Museu da Pessoa

Um comércio de pianos

autoria: Museu da Pessoa personagem: Tufik Lutaif

Depoimento de Tufik Lutaif
Entrevistado por Claudia Leonor e Daniela de Lima
Araraquara,18 de Setembro de 1999

P/1 – Para começar a entrevista, com o senhor,

diga

seu nome completo, o local e a data de nascimento.

R – Meu nome é Tufik, com K, Lutaif, com F mudo. Sou nascido a 22 de dezembro de 1931, na cidade de Itápolis. Nasci no mesmo local onde hoje trabalho, antigamente denominado Rua Quinze de Novembro, número 33. Hoje, Presidente Valentim Gentil, 1023.

P/1 – Era casa?

R – É, era casa e residência. Meu pai morou ali, trabalhava ali, tinha casa e comércio na frente e residência no fundo. Até hoje permanece ainda, lógico, e ampliada com o tempo. Até o dia 10 de dezembro residia a minha mãe, que faleceu dia 10 de dezembro.

P/1 – O nome de seus pais...

R – Meu pai chamava-se Lutfi José Lutaif e minha mãe Assma Yazig Lutaif.

P/1 – De onde eles são?

R - Do Líbano.

P/1 - O senhor sabe de onde?

R - Acho que é Hasbaia, né, Hasbaia.

P/1 - Como

vieram para cá, como chegaram

aqui?

R – É, ele veio como? Pra trabalhar, não. O destino dele foi trabalhar como dentista. Ele veio para Itápolis, naturalmente como outros libaneses e trabalhou por um ano como dentista. Mas ele viu que nesse ano ele conseguiu fazer duas ou três dentaduras, então era o suficiente para ele se manter, mas ficava o tempo todo parado e vazio, então ele achou que deveria abandonar a profissão e trabalhar no comércio. Aí, ele passou a ser um comerciante e seguiu, nós todos seguimos a sua vocação. Até hoje, sempre no mesmo local, no mesmo prédio.

R – Ele era dentista no Líbano?

P/1 – É, ele era dentista no Líbano. Antigamente, não existia faculdades, né? Então ele fazia estágio com outros dentistas. Do Líbano, ele foi aos Estados Unidos e fez um estágio com três dentistas, e eles outorgaram o direito dele trabalhar... E aí, ele veio ao Brasil.

P/1 – E por que ele escolheu o Brasil?

R – Porque era a corrente do povo que vinha toda para o Brasil, né? Inclusive, lá em Itápolis a colônia libanesa era muito grande, era enorme a colônia libanesa. Vinha tudo para lutar; como hoje os moços descendentes de japoneses, eles vão ganhar os seus dólares no Japão. E diz que ganha-se mais fácil lá. Não é que ganha-se mais fácil, é que lá tem mais campo de serviço, né? A pessoa trabalha 18 horas por dia. Aqui no Brasil, se ele quiser trabalhar, às vezes não consegue nem trabalhar as oito, imagine as 18... Infelizmente tá assim, né?

P/1 – Ele veio sozinho para cá?

R – Ele veio sozinho. Agora, ele conheceu depois, ele conheceu a minha mãe, eles casaram-se e constituiu uma família

P/1 – O senhor tem irmãos?

R – Eu tenho uma... Nós éramos em sete. Um faleceu há uns três anos e os outros estão todos vivos.

P/1 – Dá pra descrever essa casa da infância, a divisão dos quartos... Como era isso?

R – É, ali, os quartos era, nascia um filho, ia crescendo e os pequenos ficavam perto do pai e da mãe. (riso) Os maiores juntavam em outros quartos, né? As moças iam pra um lado, os rapazes do outro, e assim, como eu era o menor, fiquei mais perto do pai e da mãe. Não que eu seja o menor,

era o menor dos homens. Mas, foi isso aí...

P/1- Como era o cotidiano da sua

casa

vocês acordavam a que horas...

R – Sempre acordamos cedo, né? A vida de quem é educado assim, no comércio, é acordar cedo, não tem essa história... Quando

iniciei no trabalho, por exemplo,

trabalhava sábado até à noitinha, domingo de manhã... O comércio não tinha hora pra trabalhar, hoje é que você não tem mais a liberdade de trabalho porque existe determinados regulamentos que impedem. Aí é outro...

P/1 – O que o senhor lembra do comércio que o

seu pai montou, o que era ?

R – Olha, lá passou por diversas fases. Antigamente, quando criança, era “Secos e Molhados”. Depois passou pra Empório e hoje é o Supermercado. Tudo enlatado. Naquele tempo não vinha a mercadoria de comer, não vinha embalado. Era saco de 60 quilos, farinha em 50 quilos, 60. Pacote de cinco quilos mesmo, é coisa mais recente. O açúcar também era em sacos de 60 quilos, arroz, feijão... Então, era um armazém que vendia de tudo, fumo de corda, vendia-se corda pra roça e tecido. O tecido a gente vendia o xadrezão, o brim cáqui, essas coisa mais rústica, né? Com o tempo é que foi divergindo, até que hoje a gente chegou num estabelecimento já mais aprimorado em determinados artigos e não tem tanta mistura, né? Mas antigamente tinha que ter de tudo porque era poucas casas de comércio pra servir uma população.

P/1 – Como é que se chamava?

R – Sempre foi “Casa Lutaif ”.

P/1 – Até hoje?

R – Até hoje.

P/1 –

De que cor eram pintadas as paredes, como eram as prateleiras...

R – As prateleiras e os balcões são os mesmos de há muitos anos. Eu não posso recordar de quantos anos, mas desde que

nasci são aquelas lá. Agora, a pintura do prédio por fora,

lembro que chegou até

uma ocasião a

ser vermelha. Cor viva, como hoje tá usando muito a pintura viva. Agora, ultimamente

já gosto de uma cor mais discreta, amarela, creme, já é uma coisinha mais discreta a “corzinha” externa. Mas ainda mantém aqueles balcões e aquelas prateleiras altas, aquela tradição antiga.

P/1 – O senhor sempre trabalhava com o seu pai, desde pequenininho... Com os irmãos também?

R – É, houve ocasião em que

não trabalhei ali na loja, né? Era meu pai mais meus dois irmãos homens, eles trabalhavam na loja e eu trabalhava numa chácara. Nós tínhamos a chácara, era tudo junto, tudo em família. Só começou a separar depois que a gente casou, então cada um começou a ter a sua família, cada um começa a ter a sua forma de encarar a coisa, então começa a separar. Mas a gente sempre... Eu sempre acompanhei meu pai nas atividades, principalmente no fim da vida dele, que ele já estava mais, ele já tinha se afastando do comércio. Eu acompanhava ele numa chácara que nós tínhamos, era uma avicultura, e continuou tendo a casa de comércio,

participava lá, mas meu irmão tomava conta, né? A gente estava sempre entrosado, era uma sociedade que cada um tomava conta de um setor, numa seção.

P/1 – Com quantos anos começou a trabalhar nessa avicultura?

R – Na avicultura

comecei com uns 19 anos, por aí. Com avicultura, com 19, 20 anos

trabalhei com avicultura. Não, antes de começar mesmo, de trabalhar? Já com, desde que

tinha sete, oito anos,

tinha os meus encargos: ia no correio buscar uma correspondência, ir fazer isso, ir fazer aquilo. Embora estivesse estudando, tinha as minha obrigações. Eu acho que as obrigações que um garoto tem já é trabalho, né? Agora, comprovadamente trabalhar, desde os dez anos de idade que

participei da firma “Lutaif e Companhia”.

P/1 – Além de ir ao correio, o que mais fazia nesses pequenos serviços?

R – Ajudava, levava encomenda da loja. Sabe como é que é? Na hora da escola, ia para a escola. Almoçava, fazia os deveres da escola e depois era obrigado a estar ali, junto com eles, obedecendo as ordens, né? Porque é como um boy, fazendo algum servicinho ali.

P/1 – Que lugar na “Casa Lutaif ” o senhor gostava mais de ficar quando era pequeno?

R – Na loja?

P/1 – É.

R – Ah! Nunca teve, a gente tem amor por tudo, né? Lá tudo é. Tudo é bom. A gente é nascido e criado ali, não existe especificamente um espaço.

P/1 – Como era a cidade de Itápolis nessa época em que o senhor fazia os serviços de correio...

R- A cidade era muito pequena, né? Era bem, digamos, o correio, por exemplo,

ia às 8 horas da noite, que chegava lá o jornal e meu pai gostava de acompanhar sempre os jornais. Ia pegar correspondência, o trem chegava às 7 horas da noite lá, quando existia a estrada de ferro. Às 8 horas abria e eu tinha que abrir o correio para levar o jornal, ele estava esperando lá pra ler. Era isso aí. E era uma escuridão,

tinha até medo de atravessar, porque no fundo da minha casa, nós moramos a loja era numa baixada, passa um rio ali, então a gente passava assobiando, cantando e correndo. Isso aí a gente nunca esquece, nessas coisas de criança. Mas, é um, digamos, uma lembrança que sempre ficou, né?

P/1 – Descreva como era a cidade: ruas, casas...

R – A cidade, quando

era criança,

lembro que era toda de terra, não existia asfalto, as ruas eram todas assim, sem asfalto. Muito pouco guia, muito pouca sarjeta, só mesmo no centro. Ali, aonde a gente está estabelecido, a cem metros já não existia guia e sarjeta. O esgoto na cidade foi feito em 1940, essa empresa “Camargo Correia”, que hoje é uma potência na cidade. O senhor Sebastião Camargo foi inquilino de meu pai, na casa onde

morei quando

me casei. Eu podia ter uns oito, nove anos, quando eles foram fazer o esgoto lá,

lembro disso... Ele era o dono da empresa que fez a rede de esgoto lá em Itápolis.

P/1 – Nessa época se usava maquinário para se fazer a rede de esgoto ?

R – Não, não! Era no enxadão. Era o operário que cavocava e fazia. Não existia retro-escavadeira como hoje. Eu sinto que, dentro de mim,

acho que acompanhei bem e sinto que a cidade se desenvolveu bem. Eu ajudei muito a se desenvolver a cidade,

sempre fui um colaborador de lá,

porque a gente vende material de construção. Minha clientela, graças a Deus, é mais humilde do que a graúda. Eu digo isso de boca cheia porque o cliente graúdo é mais esnobe, né? O cliente humilde é que precisa do comerciante e o comerciante vê ele crescer, parece que faz bem pra gente vender para esse pessoal. Então, a gente chega num bairro hoje, vê aquilo crescer, é uma satisfação, é uma retribuição do que a gente já fez para o cliente. Então, a cidade cresceu aos olhos da gente.

P/1 – Que mais o senhor viu além da implantação da rede de esgotos e do asfalto ?

R – Tudo, né? Tudo a gente participou no crescimento da cidade. Tudo, tudo...

P/1 - Tinha comércio, algum outro armazém...

R – Sim, tinha bastante comércio. Aliás, naquele tempo não. Era menos, depois foi crescendo. O que é justo; a população foi crescendo, a população vai aumentando, vão se desdobrando, o comércio torna-se mais especialista, assim vai indo... Antigamente quem fornecia gasolina lá na cidade era o meu pai, tinha uma bomba daquelas tipo alavanca, então ele tinha ela na esquina. Por sinal, um dia

tropecei e tenho uma cicatriz aqui marcada, foi no canto da bomba que

rachei a testa. É uma lembrança que

nunca mais posso esquecer, né? Hoje não, em casa de comércio, não existe mais bomba de gasolina. É tudo posto, até trabalha sozinha as bombas, né? Tudo automatizada. Quanto ao comércio, foi evoluindo, né? Mas Itápolis foi um grande centro atacadista quando funcionava o Armentano , funcionava o Monzilo e outra firmas lá. Depois foi terminando, um aqui outro lá...

P/1 – Essas firmas, Monzilo e Armentano

eram atacadistas de que ?

R – Eram atacadistas de gênero alimentício, o que chamavam de “Secos e Molhados”.

P/1 – Ele vendiam para quem?

R – Eles vendiam pra região toda. Ali tinha a ferrovia, né? Era um ponto de transporte mais fácil. Eu não lembro em que ano é que ela chegou até lá, mas antigamente eles vinham buscar mercadoria em Matão, com carroça, não existiam caminhões. Depois estendeu-se a ferrovia até lá, então ali ficou mais um centro distribuidor, pra ir pra Novo Horizonte, pra Itajubi, dali pra frente...

P/1 – Era mercadoria produzida na região?

R – A produção lá da região agora é que está meio industrializada. Lá produziu-se café, lá era uma produção cafeeira, até na quebra de 30 e poucos,35, que foi a queima do café. Isso eu ainda tenho uma lembrança, quando o governo instituiu o D.N.C., Departamento Nacional do Café. Como está acontecendo hoje com a laranja, né? Houve excesso de produção e, ao invés do governo deixar ir à bancarrota o preço do café, ele comprou, armazenou e o excesso ele ia queimando, por alguns anos. Houve um colapso, mas não foi um colapso total.

P/1 – O senhor chegou a ver a queima do café?

R – Não, eu era criança. Não chegava a ver porque era numa chácara, hoje já é cidade lá. Mas

sempre ouvi falar e, quando

cresci mais um pouco,

passava lá. Eles falava: “Aqui foi queimado.” E tinha uma mancha ainda, que simbolizava o lugar da queima, porque terra queimada não cresce mais nada, é difícil. Então ficou aquela marca. Depois lotearam e agora já é cidade.

P/2 – Que cidade que é hoje? É Itápolis?

R- É

P/2 – Cresceu Itápolis...

R – Cresceu, cresceu bem, ultimamente. A evolução foi grande, houve bastante retorno do povo que foi a São Paulo, aposentou, voltou. Em centro grande já não convém mais um aposentado viver. Esses anos foram de fartura lá por causa da laranja. Tinha muito serviço pra classe pobre. Esse ano é que está mais difícil, né?

P/1 – Por que esse ano estava bom para a

laranja?

R – Porque as indústrias consumiam, né? Agora, as indústrias já têm um tanto suficiente para eles moerem, estão desprezando a do citricultor.

P/1 – Senhor Tufik, vamos voltar um pouco. O que o senhor lembra da escola?

R – Eu lembro que

iniciei na escola, num curso infantil, que chamava-se “Escola da Dona Mazé

”. Dona Mazé porque era uma senhora idosa que chamava-se Maria José. A gente ia com uma lousinha, uma lousa e um apagador, essas lousas do tipo de parede, mas pequena. Hoje não, a criança já gasta no papel, gasta no caderno. A gente escrevia, a professora corrigia, a gente apagava e tal. Levava o lanchinho e comia. Isso foi o primeiro ano. Aliás, o pré-primário. Depois

entrei no primeiro, segundo, terceiro, quarto. Aí foi...

P/2 – E como era, era perto de sua casa?

R – Eu sempre morei praticamente no centro, né? As escolas dali ficava a quatrocentos, quinhentos, seiscentos metros no máximo da minha casa.

P/1 – Quem eram os seus colegas, o que faziam os seus amigos nessa época da infância?

R – Da infância eu tinha bastante, né? Alguns se foram, outros ainda estão por aí. De vez em quando se recebe notícia de um e de outro. Já os da escola primária, que aquele tempo era grupo escolar, também já foram. Há pouco tempo a gente se reuniu, há uns dois anos deve ser. Nós fizemos cinqüenta anos da formatura da quarta série do ginásio. Então nós nos reunimos, me parece em dezessete ou dezoito. Surgiu a idéia, porque um colega que a gente não via há muito tempo aposentou e retornou pra Itápolis. Ele foi trabalhar com um outro que é um industrial lá em Itápolis. Eles um dia me encontraram e falaram: “Ah Tufik, nós gostaríamos disso, disso de reunir. Mas a gente não sabe localizar esse povo.” Eu falei: “A gente localiza, né?” Eu não lembro os nomes todos, então eles ajudaram, a gente localizou. Daquela lista que nós tínhamos, infelizmente, dois não compareceram porque tinham falecido. Nesses cinqüenta anos só dois nós perdemos. Eram 20 e poucos colegas, 21, 20. Fizemos essa reunião, foi uma volta ao passado muito bonita que nós tivemos, porque a gente não conhecia as esposas, não conhecia as famílias, os maridos. Era uma classe mista e foi muito bonita a reunião.

P/1 – Quais eram as brincadeiras lá na escola, do que vocês brincavam?

R – Tinha de tudo, né? Brincadeira de tudo. De vez em quando a gente relembra de algum professor, as palhaçadas que a gente fazia com eles. Coisa de estudante, né?

P/1 – Conta pra gente...

R – Vamos contar uma que é pública lá na cidade. Um dia, os colegas pensaram,

também pensei, nós tínhamos um professor de inglês muito idoso, muito bom, de tão bom que o povo abusava dele, né? Então, eles puseram um feixe de capim na mesa dele. Quando ele entrou na sala, ele viu o feixe de capim e pôs dentro da gaveta, deu a aula dele. Deu o sinal, ele falou: “Agora, quem deixou o lanche dele aqui, faz favor, vêm pegar e leva pra comer.” Quer dizer, essas coisas tudo acontecia, né?

P/1 – Faziam traquinagens, o que vocês faziam, nadavam em rio?

R – Não, não. Nossa turma não era assim de sair e coisa...

P/1 – O senhor estudou até quando?

R – Eu terminei a 4a

série dentro da idade certa,

não queria prosseguir, mas meu pai fazia questão de sempre se completar um curso. Então,

cursei três anos de contabilidade, fiz um curso vago em Taquaritinga, na “Escola de Comércio”, em Taquaritinga. Fazia curso vago, ia fazer prova, aquele tempo podia, né? Depois que

terminei lá, instituíram o curso colegial lá em Itápolis. Para manter aquela vida de estudante, no meio do povo,

fiz o 2o

e o 3o

ano, porque eles me deram o direito de não cursar o primeiro, né? Eu já tinha as matérias prontas na “Escola de Comércio”,

fiz o 2o

e o 3o . Depois

parei,

nunca gostei de estudar.

P/1 – Senhor Tufik, o senhor sempre trabalhou na Casa Lutaif ?

R – Só. Já trabalhei autônomo pra outros lugares também,

me afastei ali da loja temporariamente, porque meu pai tinha os meus irmãos. Eu fui vendedor de ração, cuidava da granja, estava em outros setores, fazia outras coisas.

P/1 – O senhor vendia rações como autônomo?

R – Era meu só, não era da firma.

P/2 – O senhor entregava em casa?

R – Não, eu tirava os pedidos. Era muita ração porque tinha muitas granjas, então o caminhão já entregava direto, ou alguém que precisasse ia na minha granja pegar.

P/1 –

A

firma

era sua ?

R – Era firma minha. Minha e de minha esposa, que me ajudava.

P/1 – E depois da venda de ração?

R – Eu tive diversos setores de vendas, engarrafei pinga, tive indústria de vassoura...

P/1 – Vamos tentar fazer uma ordem cronológica...

R - Isso aí é coisa temporária...

P/1 - Mas vamos lá. Essa coisa da pinga, era uma destilaria?

R - Não,

não! Eu engarrafava e distribuía. Lá tem um engenho muito grande, então a gente pegava, engarrafava e distribuía. Eu tinha a marca minha, própria, registrada. Tinha uma distribuição. Aí , percebi que tinha um problema nos rins,

cheguei a não conter a minha urina mais. Eu fiz uns exames e o médico me disse: “Olha Tufik, você precisa não fazer força”. Agora, pra mim ampliar as minhas linhas de pinga, eu tinha que ir eu mesmo, eu não podia ir e não fazer força e pôr outro. No fim

acabei desistindo, foi quando meu irmão resolveu sair da loja, ir de uma vez, então

voltei pra loja de uma vez. Deu certo.

P/1 – Qual era a marca dessa engarrafadora?

R – Caninha

Macuco.

P/1 – Em que região o senhor se baseava para fazer as vendas?

R – Eu fazia ali a nossa região, fazia Marília, Assis, Exaporam Bauru...

P/1 – O senhor ia e voltava, como era isso?

R – Quando eu ia mais longe eu dormia por lá, né? Bauru. Eu ia com a caminhonete fazer vendas, alguma entrega, então a gente voltava no mesmo dia .

P/1 – O senhor fazia isso tudo sozinho...

R – Eu tinha um ajudante, né? Porque dentro da chácara tinha olaria também, né? Então eu tinha o caminhão grande, o pequeno, tinha o motorista. Mas tinha hora que não podia estar levando motorista e ajudante pra abrir freguês. Tinha que eu mesmo fazer. Eu fazia força, era noite, podia crer que tinha xixi na cama.

P/1 – Como é que o senhor se tratou, com remédios?

R – Não, aí

tomei uns remédios e parei de fazer força, né? Pra parar de trabalhar é fácil, o duro é ter que trabalhar.

P/2 – Aí o senhor deixou...

R- Aí

fui diminuindo e tal... Meu irmão passou, ele mudou de atividade e

fiquei na loja pra não parar. A pedido da minha mãe, então

fiquei na loja pra não parar essa seqüência de..

P/1 – Senhor Tufik, quem era a clientela da loja?

R – A clientela foi a rural e uma clientela da cidade, né? Eu tenho uma clientela da cidade toda, porque a gente vende gás, a gente vende outras coisas. Eu não tenho uma clientela específica. Eu trabalhei também com uma linha de gás no atacado. Há uns dois, três anos eu estava prevenindo pra parar a minha atividade. Então,

cheguei até a dispor dessa linha de gás, mas

vendia em diversas cidades, tinha caminhão que entregava tudo. Então

estava diminuindo as minhas atividades. Mas eu mesmo formei, eu implantei no estado, no país, um serviço que nunca ninguém tinha feito. Tive o apoio de uma empresa de gás que confiou em mim. Esse pontos de venda em armazém e mercado não existia há 25, 30 anos passado. Eu que implantei isso aí.

P/1 – Aí passou a vender o gás na porta...

R – Então meu caminhão ia na engarrafadora, ele já vinha distribuindo no atacado.

P/1 – Que ano foi isso?

R – Há uns 20... Eu larguei a linha de gás há uns quatro anos mais ou menos. Abandonei, não! Vendi pra outro. Que eu tinha a intenção de diminuir as atividades da loja, mas depois entra esses plano, sai plano, a gente fica até com medo de parar e...

P/1 – Vamos agora dar uma paradinha?

R – Você é que sabe.

P/1 – Senhor Tufik,

queria voltar um pouco e perguntar como é que o senhor conheceu sua esposa?

R – Como?

P/1 – É, quando e como?

R – É, por uma simples coincidência. Eu conheci a minha esposa indo a um jogo de futebol. Ela morava perto do Oeste Futebol Clube , então ela tinha uma amiga que morava numa casa fazendo fundos ali. A gente como jovem vai pra esses lugares,

nunca gostei de futebol, ia

porque não tinha o que fazer. Solteiro. Dali

conheci, comecei a paquerar, depois tornou-se minha noiva e minha esposa.

P/1 – Ela estava assistindo ao jogo?

R – Ela estava no muro junto com a amiga, porque na casa dela tinha uns 'coiso', que as amigas dela, da dona da casa, Era moça, né? Da idade da minha esposa, elas iam lá e ficavam assim, em cima. Tinha já um preparado na altura delas para ficarem encostada no muro assistindo o jogo. Eu conheci ela ali.

P/1 – Como se chama sua esposa?

R – Nazir .

P/1 – Quando vocês começaram a namorar, como era esse namoro?

R – Naquele tempo era diferente, né? Naquele tempo tinha encarar já dentro de casa. Eu conversei umas vezes com ela... Muito medo do pai, da mãe. A gente procurava, por isso não, vamos conversar lá com o seu pai. Senão der certo, não dá, mas.... Não vou ficar aí correndo de... Aí conversei com o pai dela. Um dia fui lá e conversei com ela, com o pai dela, meio bravão, né? Mas consentiu, né? A gente tinha os regulamentos da época, né?

P/1 – Quais eram?

R- Quais eram? Horário pra namorar, namorava em casa, não podia sair. Se saísse tinha que levar a irmã menor. Era essas coisas, né? Não é como hoje.

P/1 – Em que horário se podia namorar?

R – Até 9 horas, até 9 e meia, no máximo. Hoje, 9 e meia o casal ainda não se encontrou, né? É muito difícil. Mas, enfim, era próprio da época. A gente aceitou.

P/1 – E tinha cinema em Itápolis?

R – Tinha.

P/1 – Vocês iam ao cinema?

R – Era difícil, mas quando ia,

tinha que levar aquela irmã junta, né?

P/1 – Como ela se chamava?

R – A irmã mais nova? Odete.

P/1 – E ela gostava de ir junto?

R – É, sei lá, né? Acho que não. Tinha que sempre melar com um docinho, né? (Riso)

P/1 – Senhor Tufik, então vocês casaram na igreja?

R – É, na igreja, civil, religioso, tudo.

P/1 – Foi tudo no mesmo dia?

R – Foi, foi tudo no mesmo dia.

P/2 – E teve festa?

R – Ochi! Filha de sírio quando casa é oito dias de festa. Desencalha o filho homem, né? Não, felizmente é bem aceito o casamento, né? Foi muito bem festejado.

P/1 – Mas é uma festa...

R – De arromba. O pai dela faleceu hoje,

mas era corretor de imóveis, então era muito conhecido na cidade, né? Ele tinha muitas obrigações a convidar, a gente também já estava entrosado bastante. Naquele tempo foi um casamento grande, de uns 500 convidados, 400, 500 pessoas. Naquela época, era um colosso.

P/1 – Onde foi a festa?

R – Já naquela ocasião, ela mudou depois pra outra casa, que fazia fundo com o quintal do Posto de Puericultura. Antigamente existia esses posto. Então, o pai dela conseguiu o quintal do posto, ligado ao quintal dela fizemos as barracas lá. Eu dei uma festa no sábado, uma despedida de solteiro numa chácara que eu tinha. Eu acho que elas não descobriram fotografias, não sei se tem nesse álbum. Mas

dei uma despedida de solteiro no sábado, que foi outra festa. Meu pai, minha mãe, tinham dado um almoço. Meu sogro deu os doces depois. Foi festa uma semana, como diz.

P/2 – Como foi a despedida de solteiro, foram os amigos?

R – Os amigos e os convidados do casamento também. Foi um geral.

P/1 – Foram passar a lua de mel em Santos?

R – Aí nós saímos, fomos pra Santos.

P/1 – O que o senhor lembra, o senhor já tinha visto o mar?

R – Eu já tinha ido uma vez antes.

P/2 – Sua esposa já conhecia o mar, já tinha ido ao litoral?

R – Parece que, eu não sei. Parece que sim,

também.

P/1 – E os filhos?

R – Minhas filhas são um tesouro, não é porque está na presença dessa que...

P/2 – Quantas são?

R – São duas.

P/2 – Qual o nome delas?

R – É Marisa, a mais velha. Depois de oito anos veio a Márcia, como presente pra outra. A outra queria uma irmãzinha, então veio essa. E agora, a oito ou nove anos,

ganhei mais um filho, que é meu genro, marido da Márcia. Ele nos adora e a gente conta com ele como um filho. E tem o Marcelo, que não é bem um filho, é um neto, um menino que a gente mantém ele lá em casa, as meninas têm ele como irmão, né? É o garoto que parece iniciar o...

P/1 – Ele está com quantos anos?

R – Agora ele está com 15, 16, né? Por aí.

P/1 – Eles ajudaram o senhor na loja?

R – Não, elas nunca se envolveram na loja. Nunca gostaram, mas minha patroa é que sempre me ajudou e esteve junto comigo. Tanto na loja quanto na chácara. Agora, há alguns anos, minha patroa se afastou da loja e ela foi realizar o sonho dela, construir uma chácara, que é essa que vocês vêem aí nas fotografias. Mas, quando chegou numa altura, mudou plano, mudou tudo, a gente não pôde mais desviar numerário pra lá. Ela parou e voltou a me ajudar na loja outra vez. E

adoeci e tal, então a Marisa, hoje ela é fisioterapeuta em Itápolis, tem uma clínica lá, nas horas de folga ela dá uma mão pra mim, lá na loja. Eles não me largam, não. Hoje

não posso, como diz,

não tenho poderes pra me locomover sozinho, não dirijo nada. Então,

eles me carregam no colo, isso

canso de dizer pra eles, que estão me deixando muito mal acostumado.

P/1 – Senhor Tufik, vamos voltar para o comércio, pra propaganda. Esse desfile do caminhão que até a Marisa participou...

R – É, isso daí foi quando a cidade fez 100 anos, foi o centenário. Então houve um desfile bem marcante na cidade e cada um tinha que fazer uma criatividade,

uma coisa,

bolei isso aí. Eu vendia essas rações do Moinho da Lapa, tinha granja. O comerciante sempre tem que estar dentro do movimento, né? Tem que mostrar para o povo alguma coisa. Eu bolei isso aí, parece que ficou bem significativo isso. As meninas se vestiram tudo com uma veste de penas, imitando uns pintinhos. Eu fiz essa gaiola em cima da caminhonete e naturalmente nós desfilamos. Procurou trazer ali pra cidade mais alguma coisa que, não sei, cada um tem que mostrar o que vende, o que produz na hora desses desfiles, né?

P/1 – O senhor lembra de alguma outra promoção que tenha feito assim?

R – Promoção a gente vivia fazendo, né? Antigamente eu tinha disposição pra isso aí, minha esposa sempre me ajudou, ela tem muita criatividade também, a gente vivia sempre fazendo. As meninas também sempre ajudaram, por exemplo, quando a loja completou 80 anos,

soltei uma folhinha com a Márcia. Desfilou também no aniversário da cidade, que ficou a coisa mais linda, parece que deve ter nesse álbum também.

P/1- Aí o senhor fez a folhinha...

R – É, aproveitei, dedicando aos 80 anos de atividade da empresa. Homenageando uma das filhas, né?

P/1 – E propaganda em rádio, o senhor fazia?

R – Não! Nunca! Nunca fiz propaganda em rádio, isso aí

acho que é uma aberração. Esse negócio de tapear o cliente, vendo de tanto, deixo por tanto e tal... Nós temos que ser sinceros com os clientes. Isso de liquidar, liquidar, isso tudo é tapeação. O comerciante não pode tapear o cliente, ele tem que anunciar a verdade, e pra você ficar todo dia anunciando a verdade, cansa. Minha loja funciona assim. Qual é a melhor propaganda? Tratar bem do cliente no balcão. Você procurar vender pelo menor preço, você procurar atender o cliente. Ele quer entrega da mercadoria, fazer ela. Nós entregamos tudo num raio, lógico, não muito longe, mas tudo de graça e assim por diante. Isso aí é que faz a gente adquirir essa clientela. Eu acho que propaganda é bom, de fato é bom. Eu minto pra você se digo que não fiz. Agora há questão de uns sete, oito meses,

consegui um financiamento próprio da loja, pra vender material de construção, pela Caixa Econômica. Uns planos bem acessível. Então

pus um mês de propaganda, aquilo foi um estouro. Eu sei que valeu a pena, se

fizesse dois ou três meses tornava-se cacete aquilo, né? Então a cidade inteira ficou sabendo. É isso aí, por isso eu não sou muito adepto a ...

P/1 – Promoções...

R – Promoções.

P/1 – E a forma das pessoas pagarem, como era antes?

R – A cada cliente, você tem que se adaptar. Tem cliente que gosta de pagar em cheque, outro gosta de pagar no banco, é lógico que você tem que ter um cadastro...

P/1 – No banco?

R – É, pagar com duplicata, né? Então, você tem que ter toda a forma de crediário para o cliente pagar. Isso aí, cada um é de um jeito. Hoje apareceu uma cliente lá com cheque de terceiro, ela tem ficha na loja, mas porque ela atrasou no último pagamento 100 e poucos dias, ela levou um cheque de terceiro para comprar uns metros de piso. Falei: “Mas você tem ficha aí”. Ela: “Não,

deixo esse cheque em garantia aí”. Aí

comecei a pensar, fui ver era por causa desse atraso. Então, cada um tem uma forma de lidar com ele. Outros a gente financia pela Caixa Econômica. Antigamente não era marcado, quando

comecei a trabalhar, não se pagava com dinheiro. Vinha o lavrador, trazia 10, 20 sacas de milho, deixava lá na loja. Falava: “Bom, hoje

vou levar um saco de açúcar, amanhã

levo um saco de farinha, depois levo tantos metros de tecido...” E assim ia indo, chegava, na outra colheita que ia fazer o acerto e acertar. Antigamente era assim e

lembro disso.

P/1 – Era na palavra...

R – Não se tinha dinheiro, né? Agora, hoje é diferente. Hoje é diferente.

P/1 – Chegou a ter caderneta?

R – Chegou, o tempo de caderneta.

P/1 – E como é que funcionava?

R – O cliente trazia uma cadernetinha, a criança vinha, trazia uma caderneta e anotava aquela compra. A gente anotava num livro da gente e no fim de mês, conforme combinado, vinha ali acertar.

P/1 – E hoje tem crediário...

R – Hoje já não pode mais fazer isso, devido a fiscalização também. Hoje, ou branco no preto, senão não recebe.

P/1 – E no caso do crediário, tinha algum critério para a pessoa tê-lo aprovado?

R – O critério é o seguinte: é não ter nomes manchados. Por exemplo, a Associação Comercial tem lá uma lista de S.P.C., Serviço de Proteção ao Crédito. A gente consulta, mas a maioria dos comerciantes vêem consultar o nosso cadastro, a gente tem cadastro de 15,18 anos lá. Gente cadastrada há muitos anos. Que às vezes a gente dá uma informação,

tenho gente cadastrada há muito tempo, que compra há muito tempo e que hoje é mal pagador. Mas por que? Porque não está recebendo, mas infelizmente a gente tem que continuar fornecendo. Eu acho que não pode tachar de mal pagador uma pessoa nessas condições. Isso é normal, ver uma pessoa ou alguém que pagou sempre direitinho, dá uma tropicada ultimamente. Não é porque ele quer, é porque a situação está obrigando.

P/1 – Para aprovar, era na base da confiança?

R – Não, emite duplicatas, né?

P/1 – E o banco paga?

R – O banco, se você descontar, ele paga. Se o cliente não pagar, você repõe. Mas a gente procura deixar tudo em carteira, a duplicata a gente fala que descontou com o banco para impor mais para o cliente, né? Mas é tudo em carteira para não haver, em carteira a gente não desconta com o banco, fica lá, a hora que pagou é da casa, né?

P/1 – Senhor Tufik, o senhor falou de material de construção...

R – Na época? O material antigamente, já no tempo do armazém, já tinha, por exemplo: tinta, só que a tinta a óleo, o esmalte de hoje, embalado em galão, naquele tempo era tinta a óleo, era o óleo de linhaça, mais o alvaiade, mais o pó que dava coloração. Hoje o pó que dá coloração vem tudo empacotado bonitinho, naquele tempo vinha em saco de 25 quilos, ou em barrica de 25, 50 quilos, vinha importado. O cimento vinha em barrica de 50 quilos, vinha importado. Hoje, tem tudo aqui no país, né? Já mudou muito, mas desde aquela época a gente já mexia com isso, só que pra vender um pouquinho demorava mais, porque a construção era menos. Hoje já dá pra se especializar mais no setor.

P/1 – Que tipo de material de construção o senhor vende?

R – Cal, cimento, ferro, areia , pedra... Só não vendo tijolo, telha e madeira. E vidros. O resto, nos vendemos tudo.

P/1 – Quais os outros produtos que tem?

R – Tinta, nos trabalhamos com tinta. Nós trabalhamos com material hidráulico, material elétrico doméstico, né? Não o pesado. É isso aí, material de pintura um pouquinho.

P/1 – De alimentação, tem alguma coisa?

R – Não, não! Agora não.

P/1 – Quando foi que o senhor transformou só em material de construção?

R – É,

acho que de uns 20 anos pra cá.

P/1 – Por que resolveu fazer isso?

R – Porque começou a especializar, né? As firmas de alimentação já mudou pra empório, coisas mais organizadas, já mais bonitinha. Então a gente foi se aprofundando,

sempre gostei de vender mais material de construção. Antigamente a gente vendia tecido, no tempo do tafetá, no tempo da sedinha. Vocês, acho, nem chegaram a conhecer esse tipo de tecido.

P/1 – Tafetá eu conheço...

R – É, então... Não sei se existe ainda. Existe? Eu cortei muito pano na tesoura, aqueles linhos bons. Quer dizer, na nossa loja vendia muito pouco. Ali, o material, era mais pra gente da roça, né? A clientela.

P/ 1 – Para o pessoal da roça, que tipo de tecido tinha?

R - É, tinha o brim. O brinzão normal pra calça de serviço. Tinha algum brim melhor pra roupa de passeio, alguma tricoline para camisa de passeio, algodão alvejado. Antigamente, não achava roupa de cama feita, então comprava lá aquelas peças de algodão, alvejava a roupa de cama, tudo.

P/2 – Tinham costureiras, alfaiates que trabalhavam?

R - Sim, tinha um mundo de costureira. Hoje não dá mais pra essas coisas, você compra uma roupa feita pelo preço que você tem que pagar pra costureira, ou até menos, né? Lá em Itápolis, por exemplo, tem uma indústria de roupa que emprega lá umas 90 pessoas fazendo calça para os magazines de São Paulo. Eles vendem lá mais barato do que se você for mandar. Minhas roupas

sempre mandei fazer sob medida, minhas camisas. Agora, essa camisa aqui, está meio largona porque

emagreci bastante. Mas sempre o preço da mão-de-obra é mais caro do que ela feita, ela comprada feita.

P/1 – Quem eram os fornecedores, eles iam até a Casa Lutaif?

R – Ah, vinha! Quando era criança, os fornecedores vinham, os viajantes, é que chamavam, os representantes das firmas até chegavam a pousar lá em casa. Era tudo amigo, tudo gente conhecida, né? Então, a gente combinava: “Tal dia a gente vai pra Itápolis.” Eles pousavam lá na casa do meu pai, minha mãe sempre gostou de receber visitas, essas coisas. Lá eles ficavam. Junto com a

linha de tecidos, por exemplo, vendia armarinhos, né? Botão, linha, zíper, toda essa miudeza.

P/2 – E eles ficavam muito tempo?

R – O vendedor? É, eles vinham com aquelas amostras grandes, aqueles malão de amostra, e ficavam um dia, dois. Faziam um descanso como amizade que eles tinham, porque era tudo vendedor tradicional. Hoje, tem um vendedor lá de Rio Preto, que ele deixou de vender pra gente, ele aposentou, ele passou a firma pra um outro rapazinho. Quando o rapaz vem pra Itápolis, ele faz questão, de vez em quando, uma vez cada sete, oito meses, ele vem pra bater um papo com a gente. É, é legal mesmo. Tem muitos assim.

P/2 – O senhor fez muitas amizades...

R – Por causa da amizade você dá preferência , aquele fornecedor te consegue negócios melhores. É sempre assim, né? Eu acho que amizade ajuda muito no comércio.

P/1 – Os vendedores de cereal, vinham com amostras?

R – Os cereais era mais comprado. Produzia arroz, produzia feijão, produzia milho, tudo aí dentro do município, né? Hoje, não produz mais, vem tudo de fora. Não de outro município ou de outro estado, tá vindo tudo do exterior o arroz. Itápolis tem meia dúzia de empacotadora de arroz, eles compram arroz do Paraguai, do Uruguai; é incrível isso aí! É uma pouca vergonha pra nós do país, acontecer uma coisa dessa, mas está acontecendo.

P/1 – Senhor Tufik, nesse tempo que o senhor está no comércio, o que mais mudou?

R – Ah, mudou tudo, né? De uma época pra outra muda muito, muda muito. A evolução é muito grande. O comércio hoje, uma hora eles prestigiam o grande, outra hora eles prestigiam o pequeno. O que

acho errado, por exemplo, é hoje eles darem proteção às micro empresas. Um comércio como o meu, que não é micro empresa, tá sendo prejudicado com isso. As micro empresa estão nadando de braçada. Agora, um comércio grande, você vê que, em centro grande, tem fechado. As firmas monumentais de São Paulo, vocês moram em São Paulo? Vocês vêem O Mappin, vêem outras firmas, afinal, eles tem gente lá que sabe mexer com aquilo, eles têm economistas, eles tem tudo, assim mesmo eles não tão agüentando a parada. Por que? Recolhe tributo, recolhe tudo. Os mascates, os outros, tão tudo protegidos, tão fazendo frente pra eles. O mesmo acontece com nós do comércio do interior. A micro empresa, que fantasiam, se mascaram de micro empresa, tá destruindo os pequenos comerciantes

P/1 – Senhor Tufik, a que horas

o senhor acorda?

R – O normal é

acordar às 6 horas. 7, 7 e pouco a gente está na loja, porque

moro atualmente numa chácara, né? 7 horas, até que a gente prepare, os funcionários começam a chegar 7 e meia. E isso aí.

P/2 – Quantos funcionários trabalham na loja hoje?

R – Atualmente, nós estamos pondo mais o pessoal da família. Eu devo ter uns dez funcionários, mais o pessoal da família, né? A minha filha me ajuda, minha filha nunca se interessou, mas por questão de época, questão econômica também, porque hoje não estamos em época de gastar, estamos em época de segurar, né? Eu, minha patroa, houve uma época que só estava

ali na administração, o resto era tudo funcionário, né? De acordo com o movimento, a gente coloca mais gente.

P/1 – Senhor Tufik, pra gente ir encaminhando para o final da entrevista, diga qual foi a principal lição que tirou na sua vida

junto ao comércio?

R – Lição, todo dia a gente aprende uma, né? A vida nunca termina de nos dar lição. Cada dia a gente tem uma lição nova, principalmente estando no comércio.

P/2 – Hoje, a loja tem bastante cliente?

R – É, hoje o comércio diminuiu. Eu cheguei a vender cinco, seis vezes mais do que

vendo hoje, Mas acontece também que a cidade expandiu, expandiu com essa abertura de micro empresa, qualquer empregado que foi mandado embora montou uma micro empresa. Um depositozinho, tudo isso tem que dividir, né? O cliente também já não tá com o potencial pra gastar o que ele gastava antes, porque o salário continua o de três, quatro anos passados. O funcionário público,

acho que não recebe mais. Os que trabalham lá comigo, pouca diferença de salário eles estão recebendo a mais. Então, o custo de vida deles aumentou, eles têm que segurar, né? O povo não está muito gastando em construção.

P/2 – A sua relação com os funcionários sempre foi muito legal?

R – A minha relação com eles é ótima,

tenho funcionário lá que aposentou e está dentro da firma. Tem 26, 27 anos. Ou 30 anos lá dentro da firma. Eu tenho uma funcionária que trabalha há 14 anos, ela saiu da firma, tentou montar uma firmazinha pra ela. Não deu certo,

convidei, voltou. E outros de muitos anos de firma. Eu tenho outros, não só na loja, como em casa, nós temos uma doméstica, que é a mãe do menino. Já faz, acho, 23, 24 anos que trabalha lá com a gente. Então, a gente tem bom relacionamento porque acha que o funcionário não é um empregado; é um auxiliar, a gente tem necessidade de tratar bem ele porque tá ajudando a gente a progredir, né? Então,

eles entendem também, mas tem muito que, às vezes, por muito bem que a gente trata, não merece o trato, então a gente já logo dispensa, né?

P/2 – O que

gosta de fazer nas horas de descanso?

R – Agora não tem mais hora de descanso, né? Sei lá... Hora de descanso é lá na chácara, deitado, vendo televisão, recebendo alguém, um amigo. Mas, é isso aí. O descanso da gente é domingo depois do almoço, sábado depois do almoço.

P/2 – Está ótimo! O que achou de participar com a gente da entrevista para o Museu da Pessoa, para o SESC, o que achou disso tudo?

R – Ah,

acho que vocês é que precisam dizer, né? Eu acho que fiquei lisonjeado em vocês me receber pra uma entrevista,

fui escolhido, né? E pra ser escolhido,

a gente só tem a agradecer, porque hoje a gente tem um passado pra contar aí. O passado é muita coisa na vida da pessoa, né? O passado, quem não esconde o passado dele, hoje são poucos, né?

P/1 - Senhor Tufik,

gostaria de agradecer por

esta entrevista para o Museu da Pessoa, para o SESC. Muito obrigado por ter colaborado com a gente.

R – Não tem o que agradecer, não sei se

cumpri minha parte, mas a gente procura cumprir, né?

P/2 – Muito obrigada, senhor Tufik!

R – Às suas ordens!