegiani, que estava saindo, depois entrou o Carlos Alberto Torres, aí voltei para o Flamengo direto. Porque quando tem Copa do mundo não tem futebol a nível de Brasil, tem amistoso, isso aí não me interessava muito.

P/1 - E no ano seguinte, em 83, já foi...? Teve um jogo, um amistoso em Nova Iorque?

R -

Teve dois amistosos que falam para não contar. Um foi antes da Copa de 81. A seleção brasileira foi chamada para fazer um jogo em.... Putz! Um time com... o goleiro era o Valdir Perez, Leandro e Oscar... Dinho e Júnior. Falcão, Sócrates e o Zico. Reinaldo e... o Tico e o Reinaldo, se não me engano. Era... não, é Reinaldo e Éder. E o Flamengo jogava domingo, terça e quinta. Aí ia jogar na Europa no sábado, voltava para jogar segunda-feira aqui. Então...e haja dinheiro. Uma viagem para a Europa é 3, 4 mil dólares. Estava sendo enforcado, já não tinha o papai para bancar. Então era eu que bancava, com o meu trabalho, na verdade era os rendimentos que eu tinha. O Flamengo jogava na quinta, quarta, e tinha um jogo em Winbley na sexta, que o Zico tinha que ir. E o Flamengo jogava domingo de novo aqui. Dez horas da noite para mim é alta madrugada, o desgraçado do Zé: "Estou louco para a decesiva do Zico lá em Londres" Eu falei: "Pô, Zé, a gente está duro, eu não tenho mais dinheiro, o Flamengo vai jogar na Europa daqui a duas semanas." "Não, eu vou, tu tem que ir, tem que ir." Me encheu o saco. Desligava o telefone na cara dele, ele me ligava de novo: "Vamos, vamos, vamos, vamos." "Está bom. Cuida de tudo. Passagens, hospedagem, tudo." "Está bom." Aí eu, no dia do jogo, chego lá, está o Zé com a camisa do Flamengo, a bandeira do Brasil grandaça. "Está maluco? Para que a bandeira do Brasil?"

"Não, lá os ingleses dão porrada na gente. Vamos nos identificar. De repente, eles sabem que nós somos brasileiros, não acontece nada." Eu falei: "Gostei da idéia." E fui comprar uma bandeira do Brasil naqueles shoppings do aeroporto. Aí pego o bilhete: Rio-Milão-Roma-Monte Carlo-Roma-Londres-Rio, a volta no mundo para chegar aqui. "Tu está maluco, desgraçado?" "Não, os ingressos estão á em Montecarlo", porque você sabe, de Milão a Montecarlo tem que pegar aquele aviãozinho tipo helicóptero, porque não tem vôo normal em Montecarlo, não tem aeroporto. Uma fortuna. Quase 5 mil dólares para chegar em Londres, para ver o jogo. Mas acabamos indo, chegamos lá, três ingressos na mão. Na porta do estádio, a gente escolheu um brasileiro. Chegamos em Londres meio-dia, o jogo era quatro horas da tarde. Na Europa chega 5 minutos antes você entra com horário marcado. Isso, o nosso ingresso era meio fresquinho, meio vip. Escolhemos um brazuca daqueles, que sempre tem, eu olhei lá, que mora lá fora, quer ver o jogo, demos o ingresso para ele e fomos entrar. Ficamos no meio da torcida inglesa. No meio vip, mas no meio deles. "Pô, vamos levar umas porradas aqui." Que nada! Brasil! Brasil! Aí começaram a falar num inglês meio... a gente bateu papo, conversou, toda hora foi a porrada entre eles, eles ficaram protegendo a gente, ficaram escondendo no meio. O Brasil arrebentou, ganhou de um a zero lá, um golaço do Zico. Depois do jogoa gente vai apanhar. Porra nenhuma! Saíram, praticamente fizeram um cordão de isolamento. Mas toda hora saía porrada neles. Porque eles bebem muito, eles bebem muito por prazer. Inglês bebe por prazer, principalmente em jogo. Então eles perdem a noção. Entre eles mesmos sai porrada de dois em dois minutos. Mas como brasileiro, pelo menos não apanhei. Foi um jogo fantástico, que marcou muito, porque Wembley foi a única vez que eu fui, e poucas pessoas no mundo foram. Nem Pelé jogou em Wembley, fez agora um gol na despedida do Carlos Alberto Torres, numa brincadeirinha que fizeram. Outro jogo marcante também foi em Nova Iorque...

P/2 - Bom, continuação da entrevista, estava falando então do jogo em Nova Iorque, do Flamengo.

R - A gente estava na despedida do Carlos Alberto Torres, que tinha jogado no Flamengo, era amigo do... que aconteceu em Milão. E a gente queria ir, mas estava sem um puto, estava naquela de vender arroz para comprar o feijão, não tinha nada, não tinha grana nenhuma. Aí o Zé: "Vamos, vamos, vamos." Tira daqui, puxa dali. Mas não dava mesmo para ir, sacou? Uma semana antes eu falei: "Zé, como é que vamos fazer?" Que a tia dele, a avó dele, tinha muita grana. Mas a avó dele fez... o Zé começou a fazer greve de fome para ver se ela dava dinheiro. "Pode morrer que eu não vou te dar mais dinheiro para fazer nada." A gente não tinha grana, não tinha mesmo para ir. Estava desesperado. Um jogo daquele, o Flamengo no auge, não ir à Nova Iorque ver a despedida, com o Zico jogando, Carpegiani, ia fazer a despedida dele também, em conjunto com o Carlos Alberto Torres. Mas eu sempre brinquei, ele me ajuda muito, eu todo dia falava com ele: "Nós vamos. Não sei como, mas vamos." O Zé:

"Moraes, não vai dar." "Vamos, vamos, não vamos, vamos..." Eu mandei fazer um troféu bonito para o capitão, uma homenagem para o Carpegiani, e aguardamos.

P/2 - Você fez?

R - Em acrílico, para o Carlos Alberto Torres. E uma pequena homenagem para o Carpegiani, que ele não queria despedida oficial, ele queria fazer... Aí foi um jogo com o Botafogo no domingo, jogava na terça contra o Volta Redonda, e viajava na terça-feira à noite para jogar quinta em Nova Iorque, e jogar domingo aqui. Cara, a gente estava desesperado, eu já não tinha mais o que vender, não tinha nada, e o Zé também não tinha. Aí domingo, pô... sábado a gente se reuniu. Não tinha mais grana. "Zé, o que nós vamos fazer?" A gente chorava de um lado e outro. Que não dava mais para permitir de não ver o jogo, sacou? Já estava naquele limite que era doença. (riso) Já não dava mais. "Está bom." Domingo fomos no jogo, o Botafogo... nós ganhamos de dois a zero, três a zero dele. Aí chegou segunda-feira na Embrafilme todo cabisbaixo, todo ferrado. Aí tinha... na Embrafilme eu ia de vez em quando, mas quando não tinha nada para fazer eu ia, porque era até uma terapia. Já estava de cabeça ruim, não tinha grana. Mas não tinha mesmo, não tinha nada. Pedi lá a máquina emprestada, mas eles... Cheguei na Embrafilme tipo meio-dia e meia, uma hora, aí a Altamira, que era nossa secretária, fantástica, uma gaúcha: "Neguinho), tu quer ir a esse jogo mesmo, neguinho?" Falei: "Quero, estou desesperado para ir." " Então vou te emprestar essa grana." Eu falei: "Tu está mais fodida que eu, tu não tem grana para comer." "Mas deixa que toda semana a gente fazia um bolão, na época da Loto, a gente fazia um bolão, e ganhamos a quadra, domingo ganhamos a quadra." Era tipo hoje 18 mil reais, para dividir para quatro. Abri maão, ficamos com 12 mil. "Zé, vamos lá?" 12 mil na época, o dólar estava lá em cima. Daria hoje quatro, cinco mil dólares, dava para a gente ir apertadaço. Aí eu liguei: "Zé, arranjei grana." "Tu roubou de banco?" "Não, arrumei a grana, mais nada." Falei: "A gente ganhou na Loto." Não tinha, acabou a mulher ganhando na Loto, que que vamos... Aí fomos para Nova Iorque. Aí fomos na jogada terça-feira em Volta Redonda. A gente armou com a Raça

de ir um ônibus da Raça para Volta Redonda, termina o jogo, voltava correndo, que o pai do Zé ia levar a gente para o aeroporto, para dar tempo de embarcar. "Está, vamos lá, vamos." Aí fomos para Volta Redonda, ganhamos o jogo, voltamos correndo. A gente estava sujo, para tomar um banho no aeroporto do Galeão, para poder viajar. Não tinha água no estádio de Volta Redonda. A Delegação teve a mesma idéia. Então eles chegaram... a gente chegou na porta do Maracanã, o pai do Zé levou a gente, que a gente ia para o hotel do aeroporto, tomava banho e ia embarcar. Quando chegamos no hotel, estava a Delegação do Flamengo inteira tomando banho. E o vôo para daqui a 30 minutos. 40 minutos, estava todo mundo desesperado. "Cara, como é que a gente vai sujo? Vamos tomar banho aí." O Zé: "Não, eu não vou pedir a nenhum jogador..." "Vamos pedir ao Zico, o Júnior, para a gente tomar banho no quarto dele?" "Não, não, não vamos." Aí começou a dar uma porradazinha, a gente brigava, na boa. Estava discutindo lá, sujo, fedendo. Tinha que viajar, não ia chegar em Nova Iorque de short, estava até frio. Aí de repente chega um cara, bate no meu ombro e falou: "Porra, vocês vão viajar? Vocês não perdem uma!". E hoje ele é subsecretário da Receita Federal. Eu não vou dizer o nome dele porque pode pegar mal. "Cara, vocês querem tomar um banho?" Aí entramos no aeroporto, em lugares que a gente nunca viu, e tinha água lá para a gente tomar um banhinho tipo balde. Tomamos um banho, fomos para Nova Iorque. Chegando em Nova Iorque ficamos no hotel, aí o Jorge ____ foi super gentil, conseguiu uma credencial para a gente ficar no gramado, até para botar a faixa da Raça aqui ao lado. "Está." Aí nós ficamos em New Jersey e o Flamengo ficou em New York. Dia do jogo a gente foi para o estádio...

P/1 – Que jogo foi?

R - Cosmos. Aí ficamos no estádio, com faixa, cartaz, tudo os brasileiros lá, foi muito legal. Na hora de começar o jogo, no contato inicial, a gente foi prestar homenagem ao Carlos Alberto, entregamos a ele, entregamos a homenagem ao Carpegiani. Aí aconteceu um negócio hilário: o estádio todo aplaudiu. Porque a gente estava entregando o troféu, e o Zé pensava que era para ele. E Pelé estava atrás dele. Era para o Pelé os aplausos. (riso) Eu falei: "Cara, não dá mancada. É o Pelé que está atrás dele." "Porra, todo mundo aplaudindo. Mas foi muito maneiro.

P/2 - _________

R - O Pelé tinha saído do Cosmo há pouco tempo, mas o futebol americano subiu, porque ele foi jogar lá. Aí fizemos a homenagem, terminou o jogo, a gente foi fazer compra para vender, para pagar inclusive a Altamira. A nossa bagagem era indecente. Naquela época era videocassete que estava começando aqui, era uns dez videocassete, aqueles


, que não tinha aqui também, mas indecente a tonelada. A gente tinha marcado com o pai do Zé, que era meio grandão, de fazer um esquema para passar aqui. "Não se preocupa que vai passar tudo aqui." "Está legal." Não era mala de coisa não, era pilha de coisa que a gente estava trazendo, para vender para pagar a Altamira e ficar um pouco porque o Flamengo ia jogar duas semanas depois na Itália, Espanha, e voltava Itália-Brasil, um negócio louco. Está. Chegando no Brasil, cadê o pai do Zé? Não tinha aparecido. "Caralho!" E a gente no
, rodava. E a Delegação do Flamengo passando, todo mundo indo embora, e a gente desesperado. Os caras da receita já estavam assim, rindo, babando, querendo pegar a gente. Caramba, desesperado, eu saí: "Porra, você está ficando velho, olha o cara da viagem anterior." Fez um sinal, nós passamos. Quando estava passando, o pai do Zé chegou. Ele tinha ficado preso num engarrafamento desses, maluco. Aí tinha um esquema sólido, inclusive um diretor do Flamengo, que hoje você conhece bem, também tinha muamba, perdeu o... e passou junto com a gente, já sacaneou ele. Essa foi duas viagens internacionais perfeitas, na volta do Zico. O Zico estava machucado. Uma raiva que eu tenho...

P/2 - Nessa excursão, não?

R - Não, isso foi depois. Isso em 85, 86. 86, 87. O Zico estava machucado, e o desgraçado do Márcio Braga, junto com o Gilberto Filho ficaram jogando para imprensa que o Zico deveria parar de jogar, que o Zico deveria ser menos jogador do Flamengo, essas coisas. E o cara sabia, estava começando a ficar irritado, e a gente... poucas pessoas ficaram do lado dele. O jornalista do Flamengo não divulgavam isso, pela falta de respeito com o Maurílio, dizer, com raiva, ficando com raiva, o Zico vai confirmar isso. Até teve um jogo fla flu dez horas da manhã, a volta do Zico, dez horas da manhã, em Caio Martins. Eu fui pra casa transtornado, com a falta de respeito...

P/2 - Desculpa. O Zico já tinha saído do Flamengo?

R - Ele saiu em 83. Ficou duas temporadas na Europa e voltou.

P/2 - Você acompanhou o Zico?

R - Claro. Quando o Flamengo jogava, estava lá. Mas fora... eu passei quase 40 dias lá na casa dele em Udine, com 27 graus abaixo de zero. Foi a maior nevasca que já teve. Quando o Flamengo não estava jogando, nas férias eu ficava as duas temporadas em Udine. E tanto que teve um jogo... sábado, Flamengo e Botafogo aqui, que a gente foi depois ver o jogo Zico Udinese e Roma, que o Zico foi em todos os jogos...

P/2 - E como era a sua reação ao ver o Zico com outra camisa?

R – Nem te conto isso, o Zé ficou internado. Internado não, mas ficou precisando de um psicólogo. Ficou uns 15 dias mal, que deu um zique-zira nele, que não consegue andar. Foi um trauma muito grande para o cara. Eu fiquei puto. Eu fui na estréia dele. Mas como eu queria contar umas histórias, depois eu volto para essa.

P/2 - Está.

R - Aí Flamengo jogou fla flu em Caio Martins. Às vésperas do jogo, no dia seguinte a gente embarcava com a excursão... Espanha, Itália, Espanha, e depois ia a Bagdá. o Zico só fez estréia em Bagdá, ia jogar em Bagdá. Aí foi um negócio terrível para entrar, até porque na época eu tinha um passaporte... não era mais diplomático, eu tinha um passaporte normal, e tinha um carimbo de que eu tinha entrado em Israel. Então os caras não queriam me dar o visto porque eu tinha entrado em Israel, foi preciso o Flamengo interceder, e tive que ir a Brasília. Aí eu usei uma camisa do Flamengo autografada, foi o que eu consegui manobrar. Jogaram minhas coisas tudo no chão para ver se eu tinha bomba, por causa do visto que eu tinha em Israel. Chamaram em Bagdá, o técnico da seleção ______, eu fui bem recebido pelo Ministro dos Esportes, foi um negócio fantástico. Mas o Saddam Hussein ainda não tinha falecido, até aí não tinha. Bagdá foi dois dias, não deu para ver nada, até porque estava ventando a 90, 80 quilômetros por hora o vento. Por questão de sobrevivência, um hotel de 16 andares, só ficou a delegação do Flamengo, dava até medo. Tinham 40 pessoas, você podia escolher quarto, andar, para você ficar. Questão de segurança deles lá. Aí fomos no jogo. E o vento desgraçado, não teve futebol, lógico, de dois a zero porque a bola... no lado que o vento estava, a bola ia. Ganhamos de dois a zero, o Zico jogou, até se machucou feio nesse jogo. Na véspera, no dia seguinte do jogo, o roupeiro da seleção que tinha aqui era muito amigo da família do Saddam Hussein. Quando foi o jogo era nove horas da noite, umas quatro horas da tarde, chega aquele aparato de segurança monstruoso, tal. Tinha alguns jogadores... o Zico não deve ter ___dele não. E de repente me chega o cara pessoalmente lá, as pessoas que estavam embaixo no saguão ele comprimentou um por um, não falou "ai". E me deu relógio de ouro, deu para todo mundo que estava lá, mas desse tamanho, que você hoje vende legal... Eu vendi no dia seguinte por três mil dólares, porque a gente não tinha dinheiro. (riso) Relógio de ouro dado pelo Saddam Hussein, colecionador pagava o que quisesse. Foi uma das histórias fantásticas, porque... com o Flamengo só faltou conhecer a Austrália, que eu tive que fazer triathlon, conhecer Austrália. O resto eu vi em todos os lugares do mundo. Foi muito maneiro essa passagem lá. Essas três histórias internacionais, foi muito maneiro.

P/2 - E voltando no campeonato de 82, que você parou...

R - O Brasil tem duas histórias brasileiras... três. Duas foram... Mas a primeira foi do grêmio, em 82 ou 83. 82? Que o Flamengo foi campeão?

P/1 e 2 - Foi.

R - Não, essa foi em _____. _________ foi antes. Foi eu, o Marquinhos e meu filho. Não foi esse Marquinhos, outro Marquinhos, o Marquinhos, meu filho e o Zé. Na época, na Embrafilme, tinha um gerente lá, flamenguista roxo, que pegava a gente, motorista particular, pegava, levava, tal. Um jogo escamado, contra

o Sport Recife, um jogo escamado, eles jogaram aqui, nós ganhamos, ela precisava do empate. Caramba, as cores deles eram
quase igual a nossa, só que eles têm amarelo. Nós entramos no estádio... por azar, nós chegamos 40 minutos antes do jogo, com os ingressos na mão, que a gente tinha comprado. Mas entramos no estádio completamente lotado, só tinha quatro caras com a camisa do Flamengo. "Seu filho de uma egua! Cabeça chata! Vocês são aqui e estão torcendo pra outro, tudo viado!" Começaram a zingar a gente. Nós passamos, até que sentamos. Mas eles começaram a xingar, e um cara com a faca, mas desse tamanho, palitando o dente com a faca. Falando, sério mesmo. A gente estava começando a ficar com medo. E o ---- era mais calmo, e o Zé é meio esquentado, começava a xingar, e os caras voltavam, e jogavam coisa, mas por enquanto estava bem. E tinha um _____do Flamengo, que era o Zé Geraldo, da Paraíba, que foi o grupo deles, umas 30 pessoas. Então a policia fez um cordão de isolamento de umas 50, 60 pessoas no máximo, o Flamengo isso, o resto tudo é deles. E nada do jogo começar. Atrasou um pouco mais, porque o esporte precisava muito desse resultado também. Tudo contra a gente. A gente com camisa do Flamengo, dois minutos antes de começar o jogo, mas dois minutos mesmo, o Zé levanta lá, já não aguentava mais: "Seus filhos da puta! A gente não vai mais fazer campanha para dar comida para vocês! Vocês estão tudo morrando de fome, caramba!" Para que? Até a polícia saiu fora. Só deu tempo de tirar a camisa do Flamengo, jogar fora e sair correndo. E no empurra empurra, ninguém sabia quem era quem. A nossa sorte é que ficava os quatro juntos, correndo, deu para sentar sem camisa, só de short, os quatro juntos. Ninguém falava nada, só olhava, olhava, olhava... "Meu Deus?"! E os caras procurando mesmo. Até a polícia ficou p. Deu vontade de matar o Zé depois do jogo. Cara, um jogo escamado, o jogo acho que foi zero a zero ou um a um, e nos 46 minutos do segundo tempo eles fazem um gol, o juiz ali falando que a bola tinha saído. Cascata! Se descobrem que a gente é do Rio ali, matava. Aí foi no final, com o Grêmio, rolou a partida final com o Grêmio. O jogo aqui no Maracanã, 40 minutos um a zero eles. Putz! Perdemos! 45 o Zico empata. Aí o segundo jogo lá. Isso foi domingo, o outro jogo seria na terça. Segundo jogo fomos para lá, zero a zero. Bola na trave, a bola não entrava. O Raul fez miséria. Até aí tudo bem. Aí no terceiro jogo, que era o desempate, era um feriado não sei de que, 15 de novembro, se não me engano, uma dessas datas malucas aí, 12 de outubro. Foi mais gente. Quanto mais gente do Flamengo ia, mais queria brigar. Então a gente se afastou um pouquinho, eu e o Zé, ficamos quase colados na torcida do Grêmio, esperando, porque só queria ver o jogo. Uma semana antes, o coração já não aguentava. Aquela tensão. Cara, começa o jogo, os dois minutos do jogo, estou sentado lá, uma porrada nas minhas costas. Uma velha, ela tinha uns 45, 50 anos, cabelos todo assim, e fedia como um cão. "Nós vamos ganhar essa merda!" E sentou do meu lado. Só vendo, só vendo. A mulher tinha a unha desse tamanho, ela metia... mas não só arranhava não, sangrava nos dois lados. E o ataque do Grêmio... "Não vai entrar, desgraçado! Tu está fodido!”, umas palavras malucas. E eu coçava a cabeça e olhava para a velha. E o sangue jorrava, a gente olhava para o jogo, olhava para a mulher, não sabia. 15 minutos um a zero o Nunes. E pressão do Grêmio. E ela falando, mas sangrando, uma coisa absurda, absurda. Terminou o primeiro tempo, ela falou: "Ih, vou lá no banheiro me lavar que daqui a pouco vai ser pior."Zé, é verdade ou eu estou sonhando?" Porra nenhuma. "tu conhece essa maluca?" "Nunca vi." "Será que é verdade mesmo?" "É verdade, ela está aí, é coisa palpável. É uma mulher." "Como é que tu conhece?" "Eu nunca vi. Mas tomara que ela... Agora no segundo tempo vai ser foda." Cara, não deu outra. Três minutos de jogo, outra porrada nas minhas costas. A mulher saía sangue, fazia isso no cabelo, mas sangue, sangue, era um negócio absurdo. Ganhamos de um a zero, terminou o jogo, ela falou: "Porra!" Eu queria voltar a ver ela, se ela estiver um dia, gostaria de vê-la. Ela falou o seguinte: "Cara, eu já te conheço de muito tempo, você que não em conhece. Eu sei que tu viaja para tudo quanto é lugar aí, nunca deixa a raça." Começou a elogiar, chorava. Ficou todo mundo, assim, louco, louco, louco. E ela foi embora, nunca mais vi no Maracanã, nunca vi em lugar nenhum. A gente saiu de lá: "Campeão brasileiro! Vamos pegar comemoração no Rio" "Putz, está embarcando no aeroporto. Conseguimos pegar um vôo para o Rio, cheguei, não vi nada. Todo mundo viu que a comemoração aqui no Rio era fantástica, não via nada, não vi nada, vim para casa e vim dormir. Nunca vi a comemoração do Flamengo, da seleção brasileira, eu sempre estou lá fora. Essa Copa do mundo quero ver, depois não vou mais. Quero ver aqui alguma coisa.

P/2 - E o brasileiro de 83? Aí, sim, você vai?

R - É, o Zico estava começando a ser vendido. Eu sabia que o Zico ia ser vendido no final de 82, porque Valdir estava naquela Copa do mundo, eu sabia que ele estava fazendo a cabeça do Zico para esse _____.

P/2 - Valdir era muito próximo do Zico?


R - Era, muito próximo do Zico. E o Zico também queria, sabe, em muitas áreas. A torcida acompanhou muito bem ______do Zico. Se o _____ cobre a proposta, o Zico ficava. Mas o Zico, na realidade,

queria mesmo jogar na Europa. Então eu sabia em julho que o Zico ia embora no final do ano de 82, como foi acontecer em 83. Quando ele foi vendido, a gente fez manifestação, fez o diabo, mas não teve jeito. Aí foi a apresentação dele no jogo do ________. Tinha um mundialito, um mundialito de clubes dos campeões do mundo. O Flamengo opera o Nacional de Uruguai, Juventus... isso foi em 83. Aí novamente duro, não tinha mais dinheiro. "Zé, não dá." "Dá, não dá, não dá." E eu tinha 200 dólares, eu tinha 500 dólares. Eu tinha 300 dólares, o Zé tinha 200. Na época o dólar estava lá em cima. Aí o Delfim Netto baixou um pacotasso que acabou com o Brasil na época, em 83, o dólar... O que eu fiz? "Zé, não tenho um puto. Só tem esses 500 dólares?" "Quanto é que você tem?" "Nada. Estou zerado." "Está bom." Aí fomos numa casa de câmbio, vendemos 500 dólares, que daria... dobrou, aí pegamos esse dinheiro, fomos no Banco do Brasil, na agência da Presidente Vargas, que o gerente era da Raça Rubro-Negra, compramos 500 dólares no nome do Zé, pelo oficial. Ele deu todo o cash, não deu ______. Fomos em outra casa de câmbio, vendemos os 500 dólares, fomos no Banco do Brasil, compramos em meu nome. Então resultado: fizemos aí 1.500 dólares, assim, em um minuto. Já dava para passar as duas passagens. Comida era supérfluo, não tinha. Dava para a passagem. Vamos levar as camisas do Flamengo pra vender. Aí demos entrada na passagem, Rio-Madrid-Rio, e de lá fazia de trem. Foi uma besteira. Que a gente fazia Milão-Rio, e de lá eu me virava. Fizemos via Madrid-Rio, que a gente passava em Barcelona, que tinha um... "Está bem." Aí Rio- Madrid, trenzão até Milão. Uma desgraça. Que depois o Zico ia jogar em Údine, que era a apresentação dele. Aí fomos na apresentação do Zico. Chegando em Milão, e ele lá no Údine. Chegamos, o Zico já era dono da cidade, conseguimos um hotelzinho. 15 dólares ficamos lá. A apresentação dele, eu lembro do Taranto, que era o diretor. Você sabe quem era o Taranto? ___________. "Não acredito! Até aqui! Você está aqui!" Cara, fez um discurso fantástico, eu comecei a adorar o cara. O Flamengo tomou de quatro a um, era pêra levar de 15. Foi aí que o Zé passou mal, ele passou mal no estádio. Porque 40 minutos do segundo tempo, o Zico entrou, com a camisa do Botafogo. Mas foi uma choradeira do cara, o cara perdeu o controle geral, mas passou mal, mal, que... Ele não queria andar. Ele era mais Zico do que Flamengo. Pô, foi um perrengue cão. Aí Zico foi lá, falou com a gente depois do jogo: "Eu volto daqui um ano. Só vai jogar duas temporadas. Eu quero ser considerado o melhor jogador do mundo, da Europa...", como na realidade foi. Ele e Platini disputaram, Platini porque jogou cinco partidas a mais, o Zico se machucou. Aí fomos para o mundialito , que foi em Milão, que fomos de graça. Eu tinha 17 dólares no bolso, o Zé não tinha nada. A sorte é que a gente vendeu camisa em Údine, chegamos em Milão, encontrei _____,que é o Emanuel. Nós ficamos em um hotel de freiras, de padres, que era ______, eu, ele e o ______. O ______ também estava duraço, que ele morava em Londres, foi encontrar com a gente. Vimos o mundialito, tudo, o Carlos Alberto era técnico do Flamengo, o Carlos Alberto Torres. Aí o Flamengo rebolando, rebolando, chegou no final, perdeu para o Juventus. Por que? O que o Flamengo fez na época? Nessa excursão podiam ir as mulheres dos jogadores, as mulheres... os jogadores que quisessem levar, o Flamengo estava fazendo esse oferecimento. Como a gente estava completamente duro, de manhã a gente saía lá para o hotel do Flamengo, a esposa do Raul, que é a Ana, fazia aquele farnel do café da manhã, dava para a gente, aquilo era almoço, café da manhã e janta. Ficava o dia inteiro no hotel do Flamengo, numa cidade que chamada ______, que é a uma hora de Milão. Nós ficamos junto com as mulheres dos jogadores e com a família. E, porra, eu sou torcedor. Pô, só sei que eu fui. Já xinguei o Zico, não vou zingar os outros. "Está rebolando, viado!" Na hora do jogo a gente ficava junto. Mandava para a puta que pariu mesmo, que os caras estavam exagerando, o Leandro, o Raul, Tita, exagerando de rebolar no jogo. O Flamengo leva aquele campeonato com o pé atrás. Não falava nada do jogo, as mulheres começaram... contavam para os jogadores, e contavam para a Delegação que ninguém falou nada. E o Carlos Alberto começou a ficar meio tranquilo. O que aconteceu é que, na final, o Flamengo perde para Juventus dois a um, jogo roubado. Aí nós estávamos dentro do ônibus para vir embora, quem partiu para me dar porrada, para mim e o Zé, Carlos Alberto Torres? Partiu para me agredir, o cara 2,85. " Os jogadores do Flamengo são marica!" Começou a discussão, chamei de filho da puta, porque estava roubando, discussão... só não dei porrada mesmo, porque o Galvão Bueno e o Márcio Guedes, que estavam fora da Globo os dois, me pegaram: "Não, não vai bater no cara, não." Me botaram dentro do carro,





e me levaram até o hotel. De lá mesmo eu liguei para o Rio, e falei diretamente com o Cláudio, depois falei com o Dúncio, quando ele chegou ele foi demitido no aeroporto, porque foi uma falta de respeito com o torcedor. Eu não... eu xingo qualquer jogador, eu já xinguei o Zico, não vou xingar os caras. Ele foi demitido no aeroporto. Duas semanas depois o Dúncio caiu, porque a torcida começou a fazer uma pressão muito grande, não pelo Moraes, mas pela volta do Zico, ele já estava de saco cheio. Foi uma coisa que me deixou muito chateado. Isso foi em 83.

P/2 - E agora, enfim, como... com todo esse movimento, o Zico já não esteve no Rio...?

R - O Zico estava voltando. Aí, estava na seleção brasileira. Eu estava fazendo um filme chamado Jango, na época de Embrafilme. O Flamengo estava na Libertadores. Aí a gente começou a pressionar. E o Zico queria voltar, até porque eu estava na casa dele, que eu sabia que ele queria voltar, ______com o Brasil com as crianças, que não estavam se adaptando legal. A gente começou a fazer movimento... já tinha as Diretas Já... o Zico já.

A gente começou a fazer isso.

P/2 - E como é que era essa campanha?

R - Em todos os lugares que eu ia... a gente tinha uma faixa grande, a gente colocava nos hotéis: "Zico Já!" E colocava na imprensa. Isso foi começando a divulgar, foi minha... foi mais do Zé do que minha essa idéia. E começou, tanto que eu fiz a propaganda do Jango: "Jango, Jango, Zico já." Isso deu uma mídia fantástica, sendo meu amigo, ele ficou inteiramente feliz. Até que o Elau conseguiu trazer o Zico de volta na terra. Foi... durou um ano e meio, em tudo que era matéria de jornal eu falava, dizia: "Zico tem que voltar já." Abria assim: "Zico Já!" Porque tinhas as Diretas Já, Zico Já. Essa campanha pegou, foi em 83, 84, até que vingou, que ele veio embora. Agora, em todos os hotéis do mundo, eu fazia questão de tirar fotografia da faixa, e colocar no mural do hotel. Eu sei que em Barcelona eu botei, no Regência Colón, tem... o cara ampliou, botou "Zico Já!" monstruoso na porta do hotel, e em outra cidade, que me disseram, que tem... tem 300 desse, que eu mandei para a torcida. Aí os outros eu não sei, mas foi um movimento fantástico. E nós conseguimos trazer o cara de volta.

P/2 - E em 86, a Copa, como é que foi?

R - Também uma das minhas decepções, porque o Zico estava machucado. Uma coisa... o Zico não queria ir. Não queria ir, pediu várias vezes ao Telê para ser cortado. E o Telê insistiu: "Não, você vai ter que ir", pelo carisma do Zico, pelo grupo em si. Porque o Zico tem uma ascendência muito grande sobre os outros jogadores. Você pergunta ao Vagner, você pergunta ao Oscar, Falcão... Era jogador inteiramente líder dentro do campo, o Zico falava, acabou. Então o Telê queria. Quando foi véspera do primeiro jogo, Brasil e Espanha, o Zico, o joelho... Ele tem o mesmo problema que eu tenho. Agora ele operou, eu não operei. Você pode andar 100 quilômetros reto. Se fizer uma coisa, o joelho sai.