Museu da Pessoa

Um camarada de coração manso

autoria: Museu da Pessoa personagem: Francisco Alves Duarte

P/1 – Seu Francisco, eu vou pedir pra você falar o seu nome completo, local e data de nascimento.

R – Francisco Alves Duarte. Nasci no Ceará, Sobral. Em 1932, dia 21 de julho.

P/1 – Seus pais eram de Sobral, Ceará?

R – É, meus pais são.

P/1 – Seu pai e sua mãe?

R – Meu pai e minha mãe.

P/1 – E seus avós?

R – Os meus avós também. Era tudo de lá. Eu tenho uns descendentes assim, com Português. Alves e Duarte.



P/1 – Quem que era português na sua família?

R – Meu pai. A minha mãe também tinha Souza, a família

também veio de lá.

P/1 – Mas o seu pai nasceu em Sobral ou Portugal?

R – Não. Aqui em Sobral. Era descendente (de português) assim longe, mas era.

P/1 – E seus avós também eram de Sobral?

R – Também.

P1 – O que os seus avós faziam?

R – Ahh meus avós trabalhavam sempre em fazenda. Fazenda de gado.

P1 – Tanto ovo de pai quanto de mãe?

R – É. Os meus avós da parte da mãe eu não conheci. Nenhum dos dois. Só os da parte de meu pai mesmo. A minha avó (conheci apenas), o meu avô já havia falecido.

P1 – E seus pais, faziam o que?

R – O meu pai trabalhava na fazenda. Era uma fazenda muito grande, tinha muito gado, toda espécie de gado, animal, cavalo, bicho, tudinho isso ai. E meu pai era quem administrava tudo lá. E eu aprendi a administrar. Eu fazia congada, então tenho uma história completa de lá,né.

P/1 – Você morou nessa fazenda?

R – Morei. Nasci e fui criado lá.

P/1 – Você sabe como sua mãe e seu pai se conheceram?

R – Olha, sei. É até uma história gozada porque, o meu pai ia levando uma boiada pra uma outra fazenda, em Sobral. E então a minha mãe, era menina, com quatorze anos de idade, ia com o pai dela e a mãe dela, que morava por ali. Então, ai meu pai, que nunca namorou na vida, falou para a menina: quer casar comigo? Foi uma coisa assim. E a menina se assustou, era garota. E ai então ficou quieta, mas por sorte dos dois ele foi parar na casa dela, mais pra frente um pouco. Ai ela falou que sim, depois. Nunca namoraram. Ela tinha quatorze anos e ele tinha dezessete anos.

O meu pai era um pessoa que não deixava de falar as coisas, então se acertaram, casaram e tiverem quinze filhos.

P/1 – Com quanto anos ela casou?

R – 14 anos.

P1 – Ela falou sim e eles se casaram?

R – É! Ela se assustou na hora, mas depois ela falou que sim.

P1 – Eles nunca tinham se visto? Só naquele dia? Pediu para casar e ela casou?

R – É, casou! Sabe, o pessoal naquela época, não existia rádio, não existia nada. Mas você não sabia notícia de nada. Vivia no mundo da lua, e a gente (as pessoas) casavam. Tiveram quinze filhos. Faleceram dois pequenos, crianças, que eu não cheguei a conhecer, e moramos lá naquela fazenda por muitos anos.

P1 – Os treze moravam lá?

R – Os treze.

P1 – Você é qual na escadinha?

R – Eu sou mais ou menos o oito. Eu nasci em (mil novecentos e) trinta e dois, o meu irmão mais velho nasceu em 1919. E daí foi assim.
Eu corri esses meus anos, aprendi a trabalhar com o gado, amansava cavalo bravo, tudo isso eu fiz na minha vida.

P1 – Deixa só eu voltar um pouco. Como era a casa que vocês moravam?

R – Era uma casa bem grande, casa de fazenda, aquelas casas bem grandes mesmo. Feita de tijolo, tudo.

P1 – Quantos quartos tinham?

R – Ahh nem sei! Mas eram bastantes! Era bem grande a casa, bem grande mesmo.

P1 – Você dividia com quem o quarto?

R – Olha, era tanta criança que ficava um monte junto com um monte, que eu nem sei exato quantos tinham, mas eram várias crianças e dormiam todas juntas. Eram vários quartos.

P1 – Quantos homens e quantas mulheres?

R –10 homens e cinco mulheres. Tinha uma vida normal. Naquela época, 1932, era uma época muito difícil. Enquanto São Paulo estava brigando pra fazer a revolução daquela época, eu estava nascendo, praticamente.

P1 – E essa fazenda o que é que tinha? Plantação do que?

R – Era uma fazenda só de gado. A plantação que tinha era só pra gado mesmo. Então tinha bastante leite, essas coisas (de origem animal) não faltavam. A gente foi criado, graças a Deus, bem.

P1 – Sua mãe cuidava da casa?

R – Minha mãe cuidava e depois as minhas irmãs foram crescrendo e ajudaram. Tinha mais gente, morador da fazenda, que ajudava.

P1 – E vocês trabalhavam na fazenda?

R – Eu trabalhava só com gado. Meus irmãos trabalhavam com plantação, esses negócios. Eu nunca ia na roça plantar, carpinar. Eu cuidava de gava, amansava cavalo, tirava leite, fazia tudo isso. O meu pai era quem fazia isso, e eu aprendi com ele.

P1 – Com quantos anos você já começou a ajudar o seu pai?

R – Com oito anos eu já andava a cavalo, tirava leite. Eu era uma criança muito esperta. Espertíssima. Então eu aprendi tudo logo muito cedo. Nós andávamos naquele lugar que era muito grande, Léguas, acho que era Léguas, eu esqueci o nome agora. Era uma serra grande, tinha onça, tinha tudo lá, onça pintada, onça preta. Meu pai contava uma história que um dia na fazenda, os animais amanheciam, quando a onça atacava eles, eles iam tudo esconder. Um dia faltou um potro. Um potro é um cavalo que tem um ano e meio, mais ou menos. Um potro bonito. E ai logo meu pai pensou: a onça matou. E daí foi atrás. Seguiram o caminho com a espingarda e um facão. E foi sozinho bem. Bem longe, chegando lá, a onça tinha matado o cavalo , ele já tinha quase dois anos, era grande e comeu quase todo. Disse que a pata dela era assim, desse tamanho. E que comeu até os ossos daqui da cabeça. E a onça quando está com a barriga cheia não ataca ninguém, ela quando esta com fome, sim. Ai meu pai largou ele lá e se mandou. Mas (naquela região) tinha onça pra chuchu. Tinha porco do mato, raposa, era uma mata bem grande, fechada. E a gente andava, caçava. Eu quando já era mocinho, caçava até de noite, com três cachorros, uma espingarda e um facão. Tinha muita cascavel, cobra tinha muito. E eu tinha medo de cobra, mas eu ia com uma bota. Andando com um cachorro não tinha medo de nada. A gente tinha uma vida tranquila, a cidade era pequenininha, tinha uma única igreja. Era assim, há uns seis quilômetros mais ou menos (de Sobral).

P1 – Qual era o nome da cidade?

R – Santa Maria. Hoje está um pouco maior já, eu fui lá e está um pouco maior. Então a gente tinha uma vida que não tinha nenhuma diversão a não ser festa. Meus irmãos gostavam de festa, mas eu nunca nem dançava. Eu tinha uns dezessete anos. As vezes gostava de tomar um Cinzanozinho. Meus irmãos tomavam cachaça, mas eu não tomava. Mas quando era lá pelas dez, onze hora eu já ia embora. Não gostava de farra. A minha vida interia nunca dei nenhum problema para a minha família. Com os meus oitenta anos, nunca dei nada. Nunca cometi um erro se quer. Sou um homem assim, nota 10,5, modéstia a parte. Eu nunca cometi nada. Eu sou assim, gosto das coisas direito. Se eu estiver com a minha razão, não vale discutir comigo.

P1 – Vamos voltar um pouquinho lá atrás, quais eram as brincadeiras de infância?

R – A gente fazia cavalo de pau, tinha aquela carnaúba. Conhece a carnaúba?

P1 – Não.

R – Pegava um pau daquele, fazia um cavalo com um negocinho enrolado e fazia um cordãozinho aqui, fazia um cavalo e ficava brincando, correndo. Eu fazia um covalinho piquet. Covalinho é um quadradinho, sabe? E na hora do inverno tinha aquela lagartinha verdinhas, sabe? Então eu prendia elas lá dentro só pra ver elas andando pra lá e pra cá. Fazia nada com aquilo. Eu tinha uns dois, três anos, não me esqueço de nada. A minha cabeça está a mesma coisa ainda. Eu ficava brincado, pegava banana, mamão, esses negócios todos. A brincadeira era essa. As casas eram longe, não tinha casa perto. E a gente ficou nessa vida. Eu vim pra São Paulo com vinte e três anos. O meu pai não queria, dizia que eu era novo, que não sabia fazer nada, dizia que eu era novo, que ia sofrer, e eu dizia: “não vou sofrer”. Eu disse que ia trabalhar e ele disse que tudo bem. Eu já tinha uns irmão aqui em São Paulo, e alguns primos também. Ai vim pra cá, em (mil novecentos e) cinquenta e quatro, em primeiro de agosto. Gastei onze dias de viagem.

P1 – Quantos anos você tinha?

R – Vinte e dois anos. A gente vinha num pau-de-arara. Pau-de-arara era um caminhão

feito com ‘talbas’, mas eu vim sentado, então tava bom. Sem tratamento nenhum. Você vinha sentado, a noite parava em algum lugar e ficava lá. Era um sofrimento terrível. Muito tempo pra chegar aqui.

P1 – Deixa eu voltar. Antes do senhor chegar aqui, como era a sua casa? Quem exercia a autoridade, seu pai ou sua mãe?

R – Ahh, o meu pai! Meu pai olhava e você já sabia o que ele queria. Ele não batia. Se ele estava conversanod com duas pessoas, por exemplo, amigo (dele) ou da minha mãe, a criança olhava pro pai ou pra mãe e conforme o pai olhava, se pedia licença e ainda tomava a bênção com as pessoas de idade. Pra falar com o pai tinha que esperar. Não tinha essa historia de má criação. Jamais um filho fumava um cigarro na frente do pai. Palavrão? Minha nossa! De jeito nenhum! Ninguém falava isso. Por isso que com a minha idade, de oitenta anos eu vejo moças e ainda chamo de ‘senhora’, estou acostumado. Senhora, senhorita. A minha educação foi essa. Sempre por respeito. Nada de responder aos professores, era uma educação pura. A gente gostava das coisas muito direito.

P1 – E as comidas? A sua mãe fazia? O que vocês comiam?

R – A comida? Ahh! Criava-se muita galinha, tinha cabrito, ovelha. O meu pai matava. Eu nunca matei nada. Se dependesse de mim eu não comia carne. Meu pai matava cabrito, ovelha. Porco a gente engordava para a época de fim de ano. Isso não faltava: carne e queijo tinha bastante. Por isso que eu sou forte. Tenho boa saúde. Éramos bem alimentados. Comida do norte, que é bem diferente daqui. Leite, também tinha bastante.

P1 – E na escola? Você entrou com quantos anos?

R – Não tinha escola. Tanto é que nessa cidadezinha, Santa Maria, tinha uma escolinha muito fraquinha, então eu não fui a escola. Eu vim a aprender um pouco aqui em São Paulo. Não aprendi muito. Mas aprendi algumas coisas.

P1 – Mas lá você não aprendeu a ler e escrever?

R – Não. Quando eu cheguei aqui a gente ia a escola, na (avenida) Brigadeiro Luis Antonio, perto da consolação, ali. Depois fui na avenida Doutor Arnaldo, na escola ao lado da igreja Nossa Senhora de Fátima, tenho até uma fotografia com os professores. Entao aprendi pouco, quando eu cheguei aqui não tinha nem profissão.



P1 – Mas lá você tinha vontade de aprender ou nem passava isso pela sua cabeça?

R – Tinha. O meu irmão mais velho estudava.

P1 – Os seus irmãos estudavam?

R – Pouco, mas estudavam.

P1 – Estudavam nessa escola de Santa Maria?

R – É. Mas quando cheguei aqui, fui à escola, mas fiz até o terceiro ano porque trabalhava bastante.

P1 – Mas quando você estava lá (em Sobral), você tinha vontade de sair da fazenda, estudar, ter outro tipo de vida?

R – Tinha porque lá a gente trabalhava muito. Na época da seca o gado dava muito trabalho. As vacas, os bezerros, as vezes não tinha pasto par aos bichos, então era difícil. O mandacaru, tinha que dar pro gado comer.

P1 – O que é o mandacaru?

R – É aquele que chama de cacto, também chama de xique-xique. Então queima o espinho e dá para o gado, porque não tem outra coisa verde para comer. Rama (de folhas) verde é difícil você achar, na época de seca é difícil. A gente dava caroço de algodão para o gado, que faz o óleo, sabe? Dava um pouquinho pra um, um pouquinho pra outro. Então era uma vida bem trabalhosa, bem dura.

P1 – Você tirava leite? Como tira leite?

R – Tem vaca mansa e vaca brava. As quatro da manhã, cinco horas, nós já estávamos tirando leite. Quando chegava o morador da fazenda, que vinha ajudar, a gente tinha 3, 4 latas de dezoito litros já tiradas, quente. Pra tirar, é aqui com a mão ó, ziu, ziu, ziu. Amarrava o bezerro na mama da vaca, do lado esquerdo, isso na vaca mansa. Agora com vaca brava, tinha que esperar clarear o dia pra laçar ela, amarrar pra ela não dar coice, amarrava elas e tirava o leite. Cada vaca tinha um nome. Quando você chamava pelo nome ela respondia, berrava. E quando ela tem um bezerrinho novo, ela tem muito ciúmes do bezerro, ela vai pro campo, mas quando é duas, três horas da tarde já está ali perto. A gente prende o bezerro. Põe ele pra dentro do curral pra ela dar de mamar, e prende novamente. E ela é brava. Não quer que chegue perto do filho dela. E eu como tinha jeito, meu pai era campeão nisso, aprendi a laçar por cima do cavalo. Eu tenho fotografia ai. Você pegava o boi ou a vaca, derrubava – Isso dentro do mato – e antes dela cair direito você tinha que pular por cima do pescoço do cavalo e já pegava ela pra por a mascara. A mascara é uma coisa que se faz com o couro, quando o animal é muito bravo, você amarra o chifre com a mão do animal, pra ele não correr. Ai você leva pra casa. Mas isso quando o bicho é bravo mesmo, daquele que passa por cima do cavalo. E a gente usava uma faca, chapéu de couro, feito de couro curtido. Assim você não tem perigo de se machucar. Desse jeito só fica com o rosto de fora, ai usa chapéu de couro. Essa é a roupa. E eu já ganhei prêmios por lá, tenho história. E eu já fiz tudo isso e ficava famoso. Quando tinha exposição de gados, a gente ia lá e ganhava uns prêmios né. Eu fiz isso desde criança, desde uns 8 anos em diante.

P/1 – Existiam concursos? Você chegou a ganhar prêmios?

R – Era assim: a pessoa que tinha um cavalo preparava o animal para pegar o gado. Você corria atrás do gado, que estava preso e derrubava. Outra pessoa preparada já segurava o animal. O cavalo mais rápido era premiado.

P/1 – Além da sua mãe e do seu pai, tinha mais alguém que trabalhava La na casa de Sobral?

R – Tinham seu João, que era vizinho e ajudava.

P/1 – E tinha alguém que contava histórias?

R – Tinha. Eu sempre fui muito curioso quando criança. Eu ficava junto das pessoas de idade pra ouvir elas falar, para eu aprender as coisas. Eu ficava sempre perto dos amigos do meu pai e da minha mãe pra ouvir o que eles estavam falando. Naquela época nem rádio tinha. Eu tinha a mente bem saudável então eu aprendi bastante quando criança.

P/1 – O senhor lembra alguma história daquele período, contada ao senhor, que tenha te marcado?



R – Tem uma história que eu não esqueço. A historia é a seguinte: Num outro Estado existia um negrão – o pessoal chamava ele de Negrão – que fazia o seguinte: ao redor de cem quilômetros, todas as mocinhas ele desonrava. Ninguém podia matar ele porque o cabra era bravo, não sei o que lá. Tinha um senhor que tinha uma única filha – coitadinho

o senhor! – que recebeu o recado do Negão (sobre desonrar a sua filha). Ai o pai, com medo, pôs a carga no jumentinho e foi embora, deixou a filha e a esposa sozinhas. Pelo caminho veio um outro moço chamado Sérgio que tinha brigado com uma onça e estava todo ensanguentado, pediu pra passar a noite lá na casa. A mãe ficou com medo, mas acabou deixando, pois o moço estava todo ensanguentado. E acabou que o Negrão vinha naquela noite para buscar a moça, mas ninguém sabia. Quando foi lá pela madrugada, o Negão falou à porta: “abra a porta, seu patifa! Veja com quem está falando!”. E o rapaz, todo ensanguentado ficou atordoado e o Negrão repetiu: “Se não abrir a porta, eu vou ai dentro, carrego a moça e vou embora”. Ai esse Sérgio, que era um homem muito valente, respondeu: “se entrar aqui dentro, vai correr sangue a diacho....e...com as tripas” – como era a palavra mesmo? Ih! Esqueci! – E o Negão meteu bala na porta, derrubou a porta – era daquela meia porta assim, que parte se abre e parte fica fechada. Então Sérgio estava com um punhal e ele com um revólver. Mas o cara era bom, saiu pra fora naquele escuro danado tinha um buraco assim, um barreiro, chamado tira-barro, caíram tudo lá, e ele era um cara danado e mesmo machucado, matou esse cara, o Negrão. Matou de punhal. E ele ficou lá, quase morto também, e essa coitada morrendo de medo dentro da casa. Foi quando o sol começou a sair, ela veio pelo cantinho da casa olhando assim, e viu o Negão morto e ele todo machucado. Ai foram lá, pegaram ele, levaram pra casa. Olha, aquele cavalo nessa história, ao redor de cem quilômetros todas as pessoas, esse rapaz, o Sérgio, casou com a moça e foi premiado por tudo. O Negrão enterraram no caminho, numa encruzilhada, que é o caminho onde três estradas se encruzam. Essa história eu sei desde criança, então ele ficou famoso, casou com essa moça e ficou estourado. Tem outras histórias que eu esqueci, mas essa é uma. Tem história boa daqui de São Paulo.

P/1 – Ai o senhor foi crescendo, e na adolescência? Tinham essas festas, como se chamavam?

R – Chamava de forró. Mas eu nunca fui de festa. Eu ia assim, um

pouquinho só, mas eu nem dançava. Já moço, de 16, 17 anos. Eu ficava um pouco e já ia embora. Tomava um cinzaninho assim, pequenininho, e a turma falava assim “ahhh! Você quer ser bom, não bebe cachaça”. Eu não bebo cachaça.

P/1 – E namorada? Qual foi a sua primeira paixão?

R – A minha primeira paixão eu ia até casar com ela, mas não casei. Ela tinha uns 17 anos e eu uns 20 anos, mas nós nunca nem namoramos.

P/1 – Como era o nome dela?

R – Ela chamava Antônia.

P/1 – Como ela era? Era bonita?

R – Tinha os olhos azuis, cabelos cacheados. Mas naquela época era assim, se ficava na sala, e o pai e a mãe ficavam junto. Você não dava nem um beijo na moça . Era difícil. Ai então eu vim pra São Paulo e ia casar. Já tinha comprado até aliança, so que na hora de eu ir pra lá pra casar, porque a gente ia morar aqui (em São Paulo), o pai da menina não quis.

P/1 – E porque você decidiu sair de lá? O seu irmão já tinha vindo pra São Paulo?

R – O meu irmão já tinha vindo pra São Paulo. Eu tinha irmãos e primos aqui

P/1 – E porque o seu irmão revolveu ir embora?

R – O meu irmão era aquele que fazia mais o trabalho de roça. Aqui entrou em escola de viola - cantador de viola, e ele também deixou a noiva lá. Depois de dois anos ele voltou. Quando eu cheguei em São Paulo, ele ainda estava aqui, mas depois logo foi embora.

P/1 – E porque você decidiu vir?

R – Eu tinha um sanguinho pra São Paulo.

P/1 – E porque São Paulo?

R – Algumas pessoas que apareciam de vez em quando, vinham de São Paulo, e eu me apaixonei pelo nome de São Paulo. Vim aqui e gostei muito.

P/1 – Você estava contando como você veio para cá. Como você decidiu vir, como você contou para os seus pais?

R – O meu pai não queria que eu viesse. Disse que eu não sabia fazer nada, que eu ia sofrer, que não sei o que. Eu disse: “Não, não vou sofrer. Tenho coragem pra trabalhar, vou aprender tudo por lá”. Entâo eu vim com mais outros primos.

Pegamos um trem em Sobral, para Fortaleza. Daí em Fortaleza compramos a passagem pra caminhão que é o pau-de-arara.

P/1 – Você nunca tinha saído de Sobral?

R – Nunca! Não conhecia nada.

P/1 – Como foi a viagem? Quantos dias demorou?

R – Viagem de onze dias. Saímos de lá no dia primeiro de agosto e chegeui dia 11 de agosto. Depois de alguns meses, alguns tempos, o Getúlio Vargas se matou, no dia 24. Fui trabalhar em obra.

P/1 – Como foi a sua impressão logo que chegou em São Paulo?

R – Ahhh! Eu desci na estação do norte, tomemos um Packard, esses carros nem enormes da época. Nessa época eu tinha dinheiro, tinha vendido o meu cavalo muito bonito, meus bezerros, vacas. Nós tínhamos dinheiro. Pegamos um carro lá, para o Itaim Bibi, para a chamada Rua Bibi, hoje chamada Rua Dr. Renato Paes de Barros. O meu irmão e meus primos moravam lá. Chamamos e não tinha ninguém em casa. Eram dez horas da noite. Só tinha um cachorro por lá, que latia pra caramba, era um pastor alemão. Ai ficamos lá, tomamos um banho depois de onze dias sofrendo naquele pau-de-arara e ai então, lá pela meia noite, começa a chegar o meu irmão, primos e colegas. Naquela noite nem dormimos, só conversando, colocando a historia e sabe como é, eu ainda não sabia fazer nada. Ai no outro dia fomos procurar emprego e não tinha emprego naquela época em São Paulo, não tinha emprego nenhum. Para fazer um trabalhozinho tinha que ser uma reforma, um sobradinho, esses negócios, e eu também não sabia fazer nada. Ai fui lá, aprendi um pouquinho, coisa e tal. Ai apareceu um trabalho na (avenida) Nove de Julho, para fazer uma piscina, o homem falou logo: “quinze dias!” e eu disse “tá bom”. Ai eu tinha prática. Lá no sítio eu sabia fazer bebedouro pro gado.

P/1 – Você fazia para o gado?

R – Para o gado. E tinha mais, na época da seca, você tinha que fechar a porteira e amarrava. A gente ficava esperando o gado que vinha pra beber, umas oito horas da noite. Ai você amarrava o gado com a corda, ai no outro dia você abria de novo. Não tinha outro lugar pra beber, tinha que ser ali. Um belo dia, eu tinha dezessete anos, eu estava colocando o ultimo arroio para fora, no escuro, só tinha a luz da lua. Ai eu ouvi uma voz. Eu era medroso. Não passava em casa que não morava ninguém, não andava no escuro, tinha um medo danado! Então sabe qual foi a voz que eu escutei? Não tinha ninguém e nem estava perto – falou assim: “você já acabou?”. Puxa vida, eu estava sozinho, não dei uma palavra. Dali era meia légua, três quilômetros atém em casa, de pé, não tinha cavalo não, beirando a cerca de arame. Eu não sei como cheguei lá, no escuro. Nossa Senhora! Não tinha ninguém, não tinha nada! Olha, isso ai eu nunca esqueci na minha vida. Correr eu não corri porque tinha medo que alguém viesse atrás. Então eu

vinha andando de pressa e de vez em quando dava uma olhada. E outra vez aconteceu, pouquinho mais pra lá da estrada, eu já era moço, e ai apareceu um bicho preto na frente, sabe?! O cavalo assustou, levantou as orelhas, sabe?! Não queria passar de jeito nenhum. E eu não dava uma palavra, o medo era grande! Sei que corremos meia légua dali até em casa. O cavalo, nossa senhora! Essas coisas do mato são assim. Eu também caçava a noite, tinha espingarda grande, facão, e não tinha medo de nada quando estava com cachorro. E tinha lugar que tinha onça. E eu tinha aquela mania de história do fazendeiro que tinha um único filho, de uns 25 anos, que falava sempre pro pai que queria matar uma onça com faca. E o pai falava “cuidado, a onça é muito brava, ela vai é te matar” e o filho: “mas eu quero fazer isso!”. E um belo dia ele fez isso. Tinha um amigo dele, que morava na fazenda do lado que também foi, mais os cachorros, mas o cara era muito medroso. Chegaram num certo lugar e fizeram um fogo. Quando foi lá de madrugada os cachorros saíram de lá latindo, correndo e foi ele, com o lampião na mão. O lampião era feito com gás. Foram atrás dos cachorros latindo mas não tinha nada. Foram ver e a onça estava em cima da árvore, deu parada nos cachorros, patada neles, e ele deu faca nela. A onça tem o seguinte,ela tem um couro liso, conforme bate, escorrega. Ela não tem um couro que bate e fura. Não. Ela é difícil de furar. E ele com um

chapéu de couro, pôs na mão esquerda e deu pra ela morder mesmo. Sei que ele deu nove facadas nela, e acertou uma delas na boca dela. E os cachorros ajudando, mordendo ela. Sei que ele matou a onça, mas ficou aleijado do braço, quebrou toda a mão. Falou pro pai que ia matar, e matou! Voltou pra casa todo com o braço quebrado. Então isso ai é história verdadeira, não é história inventada, não!

P/1 – O senhor estava contando da piscina do Itaim. Você conseguiu fazer?

R – Ah sim! Eu tinha prática.

P/1 – O que você estava achando da cidade?

R – Adorando! Nossa senhora! São Paulo, em (mil novecentos e) cinquenta e quatro era a terra da garoa. Eu quase morria de frio naquela época. Não tinha roupa, a roupa era tudo fininha, ficava com o rosto todo queimado. Caia aquela nevinha branca, e sem roupa de agasalho, sabe como é.! Ai então sofria bastante. As mãos e braços ficavam tudo inchados. Depois disso fui trabalhar em obra. Do Itaim até a Paulista era tudo paralelepípedo, um único ônibus, que ia do Itaim até o bairro do Limão, até sei o nome: 222. Ai arrumei um trabalho lá – meu primo arrumou pra mim - na fundação do prédio, pra fazer aquelas colunas de concreto, tinha aquela máquinas betoneira pra fazer o contreto. Já tinha aquilo lá. Carregava ferro nas costas, cimento que chegava, tudo isso. Ai passei a morar lá também, num acampamento. E a gente fazia rolar. Fazia uma comida grosseira com carne, aquela farofa do Ceará a gente já era acostumado com isso. Passai uns 10 meses ali. Foram so 10 meses que eu mais sofri aqui em São Paulo.

P/1 – Sofreu?

R – É, porque tinha que trabalhar no pesado, com friagem.


P/1 – O senhor estava falando que esses dez primeiros meses foram os mais difíceis. Só voltar para aquela sua namorada, ai você já sabia que ela não ia vir.

R – Não. Eu só soube depois que eu pedi ela em casamento por uma carta. Naquela época era só por carta mesmo.

P/1 – Mas o senhor ficou noivo por carta também? Como era?

R – Foi sim. Eu pedia pra alguém escrever, porque não eu sabia. Ai eu comprei aliança, roupa pra ela ela, vestido. A minha intenção era casar lá e voltar. Mas o pai dela não quis, mesmo eu dizendo que gostava da menina.

P/1 – Ela escrevia de volta? Alguém lia pro senhor?

R – Ela escrevia e alguém lia pra mim.

P/1 – Essa carta pra pedir ela em noivado, o que o senhor pediu pra escrever?

R – Eu não lembro muito bem, mas eram poucas linhas, como diz. A gente falava pouco. Mas era coisa de namorado, coisinhas. Não é como agora que a gente tem tudo decorado.

P/1 – E ela respondeu tudo por carta?

R – Foi. E eu já tinha juntado dinheiro, comprado roupas e presentes pra levar pra ela. Quando chegou a noticia que o pai dela não ia deixar, eu ia voltar. Mas já estava gostando daqui. Daí acabou o casamento. Eu estava com a família da paulista.

P/1 – Depois da piscina o senhor foi pra paulista ou pro prédio?

R – Sai e fui trabalhar por dez meses na fundação do Edifício Iguaçu, Alameda Santos com a (avenida) Brigadeiro (Luis Ântonio). Depois trabalhei num outro prédio na (avenida) Paulista como vigia por uns 6 meses. Edifício Regina, esquina com a (avenida) Brigadeiro (Luis Ântonio). Esse prédio está lá até hoje. Aliás, esses prédios eram do mesmo dono, seu Pierre, um italiano muito rico, me chamou pra ser vigia a noite, das oito às cinco da manhã. Ai eu morava numa pensão, a vida já estava ficando melhor. Não tinha que fazer comida, coisa e tal. A pensão era Rua Renato Braga, ali do lado. E então, depois de uns seis meses, me arrumaram um trabalho pra ir trabalhar com essa família. Entre a (rua) Frei Caneca e a Rua Augusta, de frente com o Conjunto Nacional, que estava em fundação ainda. Ai então, fui trabalhar com essa família. Era nove empregadas mulheres.....

P/1 – Era um casarão na Paulista?

R – Casa grande, três andares, tinha até elevador. Então, tinha nove empregadas, cozinheira, lavadeira, tudo que você pode pensar. Eles tinham quatro filhos, três meninas e um menino.

P/1 – Era um fábrica?

R –

De roupa. O único carro da família, só pra ele. Os filhos iam pra escola a pé. E ai então, cheguei lá, ela me chamou pra conversar: “sabe fazer alguma coisa?”. Eu falei, “não sei nada”. Ela disse, “mas tem vontade de aprender?”. Disse, “Tenho!”. “Então eu ensino a você”, ela disse.

P/1 – Mas onde você conheceu ela?

R – Foi lá mesmo. Uma pessoa que me indicou pra ela. Então eu morava lá, tinha um quarto. Bonito, confortável. Cada dia tinha um serviço pra fazer. Segunda feira eu limpava todas aquelas venezianas, mas eu não sabia fazer nada. Ao invés de limpar, sujava mais . Terça feira eu ia limpar metais, a porta era branca, com um tipo de metal amarelo. Eu sujava a porta e ainda não limpava o metal. Mas ela não falava nada. Agora, o Renan que dava bronca: “Ehh! Você não sabe fazer nada!”. Eu ficava quieto. Ai foi uma semana e pouquinho e eu já sabia. De terça eu fazia isso, quarta-feira começava e encerar a casa lá de cima. Tinha 12 quartos mais ou menos. Lavava o banheiro, que era de granito. Tinha que encerar com cera branca. Nada disso eu sabia fazer, mas ela ensinava e eu aprendi. Eu começava às sete da manhã e ia até às cinco horas. Ai ela dava aula pra nós, ela era professora, dava aula pra mim e para as moças, era portuguesa. E a gente estudava com ela, eu ficava trocado, roupas boas, ela tratava muito bem da gente. Ai, entrei na auto escola para tirar carta, na Rua Augusta, auto escola Grace, ai tirei. Ia ter aula lá no Jockei Clube, Morumbi. No Morumbi não tinha nada, só as ruas mesmo. Mas tirei a carta e não fui dirigir, continuei trabalhando lá. Ai foi o tempo que eu conheci a minha esposa.





P/1 – Você virou motorista da casa?

R – Não. Não cheguei a trabalhar de motorista. Tirei carta mas já tinha um motorista lá. Fiquei trabalhando lá. Ai foi o tempo, mais ou menos um ano, começaram a vender as casas da (avenida) Paulista para construir os prédios. E ai vendeu a casa e foram morar na Avenida Europa, fizeram uma casa nova lá. E eu fique na casa.

P/1 – Eles saíram e deixaram a casa lá? Vazia?

R – Vazia. Fiquei mais de dez anos naquela casa. Arrumei um trabalho na gazeta e minha família ficava na casa.

P/1 – Você ficou na casa sozinho?

R – Tinha também um pastor alemão. Ficava eu e minha família.

P/1 – Qual família?

R – A minha. Minha esposa e minha filha.

P/1 – Ah! Então calma! . Deixa eu voltar. Ai essa família mudou para a Avenida Europa?

R – Sim. Eles construíram essa casa para morar. A avenida Paulista estava aumentando, construindo prédios.

P/1 – E porque você continuou na casa?

R – Eu fiquei tomando conta da casa até eles venderem.

P/1 – Demorou dez anos?

R – Ficou da década de 60 até 70, quase. 10 anos. Meus filhos estudavam naquele colégio ali perto.

P/1 – Você morou naquela mansão?

R – Ahhhh! Eu tinha um cachorro bonito, alemão.

P/1 – E como você conheceu a sua esposa?

R – Eu conheci em 1957. No meio do ano.

P/1 – Onde você conheceu?

R – Num aniversário no comecinho da Avenida Santo Amaro. Eu fui um dia num aniversário de uma amiga do outro prédio,mas não era namorada. Por acaso, tinha mais dois primos meus que estavam lá. Eu nunca fui de dançar, mas meu primo estava dançando com ela e eu brinquei – sempre fui brincalhão - “vai ficar com a menina ou não vai? Se não for, deixa pra mim”, foi essa a frase. Ai terminou aquela música e fui dançar com ela. E fiquei dançando até hoje. Voltamos juntos, ela morava pros lados que eu morava. Eu sei que ai, pronto! Conheci a família dela lá no posto da saúde, o tio dela, porque ela não tinha pai nem mãe. Ela veio da Bahia, Ilhéus. Ai fui lá, conversei com ele e depois de seis meses eu casei.

P/1 – Como foi o casamento?

R – Ah, foi muito bonito! Eu casei na igreja de São Judas Tadeu, os meus patrões foram os padrinhos de casamento. Fui num carro de luxo, terno e gravata bonito, um broche aqui, tudo. Coisa fina. O casamento foi as seis horas da tarde, num sábado, dia 22 de fevereiro. Eu já tinha casado no civil, mas não morava com ela ainda. Ela ficava com o tio e eu sozinho. Casamos na igreja e fomos pra Santos. Ficamos oito dias na praia do Gonzaga, presente dos padrinhos. Depois disso fomos direto para Aparecida do Norte. Ela queria dormir lá, mas eu não gostei do lugar. Sou um camarada que se for pro lugar e não me sentir bem, eu vou embora. Se a pessoa que está comigo quiser ficar, ela pode ficar. Eu sou assim, não deixo as coisas para depois. Estava chovendo pra chuchu.

P/1 – Em Aparecida?

R – Em Aparecida. Pegamos um taxi e viemos embora. Chovida...mas como chovia! Viemos embora, chegamos aqui em São Paulo, na avenida paulista e fomos morar lá na casa. Antes de mudar pra lá, ela ficou trabalhando na casa por uns oito meses.

P/1 – O que ela fazia lá?

R – Era arrumadeira, passadeira. Ai então, fomos morar lá. Tinhamos um quarto bem grande.



P/1 – Então você ficou com a sua esposa nessa mansão? Que ótimo!

R – Ah! Ali tem história boa! E então eu cuidava da casa, ganhava dinheiro deles. Nem queria ganhar nada, porque já era registrado. E então eu todo dia ia na casa deles, na Avenida Europa, porque eles tinham três cachorros pastores alemão, tenho até uma fotografia desses cachorros. Eram ensinados, importados da Alemanha. Custou o preço de um carro desses da época, 20 mil marcos. Era campeão de farda e tudo. O cachorro era o guarda da casa. Cachorro bonito, de tão bem tradado que ele era. Dormia dentro de casa, no quarto deles. Ele (o dono) mexia com a mão no cachorro, e o cachorro olhava pra ele. Ele dizia “ele é meu amigo”. Agora, o amigo (cachorro), não queria que fizesse brincadeira com o amigo dele (dono do cão), porque ele pulava na pessoa. Ele sabia tudo. Era segurança total.

P/1 – Tem alguma história marcante no período que você ficou na casa? Algum filho seu nasceu lá?

R – Quando a minha mulher estava para ganhar a minha filha, Maria Luisa, ela não podia mais fazer nenhum serviço. Então nos mudamos para a rua Minas Gerais, no final da (avenida) Paulista. Pertinho ali do hospital das Clínicas. Ela nasceu na maternidade São Paulo, na Rua Frei Caneca. Ficamos morando lá.

P/1 – Mas você não estava na casa?

R – Mas eu sai pra minha esposa ganhar o filho. Depois a gente voltava. De 1959 a 1970 eu trabalhava na (avenida) Paulista, como manobrista. De manhã cedo eu lavava 14 automóveis, para ganhar dinheiro. Trabalhava das seis da manhã às duas da tarde, eu precisava abrir a corrente da saída da garagem e dar uma senha para a pessoa. Era uma vaga bem grande, com carro tudo importado dos Estados Unidos. Cônsul Japonês, cônsul da da Argentina, da Itália, tudo morava lá. Eles falavam: “eu moro na Paulicéia, sou Paulista”. O pessoal morava ali e eu lavava os carros. Ia de bicicleta, que era um filão justinho pra lá. Eu estava no (número) 2040 e 960, eu ia almoçar em casa e voltava. E tem mais! Eu dava aula para cachorro pastor alemão também. Eu fazia de tudo um pouco. Eu ia no Jardim Europa, nas casas que tinha cachorro, e dava aula, como carregar objetos na boca, ficar deitado, tudo isso. Eu aprendi com um funcionário da força publica e um professor alemão. Isso tudo no Ibirapuera. Todo sábado e domingo eu ia lá, com o patrão, treinar os cachorros.

P/1 – Ai você viu e aprendeu a treinar os cachorros?

R – Vi e aprendi tudinho. Eu ia nas casas e ganhava bastante dinheiro! A aula para cachorro era mais cara que dar aula para uma criança. Era uma hora em cada casa. Eu tinha oito casas. Saída de casa de madrugada, às quatro da manhã, de bicicleta. Subia a avenida Brigadeiro Luis Antonio todinha, até a avenida Paulista. Tudo de paralelepípedo, nessa época não tinha asfalto, não. Nessa época eu não estava mais na casa (da rua Minas Gerais). Estava morando no Itaim Bibi. Voltava pra casa só a noite. Fiquei assim por uns dez anos. Depois disso, comecei a trabalhar como zelador.

P/1 – Nesses dez anos que você ficou na casa da Avenida Paulista, o pessoal tocava a campainha pra visitar?

R – Não. Durante o dia eu não estava presente. Era só a minha esposa, porque as crianças estudavam no São Luis.Era uma vida tranquila. Nessa época não existia ladrão e nem crime nenhum. Você deixava o pão e leite na porta que ninguém coloca a mão. Eu tenho muita saudade daquela época. Hoje, ninguém tem mais respeito. A educação está abaixo de zero à 500 quilômetros. O máximo era alguém pedia um prato de comida, que acontecia de vez em quando. Podia-se andar a qualquer hora da noite. A policia era polícia de verdade. Usava um chapéu falha azul....

P/1 – Como era a Paulista nessa época?

R – Era uma rua comum. Tinha o bonde e era uma rua qualquer, pouquinho mais larga que essas aqui. Tinha uma pista só , de mão dupla. Tinha aquele bonde que você entrava de um lado e saída do outro. No centro da cidade também era bonde, São Luis, Ipiranga, também. Eu conheci isso tudo ai. São Paulo virou um gigante. Em 1950 só tinha prédio no centro da cidade. Do Itaim até a Paulista não tinha nenhum, só prédios de uns três andares, no máximo. No final de 1959 para 1960 ai foi aquela loucura. Você olhada da paulista, para baixo, só via placa de construção. Foi uma febre.

P/1 – E pra quem essa casa que você trabalhava foi vendida?

R – Ahh, não me lembro! Foi para empresas grandes.

P/1 – Você viu sendo demolida? Ficou triste?

R – Vi sim. Fiquei triste. Era uma família que me tratava muito bem, eu tinha tudo. Era bem vestido igual eles. Roupas boas, tudo isso. Se tivesse qualquer doença, eles pegavam médico do instituto Paulista, Matarazzo. Ele era muito bom, preocupado com os funcionários.Eu aprendi tudo com eles. Eu passei necessidade nos primeiros dez meses, quando eu cheguei em São Paulo, depois foi só vida boa.

P/1 – Você teve só uma filha?

R – Duas filhas e um filho. Uma tem 54 anos, depois veio o meu filho, que tem 53 anos e a outra 43 anos. Passou sete anos e nasceu a caçula. Agora eu tenho cinco netos. No Extra aonde eu trabalho é o seguinte, as operadoras de caixa são novas...

P/1 – Deixa só eu voltar, o senhor estava dando aula e foi morar aonde?

R – No Itaim Bibi, na rua, como chamava mesmo? (pausa). No cruzamento da rua Bibi, que ágora é a Rua Dr. Renato Paes de Barros.

P/1 – E além de dar aula para pastor alemão, o senhor tinha outro emprego?

R – Tinha um emprego sim. Em 1970 eu comecei a trabalhar e parei de dar aula porque não dava tempo.

P/1 – O senhor era zelador e dava aula?

R – Não, na época que eu era zelador eu não dava aula.

P/1 – Não valia a pena?

R – Valia, mas não dava tempo. Tinha que cuidar do lugar. Eu morava na alameda Campinas, descendo a avenida Paulista. Eu sempre trabalhei em lugar bom, Paulista, rua Pamplona. Trabalhei no Itaim também, como zelador, na Pedroso de Alvarenga, escritório na Berrini. Nunca fiquei desempregado. Trabalhei de taxi, mas nunca gostei. Eu gostava de dirigir carro meu e não para os outros. Até 1996 eu trabalhei de zelador. Ai eu aposentei. A minha filha morava aqui no Itaim, era solteira. Um dia a minha esposa caiu e bateu a cabeça, ela tem pressão alta, precisava levar ao médico, não ficava boa. Ai levamos ao hospital das clínicas, ficou a noite toda lá fazendo exames, parecia que ficava boa, mas chegando em casa voltava tudo de novo. Esquecia das coisas, não podia andar sozinha, coisas assim. Ai fomos na Santa Casa, ficamos lá 18 horas, ai ela saiu e parecia boa, mas passava o efeito do remédio e, nada! Ai uma colega da minha filha, conhecia um médico japonês na avenida Tucuruvi, pessoa completa mesmo, médico de verdade.Ai fomos lá, pagamos 50 mil réis na consulta, mas foi como tirar com as mãos. Aquilo era médico de verdade. Que pega na pessoa, vê se tem alguma coisa, até os pés. Fomos lá duas, três vezes, passou um remédio que vendia debaixo do consultório. Olha, nunca mais teve nada! Aquele é médico! Está lá até hoje! Você vai lá e fica boa. Agora esses outros médicos ai.....(pausa)....onde eu estava mesmo? Ah sim! Ai em 1996 eu parei de trabalhar e fui fazer a minha casa em Cotia.

P/1 – Ai o senhor estava falando do período que o senhor se aposentou.

R – Isso! Antes de eu ir pra lá, fazer a casa de Cotia, eu trabalhei também como pintor. Pintei muitos apartamentos na avenida Paulista, escritórios. Eu sou um camarada que aprendeu pouco à ler, mas sobre trabalhar, sim, eu aprendi tudo! Tudo que você pode pensar, qualquer coisa eu aprendi. Ai parei de pintar. Foi na época que o Collor de Melo foi presidente, que sumia, a pessoa ficava sem dinheiro, eu arrumava trabalho, mas na hora de fechar o contrato as pessoas falavam “ah! Mas tem que esperar um pouco porque o dinheiro está preso...”. Uma história que eu ia já me esquecendo é que eu morava na rua Apinajés, perto da rua Alfonso Bovero, e todo dia saindo para o trabalho, passava na igreja Nossa Senhora de Fátima – era meu caminho por essa rua – lá pelo lado da igreja tem uma capelinha e eu passava, rezava a tarde. Ai um belo dia eu pensei: “vou pedir uma graça para Nossa Senhora de Fátima.!”. Daí então rezei, a pedido de trabalho, que não faltasse amis nada para mim. Ai eu consegui a graça de Nossa Senhora de Fátima, em 1991. Ai eu arrumei tanto trabalho, que eu não dava mais conta. Lá pertinho do museu do Ipiranga, onde tem aquele museu grandão, arrumei um daqueles que a sala cabia 1200 pessoas. Tudo com aqueles efeitos em amarelo, na sala, e eu tinha quatro pessoas que trabalhava comigo, mas mesmo assim não dava conta. Olha, nunca mais me faltou nada. Então o que eu faço, eu conheci o padre lá da igreja e falei para ele: “eu fiz um pedido para nossa senhora e minha graça foi alcançada. Então eu quero pintar a capelinha, sozinho com Deus. Só preciso que o senhor me dê uma escada”. Ai então ele me emprestou a escada e eu fiz tudo sozinho, a cor, o quadro, a moldura, que eram amarelinhos, eu fiz sozinho, pintei tudo. Ai então, além de ter estudado ao lado dela eu sou devoto de fé da Nossa Senhora de Fátima, posso dizer que sou o homem mais feliz do mundo. Com os meus oitenta anos e meio, quase oitenta e um, nunca tive nenhum problema na vida. Nunca! Não adianta você, jovem, chegar numa idade da vida e beber, fumar, o diabo a quatro, porque querer se recuperar no meio da idade, quando está com 40, 50 anos de idade não dá não. Você tem que começar de jovem se seguir a sua meta em frente!

P/1 – Quando o senhor começou a pintar?

R – Em 2007, mas eu desenhava.

P/1 – Quando o senhor começou a desenhar?

R – Ahh! Isso foi antes de 2000.

P/1 – Como o senhor começou?

R – Ah! Eu fazia aquele desenho meio feio no começo. O meu filho nessa época trabalhava a noite, de moto. Enquanto ele não chegava, lá pela meia noite, uma hora, eu ficava sempre pintando, fazendo desenho. Então levei para o meu trabalho e o pessoal falava que eu poderia passar eles para a tela. Ai eu me entusiasmei e em 2007, comecei a pintar com tinta acrílica e tinta óleo.

P/1 – O senhor nunca foi à escola aprender a pintar?

R – Foi depois. Mas os primeiros passos fui sozinho, com inspiração. Ai eu tinha aula no SESC Pompéia e no parque da Água Branca também, mas não foi muito tempo também. Eu já tinha o meu jeito e professor falava pra continuar desse jeito mesmo, então, continuei. Em casa eu tenho meu cavalete, minhas tintas. Até o Abílio Diniz, dono do Pão de Açúcar, tem quadro meu, fiz um quadro grande.



P/1 – Quando o senhor conheceu o Abílio Diniz?

R – Ele tinha um apartamento no Murumbi, no Real Park. Olha, eu não sei nem quantos quadros eu já dei! Os funcionários quase todos ganharam quadros meus, fui em exposição e vendi, também. Na hora que eu parar, lá com uns 120 anos, ai eu vou fazer só isso.

P/1 – Ai o senhor se aposentou e continuou trabalhando?

R – Continuei. Eu trabalho lá no (supermercado) Extra, da rua João Cachoeira, no Itaim. Eu trabalho seis horas por dia.

P/1 – O que o senhor faz?

R – Eu sou frente de caixa. Faço pacote. Troco dinheiro. Sou tratado com muito carinho. Que eu sou muito bem tratado, com muito carinho por todos. Então eu me sinto muito bem. Quando eu chego lá não existe problema nenhum, deixo tudo pra lá. Ali eu sou alegre, converso e tenho amizade com todo mundo lá.

P/1 – E para Sobral, o senhor nunca mais voltou?

R – Eu fui em 2010.

P/1 – Quem ainda mora lá?

R – Eu tenho um irmão que mora em Sobral.

P/1 – Só um?

R – Um outro ainda mora na fazenda, tem uns dois ou três só.

P/1 – E as irmãs?

R – Uma mora no Belém do Pará, essa eu não vejo há muitos anos. A outra mora perto de Fortaleza.

P/1 – E carta, o senhor não escreveu mais?

R – A gente não escreve muito, não. Falo mais por telefone mesmo. Com o que mora em Sobral e o outro que mora perto, é por telefone. O outro que mora mais longe, no interior, já fica mais difícil. Mas é isso. Na vida, fazendo o que é certo, a gente sempre é feliz.

P/1 – O senhor mudaria alguma coisa na sua história de vida?

R – Se eu tivesse nascido e cursado escola, eu seria um homem formado e advogado. Eu gosto de falar e sou duro, esses que bate na mesa mesmo. Eu seria advogado ou então médico. Lá na fazenda a gente não era veterinário, porque não aprendeu em escola, mas fazia parto de vaca, essas coisas, a gente fazia. Tirava o bezerro, essas coisas. Se eu pudesse mudar algo, faria uma dessas duas coisas. Seria um homem preparado nisso, porque eu entendo muito dessas coisas. Mas como eu nasci e fui estudar já depois de grande, tive que trabalhar o dia inteiro até a noite, por isso que eu sou um homem forte. Nunca tive preguiça na vida. Pra mim nada é difícil. Tudo é fácil.

P/1 – O senhor tem um grande sonho?

R – Tenho. Eu sou um homem sonhador. Os maiores sonhos que eu tenho é de conhecer a Europa, a Itália principalmente, aquela igreja que é pintada por Miguelangelo – aliás eu tenho umas fotografias de lá. A minha filha esteve na Itália e trouxe as molduras, tudo aqueles negócios, né – tenho vontade de conhecer a Espanha, Portugal, tudo assim. E na minha vida pessoal, fica o sonho de deixar cada filho com uma casa bem boa, dada por mim mesmo, feita, construída. Sonho também em ter os netos todos formados, porque agora eles dão muito trabalho, gostam de balada, essas coisas, e eu não gosto disso. Meu sonho é esse, sempre ajudar quem precisa. Eu sou um camarada de coração manso. História de família grande, sempre tem altos e baixos, você sabe. Eu sou um camada muito sentimental, gostaria de ter todos de baixo da minha asa. Se eu pudesse, ajudaria muitas instituições de caridade, esses negócios.

P/2 – O senhor falou lá fora que quando as pessoas cresciam elas viravam bois, não é isso?

R – Ah, sim! Eu quando criança pequena, brincava de cavalo de pau na fazenda, e vendo aqueles animais pensava que quando a gente crescia virava bois e vacas. . Para você ver como a inocência é. E até hoje eu não esqueci desse negócio, eu era criança de uns dois, três anos – que nasceu no meio do gado. Gosto muito de cachorro, de gato. Eu não sou capaz de matar nem uma barata. Nem galinha eu mato, só pego os ovos. Eu criava galinha mas nunca matava, quando estavam velhas, eu trocava por novas. Então a minha vida sempre foi assim, gosto das coisas direito. Se eu vejo um problema, não consigo ficar perto.

P/1 – E futebol, o senhor torce para algum time?

R – Eu sou corinthiano fanático. Eu ia muito no campo, Pacaembú, Morumbi. Vinha torce pelo Corinthians. Vi o Santos na época do Pelé. O Corinthians ficou 11 anos sem ganhar do Santos – o Negão (Pelé) não deixava ganhar então. A primeira copa que o Brasil ganhou foi em 1958.! Nossa senhora! Eu acompanhei direto! O meu filho também é corintiano doente, chega até a chorar. Eu não choro não. Na minha casa eu tenho o meu lugar de assistir o jogo. No cantinho do sofá, sempre com a mão cruzada assim, mas não sou daqueles de fazer carnaval. Apesar da gente já ter sofrido muito com o Corinthians, hoje é só alegria, campeão mundial, coisa e tal. Os outros agora ficam com inveja do Corinthians, que hoje joga num esquema diferente, não é?! Mas eu acompanho o futebol geral.

P/1 – Qual foi um jogo da copa marcante para o senhor?

R – Olha, tiveram dois jogos marcantes, mas eu acho que aquele jogo contra a Inglaterra foi um jogo difícil.

P/1 – Em qual copa?

R – De 1958. Primeiro o Brasil ganhou da Rússia, de cinco a dois. Mas contra a Inglaterra foi difícil mesmo. Foi um a zero e muito difícil, o goleiro pegava até a sombra dele. Aqui em São Paulo, por exemplo, depois da copa eu vi muitas vezes o Pelé jogar no Pacaembu, Morumbi. Meu filho ia muito ao Rio de Janeiro acompanhar aquela década de 1976, depois de jogar no Fluminense. Depois ele foi jogar Costa Alegre, Lion. Todos os dias eu vejo jogo de futebol. As coisas boas são essas ai.

P/1 – O que o senhor achou de dar essa entrevista e contar a sua história de vida?

R – Olha, da outra que eu fiz, da ‘pessoa que faz o bem’, foi o maior presente da minha vida. Dessa vez eu não digo que é maior, mas é igual ou maior...acho que é maior! A minha felicidade é tanta que eu nem sei o que vou falar pra tu. Minha filha que correu atrás disso. Eu não tendo nada a esconder, sou uma pessoa que gosta das coisas direito, doa a quem doer. Então posso falar a vontade que não tenho nada a esconder. Sou um livro aberto. Eu não sei ler muito, mas gosto de livros bons, tem vários livros de pessoas importantes, livro dos sonhos, que eu tenho em casa e gosto de ler.

P/1 – O que é o livro dos sonhos?

R – Eu tenho um livro que chama “livro dos sonhos”. Conta tudo o sonho das pessoas. Esses dias também, eu comprei um livro que conta histórias bonitas. A pessoa para entrar na empresa, tem que fazer o seu currículo, não é? Você tem que ser uma pessoa que se prepara, tem aula, para depois ter o seu diploma e saber se dirigir as pessoas, conversar. Num escritório desses de administração grande, tinha várias salas. Ao terminar o curso e sair eles já apresentavam todos: “esse é o Dr. fulano, esse é o Dr. sicrano”, então você sabe a hora que tem que falar e a hora que não tem que falar. Se tem alguém conversando, espera terminar para você falar, não é isso? Você dá bom dia, boa tarde. Tem que saber conversar e não ter medo de falar a verdade. A verdade tem que ser dita sempre. Se eu achar que eu estou certo, eu estou certo. Ele pode até ter a razão dele, mas, vamos dividir! 50 para ele e 50 para mim. Se eu tiver com a minha razão, eu estou com a minha razão. A pessoa não tem que ter medo de falar. Falar a verdade não é crime nenhum.

P/1 – Deixa só eu tirar uma dúvida. Nessa casa que o senhor morou dez anos, você chegou ficar com o seu filho lá?

R – Na Paulista ficaram os três.

P/1 – Eles brincavam na casa?

R – Nossa senhora! Tinha quintal, tinha tudo.

P/1 – Eles ficavam entrando nos quartos, como que era?

R – A casa tinha tudo. Tinha aquele hall social grandão, escritório, sala de visita, sala de almoço. A copa ficava embaixo da sala de almoço, então tinha um elevador para subir a comida, para ser servido em cima. Coisa de gente rica. Tinha elevador na casa, tinha de tudo, e eles brincavam. Eles estudaram no colégio São Luis....

P/1 – Você recebia visita lá?

R – Recebia. Meu irmão, esse que mora aqui, que se chama Benedito, ele morou muito tempo comigo naquela casa. No conjunto nacional tinha uma loja que já nem existe mais, eu comprei roupa, terno e gravata para ele, para andar igual a nós. Depois que eu sai do serviço de manobrista, eu passei 36 anos usando gravata todos os dias. O dia que eu não usava, que era domingo ou segunda, que eu estava de folga, eu sentia faltando alguma coisa em mim. Acostumei tanto com gravata, que eu andava de gravata todos os dias. Eu nunca morei numa casa de vila em São Paulo. O máximo que eu fiz foi essa casa em Cotia, mas aqui em São Paulo, eu sempre morei em bairro de granfino mesmo. Meus filhos estudaram em colégio bom. Tanto é que uma vez minha filha foi a um colégio na Consolação que, não sei o que ela fez, que a professora deu um tapa na cara dela. Ela contou quando chegou em casa e nós não fizemos nada. Daí pra cá, ela ficou uma das melhores alunas.

P/1 – Seu Francisco, eu queria agradecer a entrevista.

R – Olha, mais do que eu, acho que ninguém vai agradecer. Eu fico muito feliz!