Museu da Pessoa

Um exemplo de obstinação

autoria: Museu da Pessoa personagem: José Gimenes Sanches

História da Farma Brasil
Depoimento de José Gimenes Sanches
Entrevistado por Cláudia Leonor Oliveira e Luís André
No Estúdio Telecentro, São Paulo
Dia

19 de outubro de 1995
Realização Museu da Pessoa
Entrevista: FR_HV003
Transcritora: Marina D’Andréa
Revisado: Nataniel Torres


P/1 - Vamos começar com a sua identificação. Seu nome, data e local de nascimento

R - Meu nome é José Gimenez Sanches, nasci no dia

28 de junho de 1917, no sítio, perto de Cascata, perto de Poços de Caldas, por ali assim. Minha mãe diz que eu nasci que o sol estava mais ou menos assim, três horas da tarde. Não tinha médica… essas parteiras.

P/1 - Qual era o nome do município?

R - Município de Cravinhos.

P/1 - O senhor morou lá até quando?

R - Até 8 anos de idade. Me lembro da casa, né? Achei que a casa era grande.

Depois voltei lá e a casa parece que tinha aumentado ________, então parece que tem um cômodo, uma sala, e cozinha, mais nada. Tinha dois cômodos só, né?

P/1 - O seu pai era lavrador, trabalhador rural? Era dono da propriedade?

R -

Plantava batata.

P/1 - E a origem dele, seus avós?

De onde vieram?

R - Meus avós estavam aqui... da Espanha, né?

P/1 - Espanhóis?

R - Meu pai veio de Barcelona, minha mãe perto de Granada, ali, né? Estive lá vendo o lugar onde ela nasceu... E o Cartório de Registro ali perto da igreja. Estava lá.

P/1 - Seus pais se casaram lá ou aqui?

R - Aqui.

P/1 - Então seu pai veio com os seus avós. O senhor sabe quando eles vieram?

R - Não lembro...

P/1 - Bom, e...o senhor vive lá até quando...

R - Fui para São João da Boa Vista.

P/1 - Em São João da Boa Vista o senhor fica .... até quando?

R - Até (pausa) 1977, 1978 assim...28, 28.

Passei dois, três anos lá. Fiz ... o Grupo Escolar lá, né? Depois, não, não fiz mais nada. Mudou para Presidente Prudente. E lá fui trabalhar em farmácia.

P/1 - O senhor já foi lá para trabalhar?

R - É. Comecei com…(pausa) 12 anos mais ou menos. A trabalhar.

P/1 - O senhor trabalhou em farmácia, fazendo o quê?

R - Lavando vidro.

P/1 - Como era a farmácia naquele tempo?

R - Tinha muito manipulação. Hoje tá tudo pronto, né? Lá a gente .... fazia a receita na farmácia.

P/1 - E o senhor ficou lá trabalhando, depois veio para São Paulo?

R - Em 1936, vim para São Paulo.

P/1 - Com que objetivo, seu Sanches?

R - Para prestar...estudar oficial de farmácia.

P/1 - Oficial de farmácia. Foi estudar onde?

R - Em São Paulo. São Paulo aqui, né? Fiquei seis meses aqui, fiz exame, ... e então, depois resolvi ficar aqui. Eu ia ficar aqui mesmo,

_______________, que ia falar que fracassei. Então, fiquei aqui mesmo , né? Aí, consegui uma vaga na

farmácia da Cruz Azul em São Paulo. Fiquei lá até, até 1942. De 1938 a 1942. Nessa época, já mostrei a minha determinação e persistência. Eu fui na Johnson, gostei, e fui lá para ver se precisava de alguém, ia trabalhar como propagandista.

E ___________ um segundo, mais tarde, né? Esperei três anos. Nesses três anos eu tive oferta em outro laboratório, não fui não. Vou esperar a Johnson. E esperando a Johnson, ia lá quase todo o mês. Trabalhava à noite, então, no dia seguinte, saía livre para trabalhar. No dia seguinte ia lá na Johnson. Até que um dia um sargento que estava na portaria falou “ah, um tal de (João?) telefonou aí e quer falar consigo. E olhei lá, “pode vir aqui”. Fui lá começar a trabalhar.

P/1 - O senhor ficou... persistente, então…

R - Determinação e persistência…

P/1 -

Por que essa determinação de trabalhar na Johnson?

R - Não sei, acho gostei de lá. Gostei dos produtos, da maneira, da firma, né?

_________.

P/1 - Então, a partir daí, o senhor começa a trabalhar com vendas.

R - Propagandista. Só propaganda. Só visitar médico .

P/1 - Quanto tempo o senhor trabalhou com isso. (pausa)

R - Até 1948. Entrei lá em 1942. Em 1948 nasce também a ______, a Divisão Farmacêutica, né? A Divisão Farmacêutica ______ venda também. Eu fui para o Rio, passei uns meses lá, organizando, depois fiquei como,

gerente de venda. Propaganda. Até agora em 1954, quando.... Em 1946 veio um argentino aqui, até 1948. 1948, ele voltou. Naquela época, a Argentina tava muito em foco. Então, a Argentina parece que mandava em tudo. Mas o rapaz não deu certo, então ele foi embora. Aí em 1950, 1948, veio um americano para cá. Assumir a direção da Divisão Farmacêutica. Quando o argentino foi embora, ele assumiu o lugar.

P/1 - Quem que era, o senhor se lembra?

R - Edward Walker. E em 1954 ele foi embora, assumi o lugar dele, fiquei até, em 1948. Em 1958, passei para a diretoria também, na diretoria, como diretor executivo, e em 1965 assumi a presidência da empresa. .

P/1 - Como é que era... O senhor falou que em 1948 foi criada a Divisão Farmacêutica. O quê tinha, naquele período, de produtos, o que significou essa criação, reservaram uma parte da empresa para movimentar a parte administrativa, como é que era?

R - Foi criada a Divisão Farmacêutica reportando direto ao presidente, né?

P/1 - Reportando direto ao presidente?

R -

É.

E (pausa) Deu mais liberdade à gente, né? Mais... (pausa)

P/1 - Mas já existia produto farmacêutico antes?

R - Já existia. Tinha Kalmonerve, Kalyamon, Sulfatone e _______, os quatro produtos.

P/1 - Eram quatro produtos?

R - É. E depois, em cinquenta e qua...cinquenta e cinco vou ter o Rarical, com vitaminas. Rarical com vitamina, que ajudou muito a aumentar o quadro, né? Aumentar as vendas, Em 1961, 1962, a Companhia comprou a Janssen na Bélgica, eu fui lá. E trouxe os produtos e botei os produtos no mercado. Me lembro que, que o Hoffman, que (eu tinha uma?) memória, veio aqui em 1962. A gente precisa ter muito cuidado com a Janssen. São produtos perigosos. Falei “bom, o senhor pega o que o senhor tem interesse. Se não, não. A responsabilidade é minha, né”. Então, ele ficou quieto lá, não falou nada. Ele queria que

a gente não pegasse os produtos, bobagem né?

P/1 - E como foi o cuidado para produzir esses produtos que eram tão perigosos, mesmo, em certo sentido, psicotrópicos, né?

R - Tinha uma máquina de comprimido separada, né? O comprimido precisava pó, né? Então, pó pode ir para outros produtos também. Separada, máquina separada.Tivemos o anticoncepcional Novulon. Novulon era perigoso. Máquina separada.

P/1 - Tem que ter cuidado na produção...Então, quer dizer que, durante a década de 1940 e 1950, a companhia ficou com quatro produtos de remédios?

R - É, de 1940 até....1950 não, em 1950 entrou o Rarical, né?



P/1 - Em 1950 entra o Rarical. Até aí, só quatro produtos.

R - Entra a Vagi-sulfa, Gentersal, os da Ortho, né? 1952, 1953, 1954, 1955...( pausa)

P/1 - E o que que significava para a empresa essa Divisão Médica, ainda era só uma pontinha ou já se via...

R - Já se via

P/1 - ...um filão grande aí?

R - Em 1962, 1963, 1960 , sessenta e sete _____ porcentagem das vendas, 25% do lucro.
P/1 - 25% de lucro?
R - 1967, 1968, 1969, com a Janssen, né?
R - Era uma visão administrativa internacional, seu Sanches, ou era uma luta que

o senhor tinha de também convencer de que valia a pena investir nessa área?
R - Tinha certa liberdade. Botar o produto no mercado, o produto que eu queria. Tava no mercado. Fazia um...plantava comitê e tinha uma previsão de venda, para uso de caixa. Uso de Dinheiro, né? Aprovava. Pronto.
P/1 - Bom, o senhor vai à presidência, em meados de 1960. Quer dizer, significou muito para a empresa, porque foi o primeiro presidente brasileiro. Como é que aconteceu isso, por que o senhor acredita que tenha conseguido chegar lá?
R - Ah, acho que por causa da farmacêutica. O antigo presidente, o Wolf(?), em 1958 foi para os Estados Unidos, ficou o Williamson no lugar dele aqui no Brasil, o Wolf(?)

gostava muito de mim. Então, quando o Williamson morreu, ele me botou. O....também o americano, que era presidente nos Estados Unidos, também gostava muito…(não teve problema nenhum?). Então, em 1967, houve a mudança pra..., o general Johnson veio aqui, né? Então, acertamos, mudar tudo prá São José dos Campos. Tinha comprado um terreno em Recife, ele não quis o terreno. Então, comprou outro terreno em João Pessoa, onde tem a fábrica hoje, né? Então, botou as pessoas para trabalhar na fábrica lá. Mas, aqui nós mudamos, o maior forte mesmo foi em 1970, 1971. Foi o forte, mudamos a fábrica

para São José, onde criamos a Divisão Farmacêutica. Eu estava na presidência da empresa, né?
P/1 - Então, essa implantação da fábrica foi um momento muito importante para expansão da área farmacêutica. Também foi um empenho do senhor. O senhor é que brigou para abrir esse....
R - Mudamos para lá, a última que mudou para lá foi a Farmacêutica. Primeiro foi a esparadrapo. Depois foi a têxtil, depois, pó, talco, produto infantil e a Farmacêutica foi a última.
P/1 - E quais foram os maiores desafios que o senhor enfrentou na presidência da empresa?
R - Ah....( pausa) Teve alguns (pausa). Isso não conto aqui não ( risos)
P/1 - O senhor lembra de um momento de crise?
R - Ah, 1965, 1966, né? Chegou a botar cota de vendedor, cota máxima, podia vender até que tanto, é o que podíamos financiar em dinheiro. Pegar dinheiro emprestado, né?
P/1 -Por que?
R - Preço alto, pegar dinheiro emprestado, você está roubado. O lucro não dá pra pagar a inflação. Então, botamos a cota, e botamos também limite de vendas. Era para cada vendedor, só podia vender até aquilo.
P/1 - Não podia vender mais.
R - Não.
P/1 - O custo do investimento era muito alto?
R - ( pausa) Dinheiro bancário era muito alto, né?

P/1 - Dinheiro bancário era muito alto?

R - É... então precisava ficar dentro do nosso

____ financeiro ______ cima.

P/1 - E como é que foi vencida essa crise?

R - Ah, os produtos foram vendendo, foi gerando cash, até 1967, aí a mudança... para São José dos Campos. Em 1968 mudamos a Modess, em 1969 mudamos a linha infantil, a linha para criança, em 1970, 1971, mudamos a farmacêutica. Aí, acabou. Ficamos em São Paulo até... 1978. 1976, 1977 (comprou?) o prédio da Avanhandava e _______. Mudamos para _______ Avanhandava. Mudamos em 1977, ________ mudamos em 1978.

P/1 - O senhor se casou quando, seu Sanches?

R - 1940.

P/1 - 1940?

R - É.

P/1 - E como foi a fase de namoro, casamento, o senhor se recorda dessa fase?

R - ( pausa)

P/1 - Como o senhor conheceu sua mulher?

R - (pausa) Trabalha na Cruz Azul em São Paulo, trabalhava na farmácia. Aluguei um quarto lá na casa deles. Um quarto lá e... depois conheci _______. Acabei me casando com ela.

P/1 - O senhor tem quantos filhos?

R - Um só.

P/1 - Um só?

R - Três netos.

P/1 - Três netos.

R - Um filho hoje é presidente lá da (Igara?), a fábrica de celulose, em Santa Catarina Está bem lá. Um filho estava estudando em Piracicaba, desistiu, agronomia, agora está... de mercado, né? O outro está nos Estados Unidos, está estudando mercado, administração

geral, está lá há três anos, quatro anos já está lá. Vem pra...em março vem pro Brasil, vai trabalhar na Johnson. Vamos ver (risos)

P/1 - Seu Sanches, o senhor ficou tanto tempo como vendedor, o senhor se lembra de algum fato, como vendedor, que tenha acontecido com o senhor, que valha a pena recordar, assim um caso engraçado, com médicos....

R - (pausa) Tinha um médico, uma vez fui levar um produto pra ele…

P/1 - Um médico?

R - Um médico...propaganda, né? Eu disse o que era o produto, pra que era até aí ele me chamou a atenção, dizendo que eu não tinha que falar isso, que não sei o quê lá, que ele ía falar com o meu chefe...Pode falar, então. Meu chefe...falei pra ele o que tinha feito e ele disse “tá certo”. Então, ficou por isso mesmo.

P/1 - E o é que o senhor tinha falado?

R - É... me lembro, era sobre sulfa...sulfa injetável, ___________ meningite parece, qualquer coisa assim, e falei para ele... e ele achou ruim. Sinal que ele sabia de tudo isso, né?

P/1 - Os médicos muitas vezes tinham preconceito, ou dificuldade de atender...o vendedor-propagandista, não queriam perder tempo com isso?

R - Não.

P/1 - Sempre recebiam bem?

R - Atendia. Botava hora, tinha dia, né? Dia e hora. Isso era muito chato. Entrava muita gente. Eu preferia deixar...às vezes ficava até às 8 horas da noite

ía as 8 horas depois das consultas, ficava esperando. Marcava lá na ficha. Quando era quinze pras oito, oito horas, parava

P/1 - E o jeito que se fazia propaganda naquele tempo. Mudou muito até o tempo que o senhor saiu da empresa, ou o sistema era o mesmo?

R - A coisa agora você vai no médico e explica para ele o produto. Tem literaturas básicas. Naquela época não tinha nada. Agora está bem observado aqui, faz observações clínicas, hoje usa aquelas separatas, o trabalho foi feito, então hoje usa para promoção.

P/1 - E antes como é que era?

R -

Antes foi como... se tivesse promoção a gente usava isso também. Tinha produtos, que gerava venda por si, a gente recebia muita amostra, a gente dava amostra para o cliente, o cliente comprava. Então, pronto. Tinha produto que não vendia muito, mas precisava, então, dava aquela informação com separata, com trabalho científico, dava pouca amostra, porque se dava amostra, amostra não quer a venda, o médico vai retirar a venda, né? Você dava o produto, se tinha um cara para observar, dava uma quantidade grande. Fora isso, não fazia nada.

P/1 - O senhor me disse que o período melhor, mais antigo, pra Farma, foram os anos 1950. A gente estava conversando antes. O senhor podia recordar isso, o que aconteceu na década de 1950 que marcou para a Divisão Farmacêutica?

R - Rarical, Vagi-Sulfa, Gentersal, esses produtos da Ortho, que o americano quando veio trouxe aqui, né? Então, e depois em cinqüenta e... sessenta, 1962, foi a Janssen. A Janssen deu um impulso muito grande. A época melhor foi em 1970, 1971, 1972. 1975 foi uma época muito boa. Um impulso muito grande na farmacêutica.

P/1 - Mas não era o período também de grande controle de preços?

R -O controle de preços foi 1965, 1966 né? Aumentou os preços.

P/1 - E na década de 1970, o que impulsionou foram os novos produtos?

R - Os produtos da Janssen, né? ______ e outros.

P/1 - Bom, o Rarical é um produto muito especial para a companhia. O senhor acompanhou o lançamento dele, como foi feito?

R - Rarical comprimido, né? E o Rarical com vitamina. Muita amostra.

P/1 - Houve alguma campanha especial...

R - Muita campanha, né? Normal. A gente fazia campanha cada três meses. Três vezes ao ano, quatro vezes ao ano, dependendo, depois a despesa é paga de acordo com o tempo que o

______ gastava. É calculada dentro do tempo. Porque se não, a gente não sabia se o produto era bom ou não. Então, botava as vezes seis campanhas por ano. Pagava seis campanhas, propaganda a gente usava tantos 30% do tempo para o Rarical. Então, pagava 30%. A despesa era dedicada para o Rarical. Agora com as vendas, com o tempo, o tempo que a gente gastava promovendo, né?

P/1 - Uma campanha, era um período, que se faz uma estratégia de vendas,

planejamento que cada vendedor tem que ter, né? É um plano de metas para o vendedor. Como é que funcionava essa campanha?

R - Fazia, no ano anterior já fazia. Produzia em janeiro para usar em março, abril né? Daí tinha campanha, preparava a literatura, o vendedor saía só pra vender aquele produto, dois, três produtos, por campanha.

P/1 - Qual o momento que o senhor identifica como o mais importante para o senhor dentro da sua trajetória na empresa?

R - Ah, foi quando assumi presidência, né?

P/1 - Como é que aconteceu, teve algum evento especial?

R - Não, não teve não.

P/1 - Só um comunicado?

R - O (Wolf?) veio e já disse “você está na presidência” e pronto. Ele era muito simples, e era muito bom. E saiu no boletim, só pra saber, né? Fez um boletim e pronto. Assumi a presidência.

P/2- Quando o senhor assumiu, quando o senhor começou a trabalhar na Johnson, o senhor tinha essa perspectiva de chegar até a presidência?

R - Não, mas _______ a presidência da Farmacêutica... mas na presidência, não.

P/1 - Eu queria concluir com o senhor fazendo uma avaliação dessa sua trajetória toda de vida e na empresa . O que o senhor diria pra gente dessa sua experiência de vida tão rica?

R - ( pausa)

P/1 - O senhor entendeu a pergunta?

R - ( pausa)

P/1 - O senhor quer encerrar, seu Sanches?

R - ( pausa) É melhor, é melhor...

P/1 - Tá bom. Eu agradeço o senhor.

R - Obrigado.

P/1 - Obrigado.